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Mateus Seigo Sagai

INIMIGOS OU TRABALHADORES
Japoneses no Primeiro Governo Vargas

Projeto de mestrado

Maringá, junho de 2001.


2

ÍNDICE

RESUMO...................................................................................................................................3
INTRODUÇÃO.........................................................................................................................4
OBJETIVOS..............................................................................................................................7
JUSTIFICATIVAS...................................................................................................................8
FONTES...................................................................................................................................12
METODOLOGIA...................................................................................................................13
PLANO DE TRABALHO E CRONOGRAMA DE EXECUÇÃO.....................................16
JUSTIFICATIVA DA LINHA DE PESQUISA...................................................................17
BIBLIOGRAFIA.....................................................................................................................18
3

RESUMO

Neste projeto de pesquisa me proponho a estudar a maneira pela qual os japoneses


foram vistos pelas autoridades governamentais e pela sociedade paranaense nas décadas
de 1930-1940, quando chegaram em grande número ao estado do Paraná, mais
precisamente na região norte do estado, fundando núcleos coloniais. De acordo com a
historiografia, houve uma série de restrições a essa imigração, sendo considerada
inconveniente para a formação da nação brasileira. Todavia o Estado do Paraná, apesar
de dar todo o apoio ao governo de Vargas, parece ter se manifestado contrário a essa
restrição, pois permitiu a entrada de japoneses, principalmente na região norte do
estado. Com esse pressuposto, me proponho a analisar as razões dessa "desobediência",
destacando a campanha antinipônica no Brasil, procurando verificar se o discurso era
realmente voltado para a eugenia, ou se havia outros interesses por detrás da temática
racial. Para tanto, objetivo realizar um levantamento da bibliografia que trabalhou a
temática racial no Brasil, acompanhando o discurso de exclusão do século XIX até
1930, contrapondo-o com o realizado pós 1930, pelos antinipônicos. Entendo que esse
acompanhamento poderá fornecer subsídios para perceber a existência ou não de
diferenças nesses discursos. Para tanto, utilizado o Paraná como objeto de estudo, no
intuito de se verificar aqui, a existência, ou não, de uma política contrária à vinda de
japoneses para o estado.
4

INTRODUÇÃO

No ano de 1908, a primeira leva de imigrantes japoneses desembarcou no Brasil,


motivada pela estagnação econômica japonesa e em busca de melhores condições de
vida no novo mundo. Incentivados pelo governo imperial japonês a desbravar novos
horizontes, entraram no Brasil atraídos pelo discurso da escassez de mão-de-obra aqui
existente.
Porém, a entrada de imigrantes japoneses no Brasil passou a sofrer críticas, desde
antes desse primeiro momento. As especulações em torno do imigrante japonês
remontam a 1900, quando se iniciam as discussões entre o Brasil e o Japão em torno da
questão imigratória. Pode ser percebido que desde então a entrada de japoneses não se
mostrava bem vinda, como pode se observar neste relato de Manuel de Oliveira Lima,
Ministro Plenipotenciário do Brasil no Japão em 1901:

Esta imigração me parece pouco desejável, tanto pelo perigo que oferece de
uma maior mistura de raças inferiores na nossa população, como pela
carência de experiências agrícolas com modernos processos e utensílios que
existe entre a população rural destes países asiáticos, e bem assim, pela
diversidade de educação, costumes e, sobretudo, natureza psicológica e
objetivo social que separa a raça ariana da mongólica. (Carneiro, 1990, p.22)

A discussão sobre essa questão parecia se estender por todo o país, pois no Paraná, o
jornal “Diário da Tarde”, em editorial de 1908, do articulista Celestino Júnior, já
expressava a preocupação com a imigração nipônica para o país (Andrade, 1975, p.37).
A partir da década de 30, toda esta discussão adquiriu contornos mais preocupantes,
ganhando espaço inclusive nas discussões da Assembléia Nacional Constituinte. Vários
constituintes como Félix Pacheco, Miguel Couto, entre outros, passaram a defender a
idéia de que a imigração de japoneses provocava uma invasão amarela no país, e que tal
grupo constituía um “perigo amarelo”, defendendo a proibição da imigração japonesa
para o Brasil. A campanha antinipônica não se restringiu à Assembléia Constituinte.
Vários livros foram publicados condenando a vinda de japoneses para o Brasil, assim
como os jornais passaram a publicar artigos “visando influir nas deliberações da
constituinte” (Carneiro,1990, p.95).
5

Com o novo regime imposto por Vargas, e as articulações em busca da legitimação


do governo provisório, se fez necessário o apoio de toda a população. O “governo
revolucionário” se empenhou em construir um sentimento nacionalista, na busca de uma
unidade nacional, e nesse caminho destacaram-se novamente os antinipônicos alertando
para o perigo de uma invasão amarela no país.
Durante período de vigência do Estado Novo, ditatorial, buscou-se integrar toda a
sociedade em torno de ideais nacionalistas, com a participação de todos os setores
sociais. Como o regime procurava definir a característica nacional como elemento de
unidade nacional, o questionamento sobre a pertinência ou não da introdução de
imigrantes tão distintos cultural e esteticamente como o japonês era de suma
importância. Naquele momento, qualquer elemento que fosse estranho ou que
oferecesse risco ao projeto nacionalista era visto como inimigo, não pela diferença
étnica, (para o regime a explicação racial era extremamente simplista), mas sim por
introduzir no seio da nação uma cultura diferente e principalmente ideologias tidas
como inimigas.
Utiliza-se, a partir de então, uma série de aparatos simbólicos que visam despertar
na sociedade um sentimento nacionalista. É neste ponto que parece distinguir o discurso
de exclusão racial do período anterior a 1930, onde as formas se diferenciam do antigo,
atendendo a novos interesses que não ficavam restritos à eugenia. Luizetto defende em
sua dissertação de mestrado sobre a imigração, que na Constituinte de 1934, o debate
tinha como principal interessado os grandes latifundiários, preocupados com os
imigrantes, principalmente com os japoneses, que buscavam se tornar pequenos
proprietários, podendo vir a afetar os interesses agroexportadores que se encontravam
ainda abalados pela crise de 1929. (Lenharo, 1986, p.126).
Dessa forma, a discussão em torno da nacionalidade brasileira, ganhava novos
contornos, no sentido que buscava legitimar a exclusão ou o policiamento de diversos
grupos de imigrantes, que passaram a ser apontados como sujeitos que poderiam
corroborar para a fragmentação da unidade nacional, constituindo-se num “elemento
subversivo”.
No Paraná, nesse período, estava ocorrendo período uma grande corrente migratória.
A análise deste processo é que se consiste no objeto central deste trabalho, que se
6

propõe a verificar como a entrada de japoneses era observada pelo governo e pela
sociedade paranaense, em face à política nacionalista varguista.
7

OBJETIVOS

Geral: analisar o discurso anti-nipônico expresso no Brasil, no primeiro governo


de Getúlio Vargas, observando como o estado do Paraná - que estava recebendo os
japoneses - e como as autoridades governamentais se apropriavam desse discurso,
reelaborando-o de modo a justificar a entrada de japoneses na região norte do estado.
Verificar a existência de uma campanha antinipônica na região, e as modalidades que
essa campanha se reveste.
Específicos: buscar os diversos interesses envolvidos na campanha antinipônica
na Assembléia Constituinte de 1934, e verificar até que ponto os discursos contra os
imigrantes japoneses não mais se apoiam exclusivamente no caráter eugênico, mas
comportam outros interesses (econômicos, políticos, sociais e culturais).
8

JUSTIFICATIVA

Para justificar a pesquisa planejada neste projeto, a análise bibliográfica a seguir é


essencial, uma vez que aponta em que medida a historiografia tem tratado das questões
aqui levantadas,ao mesmo tempo em que chama a atenção para as lacunas no
conhecimento histórico, que os resultados da pesquisa pretendem preencher.
Uma grande parte da literatura referente à imigração e migração japonesa para o
Paraná concentra sua atenção no processo que acabou desencadeando a vinda dos
japoneses para o estado, e o desenvolvimento das várias colônias formadas pelos
nipônicos. A região norte tem sido o foco central destes trabalhos, pois o fluxo
imigratório e migratório está diretamente ligado ao seu processo de (re) ocupação 1,
conseqüentemente também da formação de uma parte da sociedade paranaense, que
posteriormente se expande rumo a outras regiões do estado.
Dessa forma, a análise em torno do movimento nipônico para o Paraná é realizada
dentro do contexto de (re) ocupação do norte do estado, fruto do desenvolvimento do
capitalismo, em decorrência da expansão da cafeicultura paulista rumo ao oeste do
estado:

A cafeicultura paranaense é a continuação da “marcha para o oeste”


dos paulistas, que sempre a procura de perspectiva de lucro adentraram o
Paraná quando suas terras já estavam se tornando escassas ou
supervalorizadas pelo desenvolvimento da agricultura comercial com base
na produção de café. (Cancian,1981, p.10).

Quando se trata sobre o assunto dos japoneses no Paraná, temos uma série de
dificuldades em levantar bibliografia, dada a escassez de trabalhos e pelo fato de que
uma grande parte desses estudos centrarem o foco no movimento migratório e
imigratório em geral, dentro do processo colonizador no norte do estado, ou em
determinadas colônias, que muitas vezes servem como estudo de caso para o processo
de (re) ocupação.
O pesquisador japonês Yoshikazu Yamoshi, ao estudar em sua dissertação de
mestrado a comunidade japonesa de Uraí, também se depara com este problema:

1
O termo (re) ocupação é utilizado com o intuito de afirmar que a região em questão já era ocupada antes
da introdução da colonização dirigida por grandes empresas. Baseado no trabalho de Nelson Tomazi
(1997).
9

“Maioria dos estudos existentes sobre a migração japonesa dessa região


é de cunho específico, referindo-se a determinadas colônias do Norte do
Paraná...”.(Yamochi,1991, p. 1)

Entretanto, Yamochi, apesar de ter realizado um estudo dando um panorama geral


sobre a imigração japonesa no estado nos primeiros capítulos, tem como objetivo
analisar o processo de formação e constituição de uma colônia nipônica, no caso Uraí,
que também é fruto da ação de uma empresa colonizadora japonesa e que se encontra
inserido no processo colonizador da década de 30 na região.
Um outro estudo sobre a imigração japonesa, que vale a pena ressaltar, é o trabalho
de dissertação de mestrado de Celina Midori Murasse, defendido em 1993 em São
Carlos, na UFSCAR, que traz um aspecto geral sobre o processo imigratório para o
Brasil, inserindo-o dentro do contexto histórico mundial do período (Midori, 1993, p.
1).
O trabalho merece atenção pelo fato de abranger, mesmo que de forma sucinta, todo
o processo imigratório para o Brasil, o que acaba possibilitando uma melhor
visualização do mesmo.
Não é a intenção aqui, realizar críticas a estes trabalhos; muito pelo contrário, o
objetivo consiste em ressaltar a grande contribuição destes para o assunto e, buscar
repostas para justificar o objetivo dos estudos que pretendo realizar.
E nesse sentido, estes e outros trabalhos foram de grande importância e contribuíram
enormemente, em especial pelas diversas questões que foram surgindo após a leitura
desta bibliografia. Dentre estas questões algumas ficaram sem respostas claras, algumas
delas se referindo ao período de 1930, depois do golpe de Getúlio Vargas.
Como já tratamos anteriormente, naquele período uma grande leva de japoneses
inicia sua entrada no estado devido ao movimento de (re) ocupação do norte da região,
ao mesmo tempo em que o país está envolvido por um processo nacionalista
desenvolvido pelos articuladores do golpe.
No bojo destas discussões ressurge, na Constituinte de 34, uma campanha contra os
japoneses no Brasil. Neste momento o Paraná, tal qual os outros estados brasileiros,
encontra-se sob a intervenção do governo central. Este estado, apoiou durante e após a
10

tomada do poder por Getúlio Vargas, desempenhando um papel estratégico na vitória da


Revolução (Oliveira, 1997, p.47-49).
Diante disto, durante o governo de Manuel Ribas, nomeado interventor por Vargas
em 1932, o estado passou seguir as linhas gerais do governo varguista, desenvolvendo
uma política que não deixa de acarretar algumas perguntas:
Como se explica que o estado do Paraná tenha recebido uma grande leva de
japoneses nesse período? Qual seria postura do governo estadual em relação a eles, já
que eram considerados “elementos” não desejáveis? Segundo as entrevistas realizadas
por Yamochi entre os japoneses, o governo de Ribas sempre se manifestou a favor dos
japoneses (1991, p. 88).
Esta postura favorável de Ribas em relação a entrada de japoneses no estado causa
estranhamento justamente porque ele segue apoiando Vargas, buscando sempre reprimir
os inimigos do regime e manter uma rígida vigilância sobre as comunidades imigrantes,
sendo que o Paraná é alvo de campanhas de nacionalização, principalmente pela
quantidade de alemães, poloneses, ucranianos, etc, que habitam a região sul do território
paranaense (Benevides, 1991, p.98-188).
Outro ponto que acaba levantando dúvidas, é o fato de que os japoneses fundaram
diversas colônias no estado, muitas vezes reproduzindo a organização social existente
no Japão conhecida como Mura, (Sagai, 1999, p.21). Ao que tudo indica, ainda que
numa pesquisa em fase inicial, estas colônias não sofreram nenhuma forma de controle,
nem de forma leve, por parte de um governo preocupado com a manutenção da unidade
nacional.
Considerando a possibilidade de não ter existido nenhuma forma de controle e
campanha antinipônica no Paraná no período, a que motivos se deve esta ausência? No
estados próximos como São Paulo e Rio de Janeiro a discussão contra os japoneses era
realizada em vários momentos, ganhando destaque na imprensa, que destacava os
projetos contrários aos nipônicos tramitando na Assembléia Nacional Constituinte de
193. Qual teria sido o reflexo dessas discussões no Paraná? Como já fora observado por
Andrade (1975), em 1908, antes mesmo da vinda dos imigrantes para o Brasil, o Jornal
curitibano, Diário da Tarde, através de seu articulista, Celestino Junior, mostrava-se
contrário aos japoneses (Andrade, 1975, p.32-37).
11

Apesar de chamar a atenção para essa campanha de 1908, o autor não discute o que
ocorre no estado após 1930, quando realmente os japoneses passam a entrar em grandes
levas. Assim, considerando essa série de questões que surgiram após a leitura dos
trabalhos referentes aos japoneses no estado do Paraná e no Brasil, justifica-se a
validade deste projeto no sentido de que preencheria as lacunas existentes sobre o
referido assunto, podendo inclusive trazer a tona mais indagações sobre o período do
Governo Vargas no Paraná, e como a sua política nacionalista se faz sentir por
intermédio do governo interventor.
12

FONTES

- Anais da Assembléia Nacional Constituinte de 1934.


- Anais da Assembléia Estadual Constituinte paranaense de 1935.
- Jornais da grande imprensa, em circulação no Paraná na época.
- Fontes bibliográficas que abordam a campanha antinipônica no Brasil: O perigo
japonês, de Vivaldo Coaracy, A ofensiva japonesa no Brasil, de Carlos de Souza
Morais, A crise da imigração japonesa no Brasil, de Valdemar Carneiro Leão.
13

METODOLOGIA

As fontes acima arroladas serão analisadas seguindo as orientações


metodológicas contidas na análise textual e na análise do discurso.
Atualmente, não constitui nenhuma novidade a idéia de que a enunciação de
todo e qualquer discurso está enraizada em algum nível de relação de poder. Ainda
assim, dados os objetivos da presente discussão, é importante ressaltar essa idéia, uma
vez que a utilização de um aparato metodológico voltado para a análise de discursos
deve, para alcançar seus objetivos, interligar tanto a compreensão das diferentes
expressões textuais transformadas em documento, quanto a visualização das posições de
seus enunciadores no interior da sociedade, pois somente assim se é capaz de inferir
com clareza as implicações e as significações dos objetos discursivos.
Como primeiro passo, no sentido de promover essa análise de discurso  e antes
do confronto que se costuma de chamar de “texto X contexto” , é preciso realizar uma
leitura crítica preliminar que torne saliente a estrutura de significação interna do mesmo.
Para isto, há diversas técnicas, algumas delas extraídas da semiótica e descritas por Ciro
F. Cardoso (1997) O quadrado semiótico e o grupo de quatro de Klein partem do
princípio de que todo texto possui dois termos geradores (algo como palavras-chave)
contrários entre si, aos quais devem ser associados outros dois termos que lhes são
opostos. Uma vez que o pesquisador tenha abstraído tais termos do documento, ele é
capaz de encontrar os “sentidos” do texto seguindo as direções de um esquema gráfico
padrão (Cardoso, 1997, p. 110-155) A leitura isotópica, outra técnica exposta por
Cardoso, pode ser resumida em três operações básicas: exame comparativo das partes
do texto visando encontrar as categorias de significação; isolamento das categorias
repetitivas; distribuição destas nos níveis semânticos figurativos (relacionado a algum
dos cinco sentidos), temático (que é conceitual, abstrato), e axiológico (fundamentado
em algum sistema de valores). A partir dessas operações constroem-se as redes
temáticas do texto que servem como grades de leitura para o pesquisador (Cardoso,
1997, p. 172-202)
Ambas as técnicas são interessantes e fornecem bons resultados em termos de
compreensão do discurso como um objeto “em si”. Entretanto, como já foi dito, deve-se
ir além no estudo do texto a fim de relacioná-lo ao que está conjugado a ele. Para tanto,
14

um segundo passo na análise de discurso é transcender a abordagem do documento


individual, para inseri-lo num leque mais amplo de textos aos quais ele está ligado de
alguma maneira, seja como espécime de um gênero em particular  uma obra literária,
um tratado filosófico, um artigo jornalístico, um código jurídico, etc. , seja como parte
de um conjunto heterogêneo de discursos a respeito dos mesmos referentes. No primeiro
caso, trata-se de situar o documento em questão no interior de um determinado espaço
formalmente estruturado de textos  a literatura, a filosofia, a imprensa, a lei, etc. , o
que permite estudar o discurso em função das características especiais que distinguem
seu gênero dos demais tipos de escrita. Além disto, também é possível visualizar como a
produção desse texto analisado faz parte das estratégias próprias do mecanismo de
funcionamento do campo (Bourdieu, 1997) em que seu autor está inserido. No segundo
caso, o fundamental é apreender os fios que ligam os vários discursos, com suas
diferentes características formais, uns aos outros numa rede mais ampla que constitui
o(s) sentido(s) atribuído(s) a um dado objeto. Assim, pode-se analisar o documento
como um elemento de uma estrutura não necessariamente instituída de modo formal,
mas que, não obstante, existe na sociedade e molda sua visão de mundo.
Esse segundo passo diz respeito à relação texto/contexto, apenas na medida em
que ela consiste não numa redução dos significados contidos no documento à “realidade
concreta” externa a ele, mas sim num diálogo entre um conjunto específico de
enunciados  o discurso  e uma forma particular de saber sobre o social  a
historiografia. (Kramer, 1995) Graças a esse segundo nível de análise, percebe-se que
toda “construção discursiva remete portanto necessariamente às posições e às
propriedades sociais objetivas, exteriores ao discurso, que caracterizam os diferentes
grupos, comunidades ou classes que constituem o mundo social.” (Chartier, 1994, p.
106) É então que os interesses individuais e coletivos, os argumentos ideologicamente
orientados e as concepções culturais dos sujeitos históricos tornam-se visíveis com mais
clareza no texto e a análise de discurso atinge seu objetivo primordial.
Dizer que o texto é o fruto da ação enunciativa de um determinado sujeito não
significa, entretanto, desconsiderar que o discurso possui, em sua estrutura,
características que extrapolam a vontade do indivíduo, e isto não apenas devido aos
vínculos sociais que unem os sujeitos entre si. Há também, como o estruturalismo
mostrou, os aspectos lingüísticos do discurso, e os mecanismos da língua responsáveis
15

pela produção de sentido não podem ser manipulados ilimitadamente. De fato, a


linguagem é um sistema dotado de uma grande autonomia diante de seus portadores
singulares, os quais são os sujeitos de suas respectivas falas, mas não da própria língua
como um todo.2 Todavia, a compreensão do fato de que os discursos são construções
lingüísticas e de que a língua é uma estrutura impessoal não deve levar ao extremo de se
considerar tais discursos também como enunciados sem sujeitos. Esse é um problema
colocado pela lingustic turn, cujos seguidores, segundo Roger Chartier, propõe que,
num dado discurso,

a construção do sentido é (...) separada de qualquer intenção ou


controle subjetivos, já que ela é atribuída a um funcionamento lingüístico
automático e impessoal. A realidade não mais deve ser pensada como uma
referência objetiva, exterior ao discurso, pois que ela é constituída pela e
dentro da linguagem. (Chartier, 1994, p. 104)

Uma análise fundamentada em tais pressupostos levaria à idéia de que é o discurso


que fala através dos sujeitos, e de que os próprios sujeitos são meros artifícios
lingüísticos. Ao contrário, e seguindo a mesma orientação que Chartier, é crucial manter
as especificidades ontológicas existentes que distinguem o texto e seus referenciais
extradiscursivos, posto que “toda história deve levar em conta a irredutibilidade da
experiência ao discurso” (Chartier, 1994, 105).

2
Sobre a distinção entre língua e fala estabelecida por Saussure, ver a síntese de Anderson
(1984, p. 50-51)
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JUSTIFICATIVA DA LINHA DE PESQUISA

Considerando os objetivos deste projeto, a linha de pesquisa mais adequada é a de


Cultura e Poder, dada à amplitude do termo cultura, e a grande quantidade de
elementos que engendram as relações de poder, as quais a historiografia vem discutindo
atualmente.
Levando em conta o fato de que o período a ser estudado (1930-1945), no Brasil
está dentro do contexto de formulação do Estado-Novo, que passa a discutir a formação
de um Estado nacional homogêneo, a fim de se obter uma unidade , passa a se buscar a
integração da sociedade a partir de “valores culturais” comuns a todos.
O Estado, valendo-se dos instrumentos que acabam justificando a sua interferência
na sociedade, cria todo um aparato simbólico que visa criar um sentimento de
integração similar para a população, que por meio de alguns elementos  escola,
Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), entre outros  que compõem a
instituição do Estado, buscam reprimir toda e qualquer manifestação cultural que se
diferencie da considerada como “original” do brasileiro.
Este é caso dos japoneses, que são vistos como “elementos” de risco a identidade da
nação, pois são alvos de um discurso que os consideram como um tipo humano
“inassimilável” ao povo brasileiro, devido a sua condição “racial” tida como
“degenerada”, constituindo um perigo à formação da nacionalidade do país. Outro ponto
de sustenção para a exclusão do nipônico é a sua condição de imperialista (baseada na
invasão japonesa na Manchúria em): se Brasil aceitasse a entrada deste povo estaria
facilitando uma possível dominação por parte dos “amarelos” do sol nascente. Graças a
essa caracterização da imagem dos japoneses, estrutura-se gradativamente um conjunto
de representações desse grupo étnico, no sentido dado a esse termo por Roger Chartier:
“as representações coletivas (...) incorporam nos indivíduos as divisões do mundo social
e estrutura os esquemas de percepção e de apreciação a partir dos quais estes
classificam, julgam e agem” (Chartier, 1994, p. 108). Tais representações, sendo
exemplos de interpretações culturais produzidas por meio de instrumentos discursivos,
justificam a realização da pesquisa definida neste projeto dentro da perspectiva da linha
de Cultura e poder.
17

PLANO DE TRABALHO E CRONOGRAMA DE EXECUÇÃO

Ano I Meses
Atividades 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12
1. Incorporação de bibliografia de apoio X X X X X X X X X X X X
2. Obtenção de créditos de disciplinas (12) X X X X X X
3. Obtenção de créditos de disciplinas (4) X X X X X X
4. Discussão historiográfica X X X X X X
5. Análises das Fontes X X X X X X
6. Elaboração de paper para evento científico X X X X
7. Produção de artigos para periódicos X X X X

Ano II Meses
Atividades 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24
1. Incorporação de bibliografia de apoio X X X X X X X X X X
2. Obtenção de créditos de disciplinas (4) X X X X X X
3. Análise das Fontes X X X X X X X X
4. Elaboração do texto para qualificação X X X X X X
5. Exame de qualificação X
6. Elaboração do texto final da Dissertação X X X X X
7. Elaboração de paper para evento científico X X X X
8. Produção de artigos para periódicos X X X X
9. Defesa da Dissertação X
18

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