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O sol queimava o alto da cabeça e os pés descalços.

Marcos estava sentado


em um banco na praia de Ipanema. A roupa do trabalho grudava no corpo
com o suor escorrendo, mas os sapatos na mão o deixavam sentir a areia
quente. Os óculos escuros o protegiam um pouco da claridade, mas ainda
assim os olhos estavam levemente fechados. O paletó estava ao lado
jogado, e os objetos como celular, carteira e chaves estavam ainda pesando
no bolso.

Duas horas atrás.


Marcos estava entrando no escritório onde trabalhava, em um prédio alto e
imponente perto da praia. Tinha um cargo de gerencia. Daqueles que
mandam e desmandam em muitos e obedecem a poucos. Naquela terça
feira tudo estava diferente e ele chegou de cabeça baixa, um pouco
atrasado e calado. Bem diferente do que era normalmente. Chamou a
atençao de alguns subordinados mais atenciosos. Seguiu para sua sala,
parou na porta. Se assustou com o papel em cima da mesa. Era fácil de
reconhecer a letra. O difícil era tirar os pés do chão agora.

Duas semanas atrás.


Eram 8h da manhã e o sol já esquentava lá fora. Mas dentro da sala o ar
condicionado refescava os corpos suados que entravam. Marcos era sempre
o primeiro a chegar, como chefe acreditava que devia dar o exemplo.
Responsável por gerenciar umas 10 pessaos dentro daquele escritório, era
querido por todos. Sua simpatia e carisma conquistavam mesmo ele sendo
o chefe.

Naquela segunda feira as coisas estavam indo bem, nenhum problema


sério, nenhum telefonema importante e nenhuma reuniao marcada. Estava
esperando dar 18:00 para ir pro apartamento onde morava sozinho e fazer o
que mais gostava, tocar guitarra e escutar algumas músicas boas, de
preferencia nos vinis de sua coleção.

Eram 17:00, os minutos estavam sendo contados pacientimente, todos já


tinham ido embora, com o sol que estava fazendo lá fora Marcos decidiu
dispensá-los mais cedo. O único que ainda estava lá era o rapaz responsável
pelo financeiro. Ainda tinha algumas coisas pra terminar e foi ficando.

Daniel, o Dani como era chamado, era calado. Não era antipático, mas era
calado. Ninguém sabia muita coisa da vida dele, fora o necessário, ou seja,
onde ele fez faculdade e cosias assim. Mas era um ótimo funcionário, e era
isso que importava.

Naquela segunda feira diferente Marcos decidiu ir embora um pouco mais


cedo. Eram 17:30. Desligou o computador, colocou a carteira, o celular e as
chaves no bolso e fechou sua sala. Quando chegou perto da porta viu que
Daniel ainda estava ali, já se arrumando pra sair. Se perguntarem a Marcos
ele ainda não sabe porque mas resolveu oferecer carona para o menino
calado. Não sabia nem onde ele morava, mas resolveu oferecer. Além do
mais gostava de conversar no transito, uma cia nova não iria fazer mal.

Marcos abriu a porta do carro simples que tinha. Não fazia questao de ter
mais do que necessitava. Daniel entrou no banco do carona, colocou a
mochila nos pés e uxou o cinto. Marcos ainda estava sem graça de
conversar com o menino calado. Para melhorar o ambiente ligou o ipod no
som do carro. E começou com Beatles. Estava no shuffle, mas bom gosto
musical era o forte de Marcos. De canto de olho viu Daniel cantarolar a
música conhecida e bater com os dedos o ritmo da música. Era a desculpa
perfeita pra puxar assunto. E foi assim que começou, o gosto musical era o
tema principal, e por incrível que pareça eram muito parecidos nas opniões.
Não gostavam dessas novas bandas que achavam que faziam rock, mas
sabiam reconhecer uma boa música independente da banda.

-x-

A carona foi estranha mas ao mesmo tempo boa. Marcos deixou Dani em
casa, e foi pra casa ouvir música e tocar guitarra. Tinha ficado feliz com a
aproximação com o seu funcionario mais calado. Gostava desse bom
contato.

Há uma semana atrás.


Depois daquela carona Dani era outra pessoa com Marcos, conversava,
puxava assunto, mandava dicas sobre músicas boas por email. Já tinham
até saído para tomar um chopp depois do trabalho em uma sexta feira
qualquer. A discussão era sempre em torno de música. Marcos estava
criando um carinho muito grande por Dani. O amigo que ele nunca tivera.

Na segunda feira seguinte da carona Marcos convidou Dani para ir até a


casa dele conhecer a coleção de vinis dele. Morria de orgulho daquela
coleção, fazia questão de mostrar pra todos, principalmente pro seu novo
amigo.

Na casa de Marcos abriram uma latinha de cerveja cada um enquanto


ouviam Eric Clapton, Pink Floyd e aqueles clássicos de que tanto falavam. E
assim foi noite adentro. Quando perceberam o dia já estava terminando, as
latinhas também e a consciencia completa estava indo embora junto.

Nada como um noite de rock, cerveja e bom papo para tirar o estresse de
um dia pesado de trabalho. Marcos estava tonto, rindo a toa, e com uma
enorme vontade de dançar.

Ao som de AC/DC balançava a cabeça e o corpo em todas as direçoes


divertindo Dani com aquela coreografia estranha.
Rodou pela sala do apartamento, pulando e cantando com Dani junto.
Tropeçou na mesa de centro, se desequilibrou e foi amparado por Dani.
Abriu os olhos e viu os olhos cor de mel do amigo próximos. Até demais. Viu
a boca semi aberta dele respirando próximo o suficiente para sentir o hálito
quente na sua boca. Se levantou, mas não saiu de perto, os bracos se
enconstaram e Marcos sem pensar beijou Daniel.

A latinha foi largada. A mão passou no pescoço de Daniel, e o puxou pra


mais perto. O beijo se intensificou, os corpos se grudaram as respiracoes se
ritmaram e a musica ao fundo ditou o movimento dos corpos unidos.

Dani se assuntou, empurrou Marcos e saiu correndo do apartamento.


Marcos sentou no sofá, bebeu mais um pouco e deixou o vinil correndo.
Fechou os olhos e só foi acordado com o alarme do celular no dia seguinte.

-x-

Eram 7:30. Sabia que tinha que levantar e se arrumar para chegar no
horário de sempre. Mas não queria chegar no horário de sempre. Não queria
chegar hoje. Não queria chegar nunca mais.

Abriu os olhos, e os fechou novamente evitando a claridade excessiva que


entrava pela porta da varanda. Sentiu as latinhas de cerveja jogadas aos
seus pés. Levou a mao ao rosto, e aos poucos foi ajeitando o corpo até estar
sentado no sofá. E aos poucos analisou a situação da sala.

Latinhas e vinis se misturavam no chao da sala. A mesa de centro estava


torta. Sentiu na boca o gosto de cerveja velha e teve vontade de vomitar.
Respirou fundo e levantou, estava de pé diante daquele pequeno caos que
tinha se instaurado em seu apartamento. Em sua vida.

Lembrou aos poucos dos detalhes da noite. Do beijo, dos cheiros, dos
toques. Se sentou novamente no sofá e dessa vez teve vontade de chorar.
Deixou uma lágrima solitária escorrer por seu rosto. Não sabia o que fazer,
o que pensar e muito menos o que sentir. Tinha agido por impulso, estava
bebado. Mas tinha gostado, queria mais.

Água gelada no corpo. Escovou os dentes e tomou uma grande chícara de


café forte. Já tinha avisado no escritório que iria chegar um pouco atrasado.
Colocou sua melhor blusa social sem perceber, passou mais perfume do que
o normal sem perceber e sem perceber lembrou de uma frase que uma tia
costumava repetir. “Ser feliz é muito mais do que sorrir. É ter coragem para
sentir o que te faz feliz”

E assim Marcos saiu de casa um pouco menos confuso. Um pouco mais


relaxado. O medo era presente e forte. Mas Marcos ainda tinha uma vida a
qual devia seguir. Não podia deixar que o medo o deixasse abalado. Mas
não podia negar o frio que dava barriga ao pensar em cruzar com Dani
assim que entrasse no escritório. A dúvida era se aquele frio na barriga era
de nervoso ou de ansiedade. No fundo, estava louco para reencontrar Dani.
Mas não iria admitir, não por enquanto.

Dentro do carro não colocou o ipod. O silencio estava mais atraente naquela
manha ensolarada. O verão carioca estava fazendo os corpos suarem mais
rapidos e os pensamentos correrem mais lentos.

Antes de abrir a porta do escritório Marcos fechou os olhos esperando que


os pensamentos do trabalho invadissem sua mente. Só conseguiu enxergar
o sorriso de Dani e os olhos cor de mel próximos. O dia prometia ser mais
difícil do que ele imaginava.

Entrou no escritório, sabia que a primeira mesa era a de Dani, não poderia
nem passar despercebido. Fechou a porta, raspirou fundo mais uma vez e
continuou andando em uma velocidade que parecia eterna. Sabia que a
primeira pessoa que iria ver assim que virasse no canto da parede era o
Dani e Marcos não sabia o que sentir quanto a isso. Queria muito
reencontrá-lo. Mas não sabia o que dizer, o que falar, como sorrir, ou não
sorrir. Estava nervoso e suando.

Os óculos escuros escondiam o olhar nervoso. Assim que Marcos contornou


a parede e estava prestes a abrir um sorriso ainda sem muitos significados
viu a mesa de Dani vazia. Poderia pensar que ele tivesse ido ao banheiro,
mas viu os papéis intactos e o computador desligado. Perguntou a
secretária que trabalhava na mesa ao lado o que tinha acontecido e ele lhe
informou que Dani tinha acordado doente e não poderia vir hoje, mas que já
tinha avisado que iria compensar com horas extras.

Marcos seguiu calado até sua mesa, fechou a porta. Deixou a chave a
carteira em cima da mesa e sentou em sua cadeira, ainda no automático
ligou o computador, rodou a cadeira e olhou a praia pela janela. Ao mesmo
tempo que passou uma sensacao de alívio por dentro dele estava com
medo de não ver mais o Dani. Estava com medo de o ter assustado. Foi uma
terça feira diferente e estranha.

-x-

Chegou em sua sala e deu de cara com um papel em cima da mesa. Levou
um susto, reconheceu a letra e não entendeu como foi parar ali. Lembrou
que Dani tinha a chave do escritório, deve ter passado lá antes do
expediente começar.
“Não consegui ficar pra trabalhar mas quero conversar com voce. Me liga.”

Marcos se assustou, estava com medo do que iria acontecer. Passou a


manhã no automático, atendeu telefonemas, respondeu email, fez uma
reuniao e saiu pra almoçar. Sozinho. Na volta parou na praia para pensar,
precisava disso.

Quando voltou viu uma mensagem piscando avisando de um novo email.


Abriu. “Me assustei e não sabia o que eu ia fazer ao olhar pra voce hoje. Por
isso não fui, desculpe. Precisei desse dia para pensar, pensei. Cheguei a
conclusão que precisamos sentar para conversar pessoalmente. Esse email
não será suficiente. Me ligue se quiser.”

Na mesma hora Marcos pegou o celular e ligou para ele.


“Me encontre lá em casa? Estou saindo do escritório agora e vou pra lá.”
“Tudo bem, vou tomar banho e estou indo.”

Marcos chegou, trocou de roupa, deu uma arrumada na sala bagunçada e


ficou procurando coisas pra fazer, não sabia o que fazer, o que falar, onde
sentar, estava atordoado, nervoso e sem entender o que iria acontecer ali, a
campainha tocou.
Dani entrou, passou por Marcos apenas apertando sua mao. Marcos sentiu
um frio na barriga tomar-lhe o corpo, estava nervoso. Ofereceu água, suco,
cerveja, tudo. Dani pediu que se acalmasse e sentasse para conversarem. E
foi ele mesmo que começou a falar.
“Voce não sabe disso, mas eu sou gay. Sempre fui, e nunca iria te contar.
Não mistura o pessoal com o profissional, mas depois do que aconteceu
achei justo que voce soubesse.”

Marcos não esperava ouvir isso, mas não foi tao chocante assim. Dani
continuou

“Eu me envolvi com voce, eu gosto de voce e eu quero voce. Mas não sei o
que voce quer, não sei o que voce pensa sobre tudo isso que aconteceu.
Estou pronto para qualquer reacao, só peco que não misture o profissional,
preciso desse emprego.”

Marcos levantou, foi até a janela, olhou o sol se pondo, respirou fundo,
voltou, parou em frente a Dani que estava de pé ao lado do balcao da
cozinha e sem medo e sem receio, o beijou carinhosamente. Estava selado
um sentimento novo, estranho, diferente, mas gostoso de se sentir. Foi
exatamente assim que Marcos estava se sentindo, novo, estranho, diferente
e bem.

O resto da noite, ficou por conta das cervejas antes oferecidas

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