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S O C I A L

EM ISSN 1678 -152 x


REVISTA
Nº 11 outubro 2006

Os riscos
do trabalho
s Mutilações
s Assédio moral
s LER e invalidez
s Distúrbios mentais
Observatório Social ganha Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos
CONSELHO DIRETOR

Presidente - Kjeld A. Jakobsen


CUT - João Vaccari Neto
CUT - Rosane da Silva
CUT - Maria Ednalva B. de Lima
CUT - José Celestino Lourenço
CUT - Antonio Carlos Spis
CUT - Gilda Almeida
CUT - Artur Henrique da Silva Santos
Dieese - João Vicente Silva Cayres
Dieese - Mara Luzia Feltes
Unitrabalho - Francisco Mazzeu
Unitrabalho - Silvia Araújo
Cedec - Maria Inês Barreto
Cedec - Tullo Vigevani

DIRETORIA EXECUTIVA
Kjeld A. Jakobsen - Presidente
Arthur Henrique da Siva Santos
Ari Aloraldo do Nascimento - Tesoureiro
Carlos Roberto Horta
Clemente Ganz Lúcio
Maria Ednalva B. de Lima
Maria Inês Barreto

SUPERVISÃO TÉCNICA
Amarildo Dudu Bolito - Supervisor Institucional
João Paulo Veiga - Supervisor Técnico
Marques Casara - Supervisor de Comunicação
Mônica Corrêa Alves - Supervisora Administrativo-Financeira
Ronaldo Baltar - Supervisor do Sistema de informação

SEDE NACIONAL
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Centro - São Paulo SP
Fone: (11) 3105-0884 Fax: (11) 3107-0538.
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REDAÇÃO
S O C I A L
Adriana Franco, Amarildo Dudu Bolito,
EM

Ana Iervolino, Ana Luiza Cernov, Ana


Yara Paulino, Consuelo G. C. Lima,
Daniela Sampaio de Carvalho, Dauro
Veras, João Paulo Veiga, Leonardo
Wexell Severo, Marques Casara, Regina
Queiroz, Sylvia Palma e Walter André
REVISTA Pires.
COLABORAÇÃO
Lilian Arruda, Marco Sayão Magri e
Ronaldo Baltar.
FOTOGRAFIA
Agência Brasil, Alessandra Bravo, Ana
Yara Paulino, Chico Terra, Eduardo
Guedes de Oliveira, Eduardo Marques,
Jeanine Will, João Francisco C. Neves,
Leonardo Wexell Severo, Marcelo
Vitorino, Marcos Lima, Marques Casara,
Osvaldo Battistini, Pilvi Riikka Taipale,
Rosane Lima, Sérgio Vignes e Tarcísio
Mattos.
- Arquivos da CUT, FES e do Sindicato
dos Comerciários de São Paulo e Banco
de Imagem do Observatório Social.

EDITORAÇÃO DE FOTOGRAFIA
Ana Iervolino
ARTE
Frank Maia
EDITORAÇÃO ELETRÔNICA
PRIMEIROplano
www.primeiroplano.org.br
Outubro 2006 - Nº 11
São Paulo - SP - Brasil
5.000 exemplares
Gráfica BANGRAF

ISSN 1678 -152 x



Saúde e Segurança no Trabalho:
Dever do Empregador.
Direito do Trabalhador.


Rosane Lima
P 4: A SAÚDE E A SEGURANÇA NO TRABALHO P 54: PROJETO AMA
Brasil tem meio milhão de vítimas fatais por ano Multinacionais e meio ambiente na América
Latina
P 12: ESTADO E LEIS DE PROTEÇÃO
Artigo da historiadora Ana Iervolino P 56: CONEXÃO SINDICAL
Veja como participar da comunidade virtual
P 16: MADEIRA E SANGUE
Mutilações na indústria moveleira de Santa P 57: PAPEL E CELULOSE
Catarina Pesquisa da Veracel é apresentada na Finlândia

P 29: A VIOLÊNCIA CAMUFLADA P 61: TRABALHO INFANTIL


As humilhações e a tortura no cotidiano laboral
Observatório recebe prêmio de direitos humanos
P 35: TRANSTORNOS MENTAIS
Os efeitos da exposição a perigo, pressões e P 62: ALUMÍNIO
tóxicos Estudo inédito sobre cadeia produtiva

P 41: O CIRCO DE HORRORES DA CARGILL P 64: PONTO DE CONTATO


Lesões por esforços repetitivos levam à invalidez Seminário sobre aplicação das Diretrizes da
OCDE
P 45: UM CENÁRIO SOMBRIO
A difícil construção de uma política eficaz de SST P 65: REDLAT
Publicação trilíngüe apresenta metodologia
conjunta
P 49: O ELEFANTE E A RSE
Artigo da pesquisadora Regina Queiroz P 66: TRABALHO PRECÁRIO
C&A vai monitorar sua cadeia produtiva no Brasil
P 51:
TERMO DE REFERÊNCIA
Como o IOS avalia saúde e segurança no trabalho P 67: DIÁLOGO SOCIAL
Avanços na relação de sindicalistas com Akzo
P 53: PESQUISA IOS NO 9º CONCUT Nobel
O que pensam os dirigentes sindicais

2
CAPA

EM REVISTA
O O preâmbulo da Constituição da OMS (Organização Mundial de Saúde) define saúde como “um estado
completo de bem-estar físico, mental e social, e não apenas ausência de doença”. Esse conceito passou por
uma revisão crítica importante nas últimas duas décadas, em que o mundo do trabalho sofreu profundas
transformações tecnológicas e organizacionais. Ao contrário do que se imaginava, as máquinas não livraram
os humanos de seus fardos. A transição da era industrial para a era de serviços trouxe mais pressão por
competitividade e produtividade, com impactos nocivos para os trabalhadores, que muitas vezes são obriga-
dos a alcançar novos patamares de produção usando as mesmas máquinas do passado. Surgiram novas
formas de adoecer e morrer.
Por outro lado, os trabalhadores conquistaram espaço de manifestação e participação nos assuntos
relacionados a saúde e segurança. Aumentou a consciência de que saúde no trabalho passa, sobretudo,
pelo grau de liberdade que as pessoas têm em se organizar para desenvolver suas habilidades com plenitu-
de. Uma nova definição foi proposta por Christophe Dejours (1986): “A saúde para cada homem, mulher ou
criança é ter meios de traçar um caminho pessoal e original em direção ao bem-estar físico, psíquico e
social”.
A CUT (Central Única dos Trabalhadores) é parte ativa da transformação pela qual passaram a saúde
ocupacional e a saúde pública no Brasil. Entre os valores e princípios do movimento sindical cutista, gerados
pelo movimento sindical italiano dos anos 1960, estão o da Não-Delegação – um profundo convencimento
dos trabalhadores de não poder mais entregar a ninguém o controle sobre as suas condições de trabalho; e
o da Validação Consensual – o julgamento sobre o nível de bem-estar ou de intolerabilidade de determinada
situação de trabalho é expresso pelos trabalhadores.
Exigências legais crescentes, mais a pressão sindical e da opinião pública, levaram muitas empresas
a adotar compromissos voluntários com saúde e segurança. Um marco regulatório significativo foi desenvol-
vido sobre este tema. Assim, criaram-se condições mais favoráveis para que os trabalhadores organizados
conquistem direitos. Ainda há muito a avançar. As reportagens desta edição ilustram a magnitude desse
desafio. Mutilações na indústria, assédio moral, transtornos psíquicos, lesões por esforços repetitivos... É
extensa a lista de mazelas, mas também existem propostas viáveis para preveni-las.
Nossa expectativa é contribuir para que o assunto ganhe a devida prioridade na agenda de empresá-
rios, formuladores de políticas públicas, juízes, profissionais de saúde e segurança e, naturalmente, dos
próprios trabalhadores. Todo esforço nessa direção representa avanço na construção de uma sociedade
saudável e segura. A luta por melhores condições de saúde e segurança se insere na campanha pelo “traba-
lho decente” preconizada pela OIT (Organização Internacional do Trabalho) e que baliza as atividades do
Observatório Social. Isto é, um trabalho adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade,
eqüidade e segurança, e capaz de garantir uma vida digna.
Conselho Editorial

3
Banco de Imagem IOS

4
A saúde
do
e a segurança
trabalhador
brasileiro
Adriana Franco

Quase 500 mil


pessoas morrem
anualmente no
Brasil por causa de
acidentes e doenças
relacionadas ao
trabalho. No mundo
o número chega a
cinco mil mortes por
dia. Indústria,
serviços e
agricultura são os
setores mais
perigosos.

5
De acordo com relatório ela- terior. As doenças decorrentes do se vê, o que não acontece com as
borado pela Organização Internacio- trabalho chegaram a 30.334. doenças, que surgem lentamente e
nal do Trabalho (OIT), cerca de cin- Para o coordenador de pes- nem sempre são diretamente relacio-
co mil trabalhadores morrem no quisas do Centro de Estudos da Saú- nadas ao trabalho.
mundo todos os dias por causa de de do Trabalhador e Ecologia Hu- Os acidentes mais freqüen-
acidentes e doenças relacionadas ao mana (CESTEH), William Waiss- tes em 2005 – 33% do total – re-
trabalho. O documento, denomina- mann, os números podem ser ainda lacionam-se com os ferimentos e
do Trabalho Decente – Trabalho Se- mais assustadores. “Os acidentes lesões ligados ao punho e à mão.
guro, alerta que a maioria da força graves, por exemplo, não há como Nas estatísticas, as doenças repre-
trabalhista mundial não possui segu- esconder, o que já não acontece com sentam apenas 6,1% do número de
rança preventiva, serviços médicos as doenças”. acidentes registrados – porcenta-
nem mesmo compensação para aci- Caracterizar e registrar as do- gem quase inalterada de um ano
dentes ou doenças. enças do trabalho, no Brasil, ainda para o outro. Entre as principais
No Brasil, cerca de 500 mil tem sido uma tarefa muito difícil. Isto estão: asma ocupacional, Lesão
pessoas se acidentaram e 2.708 acontece, segundo Waissmann, de- por Esforço Repetitivo / Distúrbios
morreram em 2005, segundo o Mi- vido às dificuldades em notificá-las Osteomusculares Relacionados ao
nistério da Previdência Social. En- e pelo fato de os mecanismos de pro- Trabalho, as LER/DORT, perda
quanto os óbitos tiveram uma redu- teção ao trabalhador não serem mui- auditiva induzida pelo ruído
ção de 4,6%, os acidentes aumen- to bem definidos. O acidente é mui- (PAIR), pneumoconiose e distúr-
taram 5,6% em relação ao ano an- to mais fácil de se notificar porque bios mentais

As principais
doenças do trabalho
Asma Ocupacional – Adquirida por meio da Perda auditiva induzida pelo ruído (PAIR) –
inalação de poeira de materiais como algodão, Diminui gradativamente a audição dos
borracha, couro, sílica, madeira vermelha etc. trabalhadores por exposição continuada a
Os trabalhadores de fábricas, madeireiras, níveis muito elevados de ruído. Metalúrgicos
plantações de algodão e tecelagens sofrem com este problema.
apresentam sintomas como falta de ar, tosse,
aperto e chiado no peito e tosse noturna. Pneumoconioses – Doenças pulmonares
ocasionadas pela inalação de poeiras
Dermatoses ocupacionais – Causadas por contato químicas como da sílica e dos asbestos, que
com agentes biológicos, físicos e químicos, causam silicose e asbestose. Químicos,
principalmente. Os sintomas são alteração da trabalhadores da construção civil e
pele e mucosas. Os trabalhadores em fábricas mineradores estão entre as principais vítimas.
químicas são os mais prejudicados com ela.
Distúrbios mentais – Mais difíceis de detectar e
LER/DORT – Decorrentes de problemas com o principalmente relacionar ao trabalho, podem
local de trabalho e com os movimentos ter ligação com diversas circunstâncias.
repetitivos. Os empregados dos setores Sofrem com isso operadores de
industrial e comercial podem ser prejudicados telemarketing, bancários e outros
com estas doenças. profissionais submetidos a estresse ou
contaminação.

6
Setores mais atingidos
Indústria, serviços e agricultura
têm maior número de acidentes
O setor industrial brasileiro é adianta ter o design do produto se o
o que mais tem número de aciden- posto de trabalho tem excesso de
tes. Foram 229,1 mil em 2005 de acor- horas ou ritmo acelerado”.
do com o Ministério da Previdência.
Em segundo lugar está o setor de ser-
viços, com quase 220 mil acidentes. Baixa prioridade
Em terceiro está a agricultura, com O presidente da Federação dos
mais de 35 mil acidentados. Empregados Rurais Assalariados no
Na comparação com 2004, os Estado de São Paulo (Feraesp), Élio
números aumentaram na indústria Neves, avalia que a situação brasilei-
(17,5 mil novos casos) e nos servi- ra quanto a saúde e segurança no tra-
ços (mais 17,2 mil). Na agricultura balho é muito falha e o tema é colo-
houve leve redução: 1,7 mil aciden- cado em prioridade inferior. Para ele,
tes a menos. o lucro tem sido a tônica.
Segundo o secretário da Con- O sindicalista ressalta que
federação Nacional dos Metalúrgicos essa questão deveria ser primordial
(CNM/CUT), Valter Sanches, mui- no âmbito da responsabilidade so-
tas vezes os acidentes acontecem cial. “A cada ano que passa, as
porque a linha de produção não con- empresas encontram mecanismos
segue acompanhar o crescimento do ilegais para reduzir custos de pro-
setor industrial e acaba sobrecarre- dução, o que inclui cortes na pre-
gada. venção de saúde e segurança”, in-
digna-se.
LER/DORT Segundo Neves, o alto núme-
ro de acidentes é preocupante, pois
Mãos, cotovelos e braços são tem deixado trabalhadores com se-
alvos das LER/DORT na indústria e qüelas para o resto da vida. Ele lem-
no comércio. Sanches explica que a bra que também há muitos aciden-
Fotos: Banco de Imagens Observatório Social
perda de rendimento é a principal for- tes de percurso na colheita de cana,
ma de se identificar a doença. A mai- que ocorrem durante o transporte
oria dos tipos de lesões e, principal- do trabalhador até a lavoura. “Pou-
mente, a LER/DORT, são irreversí- cas são as empresas que utilizam
veis. A forma de atenuá-las é com ônibus e mesmo as que os têm não
fisioterapia e tratamentos. os oferecem em condições adequa-
“A gente tem brigado para que das de segurança”.
as pessoas não trabalhem acidenta- Os problemas do setor agrí-
das e para que a Comunicação de Aci- cola, segundo o
dente de Trabalho (CAT) seja o iní- presidente da
Januário Fernandes

cio do processo de reconhecimento Feraesp, inclu-


de qualquer doença ou de algum aci- em o descaso
dente” afirma. com as terceiri-
Para ele, o papel dos sindica- zações da co- Valter
tos evoluiu muito nos últimos anos. lheita e do corte Sanches, da
Antigamente a atenção dos sindica- e a falta da apli- CMN/CUT:
“Sobrecarga
tos era voltada à ergonomia dos equi- cação do Plano de trabalho”
pamentos de segurança. ”Hoje tudo de Assistência
parece ter evoluído”, diz. “Mas não Social (PAS).

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Jovens doentes situação da saúde do trabalhador. tica de prevenção de acidentes, estu-
dos para a melhoria de ferramentas,
A diretora da área de Saúde e Acompanhamento equipamentos de proteção individual
Segurança do Sindicato dos Comer- Quem trabalha no comércio e como argumento para o oferecimen-
ciários, Cleonice Caetano Souza, vê tem a seu dispor a equipe multidisci- to de denúncia aos órgãos competen-
o alto número de acidentes com gran- plinar da área de saúde e segurança. tes”, explica Élio Neves.
de preocupação. O setor gera empre- O Sindicato auxilia o trabalhador no Nos casos mais graves, que
gos principalmente entre os jovens. encaminhamento do benefício junto resultam em morte, o Sindicato acom-
“Isso significa mãos mutiladas ou pes- ao Instituto Nacional de Seguro Soci- panha o processo de rescisão de tra-
soas adoecendo mais cedo, muitas al (INSS) e também o acompanha com balho, verifica em que condições isso
ainda no primeiro emprego”, assina- um médico do trabalho até que seja ocorreu e ainda acompanha de perto
la. possível ele retornar à atividade. se a família recebeu o seguro.
Só uma pequena parcela dos
“Durante o atendimento, a A preocupação com a linha de
empregadores do setor tem destina-
empresa é cadastrada em nosso ban- montagem é, para Waissmann da
do recursos financeiros, humanos e
co de dados para a solicitação de fis- CESTEH, a alternativa para diminuir
materiais para proporcionar uma me-
calização conjunta entre Sindicato e o número de acidentes de trabalho.
lhora na condição de trabalho. “Cons-
um dos órgãos públicos que atuam Ele defende a criação – em um pri-
cientizar os empregadores de que in-
em saúde do trabalhador, como a De- meiro momento – de uma lógica ade-
vestir na saúde e segurança é lucro e
legacia Regional do Trabalho ou os quada e, posteriormente, um sistema
não prejuízo tem sido uma tarefa ár-
Centros de Referência em Saúde do de proteção coletivo.
dua”, diz.
Cleonice conta que as doenças Trabalhador”, esclarece ela. “Caso todos os outros sistemas
mentais e lombalgias também apare- A Feraesp atua de forma pa- falhem ainda haveria o equipamento
cem com freqüência. Ela enumera o recida: “O Sindicato procede ao re- individual para garantir a proteção”,
crescimento e diversificação do comér- gistro desses acidentes às estatísti- diz. “A proteção coletivizada é o ca-
cio, carga excessiva, ameaça de per- cas e aos dados sobre a sua incidên- minho para proteger o ambiente, as
der o emprego e pressão para atingir cia, os quais servem de base para a pessoas de uma forma geral e tam-
metas como os responsáveis pela atual formulação de reivindicações à polí- bém o trabalhador”.

O ônus da prova
Sérgio Vignes

A Medida Provisória (MP) 316, trar que os acidentes não são decor- que relaciona as atividades empresa-
assinada em 11 de agosto pelo presi- rentes da atividade desenvolvida pelo riais com as funções dos trabalhado-
dente Luiz Inácio Lula da Silva, pode empregado no ambiente de trabalho. res, doenças e acidentes decorren-
alterar o processo em que são caracte- A MP também adotará um novo tes em cada caso e um banco espe-
rizados os acidentes e doenças do tra- mecanismo para o pagamento do se- cífico que contabiliza os acidentes por
balho. A partir de agora, não é mais o guro de acidentes de trabalho (SAT), empresa. Os empregados devem se
trabalhador quem deve provar o nexo que será proporcional à quantidade real comprometer a utilizar os equipamen-
causal. Acidentes e incapacidades se- de trabalhadores acidentados. Com tos de segurança e os sindicatos, prin-
rão diretamente ligados a ramos de ati- isto, a medida visa incentivar que o cipalmente nos setores em que o
vidades, por- gasto das empresas com seus pen- número de acidentes é alto, a ofere-
tanto é a em- sionistas seja investido em saúde e cer capacitação, treinamento e cons-
presa quem segurança. cientização sobre a importância do
deverá mos- A MP cria um banco de dados uso correto de equipamentos.

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Os equipamentos
de segurança
A questão dos equipamentos do implantadas e para atender situ- dições de trabalho no setor. “Ócu-
de proteção individual é polêmica no ações de emergência. No entanto, los, mangotes, aventais, perneiras,
mundo do trabalho. Conhecidos muitos EPI são ineficientes, atrapa- botas e chapéus deveriam ser usa-
como EPI, esses dispositivos são re- lham e até machucam o trabalhador. dos diariamente por esses trabalha-
gulamentados através da norma nº 6 dores”, diz.
do Ministério do Trabalho e Empre- Ruído excessivo No setor de serviços os equi-
go, que os avalia e aprova antes de Na metalurgia o ruído é o pamentos são mais raros. A dirigen-
serem colocados no mercado. Esta grande vilão e, por isso, existe a ne- te sindical Cleonice Caetano Souza
norma considera EPI todo dispositi- cessidade do uso do protetor auri- afirma que os empregados da cate-
vo ou produto de uso individual no cular para atenuar o barulho. Po- goria dependem mais das relações
trabalho que tenha como função pro- rém, o problema não é resolvido, já interpessoais para se precaver das
teger o empregado de riscos possí- que não é apenas o ruído que pode doenças laborais. Entre os aparelhos
veis de ameaçar a saúde e a segu- trazer problemas à saúde do traba- de proteção mais usados estão pro-
rança no trabalho. lhador. A vibração afeta o sistema tetores faciais, óculos de segurança,
nervoso e suas conseqüências são luvas, mangas de proteção, cremes
ainda mais difíceis de provar. Wais- protetores, calçados impermeáveis e
smann, do CESTEH, alerta para os de proteção, aventais, capas, vesti-
João Francisco C. Neves

equipamentos que dificultam os mo- mentas especiais, respiradores e


vimentos dos trabalhadores, preju- máscaras de filtro químico.
dicando o desempenho em algumas
tarefas.
O setor agrícola também en-
frenta muitas dificuldades quanto
a isso. O presidente da Fe-
Élio Neves, da Feraesp: raesp, Élio Neves, conta
descaso das empresas que alguns equipamen-
Toda empresa é obrigada a tos precisam de
adaptações. O mais
fornecer gratuitamente aos seus em-
grave é que a mai-
pregados esses produtos que garan-
oria dos tra-
tem a segurança do trabalhador em
balhadores
perfeito estado de conservação e fun-
sequer tem
cionamento – principalmente quan-
acesso a
do o sistema de trabalho não ofere- eles, devido
cer proteção completa, as medidas à precariza-
de proteção coletivas estiverem sen- ção das con-

9
Como se proteger Óculos de segurança
– Combatem
ferimentos nos olhos
provenientes do contato
Saiba para que servem os
com partículas, líquidos
equipamentos de proteção. agressivos, poeiras e
outras radiações
perigosas.

Protetores faciais
– Protegem olhos e face
contra lesões resultantes
do contato com
partículas, respingos,
vapores de produtos
químicos e radiações Mangas de proteção
luminosas intensas. – Evitam o contato de braços
e antebraços com agentes
biológicos, materiais quentes,
cortantes, perfurantes ou
abrasivos, entre outros.

Luvas
– Protegem de materiais
ou objetos escoriantes, Calçados impermeáveis
abrasivos, cortantes e e de proteção
perfurantes, químicos,
corrosivos, tóxicos, – Evitam o contato do
alergênicos, oleosos, trabalhador com locais
solventes etc. úmidos, agentes químicos
e biológicos agressivos ou
contra riscos de origem
elétrica.

Vestimentas especiais
– São usadas contra os Máscaras e respiradores
riscos de lesões – Servem contra poeiras,
provocadas por produtos agentes químicos
radioativos, biológicos ou prejudiciais e para locais
químicos. onde o teor de oxigênio seja
inferior a 18%.

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A sociedade paga a conta
Para cada real gasto pela Pre- res registrados em carteira, pouco Caetano Souza, do Sindicato dos Co-
vidência com acidentes ou doenças mais de um terço do total. merciários, por questões diversas da
profissionais, o país gasta mais R$ 3. Previdência Social, como o mau aten-
Longos períodos de afasta-
mento e aposentadorias especiais Afastamento e invalidez dimento de vários médicos peritos, os
trabalhadores sequer registram seu
devido aos tratamentos geram con- No comércio o tratamento das benefício como Acidente de Traba-
seqüências drásticas para setores em LER/DORT e das doenças mentais lho.
que ocorrem os acidentes e para toda requer um longo período de afasta- “Conseguem apenas um Auxí-
a sociedade brasileira. Os custos para mento, que dura entre dois e cinco lio Doença Previdenciário, retornan-
a Previdência Social, apenas em anos. No entanto, explica Cleonice do ao trabalho em cerca de seis me-
2003, chegaram a R$ 8,2 bilhões em ses e ainda doentes”, diz. Ela vai além:
benefícios acidentários. Desse valor, “As conseqüências não são somente
R$ 3,4 bilhões são referentes a apo- para o setor, e sim para toda a socie-
sentadorias, pensões por morte, au- dade, que vai arcar com o custo soci-
Sindicato dos Comerciários SP

xílio doença, acidente e suplementar al ao receber um cidadão excluído do


e R$ 4,8 bilhões, a aposentadorias mercado por conta das seqüelas dei-
especiais. Os gastos da Previdência xadas por precárias condições de tra-
são apenas uma parte do custo dos balho”.
acidentes de trabalho. Os afastamentos na agricultu-
Segundo a reportagem “Con- ra são constantes para a recupera-
ta Elevada” (Revista Proteção, se- ção de cortes ou lesões causadas pela
tembro de 2005), estudos apontam enxada ou facão. Vários atingidos
que, para cada real gasto pela Previ- pelas LER/DORT podem nunca mais
dência Social com benefícios por in- voltar ao trabalho devido à invalidez.
capacidades motivadas por aciden- Nos últimos anos, diversas mortes
tes ou doenças profissionais, mais R$ ocorridas no setor sucroalcooleiro têm
3 são gerados pelo custo social como sido atribuídas à fadiga por excesso
a falta de trabalho e redução de pro- de trabalho. No ramo metalúrgico, a
dutividade. Dessa forma, conclui a CNM/CUT deve aumentar a negoci-
publicação, o custo seria elevado para ação com as empresas e cobrar as
mais de R$ 32,8 bilhões. A Previdên- Cleonice Souza:
onze horas de descanso entre uma
cia atua apenas entre os trabalhado- muitas vítimas jovens jornada e outra, estabelecidas por lei.

Acidentes de trabalho no Brasil


POR MOTIVO E ANO (mil)
Ano Total Típico Trajeto Doença do Óbitos
Trabalho
2004 465,7 375,1 60,3 30,2 2,8
2005 491,7 393,9 67,5 30,3 2,7 POR SETOR DE ATIVIDADE (mil)
Setor de Atividade 2004 2005
Indústria 211,6 229,1
Serviços 202,6 219,8
Agricultura 37,2 35,5
Fonte: Ministério da Previdência Social.

11
O Estado e a proteção
dos trabalhadores
Em diferentes partes do mun-
A legislação social em do, os debates sobre a criação de leis
vigor é uma conquista para a proteção dos trabalhadores
ocorreram tão logo se fizeram sentir
resultante de mobilizações os problemas sociais do processo de
históricas do movimento industrialização. Isso porque a profis-
operário, que enfrentou são do operário já surgiu junto com do-
enças provocadas pela lógica da pro-
dura repressão do dução, com acidentes de trabalho que
patronato. amputariam, invalidariam e levariam à
morte, com lesões por falta de prote-
ção ou preparo, com jornadas exausti-
vas e baixa remuneração.
A interferência do Estado nes-
tas questões significava uma afronta
aos princípios liberais, que pregavam
a auto-regulação do mercado, inclusi-
Fotos reproduzidas do livro Burguesia e trabalho

ve no que se refere à “mercadoria”


força de trabalho. Embora o processo
tenha se desenvolvido de acordo com
as particularidades históricas de cada
país ou região, pode-se dizer que na
maior parte dos casos o operariado foi
o grande desencadeador das discus-
sões, enfrentando as reações da bur-
guesia industrial e comercial.
O Brasil não foi exceção. São
famosas as greves ocorridas já em
1907 em prol de melhores salários e
limitação do tempo diário de trabalho.
Jeanine Will

Nessa época, as negociações eram

Ana Iervolino
- Historiadora,
integra a equipe do
Observatório Social.

12
feitas diretamente com o patronato. O pa-
Pouca coisa era feita pelo Estado, que tronato tam-
– baseado na Constituição de 1891, bém se orga-
alheia a questões de trabalho – se li- nizava. Para
mitava à criação de medidas para a controlar as
proteção de crianças e para a garan- mobiliza-
tia de benefícios a funcionários públi- ções, amea-
cos. çava demitir
e fechar fá-
Industrialização e greves bricas, con-
tando com o
A industrialização foi intensifi- apoio de autoridades policiais nas situ- como a jornada de oito horas e a pro-
cada no país, principalmente em São ações mais críticas. A burguesia indus- teção à mulher e ao trabalhador com
Paulo e Rio de Janeiro, durante a Pri- trial não poderia ser totalmente con- idade até 14 anos. As primeiras con-
meira Guerra Mundial (1914-1918) – trária a qualquer intervenção estatal, quistas referentes à legislação prote-
sendo favorecida pela crise nas impor- já que precisava de protecionismo al- tora dos trabalhadores no Brasil pas-
tações, o aumento do mercado inter- fandegário. E quanto à atuação do Es- saram a ser concretizadas, começan-
no, a inflação e os baixos custos com tado como árbitro nos conflitos soci- do pela Lei de Acidentes de Trabalho,
mão-de-obra. Ao mesmo tempo, a ais, procurava limitar a legislação so- sancionada em janeiro de 1919.
mobilização de trabalhadores para a cial, já que não podia impedir a sua cri-
intervenção do Estado como mediador ação. Repressão aos operários
nas relações de trabalho crescia e se Após o término do conflito mun- A organização do movimento
tornou bastante expressiva no período dial, o Brasil assumia – através do Tra- operário era cada vez maior. Se as
de 1917 a 1919, marcado por fervoro- tado de Versalhes e outros acordos – greves significavam perdas nos lucros
sas greves. compromissos internacionais sobre a para as indústrias, o aumento da difu-
questão so- são de convicções anarquistas e co-
cial. A Re- munistas passou a ser visto pelos go-
volução
vernos como uma ameaça. Não por
Russa teve
acaso, os avanços nas discussões re-
grande re-
ferentes à legislação social da década
percussão
nas discus- de 20 – que na prática pouca coisa
sões. Na mudavam devido à falta de fiscaliza-
Câmara, se ção – foram acompanhados da repres-
debatia a são de idéias vistas como perigosas.
criação de Um novo projeto de Código de Traba-
um Código lho foi elaborado na Câmara (1923),
de Traba- que originaria a regulamentação do
lho, reunin- direito de férias (1925) e a criação do
do questões Código de Menores (1927). Por outro

13
lado, a Lei de Deportação de Estran- tão proteção do trabalhador, que era gislação. Além disso, os sindicatos –
geiros (1921) oficializava a expulsão encarada, até o momento, como de em negociação com as empresas –
daqueles considerados elementos di- caráter sanitário e moral. aos poucos conquistavam a inclusão
fusores de idéias indesejáveis. de cláusulas de proteção nos acordos
Foi uma época de abrandamen-
to das mobilizações do movimento
O marco da CLT coletivos.
Assim, as discussões quanto à
operário. Se o contexto internacional O governo de Getúlio Vargas criação de uma legislação social no
havia trazido idéias favoráveis ao in- daria ao assunto um outro significa- Brasil começaram por iniciativa das
tervencionismo estatal, no Brasil, o le- do: o problema social passou a ser fortes pressões do operariado duran-
vante tenentista de 1922 forneceu visto como parte do progresso, este te a primeira metade do século XX,
mais argumentos para uma atuação baseado no desenvolvimento industri- sob as reações do empresariado que,
efetiva contra o que era considerado al. Novos avanços foram feitos na vendo a produção ameaçada, fez as
perigo à segurança nacional, legitiman- proteção do trabalhador, a começar concessões mínimas necessárias.
do as sucessivas vezes que o gover- pela criação do Ministério do Traba- Enquanto isso, o Estado – nos dife-
no recorreu ao estado de sítio. Den- lho, em 1930. Mas não se pode es- rentes momentos – lidava com os in-
tre o que era considerado ameaça, quecer que este tipo de preocupação teresses envolvidos e utilizava as es-
estava o movimento operário, dura- fazia parte do discurso com base no tratégias de controle social que lhe
mente reprimido. apoio da classe trabalhadora. Se no pareciam mais eficazes para garantir
Com a crise de 1929 e o au- início dos anos 30 havia um operaria- a manutenção da ordem vigente.
mento do desemprego, as agitações do fortemente organizado, as novas Embasados por novos conceitos e
do movimento operário ganharam im- medidas procuravam demonstrar que parâmetros, os debates tratando da
pulso. Novas organizações de traba- o uso da força não seria necessário. criação de novas leis e de sua aplica-
lhadores foram criadas, participando A Consolidação das Leis do ção efetiva não cessariam.
do processo eleitoral por meio do Trabalho (CLT), de 1943, foi um mar-
apoio a candidatos. Ao mesmo tem- co para a questão trabalhista, mas
Referências:
po, a crise fazia com que as atenções seriam as muitas greves e movimen-
do poder público ficassem voltadas a tos feitos pelos trabalhadores duran- CAPELATO, Maria Helena R.
assuntos econômicos e não à ques- te décadas que fariam valer esta le- Multidões em cena: Propaganda
política no Varguismo e no
Peronismo. Campinas, SP: Papirus,
1998.
GOMES, Ângela Maria de Castro.
Burguesia e trabalho. Política e
legislação social no Brasil 1917 -
1937. Rio de Janeiro: Editora
Campus, 1979.
TOLEDO, Edilene. Anarquismo e
sindicalismo revolucionário:
Trabalhadores e militantes em São
Paulo na Primeira República. São
Paulo: Editora Fundação Perseu
Abramo, 2004.
Centro de Pesquisa e Documentação
de História Contemporânea do
Brasil/Fundação Getúlio Vargas
(CPDOC/FGV) www.cpdoc.fgv.br.

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A empresa é obrigada a
fornecer aos empregados,
gratuitamente,
equipamento de proteção
individual adequado ao
risco e em perfeito estado

Sérgio Vignes
de conservação e
funcionamento, sempre
que as medidas de ordem
geral não ofereçam
completa proteção contra
os riscos de acidentes e
danos à saúde dos
empregados.


Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT): Artigo 166

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