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22/01/2020 A guinada a direita na Americana Latina

ESFERA DE INFLUÊNCIA:
COMO OS LIBERTÁRIOS
AMERICANOS ESTÃO
REINVENTANDO A POLÍTICA
LATINO-AMERICANA
Lee Fang
11 de Agosto de 2017, 16h44

Ilustração: The Intercept, Foto: AP Photo

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Para Alejandro Chafuen, a reunião desta primavera no Brick Hotel,


em Buenos Aires, foi tanto uma volta para casa quanto uma volta
olímpica. Chafuen, um esguio argentino-americano, passou a vida
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adulta se dedicando a combater os movimentos sociais e governos de


esquerda das Américas do Sul e Central, substituindo-os por uma
versão pró-empresariado do libertarianismo.

Ele lutou sozinho durante décadas, mas isso está mudando. Chafuen
estava rodeado de amigos no Latin America Liberty Forum 2017. Essa
reunião internacional de ativistas libertários foi patrocinada pela
Atlas Economic Research Foundation, uma organização sem fins
lucrativos conhecida como Atlas Network (Rede Atlas), que Chafuen
dirige desde 1991. No Brick Hotel, ele festejou as vitórias recentes;
seus anos de trabalho estavam começando a render frutos – graças às
circunstâncias políticas e econômicas e à rede de ativistas que
Chafuen se esforçou tanto para criar.

Nos últimos 10 anos, os governos de esquerda usaram “dinheiro para


comprar votos, para redistribuir”, diz Chaufen, confortavelmente
sentado no saguão do hotel. Mas a recente queda do preço das
commodities, aliada a escândalos de corrupção, proporcionou uma
oportunidade de ação para os grupos da Atlas Network. “Surgiu uma
abertura – uma crise – e uma demanda por mudanças, e nós
tínhamos pessoas treinadas para pressionar por certas políticas”,
observa Chafuen, parafraseando o falecido Milton Friedman. “No
nosso caso, preferimos soluções privadas aos problemas públicos”,
acrescenta.

Chafuen cita diversos líderes ligados à Atlas que conseguiram ganhar


notoriedade: ministros do governo conservador argentino, senadores
bolivianos e líderes do Movimento Brasil Livre (MBL), que ajudaram a
derrubar a presidente Dilma Rousseff – um exemplo vivo dos frutos
do trabalho da rede Atlas, que Chafuen testemunhou em primeira
mão.

“Estive nas manifestações no Brasil e pensei: ‘Nossa, aquele cara


tinha uns 17 anos quando o conheci, e agora está ali no trio elétrico
liderando o protesto. Incrível!’”, diz, empolgado. É a mesma animação
de membros da Atlas quando o encontram em Buenos Aires; a
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tietagem é constante no saguão do hotel. Para muitos deles, Chafuen


é uma mistura de mentor, patrocinador fiscal e verdadeiro símbolo
da luta por um novo paradigma político em seus países.

O presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, à esquerda, dentro de um carro em direção


ao aeroporto, onde pegaria um voo para a Nicarágua nos arredores de San José. Domingo, 28 de
junho de 2009. Foto: Kent Gilbert/AP

Uma guinada à direita está em


marcha na política latino-
americana, destronando os
governos socialistas que foram a
marca do continente durante
boa parte do século XXI – de
Cristina Kirchner, na Argentina,
ao defensor da reforma agrária
e populista Manuel Zelaya, em
Honduras –, que
implementaram políticas a
favor dos pobres,
nacionalizaram empresas e
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desafiaram a hegemonia dos


EUA no continente.

Essa alteração pode parecer


apenas parte de um
reequilíbrio regional causado
pela conjuntura econômica,
porém a Atlas Network parece
estar sempre presente,
tentando influenciar o curso
das mudanças políticas.

A história da Atlas Network e


seu profundo impacto na
ideologia e no poder político
nunca foi contada na íntegra.
Mas os registros de suas
atividades em três continentes,
bem como as entrevistas com
líderes libertários na América Latina, revelam o alcance de sua
influência. A rede libertária, que conseguiu alterar o poder político
em diversos países, também é uma extensão tácita da política externa
dos EUA – os think tanks associados à Atlas são discretamente
financiados pelo Departamento de Estado e o National Endowment
for Democracy (Fundação Nacional para a Democracia – NED), braço
crucial do soft power norte-americano.

Embora análises recentes


tenham revelado o papel de
poderosos bilionários
conservadores – como os irmãos
Koch – no desenvolvimento de
uma versão pró-empresariado
do libertarianismo, a Atlas
Network – que também é

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financiada pelas fundações


Koch – tem usado métodos
criados no mundo desenvolvido,
reproduzindo-os em países em
desenvolvimento.

A rede é extensa, contando


atualmente com parcerias com
450 think tanks em todo o
mundo. A Atlas afirma ter
gasto mais de US$ 5 milhões
com seus parceiros apenas em
2016.

Ao longo dos anos, a Atlas e


suas fundações caritativas
associadas realizaram centenas
de doações para think tanks
conservadores e defensores do
livre mercado na América
Latina, inclusive a rede que
apoiou o Movimento Brasil
Livre (MBL) e organizações que
participaram da ofensiva
libertária na Argentina, como a
Fundação Pensar, um think tank
da Atlas que se incorporou ao
partido criado por Mauricio
Macri, um homem de negócios
e atual presidente do país. Os
líderes do MBL e o fundador da Fundação Eléutera – um think tank
neoliberal extremamente influente no cenário pós-golpe hondurenho
– receberam financiamento da Atlas e fazem parte da nova geração de
atores políticos que já passaram pelos seus seminários de
treinamento.
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A Atlas Network conta com dezenas de think tanks na América Latina,


inclusive grupos extremamente ativos no apoio às forças de oposição
na Venezuela e ao candidato de centro-direita às eleições
presidenciais chilenas, Sebastián Piñera.

Protesto a favor do impeachment da presidente Dilma Rousseff diante do Congresso Nacional,


em Brasília, no dia 2 de dezembro de 2015. Foto: Eraldo Peres/AP

Em nenhum outro lugar a estratégia da Atlas foi tão bem sintetizada


quanto na recém-formada rede brasileira de think tanks de defesa do
livre mercado. Os novos institutos trabalham juntos para fomentar o
descontentamento com as políticas socialistas; alguns criam centros
acadêmicos enquanto outros treinam ativistas e travam uma guerra
constante contra as ideias de esquerda na mídia brasileira.

O esforço para direcionar a raiva da população contra a esquerda


rendeu frutos para a direita brasileira no ano passado. Os jovens
ativistas do MBL – muitos deles treinados em organização política nos
EUA – lideraram um movimento de massa para canalizar a o
descontentamento popular com um grande escândalo de corrupção

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para desestabilizar Dilma Rousseff, uma presidente de centro-


esquerda. O escândalo, investigado por uma operação batizada de
Lava-Jato, continua tendo desdobramentos, envolvendo líderes de
todos os grandes partidos políticos brasileiros, inclusive à direita e
centro-direita. Mas o MBL soube usar muito bem as redes sociais para
direcionar a maior parte da revolta contra Dilma, exigindo o seu
afastamento e o fim das políticas de bem-estar social implementadas
pelo Partido dos Trabalhadores (PT).

A revolta – que foi comparada ao movimento Tea Party devido ao


apoio tácito dos conglomerados industriais locais e a uma nova rede
de atores midiáticos de extrema-direita e tendências conspiratórias –
conseguiu interromper 13 anos de dominação do PT ao afastar Dilma
do cargo por meio de um impeachment em 2016.

O cenário político do qual surgiu o MBL é uma novidade no Brasil.


Havia no máximo três think tanks libertários em atividade no país dez
anos atrás, segundo Hélio Beltrão, um ex-executivo de um fundo de
investimentos de alto risco que agora dirige o Instituto Mises, uma
organização sem fins lucrativos que recebeu o nome do filósofo
libertário Ludwig von Mises. Ele diz que, com o apoio da Atlas, agora
existem cerca de 30 institutos agindo e colaborando entre si no Brasil,
como o Estudantes pela Liberdade e o MBL.

“É como um time de futebol; a defesa é a academia, e os políticos são


os atacantes. E já marcamos alguns gols”, diz Beltrão, referindo-se ao
impeachment de Dilma. O meio de campo seria “o pessoal da
cultura”, aqueles que formam a opinião pública.

Beltrão explica que a rede de think tanks está pressionando pela


privatização dos Correios, que ele descreve como “uma fruta pronta
para ser colhida” e que pode conduzir a uma onda de reformas mais
abrangentes em favor do livre mercado. Muitos partidos
conservadores brasileiros acolheram os ativistas libertários quando
estes demonstraram que eram capazes de mobilizar centenas de

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milhares de pessoas nos protestos contra Dilma, mas ainda não


adotaram as teorias da “economia do lado da oferta”.

Fernando Schüler, acadêmico e


colunista associado ao Instituto
Millenium – outro think tank da
Atlas no Brasil – tem uma outra
abordagem. “O Brasil tem 17 mil
sindicatos pagos com dinheiro
público. Um dia de salário por
ano vai para os sindicatos, que
são completamente controlados
pela esquerda”, diz. A única
maneira de reverter a tendência
socialista seria superá-la no jogo
de manobras políticas. “Com a
tecnologia, as pessoas poderiam
participar diretamente,
organizando – no WhatsApp,
Facebook e YouTube – uma
espécie de manifestação pública
de baixo custo”, acrescenta,
descrevendo a forma de
mobilização de protestos dos
libertários contra políticos de
esquerda.

Os organizadores das
manifestações anti-Dilma produziram uma torrente diária de vídeos
no YouTube para ridicularizar o governo do PT e criaram um placar
interativo para incentivar os cidadãos a pressionarem seus deputados
por votos de apoio ao impeachment.

Schüler notou que, embora o MBL e seu próprio think tank fossem
apoiados por associações industriais locais, o sucesso do movimento

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se devia parcialmente à sua não identificação com partidos políticos


tradicionais, em sua maioria vistos com maus olhos pela população.
Ele argumenta que a única forma de reformar radicalmente a
sociedade e reverter o apoio popular ao Estado de bem-estar social é
travar uma guerra cultural permanente para confrontar os
intelectuais e a mídia de esquerda.

Fernando Schüler. Foto:captura de tela do YouTube

Um dos fundadores do Instituto Millenium, o blogueiro Rodrigo


Constantino, polariza a política brasileira com uma retórica
ultrassectária. Constantino, que já foi chamado de “o Breitbart
brasileiro” devido a suas teorias conspiratórias e seus comentários de
teor radicalmente direitistas, é presidente do conselho deliberativo de
outro think tank da Atlas – o Instituto Liberal. Ele enxerga uma tentativa
velada de minar a democracia em cada movimento da esquerda
brasileira, do uso da cor vermelha na logomarca da Copa do Mundo ao
Bolsa Família, um programa de transferência de renda.

Constantino é considerado o
responsável pela popularização
de uma narrativa segundo a
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qual os defensores do PT seriam


uma “esquerda caviar”, ricos
hipócritas que abraçam o
socialismo para se sentirem
moralmente superiores, mas
que na realidade desprezam as
classes trabalhadoras que
afirmam representar.

A “breitbartização” do discurso
é apenas uma das muitas
formas sutis pelas quais a Atlas
Network tem influenciado o
debate político.

“Temos um Estado muito


paternalista. É incrível. Há
muito controle estatal, e mudar
isso é um desafio de longo
prazo”, diz Schüler,
acresentando que, apesar das
vitórias recentes, os libertários
ainda têm um longo caminho
pela frente no Brasil. Ele
gostaria de copiar o modelo de
Margaret Thatcher, que se
apoiava em uma rede de think tanks libertários para implementar
reformas impopulares. “O sistema previdenciário é absurdo, e eu
privatizaria toda a educação”, diz Schüler, pondo-se a recitar toda a
litania de mudanças que faria na sociedade, do corte do
financiamento a sindicatos ao fim do voto obrigatório.

Mas a única maneira de tornar tudo isso possível, segundo ele, seria a
formação de uma rede politicamente engajada de organizações sem
fins lucrativos para defender os objetivos libertários. Para Schüler, o

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modelo atual – uma constelação de think tanks em Washington


sustentada por vultosas doações – seria o único caminho para o
Brasil.

E é exatamente isso que a Atlas tem se esforçado para fazer. Ela


oferece subvenções a novos think tanks e cursos sobre gestão política e
relações públicas, patrocina eventos de networking no mundo todo e,
nos últimos anos, tem estimulado libertários a tentar influenciar a
opinião pública por meio das redes sociais e vídeos online.

Uma competição anual incentiva os membros da Atlas a produzir


vídeos que viralizem no YouTube promovendo o laissez-faire e
ridicularizando os defensores do Estado de bem-estar social. James
O’Keefe, provocador famoso por alfinetar o Partido Democrata
americano com vídeos gravados em segredo, foi convidado pela Atlas
para ensinar seus métodos. No estado americano do Wisconsin, um
grupo de produtores que publicava vídeos na internet para denegrir
protestos de professores contra o ataque do governador Scott Walker
aos sindicatos do setor público também compartilharam sua
experiência nos cursos da Atlas.

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Manifestantes queimam um boneco do presidente Hugo Chávez na Plaza Altamira, em protesto


contra o governo. Foto: Lonely Planet Images/Getty Images

Em uma de suas últimas


realizações, a Atlas influenciou
uma das crises políticas e
humanitárias mais graves da
América Latina: a venezuelana.
Documentos obtidos graças ao
“Freedom of Information Act”
(Lei da Livre Informação, em
tradução livre) por
simpatizantes do governo
venezuelano – bem como certos
telegramas do Departamento de
Estado dos EUA vazados por
Chelsea Manning – revelam
uma complexo tentativa do
governo americano de usar os
think tanks da Atlas em uma
campanha para desestabilizar o
governo de Hugo Chávez.

Em 1998, a CEDICE Libertad –


principal organização afiliada à
Atlas em Caracas, capital da
Venezuela – já recebia apoio
financeiro do Center for International Private Enterprise (Centro para
a Empresa Privada Internacional – CIPE). Em uma carta de
financiamento do NED, os recursos são descritos como uma ajuda
para “a mudança de governo”. O diretor da CEDICE foi um dos
signatários do controverso “Decreto Carmona” em apoio ao
malsucedido golpe militar contra Chávez em 2002.

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Um telegrama de 2006 descrevia a estratégia do embaixador


americano, William Brownfield, de financiar organizações
politicamente engajadas na Venezuela: “1) Fortalecer instituições
democráticas; 2) penetrar na base política de Chávez; 3) dividir o
chavismo; 4) proteger negócios vitais para os EUA, e 5) isolar Chávez
internacionalmente.”

Na atual crise venezuelana, a CEDICE tem promovido a recente


avalanche de protestos contra o presidente Nicolás Maduro, o
acossado sucessor de Chávez. A CEDICE está intimamente ligada à
figura da oposicionista María Corina Machado, uma das líderes das
manifestações em massa contra o governo dos últimos meses.
Machado já agradeceu publicamente à Atlas pelo seu trabalho. Em
um vídeo enviado ao grupo em 2014, ela diz: “Obrigada à Atlas
Network e a todos os que lutam pela liberdade.”

No Latin America Liberty


Forum, organizado pela
Atlas Network em Buenos
Em 2014, a líder Aires, jovens líderes
opositora María compartilham ideias sobre
Corina Machado como derrotar o socialismo
em todos os lugares, dos
agradeceu à Atlas debates em campi
pelo seu trabalho: universitários a
“Obrigada à Atlas mobilizações nacionais a
favor de um impeachment.
Network e a todos
os que lutam pela Em uma das atividades do

liberdade.” fórum, “empreendedores”


políticos de Peru, República
Dominicana e Honduras
competem em um formato
parecido com o programa Shark Tank, um reality show americano em
que novas empresas tentam conquistar ricos e impiedosos

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investidores. Mas, em vez de buscar financiamento junto a um painel


de capitalistas de risco, esses diretores de think tanks tentam vender
suas ideias de marketing político para conquistar um prêmio de US$
5 mil. Em outro encontro, debatem-se estratégias para atrair o apoio
do setor industrial às reformas econômicas. Em outra sala, ativistas
políticos discutem possíveis argumentos que os “amantes da
liberdade” podem usar para combater o crescimento do populismo e
“canalizar o sentimento de injustiça de muitos” para atingir os
objetivos do livre mercado.

Um jovem líder da Cadal, um think tank de Buenos Aires, deu a ideia


de classificar as províncias argentinas de acordo com o que chamou
de “índice de liberdade econômica” – levando em conta a carga
tributária e regulatória como critérios principais –, o que segundo ela
geraria um estímulo para a pressão popular por reformas de livre
mercado. Tal ideia é claramente baseada em estratégias similares
aplicadas nos EUA, como o Índice de Liberdade Econômica da
Heritage Foundation, que classifica os países de acordo com critérios
como política tributária e barreiras regulatórias aos negócios.

Os think tanks são tradicionalmente vistos como institutos


independentes que tentam desenvolver soluções não convencionais.
Mas o modelo da Atlas se preocupa menos com a formulação de novas
soluções e mais com o estabelecimento de organizações políticas
disfarçadas de instituições acadêmicas, em um esforço para
conquistar a adesão do público.

As ideias de livre mercado – redução de impostos sobre os mais ricos;


enxugamento do setor público e privatizações; liberalização das
regras de comércio e restrições aos sindicatos – sempre tiveram um
problema de popularidade. Os defensores dessa corrente de
pensamento perceberam que o eleitorado costuma ver essas ideias
como uma maneira de favorecer as camadas mais ricas. E
reposicionar o libertarianismo econômico como uma ideologia de
interesse público exige complexas estratégias de persuasão em massa.

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Mas o modelo da Atlas, que está se espalhando rapidamente pela


América Latina, baseia-se em um método aperfeiçoado durante
décadas de embates nos EUA e no Reino Unido, onde os libertários se
esforçaram para conter o avanço do Estado de bem-estar social do
pós-guerra.

Mapa das organizações da rede Atlas na América do Sul. Fonte: The Intercept

Antony Fisher, empreendedor britânico e fundador da Atlas Network,


é um pioneiro na venda do libertarianismo econômico à opinião
pública. A estratégia era simples: nas palavras de um colega de Fisher,
a missão era “encher o mundo de think tanks que defendam o livre
mercado”.

A base das ideias de Fisher vêm de Friedrich Hayek, um dos pais da


defesa do Estado mínimo. Em 1946, depois de ler um resumo do livro
seminal de Hayek, O Caminho da Servidão, Fisher quis se encontrar com
o economista austríaco em Londres. Segundo seu colega John
Blundell, Fisher sugeriu que Hayek entrasse para a política. Mas
Hayek se recusou, dizendo que uma abordagem de baixo para cima

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tinha mais chances de alterar a opinião pública e reformar a


sociedade.

Enquanto isso, nos Estados Unidos, outro ideólogo do livre mercado,


Leonard Read, chegava a conclusões parecidas depois de ter dirigido a
Câmara de Comércio de Los Angeles, onde batera de frente com o
sindicalismo. Para deter o crescimento do Estado de bem-estar social,
seria necessária uma ação mais elaborada no sentido de influenciar o
debate público sobre os destinos da sociedade, mas sem revelar a
ligação de tal estratégia com os interesses do capital.

Fisher animou-se com uma visita à organização recém-fundada por


Read, a Foundation for Economic Education (Fundação para a
Educação Econômica – FEE), em Nova York, criada para patrocinar e
promover as ideias liberais. Nesse encontro, o economista libertário
F.A. Harper, que trabalhava na FEE à epoca, orientou Fisher sobre
como abrir a sua própria organização sem fins lucrativos no Reino
Unido.

Durante a viagem, Fisher e Harper foram à Cornell University para


conhecer a última novidade da indústria animal: 15 mil galinhas
armazenadas em uma única estrutura. Fisher decidiu levar o invento
para o Reino Unido. Sua fábrica, a Buxted Chickens, logo prosperou e
trouxe grande fortuna para Fisher. Uma parte dos lucros foi
direcionada à realização de outro objetivo surgido durante a viagem a
Nova York – em 1955, Fisher funda o Institute of Economic Affairs
(Instituto de Assuntos Econômicos – IEA).

O IEA ajudou a popularizar os até então obscuros economistas ligados


às ideias de Hayek. O instituto era um baluarte de oposição ao
crescente Estado de bem-estar social britânico, colocando jornalistas
em contato com acadêmicos defensores do livre mercado e
disseminando críticas constantes sob a forma de artigos de opinião,
entrevistas de rádio e conferências.

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A maior parte do financiamento do IEA vinha de empresas privadas,


como os gigantes do setor bancário e industrial Barclays e British
Petroleum, que contribuíam anualmente. No livro Making Thatcher’s
Britain (A Construção da Grã-Bretanha de Thatcher, em tradução
livre), dos historiadores Ben Jackson e Robert Saunders, um magnata
dos transportes afirma que, assim como as universidades forneciam
munição para os sindicatos, o IEA era uma importante fonte de poder
de fogo para os empresários.

Quando a desaceleração econômica e o aumento da inflação dos anos


1970 abalou os fundamentos da sociedade britânica, políticos
conservadores começaram a se aproximar do IEA como fonte de uma
visão alternativa. O instituto aproveitou a oportunidade e passou a
oferecer plataformas para que os políticos pudessem levar os
conceitos do livre mercado para a opinião pública. A Atlas Network
afirma orgulhosamente que o IEA “estabeleceu as bases intelectuais
do que viria a ser a revolução de Thatcher nos anos 1980”. A equipe
do instituto escrevia discursos para Margaret Thatcher; fornecia
material de campanha na forma de artigos sobre temas como
sindicalismo e controle de preços; e rebatia as críticas à Dama de
Ferro na mídia inglesa. Em uma carta a Fisher depois de vencer as
eleições de 1979, Thatcher afirmou que o IEA havia criado, na opinião
pública, “o ambiente propício para a nossa vitória”.

“Não há dúvidas de que tivemos um grande avanço na Grã-Bretanha.


O IEA, fundado por Antony Fisher, fez toda a diferença”, disse Milton
Friedman uma vez. “Ele possibilitou o governo de Margaret Thatcher
– não a sua eleição como primeira-ministra, e sim as políticas postas
em prática por ela. Da mesma forma, o desenvolvimento desse tipo
de pensamento nos EUA possibilitou o a implementação das políticas
de Ronald Reagan”, afirmou.

O IEA fechava um ciclo. Hayek havia criado um seleto grupo de


economistas defensores do livre mercado chamado Sociedade Mont
Pèlerin. Um de seus membros, Ed Feulner, ajudou o fundar o think

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tank conservador Heritage Foundation, em Washington, inspirando-se


no trabalho de Fisher. Outro membro da Sociedade, Ed Crane, fundou
o Cato Institute, o mais influente think tank libertário dos Estados
Unidos.

O filósofo e economista anglo-austríaco Friedrich Hayek com um grupo de alunos na London


School of Economics, em 1948. Foto: Paul Popper/Popperfoto/Getty Images

Em 1981, Fisher, que havia se mudado para San Francisco, começou a


desenvolver a Atlas Economic Research Foundation por sugestão de
Hayek. Fisher havia aproveitado o sucesso do IEA para conseguir
doações de empresas para seu projeto de criação de uma rede
regional de think tanks em Nova York, Canadá, Califórnia e Texas,
entre outros. Mas o novo empreendimento de Fisher viria a ter uma
dimensão global: uma organização sem fins lucrativos dedicada a
levar sua missão adiante por meio da criação de postos avançados do
libertarianismo em todos os países do mundo. “Quanto mais
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institutos existirem no mundo, mais oportunidade teremos para


resolver problemas que precisam de uma solução urgente”, declarou.

Fisher começou a levantar fundos junto a empresas com a ajuda de


cartas de recomendação de Hayek, Thatcher e Friedman, instando os
potenciais doadores a ajudarem a reproduzir o sucesso do IEA através
da Atlas. Hayek escreveu que o modelo do IEA “deveria ser usado para
criar institutos similares em todo o mundo”. E acrescentou: “Se
conseguíssemos financiar essa iniciativa conjunta, seria um dinheiro
muito bem gasto.”

A proposta foi enviada para uma lista de executivos importantes, e o


dinheiro logo começou a fluir dos cofres das empresas e dos grandes
financiadores do Partido Republicano, como Richard Mellon Scaife.
Empresas como a Pfizer, Procter & Gamble e Shell ajudaram a
financiar a Atlas. Mas a contribuição delas teria que ser secreta para
que o projeto pudesse funcionar, acreditava Fisher. “Para influenciar
a opinião pública, é necessário evitar qualquer indício de interesses
corporativos ou tentativa de doutrinação”, escreveu Fisher na
descrição do projeto, acrescentando que o sucesso do IEA estava
baseado na percepção pública do caráter acadêmico e imparcial do
instituto.

A Atlas cresceu rapidamente. Em 1985, a rede contava com 27


instituições em 17 países, inclusive organizações sem fins lucrativos
na Itália, México, Austrália e Peru.

E o timing não podia ser melhor: a expansão internacional da Atlas


coincidiu com a política externa agressiva de Ronald Reagan contra
governos de esquerda mundo afora.

Embora a Atlas declarasse publicamente que não recebia recursos


públicos (Fisher caracterizava as ajudas internacionais como uma
forma de “suborno” que distorcia as forças do mercado), há registros
da tentativa silenciosa da rede de canalizar dinheiro público para sua
lista cada vez maior de parceiros internacionais.
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Em 1982, em uma carta da Agência de Comunicação Internacional dos


EUA – um pequeno órgão federal destinado a promover os interesses
americanos no exterior –, um funcionário do Escritório de Programas
do Setor Privado escreveu a Fisher em resposta a um pedido de
financiamento federal. O funcionário diz não poder dar dinheiro
“diretamente a organizações estrangeiras”, mas que seria possível
copatrocinar “conferências ou intercâmbios com organizações” de
grupos como a Atlas, e sugere que Fisher envie um projeto. A carta,
enviada um ano depois da fundação da Atlas, foi o primeiro indício de
que a rede viria a ser uma parceira secreta da política externa norte-
americana.

Memorandos e outros documentos de Fisher mostram que, em 1986, a


Atlas já havia ajudado a organizar encontros com executivos para
tentar direcionar fundos americanos para sua rede de think tanks. Em
uma ocasião, um funcionário da Agência dos Estados Unidos para o
Desenvolvimento Internacional (USAID), o principal braço de
financiamento internacional do governo dos EUA, recomendou que o
diretor da filial da Coca-Cola no Panamá colaborasse com a Atlas para
a criação de um think tank nos moldes do IEA no país. A Atlas também
recebeu fundos da Fundação Nacional para a Democracia (NED), uma
organização sem fins lucrativos fundada em 1983 e patrocinada em
grande parte pelo Departamento de Estado e a USAID cujo objetivo é
fomentar a criação de instituições favoráveis aos EUA nos países em
desenvolvimento.

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Alejandro Chafuen, da Atlas Economic Research Foundation, atrás à direita, cumprimenta


Rafael Alonzo, do Centro de Divulgação do Conhecimento Econômico para a Liberdade (CEDICE
Libertad), à esquerda, enquanto o escritor peruano Mario Vargas Llosa aplaude a abertura do
Fórum Liberdade e Democracia, em Caracas, no dia 28 de maio de 2009. Foto: Ariana
Cubillos/AP

 Financiada generosamente por empresas e pelo governo americano, a


Atlas deu outro golpe de sorte em 1985 com a chegada de Alejandro
Chafuen. Linda Whetstone, filha de Fisher, conta um episódio ocorrido
naquele ano, quando um jovem Chafuen, que ainda vivia em Oakland,
teria aparecido no escritório da Atlas em San Francisco “disposto a
trabalhar de graça”.

Nascido em Buenos Aires, Chafuen vinha do que ele chamava “uma


família anti-Peronista”. Embora tenha crescido em uma época de
grande agitação na Argentina, Chafuen vivia uma vida relativamente
privilegiada, tendo passado a adolescência jogando tênis e sonhando
em se tornar atleta profissional.

Ele atribui suas escolhas ideológicas a seu apetite por textos


libertários, de Ayn Rand a livretos publicados pela FEE, a organização
de Leonard Read que havia inspirado Antony Fisher. Depois de
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estudar no Grove City College, uma escola de artes profundamente


conservadora e cristã no estado americano da Pensilvânia, onde foi
presidente do clube de estudantes libertários, Chafuen voltou ao país
de nascença. Os militares haviam tomado o poder, alegando estar
reagindo a uma suposta ameaça comunista. Milhares de estudantes e
ativistas seriam torturados e mortos durante a repressão à oposição
de esquerda no período que se seguiu ao golpe de Estado.

Chafuen recorda essa época de maneira mais positiva do que


negativa. Ele viria a escrever que os militares haviam sido obrigados a
agir para evitar que os comunistas “tomassem o poder no país”.
Durante sua carreira como professor, Chafuen diz ter conhecido
“totalitários de todo tipo” no mundo acadêmico. Segundo ele, depois
do golpe militar seus professores “abrandaram-se”, apesar das
diferenças ideológicas entre eles.

Em outros países latino-americanos, o libertarianismo também


encontrara uma audiência receptiva nos governos militares. No Chile,
depois da derrubada do governo democraticamente eleito de Salvador
Allende, os economistas da Sociedade Mont Pèlerin acorreram ao país
para preparar profundas reformas liberais, como a privatização de
indústrias e da Previdência. Em toda a região, sob a proteção de
líderes militares levados ao poder pela força, as políticas econômicas
libertárias começaram a se enraizar.

Já o zelo ideológico de Chafuen começou a se manifestar em 1979,


quando ele publicou um ensaio para a FEE intitulado “War Without
End” (Guerra Sem Fim). Nele, Chafuen descreve horrores do
terrorismo de esquerda “como a família Manson, ou, de forma
organizada, os guerrilheiros do Oriente Médio, África e América do
Sul”. Haveria uma necessidade, segundo ele, de uma reação das
“forças da liberdade individual e da propriedade privada”.

Seu entusiasmo atraiu a atenção de muita gente. Em 1980, aos 26


anos, Chafuen foi convidado a se tornar o membro mais jovem da
Sociedade Mont Pèlerin. Ele foi até Stanford, tendo a oportunidade de
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conhecer Read, Hayek e outros expoentes libertários. Cinco anos


depois, Chafuen havia se casado com uma americana e estava
morando em Oakland. E começou a fazer contato com membros da
Mont Pèlerin na área da Baía de San Francisco – como Fisher.

De acordo com as atas das


reuniões do conselho da
Atlas, Fisher disse aos
colegas que havia feito um Em toda a região,
pagamento ex gratia no sob a proteção de
valor de US$ 500 para líderes militares
Chafuen no Natal de 1985,
declarando que gostaria de
levados ao poder
contratar o economista pela força, as
para trabalhar em tempo políticas
integral no
desenvolvimento dos think
econômicas
tanks da rede na América libertárias
Latina. No ano seguinte, começaram a se
Chafuen organizou a
enraizar.
primeira cúpula de think
tanks latino-americanos, na
Jamaica.

Chafuen compreendera o modelo da Atlas e trabalhava


incansavelmente para expandir a rede, ajudando a criar think tanks na
África e na Europa, embora seu foco continuasse sendo a América
Latina. Em uma palestra sobre como atrair financiadores, Chafuen
afirmou que os doadores não podiam financiar publicamente
pesquisas, sob o risco de perda de credibilidade. “A Pfizer não
patrocinaria uma pesquisa sobre questões de saúde, e a Exxon não
financiaria uma enquete sobre questões ambientais”, observou. Mas
os think tanks libertários – como os da Atlas Network –não só
poderiam apresentar as mesmas pesquisas sob um manto de

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credibilidade como também poderiam atrair uma cobertura maior da


mídia.

“Os jornalistas gostam muito de tudo o que é novo e fácil de


noticiar”, disse Chafuen. Segundo ele, a imprensa não tem interesse
em citar o pensamento dos filósofos libertários, mas pesquisas
produzidas por um think tank são mais facilmente reproduzidas. “E os
financiadores veem isso”, acrescenta.

Em 1991, três anos depois da morte de Fisher, Chafuen assumiu a


direção da Atlas – e pôs-se a falar sobre o trabalho da Atlas para
potenciais doadores. E logo começou a conquistar novos
financiadores. A Philip Morris deu repetidas contribuições à Atlas,
inclusive uma doação de US$ 50 mil em 1994, revelada anos depois.
Documentos mostram que a gigante do tabaco considerava a Atlas
uma aliada em disputas jurídicas internacionais.

Mas alguns jornalistas chilenos descobriram que think tanks


patrocinados pela Atlas haviam feito pressão por trás dos panos
contra a legislação antitabagista sem revelar que estavam sendo
financiadas por empresas de tabaco – uma estratégia praticada por
think tanks em todo o mundo.

Grandes corporações como


ExxonMobil e MasterCard já
financiaram a Atlas. Mas o
grupo também atrai grandes
figuras do libertarianismo,
como as fundações do
investidor John Templeton e dos
irmãos bilionários Charles e
David Koch, que cobriam a Atlas
e seus parceiros de generosas e
frequentes doações.

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A habilidade de Chafuen para


levantar fundos resultou em
um aumento do número de
prósperas fundações
conservadoras. Ele é membro-
fundador do Donors Trust, um
discreto fundo orientado ao
financiamento de organizações
sem fins lucrativos que já
transferiu mais de US$ 400
milhões a entidades libertárias,
incluindo membros da Atlas
Network. Chafuen também é
membro do conselho diretor da
Chase Foundation of Virginia,
outra entidade financiadora da
Atlas, fundada por um membro
da Sociedade Mont Pèlerin.

Outra grande fonte de dinheiro


é o governo americano. A
princípio, a Fundação Nacional
para a Democracia encontrou
dificuldades para criar
entidades favoráveis aos
interesses americanos no
exterior. Gerardo Bongiovanni,
presidente da Fundación
Libertad, um think tank da Atlas
em Rosario, na Argentina,
afirmou durante uma palestra de Chafuen que a injeção de capital do
Center for International Private Enterprise – parceiro do NED no
ramo de subvenções – fora de apenas US$ 1 milhão entre 1985 e 1987.
Os think tanks que receberam esse capital inicial logo fecharam as

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portas, alegando falta de treinamento em gestão, segundo


Bongiovanni.

No entanto, a Atlas acabou conseguindo canalizar os fundos que


vinham do NED e do CIPE, transformando o dinheiro do contribuinte
americano em uma importante fonte de financiamento para uma
rede cada vez maior. Os recursos ajudavam a manter think tanks na
Europa do Leste, após a queda da União Soviética, e, mais tarde, para
promover os interesses dos EUA no Oriente Médio. Entre os
beneficiados com dinheiro do CIPE está a CEDICE Libertad, a
entidade a que líder opositora venezuelana María Corina Machado fez
questão de agradecer.

O assessor da Casa Branca Sebastian Gorka participa de uma entrevista do lado de fora da Ala
Oeste da Casa Branca em 9 de junho de 2017 – Washington, EUA. Foto: Chip Somodevilla/Getty
Images

No Brick Hotel, em Buenos Aires, Chafuen reflete sobre as três


últimas décadas. “Fisher ficaria satisfeito; ele não acreditaria em
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quanto nossa rede cresceu”, afirma, observando que talvez o


fundador da Atlas ficasse surpreso com o atual grau de envolvimento
político do grupo.

Chafuen se animou com a


eleição de Donald Trump para a
presidência dos EUA. Ele é só
elogios para a equipe do
presidente. O que não é
nenhuma surpresa, pois o
governo Trump está cheio de
amigos e membros de grupos
ligados à Atlas. Sebastian Gorka,
o islamofóbico assessor de
contraterrorismo de Trump,
dirigiu um think tank
patrocinado pela Atlas na
Hungria. O vice-presidente Mike
Pence compareceu a um
encontro da Atlas e teceu
elogios ao grupo. A secretária de
Educação Betsy DeVos trabalhou
com Chafuen no Acton
Institute, um think tank de
Michigan que usa argumentos
religiosos a favor das políticas
libertárias – e que agora tem
uma entidade subsidiária no
Brasil, o Centro Interdisciplinar
de Ética e Economia
Personalista.

Mas talvez a figura mais


admirada por Chafuen no governo dos EUA seja Judy Shelton, uma
economista e velha companheira da Atlas Network. Depois da vitória
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de Trump, Shelton foi nomeada presidente da NED. Ela havia sido


assessora de Trump durante a campanha e o período de transição.
Chafuen fica radiante ao falar sobre o assunto: “E agora tem gente da
Atlas na presidência da Fundação Nacional para a Democracia (NED)”,
comemora.

Antes de encerrar a entrevista, Chafuen sugere que ainda vem mais


por aí: mais think tanks, mais tentativas de derrubar governos de
esquerda, e mais pessoas ligadas à Atlas nos cargos mais altos de
governos ao redor do mundo. “É um trabalho contínuo”, diz.

Mais tarde, Chafuen compareceu ao jantar de gala do Latin America


Liberty Forum. Ao lado de um painel de especialistas da Atlas, ele
discutiu a necessidade de reforçar os movimentos de oposição
libertária no Equador e na Venezuela.

Danielle Mackey contribuiu na pesquisa para essa matéria.

Tradução: Bernardo Tonasse

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