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SUMÁRIO
4 APRESENTAÇÃO
5 EDITORIAL
8 ENTREVISTA
Dom Paulo Evaristo Arns
EM FOCO - Poder Legislativo & Democracia Contemporânea
26 1. A Reforma do Poder Legislativo no Brasil - Fabiano Santos
41 2. Modelos de Legislativo: O Legislativo Brasileiro em Perspectiva - Fernando
Limongi / Argelina Cheibud Figueiredo
57 3. Representação e Democracia no Cone Sul - Carlos Ranulfo Melo / Fátima Anastasia
78 4. Parlamento Transnacinal e Integração: A Experiência do Parlamento Europeu e as Li-
gações que a América Latina tem para o Mercosul - Susanne Gratius / Delfet Nolte
98 5. Fragilidade da Democracia no Parlamento Contemporâneo - Bonifácio de Andrada
112 6. Processos de Integração dos Legislativos no Mercosul - Gustavo Fruet
115 7. Política, Parlamento, Democracia - Mauro Santayana
123 8. O Impacto da Reforma Política sobre a Câmara Federal - David Fleischer
142 9. A Câmara dos Deputados e a Democracia Brasileira no Séc. XXI - João Paulo Cunha
152 10.Sobre a Reforma Política - Arlindo Chinaglia / Athos Pereira
OLHAR EXTERNO
162 1. A Segunda Década da América do Norte - Robert A. Pastor
T
PENSAR
174 1. A Armadilha do DLSP/PIB - Antonio Delfim Netto
180 2. O Desafio da Geração de Trabalho - Ariosto Holanda
IDÉIAS & LEIS
188 1. Estatudo do Idoso - Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003.
210 2. Vida Nova para os Idosos - Paulo Paim
215 3. O Acesso do Idoso ao Judiciário - Fátima Nancy Andrighi
PALAVRAS E HISTÓRIA
220 1. Os Profetas do Amanhã - Discurso de Abertura da Assembléia Nacional Cons-
tituinte de 1987/1988 - Ulysses Guimarães
228 2. Receita Tropicalista de Constituição pelo Mestre Constituinte Ulysses Silveira
Guimarães - Luiz Gutemberg
IMAGEM HISTÓRICA
236 Foto de Arsênio da Silva por PedroVasques
240 PERFIL - Carlota Pereira de Queirós, por Ricardo Oriá
248 CHARGE - Bordalo Pinheiro, por Paulo Caruso
250 FOLCLORE POLíTICO - Sebastião Nery
256 LEITURAS - Alca: O Gigante e os Anões, por Paulo Roberto de Almeida
PLENARIUM
revistaplenarium@camara.gov.br
Câmara dos Deputados, Secretaria de Comunicão, Praça do Três Poderes / Brasília - DF - CEP: 70.160-900 TELEFONE
(61) 216 1803 / 216 1810
APRESENTAÇÃO
ENTREVISTA
Talvez o maior desafio de uma política de comunicação para a Câmara dos Deputados
seja equacionar a dissintonia entre a crescente importância do Poder Legislativo brasileiro
na estabilidade institucional e na legitimação de políticas públicas governamentais, e a
não percepção desse valor, de forma explícita e contínua, pelo conjunto da sociedade
brasileira.
Um olhar mais exigente poderá observar que esse problema, de certa forma, se dá
na maioria dos países ocidentais, consideradas as nuances políticas, culturais, jurídicas
e conjunturais de cada nação. Essa aparente ausência de identidade dos Parlamentos é,
certamente, uma das conseqüências da crise do estado-nação contemporâneo, em que a
globalização constitui sua expressão jornalística mais bem acabada.
É com essa percepção que temos procurado estimular o trabalho dos nossos veículos de
comunicação na Secom – televisão, rádio, jornal e agência - e foi com essa inspiração que
percebemos a necessidade de se ter, na Casa, uma publicação de referência. A PLENARIUM,
em boa hora, vem se somar aos nossos instrumentos de comunicação, agregando à nossa
tarefa uma atribuição a mais: a de trazer, de forma sistemática e orgânica, a reflexão da
academia, dos pesquisadores e da inteligência nacionais para os debates que a sociedade
brasileira, por meio dos seus representantes, remete para a Câmara dos Deputados. E, claro, é
importante sublinhar, PLENARIUM será, sobretudo, mais um espaço para os parlamentares
e servidores da Casa contribuírem para esse instigante desafio do nosso tempo que é o debate
para a construção do futuro.
A definição desse conceito nos remeteu a uma outra reflexão: PLENARIUM precisava
ter uma singularidade, uma identidade própria, algo que fosse a marca da sua origem.
Seria insuficiente, ainda que plenamente justificável, uma publicação apenas temática. A
reprodução difusa das experiências – muitas, extraordinárias –, das publicações regulares
existentes em vários departamentos universitários, não acolheria a dimensão que um
periódico de referência, editado pela Câmara dos Deputados, necessariamente deve ter.
Assim, além do tema principal, acrescentamos uma série de seções com o objetivo
de construir a identidade que buscamos. A primeira seção constará de uma entrevista.
Mas não a entrevista clássica, jornalística e conjuntural. Inspiramo-nos na experiência da
Documentation Française, que sempre convida uma figura importante da história da França
para uma reunião com jornalistas e estudiosos da vida e/ou da época do entrevistado,
para juntos fazerem uma reflexão sobre o personagem e sua obra. Esse primeiro número da
PLENARIUM traz a figura extraordinária de Dom Paulo Evaristo Arns.
Como a Câmara dos Deputados é sobretudo a “Casa das Leis”, achamos ainda que
seria interessante a publicação comentada de uma lei, em cada edição da PLENARIUM.
Dessa vez, trazemos o Estatuto do Idoso, com as observações do senador Paulo Paim, autor
do projeto, e da ministra do STJ, Fátima Nancy Andrighi. Da mesma forma, pretendemos
publicar e comentar o Estatuto do Desarmamento, a Lei de Falências, o novo Código das
Águas, entre outros.
Não poderíamos encerrar esse editorial sem agradecer a todos aqueles que acreditaram
no projeto enviando seus trabalhos e textos, ao apoio e confiança da administração da
Câmara dos Deputados mas, sobretudo, àqueles que participaram da construção dessa
publicação, com suas idéias, trabalho e sugestões, desde a elaboração do seu projeto
editorial, até o encaminhamento para a gráfica.
São eles: os professores Carlos Henrique Cardim, Fabiano Santos, David Fleischer,
Mauro Santayana, Wanderley Guilherme dos Santos, Costa Porto, Ricardo Oriá, Mônica
Mulser Parada, Paulo Motta e Paulo Roberto Almeida. Os colegas da SECOM, Márcio
Araújo, Tarcísio Holanda, Mauro Di Deus, Flávio Elias, Alexandre Rios, Frederico Campos,
Sueli Navarro, Pedro Noleto, Ademir Malavazzi, Gentil Sbarddelloto, Raquel Mello, Heloísa
Pinheiro, Thaís Alves Lima e Ely Borges.
Boa Leitura!
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DOM PAULO EVARISTO ARNS
Padre Beozzo – Dom Paulo, pen- cinco ou seis primeiros séculos, que são um
sei na sua formação. O senhor nasceu tesouro escondido, que não é conhecido
em Forquilinha, em Santa Catarina. Seus no Brasil nem na Europa. Você sabe grego.
pais, Gabriel e Helena, constituíram uma Então, estude mais grego, arranje um bom
família grande com muitos filhos e filhas. professor, e você vai poder publicar obras
Quais valores desse mundo familiar o importantes para a história da cultura cristã
senhor trouxe para a vida pública? Depois, da Antiguidade”.
o senhor transformou-se em franciscano.
No mesmo dia, eu fui procurar o
Frei Leonardo Boff me pediu que eu lhe
Prof. Frei Tito, que, aliás, trabalhou em
perguntasse como essa figura seminal de
São Paulo também, por algum tempo, e
São Francisco inspirou sua vida e sua ação
lhe disse que gostaria de ler um livro da
pastoral.
Antiguidade, começando pelo latim. Ele
Depois, o senhor estudou patrística me respondeu: “A obra mais bonita que
e letras clássicas na Sorbonne. O senhor conheço em toda a literatura cristã, em
gosta de ser um bom escritor, é capri- latim, são as cartas de São Jerônimo para
choso no estilo. O senhor escreveu sobre suas amigas e seus amigos, em todo o
Clemente de Roma, Inácio de Antioquia, mundo. Se você quiser, vou buscá-la na
Ambrósio de Milão, freqüentou muito biblioteca”.
São Jerônimo, estudou a técnica do livro
Fomos juntos à biblioteca, eu trouxe
naquela época, e o senhor foi professor de
o livrinho, e daí em diante posso dizer
patrística. Como os padres da Igreja, que
que nunca mais deixei de cultivar o
enfrentaram o poder político com audácia
latim, o grego e, sobretudo, a história da
e firmeza, também acabaram inspirando o
Antiguidade para poder produzir qualquer
senhor na sua luta contra a opressão e a
coisa. Infelizmente, como você bem o disse,
ditadura?
só tive ocasião de publicar meia dúzia de
Como o senhor explica esse mundo de livros e de artigos a esse respeito, mas
formação em sua casa, como franciscano, não cheguei nunca a exprimir aquilo que
e como encara a sua experiência na estava no meu coração – ou seja, como, a
patrística para a sua vida pública? partir do Cristo, o cristianismo se expandiu
Dom Paulo Evaristo Arns - Para res- e conquistou as almas mais generosas
ponder, rapidamente, deveria dizer que daquele tempo. Infelizmente, não fiz
decidi seguir a carreira literária, que cul- aquilo que desejava, porque me nomearam
minou com o doutorado na Sorbonne, em Bispo, Arcebispo e Cardeal... E como,
Paris, na França, onde fiquei cinco anos envolvido por tantas responsabilidades, eu
como aluno, incentivado por carta de meu teria tempo para me dedicar aos estudos e
irmão. Um pouco mais idoso do que eu, a outras coisas que queria fazer?
ao se formar ele me escreveu uma carta em Monsenhor Dário Bevilacqua – O
que me incentivava a continuar os estudos senhor foi nomeado Bispo, Dom Paulo,
e, em particular, os estudos clássicos. em momento muito vivo da vida da Igreja.
Ele assim dizia: “Você gosta de Estávamos vivendo o Concílio Vaticano II,
latim, já tem seis anos de latim; você pode as grandes reformas que o Papa João XXIII
agora passar a vida inteira estudando latim tinha promovido para a Igreja, que devia
e publicando as obras daqueles padres dos estar em dia com o mundo, e o senhor
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ENTREVISTA
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DOM PAULO EVARISTO ARNS
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ENTREVISTA
foram Rui Barbosa e Joaquim Nabuco, pertencer a uma outra classe: a classe
todos se afastaram da Igreja, praticamente dos estudiosos”. Ele era colono, não tinha
houve uma ruptura. O senhor acabou de nem um ano de estudo. Aprendeu a ler e
dizer que foi convidado para entrar no a escrever. Tornou-se até um intelectual
Conselho da USP. a partir de esforço próprio. Ele me disse:
O senhor viveu momento de grande “Parta para as maiores escolas do mundo,
aproximação com o mundo intelectual, mas não esqueça uma coisa: você é filho
quando o Governo fechou as portas das de colono. Nunca negue que é filho de
Universidades públicas para a realização trabalhador. Sempre defenda os trabalha-
da reunião da SBPC (Sociedade Brasi- dores”.
leira para o Progresso da Ciência), Essas palavras vieram-me à
o senhor abriu as portas da mente no exato instante em que
PUC (Pontifícia Universida- “Quantas me entregaram o diploma na
de Católica de São Paulo). vezes eu tive de Sorbonne com a maior dis-
Quando desejou fazer um tinção, ao mesmo tempo
estudo mais abrangente entrar pessoalmente? em que me felicitaram.
sobre São Paulo, foi pro- Eu colocava todas as ves- Eu disse aos professores:
curar o CEBRAP, o Fer- “Sou filho de um colono”.
nando Henrique Cardo-
timentas de um Cardeal, Mandei um telegrama
so e outros intelectuais aparecia lá como alguém para o meu pai em que
para escrever trabalho estranho a esse mundo (risos) dizia: “O filho do colo-
intitulado “São Paulo: no foi hoje agraciado
Crescimento e Pobre- e subia, ia diretamente ao com o maior diploma
za”. Posteriormente, gabinete do diretor, sem pedir da Universidade mais
o senhor fez da PUC
licença a ninguém, abrindo eu célebre do momento
um espaço aberto para na Europa. Não leve a
acolher Florestan Fer- mesmo as portas, entrando e mal, porque continua-
nandes, Otávio Iani, os dizendo: “Senhor Diretor, rei a ser filho de um
professores então cassa- colono”. Por isso, qual-
dos. Desejo que o senhor
venho aqui reclamar por quer luta que haja entre
fale do encontro entre a causa da tortura deste, operários e a sociedade,
classe operária e a classe deste e deste ope- sempre, em primeiro lugar,
intelectual, no trabalho que acho que devo tomar posi-
o senhor teve oportunidade de rário ”. ção em favor do mais fraco,
realizar em São Paulo. daquele que enfrenta dificuldade
Dom Paulo Evaristo Arns - para obter os meios de defesa, tanto
Você formulou uma pergunta sumamente na imprensa quanto em outros setores da
importante para o futuro, não só da Igreja, vida social.
mas também da humanidade. Devemos Uma coisa destaco: quando o
nos entender com os operários. “Quando operário tem razão em suas reivindica-
sai de casa, meu pai me disse: “Você ções e reconhecemos isso – para tanto,
agora pode estudar. Só que, a partir de Monsenhor Dário pode dar uma prova
agora, vai pensar diferente de nós e vai – temos o Conselho de Presbíteros.
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ENTREVISTA
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ENTREVISTA
com o Pai, com o coração todo voltado presente, mas também pelo passado e pelo
para Deus e com o corpo preparado para futuro da humanidade.
encontrar seus irmãos. Isso acontece desde Precisamos de justiça, de solidarie-
que a catedral foi inaugurada até os dias de dade. Temos de construir a história de
hoje, e está funcionando sob a direção do forma totalmente diferente: sem fuzis na
Padre Júlio Lancelotti. mão, sem militares exercendo seu ofício,
Mauro Santayana - Dom Paulo, fala- mas, sim, com homens que sabem levar o
mos há poucos instantes sobre o proble- povo de novo a crer em si, em Deus e na
ma do cristianismo. Temos um problema igualdade de todos os homens. Só dessa
importante, hoje, a discutir, que é o ter- maneira chegaremos a vencer o terrorismo,
rorismo, que passou a equivaler a uma e nunca por meio de uma guerra.
execração. Entre os grandes atos Dário Bevilacqua - Durante
de terrorismo do século XX, o
“Como muitos anos, conforme seu
senhor incluiria o bombardeio relato, o senhor trabalhou,
de Hiroshima? Lembrei-me a mulher é
como Arcebispo de São
desse fato quando o senhor forte! Como a mulher Paulo, com uma equipe de
falou do Japão. bispos. O senhor tinha o
nos surpreende muitas
Dom Paulo Evaristo seu grupo do colégio epis-
Arns - Evidentemente. O vezes! Como ela merece copal. A idéia era cons-
bombardeio de Hiroshima louvor todo especial tam- truir um governo diferen-
foi um ato terrível, embo- bém no campo da ciência, te para a diocese de São
ra não se pudesse medir Paulo, em que houvesse
as suas conseqüências, da pesquisa e no do incen- dioceses interdependen-
naquele tempo, porque foi tivo para a juventude tes, de tal modo que cada
a primeira experiência com região episcopal tivesse um
a bomba atômica. Assim
encontrar seu cami- nível de responsabilidade
mesmo, foi um ato imper- nho”. e atuação. Essa experiência
doável. A história nunca vai valeu a pena, Dom Paulo?
esquecer disso. Quando estava Dom Paulo Evaristo Arns -
no Japão, referi-me a esse ato, com Valeu a pena. Só lastimo que o senhor
grande respeito diante do povo japonês. atribua o mérito e mim. O mérito é de
Os americanos, que também estavam pre- Paulo VI, o Papa. Quando fui visitá-lo pela
sentes, causaram esse drama para a huma- primeira vez, em 1973, na qualidade de
nidade. Acho terrível. Arcebispo, para expor a situação de São
Há outra coisa, Santayana: terrorismo Paulo, ele me disse: “Precisamos mudar
não se combate com guerra. Foi um erro o completamente a ação da Igreja nas gran-
fato de o presidente americano George des cidades. Então vou pedir um grande
Bush convidar a Espanha, a Inglaterra e favor ao senhor. O senhor agora vai visitar as
outros países a participarem da guerra grandes cidades, e quando tiver visitado 3
contra o Iraque. Foi um crime contra a ou 4 cidades, o senhor volta e me conta
humanidade, semelhante ao de Hiroshima como cada uma delas está procedendo,
e a outros crimes que não esquecemos. porque precisamos fazer uma divisão nas
Todos somos responsáveis, não só pelo cidades, mas também precisamos levar
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DOM PAULO EVARISTO ARNS
todas as pessoas a assumirem as suas res- o senhor e eu”. (Risos). “Então, nós vamos
ponsabilidades de cristãos, quer dizer, de nos levantar daqui e vamos para o fundo
propagar o cristianismo e de fazer o Cristo da sala, atrás dos livros da biblioteca, e
conhecido e amado. Então, Deus será vamos ficar lá para o Secretário não nos
conhecido e amado, e os homens serão descobrir e chamar outra pessoa aqui para
respeitados, porque são filhos adotivos de dentro”.
Deus”.
E fomos para lá, ficamos por 55
Eu viajei por muitas cidades. Fui minutos discutindo como é que deveria
até São Francisco, nos Estados Unidos, ser o nosso trabalho em São Paulo. (Risos).
fui à Irlanda, fui à Polônia, que estava Combinamos todas as coisas e elaboramos
sob regime comunista. E lá fiquei durante um plano inteiro, que, infelizmente,
duas semanas, pregando em alemão para não pôde ser executado por causa das
os poloneses comunistas. Depois, fui ao circunstâncias e da morte do Papa, em
Japão, à Austrália, a muitos lugares. Foram 1978, logo depois que isso aconteceu.
trinta e tantos países, sempre com a idéia
de que o Papa Paulo VI queria mudar Padre Beozzo - Dom Paulo, quando
a pastoral das grandes cidades, queria estava aqui em São Paulo, o senhor viveu
conhecer todos os modelos e todas as um momento de grandes mudanças na
experiências já realizadas. teologia. A teologia era a base da formação
dos padres, dos clérigos. E a sua faculdade
E ele estava confiando-me aquela se abriu para os leigos, para as mulheres,
tarefa. Assim, anotava todas as coisas que admitindo, inclusive, professoras mulheres,
os bispos, os padres e os leigos de diversas como a Ana Flora e outras. O senhor
organizações me comunicavam. Levava promoveu uma grande mudança, o senhor
essas informações sempre que ia a Roma. assistiu o nascer de uma teologia pensada
Eu ia três ou quatro vezes por ano a Roma, em função da libertação e do mundo, e
e levava sempre essas novidades ao Papa, não apenas em função da Igreja. E, depois,
que se interessava muito por elas. Certa teve grandes problemas. O senhor, em um
vez, ele me disse: “Elabore um sistema momento de crise, com Leonardo Boff, foi
que seja mais ou menos o resultado de sua até Roma.
pesquisa. Então, você volta e me diz como
devemos fazer”. Gostaria que o senhor falasse dessa
função da teologia, da liberdade e da
O Papa Paulo VI tinha realmente um pesquisa. Além disso, falamos dos operários
grande coração. E quando falei com ele
intelectuais que tiveram uma crise com
pela última vez, em 1976, ele já não podia
a Igreja. E o risco, hoje, o da crise das
mais conversar. Então, o seu Secretário me
mulheres com a Igreja. Assim, gostaria
disse: “O Papa não pode mais conversar por
que o senhor falasse sobre a teologia
muito tempo. O senhor fique cinco minu-
feminista, a Teologia da Libertação.
tos com ele, dê-lhe um abraço, conforto, e
diga que estamos rezando por ele. Depois, Dom Paulo Evaristo Arns - Vamos
o senhor se retire”. Aí, eu entrei e disse ao começar, então, com a questão das mulheres.
Papa: “Já que temos pouco tempo, vou- Em primeiro lugar, a Universidade Católica
lhe dar tudo por escrito. Depois, o senhor nunca tinha colocado uma mulher como
manda ler, ou lê quando puder”. O Papa reitora. Então, eu perguntei quais eram as
disse: “Quem é que manda no Vaticano? É mulheres que mais se distinguiam, para
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ENTREVISTA
que eu tivesse condições de propor aquela nos surpreende muitas vezes! Como ela
idéia a Roma. Mas seria muito difícil, merece louvor todo especial também no
porque não existia universidade pontifícia campo da ciência, da pesquisa e no do
– quer dizer, que depende diretamente incentivo para a juventude encontrar seu
do Papa e do Arcebispo, mas do Papa caminho.
sobretudo – e todos os professores eram O senhor fala da teologia em geral.
confirmados em Roma. Então, eles me De fato, eu apanhei muito por causa
disseram que a Dra. Kfouri era indicada da teologia da libertação. Mas o senhor
para isso, porque ela era solteira, não tinha pode ler na minha autobiografia – que
se casado. infelizmente tive de escrever – onde digo
Dessa forma, poderia dedicar-se que nós mandamos para Roma um
inteiramente à ciência, e também documento muito bem-elaborado
à sua família, à sua mãe e ...“a fé e a pelos teólogos do Ipiranga sobre
a toda a sua incumbência a teologia da libertação,
na Universidade. Assim
ciência têm de dizendo por que a teologia
sendo, eu mandei para evoluir com a huma- da libertação precisa
Roma simplesmen- nidade. Cristo nos deu procurar na Grécia as
te a comunicação da expressões, a metafísica
nomeação da Dra.
a essência para tudo, para toda, etc., para dizer,
Kfouri como reitora da responder a todas as pergun- em palavras difíceis,
Universidade Católica, tas, mas confiou à inteligência o que Deus, que é
“escolha do Arcebispo simples e bom, quer
de São Paulo”. Eu pen-
humana a elaboração de todas eliminar para ser
sei que ia voltar uma as respostas para cada tempo, amado pelos homens,
carta incendiando São para cada época e tam- em vez de apenas ser
Paulo, e dizendo para o apreciado com palavrões
Arcebispo que era hora
bém para os momentos que se encontram
de criar juízo. (Risos). Mas cruciais da humani- nos dicionários mais
foi o contrário: veio a res- dade”. completos.
posta de que ela estava nome- Então, mandei aquilo
ada, que era a nova reitora da para Roma e o único que me
Universidade Católica. respondeu foi o Cardeal Danneels. Eu
Logo na fase seguinte, já havia a nunca contei isso. Foi o Cardeal Danneels,
possibilidade de eleições para reitor – de Bruxelas, na Bélgica, que me respondeu
que, aliás, eu introduzi nas universidades em um cartão, dizendo: “Eu o felicito pelo
católicas. Depois, esse sistema foi que o senhor mandou escrever pelos seus
introduzido em todas as universidades. teólogos”. E assinou, em nome de toda a
Eram feitas eleições por meio de cidade de Bruxelas, dizendo que a teologia
professores, alunos e funcionários, cada começa com o pobre, com o pequeno, e
qual com um peso diferente, é claro. depois vai subindo até o coração daquele
Mas o fato é que a Dra. Kfouri foi reeleita que sabe ser humilde e pequeno, mesmo
como reitora da Universidade Católica. sendo sábio, mesmo tendo estudado, mesmo
Como a mulher é forte! Como a mulher sendo esse homem de grande projeção.
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ENTREVISTA
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DOM PAULO EVARISTO ARNS
povos, ou contra a possibilidade de eles qualquer palavra que não tenha efeito
executarem as coisas, porque estavam político. Político quer dizer que atinge mais
muito avançados ou eram retrógrados. que uma pessoa, atinge muitas pessoas,
Acho que a união da fé e da ciência pode transformar o ambiente e pode até
é a grande missão da Igreja para o futuro criar um novo sistema para orientar a
da humanidade e para o bem de cada um humanidade em relação ao futuro. Mas,
de nós. Mas ela não se faz de uma hora meus amigos, a política no Brasil foi muito
para outra e não se faz sem controvérsia. difícil no tempo da repressão. Eu entrei,
em 1966, justamente quando a repressão
Padre Beozzo - O senhor falou de começava a cassar os Governadores.
fé e ciência, mas o senhor foi um mes- Quando cassaram Juscelino Kubitschek,
tre na sua vida nas questões também eu pensei: “Meu Deus, agora acabou
de fé e política. O senhor este- tudo. Agora vão cassar todo
ve com muitos Governadores
“Posso mundo e cassaram também...”
aqui em São Paulo: Paulo
Maluf, Franco Montoro, dizer que com os Padre Beozzo - O
Orestes Quércia, Luiz (Carlos) Lacerda, o (João)
políticos, no final, eu Goulart...
Antônio Fleury, Mário
Covas, que foi seu sempre me entendi, quan-
Dom Paulo
grande amigo, Geraldo do não eram militares. Os Evaristo Arns - O
Alckmin, depois militares não queriam o enten- Lacerda, o Goulart e
com os Prefeitos, os tanta gente. De manei-
Presidentes, de Médici dimento, mas oposição. Eles ra que pensei que o
a Lula. O senhor con- achavam que a Igreja era dos Brasil não teria mais
viveu com essas figu- solução. Mas tem. É
ras e sempre teve uma
pobres, portanto, comunista
preciso que todo mundo
palavra para a questão e contra o regime. Por isso sempre diga: “Nós vamos
da ética na política, da eles não respeitavam de esperança em espe-
democracia, da cidada- rança. Nunca vamos dei-
nia. Gostaria que o senhor nossa opinião”. xar morrer a esperança do
comentasse um pouco sobre brasileiro, que não é homem de
isso. pegar o fuzil e atirar”. O que está
O senhor deu atenção especial, em acontecendo, no que se refere à violência,
São Paulo, ao quarto poder, à imprensa, é totalmente contra o espírito brasileiro, a
à televisão. O senhor já teve um jornal, mentalidade do povo e a nossa história.
perdeu a Rádio 9 de Julho. O senhor Nunca fomos violentos como estamos
mesmo é um jornalista. Gostaria que o sendo neste momento. Mas o papel da
senhor falasse de sua boa relação com a política consiste em conduzir essas ques-
imprensa, da questão da política, da ética tões de tal maneira que sejam favoráveis
e do papel da imprensa. ao povo.
Dom Paulo Evaristo Arns - Em É isso que sempre procurávamos
primeiro lugar, a política. Eu, de fato, na fazer. Qualquer queixa contra um governa-
minha vida, sempre achei que ninguém dor, mesmo Mário Covas... – o Covas era
poderia fazer qualquer ação ou expressar muito difícil no que se refere ao seu rela-
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ENTREVISTA
cionamento, mas fui eu o último que deu aceitar nossas propostas, feitas em nome,
a mão a ele na hora da morte. E ele ainda muitas vezes, do Conselho de Presbíteros,
teve forças para me dizer: “Eu tive mil ao qual pertencia Monsenhor Bevilacqua,
pessoas que me chamavam de amigo, mas que está ao meu lado, do Colégio dos
uma eu sei que era e é meu amigo, é Bispos. Fui algumas vezes ao gabinete
Paulo Evaristo Arns”. Eu disse para de Médici levar a opinião dos bis-
ele: “Deus te abençoe nessa “Todos pos do Estado de São Paulo. Ele
caminhada onde iremos nos me pôs para fora e disse: “O
que estão aqui
encontrar de novo”. senhor cuide da sacristia que
nesta mesa são gran- nós cuidamos da ordem
Posso dizer que com
os políticos, no final, des lutadores pela trans- pública”. Eu disse: “Mas
eu sempre me enten- formação do Brasil, sobretu- a ordem pública está
sendo violada”. E foi a
di, quando não eram do, para não deixar apagar a despedida de Médici
militares. Os militares
não queriam o enten-
chama da esperança. Precisamos para sempre.
dimento, mas oposi- ter esperança para chegarmos à Jorge Henrique
ção. Eles achavam utopia que todos desejam. E vai ser Cartaxo - Dom
que a Igreja era dos realizada em breve, se Deus quiser, Paulo, minha gera-
pobres, portanto, ção cresceu sob a
comunista e contra ao contrário do que predizem os ditadura militar e
o regime. Por isso pessimistas. Somos um povo que amadureceu na
eles não respeita- vive de esperança. Devemos unir democracia. Os
vam nossa opinião. problemas funda-
Só a respeitavam em
nossas forças num governo que mentais, aqueles que
ocasiões nas quais aceita ou não, psicologicamente nos animaram a lutar
isso era muito fácil e ou politicamente, mas quer o contra a ditadu-
visível para o povo. bem do Brasil e vai fazer o ra, não foram resol-
E o povo, no início, vidos em vinte anos
também a c r e d i t a v a bem, se Deus quiser, com a de democracia. Ainda
na revolução. Quando ajuda de todos. O Brasil que possamos apresen-
falávamos na revolução, é responsável por si tar explicações técnicas e
o povo reclamava. Aos históricas para isso, a sen-
poucos, ele foi entenden- mesmo”. sação que se passa, no senso
do que a revolução trabalhava comum, é que essa inviabilida-
para uns poucos e não para todos de permanente é muito incômo-
os brasileiros. Não trabalhava para o da. O que V. Excia. tem a dizer sobre
futuro nem para o presente, mas para um isso?
passado que já deveria ter sido enterrado Dom Paulo Evaristo Arns - O senhor
há muito tempo. acha que não temos democracia, não é?
Dizer como era nosso comportamen- Temos apenas um arremedo de democracia
to é uma tarefa difícil, porque cada momen- ou uma tentativa de fazer o povo participar
to era diferente, cada pessoa tinha seu tipo, por meio das eleições e por mais alguma
seu caráter, seu modo de nos receber e coisa. Mas considero muito pouco.
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DOM PAULO EVARISTO ARNS
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ENTREVISTA
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ENSAIO * FABIANO SANTOS
A Reforma do Poder
Legislativo no Brasil
1) Introdução provisória, impedindo que estas sejam
reeditadas indefinidamente, ao mesmo
O Poder Legislativo é certamente
tempo que forçando o pronunciamento
a instituição governamental que mais
do plenário sobre as que foram enviadas
reformas tem feito no sentido de aumentar
pelo Executivo, emenda essa que veio a ser
a transparência de suas atividades e
ratificada pelo Senado Federal.
ampliar sua capacidade de controle sobre
as ações dos demais poderes. Um primeiro Um efeito claro da medida, já
passo importante foi dado no início da observado, foi o de diminuir o ímpeto do
legislatura passada, com a inauguração Executivo em governar por decreto. Além
das TV´s Câmara e Senado, por assinatura, disso, foi criada uma Comissão Participativa
responsáveis pela transmissão de sessões destinada a receber projetos formulados
deliberativas de comissões e plenário. No por entidades representativas da sociedade
final desta mesma legislatura, por iniciativa e fornecer-lhe a devida tramitação. Se
do então deputado federal pelo PSDB de eficaz, tal comissão fornecerá visibilidade
Minas Gerais, Aécio Neves, presidente da aos projetos que pela Câmara tramitam,
Casa, a Câmara dos Deputados aprovou visibilidade que pode significar importante
emenda constitucional que confere nova estímulo a deputados e senadores para que
regulamentação ao instituto da medida invistam parcela maior de seu tempo em
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FABIANO SANTOS
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ENSAIO
maior influência nesse processo. Uma pastas ministeriais entre membros dos
questão central, quando se verifica este principais partidos, na esperança de obter
conjunto de elementos, é a capacidade do em troca o apoio da maioria do Congresso.
Poder Executivo de iniciar e influenciar o O impacto desta prática institucional para
processo legislativo e até que ponto este o desempenho do órgão representativo
poder amesquinha tanto a extensão dos é significativo, e o exemplo do início
direitos parlamentares dos deputados sem do atual governo ilustra perfeitamente o
postos na burocracia parlamentar, quanto sentido deste impacto3.
as prerrogativas de poder das comissões A tabela abaixo compara o tamanho
permanentes do Poder Legislativo. Sabe- da base de apoio ao governo na Câmara dos
se, por exemplo, que existe uma alta Deputados em dois momentos distintos:
concentração do poder decisório e de logo após o pleito de 2002 e ao fim de 6
agenda em mãos do chefe do Executivo meses de governo do presidente Lula4.
e das lideranças partidárias no interior do
Congresso2. Tabela 1
Para nossos propósitos, o que importa
assinalar é que a conjugação dos elementos Força Parlamentar da Coalizão
constitucionais do sistema político, Governista em Dois Períodos Distintos
baseada em uma concepção difusora do Lula 1 Lula 2
poder, com seus elementos procedimentais, PT - 0,17 PT - 0,18
de inspiração concentradora, dá origem a
PL - 0,05 PL - 0,06
um modelo institucional cuja essência pode
ser condensada na seguinte expressão: PTB - 0,05 PTB - 0,09
“presidencialismo de coalizão”, com PSB - 0,04 PSB - 0,06
amplos poderes de agenda depositados PDT - 0,04 PDT - 0,03
no Executivo. Tal modelo, complexo em PPS - 0,02 PPS - 0,04
sua concepção e operação, comporta PCdoB - 0,02 PC do B - 0,01
certos desequilíbrios no modo pelo qual o PV - 0,01 PV - 0,01
poder político se distribui entre as diversas
PMDB - 0,13
instâncias do sistema. Veremos que a
reforma do Poder Legislativo pode cumprir 0,40 0,62
Fonte: Câmara dos Deputados
a importante função de re-equilibrar o
balanço entre os Poderes. Vejamos
O novo governo seguiu a rota
porque.
habitual da política brasileira: por um
O ponto de partida, portanto, de lado, estimulou a troca de legendas de
toda análise sobre o Legislativo deve partidos originariamente de oposição
ser o conceito de “presidencialismo em direção a partidos aliados, embora
de coalizão”. A combinação de o PT tenha se preservado desta dança,
sistema presidencialista, representação e, por outro, convidou o PMDB, grande
proporcional de lista aberta e sistema partido de centro, para fazer parte da base
parlamentar fragmentado leva o chefe do formal de apoio ao presidente5. Ao fim de
Executivo, na intenção de implementar sua diversas negociações, envolvendo cargos
agenda de políticas públicas, a distribuir na estrutura da liderança do governo
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porque isto facilita sua atuação como e coletivos de uma mesma coalizão de
candidato ao sinalizar seu posicionamento congressistas.
em questões de interesse público, assim A literatura recente sobre o
como sua atuação enquanto parlamentar, Congresso brasileiro tem verificado a
ao balizar suas decisões relativamente às coexistência de elementos distributivos e
matérias que chegam a voto em plenário. partidários no comportamento legislativo
Contudo, o interesse que subsidia de nossos parlamentares10. Indicadores
a emergência e força dos partidos é como pesquisas de opinião, produção
um interesse coletivo, ao passo que os legal, processo orçamentário e disciplina
parlamentares também se elegem por conta partidária revelam pelo menos dois
de seus esforços individuais no sentido de pontos fundamentais: existe amplo
atender às demandas de seus eleitores. reconhecimento sobre a importância de
O dilema coletivo dos políticos face aos se constituir, junto aos eleitores, reputação
partidos surge exatamente no momento pessoal, ou seja, a tarefa da representação
em que há o risco da imagem do partido se política no Brasil está fortemente ancorada
desgastar, seja pela falta de investimento na figura individual do político; todavia,
dos parlamentares nos temas e políticas que o espaço de atuação do parlamentar,
conferem a marca coletiva da agremiação, tomado individualmente, é muito reduzido
seja pelo sobre-investimento nas matérias no parlamento; vale dizer, a atividade
de alcance meramente paroquial. legislativa, sua organização e processo
de decisão, se encontra centralizada na
A solução clássica para problemas de
liderança dos partidos, em particular dos
ação coletiva é delegar para indivíduo ou
partidos que formam a base aliada ao
grupo de indivíduos a tarefa de coordenar,
governo.
canalizar os esforços individuais na direção
do bem público, vale dizer, dotar este Ademais, e o que é mais relevante
grupo de indivíduos de poder e conceder- para fins da presente discussão, é que
lhe incentivos para que assuma o ônus de também existe amplo consenso de que
organizar o comportamento individual e faz falta ao Congresso brasileiro, em sua
realizar o interesse coletivo – na vida dos forma de atuar, regras e procedimentos que
partidos e parlamentar, este agente atende incentivem o desenvolvimento de expertise
pelo nome de lideranças partidárias. O e capacitação dos parlamentares para a
papel das liderança dos partidos seria, formulação e implementação de políticas
não propriamente ou unicamente o de públicas. Em uma palavra, o Congresso
disciplinar a conduta da bancada, mas ainda está por desenvolver mecanismos
o de não permitir que a ação individual informacionais.
prejudique sobremaneira a imagem Em resumo, os estudos sobre o
coletiva da agremiação, por um lado, Legislativo brasileiro, e levando-se em
e, por outro, não permitir que conflitos consideração as diversas perspectivas que
de interesse e de opinião no interior da avaliam o papel e comportamento do par-
bancada levem a seu amesquinhamento lamento na democracia contemporânea,
eleitoral e político. Em uma palavra, a indicam ser esta uma instituição de perfil
função da liderança partidária é a de reativo que se organiza e toma decisões
compatibilizar os interesses individuais mediante uma combinação de elementos
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destes que podem tramitar com urgên- Evidentemente, não se está propondo
cia em um mesmo intervalo de tempo, pura e simplesmente que os parlamentares
ou o tamanho do apoio necessário para que vierem a aceitar convites para ocupar
aprovar a urgência constitucional; e, por postos no Executivo desistam de seus man-
outro, permitir, às comissões permanentes, datos, mas sim que regras mais restritivas
a apreciação de projetos de emenda cons- sejam estabelecidas, tais como, limitar a
titucional e de código, além de aumentar quantidade de vezes que um parlamen-
os requisitos de complexidade, tendo em tar poderá se licenciar do exercício do
vista criar uma comissão especial. mandato sem perder a cadeira. Em suma,
Por último, a questão dos incentivos de o que se pede é a delimitação mais clara
carreira. Como vimos nas primeiras seções das fronteiras entre o mundo da represen-
deste trabalho, a prática do presidencialismo tação e outros lócus de exercício do poder
de coalizão leva o chefe do Executivo a político, tornando maior o incentivo para
compartilhar com vários partidos, e não que políticos que logram obter mandatos
apenas o seu, a formação do ministério. A representativos canalizem suas energias,
consolidação da aliança entre partidos se seu tempo e inteligência no fortalecimento
faz, freqüentemente, mediante a nomeação do Poder Legislativo.
de líderes partidários para os postos de Em suma, ampliação das prerroga-
primeiro escalão no Executivo – é comum, tivas das comissões permanentes, assim
corriqueiro, que parlamentares deixem como o aumento do poder de alocação
sua cadeira no Legislativo para cumprir do Congresso e a delimitação das carreiras
funções como ministro. A Constituição legislativas devem informar o espírito de
brasileira permite que um deputado ou uma eventual mudança institucional no
senador se licencie do mandato a fim de Poder Legislativo, tendo como desiderato
exercer cargos no ministério; da mesma a configuração de um perfil mais ativo,
forma, um parlamentar pode concorrer assim como o incremento de sua capa-
às eleições municipais, através do mesmo cidade de gerar, armazenar e distribuir
mecanismo da licença, sem por em risco informações pertinentes ao processo deci-
sua cadeira no Congresso. sório em políticas públicas.
O baixo custo com que os congres-
sistas podem, mediante a disputa eleitoral
ou nomeação, se lançar a experiências
políticas alternativas ao Legislativo reduz
a taxa de permanência dos políticos no
órgão representativo. Menores taxas de
permanência levam a menor investimento
dos membros na própria Casa. Uma Casa
legislativa forte depende de representantes
comprometidos com a tarefa de repre-
sentar, compromisso que advirá como
decorrência natural do estabelecimento de
critérios mais rígidos de licenciamento do
Legislativo.
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NOTAS
1
Nos próximos parágrafos, sigo a análise que consta em Santos, 2000 e 2002.
2
Ver, a respeito, Pessanha, 1997, e Figueiredo e Limongi, 1999.
3
O estudo pioneiro sobre o presidencialismo de coalizão é de Abranches, 1988. Desenvolvimentos recentes podem
ser encontrados em Figueiredo e Limongi, 1999; Amorim Neto, 2000; Meneguelo, 1998 e Santos, 2003b.
4
O texto que segue é inspirado em Santos, 2003a .
5
A literatura sobre o troca-troca de partidos já é bastante consolidada. Bons exemplos são Lima Jr.,1993, Nicolau
1996 e Melo, 2000; Meneguelo, 1998 e Santos, 2003b.
6
Ver, nesta linha de análise, Polsby, 1968; Packenham, 1970; Loewenberg e Patterson, 1979, Mezey, 1985.
7
Os principais trabalhos nesta linha são Mayhew, 1974; Ferejohn, 1974; Fiorina, 1977; Shepsle, 1979; Weingast e
Marshall, 1983; e, Cain, Ferejohn e Fiorina, 1987.
8
Ver Gilligan e Krehbiel, 1987; Krehbiel, 1991; Brady e Volden, 1998.
9
Os trabalhos mais importantes nessa tradição são Kiewiet e McCubbins, 1991; Rohde, 1991; Cox e MacCubbins,
1993; e, Sinclair, 1995.
10
Ver Figueiredo e Limongi, 1999; Pereira e Mueller, 2000; Carvalho, 2003; Amorim Neto e Santos, 2003.
11
Percebam que não se trata apenas de permitir que as comissões proponham emendas, mas de conferir a elas a
prerrogativa de avaliar os programas de receita e despesa existentes e que vierem a ser propostos para todos os
ministérios, segundo a área de especialização de cada comissão.
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Bibliografia
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ENSAIO
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vol. 96.
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* FERNANDO LIMONGI / ** ARGELINA CHEIBUD FIGUEIREDO ENSAIO
Modelos de Legislativo:
o Legislativo Brasileiro
em Perspectiva Comparada
Tipologias são difíceis de construir. Por isto mesmo, tipologias são tão
Tão difíceis de construir quanto fáceis de facilmente criticadas, posto que acabam
serem criticadas e rejeitadas. Em geral, por evidenciar as limitações e fraquezas
tipologias não conseguem dar conta de dos modelos teóricos que estão na origem
todas as dimensões e variações do obje- de sua construção. Na medida em que
to sob estudo no interior da teoria que a precisam abarcar todo o universo de casos
informa. A construção de tipologias pede a sob consideração, acabam por ser um
identificação de características essenciais desafio para as pretensões das proposições
do objeto, características capazes de estru- teóricas ao testarem sua capacidade de
turar e dar sentido à diversidade da rea- enfrentar os casos difíceis ou limites.
lidade observada. Trata-se de organizar o
mundo empírico no interior de um modelo Não faltam tipologias do Poder
teórico abrangente. O marco teórico sugere Legislativo. Cada uma delas organizadas a
- quando não determina - a escolha das partir de um referencial teórico específico
características relevantes para distinguir e e, desta forma, enfatizando certas caracte-
classificar os casos. rísticas como distintivas dos modelos ou
* Professor livre docente do CEBRAP / ** Cientista Política CEBRAP (Centro Brasileiro de Análise a
Planejamento)
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ENSAIO
tipos de legislativo existentes. Neste artigo, que as variáveis chaves para entender a
não pretendemos fazer uma resenha crí- variação dos legislativos, aqui como nos
tica das tipologias disponíveis. Tampouco países que são tomados como modelos
proporemos ou defenderemos uma tipo- paradigmáticos, estão ligadas à distribuição
logia própria. Nossos objetivos são bem dos direitos e recursos no interior do
mais modestos. Pretendemos, tão somente, legislativo, especialmente, aqueles que
resgatar uma das tipologias disponíveis, garantem o controle da agenda legislativa.
possivelmente a mais consagrada e citada, O essencial é saber quem define o que,
a saber, aquela proposta por Polsby (1975). como e quando matérias serão objetos de
Após discutirmos esta tipologia, mostramos deliberação.
como propostas mais recentes, como as de As decisões em assembléias legislati-
Cox e Morgenstern (2002), se defrontam vas são tomadas de acordo com o princípio
com dificuldades similares. majoritário, isto é, em última instância pre-
Nosso objetivo não é o de submeter valece a vontade da maioria do plenário.
essas tipologias a um exame detalhado. No entanto, ainda que a vontade soberana
Como dissemos, não é difícil criticar tipo- resida no plenário, é raro que as delibera-
logias. Nosso objetivo é usar as tipolo- ções, no sentido forte do termo, tenham
gias propostas para aprendermos algo lugar ali. Em geral, o plenário tão somente
relevante sobre modelos de organiza- referenda decisões tomadas em uma outra
ção dos trabalhos legislativos. Assim, instância ou instâncias. Nestes termos,
após reconstituir as tipologias propostas pode-se dizer que o plenário delega o
por Polsby e, com menor atenção, a de poder deliberativo, permanecendo com o
Morgenstein e Cox, mostramos as limita- poder de intervir e afirmar sua prerrogativa
ções e as conseqüências de ambas para sempre que a maioria acreditar que sua
nosso entendimento de como funcionam e vontade esteja sendo contrariada.
que papel desempenham os legislativos no De maneira geral os trabalhos legis-
interior de regimes democráticos. lativos se organizam em torno de duas ins-
Nossa discussão, no entanto, a tituições básicas: as comissões parlamenta-
despeito de se iniciar com estas abordagens res e as organizações partidárias. Cada uma
mais abrangentes, será direcionada para o dessas instituições torna possível cumprir
debate nacional. Isto é, nossa principal as funções básicas das assembléias legis-
preocupação é derivar deste exercício de lativas: a representativa e a propriamente
análise comparada algum conhecimento legislativa, isto é, a produção de leis que
relevante para o entendimento do nosso – vão definir as políticas públicas.
o brasileiro – modelo de poder legislativo. Em tese, a divisão do trabalho por
Para tanto, será necessário deixar o debate comissões permitiria maior especialização
dos modelos teóricos para examinar sua e o desenvolvimento de capacidade téc-
prática. nica, visando aumentar a qualidade das
A partir deste exame empírico e com decisões legislativas. A atuação das orga-
base nas críticas derivadas das discussões nizações partidárias, por outro lado, garan-
dos modelos resenhados, passamos a tiria a correspondência entre as decisões
considerar a forma de organização do tomadas e as preferências da sociedade
legislativo brasileiro. Argumentaremos aí representadas. Em termos ideais, essas
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a ser desempenhado pelo poder legislativo capacidade para ser a fonte independente
em regimes presidencialistas. O legislativo e autônoma das iniciativas de alteração do
é forte, institucionalizado, independente status quo legal. Isto é, se há separação de
quando se constitui em uma força autô- poderes, cabe ao legislativo legislar, afir-
noma capaz de se opor ao executivo. mando assim sua preponderância sobre o
Ao mesmo tempo, considera-se que o poder executivo. Mas se for assim, e aqui
Legislativo é um obstáculo às mudan- o outro lado da moeda se revela, o conflito
ças, barrando as propostas presidenciais. entre poderes leva a um impasse institu-
Assim é que, quando o legislativo afirma cional que não teria solução no interior
seu poder e sua independência, rejeitando do modelo de separação de poderes. Este
propostas do executivo, teríamos o que conflito será tanto maior quanto maior o
normalmente se nomeia como crise de número de partidos com representação no
governabilidade. Se o legislativo aprova Congresso e quanto mais as forças con-
as propostas do executivo, teríamos um servadoras forem capazes de controlar o
Legislativo subserviente e atrofiado. processo decisório. Em sendo as comissões
O fato é que os juízos sobre o fortes, tanto maior a capacidade das mino-
Legislativo no Brasil são marcados pelas rias de barrar as pretensões da maioria.
ambigüidades dos modelos usados como A previsão, dentro deste quadro, é que o
referência. O Legislativo no Brasil é, por conflito institucional, sobretudo quando
vezes, rotulado de fraco por não participar presidentes são fortes, resolva-se de duas
decisivamente da elaboração das leis, formas: ou por um golpe de estado ou
sendo visto como um mero carimbador pela subordinação do poder legislativo ao
das iniciativas do Executivo. Por vezes, executivo3.
a visão se inverte completamente e o As tipologias resenhadas não usam
Legislativo passa a ser visto como um as mesmas variáveis quando passam do
obstáculo instransponível. Se as “reformas” parlamentarismo para o presidencialismo,
não avançam, o problema é a resistência e quando passam dos Estados Unidos para
do Legislativo, quaisquer sejam as reformas a América Latina. A análise do Legislativo
e seu estágio de elaboração. O Legislativo norte-americano toma como relevante a
chega a ser responsabilizado por deter sua organização interna, a forma como os
até mesmo as reformas que nem sequer direitos legislativos de propor, emendar,
são formuladas. A lei da antecipação dos determinar o ritmo da tramitação das maté-
resultados explicaria tal fato: se o Executivo rias e usar a informação são distribuídos de
antecipa que suas propostas serão barradas forma a tornar as comissões os verdadei-
pelo Legislativo, por que apresentá-las? ros focos de poder. A descentralização
O ponto, portanto, que estamos pro- é vista como a resposta ótima de um
curando deixar tão claro quanto possível é Legislativo que se pretende autônomo,
que há uma ambigüidade no interior dos capaz de resistir e se opor ao Executivo.
modelos com que usualmente se trabalha No caso do parlamentarismo, o foco
ao pensar legislativos em regimes presi- se volta, em uma versão, para referências
dencialistas. Ao tomar os Estados Unidos externas ao legislativo: partidos e classes
como paradigma, acredita-se que, sob sociais. Na outra versão, o poder legis-
presidencialismo, legislativos deveriam ter lativo se reduz ao poder de manter ou
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o Legislativo têm prerrogativa concorren- nada pelo Executivo: do total de 3043 leis
te para propor legislação. Mesmo nestes aprovadas entre 1989 e 2001, 86% foram
casos, o Executivo é dotado de vantagens propostas pelo Executivo.
adicionais, dadas pela urgência constitu- Os dados relativos a sucesso e domi-
cional5 e poder de decreto (as medidas nância do Executivo em países parlamen-
provisórias). taristas não são muito diversos. Isto signi-
Portanto, o presidente é de jure o fica que eles não devem ser lidos como
principal legislador do país, em que pese indicativos de que o Legislativo brasileiro é
este ser um sistema em que os poderes meramente reativo ou atrofiado. O sucesso
são separados no que se refere à sua ori- presidencial depende da sua capacidade
gem e sobrevivência. O direito de propor, de obter cooperação do Legislativo, de
no entanto, não assegura automaticamen- contar com o apoio da maioria dos legis-
te sucesso. Matérias são aprovadas pela ladores.
maioria dos legisladores e, por extensos Já notamos o papel da Mesa e dos
que sejam os poderes legislativos presiden- Líderes na tramitação das matérias. Em
ciais, este não pode aprovar legislação sem realidade, no mais das vezes o poder de
a aprovação expressa da maioria. agenda dos líderes é usado em favor do
Nem mesmo a reedição continuada Executivo. Isto pode ser visto quando se
de MP`s, possível até a promulgação da nota que a maioria dos projetos aprovados
Emenda Constitucional 32, em setembro em tramitação urgente foi proposta pelo
de 2001, permitia ao presidente ir contra Executivo. A agenda de propostas legisla-
os interesses da maioria. Pedia o apoio tivas do Executivo conta com o poder de
tácito da maioria, uma vez que esta sempre agenda dos líderes para ser aprovada.
poderia rejeitar uma MP. Tal possibilidade O fato dos líderes e do Executivo
não é uma mera hipótese, uma vez que em contarem com poderes que lhes permite
momentos cruciais, como na apreciação definir e controlar a agenda dos trabalhos
do Plano Collor, o PMDB conseguiu reunir não lhes permite usurpar o poder da maio-
maiorias dispostas a rejeitar MP`s tidas por ria. O Executivo tem sucesso em suas
fundamentais pelo governo. O fato é que iniciativas legislativas porque conta com
nem mesmo o poder de decreto permite o apoio da maioria. Empiricamente, este
que o Executivo legisle sem o apoio da apoio se traduz em votos de acordo com
maioria. a indicação do líder do governo nas vota-
Os dados relativos à produção legis- ções nominais. Desde a promulgação da
lativa no Brasil falam por si só. O Executivo Constituição, deputados filiados a partidos
é não apenas o principal legislador de jure. que fazem parte da base de sustentação do
É também o principal legislador de facto. governo votam com o governo em 90%
Desde a promulgação da Constituição das votações. As variações por governo e
de 1988, a taxa de sucesso do Executivo, partido são pequenas.
isto é, a proporção de projetos aprovados A base de sustentação do governo
sobre o total de enviados, gira em torno é formada pelos partidos que recebem
de 90%. Rejeições pelo Legislativo dos pastas ministeriais. Em outras palavras,
projetos enviados pelo Executivo são fatos presidentes “formam governo” de maneira
raros: não mais que 10%. Além disto, a análoga a primeiros ministros em siste-
produção legislativa é claramente domi- mas parlamentaristas pluripartidários. Ao
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NOTAS
“O contraste entre legislativos transformativos e arenas captura muitas das diferenças que os estudiosos observam
1
na discussão dos dois grandes legislativos que servem de modelo para os legislativos da maioria dos países no
mundo, o britânico e o americano. Sendo os legislativos nos demais países mais frequentemente uma adaptação do
que uma cópia, acho que é útil contemplar esses dois casos clássicos como tendendo a extremos de um continuum
mais do que metades de uma dicotomia como é frequentemente proposto” (Polsby, 1975: 280/281).
Em outra passagem, Polsby afirma: “A existência de um sistema de comissões pode ser uma condição necessária
2
55
ENSAIO
Referências
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56
CARLOS
* CARLOS RANULFO MELO RANULFO
/ ** FÁTIMA ENSAIO
MELO / FÁTIMA ANASTASIA
ANASTASIA
Representação e Democracia
no Cone Sul
Introdução é possível recorrer ao formato do arranjo
representativo para que, à maneira de
Este artigo discute a democracia em
Dahl, possamos estabelecer distinções entre
quatro países da América do Sul, a saber,
o grau de poliarquização das democracias
Argentina, Brasil, Chile e Uruguai, sob
contemporâneas. Se “uma característica
o ângulo da representatividade de seus
chave da democracia é a contínua respon-
arranjos institucionais1. O fato de que as
sividade do governo às preferências dos
democracias contemporâneas sejam regi-
cidadãos” (Dahl,1997:25), segue-se que,
mes representativos não nos deve fazer
quanto maior o grau de inclusividade no
esquecer que democracia e representação
que se refere a atores/conteúdos e formas
são fenômenos analiticamente distintos.
de organização de determinado arranjo
No mínimo, como bem chama a atenção
representativo, mais democrático poderá
Santos (1998:208), não se pode ignorar a
ser considerado o regime.
hipótese “de que existam pelo menos duas
descendências de regimes representativos Neste texto, procuraremos verificar o
– oligárquicos e democráticos – com carac- quão densamente democrático é o arranjo
terísticas e dinâmicas próprias”. Mais ainda, representativo nos países em questão. Por
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CARLOS RANULFO MELO / FÁTIMA ANASTASIA
Nas duas próximas seções compara- mos um breve comentário sobre a questão
mos a densidade democrática da represen- da reforma política no Brasil.
tação nos países selecionados. Primeiro,
examinamos a extensão em que o mecanis- Eleições e constituição dos
mo eleitoral é utilizado para a designação órgãos decisórios
de governantes e legisladores nos diversos O primeiro indicador a ser analisado
níveis, bem como o método de constitui- refere-se à extensão com que o mecanismo
ção dos poderes Executivo e Legislativo da eleição direta é utilizado para a escolha
nacional. A seguir, analisamos a relação dos tomadores de decisão nos diversos
existente entre as Câmaras Alta e Baixa e a níveis. Como lembra Manin (1997), um
maneira como são compostas as comissões governo representativo tem como primeiro
permanentes no Congresso. Na conclusão, princípio que os governantes sejam eleitos
ordenamos os países segundo a densidade pelos governados. Através da Tabela 1
democrática de seus arranjos representati- podemos verificar até que ponto tal princípio
vos e, à luz da discussão realizada, tece- é adotado nos quatro países em questão.
Tabela 1
Sistemas de governo, organização política e poderes de constituição de governantes
Todas Todas
Sistema de Organização as as
País Executivo Executivo Executivo cadeiras cadeiras
governo política
Nacional Estadual Municipal na na
Câmara Câmara
Baixa Alta
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CARLOS RANULFO MELO / FÁTIMA ANASTASIA
Tabela 2
Naquela que foi a única modificação político, uma vez que estimula a operação
destinada a reduzir a concentração dos de mecanismos de accountability.
poderes nas mãos do Executivo chileno, a Os quatro países utilizam o segundo
duração do mandato presidencial diminuiu turno nas eleições presidenciais. De acordo
de oito para seis anos, após o fim da com a literatura (Carey e Shugart, 1992;
ditadura pinochetista. Na Argentina, como Mainwaring e Shugart, 1997), eleições em
resultado do “Pacto de Olivos”, firmado dois turnos podem diminuir o efeito redutor
entre Raul Alfonsin e Carlos Menem, o da eleição majoritária sobre o número
mandato presidencial passou de seis para efetivo de partidos no Congresso. Mas,
quatro após 1994, ao mesmo tempo em por outro lado, a medida contribui para
que foi admitida a reeleição do presidente. a representatividade do sistema e confere
No Brasil, as duas medidas não foram maior legitimidade aos eleitos. Chile e
articuladas. O mandato de quatro anos Brasil adotavam a eleição por pluralidade,
foi definido por Emenda Constitucional de no período democrático anterior a
Revisão, em 1994, e a reeleição, para todos seus respectivos regimes militares. Na
os cargos executivos, em 1996, durante o Argentina, o segundo turno foi introduzido
primeiro mandato de Fernando Henrique em 1994. No Uruguai, a novidade data de
Cardoso. Não obstante a reeleição haver 1996, quando o país alterou o seu sistema
sido, nos dois países, introduzida de modo eleitoral, abandonando o chamado “duplo
a beneficiar governos em curso, a medida voto simultâneo”. Até então, o eleitor
pode se mostrar benéfica ao sistema escolhia um partido e, no interior deste,
61
ENSAIO
uma das listas apresentadas. As listas com que a disputa majoritária não tenha
competiam entre si e eram capitaneadas qualquer influência na conformação do
pelo seu candidato à Presidência da número efetivo de partidos no Congresso.
República, secundado pelos postulantes Por outro lado, um calendário eleitoral
ao Senado e à Câmara dos Deputados. assim organizado permite que os eleitores
Os votos das diversas listas eram então maximizem diferentes clivagens e/ou
somados e computados a seus partidos, de diferentes identidades em diferentes
acordo com a “ley de las lemas”. A disputa pleitos, com impacto positivo sobre a
presidencial era vencida pelo partido que representatividade.
conquistasse a maioria simples dos votos, A não coincidência das eleições
depois de feito o somatório das listas pode ter impacto ainda sobre a formação
(Nohlen, 1993). O procedimento gerava e manutenção das coalizões governativas.
distorções acentuadas. Em 1994, a soma Dependendo do desempenho do(s)
dos votos dados aos candidatos do Partido partido(s) no governo, eleições solteiras
Colorado permitiu que Julio Sanguinetti para o legislativo podem acarretar a perda
fosse eleito com 24,7% dos votos, contra da maioria numérica necessária para a
30,6% de Tabaré Váquez, da Frente Ampla. aprovação de sua agenda. Obviamente,
Após a reforma eleitoral, cada partido o inverso é também verdadeiro: um
passou a lançar um candidato, escolhido presidente minoritário pode ter sua base
em eleições internas abertas. legislativa ampliada via eleições, como
Um último traço institucional que conseqüência do reconhecimento de um
merece atenção no âmbito das eleições bom governo por parte dos cidadãos.
presidenciais é o calendário eleitoral, que Novamente, o ponto pode ser lido sob outro
pode ser organizado de forma a propiciar ângulo, que não apenas o da estabilidade.
a realização de eleições concomitantes Como afirmam Santos, Anastasia e Melo
ou não, para diferentes cargos executivos (2004), “eleições intercaladas facultam aos
e/ou legislativos. No Brasil e no Uruguai, cidadãos maiores chances de utilizarem as
as eleições para Presidente e Congresso urnas como mecanismos de accountability
são realizadas no mesmo dia. No primeiro vertical, já que lhes permitem sinalizar
caso, a coincidência estende-se ainda suas avaliações para os representantes no
às eleições para governadores, de forma momento em que alguns mandatos ainda
que apenas os pleitos municipais são estão curso, e não apenas quando todos os
realizados em data distinta. No Uruguai, cargos estão em disputa. Os governantes
eleições nacionais e departamentais poderão ‘ouvir as urnas’ e, se possível,
foram separadas após 1996. No Chile, fazer as correções de rumos que estão
as eleições para os poderes Executivo sendo “demandadas pelos eleitores”.
e Legislativo coincidem apenas a cada As Tabelas 3 e 4, a seguir, permitem
doze anos, uma vez que a duração dos introduzir a discussão sobre o método de
mandatos é diferenciada. Na Argentina, constituição das duas casas legislativas.
como a renovação do Congresso se realiza Tradicionalmente, os quatro países aqui
em duas etapas, existe uma coincidência analisados sempre utilizaram a represen-
parcial. tação proporcional na sua Câmara baixa,
Assim como na questão do segundo ficando a diferença para a composição
turno, e de acordo com os mesmos autores, do Senado. Sob a ditadura militar, o Chile
eleições não coincidentes entre os poderes mudou o sistema eleitoral utilizado para a
Executivo e Legislativo nacionais fazem Câmara dos Deputados.
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CARLOS RANULFO MELO / FÁTIMA ANASTASIA
Tabela 3
Tabela 4
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ENSAIO
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CARLOS RANULFO MELO / FÁTIMA ANASTASIA
tado, o espaço para a minoria encontra-se partidos que não o tenham alcançado
preservado desde o distrito7. são excluídos da disputa pelas sobras.
Brasil e Argentina possuem um A legislação brasileira permite ainda a
bicameralismo incongruente, sendo o realização de coligações para as eleições
Senado composto por meio de diferentes proporcionais, com a peculiaridade de
modalidades de majoritarismo. Nos dois que as cadeiras conquistadas não são
casos, as circunscrições para ambas as distribuídas proporcionalmente à votação
casas são coincidentes e correspondem de cada membro da coligação – os partidos
aos estados. Os dois países elegem três coligados contam como uma só legenda e
senadores por estado e pela capital, mas a transferência de voto é realizada em seu
os mecanismos são distintos. No Brasil interior indistintamente, o que permite que
a renovação do Senado se realiza em a manifestação do eleitor por um partido
duas etapas, de forma que ora é eleito seja computada em benefício de outro8.
um representante por estado, ora são Finalmente, cabe mencionar as
escolhidos dois. Neste último caso, o diversas modalidades de voto adotadas. O
majoritarismo é atenuado, uma vez que a Uruguai adota a lista fechada e bloqueada,
eleição não se realiza em bloco: embora composta de forma distinta, caso se trate
cada partido lance dois candidatos, não do Senado ou da Câmara dos Deputados.
há transferência de voto no interior da Para o primeiro, ainda prevalece a “ley de
legenda, sendo considerados eleitos os las lemas”: os partidos podem apresentar
candidatos que individualmente obtiverem mais de uma lista, cabendo ao eleitor esco-
mais votos, independentemente da sigla lher uma delas. O mecanismo das sublis-
partidária. Na Argentina, o sistema admite tas foi abolido para a Câmara Baixa9. Na
um mecanismo de correção proporcional: Argentina, para a Câmara dos Deputados,
das três cadeiras em disputa, duas são a lista é ordenada nas províncias e não
reservadas ao partido que obtenha o maior nacionalmente. Utilizando os critérios de
número de votos e a terceira cadeira, ao Carey e Shugart (1995), a estrutura do voto
segundo colocado. nestes países seria a que menos incenti-
Nos dois países, a proporcionalidade vos forneceria a que os congressistas se
para a Câmara dos Deputados é restringida preocupassem com a reputação pessoal
pelo fato de que os cálculos para a vis a vis a reputação partidária. Os líderes
distribuição das cadeiras são realizados – nacionais, no caso uruguaio, e regionais,
com base nos votos obtidos nos estados, no caso argentino – possuem completo
não sendo prevista uma cota extra que, a controle sobre a lista: ao eleitor é permi-
partir da votação nacional dos partidos, tido apenas um voto no partido de sua
possa compensar as distorções. A Argentina escolha, e a transferência dos votos é rea-
adota ainda uma cláusula de barreira de lizada no âmbito do partido, favorecendo
3% no nível das províncias. No Brasil, o os primeiros colocados na lista.
quociente eleitoral estadual – que varia Chile e Brasil adotam a lista aberta.
de 1,4% em São Paulo até 12,5% nos 11 Os líderes partidários possuem controle
estados de menor magnitude – funciona sobre sua elaboração, mas não a ordenam.
como uma cláusula, uma vez que os No caso chileno, tanto para o Senado
65
ENSAIO
como para a Câmara, trata-se de uma lista Para tanto, serão mobilizados os seguintes
composta por dois candidatos, cabendo ao indicadores: a) grau de simetria entre as
eleitor escolher um dos nomes. A votação duas câmaras; b) caráter congruente ou
de cada candidato é computada para o incongruente do bicameralismo quanto ao
partido e os que conseguirem mais votos método de constituição das Casas Legislativas;
em cada lista serão eleitos – feita a ressalva c) composição e tamanho dos mandatos das
de que o nome mais votado da segunda duas câmaras; d) organização dos sistemas
lista ganha a segunda cadeira, se esta de comissões.
obtiver mais de um terço dos votos. No De acordo com Lijphart (1984,
Brasil, as listas são formuladas nos estados 2002), o bicameralismo pode ser simétrico
e podem conter tantos nomes quantas ou assimétrico. A condição de simetria
forem as cadeiras em disputa, mais 50%. ocorre quando prevalece uma distribuição
O eleitor pode votar no candidato de sua equilibrada de poderes e de atribuições
preferência ou marcar a legenda partidária. entre as duas casas. Tal equilíbrio, por sua
De toda forma, o voto é computado para o vez, não pressupõe que sejam conferidas as
partido para efeito da definição do número mesmas atribuições a ambas as câmaras.
de cadeiras, sendo eleitos os mais votados
em cada lista estadual 10. Dado o grande
número de competidores nas listas – nos
menores estados cada partido pode lançar
até 12 candidatos e em São Paulo, mais de
cem – o sistema brasileiro fornece muito
mais incentivos que o chileno para que o
deputado procure cultivar sua reputação
individual junto aos eleitores.
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Tabela 5
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CARLOS RANULFO MELO / FÁTIMA ANASTASIA
bros presentes, ele voltará à Câmara de origem e este somente será considerado rejeitado se
esta Câmara o reprovar com dois terços dos membros presentes (Artigo 65). Considerando
a peculiar composição do Senado, que conta com nove membros indicados, parece correto
afirmar que tal dispositivo desequilibra os poderes revisionais a favor do Senado sempre que
este constituir a Câmara revisora” (Santos, Anastasia e Melo, 2004).
A Tabela 6 ajuda a caracterizar melhor o bicameralismo em cada um dos países. Nela,
são agregados os dados sobre a composição numérica, os mandatos, o grau de simetria na
distribuição de poderes e congruência ou não dos procedimentos que presidem a constituição
das duas casas.
Tabela 6
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Tabela 7
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Câmaras Alta e Baixa e, finalmente, como no Uruguai. A razão está não apenas na
são compostas as comissões no interior do adoção de variantes do método majoritário
Congresso. para o Senado, mas também na existência
A análise dos indicadores utilizados de diversos mecanismos, analisados na pri-
deixa claro que, do ponto de vista que meira seção deste artigo, que fazem com
aqui nos interessa, qual seja, o da densida- que os resultados obtidos para a Câmara dos
de democrática da representação, Uruguai Deputados sejam consideravelmente menos
e Chile podem ser apontados como casos proporcionais do que no último país.
extremos, ao passo que Argentina e Brasil Finalmente, vale mencionar que, no
situam-se em posição intermediária. caso do Brasil, alguns aspectos do arranjo
Exceção feita à indicação dos prefei- institucional encontram-se em discussão
tos, todos os aspectos do arranjo institu- a partir de Projeto de Lei apresentado
cional uruguaio aqui analisados são mais ao Congresso pela Comissão Especial de
conducentes ao incremento da densidade Reforma Política, em dezembro de 2003.
democrática da representação. Eleições Dentre as diversas modificações propostas
diretas são utilizadas para a escolha do pelo Projeto, cabe comentar, ainda que
presidente, dos governadores e de todos brevemente, aquelas que afetam dispositi-
os membros do Congresso. Primárias aber- vos aqui analisados, quais sejam: a) o fim
tas são obrigatórias para a definição dos das coligações nas eleições proporcionais;
candidatos presidenciais. A representa- b) a revogação do dispositivo que determi-
ção proporcional com lista fechada é na que apenas os partidos que atingem o
adotada para as duas câmaras que, ade- quociente eleitoral podem concorrer à dis-
mais, são simétricas no que se refere à tribuição das cadeiras; c) a instituição de
distribuição de poderes e atribuições. A uma cláusula nacional de barreira de 2%;
simetria, no caso uruguaio, estende-se até d) a adoção do sistema de lista fechada e
mesmo ao mandato de seus congressistas pré-ordenada nos pleitos proporcionais .
– cinco anos tanto para deputados como
Conforme analisado na primeira
para senadores. Finalmente, no interior do
seção, as coligações nas eleições propor-
poder legislativo, o critério para a compo-
sição das comissões é proporcional. cionais e a utilização do quociente elei-
toral como cláusula de barreira afetam de
No Chile, governadores e parte do forma negativa a representatividade das
Senado não são diretamente eleitos. As eleições para a Câmara dos Deputados.
duas câmaras são constituídas por método Mas, caso sejam aprovadas as propostas
majoritário e a distribuição de poderes referentes aos dois itens acima, o ganho
e atribuições é assimétrica, favorecendo obtido tende a ser contrabalançado pela
o Senado – a menos representativa das introdução da cláusula de 2%. Vale ressal-
casas. No que se refere à composição das tar, no entanto, que o “prejuízo” poderia
comissões, trata-se do único país que em ser maior: a cláusula agora proposta vem
nenhuma das casas adota o critério pro- substituir aquela definida pela Lei. 9.096,
porcional.
com vigor previsto para 2006, e que defi-
Os arranjos institucionais de nia como requisito para o funcionamento
Argentina e Brasil geram resultados menos parlamentar a obtenção de no mínimo 5%
representativos do que aqueles vigentes dos votos nacionais.
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ENSAIO
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CARLOS RANULFO MELO / FÁTIMA ANASTASIA
NOTAS
* Professores e pesquisadores do Departamento de Ciência Política da UFMG.
1
Os dados utilizados neste texto foram extraídos do banco de dados do Projeto Instituições Políticas Comparadas na América
do Sul. Ademais, no presente artigo são reproduzidas alguns trechos do livro (no prelo) que resultou dessa pesquisa. O projeto
foi resultado de convênio firmado entre a Fundação Konrad-Adenauer, o IUPERJ e o DCP-UFMG. A pesquisa foi coordenada
pelos professores Fabiano Santos (IUPERJ), Fátima Anastasia e Carlos Ranulfo (DCP/UFMG). Integraram o grupo de pesquisa os
estudantes Magna Inácio, Cristiane Batista, Éder Assis, Paulo Magalhães Araújo, Luciana Santana, Allan Nuno, Daniela Nunes e
Ricardo Alexandre F. de Lima.
2
Argumenta-se, ademais, que arranjos de tipo majoritário, por apontarem de forma mais clara de quem é a responsabilidade
governativa, tornariam mais fácil ao eleitorado controlar governos eleitos (Powell, 2000).Tampouco há consenso quanto a este
ponto, ou seja, quanto a que a concentração de poderes conduza a ganhos em termos de controle sobre governos eleitos. Sistemas
políticos baseados em mecanismos de checks and balances tendem a potencializar os mecanismos de accountability horizontal.
Como mostra Strom (2000), os mecanismos de controle institucional são muito mais evidentes no presidencialismo do que no
parlamentarismo. Da mesma maneira, em arranjos institucionais nos quais prevalece um maior grau de dispersão de poder, é mais
provável que a oposição atue como um agente da sociedade, criando melhores condições para o exercício da accountability no
plano vertical.
3
Para uma análise da evolução recente dos sistemas partidários na América do Sul, ver Santos, Anastasia, e Melo (2004). A
introdução de eleições subnacionais ocorreu tanto em repúblicas federais, como a Venezuela, como em países unitários, como
Colômbia e Bolívia. Cabe mencionar, no entanto, que iniciativas em sentido contrário também ocorreram, como a supressão do
Senado e a diminuição do número de membros do Congresso, no Peru e Venezuela, ou a introdução de deputados eleitos em
distritos uninominais, neste último país e na Bolívia.
4
De acordo com Mainwaring (1993) tal combinação institucional é conducente à instabilidade. Para uma discussão deste ponto,
à luz da recente evolução dos países sul-americanos, ver o volume organizado por Jorge Lanzaro (2001).
5
Os governos locais no Uruguai são exercidos pelas Juntas Locais. A Constituição uruguaia determina que é função do Intendente
Municipal “Designar los miembros de la Juntas Locales, con anuencia de la Junta Departamental”. Contudo, quando o Governo
Departamental assim decidir, a junta local poderá ser eleita diretamente. Veja-se o art. 288 da Constituição “La ley determinará
las condiciones para la creación de las Juntas Locales y sus atribuciones, pudiendo, por mayoría absoluta de votos del total de
componentes de cada Cámara y por iniciativa del respectivo Gobierno Departamental, ampliar las facultades de gestión de
aquéllas, en las poblaciones que, sin ser capital de departamento, cuenten con más de diez mil habitantes u ofrezcan interés
nacional para el desarrollo del turismo. Podrá también, llenando los mismos requisitos, declarar electivas por el Cuerpo Electoral
respectivo las Juntas Locales Autónomas”.
6
Desproporcionalidade calculada de acordo com o índice proposto por Loosemore e Hanby (1971).
7
Incapazes de alterar o altamente restritivo sistema binominal arquitetado no período ditatorial, os partidos chilenos passaram a
operar como em um sistema bipartidário, articulando-se em torno das duas grandes coalizões que, desde 1989, têm disputado os
rumos do país. Aqueles, como os comunistas, que não quiseram ou não puderam proceder desta maneira, viram-se rapidamente
privados de representação no Congresso Nacional (Santos, Anastasia e Melo, 2004).
8
Um quarto fator compromete a proporcionalidade dos resultados eleitorais no Brasil. Trata-se da migração partidária no interior
do poder legislativo, fenômeno que faz com que a distância entre o que dizem os votos depositados nas urnas e a distribuição das
cadeiras entre os partidos na Câmara dos Deputados continue a aumentar depois de iniciada cada legislatura, com o agravante
de que deixa de existir qualquer interferência do eleitor no processo. Simulações feitas por Melo (2004), para a eleição de 1998,
revelam que as mudanças de partido são o fator que isoladamente mais afetam a proporcionalidade no sistema representativo
brasileiro.
9
O artigo 88 da Constituição uruguaia diz que “la Cámara de Representantes se compondrá de noventa y nueve miembros
elegidos directamente por el pueblo, con arreglo a un sistema de representación proporcional en el que se tomen en cuenta los
votos emitidos a favor de cada lema en todo el país. No podrá efectuarse acumulación por sublemas, ni por identidad de listas de
candidatos”. Já os artigos 95 e 96 determinam que “los Senadores serán elegidos por el sistema de representación proporcional
integral” e que “la distribución de los cargos de Senadores obtenidos por diferentes sublemas dentro del mismo lema partidario,
se hará también proporcionalmente al número de votos emitidos a favor de las respectivas listas”.
10
Carey e Shugart (1995) afirmam que os líderes partidários no Brasil não possuem controle sobre os membros da lista. Mas a
legislação foi alterada em 1998, com o fim do chamado “candidato nato”. Até então, de fato, todo deputado tinha presença
garantida na lista independentemente da vontade de seu partido.
11
“Artigo 65. - O projeto de lei aprovado por uma Casa será revisto pela outra, em um só turno de discussão e votação, e enviado
à sanção ou promulgação se a Casa revisora o aprovar, ou arquivado, se o rejeitar. Parágrafo Único - Sendo o projeto emendado,
voltará à Casa iniciadora. Artigo 66. - A Casa na qual tenha sido concluída a votação enviará o projeto de lei ao Presidente da
República, que, aquiescendo, o sancionará”.
Como se sabe, segundo o modelo distributivista, as comissões devem estar estruturadas de forma a facilitar a obtenção de
12
“ganhos de troca”, enquanto o modelo informacional enfatiza a possibilidade de consecução de “ganhos de informação”.
13
Os parágrafos que se seguem, até a conclusão desta seção, foram reproduzidos de Santos, Anastasia e Melo (2004).
75
ENSAIO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BLAIS, André e MASSICOTTE, Louis (1996). “Electoral Systems”. In: Le Duc, Niemi & Norris
(orgs.), Comparing Democracies: elections and voting in global perspective. London,
Sage.
CAREY, J.M. & SHUGART, M. (1995). “Incentives to Cultivate a Personal Vote: A Rank
Ordering of Electoral Formulas”. Electoral Studies, vol. 14, nº 4.
LOOSEMORE, John e HANBY, Victor (1971). “The theoretical limits of maximum distortion:
some analytical expressions for electoral systems”. British Journal of Political Science,
vol.1, nº 1.
MAINWARING, Scott and SHUGART, Mathew (1997) (orgs.). Presidentialism and Democracy
in Latin America. Cambridge University Press.
76
CARLOS RANULFO MELO / FÁTIMA ANASTASIA
MELO, Carlos Ranulfo (2004). Retirando as cadeiras do lugar: migração partidária na Câmara
dos Deputados (1985/2002). Belo Horizonte, Editora da UFMG (no prelo).
SANTOS, Wanderley Guilherme dos (1998). “Poliarquia em 3D”, in: DADOS, Revista de
Ciências Sociais, Vol. 41, nº. 2.
SANTOS, Fabiano; ANASTASIA, Fátima; MELO, Carlos Ranulfo (2004). Instituições Políticas
Comparadas na América do Sul. Fundação Konrad-Adenauer (no prelo).
TAVARES, José Antônio Giusti (1994). Sistemas Eleitorais nas Democracias Contemporâneas:
teoria, instituições e estratégia. Rio de Janeiro, Relume Dumará.
77
ENSAIO * SUSANE GRATIUS / ** DELFET NOLTE
Parlamento Transnacional
e Integração: A experiência
do Parlamento Europeu e as
ligações que a América Latina
tem para o Mercosul
“Quando os estados (democráticos) “Sempre que a capacidade da União
se empenham em compartilhar e delegar Européia de usar o poder público se amplia
soberania a instituições supranacionais, de algum modo, o Parlamento Europeu
os problemas de representação e respon- é um meio necessário (embora não
sabilização democrática tendem a adqui- necessariamente suficiente) para prevenir
rir importância. Assim, podemos esperar, o seu abuso.” (Coombes 1999: 52)
por exemplo, que o tipo e a força das
assembléias parlamentares na ordenação 1. O Parlamento Europeu: um
política internacional se correlacionem
com o grau em que os estados comparti-
caso único
lham e delegam soberania. Neste sentido, A União Européia, que desde maio
o Parlamento Europeu é um “elemento de 2004 conta com 25 Estados membros, é
externo”, porque a Comunidade é um elemento uma organização internacional sui generis.
externo.” (Rittberger 2003: 221). O mesmo pode-se dizer do Parlamento
78
Europeu, já que se trata de um Parlamento supranacional único no mundo no que se refere à
sua legitimidade democrática e ao seu poder de decisão. Dos seus 624 integrantes, eleitos por
voto direto antes mesmo da ampliação da União Européia, o número de deputados deverá
aumentar para 732, representando cerca de 450 milhões de habitantes. Com a inclusão da
Bulgária e da Romênia na União Européia, prevista para 2007, o Parlamento Europeu contará
com 786 parlamentares no fim da atual década.
Número de mandatos por país
(por ordem alfabética do nome de cada país, na respectiva língua oficial)
1999-2004 2004-2007 2007-2009
Bélgica 25 24 24
Bulgária – – 18
Chipre – 6 6
República Checa – 24 24
Dinamarca 16 14 14
Alemanha 99 99 99
Grécia 25 24 24
Espanha 64 54 54
Estônia – 6 6
França 87 78 78
Hungria – 24 24
Irlanda 15 13 13
Itália 87 78 78
Letônia – 9 9
Lituânia – 13 13
Luxemburgo 6 6 6
Malta – 5 5
Países Baixos 31 27 27
Áustria 21 18 18
Polônia – 54 54
Portugual 25 24 24
Romênia – – 36
Eslováquia – 14 14
Eslovênia – 7 7
Finlândia 16 14 14
Suécia 22 19 19
Reino Unido 87 78 78
(MAX) TOTAL 626 732 786
Fonte: http://www.europa.eu.int/institutions/parliament/index_pt.htm.
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ENSAIO
comunitários, ampliando a sua área de atuação, mas só dentro de certos limites, representa-
dos pela institucionalidade vigente da Comunidade. Em conseqüência, o Parlamento Europeu
atuava também na promoção das reformas da Comunidade Econômica Européia e, depois da
União Européia, enfatizando uma maior legitimidade parlamentar das decisões tomadas.
O Parlamento Europeu dispõe de três sedes, fato que por vezes complica o trabalho
parlamentar e a interação com os outros órgãos da União Européia. O Protocolo número
8, anexo ao Tratado de Amsterdam, de 1997, precisa: “O Parlamento Europeu tem sede
em Estrasburgo, onde são realizadas as doze sessões plenárias mensais, inclusive a sessão
orçamentária. As sessões plenárias suplementares são realizadas em Bruxelas. As Comissões
do Parlamento Europeu se reúnem também em Bruxelas. A Secretaria-Geral do Parlamento
Europeu e os seus serviços permanecem em Luxemburgo.” O Parlamento Europeu organiza
o seu trabalho com base em 17 comissões parlamentares permanentes e conta atualmente
com sete comissões temporárias.
Os deputados do Parlamento Europeu não se integram em blocos nacionais. A
despeito de predominar um ambiente de cooperação na defesa dos interesses institucionais
e europeus, formaram-se grupos políticos ligados por afinidade ideológica, que reúnem os
principais partidos políticos dos Estados-Membros da União Européia. Esses grupos políticos
do Parlamento Europeu constituem o núcleo e a coluna vertebral dos partidos transnacionais
europeus.
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ENSAIO
Coesão; processo eleitoral uniforme para Européia e pode rejeitá-lo. Além disso,
o Parlamento Europeu; alguns acordos desempenha funções de controle:
internacionais; adesão de novos Estados deve aprovar a gestão orçamentária
membros. da Comissão; pode criar comissões
As áreas abrangidas pelo processo temporárias de investigação. Por outro
de consulta são: cooperação policial e
lado, seus deputados, grupos ou comissões
judicial em matéria penal; revisão de
Tratados; discriminação em razão de parlamentares, podem formular perguntas
sexo, raça ou origem étnica, convicções à Comissão ou ao Conselho, oralmente ou
religiosas ou políticas, deficiência, idade por escrito4.
ou orientação sexual; cidadania da UE;
agricultura; vistos, asilo, imigração e outras Em resumo, constata-se que, desde
políticas relacionadas com a liberdade de a criação da Comunidade Econômica
circulação de pessoas; transportes (sempre Européia, a participação do Parlamento
que haja um significativo impacto em certas nas decisões comunitárias se ampliou,
regiões); concorrência; fiscalidade; política especialmente com base nos Tratados de
econômica; “cooperação reforçada” - ou
Maastricht e Amsterdam, que criaram o
seja, a disposição que permite que um
grupo de Estados-Membros trabalhem mecanismo de co-decisão. É preciso assim
conjuntamente num domínio específico, concordar com as palavras de Richard
mesmo sem a participação dos demais. Corbett (1998: 367), deputado socialista
do Parlamento Europeu: “Subestimado
As áreas abrangidas pelo processo
de parecer de co-decisão são: não por muitos, nos primeiros anos, depois
discriminação com base na nacionalidade; das eleições diretas o novo Parlamento
direito de circulação e residência; liberdade de tempo integral, surgido em 1979, tem
de circulação de trabalhadores ; seguridade sido, de modos nem sempre previstos, um
social para os trabalhadores migrantes; fator importante na aceleração do ritmo da
direito de estabelecimento; transportes;
integração européia ocorrida a partir de
mercado interno; emprego; cooperação
aduaneira; luta contra a exclusão social; meados dos anos 1980.”
igualdade de oportunidades e igualdade
de tratamento; decisões executivas 3. A experiência latino-
relacionadas com o Fundo Social Europeu; americana com parlamentos
educação; formação profissional; cultura; regionais e subregionais
saúde; defesa do consumidor; redes
transeuropéias; decisões executivas Além da Europa, a América Latina
relacionadas com o Fundo Europeu de é, em todo o mundo, a única região que
Desenvolvimento Regional; investigação; conta com parlamentos transnacionais,
ambiente; transparência; prevenção e luta tanto em nível regional como subregional.
contra a fraude; estatística; instituição
de um órgão consultivo para a proteção Em 2004, a história da América Latina
de dados. Fonte: http://europa.eu.int/ nesse terreno completa vinte anos. O
institutions/decision-making/index_pt.htm Parlamento Latino-Americano (Parlatino),
fundado em 7 de dezembro de 1964,
Ao lado da sua participação no em Lima, foi o antecessor e um fator
processo legislativo, o Parlamento importante para a criação posterior do
Europeu tem igualmente outras atribuições Parlamento Andino (Parlandino) e do
tipicamente parlamentares: participa na Parlamento Centro-Americano (Parlacen),
elaboração do orçamento da União no quadro dos respectivos processos de
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das causas do seu pequeno impacto no fator de legalidade para dar seguimento
processo de integração é sua competência ao processo de incorporação de normas
limitada, o caráter de foro de interesses (levando em conta que até hoje não mais
nacionais e a ausência de capacidade de 35% do “direito do Mercosul” foi
decisória e de mecanismos de sanção. incorporado às legislações nacionais).
A consciência desse deficit fez com que
No nível técnico, a criação de um
se considerasse atualmente converter a
Parlamento do Mercosul exige uma série
Comissão em um genuíno parlamento
de decisões prévias para definir um sistema
regional, para contar com uma instância
eleitoral comum sobre os seguintes pontos:
de controle democrático das instituições
• o número de deputados por país,
do Mercosul. Essa idéia foi levantada pelo
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do • a extensão do seu mandato,
Brasil, que declarou:... deveríamos insti- • a definição da(s) data(s) do sufrágio
tuir um parlamento do Mercosul, eleito universal,
mediante o voto direto dos eleitores dos
nossos países. Faremos assim com que os • a definição das funções e
cidadãos participem do processo de inte- competências,
gração regional, dando-lhe mais força e • a instalação ou não de uma sede
legitimidade.” permanente,
O aprofundamento institucional • sua relação com as outras instituições
corresponde ao fato de que o processo do Mercosul e com os parlamentos
de integração está ganhando densidade nacionais.
e complexidade, abarcando uma ampla
gama de temas de cooperação. A Comissão No contexto desse debate, autores
Parlamentar Conjunta está avaliando os originários de países do Mercosul, como
passos necessários para criar um poder Gerardo Caetano e Rubén Perina (2003:
legislativo comum, que no futuro contaria 318-9), apresentaram propostas concretas
com deputados eleitos diretamente pelos para preparar um parlamento regional
cidadãos dos Estados-Membros. Como eleito diretamente pelos cidadãos, median-
no caso do Parlandino e do Parlacen, te um futuro Protocolo de Eleições e
o Mercosul decidiu também, mais de Representação. Nessa agenda, esses auto-
uma década depois da assinatura do res consideram fundamental esclarecer a
Tratado constitutivo, a futura incorporação “questão delicada” da proporcionalidade
do Poder Legislativo ao processo de na futura assembléia parlamentar, e a
integração. A criação de um Parlamento representatividade dos Estados pequenos.
do Mercosul poderia cumprir quatro A solução para esse dilema não será
funções importantes: a) inaugurar, na fácil: o mesmo número de deputados por
integração, uma dimensão democrática, país e as decisões tomadas por consenso
de caráter partidário; b) estimular a futura representariam uma desvantagem para os
união política como meta ambiciosa sócios maiores (particularmente o Brasil),
do Mercosul; c) criar um órgão de enquanto a proporcionalidade absoluta,
controle democrático das instituições da baseada no número de habitantes, prova-
integração (até aqui predominantemente velmente seria inaceitável para os países
intergovernamentais); e d) representar um pequenos. Não obstante, como a experiên-
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ENSAIO
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ENSAIO
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ENSAIO
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SUSANNE GRATIUS / DELFET NOLTE
Nota biográfica:
Susanne Gratius: Cientista política, responsável pela América Latina no Stiftung
Wissenschaft und Politik (SWP) (Instituto Alemão de Política Internacional e Segurança).
E-mail: susanne.gratius@swp-berlin.org; homepage: http://www.swp-berlin.org/forscher/
forscherprofil.php?id=1344&PHPSESSID=32c67472ae315f6bbf3a191664a6560d
Delfet Nolte: Cientista político, Subdiretor do Instituto de Estudos Ibero-Americanos de
Hamburgo; professor na área de estudos latino-americanos e de ciência política na Univer-
sidade de Hamburgo. Áreas de investigação sobre a América Latina: reforma do Estado;
descentralização; sistemas políticos; parlamentos; direitos humanos; eleições; relações
internacionais (Alemanha-América Latina; União Européia- América Latina); relações cívico-
militares. E-mail: nolte@iik.duei.de; homepage: http://www.duei.de/iik/show.php/de/content/
mitarbeiter/nolte.html
NOTAS
1
Para comemorar esse aniversário foi publicado um número especial da revista Journal of Common Market Studies, intitulado
“The European Parliament at Fifty“ (vol. 41 (2003), n. 2
2
Assim, por exemplo, nos anos 1970, o Parlamento Europeu apresentou em média menos de mil questões escritas e menos de
500 orais, por ano. Depois da eleição direta, nos anos 1980, foram apresentadas em média 2250 questões escritas e cerca de
1000 orais, anualmente. Além disso, as audiências públicas das comissões parlamentares permanentes aumentaram de duas por
ano, entre 1974 e 1979, a vinte por ano no período 1980-1989 (Corbett 1998: 124-5).
3
Até julho de 2002, foram submetidas ao Parlamento Europeu 602 propostas legislativas, no quadro do procedimento de co-
decisão; destas, 417 concluíram a tramitação legislativa. Em 65 casos, o Conselho não conseguiu por-se de acordo, e cinco
propostas foram finalmente rejeitadas pelo Parlamento. 348 das propostas legislativas resultaram em decisões conjuntas do
Conselho e do Parlamento: em 236 casos sem entrar em processo de conciliação, e em 112 com base em proposta do Comitê de
Conciliação. Além disso, o Parlamento Europeu participou em 2.566 procedimentos de consulta, em 163 casos de consentimento
e 448 procedimentos de cooperação – mecanismo que deixou de existir (Maurer 2003:232-4).
4
Cada ano mais de cinco mil dessas perguntas são apresentadas por escrito pelos deputados ou grupos parlamentares.
5
Com relação à diferença entre “procedural legitimacy“ e “output-oriented legitimacy“ ver Scharpf (1999).
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ENSAIO * BONIFÁCIO DE ANDRADA
Fragilidade da Democracia
do Parlamento
Contemporâneo
Os avanços tecnológicos e os Uma das áreas em que a sociedade
novos patamares sócio-econômicos que projeta suas maiores preocupações, através
importantes camadas populacionais do dos seus setores mais expressivos, se
primeiro mundo estão atingindo vêm localiza nos mecanismos da democracia,
provocando generalizadas repercussões que precisam alcançar eficiências maiores
na sociedade e, sobretudo, nas instituições para conter demandas sociais, as mais
políticas. diversificadas, que resultam dos novos
* Deputado Federal
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aparatos tecnológicos de que dispõe o planetárias que se desdobram no cenário
homem moderno. em que vivemos.
Mas, se esses avanços tecnológicos Todavia, a problemática há de ser
estão presentes em vários países enfrentada com uma procura teórica
desenvolvidos, exigindo mudanças e capacitada para viver e sentir os dados
urgentes adaptações, a maior parte do pouco conhecidos que, surgidos em nossos
mundo, vítima das investidas negativas dias e compondo novas circunstâncias,
da globalização, começa a ser cada vez pouco são entendidos e apreendidos
mais inserida em processos políticos pelas principais lideranças responsáveis
governamentais de forte tendência pelas soluções desta ordem social, tão
autocrática ou mesmo ditatorial. efervescente no cenário hodierno.
O quadro do mundo, portanto, oferece Cremos que, inicialmente, há que
alguns ângulos sombrios para a democracia, se compreender os termos abstratos da
pois que a tecnologia da globalização essência da democracia que possui, no
exige dos países desenvolvidos novas âmago da sua mensagem, valores bíblicos
instrumentalizações democráticas para a que se refere o ensinamento notável de
direitos e garantias de bem-estar do Bergson, mas que se completa nos seus
povo, enquanto que, em grandes parcelas condicionamentos práticos com a visão
populacionais do planeta, os mesmos de Lincoln e de Duguit, quando aquele
indicativos globalizantes provocam sérias define a democracia como o governo do
deficiências para as técnicas governativas povo, pelo povo e para o povo, ou como
que se baseiam nas liberdades públicas. governo dos governados, exercido pela
A democracia, portanto, precisa representação dos governantes, segundo
ser reconstruída e, logicamente, a sua aquele outro.
instituição básica, o Parlamento, há de Respeito total ao ser humano e
ser reestruturado dentro dos postulados e exercícios predominantes dos homens como
mecânicas novas que possam colocá-lo governados, delegando a alguns desses a
sob inovadores imperativos de respostas responsabilidade de governo: parece-nos
políticas adequadas ao nosso tempo. que nesse núcleo de entendimento se
A representação popular – que os situa a essência política da democracia.
romanos de certa forma forjaram em seus E, partindo dos termos desta nucleação
primeiros lances e que as instituições da essência democrática é que devemos
inglesas, na metade do milênio, vão repensar a democracia diante da fragilidade
promover com artifícios eficazes de que as forças sociais lhe impuseram no
que se valerá a Revolução Francesa nas tempo atual, repercutindo na sua principal
suas alternativas democráticas, com instituição que é o Parlamento, hoje tão
o constitucionalismo do século XIX – enfraquecido diante de elementos redutores
exige, em nossa época, uma busca de da sua plenitude.
modelos institucionais que correspondam Na realidade, em todo o mundo,
à complexidade, ao pluralismo, à os impulsores da tecnologia alteraram de
heterogeneidade, ao participacionismo maneira espetacular o ambiente psicos-
e às conscientizações ecológicas e social, onde os processos televisivos e a
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BONIFÁCIO DE ANDRADA
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ENSAIO
nacional ou internacional, deturpará os ali- tivo maior para o povo, o que os partidos
cerces do regime de liberdade, reduzindo realmente com bases populares e núcleos
a capacidade do Parlamento em favor de políticos locais poderão alcançar através
interesses pouco confessáveis. de lideranças básicas e de engajamento
Não haverá, assim, a dinâmica lin- com o povo.
colniana, criadora da substância concreta Mas, ao lado destes influentes con-
da democracia, em detrimento da influ- dicionamentos, novos modelos ao lado do
ência da população no encaminhamento Parlamento precisam ser instituídos para
das coisas públicas. Por outro lado, a que a presença do povo se transforme em
democracia é governo dos governados, fator real de manutenção democrática, em
onde há predominância do povo. Ora, se que o cidadão possa fazer valer os seus
o povo não tem condições de se articular direitos diante de uma burocracia insu-
com o Parlamento em virtude das distor- portável, que arma fiscais do fisco com
ções das tecnologias de informação, se ele apetrechos violentos e agressivos contra
não pode estar presente, através de seus os pequenos comerciantes e correlatos
delegados, na participação decisória das segmentos sociais, enfraquecendo, ainda,
grandes tomadas de posição do gover- a cidadania, diante dos outros tipos de
no, dificilmente haverá a predominância agentes públicos sanguinolentos da área
democrática da sua presença e do seu da previdência, do policiamento geral e
comparecimento para influir e pesar na especializado, da área de vários serviços
escolha de diretrizes do governo, caindo, públicos, que se alinham no desfavor e
assim, a titularidade dos governados a um no desrespeito revoltante aos direitos dos
plano de insignificância política. integrantes da população, muitos de con-
Tudo isso nos obriga a repensar ins- dições humildes, e poucos alfabetizados,
titucionalmente a democracia através do de variadas regiões.
Parlamento, para que se possa, com urgên- Estas medidas institucionais, todavia,
cia, superar estas complexidades que difi- só podem ser concretizadas se lideranças
cultam a instituição e o regime. capazes, partidos reestruturados, sem as
Verifica-se, para tanto, que a sistemá- esdrúxulas limitações de leis conflitantes
tica de escolha dos representantes do povo da Carta Magna, possam de fato atuar com
e a formação dos partidos devem obedecer eficiência.
regras atualizadas, que venham a fortalecer Se mergulharmos na realidade con-
estes e permitir a melhor escolha daque- creta de diversos países, sobretudo na
les, em favor de delegados populares, de América Latina, no mundo africano e
comportamento ético, vinculação com a asiático, localizaremos estas deturpações
comunidade e preparação intelectual que que fortalecem os governantes, no caso
satisfaça o enfrentamento dos obstáculos ibero-americano com largas tendências
comunitários e nacionais de nossa época. à ressurreição da caudilhagem. Nestas
Há que se anularem as possibilida- nações, as fragilidades acima se desdo-
des de nevoeiro midiológico, que resulta bram em lamentáveis peculiaridades, em
em pleitos presidenciais do tipo Collor, que a vocação autoritária do passado se
permitindo-se um entendimento informa- alimenta diante da fraqueza de parlamen-
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BONIFÁCIO DE ANDRADA
tos pouco integrados ou engajados nas por terem ligações com as autoridades
reivindicações populares. estaduais, a se filiarem às bases políticas
parlamentares do Governo Federal, aumen-
No caso do Brasil, a fragilidade do
tando, assim, a fragilidade do Parlamento
Parlamento decorre de vários fatores, quais
Brasileiro, limitando as suas manifestações
sejam aqueles de ordem constitucional, o
legislativas.
do enfraquecimento dos partidos no atual
sistema eleitoral, as práticas administrati- E essa fragilidade do Parlamento em
vas negadoras das próprias leis vigentes, a nosso país é acrescida de uma forma
perigosa situação social da população dis- estranha e exagerada, quando analisa-
criminada, além do atual nevoeiro midio- mos, amparados em Loewenstein, os Três
lógico, que tende, em termos genéricos, Poderes da República, o funcionamento
a fortalecer o Poder Executivo, apesar de cada um deles e as suas relações insti-
do problemático quadro político-governa- tucionais. O Poder Legislativo do Brasil de
mental em que nos encontramos. hoje é o mais fraco de toda nossa história
constitucional, deixando de lado a sua ine-
A Constituição de nosso país foi
xistência durante a ditadura Vargas, quan-
discutida e votada numa época desajusta-
do estava fechado, e as limitações drásticas
da, pois que a representação constituinte, que lhe impuseram os Atos Institucionais
ao contrário de se voltar para o futuro nos governos militares, embora permitindo
e preparar o País para as conquistas do o seu distorcido funcionamento.
amanhã, voltou-se em termos obsessivos
para as práticas dos governos militares que Mas, se analisarmos a Constituição
se impuseram à nação, a partir de 1964, de 1988, atualmente em vigor, e a Carta
procurando promover medidas que impe- de 1967, temos hoje um Parlamento mais
dissem a repetição daquelas, mas, curiosa- frágil diante de um Poder Executivo que
mente, por razões pouco decifráveis, man- agora é mais autocrático que o daque-
tendo e alargando técnicas constitucionais la época. O chamado “Decreto-Lei” de
e legais perigosas e impróprias para um 1967 é menos autoritário que as “Medidas
país na busca da democracia. Provisórias” de 1988, e as atribuições
legislativas do Executivo, na atualidade,
A forma de Estado adotada inspirou- são superiores em índices autocráticos
se muito mais nas engrenagens de gover- aos daquela Carta Magna, fruto do hiato
nos militares do que nas melhores tradi- constitucional do período militar. Os
ções do Federalismo brasileiro, mantendo próprios partidos políticos, embora sob as
os excessos do poder central com todas malhas estranhas de uma legislação que os
as atribuições que foram dadas à União, e tornava matéria de Direito Público, viviam
enfraquecendo as unidades federadas em debates e confrontos de melhor validade
termos discriminatórios. democrática do que em nossos dias.
No imenso país como o Brasil, não A estrutura econômica-financeira
há Federação, mas um poder central que, instituída em 1988 nos trouxe falhas de tal
pela sua fortaleza, domina politicamente gravidade que já foi modificada com mais
os governadores e as unidades federadas, de trinta Emendas Constitucionais, e o sis-
obrigando indiretamente todos os Partidos, tema constitucional tende a enfraquecer,
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ENSAIO
neste particular, nossa democracia, porque das cláusulas pétreas, permitindo assim
dá ao Poder Executivo excepcionais com- este novo tipo de declaração de “super
petências no campo econômico-financei- inconstitucionalidade”. Não fosse o equi-
ro para anular o Orçamento por meios líbrio e a prudência dos ministros do
indiretos e oblíquos. Também as abusivas STF, graves conflitos ocorreriam entre os
atribuições que confere aos agentes fis- Poderes, o que no futuro poderá, infeliz-
cais e previdenciários, para extorquir da mente, se concretizar.
população tributos e contribuições, permi- Perigoso mal que fere as fontes da
tem, ilegalmente, o predomínio de normas legislação, enfraquecedor do Parlamento,
regulamentares em detrimento da lei e da constitui, diante de nós, o processo de pro-
Constituição. dução de normas regulamentares, detrator
Há de se acrescentar, além de tudo do Poder Legislativo ao se desrespeitar
isso, que a fragilidade do Parlamento no generalizadamente as leis, substituindo-as
Brasil também é alimentada pelo poderio por regras infralegais ou subleis advin-
do Executivo na área das informações e das da tecnocracia atuante e eficiente do
da notícia política, impondo às empresas Poder Executivo.
detentoras dos veículos de comunicação Na prática, a lei votada pelo Congresso
as principais diretrizes do noticiário polí- perde sua vigência, substituída pela norma
tico, capazes de construir os perigosos administrativa do Poder Executivo, nas
nevoeiros midiológicos alienadores da práticas do dia-a-dia da Administração.
população.
O fenômeno da subnormatividade
A Constituição de 1988 contém uma legal entre nós vem, desde os governos
técnica sem precedentes e desconhecida militares, assumindo uma situação que
do mundo ocidental no relacionamento do implementa, em termos permanentes, a
poder legislativo com o poder judiciário, deformidade da ordem jurídica, enfraque-
fragilizando também o Parlamento. No seu cendo a força da lei e a eficiência jurídi-
texto foi criada uma expressa tutela judi- ca da legislação votada pelo Congresso
ciária sobre o Legislativo, enfraquecendo- Nacional.
o por um complexo controle da consti- É uma curiosa mas triste ocorrência,
tucionalidade das leis, que se concretiza nestes últimos 30 anos, que a Constituição
de forma dupla, utilizando-se ao mesmo de 88 não soube corrigir e os governos sob
tempo a técnica da Corte norte-americana a vigência da Carta Magna atual não tive-
e, ainda, a dos Tribunais Europeus, o que ram a capacidade de retificar. Os governos
deteriora a capacidade de produzir a lei e, militares, antes da Constituição de 1967,
especialmente, a sua vigência. Não con- criaram novos tipos de normas legais,
tente com tais acúmulos de meios revoga- como os Atos Institucionais, em nível de lei
dores de lei por inconstitucionalidade, a constitucional, os Atos Complementares,
Carta Magna institui uma tutela judiciária em nível de leis complementares e os
maior, dando praticamente ao Supremo Decretos-Lei, em nível de lei ordinária,
Tribunal Federal a competência de decla- mas prestigiaram muito os Decretos, que
rar nulas as Emendas Constitucionais, pois são elementos normativos de nível regula-
o constituinte de 1988 alargou os itens mentar, e iniciaram, juntamente com este
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equipe de gerenciamento de tudo isso. Esse Em face destas questões, urge que a
espetáculo, que é logicamente de elevadís- criatividade do pensamento político e a
simo custo financeiro, dificilmente será capacidade de novas lideranças saibam,
acessível a um político de classe média, em nosso país, promover o revigoramento
pois é inviável para as melhores vocações de nossa democracia e, em decorrência
que não tenham atrás de si adequados disto, do Parlamento, formulando modelos
recursos financeiros próprios ou de grupos capazes de exigentes adaptações nas quais
econômicos que, por razões específicas, devam predominar os governados através
desejam eleger um candidato. de seus representantes, anulando as mani-
É verdade que há exceções, mas festações autoritárias da tecnocracia, supe-
dentro do processo do voto uninominal rando o “nevoeiro midiológico” que aliena
elas tendem a desaparecer para cair numa o povo, criando formas de maior interco-
regra geral em que as Assembléias e a municação e integração com a população,
Câmara Federal tornar-se-ão um plenário mas, principalmente, afastando e punindo
inacessível e inviável para aquela grande a corrupção, as colocações terroristas, a
maioria de profissionais da classe média, chamada advocacia administrativa e impe-
isto é, aquele tipo de homem público com dindo a influência de seguimentos empre-
bom índice de capacidade e inteligência sariais inescrupulosos que preponderam
pessoal que povoou o Congresso Nacional na feitura do Orçamento e na sua própria
até a década de 80, e com o brilho dos execução em face das necessidades do
melhores debates parlamentares de nossa País.
vida republicana. Se tais questões são formuladas e
Esse problema é da maior seriedade objetos de reflexão diante do quadro bra-
e a proposta da chamada “Lista Fechada”, sileiro, o que ocorre em outros países,
ainda sob o sistema proporcional em que mesmo no mundo ocidental, pelos temas
o eleitor votará no Partido e este, interna- e pelas dificuldades sócio-políticas que
mente, escolherá a lista de seus candidatos atravessam, tudo nos revela perigosamente
preferidos, politicamente falando consti- que estamos diante de um novo século,
tui a solução encontrada e praticada no investido de graves complexidades, de
mundo europeu, como também em países incertezas, de incoerências, de enigmas,
das Américas, com êxito democrático bem de frustrações que infelizmente a Ciência
salutar. e a Tecnologia, ao contrário de nos socor-
Verifica-se, assim, que hoje no Brasil rer, abrem novas arestas e, até porque não
também o sistema eleitoral é um dos fato- dizê-lo, novos universos de preocupantes
res de fragilidade do Parlamento que, dia- indefinições.
a-dia, tende a ser ocupado por milionários, É, sob certa forma, curioso o que
por representantes de grupos econômicos, ocorreu com as gerações pretéritas de
por representantes de seguimentos sociais nossos avós do princípio do século XX em
financeiramente influentes e por compare- relação ao convívio daqueles que habitam
cimento episódico de alguns, comumente o presente. Havia muito mais, naqueles
frutos do estrelismo da mídia ou das pre- atores antigos, uma certeza, uma confian-
gações religiosas, havendo, logicamente, ça, uma visão esperançosa com o porvir e
algumas exceções que não irão perdurar. com o futuro em todos os aspectos da vida,
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ENSAIO
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BONIFÁCIO DE ANDRADA
BIBLIOGRAFIA
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TOFFLER, Alvin. Powershift. As Mudanças do Poder. Rio de Janeiro: Ed. Record, 1990.
111
ENSAIO * GUSTAVO FRUET
* Deputado Federal
112
desafio-benefício que o processo representa o faz na premissa de que haja dos seus
do ponto de vista histórico, econômico e parceiros condição de reciprocidade (inciso
social, sem ignorar o trabalho diplomático 24 do artigo 75 da referida Constituição).
realizado no governo anterior e os ganhos É importante avançar no tema da
auferidos com a reconhecida inserção criação do Parlamento para o Mercosul.
do país como importante ator no cenário Todavia, antes que venhamos a assumir
internacional. compromissos internacionais cujo mérito
Se de um lado registra-se o é importante, não podemos nos deixar
entusiasmo pela realização do evento, levar pelo entusiasmo ingênuo da palavra.
preocupa que as discussões de um futuro Eventual proposta nesse sentido deve-se
Parlamento do Mercosul não estejam sendo fazer acompanhar de providências internas,
acompanhadas de necessárias reflexões no legais e constitucionais, sem as quais não
que concerne às adaptações (modificações) se poderá atender adequadamente ao
constitucionais indispensáveis, que nos que preceitua o Tratado de Assunção e a
permitam ingressar no processo de igual vocação integracionista de que cuida o
para igual, em especial, à necessidade de parágrafo único do artigo 4º da Constituição
haver, expressa na Constituição, autorização brasileira.
para que o Brasil possa submeter-se a Na oportunidade, saliente-se que
um regime de supranacionalidade. Em a experiência européia não prescindiu
outras palavras, é premente a existência de exigir dos países-membros que se
de norma constitucional autorizativa que preparassem constitucionalmente para a
preveja a possibilidade de o país aderir a almejada integração. É verdade que existem
tratados que venham a criar instâncias (ou diferenças marcantes entre o Mercosul e a
instituições) supranacionais. União Européia. A começar, por exemplo,
O Paraguai, em 1992, e a Argentina, com o registro de que lá o mercado comum
em 1994, cuidaram de imprimir as reformas nasceu com o Tratado de Roma, de 1957,
necessárias ao objetivo integracionista, o enquanto aqui o mercado comum é um
que ainda não ocorreu entre nós e nem objetivo a ser alcançado, após vencermos
no Uruguai. A reconhecida assimetria a consolidação da união aduaneira.
constitucional existente entre os Estados Na União Européia convencionou-
Partes não é apenas uma questão se a criação imediata de instituições
acadêmica. É, induvidosamente, muito supranacionais, ao passo que no
mais do que isso, na medida em que o Mercosul seguimos o modelo clássico de
Tratado de Assunção estabelece, em seu instituições intergovernamentais, com
artigo 2º, que o Mercado Comum estará decisões tomadas por consenso e por
fundado na reciprocidade de direitos e unanimidade.
obrigações.
O sistema de solução de controvérsias
Além disso, quando a Constituição na União Européia é permanente, com
da República Argentina trata do tema delegação de competência ao Tribunal
supranacionalidade – vale dizer, quando de Justiça para deliberar soberanamente
autoriza que o Estado argentino subscreva sobre o direito comunitário, originário ou
tratados que deleguem competência e derivado (regulamentos e diretivas). No
jurisdição a organizações supra-estatais, Mercosul não se tem, ainda, um sistema
113
ENSAIO
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MAURO SANTAYANA* ENSAIO
Política, Parlamento,
Democracia
Um dos mais antigos discursos Cícero, o grande político, jurista e
políticos é a Oração pelos Primeiros Caídos orador de Roma Antiga, em seu livro sobre
na Guerra do Peloponeso, pronunciado em a República, diz que o povo é constituído
431 AC, por Péricles, o grande estadista de pelos que se interessam pela coisa pública.
Atenas. Em sua visão, os desinteressados não faziam
Nesse discurso, que serve de modelo parte do povo, e constituíam apenas a
para todos os pronunciamentos políticos plebe.
posteriores, Péricles diz que a pólis, ou, Cícero faz essa distinção entre “povo”
seja, a comunidade, é formada somente por e “plebe”, embora até então, a plebe fosse
aqueles que se interessam pelos assuntos vista como parte do “populum” romano, e
públicos. Esses, diz o discurso, merecem o só se distinguisse dos patrícios, ou seja, da
respeito de todos. Os que assim não agem nobreza. A expressão “plebe”, em termos
devem ser desprezados. políticos, tinha significação respeitosa,
* JORNALISTA
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ENSAIO
uma vez que os plebeus, quando queriam, Quando ele se associa aos seus
participavam da política, e contavam com vizinhos e parentes, para a segurança
seus representantes junto ao poder, os comum, essa ética passa a ser da con-
tribunos. vivência e da cooperação entre todos. É
nesse momento que nasce a consciência
Para Cícero, o povo romano era
de grupo, que irá evoluir até a idéia de
constituído dos patrícios e daquela parte
nação.
da plebe que se interessava pela política.
A outra parte era simplesmente a turba, ou Embora não tenhamos registros histó-
seja, o conjunto de indivíduos sem preocu- ricos daquele tempo, não é difícil recons-
pação com a vida coletiva. tituir a vida pré-histórica. Na verdade, o
mundo atual vive, contemporaneamente,
A distinção entre os que são cidadãos
todas as suas idades.
e os indiferentes à política é importante
quando, entre outras coisas, se discute o Há, ainda, sociedades muito primiti-
problema do voto facultativo. Definido o vas. Embora elas se reduzam rapidamen-
que seja povo, como detentor do poder, é te, certas tribos autóctones, como a dos
possível estudar a evolução da política do ianomâni, no Brasil, permitem estudos
homem. antropológicos que nos dão a idéia de
como todos os seres humanos viviam na
Os seres humanos começam a dis-
Pré-História.
tinguir-se na natureza no mesmo momento
– e um momento, em termos históricos, É assim que podemos entender o
pode durar dezenas e dezenas de milhares surgimento da política, do Estado e do
de anos – em que começam a comuni- Parlamento. Como sempre, é bom tra-
car-se uns com os outros, e aprendem a balhar pensando na linguagem. Política,
trabalhar juntos. Essa é uma etapa impor- como grande parte dos vocábulos de todas
tante, porque, nela, o ser humano também as línguas européias, é uma palavra grega.
se descobre e, nos limites da sua mente em Ela vem de “polis”, que quer dizer comu-
formação, pergunta-se sobre si mesmo. nidade citadina.
Sem entender – e continuamos a não Não é simplesmente “cidade”; é mais
entender – a razão de estar no mundo, do que isso. É o conjunto das pessoas que
o homem primitivo inventa os deuses. se interessam pela comunidade, ou seja, o
Inventar é um bom vocábulo, porque conjunto dos cidadãos. A palavra “polis”,
inventar não só significa criar alguma no léxico político grego, pressupõe a ordem
coisa, mas, sobretudo, descobrir alguma social baseada na fraternidade.
coisa. Toda criação é uma descoberta. Por isso mesmo, a palavra “politeía”,
Naquele momento, o homem passa ou, seja, república, ou ação política, que
a ser protegido pela idéia de Deus. Isso significavam a mesma coisa, era defini-
significa, também, estabelecer uma certa da por Aristóteles como “amizade entre
ética, que se funda na obrigação de manter vizinhos”.
a vida como uma concessão divina. Essa Nas sociedades primitivas, ainda que
ética se revela, em primeiro lugar, na con- ela não se manifeste de forma muito clara,
dução da vida familiar: o macho deve pro- a primeira autoridade é a dos deuses. Em
teger sua mulher e os seus descendentes. sua grande obra, que influenciou Hegel,
116
MAURO SANTAYANA
Marx e outros pensadores modernos, o de Veneza. O corpo eleitoral pode ser mais
historiador italiano Gianbattista Vico divi- amplo ou mais restrito, mas o que define
diu a História em três fases, na sua obra uma república moderna é a temporarieda-
“Scienza Nuova”, publicada em 1725. A de dos mandatos e o processo de escolha
primeira fase da História é a “Idade dos por algum tipo de eleitores. As repúblicas
Deuses”, a segunda, a “Idade dos Heróis”, podem ser democráticas ou oligárquicas.
e a terceira, a “Idade dos Homens”. A A República de Veneza, por exemplo, era
autoridade do chefe nas tribos está sempre oligárquica: as 500 famílias mais importan-
sujeita à autoridade dos sacerdotes, vistos tes constituíam o “Grande Conselho”, e o
como os portadores da vontade divina. “Grande Conselho”, que era o parlamento
Mas os antropólogos concluem que, sobre aristocrático, elegia o doge, o detentor do
as duas autoridades, sempre prevalece a Poder Executivo.
vontade do conjunto, que se manifesta no
O vocábulo “Estado” definia, no
consentimento.
Renascimento, o governo ou a corte, e não
Os membros do grupo devem con- o conjunto das instituições permanentes,
sentir em aceitar a conduta imposta como como entendemos hoje. Rapidamente, a
sendo da vontade de Deus e, em primeiro expressão ganhou nova acepção e univer-
lugar, aceitar que Deus exista e exerça esta salidade. Para o raciocínio moderno, Estado
autoridade. é toda organização política soberana, ou
Essa vontade, que muda com as seja, governada de acordo com princípios
circunstâncias do tempo e do ambien- próprios e com o consentimento de seus
te, aceitando ou rejeitando a autoridade, cidadãos, ou seja, de todos aqueles que,
surge, naturalmente, das conversas entre com a sua vontade e ação, participam das
os indivíduos e das reuniões dos conselhos decisões da comunidade.
comunitários, constituídos quase sempre O que é ser soberano? A melhor defi-
de homens mais experientes. nição, encontrada em muitos autores, de
Parlamentar é conversar. É certo que uma forma ou de outra, é a de que sobera-
a expressão “parlamento”, para designar no é aquele que não obedece a ninguém.
as instituições que conhecemos, surgiu há Um homem pode ser soberano sobre os
pouco mais de 700 anos, o que é recente, seus atos, mas, na realidade, nenhum
em termos históricos. homem, isoladamente, pode ser soberano
Tal como “parlamento”, a expressão sobre o Estado. O Estado, sim, como ser
“estado” é também recente. Aliás, mais coletivo, deve dispor da “summa potes-
recente do que “parlamento”. Antes, tas”, ou seja, de todo o poder que possa ser
os estados eram conhecidos como “rei- exercido dentro dos seus limites territoriais.
nos”, ou como “repúblicas”, ainda que, Os acordos internacionais, que limitem
fossem também estados monárquicos. A essa soberania, só são entendidos quando
palavra “Estado”, ou “Stato”, surgiu no se baseiam no princípio da reciprocidade:
Renascimento italiano, e significava, em isto é, quando os estados contratantes
sua origem, o grupo que cercava o gover- não exijam mais do que concedam, nem
nante, fosse ele um príncipe dinástico, ou concedam mais do que exijam. Em suma,
fosse um mandatário eleito, como ocorria que sejam vistos com idênticos poderes e
nas repúblicas italianas, como a República direitos na convenção estabelecida.
117
ENSAIO
Em todos os Estados, sempre tem um indivíduo pode ser o mais sábio dos
existido alguma coisa semelhante a par- homens, mas não pertencerá ao povo,
lamento. Nas monarquias absolutas, com como o povo foi definido por Cícero,
os conselhos da Coroa. Nas monarquias se não se interessar pela política. Outro
constitucionais, com a representação eleita pode ser o mais rico, ou o mais idolatrado
pelos cidadãos, ou por uma parcela dos pelos seus dotes artísticos – mas não será
cidadãos. Nas repúblicas, com a repre- cidadão. Não merecerá o reconhecimento
sentação daquela parcela de indivíduos da comunidade, dentro da visão grega
que constitua o eleitorado e que se faça da política. O camponês analfabeto ou o
representar. Como já vimos, o eleitorado trabalhador modesto, que procuram influir
pode ser universal, nas democracias, e em favor de sua comunidade – mesmo nas
reduzido, nos governos oligárquicos. E comunidades menores, como a associação
até mesmo resumido aos militares, como de moradores, ou o grupo de plantadores
ocorria no sistema espartano e no início de feijão – são cidadãos. O empresário
da República Romana e como ocorreu em rico, que só se interessa em proteger os
nosso próprio país, quando o Presidente seus próprios negócios, e não participa da
da República era escolhido pelos oficiais vida da comunidade como um todo, não
generais das Três Armas, mas tendo, no é cidadão, mesmo que, por oportunismo,
Exército, como a força mais numerosa, financie campanhas eleitorais.
o único grupo que oferecia os candida-
tos. Isso nos obriga a lembrar que um Sendo assim, a evolução do
Estado pode ser monárquico e democrá- parlamento se faz em dois sentidos: o
tico, como pode ser nominalmente repu- da legitimidade e o da ampliação de
blicano, e ditatorial. Nominalmente, tanto seu poder. Um parlamento é tanto mais
a Alemanha de Hitler, quanto Portugal, legítimo quanto mais ele se aproxime da
de Salazar, eram repúblicas, mas nada vontade nacional. E o seu poder será tanto
tiveram de democráticas. E, enquanto a mais efetivo, quanto mais ele puder impor
Itália e a Inglaterra eram nominalmente essa vontade nacional aos outros poderes
monarquias, durante os anos 20 e 30, a do Estado.
Itália estava sob a ditadura de Mussolini, Como em tudo mais, temos que
enquanto a Grã Bretanha constituía, para o recorrer aos gregos. Os setecentos anos
seu próprio povo, uma das mais avançadas que antecedem a era cristã e os dois pri-
democracias do mundo. meiros séculos de nossa era são vistos
A evolução política se faz na como a “idade axial” do homem. Sem
universalização do poder, ou seja, na remontar a períodos mais antigos, sobre os
participação cada vez maior dos indivíduos quais a documentação é ainda escassa, foi
na sociedade política. Isso significa a nesse período – a Idade dos Heróis, segun-
transformação dos indivíduos em cidadãos. do Gianbattista Vico – que, com a difusão
Por isso mesmo, a democracia pode ser da linguagem escrita e a especulação filo-
vista como o processo permanente de sófica, o Estado encontrou, no Ocidente,
adesão dos indivíduos à responsabilidade os seus fundamentos modernos. Foi um
coletiva, ou seja, a transformação da período de lutas, de paixão pelo poder, de
turba em plebe e da plebe em povo. afirmação do homem. Nesse período, os
Entendamos que, no sentido político, deuses e os heróis começam a ceder lugar
118
MAURO SANTAYANA
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ENSAIO
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ENSAIO
122
DAVID FLEISCHER* ENSAIO
O Impacto da Reforma
Política Sobre a
Câmara Federal
A reforma política sempre esteve na de casuísmos que modificaram as regras
agenda do Congresso Nacional desde a políticas para produzir maiorias para o
redemocratização em 1946, com destaque governo no Congresso, como: as cassações
para: representação proporcional com lista de mandatos políticos, dois remanejamen-
aberta, cassação do Partido Comunista, tos do sistema partidário (1966 e 1980),
eleições majoritárias por maioria simples, proibição de coligações, eleições indiretas
recadastramentos de eleitores, a introdu- para presidente e governadores via colégio
ção da cédula única e um breve parlamen- eleitoral, o voto vinculado, a fidelidade
tarismo (Lima Sobrinho). Com a implan- partidária, os senadores “biônicos”, sub-
tação do período militar (1964-1985), o legendas e a tentativa de implantar o voto
Brasil passou por uma seqüência sem fim “misto” distrital-proporcional (Fleischer,
123
ENSAIO
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DAVID FLEISCHER
125
ENSAIO
126
DAVID FLEISCHER
policiais militares, etc.). Estes grupos não Ronaldo Caiado (PFL-GO), afirma que até
mais poderiam concentrar os “seus” votos os meados de março de 2004, 125 depu-
em candidatos destacados em diversos tados já trocaram de partido (Freitas). Sem
partidos, mas teriam que escolher um só o mecanismo da sublegenda [sublemas, na
partido/confederação para “despejar” os Argentina e Uruguai], os partidos coligados
seus votos. perdem a sua identidade perante o eleito-
Para as eleições de 2006, os atuais rado e contribuem para o enfraquecimento
deputados (eleitos em outubro de 2002) das legendas. Em muitos casos, as micro
terão que tomar uma decisão que pode ou pequenas legendas não teriam chances
ser bastante draconiana. Até 2 de outubro de eleger um só deputado sem o artifício
de 2005, terão que decidir a sua migração das coligações (Ames; Cintra; Fleischer,
partidária “final” – a legenda pela qual 2004; Melo; Nicolau, 1997; Nogueira).
disputarão a eleição em outubro de 2006 Já apareceram várias propostas para
– um ano antes, sem saber exatamente corrigir estas anomalias e atenuar os efei-
qual federação o “seu” partido vai entrar tos das coligações – desde proibir as
e nem como ficaria a sua posição na coligações totalmente [o fim dos partidos
ordem pré-determinada dos candidatos. “históricos”, como o PPS e o PCdoB], a
Possivelmente, vários deputados “migran- adoção de sublegendas [onde cada parti-
tes”, percebendo que não teriam grandes do participante teria a sua própria sublista
chances no seu então partido, optarão dentro da coligação], até a adoção de uma
para um outro partido “nanico”, justamen- “cláusula de exclusão” ou barreira (de 2%,
te para ter mais poder de barganha para 3% ou 5% dos votos válidos), como na
“acertar” a sua posição na composição Alemanha, para excluir os partidos “nani-
da lista fechada da confederação que, por cos”1. Para 2006, esta nova proposta prevê
ventura, o seu “novo” partido venha a uma “barreira” de 2% dos votos para a
integrar. Câmara dos Deputados, nacionalmente
distribuídos em 1/3 das unidades da fede-
Federação de Partidos ração, e eleição de um deputado em pelo
menos 5 destas unidades – para que os
Há muito tempo que o uso de coliga-
partidos ou federações possam ter direito
ções (sem sublegenda) nas eleições propor-
a funcionamento parlamentar. Portanto,
cionais é criticado no Brasil. Supostamente,
a “barreira” brasileira continuaria menos
este mecanismo contribui para o fato da
rígida que a da Alemanha.
maioria do eleitorado não conseguir lem-
brar o nome do candidato e muito menos Assim, a proposta de uma “federa-
o partido em que votou. Também, estimu- ção de partidos”, ao invés de coligação,
la a “migração” de deputados eleitos por chega a ser uma mudança inovadora.
uma coligação para outros partidos que Continuaria o mecanismo de uma aliança
nem participavam da coligação que ele- eleitoral entre partidos para as eleições
geu o deputado. Em 2003, mesmo antes proporcionais, mas com a lista fechada. A
da posse (em 1 de fevereiro) dos novos grande diferença é que esta “federação”
parlamentares eleitos em outubro de 2002, teria que permanecer em funcionamento
uns 40 deputados trocaram de legenda obrigatoriamente por três anos. Assim,
(Quadro 1). O relator desta reforma, Dep. não teria mais “troca-troca” de legenda
127
ENSAIO
durante este período e a “federação” fun- votos receberia e maiores chances teria
cionaria como um “bloco parlamentar”. de ser eleito (Fleischer, 2000; Samuels,
Na linguagem dos jovens, a tradicional 2001a, 2001b, 2003; Sirkis).
aliança eleitoral via coligação é uma rela-
Usualmente, a contabilidade do
ção de “ficar” (até a abertura das urnas), e
dinheiro gasto na campanha (via a cha-
a “federação de partidos” seria então uma
mada “caixa um”) apresentada à Justiça
“união estável” durante três anos. Caso a
Eleitoral não chega a um décimo do total
“federação de partidos” se dissolver antes
realmente gasto e, portanto, fora do esque-
de completar o prazo de três anos, os par-
ma de monitoramento dos TRE`s (Fleischer
tidos que a compõem perderiam o direito
e Whitaker). A grande parte destes recursos
ao funcionamento parlamentar.
vem da chamada “caixa dois” de empre-
sas e outras organizações interessadas em
Fidelidade Partidária
poder contar com deputados dispostos a
O conceito da “fidelidade” do parla- defender seus interesses. O Prof. Cândido
mentar para com a sua legenda não seria Mendes estima que foram gastos algo em
tão rígido quanto a norma que vigorava torno de R$ 10 bilhões nas campanhas de
durante o período militar, mas seria for- 2002 (Mendes).
temente inibitivo de “migrações” após as
eleições – por causa da lista fechada e A nova proposta prevê financia-
a operação das “federações partidárias”. mento exclusivamente público das elei-
Não está muito certo que a “infidelidade” ções, através de dotação orçamentária no
do parlamentar durante o seu mandato valor de R$ 7,00 multiplicado pelo núme-
poderia implicar na perda do mandato, ro de eleitores cadastrados no ano anterior
mas com certeza as lideranças partidárias à eleição (dezembro de 2005) e veda
teriam mais controle sobre o comporta- totalmente as contribuições de pessoas
mento dos seus liderados. De acordo com físicas e jurídicas às campanhas eleitorais.
L.M. Rodrigues, o eleitor não se incomo- Resta saber se o Congresso Nacional dota-
da com a infidelidade dos parlamentares ria a Justiça Eleitoral com poderes fortes o
migrantes que, em última instância, aju- bastante para realmente impedir estas con-
dam os governos a constituirem maiorias tribuições – a partidos e federações de par-
no Congresso após cada eleição. Foi tidos, em 2006. No entanto, não seriam
assim com o Presidente Cardoso, em 1995 vedadas estas contribuições para o Fundo
e 1999, e também com o Presidente Lula, Partidário. Este continuaria constituído por
em 2003. dotações orçamentárias anuais no valor
de R$ 0,35 por eleitor cadastrado no ano
Financiamento de Campanhas anterior às eleições – mas, somente nos
anos ímpares (quando não há eleições).
Depois do mecanismo da lista fecha-
da, a segunda grande mudança no sistema No caso do montante de recur-
eleitoral seriam as alterações nas regras sos públicos para financiar as eleições,
para o financiamento dos partidos e as suas para 2006, estima-se que o total dispo-
campanhas eleitorais em 2006. Tido como nível poderia chegar a R$ 966 milhões
um grande entrave na democracia repre- (138.000.000 eleitores x R$ 7,00) – ou
sentativa no Brasil, o resultado parece ser: seja, aproximadamente US$ 333 milhões.
quanto mais dinheiro o candidato tenha Este montante seria distribuído entre os
disponível para a sua campanha, mais partidos da seguinte forma:
128
DAVID FLEISCHER
129
ENSAIO
130
DAVID FLEISCHER
Por outro lado, o cientista político tidas as eleições diretas para a Câmara”
Jairo Nicolau lembrou que “o financiamen- (Franco 2004).
to público, com fiscalização e punições, é O último lance deste embate na
a melhor opção para reduzir escândalos” Câmara foi a substituição do Líder do
(Nicolau, 2004). Na contra mão, o Prof. Governo (Miro Teixeira) pelo Dep. Prof.
Wanderley Guilherme dos Santos se posi- Luizinho (PT-SP), em 1º de abril. Ao mesmo
cionou radicalmente contra esta reforma, tempo, Miro se filiou ao PPS (partido forte-
no que concerne à lista fechada que, em mente a favor da reforma).
seu modo de ver, tolheria a “liberdade” do
eleitor de “escolher” o seu candidato:
Conclusões
O voto em lista fechada encarcera o Por volta de 2000 e 2001, após a
eleitor, o qual, hoje, pode votar na lista aprovação de vários pontos do “Relatório
partidária (a legenda do partido) ou em Sérgio Machado” pelo Senado Federal e
candidatos individuais. A proposta impede vendo a impossibilidade da Câmara tra-
o eleitor de escolher o seu representante,
incumbindo a usurpadores a tarefa de
mitar estas propostas de reforma política,
decidir a quem seu voto irá eleger. Dizem inusitadamente, lideranças do PFL e do PT
que isto elevará o padrão moral da conseguiram elaborar vários pontos em
democracia brasileira (Santos, 2004). comum para mudanças no sistema polí-
tico-eleitoral brasileiro – mas não houve
No dia 4 de março de 2004, os líde- tempo hábil para aprová-los antes do
res do PTB, PL, PP e PDT se recusaram a decurso de prazo para o pleito de 2002.
assinar o pedido de urgência para votar
Como vimos acima, novamente estes
a reforma política (Lima). Diante destas
dois partidos, em lados opostos do jogo
pressões (que incluíram ameaças do PTB,
político em 2003-2004, ainda conservam a
PL e PP de obstruir todas as propostas do
mesma comunhão de idéias quanto a esta
governo na Câmara), em 9 de março o PT
reforma. Quando o Presidente da Câmara
retirou o regime de urgência da reforma
insistiu em aprovar a urgência para votar
política (Seabra, Braga e Caetano). A
e aprovar esta reforma, ainda no primeiro
urgência até que tinha apoios suficientes
semestre de 2004, os partidos médios que
para a sua aprovação (com o apoio do
supostamente seriam lesados (PTB, PL e
PSDB e PFL), mas deixaria a base do gover-
PP) invocaram o “Caso Waldomiro” para
no rachada – coisa inoportuna, justamente
imperrar a tramitação. Por outro lado,
num momento quando o Governo Lula
muitos deputados estavam pressionando
mais precisava de união das suas forças
para a “liberação” das suas emendas [orça-
políticas. Às vésperas do Carnaval, dois
mentárias] para reforçar as campanhas de
experientes deputados do PSDB afirmaram
aliados no pleito municipal deste ano.
que o financiamento público exclusivo
é incompatível com o atual sistema de Para quase todos os observadores,
voto em listas abertas (Ferreira e Almeida). a combinação entre a votação em lista
Lembrando os senadores “biônicos” elei- fechada com o financiamento exclusivo
tos em 1978, o Líder Miro Teixeira bradou: das campanhas (especialmente as propor-
“O projeto cria o deputado biônico. Vou cionais) é inseparável. A solução “miner-
para as ruas reivindicar que sejam man- va” [ou “mineira”] dada pelo mecanis-
131
ENSAIO
PFL 84 76 72 68 66 63
PSDB 70 63 63 55 52 50
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DAVID FLEISCHER
PMDB 75 70 – – – –
PRONA 06 06 06 06 06 02
PPB/PP 49 44 – – – –
PDT - – – – – 13
Outros 03 02 02 06 08 06
Oposição 285 261 143 135 132 134
% 57.5 50.9 29.9 26.3 25.7 26.1
TOTAL 513 513 513 513 513 513
* - Eleitos em outubro de 2002.
** - Em 7 de abril de 2004.
PT 7 0 0
PMDB 4 1 0
PSB 2 0 0
PPS 0 0 1
PCdoB 1 0 0
PV 1 0 0
PP 0 3 0
PL 0 3 0
PTB 0 3 0
PDT 1 0 0
PFL 5 1 0
PSDB 5 0 0
TOTAL 26 11 1
* - Câmara (2003).
133
ENSAIO
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VAZ, L. e P. LIMA.
NOTAS
1
Um mecanismo de cláusula de barreira estaria vigorando para as eleições proporcionais em 2006, mas não tão rígido como na
Alemanha onde os partidos assim excluídos não elegem ninguém.
141
ENSAIO * JOÃO PAULO CUNHA
142
SUSANNE GRATIUS / DELFET NOLTE
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ENSAIO
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SUSANNE GRATIUS
JOÃO /PAULO
DELFETCUNHA
NOLTE
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ENSAIO
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SUSANNE GRATIUS
JOÃO /PAULO
DELFETCUNHA
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ENSAIO
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SUSANNE GRATIUS
JOÃO /PAULO
DELFETCUNHA
NOLTE
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ENSAIO
dencialistas, podemos dizer estarmos bas- guisa de exemplo, para não recuar muito
tante adiantados no assunto. De modo no tempo, citem-se, nesta Legislatura, entre
geral, as matérias sobre as quais temos de vários exemplos, a complementação da
deliberar podem ser tratadas com com- reforma da previdência social, a reforma
petência técnica, dentro obviamente das tributária ou o Estatuto do Desarmamento
limitações de tempo sob as quais temos (Lei nº 10.826/2003), e, em legislaturas
freqüentemente de funcionar, sobretudo, recentes, a Lei de Responsabilidade Fiscal,
como assinalado antes, com uma pauta acoplada com a de Crimes Fiscais, a Lei
de decisões em boa parte gerada pelo dos Partidos Políticos, a Lei das Eleições,
Executivo, e sob regime de urgência. a Lei do Refis, a Lei Complementar que
Outro ponto a realçar é a produtivi- acabou com o sigilo das instituições finan-
dade da Casa. Dos Poderes da República, ceiras, as Emendas Constitucionais de
nenhum mais exposto do que o Legislativo. Desvinculação das Receitas da União,
É fácil passar ao público uma imagem de criação da CIDE – combustíveis, das
deturpada, como se a Câmara fosse órgão Reformas Administrativa e Previdenciária,
desidioso. Focaliza-se o plenário vazio entre muitas outras peças legislativas fun-
fora do horário das discussões e delibe- damentais.
rações da “ordem do dia”, e tira-se fácil, Para concluir estas notas sobre a
mas deturpada, conclusão. É que, nesses Câmara dos Deputados, recordemos ter
momentos captados pela mídia, podem, passado nossa democracia, com as eleições
por exemplo, estar funcionando, a pleno de 2002, pelo prova crucial do regime, ou
vapor, as comissões, e isso não é mostrado. seja, a transferência do poder à oposição,
Podem estar os parlamentares em entrevis- com total respeito às regras do jogo e num
tas com autoridades do Executivo, veicu- clima de inteira normalidade institucional.
lando os pleitos de seus eleitores e regiões, Não se tratou, como em vezes anteriores,
e acompanhando-lhes o atendimento, ou de um simples rodízio de grupos das elites
recebendo líderes de seus Estados e simples governantes, extraídos das camadas altas
cidadãos, ou trabalhando em seu gabinete e médias que tradicionalmente exerceram
na redação de um complexo parecer ou o poder entre nós, mas sim da chegada à
pronunciamento. Todas essas atividades presidência de um líder popular vindo da
fazem parte de seu papel, apesar de serem classe operária.
menos visíveis. No novo patamar de nossa política,
Basta olharmos o que foi por nós neste século que se inicia, o papel da
votado nos últimos anos para vermos que Câmara dos Deputados será, mais do que
a Câmara nada fica a dever às assembléias nunca, decisivo. Ela não vai desempenhar
mais operativas. Aqui, expresso minha somente um papel reativo na elaboração
estranheza diante de uma visão quantitati- das reformas de que o País necessita, mas
vista, que julga nossa produção pelo núme- será, sobretudo, a oficina de um árduo tra-
ro de projetos apresentados, sem olhar- balho proativo, resultante dos embates, dos
lhes o teor e a relevância. O importante é acordos e das negociações entre as forças
deliberar sobre proposições significativas. políticas que, no seu interior, representam
Nesse particular, não nos saímos mal. À o diversificado eleitorado nacional. Nosso
150
SUSANNE GRATIUS
JOÃO /PAULO
DELFETCUNHA
NOLTE
NOTAS
(Footnotes)
1
Maurizio Cotta, verbete “parlamento”, em Norberto Bobbio, Nicola Mateucci e Giafranco Pasquino, org. Dicionário de Política, Brasília:
Editora UnB, 1986.
2
Guillermo O’ Donnel, “Democracia Delegativa?”, Novos Estudos/CEBRAP, 1991.
151
ENSAIO *ARLINDO CHINAGLIA / **ATHOS PEREIRA
Sobre a Reforma
Política
I – Diagnóstico como é o caso do sistema eletrônico de
Ninguém ignora que, desde que o votação e apuração de votos. Nesta área
povo foi às ruas, clamando por eleições construiu-se um sistema que está, sem
livres e diretas, o sistema político e elei- dúvida, na vanguarda mundial. E, se não é
toral brasileiro passou por transformações imune à fraude, certamente levanta sólidas
democráticas significativas. O país foi barreiras contra essa condenável prática
constitucionalizado, aquilo que se con- secular. Mas nem por isso o sistema polí-
vencionou chamar de entulho autoritá- tico brasileiro deixa de padecer de sérias
rio foi removido; estabeleceram-se, desde limitações. Aqui algumas delas:
então, eleições diretas em todos os níveis; No Brasil, o financiamento privado
foi instituída a liberdade partidária e de campanhas é escandaloso. Ele assegura
realizaram-se avanços até em campos uma desigualdade absoluta, não só entre
onde as expectativas eram mais modestas, os partidos, mas até dentro dos partidos,
152
de um candidato com relação ao outro, de entre grupos. A despolitização não contri-
uma fração partidária com relação à outra. bui em nada para a educação política do
E provoca, de quebra, as condições para a povo. As disputas proporcionais se trans-
prática do abuso do poder econômico de formam numa balbúrdia em que o que
forma que, freqüentemente, a vontade do menos conta são os programas defendidos
eleitorado sai deformada da urna, inde- pelos candidatos. As vitórias são conquis-
pendentemente das virtudes do sistema tadas na base do poder econômico ou, na
eletrônico de votação. melhor das hipóteses, pela articulação das
A ausência de regras destinadas a corporações e, só raramente, pelo chama-
assegurar um mínimo de fidelidade par- do voto de opinião.
tidária faz com que, quase sempre, as É correto considerar que as coliga-
siglas partidárias funcionem como meras ções são próprias dos sistemas democráti-
franquias e confere aos eleitos uma liber- cos. Mas também é correto considerar que
dade absoluta para trocar de sigla, sem a as coligações proporcionais mereceriam
menor preocupação em dar explicações uma normatização mais rígida. Se no
à sociedade ou, pelo menos, a seu elei- passado era aceitável que algumas corren-
torado. Essa permissividade certamente tes políticas perseguidas pela ditadura se
não contribui para fortalecer os partidos abrigassem sob o guarda chuva do MDB,
e, por conseqüência, serve para fragilizar hoje, quando todas podem se apresen-
a democracia já que, sem partidos fortes tar livremente à opinião pública, melhor
e representativos, o sistema democrático seria que cada uma se mostrasse com seu
tende a perder terreno. Ressalto que não próprio programa. Isso contribuiria para a
se trata de impor uma fidelidade partidária politização da sociedade e até para a mon-
rígida, assegurada por leis draconianas, tagem equânime de possíveis governos de
inclusive porque isso feriria a liberdade de coalizão. Já que, na inexistência de coli-
organização partidária. Além disso, nossa gações proporcionais, seria possível aferir
experiência na construção do PT ensina com precisão a força real de cada partido.
que é possível se obter um alto grau de Além disso, um dos efeitos de tirar o guar-
fidelidade partidária, independentemente da-chuva de certos partidos seria permi-
das leis, desde que se pratique a demo- tir-lhes se desenvolver sem a bengala dos
cracia interna no partido. Mas, tal como mais fortes. Andar sem bengalas fortalece
está hoje, a legislação favorece o indivi- os músculos. O PT cresceu sem usar guar-
dualismo e a corrupção, em detrimento da da-chuva nem bengala, fazendo alianças
construção de projetos que contem com o parcimoniosas, quase sempre mostrando
apoio consciente e consentido de frações sua própria cara ao eleitorado. Acho que
da sociedade. nossa experiência poderia ser tomada em
A inexistência de listas faz com que consideração.
as naturais disputas internas nos parti- Nenhum democrata pode ser um
dos, entre tendências e personalidades, se entusiasta de cláusulas de barreira. Mas
transfiram para a sociedade, o que fragiliza mesmo as democracias mais sólidas esta-
os partidos. Isso reduz a força do apelo belecem regras de representatividade para
programático e despolitiza as disputas, que os partidos consigam assentos em seus
reduzindo-as a brigas entre caciques ou parlamentos. A Constituição alemã, por
153
ENSAIO
exemplo, contém esse tipo de dispositivo nas mesmas eleições, 26.425.954 pessoas
e o Partido Verde alemão já esteve exclu- tinham direito a voto. Isto significa que o
ído do Parlamento por não ter alcançado quociente eleitoral em Roraima é 197.346
um número mínimo de votos. Quando dividido por 8, que é igual a 24.668. Ou
os verdes se viram excluídos, ninguém seja, um deputado federal em Roraima
acusou o sistema alemão de ser ditatorial. representa 24.668 eleitores. Já o quociente
Tampouco o PV alemão foi para os can- eleitoral no estado de São Paulo é obtido
tos do Parlamento choramingar por um pela divisão de 26.425.954 por 70, que é
jeitinho. Pelo contrário, foi para a socieda- igual a 377.513. Isto que significa que um
de debater suas propostas, exercitar seus deputado federal por São Paulo representa
músculos. Hoje voltou ao Parlamento e 377.513 eleitores. A divisão do quociente
participa do governo em aliança com a eleitoral de São Paulo pelo quociente de
social-democracia. Roraima mostra que o peso do eleitor de
É verdade que a lei não deve Roraima é 15 vezes maior que o peso do
prejudicar partidos que, mesmo pequenos, eleitor de São Paulo na composição da
tenham programas consistentes, história e Câmara dos Deputados.
um certo grau de inserção na sociedade. Esperamos que ninguém veja neste
Tampouco é correto que a lei seja objeto exercício algum tipo de bairrismo. Quando
permanente de burla, abrindo uma avenida falamos de eleitores de São Paulo, estamos
para a constituição de siglas cartoriais, falando com igual respeito para com todos
de aluguel, que quase sempre servem a os que moram em São Paulo e exercem seu
interesses pouco confessáveis. direito de voto naquele estado. Quando
No Brasil, a representação do povo usamos Roraima como exemplo não nos
na Câmara dos Deputados padece de move nenhuma má vontade para com os
severas deformações. Neste capítulo, a habitantes daquela unidade da federação.
Constituição de 1988 foi um retrocesso. Utilizamos o exemplo apenas para ilustrar
Antes dela, a legislação eleitoral estava um caso evidente de distorção que,
mais próxima de assegurar o princípio seguramente, não é da responsabilidade
democrático de que a cada eleitor deve dos eleitores de Roraima.
corresponder um voto. Quando estabeleceu Aos que porventura alegassem que
que a cada unidade da federação cabia esta distorção serve para dar equilíbrio
eleger no mínimo oito deputados federais político à nossa federação economicamente
e no máximo setenta, a Constituição de desequilibrada, eu lembraria que o
1988 provocou uma enorme deformação, equilíbrio político da federação é dado
através da qual discrimina quem mora no pelo Senado, onde a representação de
Centro-Sul, particularmente em São Paulo, cada unidade federada é igual. Cada uma
e assegura uma sobre-representação, tem três senadores e o Senado funciona
particularmente para os Estados do Norte como Casa revisora, por lá tramitam todas
e do Centro-Oeste. as matérias que tramitam na Câmara, o
A título de ilustração, temos um que também me parece questionável, mas
exemplo extremo: em Roraima, nas este assunto não está em pauta.
últimas eleições, tinham direito a voto
197.346 pessoas. No Estado de São Paulo,
154
ARLINDO CHINAGLIA / ATHOS PEREIRA
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ENSAIO
156
ARLINDO CHINAGLIA / ATHOS PEREIRA
Aristóteles pode ter deixado um lega- propostas de reforma política que tramitam
do de atraso para seus discípulos em maté- na Casa e reuni-las num projeto capaz
ria de ciências naturais. Seus sucessores de congregar o maior apoio possível nas
são culpados de transformar os ensinamen- diferentes bancadas partidárias da Casa.
tos do mestre em dogmas tão rígidos que, A tarefa foi levada a cabo. O projeto
ainda na Renascença, serviram para levar produzido não obteve a unanimidade dos
Galileu Galilei a renegar, para se subtrair à membros da Comissão, mas alcançou o
fogueira da Inquisição, sua correta compre- apoio de mais de dois terços dos deputados
ensão de um sistema solar em que a Terra que a compunham, o que não é desprezível.
gira em torno do Sol. Giordano Bruno não Esse placar foi alcançado porque houve o
teve a mesma sorte: por razões semelhan- esforço de todos para que se obtivesse um
tes ardeu nas labaredas inquisitoriais. Mas, mínimo divisor comum. Tal maioria foi
em ciências humanas, Aristóteles ainda construída, portanto, com concessões de
hoje é referência. todos os lados.
Thomas Morus escreveu a Utopia, O objetivo expresso na justificação
uma cidade ficcional perfeitamente justa. do projeto, produzido pela Comissão em
Morreu decapitado na torre de Londres. questão, é enfrentar os seguintes problemas
Mas seu sacrifício e seus escritos sempre do sistema político brasileiro:
representarão uma tentativa de contribuir
para melhorar o mundo. a) a deturpação do sistema eleitoral
causada pelas coligações partidárias
Fizemos esta divagação para mos- nas eleições proporcionais;
trar que considero justos os esforços teóri-
cos para compreender e para transformar a b) a extrema personalização do voto
sociedade, melhorando-a. Mas chegamos nas eleições proporcionais, da qual
a um momento da vida em que damos resulta o enfraquecimento das agre-
preferência a objetivos menos ambiciosos, miações partidárias;
mais exeqüíveis. Por isso, à luz da corre- c) os crescentes custos das campanhas
lação de forças presente, estamos lutando eleitorais, que tornam o seu financia-
para colocar em pauta uma proposta de mento dependente do poder econô-
reforma política pouco ambiciosa, mas que mico;
melhoraria substancialmente nosso sistema, d) a excessiva fragmentação do quadro
aprofundando seu caráter democrático e partidário;
conferindo-lhe maior transparência.
e) as intensas migrações entre legendas,
III – A reforma possível cujas bancadas no Legislativo osci-
lam substancialmente ao longo das
Ano passado, o deputado João Paulo legislaturas.
Cunha(PT-SP), Presidente da Câmara dos
Deputados, criou uma Comissão Especial Para fazer face à deturpação pro-
destinada a produzir uma proposta de vocada pelas coligações proporcionais
reforma política. Presidida pelo deputado oportunistas, episódicas e desprovidas de
Alexandre Cardoso (PSB-RJ) e relatada lastro programático, que contribuem para
pelo deputado Ronaldo Caiado (PFL-GO), uma permanente instabilidade do quadro
a tarefa desta comissão era estudar diversas político, a maioria da Comissão propõe
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ENSAIO
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ARLINDO CHINAGLIA / ATHOS PEREIRA
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ENSAIO
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Olhar
Externo
Salvador Dali
• Robert A. Pastor
161
OLHAR EXTERNO * ROBERT A. PASTOR
A Segunda Década da
América do Norte**
UM PRIMEIRO RASCUNHO comércio e o investimento chegaram perto
de triplicar; Estados Unidos, México e
O Acordo de Livre Comércio da
Canadá experimentaram um grau sem pre-
América do Norte (em inglês North
cedente de integração social e econômica.
American Free Trade Agreement, NAFTA)
Pela primeira vez “América do Norte” é
entrou em vigor em primeiro de janeiro
mais do que uma simples expressão geo-
de 1994, em meio a temores de perda de
gráfica.
empregos nos Estados Unidos e de gritos
revolucionários no sul do México. No Em 2000, as vitórias eleitorais de
entanto, em uma só década, as três nações George W. Bush, Vicente Fox e Jean
da América do Norte construíram um mer- Chrétien aumentaram ainda mais a espe-
cado maior do que o das quinze nações da rança de que a promessa de uma parceria
União Européia, e quase tão integrado. O trilateral poderia ser cumprida. No entan-
* Professor da Universidade da Geórgia, em Atlanta / USA. Texto publicado na Foreign Affairs, Fev/2004.
Tradução: Sérgio Bath
162
to, quatro anos depois, houve uma deterio- sentes, a América do Norte cometeu o erro
ração nas relações entre os três governos. oposto: quase não as criou.
Nenhum líder se refere à “América do O segundo choque recebido pelo
Norte” do modo como os europeus falam ente político norte-americano aconteceu
do seu continente. Com efeito, nos Estados em 11 de setembro de 2001. Se houves-
Unidos voltaram a surgir críticas e acusa- se uma parceria genuína, os líderes dos
ções à NAFTA nos debates entre os can- Estados Unidos, do México e do Canadá
didatos presidenciais. Passados dez anos, se teriam reunido em Washington, nos dias
chegou a hora de avaliar o que a NAFTA que sucederam a tragédia, para declarar
realizou e onde ela falhou, para determi- que o ataque tinha atingido toda a América
nar o caminho que deve seguir daqui em do Norte, e afirmar que responderiam em
diante. Quais devem ser as metas para a uníssono. Em vez disso, dada à ausência
segunda década da América do Norte, e o de instituições comuns, os governos rever-
que os líderes norte-americanos precisam teram a seus velhos hábitos. Agindo de
fazer para atingi-las? forma unilateral, Washington virtualmente
fechou suas fronteiras; os líderes mexicano
Na verdade, a NAFTA foi apenas o
e canadense responderam de forma ambi-
primeiro rascunho de uma constituição
valente, temendo a forma como poderia
econômica para a América do Norte:
reagir a superpotência zangada.
um documento deliberadamente sucinto,
destinado apenas a desmantelar barreiras Esses dois eventos foram oportunida-
ao comércio e ao investimento. Os seus des perdidas, e a criação do Departamento
arquitetos não fizeram planos, nem para o de Segurança Interna nos Estados Unidos
seu êxito, nem para as crises que confron- leva a América de Norte outra vez a uma
tariam. Embora a NAFTA tenha fornecido encruzilhada. Uma posição (a mais pro-
combustível para o trem da integração vável) consistiria em reforçar o controle
continental, não cedeu maquinistas para fronteiriço e impedir a movimentação,
guiá-lo. O resultado é que dois contratem- mesmo de amigos. O comércio e o inves-
pos, a crise do peso mexicano de 1995 e timento declinariam, as tensões subiriam,
os ataques terroristas de 11 de setembro de e a miríade de vantagens da integração
2001, ameaçaram descarrilar essa experi- começariam a ceder terreno.
ência de integração. Em um rumo alternativo, contu-
do, os temores na área de segurança
A crise do peso foi um golpe à eco-
serviriam como catalizadores para uma
nomia mexicana, assim como à confiança
integração mais profunda, o que exigiria
dos americanos e canadenses na integra-
novas estruturas para garantir a segurança
ção. Os autores da NAFTA haviam presu-
recíproca, promover o comércio e trazer
mido que, graças à mágica do mercado, a o México para mais perto das economias
eliminação das restrições ao movimento de primeiro mundo dos seus vizinhos. Só
de capital e mercadorias conduziria a uma pode haver progresso com uma liderança
grande prosperidade. No acordo não havia verdadeira, novas instituições cooperati-
nenhuma cláusula criando um mecanismo vas e uma redefinição de segurança que
para prever falhas do mercado ou para res- coloque os Estados Unidos, o México e o
ponder a elas. Enquanto a União Européia Canadá dentro de um perímetro continen-
criou um excesso de instituições onipre- tal, trabalhando juntos como parceiros.
163
OLHAR EXTERNO
164
ROBERT A. PASTOR
165
OLHAR EXTERNO
quinto lugar, não houve qualquer tentativa bros mais importantes são comparáveis
de coordenar a política macro-econômica, em termos de população e poder. O PNB
deixando os três governos sem um instru- per capita da nação mais rica da Europa
mento para prevenir desastres como a crise (Alemanha) é aproximadamente o dobro
do peso mexicano. Finalmente, a NAFTA da mais pobre (Grécia), enquanto o PNB
nada fez no campo da segurança, e por per capita dos Estados Unidos é quase seis
isso as conseqüências do 11 de setembro vezes o do México. O modelo norte-ame-
ameaçam agora prejudicar a integração ricano consta de um único Estado domi-
norte-americana. nante, e foi sempre movido pelo mercado;
é mais resistente à burocracia, mas mais
LIÇÕES ANTIGAS DA NOVA respeitoso da autonomia nacional do que
EUROPA acontece na Europa. São elementos que
O vínculo que une essas falhas é a irão sempre diferenciar os dois casos.
falta de uma autêntica cooperação trila- No entanto, a despeito dessas dife-
teral. Em vez de criar uma parceria con- renças, cinqüenta anos de integração euro-
tinental, o processo de integração assumiu péia são suficientes para ensinar aos norte-
quase sempre a forma de um duplo bila- americanos que eles precisam enfrentar as
teralismo: EUA-México e EUA-Canadá. falhas e externalidades de um mercado em
A recente negociação de acordos sobre integração, sejam elas crises monetárias,
“fronteiras inteligentes”, depois do 11 de degradação ambiental, ameaças terroris-
setembro, é um bom exemplo: em vez tas, impedimentos infra-estruturais ou hia-
de criar um padrão uniforme norte-ame- tos de desenvolvimento.
ricano, o governo de Washington assinou
com os seus vizinhos tratados separados, No princípio dos governos Fox e
embora quase idênticos. Em grande parte, Bush, houve um momento em que os líde-
a não adoção de instituições multilaterais res da América do Norte pareciam aceitar
tem sido deliberada. Muitas vezes os esse ponto. Em fevereiro de 2001, Fox e
canadenses pensam que sozinhos podem Bush endossaram em conjunto a Proposta
obter melhor resultado ao negociar com os de Guanajuato, que dizia: “Depois de
Estados Unidos (nada prova essa hipótese). consultas com nossos parceiros canaden-
E como atualmente Washington não está ses, faremos um esforço para consolidar
com disposição multilateral, o México tem uma comunidade econômica norte-ame-
sido o advogado solitário da cooperação ricana cujos benefícios se estendam às
trilateral. No entanto, uma integração bem áreas menos desenvolvidas da região e
sucedida exige uma nova forma de gover- aos grupos sociais mais vulneráveis dos
nança na América do Norte, baseada em nossos países”. Infelizmente, esse senti-
regras e reciprocidade. A experiência euro- mento nunca chegou a ser traduzido em
péia com integração tem muito a ensinar termos políticos (com exceção dos qua-
aos formuladores de políticas norte-ame- renta milhões de dólares da Parceria para
ricanos, desde que sejam compreendidas a Prosperidade, um programa simbólico,
as claras diferenças existentes entre os mas substantivamente trivial).
respectivos modelos.
Os três governos compartilham a
A unidade européia foi o fruto de culpa por esse insucesso. O principal obje-
duas guerras cataclísmicas, e os seus mem- tivo de Bush era abrir o setor do petróleo
166
ROBERT A. PASTOR
167
OLHAR EXTERNO
nos. Para reduzir o hiato de desenvolvi- ainda piores. O Banco Mundial estima que
mento com os Estados Unidos em 20 por o México precisará gastar vinte bilhões de
cento, nos próximos dez anos, o México dólares por ano, nos próximos dez anos,
precisará sustentar uma taxa anual de para superar esse deficit na infra-estrutura.
crescimento de 6 por cento. Mesmo com Para corrigir tal disparidade, os três
essa taxa, superar completamente o hiato governos deveriam criar um Fundo de
levará décadas, mas uma estratégia susten- Investimento Norte-Americano e investir
tável que resulte em pequenas reduções duzentos bilhões de dólares em infra-estru-
anuais terá importante efeito econômico e tura, durante a próxima década. Washington
psicológico. E esse crescimento vai exigir daria 9 bilhões por ano, o Canadá 1 bilhão,
uma nova estratégia, baseada em investi- mas só com a condição de que o México
mentos públicos significativos e intensivos igualasse o montante global, elevando
de trabalho. gradualmente a receita tributária de 11
Embora em conjunto o México se para 16 por cento do PNB. No passado,
tenha beneficiado com a NAFTA, o livre Fox tentou,sem êxito, uma reforma fiscal,
comércio e o maior investimento estran- mas a oferta dos países vizinhos poderia
geiro distorceram o desenvolvimento e ajudá-lo a persuadir o Congresso a acei-
exacerbaram as tar esta e outras
desigualda- reformas. A
des existentes contribuição
dentro do país. dos Estados-
Noventa por Unidos seria
cento dos novos menor do que
investimentos se a assistência
concentraram européia dada
em quatro esta- aos Estados
dos, três deles Membros mais
no norte. Esses pobres, cor-
estados fronteiri- respondendo
ços têm crescido à metade da
dez vezes mais ajuda do gover-
depressa do que os do sul, atuando como no Bush ao Iraque.
um magneto para migrantes dessas regiões Por outro lado, o retorno do inves-
pobres. timento no México beneficiaria a eco-
A região fronteiriça pareceria ter uma nomia dos Estrados Unidos mais do que
desvantagem na atração dos investidores qualquer outro programa assistencial da
estrangeiros: o custo do trabalho é três história. Não seria necessário criar uma
vezes maior do que no sul, a reposição nova agência: O Banco Mundial ou o
anual da força de trabalho é de cem por Banco Interamericano poderiam adminis-
cento, a poluição e o congestionamento trar os fundos. Em última análise, melhores
são crônicos. Mas as estradas da fronteira estradas e melhor infra-estrutura atrairiam
para o sul estão em péssimas condições, investidores para o centro e o sul do país,
e outros aspectos da infra-estrutura são diminuindo assim a migração e as dispa-
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OLHAR EXTERNO
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ROBERT A. PASTOR
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OLHAR EXTERNO
chegam a indicar que, em sua maioria, o México deveria demonstrar como poderia
público estaria preparado para aceitar uma utilizar um Fundo de Investimento Norte-
“nação norte-americana”, se acreditasse Americano para dobrar sua taxa de cres-
que isso iria melhorar o seu padrão de vida cimento e começar a reduzir o hiato de
sem ameaçar a sua cultura. desenvolvimento.
Uma pesquisa feita em outubro de Finalmente, os Estados Unidos devem
2003, realizada nos três países pela Ekos, redefinir a sua liderança para o século 21,
uma firma canadense, revelou que uma de modo a inspirar apoio em lugar de
clara maioria acredita que, nos próximos medo e ressentimento. Se Washington
dez anos, será instituída uma união econô- puder ajustar seus interesses de forma a
mica norte-americana. Segundo a mesma alinhá-los com os dos vizinhos, o mundo
pesquisa, uma maioria esmagadora é favo- verá os Estados Unidos de uma maneira
rável a políticas mais integradas a respeito diferente. Esses três desafios constituem
do ambiente, do transporte e da defesa, e uma agenda de grande importância para a
uma maioria mais modesta é favorável a América do Norte, na sua segunda década.
políticas comuns no concernente à energia O sucesso não só trará nova energia para
e ao sistema bancário. Por outro lado, nos o continente, mas proporcionará um
Estados Unidos e no Canadá, 75 por cento modelo a ser seguido por outras regiões
das pessoas apoiam o desenvolvimento de do mundo.
um perímetro norte-americano de seguran-
ça; e dois terços dos mexicanos pensam da
mesma forma.
Os governos dos Estados Unidos,
do México e do Canadá continuam a
defender zelosamente uma concepção de
soberania ultrapassada, embora os cida-
dãos desses países estejam prontos para
aceitar uma nova abordagem. A liderança
de cada país tem acentuado as diferenças
existentes entre eles, e não os seus interes-
ses comuns. A América do Norte precisa
de líderes que possam articular e perseguir
uma visão mais ampla.
A segunda década da América do
Norte coloca um desafio diferente para
cada governo. Em primeiro lugar, o novo
Primeiro Ministro do Canadá, Paul Martin,
deveria tomar a dianteira para substituir o
duplo bilateralismo do passado por insti-
tuições norte-americanas fundamentadas
em regras. Se fizer isso, terá o apoio do
México, e os Estados Unidos não tarda-
rão a seguir o exemplo. De seu lado, o
172
ROBERT A. PASTOR
PENSAR
174
Na Dívida Líquida Total do Setor Público estão incluídas as dívidas internas e externas
dos três níveis da administração pública e as respectivas empresas estatais. No nível federal
inclui-se, obviamente, a dívida do Banco Central do Brasil, da qual se excluem as reservas
internacionais. Nos últimos três anos o comportamento dessa dívida foi o revelado na tabela
abaixo:
(em bilhões R$)
2001 2002 2003
1. DLSP 660,9 881,1 913,1
Interna 530,1 654,3 726,7
Externa 130,8 226,8 186,4
2. PIB 1.258,4 1.576,5 1.590,0
3. DLSP/PIB 0,525 0,559 0,582
Fonte: Banco Central do Brasil.
Gráfico nº 1
175
PENSAR
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ANTONIO DELFIM NETTO
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PENSAR
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ANTONIO DELFIM NETTO
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PENSAR * ARIOSTO HOLANDA
*Deputado Federal
180
Os números apontados pela Comissão Especial do Congresso Nacional que estudou
as causas dos desequilíbrios econômicos inter-regionais em 1993, (tabela anterior) e os do
Relatório do IPEA – ano 2000 (a seguir), comprovam muito bem a gravidade desse quadro.
Observe no gráfico acima, do Relatório IPEA – Ano 2000, que o coeficiente Ginni, que
mede a concentração da renda vem se mantendo ao longo dos últimos 20 anos no patamar
0,6. Nos países onde existe uma boa distribuição de renda, esse número fica em torno de 0,25.
O gráfico acima, do Relatório IPEA – Ano 2000, mostra que 50% da renda está
concentrada em 10% da população, enquanto 50% da população detém somente 10% da
renda.
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PENSAR
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ARIOSTO HOLANDA
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PENSAR
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ARIOSTO HOLANDA
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PENSAR
Ao lado do mecanismo educacional, ral) compra ou contrata que pode ser feito
deve ser perseguida a implantação de um pelo pequeno? Há que se definir progra-
amplo sistema de informação tecnológica, mas de geração de trabalho voltados para
no sentido de proporcionar aos pequenos essa massa de trabalhadores desemprega-
segmentos produtivos, hoje mergulhados dos. Programa, como o de produção do
num verdadeiro analfabetismo tecnológi- biodiesel, poderia se constituir no maior
co, condições de conhecer e de apropriar- programa de reforma agrária do país. Para
se de novas tecnologias. finalizar, torna-se oportuno transcrever a
entrevista com o camponês Cícero dos
As ações a serem desencadeadas
Santos no livro “A Questão Política da
devem ser tais que integrem todos os seg-
Educação”:
mentos da sociedade; elas não podem ser
estanques e isoladas, e devem ter como
objetivo o homem no seu estágio atual de “O senhor diz que até poderia ser
conhecimento e no seu contexto social. diferente, não é assim? Que não é só para
O analfabeto fora da escola, o analfa- ensinar aquele ensinozinho apressado,
beto tecnológico dentro da escola, a escola para ver se velho aprende o que menino
fora da realidade atual, a universidade não aprendeu. Então podia ser tipo de
sem interagir com os problemas do meio, educação até fora da escola, da sala. Que
o setor produtivo isolado dos problemas fosse assim dum jeito misturado com o
educacionais e tecnológicos são verda- de todo dia da vida da gente daqui. Que
deiros desafios para qualquer governo que podia ser um modo desses de juntar saber
queira promover uma revolução social, e clarear os assuntos, que a gente sente
educacional, científica e tecnológica. mas não sabe. Então era bom. O povo
vinha”?
Por tudo isso, defendemos um novo
modelo de desenvolvimento que tenha
como alvo, não o crescimento econômico
em si, mas o desenvolvimento sócio- eco-
nômico que leve em conta as pessoas, que
saia da lógica do desenvolvimento com
base no mercado para a lógica da social
democracia, onde o Estado deve exercer o
papel regulador do processo de desenvol-
vimento, e que tenha na educação, ciência
e tecnologia o suporte basilar para o seu
desenvolvimento. Que seja um Estado que
massifique as ações da extensão tecnoló-
gica via universidades, centros de ensino
tecnológico e instituições de tecnologia.
Que abra o mercado, na área de serviços
e de produtos, para os pequenos negócios,
tipo compra e serviços governamentais. O
que o governo (municipal, estadual e fede-
186
Idéias
&
Leis
Estatuto do Idoso
• Senador Paulo Paim
• Ministra Fátima Nancy
187
IDÉIAS E LEIS ESTATUTO DO IDOSO
Estatuto do Idoso
LEI Nº 10.741, DE 1º DE OUTUBRO assegurados às pessoas com idade
DE 2003. igual ou superior a 60 (sessenta)
Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá anos.
outras providências. Art. 2º O idoso goza de todos os
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço direitos fundamentais inerentes
saber que o Congresso Nacional decreta e à pessoa humana, sem prejuízo
eu sanciono a seguinte Lei: da proteção integral de que
trata esta Lei, assegurando-
se-lhe, por lei ou por outros
TÍTULO I meios, todas as oportunidades
Disposições Preliminares e facilidades, para preservação
de sua saúde física e mental
Art. 1º É instituído o Estatuto do Idoso, e seu aperfeiçoamento moral,
destinado a regular os direitos intelectual, espiritual e social,
188
em condições de liberdade e VIII – garantia de acesso à rede de
dignidade. serviços de saúde e de assistência social
Art. 3º É obrigação da família, da locais.
comunidade, da sociedade e Art. 4º Nenhum idoso será objeto de
do Poder Público assegurar ao qualquer tipo de negligência,
idoso, com absoluta prioridade, discriminação, violência,
a efetivação do direito à vida, crueldade ou opressão, e todo
à saúde, à alimentação, à atentado aos seus direitos, por
educação, à cultura, ao esporte, ação ou omissão, será punido
ao lazer, ao trabalho, à cidadania, na forma da lei.
à liberdade, à dignidade, ao
§ 1º É dever de todos prevenir a ame-
respeito e à convivência familiar
aça ou violação aos direitos do idoso.
e comunitária.
§ 2º As obrigações previstas nesta Lei
Parágrafo único. A garantia de priori-
não excluem da prevenção outras decor-
dade compreende:
rentes dos princípios por ela adotados.
I – atendimento preferencial imediato
e individualizado junto aos órgãos públicos Art. 5º A inobservância das normas
e privados prestadores de serviços à popu- de prevenção importará em
lação; responsabilidade à pessoa física
ou jurídica nos termos da lei.
II – preferência na formulação e na
execução de políticas sociais públicas espe- Art. 6º Todo cidadão tem o dever
cíficas; de comunicar à autoridade
competente qualquer forma de
III – destinação privilegiada de recur- violação a esta Lei que tenha
sos públicos nas áreas relacionadas com a testemunhado ou de que tenha
proteção ao idoso; conhecimento.
IV – viabilização de formas alternati- Art. 7º Os Conselhos Nacional,
vas de participação, ocupação e convívio Estaduais, do Distrito Federal e
do idoso com as demais gerações; Municipais do Idoso, previstos
V – priorização do atendimento do na Lei nº 8.842, de 4 de
idoso por sua própria família, em detrimen- janeiro de 1994, zelarão pelo
to do atendimento asilar, exceto dos que cumprimento dos direitos do
não a possuam ou careçam de condições idoso, definidos nesta Lei.
de manutenção da própria sobrevivência;
VI – capacitação e reciclagem dos TÍTULO II
recursos humanos nas áreas de geriatria e
gerontologia e na prestação de serviços aos Dos Direitos Fundamentais
idosos;
VII – estabelecimento de mecanismos CAPÍTULO I
que favoreçam a divulgação de informa-
Do Direito à Vida
ções de caráter educativo sobre os aspectos
biopsicossociais de envelhecimento; Art. 8º O envelhecimento é um
189
IDÉIAS & LEIS
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ESTATUTO DO IDOSO
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IDÉIAS & LEIS
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ESTATUTO DO IDOSO
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ESTATUTO DO IDOSO
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ESTATUTO DO IDOSO
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ESTATUTO DO IDOSO
201
IDÉIAS & LEIS
Art. 74. Compete ao Ministério Público: VII – zelar pelo efetivo respeito aos
direitos e garantias legais assegurados ao
I – instaurar o inquérito civil e a ação
idoso, promovendo as medidas judiciais e
civil pública para a proteção dos direitos e
extrajudiciais cabíveis;
interesses difusos ou coletivos, individuais
indisponíveis e individuais homogêneos do VIII – inspecionar as entidades públi-
idoso; cas e particulares de atendimento e os
programas de que trata esta Lei, adotando
II – promover e acompanhar as ações
de pronto as medidas administrativas ou
de alimentos, de interdição total ou parcial, judiciais necessárias à remoção de irregu-
de designação de curador especial, em laridades porventura verificadas;
circunstâncias que justifiquem a medida, e
oficiar em todos os feitos em que se discu- IX – requisitar força policial, bem
tam os direitos de idosos em condições de como a colaboração dos serviços de saúde,
risco; educacionais e de assistência social, públi-
cos, para o desempenho de suas atri-
III – atuar como substituto processual buições;
do idoso em situação de risco, conforme o
X – referendar transações envolvendo
disposto no art. 43 desta Lei;
interesses e direitos dos idosos previstos
IV – promover a revogação de instru- nesta Lei.
mento procuratório do idoso, nas hipóte-
§ 1º A legitimação do Ministério
ses previstas no art. 43 desta Lei, quando
Público para as ações cíveis previstas neste
necessário ou o interesse público justificar;
artigo não impede a de terceiros, nas mes-
V – instaurar procedimento adminis- mas hipóteses, segundo dispuser a lei.
trativo e, para instrui-lo: § 2º As atribuições constantes deste
a) expedir notificações, colher depoi- artigo não excluem outras, desde que com-
mentos ou esclarecimentos e, em caso de patíveis com a finalidade e atribuições do
não comparecimento injustificado da pes- Ministério Público.
soa notificada, requisitar condução coerci- § 3º O representante do Ministério
tiva, inclusive pela Polícia Civil ou Militar; Público, no exercício de suas funções, terá
b) requisitar informações, exames, perí- livre acesso a toda entidade de atendimen-
cias e documentos de autoridades munici- to ao idoso.
pais, estaduais e federais, da administração Art. 75. Nos processos e procedimentos
direta e indireta, bem como promover em que não for parte, atuará
inspeções e diligências investigatórias; obrigatoriamente o Ministério
c) requisitar informações e documen- Público na defesa dos direitos
tos particulares de instituições privadas; e interesses de que cuida esta
Lei, hipóteses em que terá vista
VI – instaurar sindicâncias, requisitar dos autos depois das partes,
diligências investigatórias e a instauração podendo juntar documentos,
de inquérito policial, para a apuração de requerer diligências e produção
ilícitos ou infrações às normas de proteção de outras provas, usando os
ao idoso; recursos cabíveis.
202
ESTATUTO DO IDOSO
203
IDÉIAS & LEIS
de Poder Público, que lesem direito líquido Art. 85. O juiz poderá conferir efeito
e certo previsto nesta Lei, caberá ação man- suspensivo aos recursos, para
damental, que se regerá pelas normas da lei evitar dano irreparável à parte.
do mandado de segurança. Art. 86. Transitada em julgado
Art. 83. Na ação que tenha por objeto a sentença que impuser
o cumprimento de obrigação condenação ao Poder Público,
de fazer ou não-fazer, o juiz o juiz determinará a remessa
concederá a tutela específica de peças à autoridade
da obrigação ou determinará competente, para apuração
providências que assegurem o da responsabilidade civil e
resultado prático equivalente administrativa do agente a que
ao adimplemento. se atribua a ação ou omissão.
§ 1º Sendo relevante o fundamento Art. 87. Decorridos 60 (sessenta) dias do
da demanda e havendo justificado receio trânsito em julgado da sentença
de ineficácia do provimento final, é lícito condenatória favorável ao idoso
ao juiz conceder a tutela liminarmente ou sem que o autor lhe promova
após justificação prévia, na forma do art. a execução, deverá fazê-lo o
273 do Código de Processo Civil. Ministério Público, facultada,
§ 2º O juiz poderá, na hipótese do igual iniciativa aos demais
§ 1º ou na sentença, impor multa diária legitimados, como assistentes
ao réu, independentemente do pedido do ou assumindo o pólo ativo, em
autor, se for suficiente ou compatível com caso de inércia desse órgão.
a obrigação, fixando prazo razoável para o Art. 88. Nas ações de que trata
cumprimento do preceito. este Capítulo, não haverá
§ 3º A multa só será exigível do réu adiantamento de custas,
após o trânsito em julgado da sentença emolumentos, honorários
favorável ao autor, mas será devida desde periciais e quaisquer outras
o dia em que se houver configurado. despesas.
Art. 84. Os valores das multas previstas Parágrafo único. Não se imporá
nesta Lei reverterão ao Fundo sucumbência ao Ministério Público.
do Idoso, onde houver, ou na Art. 89. Qualquer pessoa poderá, e
falta deste, ao Fundo Municipal o servidor deverá, provocar
de Assistência Social, ficando a iniciativa do Ministério
vinculados ao atendimento ao Público, prestando-lhe
idoso. informações sobre os fatos que
Parágrafo único. As multas não constituam objeto de ação civil
recolhidas até 30 (trinta) dias após o e indicando-lhe os elementos
trânsito em julgado da decisão serão exigi- de convicção.
das por meio de execução promovida pelo Art. 90. Os agentes públicos em
Ministério Público, nos mesmos autos, geral, os juízes e tribunais,
facultada igual iniciativa aos demais legiti- no exercício de suas funções,
mados em caso de inércia daquele. quando tiverem conhecimento
204
ESTATUTO DO IDOSO
205
IDÉIAS & LEIS
206
ESTATUTO DO IDOSO
expedida nas ações em que for Art. 107. Coagir, de qualquer modo, o
parte ou interveniente o idoso: idoso a doar, contratar, testar
Pena – detenção de 6 (seis) meses a 1 ou outorgar procuração:
(um) ano e multa. Pena – reclusão de 2 (dois) a 5
Art. 102. Apropriar-se de ou desviar bens, (cinco) anos.
proventos, pensão ou qualquer Art. 108. Lavrar ato notarial que envolva
outro rendimento do idoso, pessoa idosa sem discernimento
dando-lhes aplicação diversa de seus atos, sem a devida
da de sua finalidade: representação legal:
Pena – reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) Pena – reclusão de 2 (dois) a 4
anos e multa. (quatro) anos.
Art. 103. Negar o acolhimento ou a
permanência do idoso, como TÍTULO VII
abrigado, por recusa deste em
outorgar procuração à entidade Disposições Finais e Transitórias
de atendimento: Art. 109. Impedir ou embaraçar ato do
representante do Ministério
Pena – detenção de 6 (seis) meses a 1
Público ou de qualquer outro
(um) ano e multa.
agente fiscalizador:
Art. 104. Reter o cartão magnético
Pena – reclusão de 6 (seis) meses a 1
de conta bancária relativa a benefícios,
(um) ano e multa.
proventos ou pensão do idoso, bem como
qualquer outro documento com objetivo Art. 110. O Decreto-Lei nº 2.848, de 7
de assegurar recebimento ou ressarcimen- de dezembro de 1940, Código
to de dívida: Penal, passa a vigorar com as
seguintes alterações:
Pena – detenção de 6 (seis) meses a 2
(dois) anos e multa. “Art. 61. ....................................................
Art. 105. Exibir ou veicular, por qualquer II - .....................................................
meio de comunicação, h) contra criança, maior de 60
informações ou imagens (sessenta) anos, enfermo ou mulher
depreciativas ou injuriosas à grávida;
pessoa do idoso:
.................................................................”
Pena – detenção de 1 (um) a 3 (três)
anos e multa. “Art. 121. ..................................................
207
IDÉIAS & LEIS
pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o “Art. 244. Deixar, sem justa causa,
crime é praticado contra pessoa menor de de prover a subsistência do
14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) cônjuge, ou de filho menor
anos. de 18 (dezoito) anos ou
................................................................... inapto para o trabalho, ou de
ascendente inválido ou maior
“Art. 133. .................................................. de 60 (sessenta) anos, não lhes
§ 3º ................................................... proporcionando os recursos
necessários ou faltando
III – se a vítima é maior de 60
ao pagamento de pensão
(sessenta) anos.”
alimentícia judicialmente
“Art. 140. ......................................... acordada, fixada ou majorada;
§ 3º Se a injúria consiste na utilização deixar, sem justa causa, de
de elementos referentes a raça, cor, etnia, socorrer descendente ou
religião, origem ou a condição de pessoa ascendente, gravemente
idosa ou portadora de deficiência: enfermo:
.................................................................. ......................................................” ;
“Art. 141. ......................................... Art. 111. O art. 21 do Decreto-Lei nº
3.688, de 3 de outubro de 1941,
IV – contra pessoa maior de 60 Lei das Contravenções Penais,
(sessenta) anos ou portadora de deficiência, passa a vigorar acrescido do
exceto no caso de injúria. seguinte parágrafo único:
.......................................................... “Art. 21.............................................
“Art. 148. ......................................... Parágrafo único. Aumenta-se a pena
§ 1º................................................... de 1/3 (um terço) até a metade se a vítima
I – se a vítima é ascendente, é maior de 60 (sessenta) anos.” (NR)
descendente, cônjuge do agente ou maior Art. 112. O inciso II do § 4º do art.
de 60 (sessenta) anos. 1º da Lei nº 9.455, de 7 de abril de 1997,
.................................................................. passa a vigorar com a seguinte redação:
208
ESTATUTO DO IDOSO
209
IDÉIAS E LEIS * PAULO PAIM
(*) O Senador Paulo Paim é o autor do Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003).
210
O Brasil é um país onde a marginaliza- Congresso Nacional o Estatuto do Idoso,
ção dos idosos tem raízes antigas e estão se projeto de nossa iniciativa apresentado em
aprofundado com o passar do tempo. No 1997, quando do exercício do mandato
mercado de trabalho, eles são prematura- de deputado federal, e transformado pelo
mente excluídos, estão abalados em sua Presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Lei
auto-imagem e sobrevivência pelo des- nº 10.741, de 1º de outubro de 2003, em
caso do governo e muitas vezes carecem vigor desde 1º de janeiro de 2004.
do amparo da família. Lamentavelmente, De uma proposta original de cerca
é preciso reconhecer que em nosso país de 40 artigos, o projeto mereceu a criação
o idoso está sendo marginalizado. Ele é de uma Comissão Especial do Estatuto
despedido, abandonado, excluído, rejei- do Idoso, onde recebeu e teve aprovado
tado, roubado, violentado e morto. Pobre o brilhante substitutivo do relator Silas
ou rico, dotado de cultura ou ignorante, Brasileiro, de 123 artigos.
o idoso é vítima e pouco reclama da vio-
lência que sofre. Não denuncia os maus- A Comissão Especial do Idoso viajou
tratos porque, na maioria dos casos, divide muito por este País para ouvir a sociedade
com seus algozes o mesmo teto. Não raro e também os idosos, de forma individual.
sua própria renda lhe é subtraída pelos Seu trabalho nos proporcionou momentos
próprios filhos, netos ou sobrinhos, que de tristeza e alegria.
estabelecem uma verdadeira rotina de De tristeza, ao perceber que o aban-
violência sob a proteção dos laços fami- dono, as agressões, as apropriações dos
liares. bens dos idosos são alarmantes. Um dado
Isso torna “invisível” a agressão con- que nos deixou ainda mais perplexos é
tra o idoso, que tem medo de denunciar e que a agressão, em 90% dos casos, vem da
ser mandado para um asilo, ou procura a própria família.
todo custo evitar que o assunto ultrapasse Mas tivemos também momentos de
os limites do lar. Por medo ou até mesmo alegria, ao ver o brilho no olhar, nos cabe-
por amor aos seus descendentes, os idosos los prateados de homens e mulheres, o
guardam em segredo a violência de que brilho da esperança, do otimismo, não
são vítimas. se deixando derrotar pelos pessimistas ou
As estatísticas das entidades que pelo medo da realidade em que vivem.
atendem pessoas da terceira idade indicam O texto final do Estatuto é fruto dos
que, no ano passado, cerca de 15 mil bra- trabalhos dessa Comissão, de seminários e
sileiros e brasileiras com mais de 60 anos de um trabalho conjunto de parlamenta-
foram vítimas de espancamentos, torturas, res, especialistas, profissionais das áreas
abusos sexuais e, em muitos casos, indu- de saúde, do direito e da assistência social,
zidos ao suicídio. Nos hospitais públicos, e de entidades e organizações não-gover-
32% dos idosos atendidos foram vítimas namentais voltadas para a defesa dos direi-
de algum tipo de agressão, praticada, em tos e da proteção aos idosos. Ele se propõe
90% dos casos, dentro de casa, pelos seus a alterar esse quadro atual da situação do
próprios parentes. idoso, em que se destacam a negligência,
A busca de solução para esses o descaso e a violência a que são subme-
problemas nos inspirou a propor ao tidos.
211
IDÉIAS E LEIS
Sua elaboração foi imaginada como atenção às doenças específicas dos idosos;
um recurso pleno para os idosos, aposen- vacinas para prevenção; cadastramento
tados ou não. O Estatuto define o idoso da população idosa; atendimento domi-
brasileiro como aquele que alcançou os ciliar, quando necessário; fornecimento
60 anos de idade. Estabelece como dever gratuito de medicamentos (inclusive próte-
da família, da comunidade, da sociedade ses, habilitação ou reabilitação); vedação
em geral, e do Poder Público assegurar ao da cobrança diferenciada nos planos de
idoso, com absoluta prioridade, a efetiva- saúde, em razão da idade; assistência ime-
ção dos direitos referentes à vida, à saúde, diata e prioritária onde está assegurada a
à alimentação, à cultura, ao esporte, ao atenção integral, bem como políticas de
lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberda- prevenção, promoção, proteção e recupe-
de, à dignidade, ao respeito e à convivên- ração da saúde do idoso.
cia familiar e comunitária. No capítulo reservado à Previdência
Considera a velhice um direito perso- Social, prevê-se a vinculação das aposen-
nalíssimo e a sua proteção, uma obrigação tadorias e pensões ao salário-mínimo; a
social. Garante ao idoso a proteção à vida garantia de um salário-mínimo para todo
e à saúde, mediante efetivação de políticas o idoso que a renda mensal per capita da
sociais públicas que permitam um enve- família não ultrapasse o piso salarial (hoje
lhecimento saudável e em condições de é 1/4 do salário-mínimo); a garantia de
dignidade. que o aposentado receba sempre o mesmo
O Estatuto assegura ao idoso a liber- número de salários-mínimos que recebia
dade, o respeito e a dignidade como pes- na época em que se aposentou. Estabelece
soa humana. A obrigação de alimentar o Dia Internacional do Trabalho – 1º de
o idoso deve ser solidária e as transações maio – como data-base dos aposentados e
relativas a alimentos poderão ser celebradas pensionistas.
perante o Promotor de Justiça e passarão a O Estatuto garante ao idoso, a partir
ter efeito de título executivo extrajudicial dos 65 anos de idade, que não possua
nos termos da Lei de Processo Civil. meios para prover sua subsistência, nem
O documento prevê o respeito à de tê-la provida por sua família, o benefício
inserção do idoso no mercado de trabalho mensal de um salário-mínimo. Assegura o
e à profissionalização, tendo em vista suas direito à moradia digna, no seio da família
condições físicas, intelectuais e psíquicas, natural ou substituta, ou desacompanhado
pois eles podem e devem contribuir com de seus familiares, quando assim o dese-
a sua experiência para o crescimento do jar, ou, ainda, em instituição pública ou
País. O acesso à cultura, ao esporte e ao privada.
lazer está presente com propostas e pro- O Estatuto do Idoso também garante
gramas voltados para esta fase da vida. aos maiores de 65 anos de idade a gratui-
Estão também asseguradas políticas de dade nos transportes coletivos públicos,
prevenção, promoção, proteção e recupe- urbanos e semi-urbanos. Para acesso a essa
ração da saúde do idoso. gratuidade, é suficiente a apresentação de
O Estatuto estabelece o direito à documento de prova de identidade.
saúde integral do idoso, que prevê: progra- O Estatuto do Idoso amplia os direi-
mas de assistência médica e odontológica; tos presentes na Lei nº 8.842/94 - Política
212
PAULO PAIM
Nacional do Idoso. Esta Lei é fundamental, Há menos idosos abaixo da linha de pobre-
mas o novo diploma a amplia, quando za do que em qualquer outra faixa etária.
tipifica os crimes e define as penas para Em apenas 4% dos domicílios do país,
todos os que desrespeitarem o idoso. No eles vivem como dependentes. Em 22%,
novo diploma, a política de atendimento chefiam a casa, muitas vezes, repleta de
ao idoso será feita por meio do conjunto descendentes. Em 70% dos domicílios de
articulado de ações governamentais e não- idosos foi verificada a presença de filhos.
governamentais, da União, dos Estados, do Pesquisa conduzida por Paulo Saad, do
Distrito Federal e dos Municípios. Programa de Envelhecimento da Divisão
de População das Nações Unidas, mostrou
Poderíamos destacar todos os artigos
que, em Fortaleza, 52% dos idosos entrevis-
desse Estatuto como sendo fundamentais,
tados ajudavam os filhos financeiramente.
pois cada um é o resultado de uma gran-
de reflexão e observação da realidade em Esses números ratificam o levanta-
que vive o idoso brasileiro. É também uma mento Perfil dos Idosos Responsáveis pelos
proposta ousada que amplia direitos e leva Domicílios no Brasil - elaborado pelo IBGE
para o futuro melhores condições de vida a partir dos dados do Censo de 2000. O
à terceira idade. levantamento conclui que a população
com mais de 60 anos conquistou, na
Segundo o IBGE, entre 1991 e 2000,
última década, uma maior importância
o contingente de pessoas com 60 anos
econômica. Em 2000, 62,4% desse con-
ou mais subiu de 10,7 milhões para 14,5
tingente mantinha a condição de chefe de
milhões,um aumento de 35,5% em uma
família, no Brasil. Em 1991, esse percentu-
década. Nos próximos 20 anos, os ido-
al se limitava a 60,4%.
sos brasileiros poderão ultrapassar os 30
milhões de pessoas e deverão representar Um estudo de Vânia Cristina Liberato,
quase 13% da população. Trata-se da da Universidade Federal de Minas Gerais
maior massa de idosos de uma geração (UFMG), mostra que, em 1978, 26% dos
de brasileiros. A proporção de idosos está aposentados e 13% das aposentadas mora-
crescendo mais rapidamente que a de dores de regiões urbanas continuavam
crianças. Em 1980, existiam cerca de com algum tipo de ocupação. Em 1999,
16 idosos para cada 100 crianças. Em essas taxas subiram para 33% e 21%,
2000, essa relação praticamente dobrou, respectivamente. O trabalho mostra que a
passando para quase 30 idosos por 100 atividade do aposentado aumenta com seu
crianças. O quadro é similar para toda a grau de escolaridade.
América Latina. Hoje, aproximadamente O Brasil é um país que envelhece a
41 milhões de pessoas têm mais de 60 passos largos. Entretanto, a infra-estrutura
anos no continente. Elas serão 98 milhões, para responder às demandas da população
em 2025, e 184 milhões, em 2050. de idosos em termos de instalações, pro-
Pesquisa recente do Ipea aponta a gramas e mesmo adequação urbana das
crescente importância dos idosos brasilei- cidades, está muito aquém do desejável.
ros no sustento de suas famílias. Resultado A região Sudeste concentra a maior
do progressivo desemprego de filhos e parte da população de idosos. Segundo o
netos, são os avós que cada vez mais, com mapa elaborado pelo censo 2000, 6,37%
suas pensões, mantêm o resto da família. da população residente no Sudeste é com-
213
IDÉIAS E LEIS
posta por pessoas com 65 anos ou mais. da população, deve baixar para 24,3%. A
Seguido pela região Sul (6,22%), Nordeste taxa de fertilidade feminina também deve
(5,85%), Centro-Oeste (4,27%) e Norte acompanhar a queda, declinando de 4,7%
(3,64%). No entanto, a região Centro- para 2,3%. Em contrapartida, a expectativa
Oeste se destaca pelo maior crescimento é de que a população de idosos aumente.
relativo (30,58%) na proporção, nessa Hoje, os idosos correspondem a 5% dos
faixa etária. habitantes. Em 2015, deverão ser 7,3%.
Mas o Sul tem a maior proporção de Esses números falam por si e nos
idosos. As cidades campeãs são Colinas apresentam o grande desafio que é a
e Santa Tereza, ambas no Rio Grande do questão do idoso. Será que os jovens têm
Sul. A primeira tem 15,60% da população plena consciência de que serão os idosos
com idade igual ou superior a 65 anos. de amanhã? Será que entendem que a
Na segunda, o percentual é de 15,21%. forma de tratamento que dispensam hoje
No pólo extremo estão dois municípios aos mais velhos é a mesma que lhes está
do Mato Grosso. União do Sul e Sapezal reservada no futuro? Tenho dito que se
têm a menor proporção de pessoas não aprendermos a respeitar nosso pai,
com idade avançada: 0,64% e 0,98%, nosso avô, nosso bisavô, não mereceremos
respectivamente. respeito no futuro.
Um país com população concentrada A vida, na sua sabedoria, nos ensina
nas cidades e número cada vez maior que os mais velhos são os mais sábios. A
de idosos. Esse será o retrato do Brasil, sabedoria milenar diz que “a vida é fruto
em 2015, traçado a partir do Relatório da energia do Universo”.
do Desenvolvimento Humano 2001, que Essa energia acompanha a Lei de
projetou as tendências do crescimento Causa e Efeito. O caminho que precisamos
demográfico do país. construir é o da generosidade. É o da
A taxa de crescimento anual solidariedade entre as gerações. Até
da população brasileira (1,1%) deverá porque, o jovem de hoje será o idoso de
acompanhar a média mundial, estimada amanhã.O Estatuto do Idoso tem o sentido
em 1,2% para o período de 1999 a 2015. de dar cidadania plena à nossa velhice.
É um percentual três vezes maior que o É esta população que passa a ser
dos países com elevado percentual de assistida com a transformação em lei do
desenvolvimento humano, que se situa Estatuto do Idoso. Uma população que
em 0,4%. A população do Brasil, que tem muitas vezes deveria já estar descansando,
170 milhões de habitantes, deve alcançar mas que ainda participa da promoção do
os 201,4 milhões em 2015. nosso desenvolvimento.
O crescimento da população E que nem por isso é compreendida.
urbana, tendência mundial, também Na verdade, é agredida nos seus direitos
se acentuará no Brasil. O percentual de mais básicos. Até pelo despreparo de uma
80,7% da população que hoje vive em sociedade que não soube conviver com o
centros urbanos brasileiros deve subir para rápido envelhecimento de sua população,
86,5%. No mundo, a estimativa é mais mas que agora, com o Estatuto do Idoso,
modesta: de 46,5% para 53,2%.
terá de rever atos, comportamentos, e
O número de brasileiros de até 15 mudar o seu trato com os mais velhos.
anos, que em 1999 correspondiam a 29,3%
214
* FÁTIMA NANCY ANDRIGHI IDÉIAS E LEIS
DAVID FLEISCHER*
O Acesso do Idoso ao
Judiciário
Somente após o país completar qui- O Estatuto do Idoso ingressa no orde-
nhentos anos, vem a lume uma Lei que namento jurídico nacional com o com-
ampara os idosos brasileiros, denominada promisso de traçar uma linha divisória
Estatuto do Idoso, materializado pela Lei no comportamento de todos os cidadãos,
nº 10.741/03, a qual possui uma similitu- agentes públicos e privados em face aos
de com aquela que instituiu os Juizados idosos. A nova Lei explicita as regras
Especiais Cíveis e Criminais, qual seja, programáticas constantes no art. 230 da
tramitou por mais de sete anos na Casa Constituição, dispondo, nos termos do art.
Legislativa. 2º, que devem ser assegurados aos idosos
215
IDÉIAS E LEIS
216
FÁTIMA NANCY ANDRIGHI
217
IDÉIAS E LEIS
tes aos interesses difusos, coletivos e indi- eficiente uma união de esforços, nos pla-
viduais, indisponíveis ou homogêneos, nos espiritual e material, o que requer uma
por ter ampliado sobremaneira a legiti- mudança na mente e no coração.
midade para a propositura de tais ações, Não queremos com esse atino, com
providência que fortalecerá a defesa esse discernimento, até porque foram fei-
do direito dos idosos, salientando- tas apenas algumas observações na área
se o expressivo aumento do alcance do cível, produzir arrefecimento no ânimo
trabalho preventivo a ser implementado de trabalhar vigorosamente em comunhão
pelos membros do Ministério Público. com todos os segmentos jurídicos exigidos
O Estatuto do Idoso depositou nas mãos para a eficaz salvaguarda dos direitos dos
do Ministério Público a esperança de idosos. O que se pretende é a remoção de
concretização da tutela de seus direitos, eventuais obstáculos, a fim de distanciar
valendo para os dignos integrantes dessa o Estatuto do Idoso da linha conceitual de
instituição as mesmas considerações feitas uma Lei programática para ser, efetivamen-
às iniciativas que deverão ser tomadas te, uma Lei pragmática.
pelos Defensores Públicos. Temos a cer-
teza de que eventuais omissões advindas Para nós, juízes, fica, mais uma vez,
das dificuldades de operacionalização das a crucial incumbência de, mesmo com ins-
Defensorias Públicas poderão, a contento, trumento processual obsoleto, não permitir
ser supridas pelos ilustres membros do que a espera de obtenção do direito de
Ministério Público. todos os idosos ultrapasse o plano da vida
terrena, rogando ao Alto que sempre nos
Enriquece o Estatuto do Idoso a dis-
inspire para o despertar da parcela de justi-
posição contida no art. 70, que permite
ça divina que, tenho certeza, está ínsita no
ao Poder Público “criar varas especializa-
coração de cada juiz brasileiro.
das e exclusivas do idoso”, porque essa
providência poderá atenuar os efeitos da
ausência de regras processuais adequadas
para a necessária agilização dos processos.
Todavia, verifica-se que a criação das varas
especializadas é, pela Lei, facultativa, o
que causa inevitável inquietação, porque
a decisão sempre dependerá da política de
administração de cada tribunal.
Como se vê, destas singelas obser-
vações, muitas dúvidas, carências, dificul-
dades e falhas tendem a minar o imposter-
gável cumprimento do Estatuto do Idoso,
mas, humildemente, reconhecemos não
ter a resposta que produza o efeito dese-
jado para tamanha esperança plantada no
coração dos nossos idosos. Vale ressaltar,
para nossa meditação, que muitas vezes
não é necessária uma nova Lei para que
os direitos sejam garantidos; é muito mais
218
Palavras
&
História
219
OS PROFETAS DO AMANHÃ ULYSSES GUIMARÃES
220
Srs. Constituintes, esta assembléia parlamentar brasileira guarda a memória
reúne o melhor do povo brasileiro. Muitos de um jovem deputado que, na opinião
de nós voltamos a Brasília com o man- de muitos brasileiros, foi o maior pensador
dato parlamentar reafirmado; outros, em político do Império: Aureliano Cândido
número maior, chegam ao Congresso pela de Tavares Bastos, que chegou à Câmara
primeira vez. aos vinte e um anos e nos deixou estudos
econômicos e políticos de surpreendente
Aos velhos amigos, companheiros de
atualidade.
tantas jornadas de resistência democrática,
o meu abraço de reencontro. Aos que se Srs. Constituintes, esta assembléia
juntam a nós, trazendo o vigor da Nação reúne-se sob um mandato imperativo: o de
rejuvenescida pela esperança, quero sau- promover a grande mudança exigida pelo
dar o grande futuro que o Brasil entremos- nosso povo. Ecoam nesta sala as reivindi-
tra nesta soleira do século XXI. cações das ruas. A Nação quer mudar, a
Nação deve mudar, a Nação vai mudar.
É um parlamento de costas para o
passado, este que se inaugura hoje para Estes meses vividos pelo povo brasi-
decidir o destino constitucional do País. leiro, desde que nos reunimos em Goiânia
e em Curitiba a fim de exigir eleições
Temos nele uma vigorosa bancada diretas para a Presidência da República,
de grupos sociais emergentes, o que lhe demonstraram que o Brasil não cabe mais
confere nova legitimidade na representa- nos limites históricos que os exploradores
ção do povo brasileiro. de sempre querem impor. Nosso povo
Quero manifestar minha particular cresceu, assumiu o seu destino, juntou-
alegria de ver aqui tantas mulheres. Sua se em multidões, reclamou a restauração
participação na vida política dá à demo- democrática, a justiça social e a dignidade
cracia a sua verdadeira dimensão. O do Estado.
reconhecimento de igualdade de direitos Estamos aqui para dar a essa von-
e de deveres entre homens e mulheres tade indomável o sacramento da lei. A
constitui a grande revolução dos tempos Constituição deve ser - e será - o instru-
modernos. Iguais na inteligência e na mento jurídico para o exercício da liber-
capacidade de fazer, as mulheres superam dade e da plena realização do homem
muitas vezes os homens na sensibilidade brasileiro.
diante do sofrimento do povo e na dedica-
Do homem brasileiro como ser con-
ção aos marginalizados pela sociedade.
creto, e não do homem abstrato, ente
Esta bancada feminina é a maior imaginário que habita as estatísticas e
de nossa história parlamentar, mas muito os compêndios acadêmicos. Do homem
pequena ainda. Espero que as mulheres homem, acossado pela miséria, que cum-
assumam a sua responsabilidade política e pre extinguir, e com toda a sua potenciali-
ocupem, cada vez mais, o espaço que é de dade interior, que deve receber o estímulo
seu direito e dever ocupar. da sociedade, para realizar-se na alegria
Noto, também, e com a mesma do fazer e na recompensa do bem-estar.
alegria, a presença de constituintes bem O homem, qualquer homem, é por-
jovens. Sou dos que confiam na inteligên- tador do universo inteiro na irrepetível e
cia e no trabalho dos moços. A história singular experiência da vida.
221
OS PROFETAS DO AMANHÃ
Por isso, de todos deviam ser os bens na campanha das diretas. Ela resulta da
da natureza e a oportunidade de deixar, primeira manifestação eleitoral ampla do
na memória do mundo, a marca de sua nosso povo depois daquele movimento,
passagem, com a obra das mãos e da inte- excetuando-se as eleições municipais, de
ligência. interesse localizado, que se deram em
Toda a história política tem sido a da 1985.
luta do homem para realizar, na Terra, A ampla maioria de que dispo-
o grande ideal de igualdade e fra- mos nesta Casa constitui garantia
ternidade. bastante de que faremos uma
Vencer as injustiças Constituição para a liberda-
“Do homem de, para a justiça e para a
sem violar a liberdade
pode parecer programa brasileiro como ser soberania nacional.
para as sociedades da concreto, e não do homem A liberdade não
utopia, como tantos pode ser mero apelo
sonhadores escreve- abstrato, ente imaginário que da retórica política.
ram, antes e depois habita as estatísticas e os com- Ela deve exercer-
de Morus, mas na se dentro daqueles
realidade é um pro-
pêndios acadêmicos. Do homem velhos princípios
jeto inseparável da homem, acossado pela miséria, que impõem como
existência humana que cumpre extinguir, e com toda único limite à
e que se cumpre a liberdade de cada
cada dia que passa. a sua potencialidade interior, que homem o mesmo
Os momentos deve receber o estímulo da socie- direito à liberdade
de despotismo, com dos outros homens.
dade, para realizar-se na alegria do Assim vemos a
todo o assanho dos
tiranos, são eclíp- fazer e na recompensa do bem- ação reguladora do
Estado na atividade
ticos. Prevalece a estar. econômica. A livre
incessante expedição
da humanidade para a O homem, qualquer iniciativa, necessária
realização do reino de ao desenvolvimento
homem, é portador do uni- do País, deverá exer-
Deus entre os homens,
conforme a grande verso inteiro na irrepetível cer-se sem o sacrifício
dos trabalhadores, e a
esperança cristã. e singular experiência riqueza não poderá acu-
Conduzir essa cami- da vida”. mular-se, ao mesmo tempo
nhada é tarefa da política. Sem em que aumentam a miséria e
esse ideal maior, a política desce a fome, em benefício dos privile-
de sua grandeza à superfície das dis- giados.
putas menores, do jogo ridículo do poder
pessoal, da acanhada busca de glórias A liberdade é também uma questão
pálidas e efêmeras. de justiça. Ela não pode continuar sendo,
como as outras coisas, um bem de merca-
Srs. Constituintes, a grande maioria do. Em nossa sociedade injusta só pode ter
desta Casa representa a incontível reivin- liberdade aquele que dispõe de dinheiro
dicação de coragem reformadora, exposta para comprá-la.
222
ULYSSES GUIMARÃES
A justiça para os que trabalham deve seremos realmente livres do saque quando
começar pelo salário. Não existe no mundo distribuirmos a renda pelo menos com
de hoje, salvo em alguns países emergen- eqüidade e, desta forma, dermos dignida-
tes da África, sociedade que seja tão cruel de ao convívio social interno.
com os trabalhadores. A modernização autônoma da eco-
Salários justos exigem uma política nomia não pode continuar sendo impedi-
que combine o desenvolvimento econô- da por uma estrutura social arcaica, que
mico com a estabilidade monetária. A se amarra praticamente nas Ordenações
inflação, sendo fonte de injustiça – uma Filipinas.
vez que os assalariados são os mais inde- Modernizar a economia é torná-la
fesos diante dos seus efeitos perversos – é competitiva, com o emprego racional de
também dela conseqüência. todos os recursos disponíveis, a começar
Todos os nossos problemas procedem pelo solo. A terra não pode ser mera reser-
da injustiça. O privilégio foi o estigma dei- va de valor para os que especulam com
xado pelas circunstâncias do povoamento o seu preço, porque só nela os homens
e da colonização, e de sua perversidade encontram a vida. Não podemos pensar
não nos livraremos sem a mobilização da em distribui-la apenas. É nossa obrigação
consciência nacional. fazê-la produtiva. Sempre que o direito de
propriedade se opuser ao interesse nacio-
O privilégio começa na posse da
nal, que prevaleça o interesse da Nação.
terra, no início repartida, pelos favores
reais, entre as oligarquias imigradas. Essas A propriedade é um dos mais antigos
mesmas oligarquias acostumaram-se ao direitos do homem, e é em razão disso
trabalho escravo e dele não querem abrir mesmo que a ética religiosa recomenda
mão. Como bem nos apontou mestre distribui-la.
Afonso Arinos de Melo Franco, as senzalas Para sentir-se senhor de si mesmo,
do século passado estão hoje nas favelas. cada homem necessita de chão e teto, e a
Nas favelas e nos subúrbios que amonto- razão natural não admite que sobrem tetos
am os trabalhadores modernos, brancos, e glebas a uns, quando milhões e milhões
pretos, mestiços - mas todos legatários da de outros nascem e morrem entre paredes
condenação de servir e sofrer. alheias ou ao relento. Não podemos pen-
Não é só a injustiça interna que dá sar no liberalismo clássico, que deixa às
origem aos nossos dramáticos desafios. É livres forças do mercado o papel regulador
também a espoliação externa, com a insâ- de preços e salários, em uma época de
nia dos centros financeiros internacionais economia internacionalizada e de cartéis
e os impostos que devemos recolher ao poderosos.
império, mediante a unilateral elevação Se o Governo deve intervir no pro-
das taxas de juros e a remessa ininterrupta cesso econômico, que a sua ação busque
de rendimentos. Trata-se da mais brutal a paz social. Ali, de onde se ausenta a
valia internacional que nos é expropriada consciência ética, deve impor-se o poder
na transferência líquida de capitais. arbitral do Estado.
Não entendem os insensatos que Liberdade dos cidadãos e justiça
somos, no Terceiro Mundo, também sen- nas relações econômicas entre patrões e
zalas dos países mais poderosos, e que só empregados são condições indispensáveis
223
OS PROFETAS DO AMANHÃ
224
OS PROFETAS DO AMANHÃ ULYSSES GUIMARÃES
nações. Para que se goze de liberdade, é as nossas Cartas anteriores foram redigi-
preciso, antes de mais nada, que se tenha das na adolescência da Pátria, quando
a consciência de sua necessidade e o sen- buscávamos nos Estados estrangeiros o
timento moral de sua importância. modelo para as instituições do País.
No versículo da Bíblia está decreta- Não podemos negar a experiência
do que Deus criou a terra para que nela dos outros povos quanto aos mecanismos
o homem trabalhasse, e não a saqueasse da administração política, mas é conve-
e violentasse, ameaçando a qualidade niente encontrar, em nossa própria inte-
da vida, que deve ter no estatuto cívico ligência e vivência, processos novos de
supremo seu guardião. desenvolvimento jurídico e social.
Esses valores do espírito se fazem Uma Constituição é tanto mais
com a educação. “Conhecer é legítima quanto mais ampla
ser livre”, dizia um dos gran- “A segu- for a discussão de seus ter-
des apóstolos da América, mos. Peço-lhes permissão
José Martí. Isso coloca rança será sempre para citar um trecho do
as tarefas da educação precária onde houver discurso que o saudo-
pública na urgência de o clamor dos oprimidos. so estadista Tancredo
nossas preocupações. Neves pronunciou,
A cidadania começa Nenhum país será suficiente- neste mesmo recinto,
no alfabeto. mente poderoso, se poderosa quando o convoca-
mos para ser o candi-
Não há um só não for a coesão entre os seus dato à Presidência da
exemplo de nação
forte sem bom sistema
habitantes. Uma casa dividi- República.
de educação. da não saberá opor-se com “As Constituições”
O poderio dos êxito ao assalto dos - dizia o meu compa-
Estados Unidos e o apego nheiro e grande amigo
inimigos“. - “não são obras literárias,
de seus cidadãos à Lei
Constitucional têm origem no nem documentos filosóficos.
zelo com que os primeiros colonos Elas não surgem do espírito cria-
cuidaram da educação. dor de um homem só, por mais privilegia-
Dezesseis anos depois do desembar- do em sabedoria seja esse homem.
que, era criado o Colégio de Harvard e, Tampouco podem ser a codificação
em 1647, todas as povoações com mais de propósitos de um ou outro grupo que
de cinqüenta casas eram obrigadas a ter exerça influência, legítima ou ilegítima,
uma escola básica, e as com mais de cem sobre a Nação.
moradias, uma escola secundária. A Constituição é uma Carta de com-
E qual é a nossa realidade? promissos assumidos livremente pelos
Srs. Constituintes, estou convencido cidadãos, em determinado tempo e socie-
de que esta é uma excepcional oportu- dade”.
nidade histórica de dar ao País a mais O compromisso maior da Carta que
nacional de suas Constituições. Quando redigiremos é com o futuro. Esse futuro
uso o termo, uso-o na convicção de que está aí, apressado, chamando-nos e exi-
225
OS PROFETAS DO AMANHÃ
226
ULYSSES GUIMARÃES
de nada valerá se o fizermos sem ter o nossos aliados do PFL e aos companheiros
homem brasileiro como seu módulo. de todos os partidos que votaram em meu
Construir estradas, abrir portos, nome.
desbravar sertões, escavar minas, plantar Às demais legendas, principalmente
milhões e milhões de hectares – como tantos da Oposição, dou a garantia de que serei,
fizeram – aumenta o Produto Interno Bruto, nesta presidência, o coordenador imparcial
mas não significa, por si só, estabelecer a dos trabalhos constituintes.
independência ou garantir a soberania de Como nos recomendou Tancredo,
um país. As estradas e os portos também não vamos nos dispersar.
podem ser construídos para favorecer o
saque das riquezas nacionais. De nada Juntos, soubemos ter paciência e
adianta exportar milhões e milhões de coragem.
toneladas de grãos se eles faltarem à mesa Juntos, não nos faltará a necessária
daqueles que os plantaram, colheram e os competência.
transportaram até o mar.
Haveremos de elaborar uma
Fazer um país crescer é fazê-lo Constituição contemporânea do futuro,
crescer dentro de si mesmo, é fazê-lo digna de nossa pátria e de nossa gente.
crescer em cada um de seus cidadãos. O Para isso, iremos vencer os desafios
que significa aumentar a produção se ela econômicos, políticos e sociais. Seremos
estiver destinada a servir aos outros e não os profetas do amanhã.
ao nosso próprio povo?
A voz do povo é a voz de Deus. Com
Srs. Constituintes, esta é a grande Deus e com o povo venceremos, a serviço
hora de nossa geração. Devemos ocupá- da Pátria, e o nome político da Pátria será
la com o grave sentimento do dever e a uma Constituição que perpetue a unidade
consciência de que seremos responsáveis, de sua geografia, com a substância de
diante do futuro, pelo que decidirmos sua história, a esperança de seu futuro e
aqui. exorcize a maldição da injustiça social.
Temos, em nossas mãos, a soberania
do povo. Ele nos confiou a tarefa de
construir, com a lei, o Estado democrático,
moderno, justo para todos os seus filhos.
Um Estado que sirva ao homem e não
um Estado que o submeta, em nome de
projetos totalitários de grandeza.
Para isso estamos aqui.
Volto a agradecer a confiança que
os constituintes, em nome do povo, me
outorgaram.
Dirijo-me particularmente aos
companheiros do meu partido, o PMDB, a
227
PALAVRAS & HISTÓRIA LUIZ GUTEMBERG
Receitas Tropicalistas de
Constituição pelo Mestre
Constituinte Ulysses
Silveira Guimarães
Se os especialistas em política fos- ricos pareceristas perderiam sua clientela
sem menos cientistas e mais cronistas, e e volumosas coleções de livros deixariam
se os exegetas dos textos constitucionais de ser editadas – as constituições seriam
fossem menos etimólogos e mais histo- melhor compreendidas, os povos melhor
riadores – hipóteses totalmente absurdas, governados e, principalmente, a Justiça,
pois desmontariam labirintos acadêmicos, melhor distribuída.
* Jornalista
228
Pelo menos, no caso da Constituição pontos que pareciam pétreos em 1988,
do Brasil de 1988. como o monopólio estatal do petróleo,
Quem tiver dúvidas, experimente revogado - dificilmente compreenderá o
uma leitura do discurso de 2 de fevereiro exato sentido e intenção de muitos artigos.
de 1987, do deputado Ulysses Guimarães, Essa preocupação, dispensada por juris-
na instalação da Assembléia Nacional tas, advogados e juízes, para quem basta
Constituinte, que ele presidiria. a letra fria, a expressão vernácula, para
erigir teorias, parece seguir o simplismo
Era a inauguração de uma das aven- do “vale o escrito” dos bicheiros cariocas.
turas parlamentares mais alegres, confusas, Desprezam como anedóticas, reles preo-
autênticas e tecnicamente desvairadas de cupação de leigos, revelações sobre o que
assembléias constituintes, através dos tem-
há de humanidade, demagogia, cacoetes
pos, em todos os povos.
pessoais, compromissos paroquiais com
Uma constituinte que começou se grupos de eleitores e, até, insanidade, por
recusando a simplesmente tomar conhe- trás de alguns artigos emblemáticos e, às
cimento de anteprojetos oferecidos. Até vezes, intencionalmente ambíguos. Que
mesmo um texto completo, elaborado falta lhes fazem a História, ou ao menos,
e discutido por uma grande comissão uma crônica impressionista, uma análise
de representantes de todos os setores da jornalística!
sociedade, de que fizeram parte homens
e mulheres de “notável saber”, nomeados Como testemunha – com relação a
pelo Presidente José Sarney. Tinha sido alguns temas, posso dizer, privilegiada,
presidida pelo senador Afonso Arinos, pois muitas vezes tomei café da manhã
orgulhoso por repetir a façanha do pai, com o velho Ulysses na residência oficial
Afrânio Melo Franco, que exerceu papel da Península dos Ministros, em Brasília,
idêntico com relação à Constituição de pude assistir, à mesa, o planejamento das
1934. Por acaso, as duas comissões cons- jornadas diárias das votações, estabele-
titucionais, a de 1933 e a 1986, haviam cido em discussões de que sempre par-
se reunido, com um intervalo de mais de ticipavam o jurista Miguelzinho Reale, o
meio século, na mesma sala do Palácio deputado Nelson Jobim e o secretário da
do Itamaraty, no Rio. Pois, a Assembléia Mesa, Paulo Afonso, seus colaboradores
Constituinte de 1986 não tomou conhe- mais constantes. Ulysses exercia o papel
cimento da tradição dos Melo Franco. do Presidente da Constituinte, ora como
Orgulhosamente, partiu do nada. Durante um patriarca (pela ascendência de auto-
um ano e oito meses, os constituintes bra- ridade tribal), ora como um maestro (pois
sileiros, através de sucessivos estágios que, conduzia com rédea curta o andamento
teoricamente, asseguraram a participação e o timbre que julgava adequados a cada
nos trabalhos de elaboração de 100% dos tema, como se regesse uma peça sinfôni-
513 deputados e 61 senadores que a com- ca).
punham, foram autores desde o primeiro Tanto que o discurso inaugural da
croquis à redação final dos 245 artigos,
Constituinte, por Ulysses, é uma espécie
mais 70 das Disposições Transitórias.
de guia de orquestra para entendimento do
Quem os lê hoje,– depois de 15 texto. A abertura é uma evocação biográ-
anos, já emendados 42 vezes, em alguns fica, em três tempos. Lembra seu “barro
229
PALAVRAS & HISTÓRIA
Talvez por isso, por cultuar a lei “A Nação quer mudar, a Nação deve
erudita, e esperando que a constituição mudar, a Nação vai mudar”
que se iria elaborar fosse uma expressão É a vez dos metais para uma evoca-
jurídica perfeita, não refletisse sobre a ção épica das manifestações de rua que
heterogeneidade filosófica da Assembléia marcaram o verdadeiro levante popular,
Constituinte, a não ser como expressão que aproveitou os estertores da ditadura,
230
LUIZ GUTEMBERG
e de que ele se sentia condutor com seu e voltou várias vezes, repetiu-se, deu a
“emedebê”, como dizia. impressão de ter feito uma colagem alea-
Evoca as cidade dos dois primeiros tória. Como precisou trabalhar com mui-
comícios que deflagraram a avalanche da tas notas e textos enviados por amigos
campanha das “Diretas Já”, onde a vibra- – que infelizmente não identificou – adap-
ção popular primeiro saiu às ruas claman- tou conceitos técnicos de economia com
do pela redemocratização: que não tinha familiaridade. Sua prosódia
bacharelesca tinha repertório para qual-
- Goiânia! quer situação. Assim, depois de falar de
- Curitiba! industrialização, infra-estrutura rodoviá-
ria, especulação financeira, repetindo uma
Arremata tudo como preconizar a
série de lugares comuns, como se tivesse
postura da assembléia:
perdido o fôlego ou o fio da meada, diz:
- “É um parlamento de costas para
“Concluíam os gregos, naquele
o passado, este que se inaugura hoje para
esplêndido século V antes de Cristo, dando
decidir o destino constitucional do País”.
origem à concepção ocidental da lei, que
Seguem-se os princípios, as três “o homem é a medida de todas as coisas”
pedras angulares sobre as quais pretendia
Evidentemente perdido, reencontra-
alicerçar a constituição: liberdade, justiça
se:
e soberania nacional.
“Retorno assim à minha preocupa-
Estava concluída a apresentação.
ção original. É para o homem, na fuga-
O plano de discurso de Ulysses, cidade de sua vida, mas na grandeza da
que ele costumava formular esquemati- sua singularidade no universo, que devem
camente em tiras de papel, que chamava voltar-se as instituições da sociedade”.
de “tripas”, antes de lhes dar forma final,
Velho político, literalmente – ele
ou apenas para orientar os improvisos, e
estava naquele momento com 71 anos
de que encontrei algumas amostras entre
- ele quer conciliar sua longa biografia
seus papéis, seguia o que chamava de
com um momento explícito de futurologia,
“trilha euclideana: o ambiente, a terra,
pois declara a pretensão de que a nova
o homem e as peripécias”. No caso do
carta constitucional contenha antevisões
discurso inaugural da Constituinte, enten-
que a tornem longeva, “contemporânea
da-se por “peripécias” o longo e eclético
do futuro.” Logo ele, que protagonizou a
conjunto de temas que uma constituição
instabilidade política da sociedade brasi-
deve abarcar. Um texto que deve ser
leira, desde que iniciou sua carreira sob
político, em primeiro lugar; abrangente
a Constituição de 1946, que chamava
por natureza; conter princípios que não
de saudosa, no tom de pesar de quem
deixe órfão nenhum aspecto das relações
perdeu uma madrinha generosa e sábia.
possíveis numa sociedade; juridicamente
Fato pouco conhecido, Ulysses quase fun-
irrepreensível, equânime, auto-aplicável e,
dou um culto à maneira positivista à
principalmente, que se preste à distribui-
Constituição de 1946, de que promoveu,
ção da Justiça.
na gráfica do IBGE, a primeira edição
Ulysses sentiu dificuldades em fixar popular de uma Constituição brasileira
esses espaços estanques e, perdido, foi com grande tiragem, quando Presidente
231
PALAVRAS & HISTÓRIA
232
LUIZ GUTEMBERG
233
PALAVRAS & HISTÓRIA
234
Imagem
Histórica
Reprodução
235
IMAGEM HISTÓRICA
Arsênio da Silva
Rio de Janeiro, 15 de outubro de 1864. Coleção Dona Thereza Christina Maria da Fundação
Biblioteca Nacional.
236
*PEDRO KARP VASQUEZ
237
IMAGEM HISTÓRICA
imediato as exigências técnicas do novo do Paraguai (de cuja fase final, entre 30 de
métier, a ponto de ter o privilégio de foto- março de 1869 e 1º de março de 1870, o
grafar o casamento da princesa Isabel. Esse conde d’Eu foi o comandante-em-chefe do
trabalho agradou tanto o imperador Pedro Exército brasileiro); às inúmeras pressões
II que este lhe franqueou, em seguida, as políticas; às dificuldades de procriação
portas do Palácio Imperial e Petrópolis, da princesa (quase morta por dois abortos
até então focalizado apenas por Revert espontâneos); e ao exílio injusto imposto
Henrique Klumb, um habitué da casa, pelos militares republicanos empenhados
posto que professor de fotografia, tanto em impedir o acesso ao trono da princesa
da imperatriz Thereza Christina quanto da Isabel após a morte de seu pai, que parecia
princesa Isabel. se avizinhar a olhos vistos.
Nascido na província de Pernambuco, Com efeito, esta não tardou, suce-
a 29 de abril de 1833, e falecido na pro- dendo de apenas dois anos ao advento
víncia da Bahia, a 11 de fevereiro de 1883, da República, ocorrendo em Paris, a 5 de
Arsênio da Silva teve trajetória meteórica, dezembro de 1891. Infelizmente, a miopia
porém, fulgurante. Predestinado ao pio- de seus contemporâneos não os deixou
238
PEDRO KARP VASQUEZ
239
PERFIL * RICARDO ORIÁ1
Todos sabemos que a História é um tempos, sendo possível afirmar que, por
processo de construção coletiva, em que razões internas e externas, esses estudos
interagem diferentes atores sociais. No emergiram da crise dos paradigmas tradi-
entanto, não podemos desprezar a ação cionais da escrita da história, que requeria
do indivíduo no processo histórico. A uma completa revisão dos seus instrumen-
Historiografia brasileira sempre primou tos de pesquisa. Essa crise de identidade
pela narrativa dos fatos protagonizados da história levou à procura de “outras
pelos homens. Na história oficial do país histórias”, o que levou a uma ampliação
quase não há lugar para as mulheres, do saber histórico e possibilitou uma aber-
negros, índios, trabalhadores e outras ditas tura para a descoberta das mulheres e do
minorias sociais – os chamados “excluídos gênero4.”
da história”, expressão cunhada pela histo- O presente texto, neste primeiro
riadora francesa Michelle Perrot2. Na ver- número da Revista Plenarium, pretende
dade, construiu-se no Brasil uma história resgatar a participação e luta das mulhe-
assexuada, onde as questões de gênero3 só res no processo histórico nacional, dando
muito recentemente passaram a fazer parte ênfase à política institucional, mais pre-
do território epistemológico dos historia- cisamente no campo dos direitos políti-
dores e cientistas sociais. cos. Nada mais oportuno pois, neste ano,
Segundo Izilda S. de Matos, “a expan- comemoramos o “Ano da Mulher”, institu-
são dos estudos que incorporam a mulher ído pela Lei nº 10.745, de 20035.
e a abordagem de gênero na história loca- Para tanto, escolhemos o perfil his-
liza-se no quadro das transformações por tórico-biográfico e parlamentar da pri-
que vem passando a história nos últimos meira Deputada Federal do Brasil e de
240
Carlota Pereira de Queiroz na Assembléia Constituinde de 1934. (Acervo Câmara dos Deputados)
toda a América Latina, eleita pelo voto vezes o direito de voto como uma con-
popular para a Assembléia Constituinte de cessão dos governantes e assim passa-se a
1933. Estamos nos referindo à educadora idéia de que “Getúlio Vargas deu à mulher
e médica paulista CARLOTA PEREIRA DE brasileira o direito de votar”. A história não
QUEIRÓS (1892-1982). Antes, porém, de é bem essa. A conquista do voto feminino
traçarmos esse perfil, mister se faz uma foi resultado de um processo de lutas,
breve análise da árdua e longa luta das avanços e recuos, que se inicia por volta
mulheres brasileiras pelo exercício de seus dos anos 10 do século passado.
direitos políticos, cuja expressão maior Em 1910, seguindo uma tendência
se traduz no voto e que só foi alcançado mundial do movimento sufragista, a pro-
em 1932, com a promulgação do Código fessora carioca Deolinda Daltro funda o
Eleitoral. Partido Republicano Feminino, defenden-
do o direito de voto para as mulheres e
A CONQUISTA DO VOTO a abertura dos cargos públicos a todos os
FEMININO brasileiros, indistintamente.
Em virtude da cultura política predo- A década de 20 do século passado
minante no País, de caráter personalista e assistiu importantes movimentos de con-
patrimonialista, costuma-se colocar muitas testação à ordem vigente. Somente no
241
PERFIL
ano de 1922, tivemos importantes acon- sibilitou o voto das mulheres já em 1928.
tecimentos que colocavam em xeque a Quando assumiu o cargo de Presidente
República Velha, a saber: Semana de Arte do Estado, Juvenal Lamartine solicitou aos
Moderna, Movimento Tenentista e funda- deputados estaduais que elaborassem uma
ção do Partido Comunista do Brasil. Nesse nova lei eleitoral que assegurasse o direito
contexto, não podemos esquecer a emer- de voto às mulheres. Foi sancionada a Lei
gência do movimento feminista, tendo à nº 660, de 25 de outubro de 1927, que
frente a professora Maria Lacerda de Moura regulava o serviço eleitoral no estado e
e a bióloga Bertha Lutz, que fundaram a estabelecia que no Rio Grande do Norte
Liga para a Emancipação Internacional da não haveria mais distinção de sexo para
Mulher, um grupo de estudos cuja finali- o exercício do voto e como condição
dade era a luta pela igualdade política das básica de elegibilidade. Nesse mesmo dia,
mulheres. a professora potiguar, Celina Guimarães
Viana, natural de Mossoró, entrou com
Posteriormente, Bertha Lutz6, que uma petição ao juiz eleitoral solicitando
irá ser a segunda mulher a ocupar uma sua inscrição no rol dos eleitores daquele
cadeira na Câmara dos Deputados, cria município.
a Federação Brasileira pelo Progresso
Feminino, considerada a primeira socie- “Celina fincou o marco da vanguar-
dade feminista brasileira. Essa organização da política feminina na América do Sul,
tinha como objetivos básicos: “promover tornando realidade o voto feminino no
Brasil.” 8 Após esse ato, várias mulheres
a educação da mulher e elevar o nível de
riograndenses solicitaram seu alistamento
instrução feminina; proteger as mães e a
eleitoral e por ocasião das eleições para
infância; obter garantias legislativas e prá-
o Senado, em 1928, 15 mulheres votaram
ticas para o trabalho feminino; auxiliar as
no Rio Grande do Norte. Fato interessante
boas iniciativas da mulher e orientá-la na
ocorreu posteriormente, quando da diplo-
escolha de uma profissão; estimular o espí-
mação do senador José Augusto Bezerra
rito de sociabilidade e cooperação entre
de Medeiros no Congresso Nacional. No
as mulheres e interessá-las pelas questões ato de sua diplomação, os votos das 15
sociais e de alcance público; assegurar mulheres não foram computados por serem
à mulher direitos políticos e preparação considerados “inapuráveis” pela Comissão
para o exercício inteligente desses direi- de Poderes do Legislativo Federal. Em
tos; estreitar os laços de amizade com os protesto a esse ato arbitrário e que revela
demais países americanos.” 7 o preconceito reinante à época acerca do
A 1ª Constituição Republicana, ape- acesso da mulher à participação políti-
sar de ter instituído o voto secreto e uni- ca, a Federação Brasileira pelo Progresso
versal, continuou alijando as mulheres do Feminino lançou um Manifesto à Nação.
direito de participação na vida política do Vargas era simpatizante à causa femi-
país. O direito de voto para as mulheres só nista, sobretudo no tocante ao direito de
se tornou realidade após a Revolução de voto. Assim, em 1932, foi promulgado o
30, que derrubou as oligarquias do coman- novo Código Eleitoral, de cuja comissão
do decisório do país. Antes disso, pelo seu de redação Bertha Lutz havia participado,
pioneirismo, merece registro a legislação e que finalmente assegurou o direito de
estadual do Rio Grande do Norte que pos- voto às mulheres brasileiras.
242
RICARDO ORIÁ
243
PERFIL
244
RICARDO ORIÁ
se elegeu. Com o golpe de 1964, Carlota Carlota veio a falecer em São Paulo,
posicionou-se a favor da tomada do poder aos noventa anos de idade, deixando um
pelos militares. importante legado na luta pela conquista
Embora ausente da política insti- da cidadania feminina no Brasil. Seu nome
tucional, Carlota continuou prestando inspirou a criação, no âmbito da Câmara
relevantes serviços na área da medicina dos Deputados, do Diploma Mulher Cidadã
e assistência social. Organizou o primeiro Carlota Pereira de Queirós, instituído
curso de serviço social do país ao lado pela Resolução nº 3, de 200310. Essa
de outras mulheres e continuou inte- homenagem será conferida anualmente
grando importantes associações femini- a cinco mulheres, em diferentes áreas de
nas. Publicou as seguintes obras: “Sistema atuação, que tenham contribuído para o
Froebel e Montessori” (1920); “Estudos pleno exercício da cidadania, na defesa dos
sobre o Câncer” (1926); “Diário de um direitos da mulher e questões de gênero. É
Tropeiro” (1937); “Exame hematológico o reconhecimento do Poder Legislativo ao
e medicina social” (1940); “Exame de papel da mulher na vida política nacional,
hemorragias nas tonsilectomias” (1940); mediante o resgate da memória de sua
“Das vantagens de generalização do exame primeira parlamentar – CARLOTA PEREIRA
hematológico e sua aplicação em medici- DE QUEIRÓS.
na social” (1941); “Um fazendeiro paulista
no século XIX” (1965) e “Vida e morte de
um capitão-mor” (1969).
245
PERFIL
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
2. MATOS, Maria Izilda S. de. “Outras histórias: as mulheres e estudos de gênero – percursos
e possibilidades” In: Gênero em Debate. Trajetória e Perspectivas na Historiografia
Contemporânea. São Paulo: EDUC, 1997, p. 86.
4. PINTO, Célia Regina Jardim. Uma história do feminismo no Brasil. SP: Fundação Perseu
Abramo, 2003, Col. História do Povo Brasileiro.
6. SCHPUN, Mônica Raisa. “Carlota Pereira de Queiroz: uma mulher na política” IN: Revista
Brasileira de História – órgão oficial da Associação Nacional de História. São Paulo,
ANPUH/ED. Unijuí. Vol. 17. nº 33, 1997
NOTAS
1
Historiador e Advogado. Ex-professor do Departamento de História da Universidade Federal do Ceará (UFC). Mestre em Direito
Público pela Faculdade de Direito da UFC. Atualmente, é Consultor Legislativo da área de educação e cultura da Câmara dos
Deputados.
2
PERROT, Michelle. Os Excluídos da História: operários, mulheres e prisioneiros, SP: Paz e Terra, 1998. Ver também, da mesma,
historiadora a coleção por ela dirigida juntamente com George Duby “A História das Mulheres” (5 vols.). São Paulo: EBRADIL,
1991.
3
Estamos utilizando a expressão gênero para se referir à construção social do feminino e do masculino. Não há, pois, como fazer
apenas uma história da mulher sem questionar a relação desta com o homem e de como, no decorrer da história, se construiu a noção
de feminino e masculino.
4
MATOS, Maria Izilda S. de. “Outras histórias: as mulheres e estudos de gênero- percursos e possibilidades” In: Gênero em Debate.
Trajetória e Perspectivas na Historiografia Contemporânea. São Paulo: EDUC, 1997, p. 86.
5
A Lei nº 10.745, de 9 de outubro de 2003, é oriunda de um projeto de lei, de autoria da deputada Laura Carneiro (PFL-RJ) e, além de
definir o ano de 2004 como “Ano da Mulher”, remete ao Poder Público a promoção na divulgação e comemoração dessa efeméride,
mediante a realização de programas e atividades, com envolvimento da sociedade civil, visando estabelecer condições de igualdade
e justiça na inserção da mulher na sociedade brasileira. A partir desta lei, a Câmara dos Deputados resolveu constituir uma Comissão
Especial com a finalidade de definir a atuação desta Casa Legislativa nas ações destinadas a implementar as providências referidas
nesse dispositivo legal.
6
Berta Lutz foi a segunda mulher a assumir um mandato de deputada federal, em 28 de julho de 1936, na vaga deixada pelo deputado
titular, Cândido Pessoa, que falecera.
7
TELES, Mª Amélia de Almeida. Breve História do Feminismo no Brasil. SP: Brasiliense, 1993, Col. Tudo é História, p. 44.
8
DICIONÁRIO MULHERES DO BRASIL: de 1500 até a atualidade biográfico e ilustrado. RJ: Jorge Zahar Ed., 2000, p. 148.
9
SCHPUN, Mônica Raisa. “Carlota Pereira de Queiroz: uma mulher na política” IN: Revista Brasileira de História- órgão oficial da
Associação Nacional de História. São Paulo, ANPUH/ED. Unijuí,. vol. 17. nº 33, 1997, p. 174.
10
O Projeto de Resolução foi uma iniciativa da deputada Laura Carneiro (PFL-RJ) na presente legislatura.
246
Charge
248
* PAULO CARUSO
Ares de janota no início, quando da Isso lhe valeu uma guerra aberta com
sua vinda ao Brasil, em 1875, um “clone” caricaturas nas revistas e jornais da época
de Chaplin; depois, à época de seu retorno em que ambos se acusavam das mais tor-
a Portugal, onde se torna pintor, gravador, pes baixezas morais e estéticas, e Bordalo
escultor e ceramista renomado, ficou mais chegou a retratar o oponente como um
parecido com um dos vilões do Carlitos, Pinócchio pendurado num varal.
gordo, com bigodões virado pra cima nas
A ilustração que mais me chamou
extremidades, e monóculo que espreita-
a atenção quando passeei pelos arredo-
va com seu olhar, apoiado sobre largas
res da encantadora vila de Cascais, em
bochechas.
Portugal, foi a de dois coveiros (um deles é
Raphael Bordalo Pinheiro foi, diga- a sua cara) conversando, enquanto enter-
mos assim, o segundo caricaturista no ram para sempre a tão falada liberdade de
Brasil nos primórdios da nossa imprensa; o imprensa.
primeiro foi o italiano Ângelo D´Agostini.
Publicada em “O Antonio Maria”, em
Contratado para trabalhar em “O outubro de 1881, esse fac-simile decora a
Mosquito”, durante cinco anos vai fusti- parede de meu estúdio e muito me ensina
gar com suas caricaturas o modo de vida sobre a atualidade do mestre Bordalo num
deste lado de cá do Atlântico, sendo um tema tão caro a nós todos, praticantes do
dos responsáveis pela entrada de José do ofício de exercer nossa liberdade pela cari-
Patrocínio no jornalismo. catura.
Inicialmente afável, bem recebido A liberdade de imprensa é constan-
pelo concorrente Agostini através de dese- temente ameaçada, seja pela ditadura das
nhos estampados na Revista Ilustrada, sau- baionetas ou dos seus interesses econômi-
dando sua chegada, vai, mais tarde, entrar cos, mas, hoje em dia, principalmente pela
em conflito com o italiano que não o ditadura do “politicamente correto”.
perdoava pelo fato de exercer, além da
caricatura, sua atividade de importador e Cabe a nós sepultá-la, porém, como
ensacador de carnes, lingüiças, pra falar sabemos, não vamos perder a piada por
mais claro. isso...
* Cartunista
249
HISTÓRIA DA HISTÓRIA * SEBASTIÃO NERY
Folclore
Político
Andrada Alkmin
Antonio Carlos Ribeiro de Andrada
Machado e Silva, um dos três heróicos
irmãos Andradas da Independência (os
outros eram José Bonifácio e Martim
Francisco) era o presidente da Assembléia
Geral Constituinte Legislativa do Império
do Brasil, instalada, em 3 de maio de
1823, onde hoje é o Palácio Tiradentes,
no Rio (sede da Assembléia Legislativa do
Estado).
Em 12 de novembro de 1823, com
a Constituinte reunida e ele presidindo,
Antonio Carlos viu o Imperador Dom
Pedro I chegar à frente das tropas e cercar
o edifício. Preso, pegou o chapéu e saiu
com os dois irmãos, também constituintes,
e outros, todos presos.
Lá fora, vê o Imperador. Tira o cha-
péu e cumprimenta. Não o Imperador, mas
um canhão. E seguiu em frente.
(*) Jornalista
250
Na tribuna da Câmara, Carlos tra. E planejaram a primeira jogada contra
Lacerda, líder da UDN, desancava o Magalhães: eleger Baleeiro líder da banca-
governo de Juscelino. Alkmin, líder da na Câmara.
do governo, levantou-se com um jornal Lacerda foi encarregado de ir conver-
dobrado na mão: sar com Magalhães:
“Deputado Carlos Lacerda, não era “Nosso candidato é o Aliomar”.
isso que V. Excia escrevia no ano passa-
do em seu jornal, a Tribuna da Imprensa, “Sou contra. O Aliomar é muito
sobre esse mesmo assunto”. talentoso, muito brilhante, mas não une o
partido”.
Lacerda perturbou-se, continuou,
mudou de tema. Quando desceu, pediu o “Magalhães, é por isso que acusam
jornal a Alkmin. você de adesista. Você não quer um líder
combativo. Quer um acomodado e isso
Era O Globo. não podemos aceitar”.
“Não se trata disso, Carlos. É que
Magalhães - I tenho outro candidato”.
“Quem?”
“Você. Por que não? Você não tem
sido outra coisa na UDN senão líder. Meu
candidato é você”.
Lacerda saiu, Magalhães ficou rindo:
“Estou só pensando na cara do
Aliomar e do Adauto quando o Carlos
contar a conversa”.
Lacerda foi líder e Magalhães presi-
dente.
Magalhães - II
Um dia, Lacerda atacou violenta-
mente Magalhães pela TV. No dia seguin-
te, encontraram-se em um banheiro do
Congresso:
“Magalhães, fui muito agressivo com
você ontem, me desculpe”.
“Nada disso, Carlos. Não aceito essas
Magalhães Pinto tinha come- desculpas. Você me ataca pela TV e pede
çado a armar sua candidatura à presi- desculpas no mictório? Volta à TV e peça
dência da UDN. A “Banda de Música” desculpas lá. Atacou na TV, conserte na
(Lacerda, Aliomar Baleeiro, Bilac Pinto, TV”.
Adauto Cardoso, Oscar Correa) era con- Lacerda pediu desculpas na TV.
251
HISTÓRIA DA HISTÓRIA
Lacerda - I
Quando tentaram cassar o man-
dato de Carlos Lacerda, no governo de
Juscelino, por ter divulgado um telegrama
cifrado do Itamaraty, ele falou doze horas
seguidas na Comissão de Constituição e
Justiça da Câmara. E contou:
“Não era permitido falar tanto
tempo. Mas, o presidente da Comissão
era o baiano Oliveira Brito, do PSD.
Arranjei um funcionário da Câmara que,
de vez em quando, com o pretexto de
trazer água, dissolvia umas bolinhas para
ele ficar tranqüilo, meio sonolento. E ele,
sonolento, não via o tempo passar e eu
continuava lendo e falando”.
Lacerda - II
Eloy Dutra elegeu-se deputado do tomou posse de smoking, ficou uma fera
PTB da Guanabara combatendo Lacerda. porque Lacerda falou em “cearenses con-
Na primeira sessão, Lacerda na tribuna, trabandistas”:
Eloi pede um aparte, Lacerda concede, “Deputado Carlos Lacerda, a banca-
ouve em silêncio, vai em frente: da do Ceará protesta!”
“Continuando a parte séria de meu “Deputado Bonaparte, eu não disse
discurso...” que os cearenses são contrabandistas. Eu
Eloy protestou, o presidente Ranieri disse que há cearenses que fazem contra-
Mazzilli lembrou a Lacerda que, pelo regi- bando. Entre os quais, data venia, incluo V.
mento, ele devia responder. Respondeu: Excia.”
252
SEBASTIÃO NERY
Lacerda - IV Mangabeira
Clemes Sampaio, do PTB da Bahia,
estava na tribuna:
“Segundo Adam Smith, a lei do mer-
cado...”
Lacerda pediu um aparte:
“V. Excia cometeu um equívoco. A
tese da lei do mercado não é de Adam
Smith, mas do famoso economista inglês
Window.”
“Ilustre líder Carlos Lacerda, agra-
deço a contribuição de V. Excia a meu
discurso.”
“Senhor deputado, Window não é
economista inglês nem de país nenhum. Mangabeira estava na tribuna da
Window é apenas janela em inglês.” Câmara, pedem-lhe um aparte.
253
HISTÓRIA DA HISTÓRIA
254
SEBASTIÃO NERY
Leituras
255
LEITURAS * PAULO ROBERTO DE ALMEIDA
* Diplomata
256
Mesmo economistas, usualmente de ampliação (racional) e de balizamento
tidos como ponderados, têm recorrido a (conceitual) desse importante debate para
conceitos como “dominação hegemônica”, o Brasil e o Mercosul, e que vinha sendo
“assimetria de poder”, “desmantelamento impossibilitado pelo festival de superficia-
industrial”, que não costumam freqüentar lismo até aqui disponível para o grande
seu discurso, normalmente circunspecto. público. Como apresentação sistemática
Não se passa, aliás, uma semana, sem da estrutura e das etapas seguidas até aqui
que algum artigo vitriólico, descrevendo pelo processo da Alca e como discus-
o saco de maldades embutido no futu- são dos problemas enfrentados pelas três
ro acordo hemisférico, seja publicado dezenas de “anões” em face do gigante
em algum jornal de circulação nacional, hemisférico, o livro cumpre amplamente
aproveitando, o autor, para cobrar do par- esse papel didático-analítico, dispondo
tido atualmente majoritário (e no poder) de inegáveis méritos recapitulativos, ade-
as dubiedades ou hesitações em relação mais de uma rara capacidade (para os
a esse antigo projeto de “anexação” da padrões do debate intelectual no Brasil)
economia brasileira ao território de caça de colocar, no tocante à questão da Alca,
do novo império. senão todas as respostas que poderiam
Com tal exibição de paixões eco- esperar seus leitores, pelo menos todas
nômicas e de fúrias políticas, fica difícil as perguntas pertinentes que podem ser
manter um debate racional sobre a mais feitas em relação a esse objeto. A despeito
importante proposta de integração conti- de uma concentração na ciência políti-
nental desde a primeira conferência inter- ca, em contraposição ao que seria uma
nacional americana, realizada na capital exposição basicamente econômica, cabe
do (então nascente) império, em 1889- desde já descrever o livro e louvar-lhe as
1890. No entanto, esse mesmo caráter qualidades enquanto primeiro exemplo
controverso indica que estamos neces- de avaliação abrangente do “problema”
sitando de bons estudos e de pesquisas da Alca no e para o Brasil.
rigorosas, como forma de devolver um Trata-se de obra relativamente
certo equilíbrio a esse debate, que não modesta (150 páginas de texto, em for-
pode, obviamente, ficar entregue a “parti- mato reduzido) para a complexidade da
pris” redutores ou simplismos ideológicos, tarefa, mas que atende à finalidade de
obscurecendo uma avaliação ponderada apresentar o que é o projeto da Alca e de
sobre a importância da Alca e seu possí- introduzir a questão de como ela pode-
vel papel no futuro das relações hemisfé- ria impactar o Brasil e o Mercosul. Após
ricas e para o próprio processo brasileiro um capítulo introdutório (“Esclarecendo
de inserção econômica internacional (que dúvidas”), essencialmente conceitual, o
não pode ser confundido como um iti- livro se compõe de três grandes capítulos
nerário para o desenvolvimento, o que a substantivos, cujos títulos são auto-expli-
Alca não pode fazer sozinha). cativos: “Origem e desenvolvimento da
O livro de Vigevani e de Mariano Alca”, “Por que ‘o gigante e os anões’?”
vem justamente preencher essa função e “O Brasil e suas opções”. Um capítulo
conclusivo retoma as principais questões
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LEITURAS
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PAULO ROBERTO DE ALMEIDA
259
LEITURAS
Mercosul deve servir para “uma negocia- fato, obviamente manifesto, de que a con-
ção soberana diante da proposta da Alca” veniência de se criar, ou não, uma área de
(p. 15), o que também está conforme a livre-comércio hemisférica “nunca che-
visão que se costuma ter, no Brasil, dos gou a ser objeto de debate nacional signi-
desafios do projeto hemisférico para uma ficativo” (p. 43).
economia percebida como frágil e des- Aqui parece residir a questão básica
preparada. que angustia a maior parte dos observa-
Essa dupla dores isentos, ou
visão é, aliás, pretensamente
confirmada em imparciais, em
diversas passa- relação à Alca:
gens do capítulo não se sabe, de
“Origem e desen- fato, se ela será,
volvimento da ou não, boa
Alca”, de resto para o Brasil,
mais expositivo dada a ausência
do que propria- de debates ade-
mente discus- quados e, mais
sivo. As razões ainda, de estu-
que impulsio- dos satisfatórios.
naram os EUA a Existem, obvia-
propor esse pro- mente, aqueles
jeto teriam sido que respondem
a necessidade de imediato
de preservar sua pela negativa, e
“supremacia até se permitem
econômica que fazer plebiscitos
parecia ameaça- com perguntas
da pelo avanço de alemães e japoneses” manifestamente capciosas (como as que
e o desejo de impulsionar a “globalização vinculam a existência da Alca a uma ame-
dos mercados” (p. 22). Como reação a aça à soberania nacional), assim como
essa ofensiva, os autores acreditam que os existem aqueles (poucos) que respondem
governos do Brasil e da Argentina decidi- positivamente, com base numa simples
ram aprofundar e acelerar o processo de constatação de que uma maior exposição
integração bilateral começado nos anos ao comércio internacional melhorará os
1980 e que receberia, a partir de 1991, o índices de competitividade da economia
formato quadrilateral do Mercosul, apre- brasileira, além de ampliar o acesso ao
sentado como uma escolha de suas elites maior mercado do planeta. Não se pode
políticas e econômicas. Os autores evi- dizer que o livro tenha respondido cla-
denciam a nítida relutância do governo ramente a essa questão – o que seria de
e das lideranças políticas brasileiras em todo modo impossível de se fazer em
relação ao projeto da Alca, com base no bases puramente hipotéticas, pois que
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PAULO ROBERTO DE ALMEIDA
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LEITURAS
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PAULO ROBERTO DE ALMEIDA
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LEITURAS
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