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O Professor e o Poder

Mário Porto

Reflexão: "qual deve ser o perfil do professor nos cursos de graduação e de que modo podemos lidar com a questão do
poder que é inerente a essa posição?".

Há cerca de dois anos fiz um curso de Metodologia do Ensino Superior no FGV-Online e a reflexão acima foi uma das
primeiras tarefas e este texto é uma adaptação para a Internet do que desenvolvi naquele trabalho. No primeiro momento
que tomei conhecimento desta atividade fiquei de certa forma, mentalmente, paralisado.

Pensei; Aonde fui me meter para ter que comentar um assunto que nunca foi objeto de minhas preocupações nestes
últimos 60 anos. Cheguei a julgar que não estava devidamente preparado, para escrever sobre este tema.

No meio destas divagações e induzido por algumas leituras que havia feito no próprio material do FGV-Online assolou-me
a certeza de que estava reagindo exatamente da maneira esperada num modelo pedagógico burocrático fundado na
relação de dominação, no saber formal transformado em mercadoria de consumo e no qual o aluno não é estimulado a
produzir conhecimento, a amalgamar seu saber ao do professor.

Em outras palavras, não tendo assistido a uma exposição específica do "professor expositor controlador" sobre o
conteúdo do trabalho ou não tendo decorado nada sobre o assunto o raciocínio do aluno não acostumado a receber o
incentivo para pensar, fica circulando no nada e não constrói saber.

Na minha memória pude enquadrar ao longo da minha vida, em três fases de minha formação, alguns tipos de
professores tal como categorizados no próprio material didático do FGV-Online.

Bem no início da minha vida lembro-me da Dona Zezé do primário. Professora austera, disciplinadora, avessa a
brincadeiras, mas que se apresentando como modelo de caráter e integridade respeitava as crianças e contribuiu, por
décadas a fio, para a boa formação de muitos brasileiros na cidade de Volta Redonda. No pós-guerra e pós-ditadura Vargas
sua austeridade e formalidade constituíam um padrão para a época e seria muito exigir que ela substituísse a rigidez pela
maleabilidade; substituísse o fechamento pela abertura e substituísse o olhar único pelo olhar plural.

Caminhando um pouco mais pela vida deparei-me com um certo professor que vou denomionar aqui, por razões éticas,
de Marcelino Champangnat, no Colégio Santo Inácio no Rio de Janeiro. O professor Marcelino lecionava Matemática
e apesar da importância exagerada que esta disciplina ainda exerce em nossa cultura ele deve ter contribuído bastante
para a formação de muitos advogados no Brasil. O Professor Marcelino não ensinava nem tinha desejo de ensinar ele
apenas desejava provar sua própria inteligente, ao ser capaz de dominar uma matéria "incrivelmente difícil", e demonstrar
quão estúpidos eram os 95% de alunos de suas classes que ele, anualmente, encaminhava para a segunda época. Se
eu não tivesse ignorado sua docência e me voltado para minhas próprias aptidões teria, certamente, engrossado esta
lista. E o mais surpreendente: ele era considerado pelo "establisment" como um patrimônio da docência no Rio de
Janeiro.

Um ano depois de conhecer o professor Marcelino fui aluno de um dos professores que mais me impressionaram em
minha vida de estudante. Foi no Colégio Naval, em Angra dos Reis, que conheci o professor Pita, que ensinava Física.

Ele tinha uma aguçada inteligência interpessoal e certamente nunca tinha ouvido falar de nenhuma das teorias
pedagógicas que estamos tendo contato neste curso, mas sabia que o aluno tinha que ser estimulado a produzir
conhecimento e misturar seu conhecimento ao do professor e também conhecia que nessa relação dialética entre o
mestre e o discípulo não há saber ou ignorância absoluta. Confrontam-se dois tipos de saber: "o saber do professor
inacabado e a ignorância do aluno relativa". As aulas do professor Pita eram disputadas por todos. Havia alunos que
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assistiam às aulas várias vezes em turmas diferentes, pois ele nunca se repetia e suas aulas eram verdadeiras
experiências em que todos participavam.

Chegando ao curso superior notei logo uma diferença. O professor era mestre.

A mudança do termo parecia também sugerir uma mudança de atitude. Ora, mestres orientam, mestres encaminham,
mestres desenvolvem seus discípulos.

No entanto, apesar do novo termo, entre alguns raros mestres, encontrei os velhos e conhecidos tipos de professores
autoritários, prepotentes e senhores da verdade. Mesmo aqueles mais críticos eram obrigados a seguir um ritual
burocrático. Como afirma Tragtenberg, o professor é delegatário dessa ordem hierárquica junto aos estudantes.
Como tal, expressa "o símbolo vivo" da dominação e "instrumento da submissão", cuja função é, principalmente, "impor a
obediência". Tragtenberg observa que nesta relação professor-aluno temos o encontro de dois tipos de adolescentes:

"o adolescente aluno a quem ele deve educar e o adolescente reprimido que carrega consigo".(TRAGTENBERG, 1985:
43) [1] .

O modelo pedagógico vigente nas nossas instituições exacerba e legitima as relações dominadoras, o uso do conhecimento
como forma de poder opressivo. Os próprios alunos imbuídos de valores individualistas acabam se tornando agentes
fomentadores do sistema.

Completa esta construção um sistema de avaliação que transformou a prova no objetivo principal do ensino deixando para
segundo plano a produção e transmissão do conhecimento. Alunos que sabem fazer prova são classificados como os
melhores. A preparação passa a ser orientada para o tipo de prova aplicada.

Onde fica neste ambiente a construção do saber?

Para mudar este quadro é preciso uma mudança de paradigmas que está muito bem exposta no artigo de Louis Raths
[2] e que pode ser sintetizado nas frases: "Quando se dão oportunidades para pensamento, quando se aceita e se
discute o pensamento dos alunos, quando estes são apoiados e admirados, são estimulados a pensar. Não há
autoritarismo do professor".

Permitam-me continuar a citar Tragtenberg:

Trata-se de inverter a ordem dos procedimentos pedagógicos. Em vez de se colocar como tarefa "dar um curso", por que
não se perguntar: "em que medida o saber acumulado e formulado pelo professor tem chance de tornar-se o saber do
aluno?" (TRAGTENBERG, 1985: 45[3]

Para que isto ocorra é preciso contrapor à pedagogia burocrática uma pedagogia crítica fundada na:

Autogestão: gestão da educação pelos diretamente envolvidos no processo educacional e a "devolução do processo de
aprendizagem às comunidades onde o indivíduo se desenvolve (bairro, local de trabalho)";

Autonomia do indivíduo: "O indivíduo não é um meio: é fim em si mesmo. No universo das coisas (mercadorias) tudo tem
um preço, porém só o homem tem uma dignidade. Negação total de prêmios ou punições";

Solidariedade: crítica permanente de todas as formas educativas que estimulam ou fundamentem-se na competição; crítica
a todas as normas pedagógicas autoritárias. (TRAGTENBERG, 1980: 58) [4]

Quando me sentei para redigir este texto e ainda me encontrava meio que paralisado uma imagem fornecida por minha
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esposa provocou a fagulha que acendeu meu raciocínio para desenvolvê-lo. Disse-me ela: "eu vejo o professor como
um maestro desenvolvendo e aproveitando os talentos de cada um para, conjuntamente, apresentarem a obra".

Maestro e orquestra se exercitam na interdependência para que um bom trabalho seja apresentado. Não existe
autoritarismo, existe condução, liderança e respeito mútuo. Um completa o outro na consecução do objetivo que no
concerto se traduz em apresentar a sinfonia da melhor maneira possível e na sala de aula em construir o saber.

O cinema oferece sempre boas referências para todas as atividades e neste caso o próprio FGV-Online sugeriu como
referência um filme interessantíssimo e que se passa no campus da Universidade de Harvard, trata-se do filme "With
Honors", Destaco como brilhante a manifestação de Simon Wilder (Pesci), quando visitando uma aula de Harvard levado
por Monty Kessler (Fraser) ao ser questionado pelo poderoso mestre Pitkannan sobre " The Genius of the Constitution"
dá a todos uma lição ao questionar o discurso acadêmico profissional e o conhecimento institucionalizado. Suas
atitudes e idéias fazem brotar em Monty as idéias nas quais verdadeiramente ele acredita rompendo seus limites e
refazendo prioridades como, por exemplo, uma graduação com honra tão valorizada pelo "establisment".

As mudanças libertárias que se exigem não são feitas da noite para o dia e se confrontam com outro poder, o poder
dominante na sociedade e que tem relação evidente com a educação que como nos ensina o próprio material do curso da
FGV "é na essência algo político, não apenas técnico".

De certa forma a metodologia de cursos à distância como o FGV-Online são excelentes exemplos de mecanismos de
descobrimento de talentos nos quais os alunos são estimulados a pensar. As discussões geradas nestes ambientes
poderão, certamente, ajudar nas mudanças necessárias à educação em nosso país.

[1] Antônio Ozaí da Silva - Maurício Tragtenberg e a Pedagogia Libertária acesso em


http://www.culturabrasil.pro.br/tragtenberg.htm 09/01/2005 Voltar

[2] RATHS, Louis E. et al. A sala de aula e o pensamento. In: ______. Ensinar a pensar: teoria e aplicação. Tradução de:
Dante Moreira Leite. 2ª ed. São Paulo: EPU, 1977. p. 323-7. Voltar

[3]Referência acima citada Voltar

[4] Referência acima citada Voltar

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