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ABRIL 2010 | PUBLICAÇÃO MENSAL DO BLOCO DE ESQUERDA | www.esquerda.

net | nº 39 | 1€

Até quando
vamos
levar pancada?
FOTO CAPA PAULETE MATOS

> PEC 2010-2013 > INTERNACIONAL > OPINIÃO


15 MEDIDAS PARA ACTIVISTAS DO BLOCO PARTICIPAM EM
JUSTIÇA E PAZ
UMA ECONOMIA DECENTE CONTRA-CIMEIRA EM GRANADA

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ESQUERDA | ABRIL 2010 [1]


7 Março 2010
INAUGURAÇÃO NOVA SEDE NACIONAL
RUA DA PALMA, 268 - LISBOA
METRO MARTIM MONIZ
FOTO PAULETE MATOS

[2] ESQUERDA Nº 39
EDITORIAL
Carlos Santos

Nº 39 | ABRIL 2010 O GRANDE


PEC 2010-2013 DESAFIO
04. “Privatizações não respondem ao interesse público”
O bloco central aprovou o PEC, que é um plano de
autêntico desastre económico e social para os próximos
05. 15 medidas para uma economia decente
quatro anos. A luta contra este programa vai marcar toda
a vida social e política em Portugal durante muito tempo.
06. A esquerda censura e ataca o governo no coração
da sua política | Por Francisco Louçã
O plano do governo abandona o combate à pobreza,
corta nos apoios sociais aos mais desfavorecidos, impõe
a redução dos salários reais, manterá altíssimos níveis de
08. Uma caixinha sem surpresas | Por Mariana Mortágua
desemprego. E, a par disso, estende as parcerias público-
SALÁRIOS privadas, uma forma de entregar de mão beijada mais va-
lias ao capital privado; despreza o combate à evasão fiscal
09. Salários e competitividade | Por João Ferreira do Amaral e promete maior entrega de bens públicos aos privados.
Não é um plano de redução de despesas, é um plano
SOCIEDADE para tirar aos pobres e dar aos ricos. Não era inevitável, co-
mo o Bloco bem provou com as propostas alternativas que
10. Autoeuropa: Trabalhadores renovam confiança na CT apresentou. Não foi apenas uma imposição externa ou dos
sectores económicos e financeiros mais poderosos, foi uma
10. Empresa fantasma Amorim na mira do Bloco escolha: a da capitulação e do abandono das promessas
eleitorais. Mas significa ainda mais, significa o abandono de
11. Manifestação contra barragens no Vale do Tâmega ideais defendidos pelo PS, como o combate à pobreza e às
desigualdades sociais. A atitude face ao rendimento social
11. Urânio: Solução à vista, apesar do PS de inserção e ao subsídio de desemprego é bem a medida
da política que o governo PS vai seguir: capitulação perante
INTERNACIONAL a direita, até à sua demagogia populista mais primária.
PSD e CDS viabilizaram o orçamento para 2010, que já
12. Demolições forçadas desalojam 3000 famílias ia no sentido deste programa. Agora, na votação da resolu-
ção sobre o PEC, o PSD absteve-se e o CDS votou contra,
13. PE: Bloco defende Taxa Tobin apesar do programa capitular perante algumas das suas
mais celeradas exigências.
13. “Espanha e UE dobram-se perante o regime
totalitário de Marrocos”
Daqui para a frente, a direita viabilizará os planos ne-
gativos do governo, mas sempre exigindo mais e mais e
culpando apenas o PS por tudo o que de mau acontece. O
OPINIÃO governo não só governa com o plano da direita, também a
14. Caos como constante diário | Por Immanuel Wallerstein branqueia, dá-lhe argumentos e espaço. Se a oposição de
esquerda for fraca e pouco mobilizadora, Sócrates acabará
15. A raposa e a galinha | Por Bruno Maia derrotado, com os votantes socialistas desmoralizados e
entregando a governação a uma direita fortalecida.
16. Milton Friedman não salvou o Chile | Por Naomi Klein O governo e o aparelho do PS vão fazer tudo para calar
as vozes internas que contestam o PEC. Para o PS, este se-
16. Estes caminhos que vão dar a Março | Por Helena Neves rá o pior caminho, aquele que mostrará um partido submis-
so, incapaz de defender os seus próprios ideais e que, no
20. A Marcha da hipocrisia | Por Nelson Peralta final, entregará o poder à direita. À esquerda exige-se pois
que faça um amplo combate, capaz de mobilizar o eleitora-
20. Justiça e paz | Por Tiago Gillot do socialista. Só assim será possível derrotar esta política
para criar alternativa.
LOCAL A oposição política e social a este PEC começou já, pela
apresentação de alternativas e o voto contra no parlamen-
23. Breves
to, pelas greves e protestos sociais dos funcionários públi-
ESQUERDA :: PROPRIEDADE E REDACÇÃO: BLOCO DE ESQUERDA,
cos e dos trabalhadores de outras empresas e sectores.
RUA DA PALMA 268, 11O0-394 LISBOA Vai prosseguir no debate de cada medida concreta e,
DIRECTOR: CARLOS SANTOS REDACÇÃO: LUÍS LEIRIA, LUÍS sobretudo, na mobilização social contra as medidas do
BRANCO, ANDRÉ PIRES, GUSTAVO TOSHIAKI, SOFIA ROQUE EDIÇÃO PEC. Nos próximos meses, vão-se multiplicar os protestos
GRÁFICA: RITA GORGULHO EDIÇÃO FOTOGRÁFICA: PAULETE MATOS e as acções de rua. O grande desafio colocado à esquerda é
IMPRESSÃO: RAINHO & NEVES, LDA / STA. Mª DA FEIRA REGISTO o de chamar novos sectores sociais à luta, é o da mobiliza-
ERC: 1254851 TIRAGEM: 3000 ção social ampla.

ESQUERDA | ABRIL 2010 [3]


PEC 2010-2013

“Privatizações
não respondem
ao interesse público”
Num jantar com apoiantes transportadora aérea nacional que ga- de apoio. Alegre defendeu que o que
em Bragança, Manuel Alegre ranta a ligação com o Brasil, Estados Uni- Portugal precisa “não é do código de con-
deixou críticas às medidas dos da América e os países lusófonos de duta das medidas orçamentais impostas
anunciadas no PEC do Governo África”, acrescentou Alegre, referindo-se pelo Banco Central Europeu, mas de uma
e considerou os prémios ao plano do governo para vender a TAP. austeridade republicana exemplar, a par-
milionários dos gestores “Estas privatizações, a concretizarem-se, tir de cima”. “Desde os titulares dos órgãos
públicos como “um escândalo comprometem talvez irremediavelmen- de soberania aos administradores de em-
para a saúde da República”. te o chamado Estado estratega, ou seja, presas públicas”, concretizou. “Nenhum
a função estratégica do Estado”, alerta
constrangimento vindo de fora pode pôr
A proposta de privatizações anun- o candidato. Manuel Alegre referiu-se
em causa serviços públicos essenciais ao
ciada pelo governo de José Sócrates também ao Programa de Estabilidade
povo português como a Segurança Social,
foi duramente criticada pelo candidato e Cresceimento proposto pelo gover-
a escola pública e o Serviço Nacional de
presidencial: “Ao prever a privatização de no, dizendo que “o esforço de contenção
Saúde”, afirmou.
serviços públicos essenciais, como a Rede que é pedido pelo PEC é desigualmente
Ainda sobre o PEC, Alegre defen-
Eléctrica Nacional ou os CTT, ainda por ci- distribuído”. E deu o exemplo dos pré-
deu que “as medidas positivas, como por
ma rentáveis, não se está a pretender uma mios milionários dos gestores. “Não é
melhoria da sua gestão e uma resposta moralmente aceitável que enquanto se exemplo a taxação das mais valias e a
ao interesse público, mas apenas a querer impõe o congelamento de salários na criação dum novo escalão do IRS, deviam
obter rapidamente uma receita extraordi- Função Pública, haja gestores de empre- ter sido acompanhadas por sacrifícios pe-
nária. Além disto ser muito negativo para sas com capitais públicos que se atribuem didos ao sector financeiro, que é o grande
as regiões do interior”, acrescentou Ma- milhões de euros de prémios e benefícios. beneficiário do sector público, e aos gru-
nuel Alegre. É um escândalo para a saúde da Repú- pos sociais mais privilegiados num dos
“Também me parece que um país co- blica”, afirmou o candidato, arrancando países da Europa com maiores desigual-
mo o nosso não pode prescindir de uma fortes aplausos dos presentes no jantar dades”.

GOVERNO QUER CALAR ALEGRE


Depois de Sócrates, também Pedro Silva Pereira atacou “não cabe a um Presidente da República ter um programa al-
Alegre dizendo que não cabe a um Presidente da República ternativo de governação”, a propósito das críticas feitas pelo
ter “plano alternativo de governação”. candidato presidencial.
Em entrevista ao Jornal de Notícias, José Sócrates de- O ministro e secretário do PS disse também que o seu
fendeu o PEC, discordou das críticas feitas por Manuel Alegre partido não defendeu ainda a sua posição a propósito das elei-
e disse que “agenda da governação discute-se nas legisla- ções presidenciais: “Estamos concentrados agora na agenda
tivas e não nas presidenciais.” (Ler artigo no esquerda.net: da governação. Não definimos ainda uma posição a propósito
Sócrates ataca Manuel Alegre) Posteriormente, também o das eleições presidenciais, mas temos uma visão do que é a
ministro da Presidência, Pedro da Silva Pereira veio dizer que função presidencial”, disse.

[4] ESQUERDA Nº 39
PEC 2010-2013

15 medidas para uma


economia decente
Bloco quer promover Bloco rejeita a redução salarial na função Nas 15 medidas incluem-se tam-
pública, propondo em alternativa um bém medidas de aumento da receita,
uma política “aumento real em valor fixo” e, em rela- nomeadamente uma taxa de 25% para
de recuperação para ção ao desemprego, considera que “ não todas as transferências para off-shore e
a criação de emprego. é reduzindo o subsídio de desemprego
a tributação em IRS “de prémios extraor-
que se consegue dar emprego a quem
O Bloco de Esquerda apresentou a dinários de gestores e administradores
o procura e não o consegue” e defende
sua resposta ao governo sobre o PEC, a 50%”.
que, em 2010, o acesso ao subsídio de
demonstrando que é possível reduzir desemprego deve ser aumentado e não Sobre as privatizações, o Bloco con-
mais o défice, já este ano, e simultane- diminuído. sidera que as propostas do Governo são
amente promover uma política de recu- O Bloco propõe também a redução económica e socialmente desastrosas,
peração para a criação de emprego. No de despesas: limitar a consultadoria ju- ao reduzir a presença pública nos trans-
memorando, o Bloco de Esquerda critica rídica externa, reduzindo a despesa em portes e anular na energia, ao retirar os
o cenário macroeconómico do Governo, 189 milhões de euros; a renegociação seguros à CGD e vender os CTT e outros
cujos resultados serão desastrosos, a dos valores e dos prazos dos contratos bens estratégicos. Em alternativa, o Blo-
pior perfomance entre os países da zona das contrapartidas militares, previstos
euro para o período 2010/2013 e a redu- co propõe: “manter no controlo público
na lei de programação militar e a rene-
ção do desemprego apenas em 25.000 os sectores da economia em que exis-
gociação das parceiras público-priva-
pessoas em 4 anos, cujo resultado polí- tem monopólios naturais, ou que te-
das.
tico será “tornar permanente o recorde nham uma função estratégica (energia,
histórico do desemprego”. seguros, transportes) ou social funda-
Considerando que a “política eco- mental (CTT)”.
nómica não pode desistir de promover Por fim, o Bloco de Esquerda apon-
o investimento estratégico para a recu-
ta que “ falta no PEC uma estratégia de
peração contra a crise” propõe uma pri-
ajustamento orçamental a longo pra-
meira medida imediata, de reabilitação
de casas desocupadas e degradadas, zo” e propõe que o OE para 2011 inclua
com um investimento total de 5 mil mi- “propostas concretas que resultem de
lhões ao longo de 3 anos, para recuperar um inventário e auditoria das despesas e
200 mil casas, que “cria 60 mil postos de funcionamento do Estado, registando o
trabalho directos e tem um impacto de excesso ou o défice nos seus serviços, e
reanimação na economia de cerca de conduzindo assim a maior eficiência na
4% do PIB”. distribuição de recursos como a maior
O memorando apresentado pelo exigência na fixação de objectivos”.
ESQUERDA | ABRIL 2010 [5]
PEC 2010-2013

A esquerda censura
e ataca o governo no
coração da sua política
POR FRANCISCO LOUÇÃ

O Programa O Bloco de Esquerda tem agora e portuguesa se estrutura no confronto


de Estabilidade nos próximos anos um único objecti- entre esta aliança à direita e as respos-
e Crescimento (2010- vo: derrotar esta política para conduzir tas concretas e mobilizadoras que o
uma alternativa. Bloco apresenta.
2013) representa a
Esse confronto exige clareza e mo- É exactamente assim no PEC. O
estratégia do governo bilização. Só uma alternativa concreta CDS propôs cortar 130 milhões de eu-
e das políticas liberais pode construir essa clareza e mobili- ros no Rendimento Social de Inserção,
em todos os domínios zação, e foi por isso que o Bloco de Es- e os 130 milhões foram cortados. O PSD
da vida social: redução querda apresentou - e foi o único parti- exige manter os 1000 milhões de apoio
do a fazê-lo - uma resposta ao governo, fiscal ao offshore da Madeira, e têm os
de salários e subsídio que indica prioridades orçamentadas, 1000 milhões. A direita quer cortar 600
de desemprego, rupturas corajosas e respostas directas milhões na dotação orçamental para a
desemprego estrutural à redução da despesa, à protecção dos Segurança Social, e é o que conseguiu.
acima de 10%, salários e pensões, à criação de empre- O Governo decide privatizar parte da
privatização extensiva go, ao ataque à injustiça fiscal (Ler: 15 CGD, a direita apoia. Os CTT, a direita
medidas para uma economia decente). rejubila. A REN, a direita concorda. Os
dos bens públicos, O país inteiro deve perceber, e muitos aeroportos, a direita aplaude. Parte da
agravamento da trabalhadores sabem por experiência CP, a direita nem se tinha lembrado dis-
desigualdade fiscal, própria, que as medidas do governo so. A energia, a direita faz as contas ao
abandono do combate criam o desastre económico, mas que negócio. Mantêm o horário de trabalho
é o Bloco que apresenta uma resposta a chegar às 60 horas sem pagamento
à pobreza e degradação
para a criação de emprego que podia extraordinário, o patronato regista. Re-
dos serviços sociais. ser aplicada sem um segundo de atra- duzem o acesso e o valor do subsídio
so. de desemprego, a ortodoxia liberal está
Ora, o Orçamento de Estado para encantada.
2010 foi o primeiro momento desse Toda a política portuguesa se pre-
PEC de quatro anos. E a aliança entre o cipita nesta confrontação, e ela opõe as
PS, o PSD e o CDS foi a escolha deter- políticas sociais e orçamentais rigoro-
minante da sua aprovação. Queremos sas da esquerda contra o esbanjamen-
que a clareza demonstre que a política to, o favorecimento, o desperdício e a
[6] ESQUERDA Nº 39
criação de desemprego que faz a uni- gestão da dívida pública, alterações na as ocasiões, transformando-o obvia-
dade do Governo com a direita. É por Segurança Social e no subsídio de de- mente no seu principal adversário, co-
isso que o Bloco de Esquerda apresen- semprego, entre tantas. mo se tem visto em cada debate com
tou no Parlamento a mais clarificadora Em contrapartida, a estratégia es- o Primeiro-ministro. O Governo sonha
das censuras ao governo, na recusa de túpida seria branquear a responsabili- com o dia em que se possa apresentar
toda a sua estratégia económica, fiscal, dade da direita, conspirando com ela como vítima de uma conspiração, con-
orçamental e social, através de uma re- para eleições antecipadas, dando a tra a eleição de há seis meses, e possa
solução com as alternativas que apre- oportunidade ao governo de disfarçar dramatizar o debate político para ocul-
senta ao país, para uma economia de- a sua política e de ensaiar a mesma dra- tar o efeito social da sua aliança com
cente e para a mobilização da força dos matização que tão bem funcionou com a direita, acusando a esquerda de se
trabalhadores. Se essa resolução fosse Cavaco Silva nos anos oitenta, e que lhe conspurcar ao dar a mão à direita para
aprovada, o PEC perdia as condições permitiu ganhar a maioria absoluta. Só- um governo PSD-CDS.
políticas e caía. Reservando-nos sem- crates, que se recusa a governar sem ser Por outro lado, alguns dos vários
pre o direito de poder usar qualquer para tentar nova maioria absoluta, que PSDs também namoram essa ideia, na
instrumento constitucional na acção as sondagens ainda lhe dão como pos- esperança de ganhar uma eleição pelo
parlamentar, queremos que seja evi- sível, procura desde o seu primeiro dia enfraquecimento do Governo, hipóte-
dente que, para o Bloco, a luta contra o o pretexto para eleições antecipadas, e se que as sondagens até agora estão
PEC conduz a política. bem agradeceria quem lhe fizesses de longe de confirmar. Ora, o Bloco de Es-
A única estratégia que interessa à lacaio para esta manobra. Ensaiou esse querda não se deixa impressionar por
esquerda é a da resposta concreta, da discurso com a Lei das Finanças Regio- incidentes da campanha eleitoral inter-
mobilização social que acumule forças nais (cuja promulgação pelo Presidente na do PSD, por quem se precipita a tirar
para um Abril e um Verão quente, é es- o PS foi o primeiro partido a saudar!). conclusões acerca de uma comissão
sa clareza de alternativas. A evidente Repetiu-o com o Orçamento ou com a de inquérito que ainda nem começou,
divisão do PS sobre as privatizações, Comissão de Inquérito à compra da TVI. nem se alia à direita para jogos políti-
aliás como a divisão do governo e do Atacou o Bloco de Esquerda em todas cos absurdos.
PS sobre as políticas para a pobreza e A nossa missão, a nossa política e a
segurança social, são indicações de A estratégia estúpida nossa identidade é um movimento de
como esta estratégia da esquerda é esquerda, que constrói luta social, que
seria branquear
aguerrida e eficaz, expõe e isola os li- é mobilizadora de diálogos políticos,
berais, aumenta a capacidade de con-
a responsabilidade que junta forças e que luta por uma
fronto com cada uma das medidas do da direita, conspirando alternativa ganhadora, forte e maiori-
Governo e constrói a força da esquer- com ela para eleições tária para a democracia económica e
da. Essa orientação é ainda eficaz por- antecipadas, dando portanto para a vitória contra o capita-
que multiplica o confronto sobre cada a oportunidade ao lismo, a exploração e a injustiça. Cada
uma das medidas do PEC, que, essas governo de disfarçar decisão que tomamos responde a este
sim, terão que ser votadas uma a uma: compromisso à esquerda e não se des-
a sua política
medidas fiscais, novos Orçamentos, via dele.

CRÍTICAS AO PEC VINDAS DO PS


Paulo Pedroso "Tenho muitas reservas à inclu- Ana Gomes "Quero juntar a minha voz à da-
são no lote das empresas a privatizar de servi- queles que não compreendem que se contem-
ços cuja privatização já deu desastres noutros ple a privatização de empresas que trabalham
países, como os correios na Alemanha ou os em sectores de interesse estratégico ou de in-
transportes ferroviários no Reino Unido." (...) teresse geral" (...) "Estou a falar de empresas
"O governo do PS, em que votei, vai introduzir um tecto de como a REN, os CTT, a GALP. Do meu ponto de vista, é errado
despesa nas prestações sociais não contributivas, o que quer que o Estado prescinda da posição que deve aí ter."
dizer que quando ele estiver esgotado, quem receber, por
exemplo, o subsídio social de desemprego ou o complemento
solidário para idosos, apesar de ter direito à prestação já não João Cravinho “Neste PEC o PS caiu numa ar-
a receberá." (...) "Hoje sinto-me particularmente feliz por não madilha terrível. Assumiu-se definitivamente
ter sido candidato a deputado nesta legislatura." como um partido que propõe acima de tudo as
mesmas medidas que um partido de direita po-
Pedro Adão e Silva "Há uma letra a mais no dia tomar e deixou cair sem cuidado as bandei-
PEC. O "C" de crescimento. Portugal apresentou ras de esquerda que ainda há dois meses eram parte do seu
um "PE", um programa de estabilidade, mas, no programa." (...) "O PS entrou numa deriva à direita da qual vai
horizonte temporal de 2013 não poderemos es- ser muito dificil regressar sem que haja grandes alterações
perar crescimento." na direcção.”

ESQUERDA | ABRIL 2010 [7]


PEC 2010-2013

Uma caixinha
sem surpresas
POR MARIANA MORTÁGUA

Teixeira dos Santos considera que A estratégia foi por si da justa distribuição do esforço
distribuiu de forma equilibrada o es- de saneamento das contas públicas.
definida. Para reduzir o
forço que pede aos portugueses mas A taxação das mais-valias bolsistas,
reconhece que pede pouco ao sistema
défice vale tudo – para o por sua vez, fica para mais tarde. Para
financeiro”, afirma o Jornal de Negó- prego vão as empresas quando o “quadro financeiro estiver
cios. O Ministro teme prejudicar a ban- estratégicas do Estado, relativamente estabilizado”, diz o Minis-
ca nacional e a actividade empresarial. os trabalhadores, tro.
Pelos vistos nenhum contexto é os pensionistas e os Para último fica o melhor. Ao mes-
bom para pedir seja o que for à finan- funcionários públicos. mo tempo que reforça a fiscalização so-
ça. Mas então, se de fora fica o sector Vale tudo menos irritar bre a atribuição de prestações sociais,
financeiro, o esforço de consolidação que aperta as condições de acesso ao
é equilibradamente partilhado entre
o sector financeiro e o subsídio de desemprego e rendimento
quem? grande capital. social de inserção, o Estado vai seguir
Os desempregados vão ser obriga- Será que este Governo em frente com um perdão fiscal para
dos a aceitar trabalhos mal pagos (va- ainda acredita que todos aqueles, indivíduos ou empresas,
lor do subsidio acrescido de 25% nos quem nos colocou na que fugiram ao fisco através de offsho-
primeiros 6 meses e de 10% a partir do crise nos vai tirar dela? res. A troco do pagamento de 5% sobre
décimo mês). A relação entre o subsí- os capitais em situação irregular, o Esta-
dio de desemprego e o último salário do português vai esquecer as enormes
de acidentes pessoais e de vida (ac-
será também reduzida. dívidas fiscais dos infractores e ignorar
Os beneficiários do RSI enfrenta- tualmente com um limite máximo de todos os crimes fiscais a elas associa-
rão regras mais rígidas de aceitação 128€), limitar globalmente os benefí- dos.
de novo emprego. A despesa total cios fiscais, as deduções à colecta e as Não nos deixemos enganar. Os sa-
com o programa será também alvo de deduções para rendimentos de pen- crifícios que nos pedem não são par-
redução através do estabelecimento sões inferiores a 22500€. Será ainda tilhados por todos. Aqueles que enri-
de tectos máximos. Paralelamente, as aplicada, temporariamente, uma taxa queceram à custa da especulação, da
transferências do Orçamento para a Se- de 45% em sede de IRS para os rendi- fraude e da exploração continuarão a
gurança Social (para prestações sociais mentos acima de 150000€ (actualmen- fazê-lo, sem sacrifícios. Quem nos trou-
não contributivas) sofrerão cortes nos te taxados a 42%). xe a crise não vai pagar por ela, sairá
próximos anos. É sabido que os benefícios fiscais reforçado, munido de novos argumen-
Na função pública, a regra de “dois devem ser limitados, mas fazê-lo de tos e factores de chantagem sobre o
por um” sairá reforçada, bem como a in- forma cega não é solução. Se faz sen- Estado Social, os serviços públicos, os
tenção de acelerar o aumento da idade tido limitar as deduções nas áreas em salários e as nossas vidas.
da reforma e as reduções salariais. que existe oferta publica de serviços Para manter as taxas de lucro, ga-
O investimento público, essencial (como os seguros de saúde ou os PPR), rantir condições económicas favoráveis
para a criação de emprego e dinamiza- o mesmo não é verdade para os segu- ao sector financeiro e acalmar os mer-
ção da economia, também sofrerá cor- ros de vida, por exemplo, obrigatórios cados internacionais, não são só as em-
tes, os maiores desde há muito. para quem quer pedir um empréstimo presas públicas que vão para o prego,
Ao nível fiscal, o Estado propõe- à habitação. Quanto ao novo escalão de são os nossos direitos, conquistados a
se eliminar os benefícios com seguros IRS, apesar de necessário, não é garante pulso nos últimos trinta anos.
[8] ESQUERDA Nº 39
SALÁRIOS

Salários
e competitividade
POR JOÃO FERREIRA DO AMARAL*

Recorrentemente, O problema de se fazerem afirma- to significa? Significa que a descida de


ções como estas é que elas se referem salários é um instrumento particular-
alguns economistas a um assunto muito sério, que afecta mente ineficaz para melhorar a compe-
estrangeiros e de forma directa o rendimento de mi- titividade externa. Por exemplo, para se
portugueses vêm lhões de famílias e que, portanto exi- atingir uma melhoria de 20% na com-
sugerir uma descida giriam à partida uma fundamentação petitividade externa os salários teriam
económica clara. O justificado alarme de descer 60%!
de salários nominais
público que tais declarações provocam Porque é que isto sucede? Por um
como forma da nossa imporia, com efeito, que quem as faz a razão evidente: é que o conteúdo di-
economia ganhar, ou demonstrasse com cálculos credíveis a recto e indirecto em importações das
melhor, recuperar justeza da sua proposta. Do nosso pon- exportações portuguesas é muito ele-
a competitividade to de vista, a proposta de redução sala- vado (cerca de 40%, de que uma parte
rial no sentido de melhorar a competiti- importante tem a ver com o petróleo)
externa que tem vidade não tem qualquer fundamento pelo que só os restantes 60% do valor
perdido desde meados técnico-económico sólido e revela que das exportações são repartidos entre
dos anos noventa. quem a sugere não fez um mínimo de salários e rendimentos do capital.
cálculos sérios sobre o assunto. E, note-se, nem sequer argumen-
Tentámos, por isso avaliar em que tamos com outros efeitos da descida
medida se justificaria uma redução salarial claramente inaceitáveis, como
salarial nominal para obtermos uma seja o seu impacte na solvência das fa-
melhoria da competitividade. Para is- mílias que recebem rendimentos sala-
so, como base na matriz de relações riais, as quais veriam os seus rendimen-
inter-industriais de 2005 (fluxos nacio- tos descer ao mesmo tempo que as
nais) calculámos o conteúdo em salá- dívidas que contraíram se manteriam
rios - conteúdo directo e indirecto (este no mesmo valor.
último através das matérias-primas e A nossa conclusão é a de que quem
outros fornecimentos que o sector ex- advoga uma descida geral dos salários
portador consome) - do sector expor- nominais para melhorar a competitivi-
tador. E chegámos à conclusão que es- dade externa teria toda a vantagem em
se conteúdo é de cerca de 33%, ou seja, fazer algumas contas.
se os salários diminuírem (ou aumen-
tarem) 10% os preços das exportações, Artigo escrito em co-autoria com João Carlos
tudo o resto se mantendo constante, Lopes, Professor no ISEG, originalmente publi-
caem (ou sobem) 3,3%. O que é que is- cado no diarioeconomico.pt.

ESQUERDA | ABRIL 2010 [9]


SOCIEDADE
Na eleição para a Comissão de Tra- Comissão de Trabalhadores. No mesmo
PAULETE MATOS

balhadores da Autoeuropa votaram dia, os trabalhadores da vizinha fábrica


2222 dos 2988 trabalhadores, uma taxa Faurecia votaram em referendo o pré-
de participação de 74%. A lista vencedo- acordo alcançado pela sua Comissão
ra conseguiu alargar o apoio em relação de Trabalhadores nas negociações com
à votação de há dois anos, obtendo ago-
a Direcção da empresa para este ano.
ra mais 200 votos. Para António Chora,
A participação no referendo rondou os
esta vitória permite que se continue a
70% do total de 339 trabalhadores e
“lutar por um novo produto, por mais
Autoeuropa: emprego e por melhores condições
para os trabalhadores”. “É o reconheci-
registou-se uma clara maioria de votos
favoráveis, que ultrapassou os 80%.
Trabalhadores mento, por parte dos trabalhadores, da Este pré-acordo prevê um aumento
geral de salários de 1,25%, a aplicação
renovam nossa luta, do nosso trabalho por novos
produtos e por mais emprego, contra do Regulamento Plano de Carreiras
confiança na CT aqueles que fizeram toda uma campa-
nha em que defendiam o emprego que
em Julho e dos prémios por objectivos
que podem chegar a 42 euros mensais.
têm e punham em risco e em causa a O subsídio de refeição mantém-se nos
A lista liderada por
possibilidade de mais emprego”, disse 5,24 euros por dia efectivo de trabalho
António Chora obteve António Chora, recordando a posição e o subsídio de transporte aumenta
mais de 55% dos votos de alguns adversários na campanha,
2,73%, para os 113 euros mensais. O
e volta a eleger 7 em 11 que “chegaram ao ponto de dizer que
valor do trabalho suplementar man-
elementos da Comissão não queriam mais produtos, nem mais
tém-se em 2010 e quanto a eventuais
de Trabalhadores. Na emprego, se com isso tivessem que fa-
zer qualquer cedência, por mínima que alterações nos horários de trabalho, a
Faurecia - o maior
fosse”. A lista D foi a segunda mais vota- direcção compromete-se a consultar
fornecedor da Autoeuropa -
da, elegendo 3 elementos com 21,9% previamente a CT sobre a sua definição
o referendo deu luz verde ao
dos votos, e a lista C elege um elemento e organização, que é articulada com as
pré-acordo com a empresa
com 12,7%. A lista B obteve 4,4% e não necessidades do principal cliente, a Au-
para 2010. conseguiu eleger representantes para a toeuropa.

Empresa fantasma
Amorim na mira
do Bloco
O deputado Pedro Filipe Soares quer que o governo inves- nem a qualquer mudança do local de trabalho”, diz o deputado
tigue os indícios de gestão danosa na Corksribas, a em- bloquista no requerimento entregue ao ministério da Economia.
presa que o grupo Amorim diz não lhe pertencer. “Mesmo a água e a luz que é fornecida à empresa Corskribas
são provenientes da empresa Amorim Revestimentos, perten-
A empresa ficou conhecida por querer despedir um grupo de cente ao Grupo Amorim. Até a segurança nocturna das insta-
trabalhadores, sob a acusação de “sindicalistas”. A relação com lações da empresa CorksRibas é realizada pela mesma pessoa
o Grupo Amorim é conhecida dentro da empresa, embora a ad- que garante a segurança da empresa Amorim Revestimentos”,
ministração o negue. acrescenta o deputado. “Sendo a situação actual passível de
“As provas da integração da empresa no Grupo Amorim chega- esconder outras questões relevantes de engenharia financeira,
ram ao conhecimento do Grupo Parlamentar do Bloco de Es- nomeadamente ao nível de gestão danosa das empresas, existe
querda, desmentindo a administração. Existem trabalhadores a necessidade real de se proceder a uma clarificação cabal da
da CorksRibas que, ao longo da sua vida profissional nas insta- situação”, defendeu Pedro Filipe Soares.
lações da empresa CorksRibas, foram alternando o seu víncu- Apesar de estarem à vista as ligações com o grupo fundado por
lo contratual entre a empresa CorksRibas e o Grupo Amorim. Américo Amorim, a administração desta empresa granuladora
Realço que a mudança do vínculo contratual não teve qualquer de cortiça de Santa Maria da Feira sempre negou qualquer rela-
impacto ao nível das funções que os trabalhadores realizavam, ção com o grupo Amorim.

[10] ESQUERDA Nº 39
SOCIEDADE

PAULA NOGUEIRA
Centenas de pessoas
protestaram, em
Amarante, contra a
construção de seis Manifestação contra
novas barragens barragens
sem ter em conta os
prejuízos ambientais. no Vale do Tâmega
Ao som de tambores e em torno GEOTA, SOS Paiva, Salvar o Tua. O Bloco do lobo que se pretende salvaguardar.
de alguns mascarados representan- de Esquerda (deputados João Semedo, Apelou a que mais cidadãos subs-
do animais com existência ameaçada, José Soeiro e Rita Calvário, dirigentes crevam a petição Por Amarante, Sem
juntaram-se cerca de 300 pessoas jun- e militantes do distrito do Porto) e Os Barragens. De seguida falou Emanuel
to à Ponte de Amarante em protesto Verdes fizeram-se também represen- Queirós do Movimento Cidadania e De-
contra a construção de mais barragens tar. A presença de alguns autarcas fez- senvolvimento do Tâmega que afirmou
em rios naturais. No sábado de 13 de -se também notar, como foi o caso dos que «ali se estava a ouvir a voz do Tâme-
Março várias organizações locais e am- presidentes de Junta de São Gonçalo e ga», das populações desconsideradas
bientais convocaram essa concentração de Cepelos. Ricardo Marques da Quer- pelo poder central que pretende vender
para manifestar repúdio pela intenção cus tomou a palavra para desmistificar um dos seus principais recursos naturais,
do governo em construir mais 6 novas a importância da barragem do Fridão, o rio, fragmentando-o com 6 albufeiras.
barragens sem ter em conta os grandes lembrando que a pequena percenta- Considerou ainda que este programa é
prejuízos ambientais que acarretarão. gem com que iria contribuir para a pro- «mercenário» e «contra-natural» indo
Melhores resultados se obteriam, em dução energética não podia justificar os sacrificar aos interesses das empresas
sua opinião, com a manutenção das danos ambientais previsíveis. Para além produtoras de energia o futuro da zona.
barragens existentes e uma aposta forte de impedir a oxigenação das águas su- Apontou como saída possível um apos-
nas energias renováveis. perficiais, de prejudicar a vida de peixes ta no desenvolvimento sustentável.
Entre outras foram referidas as pre- e de roubar vários hectares à Reserva Entretanto, no rio, parados sob a
senças do GAIA, Movimento Cívico pela Agrícola e a zonas protegidas, iria causar ponte, vários canoístas juntaram-se ao
Linha do Tua, Quercus, Campo Aberto, impacte negativo na própria existência protesto.

Urânio: Solução nas abrangidos pelo regime de acesso às pensões os trabalha-


dores que estavam ao serviço à data da dissolução da empresa,

à vista, apesar do PS considerando mesmo esta opção como “um absurdo”. Mariana
Aiveca recordou ainda os números referentes a mortes por do-
ença de trabalhadores da ENU: “Em Março de 2008 eram 80,
Depois de ter chumbado por duas vezes o acesso às pen- hoje sabe-se que faleceram 115 trabalhadores de cancro”.
sões de invalidez dos antigos trabalhadores da Empresa Da parte do CDS, cujo projecto de lei alarga as pensões aos tra-
Nacional de Urânio, o PS tenta agora limitá-las. balhadores a um vínculo mínimo de quatro anos com a empre-
sa, o deputado Helder Amaral afirmou que terá “abertura para
Todos os partidos da oposição apresentaram propostas para olhar para as propostas do BE, PCP e PEV” na especialidade.
garantir esse acesso aos trabalhadores afectados pela expo- António Minhoto, porta-voz da comissão dos antigos trabalha-
sição a material contaminante. Mas o PS, depois de ter chum- dores, está confiante em como o problema será resolvido na
bado por duas vezes iniciativas semelhantes quando tinha próxima semana. “Os partidos da oposição reafirmaram todo o
maioria absoluta no Parlamento, anuncia agora que irá viabili- seu apoio e o PS disse que ia ponderar a sua posição no sentido
zar apenas as do PSD e CDS, que limitam aquele acesso a um de viabilizar os projectos de lei, por isso estamos convencidos
período mínimo de permanência na empresa. de que na próxima quinta feira serão aprovados”.Desta forma, e
“Com esta posição o PS contraria todos os estudos científicos depois de uma luta que se arrasta há cerca de oito anos, Antó-
que existem sobre esta matéria”, criticou a deputada do Bloco nio Minhoto acredita que “este processo está pacificado, o que
de Esquerda Mariana Aiveca. só peca por tardio, devido à teimosia do PS”, que já chumbou,
A deputada do Bloco sublinhou o “erro grave” de manter ape- por duas vezes, os projectos de lei dos partidos da oposição.

ESQUERDA | ABRIL 2010 [11]


INTERNACIONAL

FLICKR / MOISES.ON
Demolições forçadas
desalojam
3000 famílias
Segundo o site angolaresistente. estão também a provocar tensões e
Sob a direcção directa
net da SOS Habitat, o Governo de An- conflitos na Tchavola, entre as pessoas
gola está a proceder a demolições em
do governador de que estão a ser lá colocadas em tendas
massa ao longo da linha férrea no Lu- Huíla, estão a ser e os antigos moradores, porque “ as la-
bango, que levaram ao desalojamento feitas demolições de vras dos habitantes locais estão a ser
de cerca de 3.000 famílias, englobando casas em massa, ao cedidas aos desalojados”.
20.000 pessoas. Os desalojados não re- longo da linha férrea De acordo com o mesmo blogue,
ceberam notificações por escrito e nin- “fala-se em surdina que as ordens de
guém foi indemnizado. Os desalojados
no Lubango. Em demolição de casas partem do Gover-
que não têm hipótese de se alojar em Benguela, foi proibida no Central, nomeadamente do Gabi-
casas de familiares estão a ser coloca- uma marcha contra as nete Nacional de Reconstrução”. As de-
dos em tendas na área da Tchavola, nos demolições. molições irão prosseguir noutros locais
arredores do Lubango. O governador no perímetro não permitido ao longo
prevê utilizar o estádio da Tundavala da linha férrea, “ fala-se da previsão de
Na carta, a Omunga solicitava a
para alojar famílias debaixo das banca- projectos turísticos ao longo da cordi-
das. Eduardo dos Santos que parasse “de lheira montanhosa onde se situa a está-
A operação de demolição e desalo- imediato” as demolições, permitisse tua do Cristo Rei”, refere o blogue.
jamento forçado é comandada e super- uma investigação para apurar os factos A associação Omunga anunciou
visionada directamente pelo governa- e “punir os responsáveis”, “sob pena do a convocação de uma Marcha para o
dor da província, Isaac dos Anjos. Exmo. Sr. Presidente da República ser dia 25 de Março, a qual não se chegou
A associação Omunga reclamou responsável por todas as violações de a realizar devido a impedimento po-
contra as demolições na cidade do direitos humanos que estejam a ocor- licial, na cidade de Benguela, “com o
Lubango e enviou uma carta ao Pre- rer ou que advenham de tal acção de propósito de denunciar e exigir o cum-
sidente da República de Angola, José demolições”. primento da lei e de todos os tratados
Eduardo dos Santos, mas a presidência Segundo o blogue quintasdedeba- internacionais referentes a demolições
negou-se a recebê-la (leia notícia em te.blogspot.com, as demolições já pro- e desalojamentos forçados de popula-
quintasdedebate.blogspot.com). vocaram 7 mortes. Os desalojamentos ções”.
[12] ESQUERDA Nº 39
INTERNACIONAL

PE:
INLUSTRAÇÃO DE BEN HEINE

Bloco defende
Taxa Tobin
No debate do Parlamento Europeu Em resposta, argumentou que “di-
em Estrasburgo, sobre a taxação das zer isto é dizer às pessoas que jamais
transacções financeiras, Miguel Portas existirá taxa Tobin em escala planetária”.
defendeu a implementação da Taxa To- Assim, defendeu, “numa perspec-
bim. Para Miguel Portas foi claro a UE é tiva diferente”, que a União Europeia é
um mercado financeiro suficientemente “um mercado financeiro suficientemen-
forte para que uma taxa geral residual te forte para que uma taxa geral residual
sobre todas as transacções se possa fa- sobre todas as transacções se possa fa-
zer sem que haja fuga de capitais. zer sem que haja fuga de capitais”.
Mesmo considerando que se tivés- Miguel Portas explicou também
semos uma Taxa Tobin não teríamos que com medidas como a Taxa Tobin,
evitado a crise financeira, Miguel Portas a União Europeia deveria dar o sinal de
afirma que “teríamos seguramente mui- que “nesta crise, pelo menos residu-
to mais recursos para poder combater almente, o capital financeiro que nos
os efeitos da crise financeira nas nossas trouxe à crise, pelo menos residualmen-
economias e sobre os sectores mais des- te, tem que pagar”.
favorecidos da população europeia”. O objectivo, disse, seria “combater a
Além disto, o deputado criticou os fome e a pobreza à escala internacional”
argumentos que embora encarem a e “começar a financiar a montagem de
taxa como “uma ideia atraente e muito um pilar social na construção europeia,
interessante”, dizem também que não se que é o pilar que nos falta e que não
pode aplicá-la à escala europeia, neces- temos”. “Os cidadãos compreenderiam
sitando esta de um âmbito mundial. isto muito bem”, rematou.

“Espanha e UE FLICKR / SAHARAUIAK

dobram-se
perante o regime
de Marrocos”
Cerca de 30 activistas do Bloco participaram na contra-comei- nárias), no final de 2009, para protestar contra a sua expulsão
ra pelos direitos do povo saharaui. No final da contra-cimeira do Sahara Ocidental pelas autoridades marroquinas.
em Granada, Aminetu Haidar acusou o governo espanhol e a Já o rei de Marrocos, Mohamed VI, enviou uma mensagem à
União Europeia de porem os interesses económicos à frente cimeira entre a União Europeia e Marrocos, na qual defende
dos direitos humanos e da defesa do povo saharaui. a soberania de Marrocos sobre o Sahara Ocidental e apela à
A activista saharaui criticou a “traição” de Espanha à sua anti- resolução política do que considera um “diferendo artificial”.
ga colónia do Sahara Ocidental e o seu “cego seguidismo” em As autoridades de Rabat consideram que o Sahara Ocidental,
relação a Marrocos, numa intervenção na conferência de apoio uma antiga colónia espanhola anexada por Marrocos em 1975,
ao povo saharaui realizada em paralelo à cimeira UE-Marrocos faz parte do seu território. Mas a Frente Polisário, apoiada pela
na cidade espanhola de Granada. Argélia – onde se encontram milhares de refugiados saharauis
Esta foi a primeira aparição pública de Haidar em Espanha, – reclama a realização de um referendo que contemple a op-
desde a sua greve de fome de 32 dias em Lanzarote (ilhas Ca- ção pela independência.

ESQUERDA | ABRIL 2010 [13]


OPINIÃO

FLICKR / ALFREDO ORTIZ


Caos como
constante diária

POR IMMANUEL WALLERSTEIN

Sabemos que estamos Vejam as recentes enormes “surpre- ansiando pela mudança, alimentando
a viver numa situação sas” - a eleição de um senador republica- uma sede de sangue.” Primeiro elegeram
no em Massachusetts; o colapso finan- Obama; agora, rejeitam-no. Porquê? “A
caótica quando (1) os
ceiro do Dubai; a quase bancarrota de multidão é volúvel.”
média de referência vários grandes estados no interior dos O que estamos a observar na Califór-
mostram-se constantemente Estados Unidos e de quatro ou cinco dos nia, na Grécia, na maioria dos governos
surpreendidos pelos estados-membro da União Europeia; mundiais? A arrecadação dos governos
acontecimentos; (2) as fortes flutuações mundiais das moedas. é baixa, principalmente pela redução da
Estas “surpresas” são comentadas colecta de impostos, que por sua vez é
previsões de curto-prazo
diariamente na imprensa mundial e causada pelo facto de em todo o lado
de vários especialistas pelos principais políticos. Não têm qual- as pessoas consumirem menos por me-
apontam para direcções quer acordo sobre o que está a aconte- do de o seu dinheiro acabar. Ao mesmo
totalmente diferentes cer, e muito menos sobre o que deveria tempo, precisamente porque o desem-
e são formuladas com ser feito para melhorar a situação. Por prego mundial é consideravelmente
exemplo, li apenas duas declarações in- maior, os Estados têm de gastar mais.
muitas reservas; (3) o
teligentes sobre os resultados eleitorais Assim, os Estados têm menos di-
Establishment ousa dizer nos Estados Unidos. nheiro para responder a necessidades
coisas ou usar palavras Uma foi do próprio Barack Obama: maiores. Que podem, então, fazer?
que antes eram tabu; (4) “O processo que levou à vitória de [o re- Podem aumentar impostos. Mas rara-
as pessoas comuns estão publicano] Scott Brown [em Massachu- mente os contribuintes são a favor de
setts] foi o mesmo que me deu também que aumentem os seus impostos. E os
assustadas e zangadas, mas
a vitória: as pessoas estão zangadas e Estados temem a fuga das empresas.
muito inseguras em relação
frustradas.” E a segunda foi do colunis- Bem, nesse caso, podem cortar gastos -
ao que fazer. Esta é uma boa ta afro-americano Charles M. Blow, do presentes ou futuros, como as pensões.
descrição dos últimos dois New York Times. Intitulou a sua coluna Depois, têm de enfrentar o desconten-
anos em todo o mundo, ou “As multidões mandam” Disse: “Benvin- tamento popular, ou mesmo a revolta
pelo menos na sua maior dos à multidão: um eleitorado zangado popular.
e ferido, exasperado pela recessão, osci- Entretanto, o “mercado” reage. Mas
parte.
lando através do espectro político, ainda que mercado é este que reage - por
[14] ESQUERDA Nº 39
OPINIÃO
exemplo, alterando as suas preferên-
cias em termos de moeda? São as muito
grandes empresas e as estruturas finan-
ceiras como os fundos de risco (hedge
funds), que moldam o sistema finan-
ceiro mundial à procura de ganhos de
curto-prazo, mas significativos.
O resultado é que os governos fi-

A raposa
cam diante de escolhas impossíveis, e
os indivíduos diante de escolhas ainda
mais impossíveis. Não podem prever o

e a galinha
que é provável que aconteça. Tornam-se
ainda mais frenéticos. Viram-se violenta-
mente para o proteccionismo, para a xe-
nofobia ou para a demagogia. Mas isso,
evidentemente, pouco resolve. POR BRUNO MAIA
Neste ponto entra o maior dos es-
pecialistas mundiais, Thomas L. Fried- Voltemos aos Mello! Prossegue Mello não contrataram outra - lá se foi,
man, que escreveu uma coluna intitu- em Braga o reinado dos “excluídos” do durante meses, a reabilitação dos do-
lada “Nunca tinha ouvido isso”. O que Amadora-Sintra. O Hospital de Braga entes afásicos.
é que ele nunca tinha ouvido? Ouviu foi auditado. Consta que não terá acre- Histórias e estórias que revelam
não-americanos falando em Davos so- ditação total. Aliás, durante o próprio o ambiente criado por um grupo de
bre “instabilidade política” nos Estados processo de auditoria, a luz, por azar,
16 gestores que ganham mais do que
Unidos. Diz que, na sua experiência pas- resolveu falhar, deixando uma criança
qualquer outro elemento daquele hos-
sada, uma frase como esta só fora usada anestesiada na máquina de Ressonân-
cia Magnética, tendo o exame ficado a pital (por mais anos que lá esteja...) e
referindo-se a países como Rússia, Irão cujos patrões são importantes senho-
meio...
ou Honduras. Imaginem. Pessoas real-
res da medicina privada que, como se
mente a considerar os Estados Unidos
O orçamento deste sabe, só beneficia com a derrocada do
politicamente imprevisíveis. E Thomas
ano para a saúde não SNS. É elementar, se eu fosse uma gali-
Friedman que nunca ouvira isso.
nha que mandasse numa capoeira, iria
Houve quem tivesse escrito isto, e ajuda. Aliás, desajuda.
explicando-o, durante pelo menos 40 eu contratar uma raposa para gerir a
E o congelamento nos capoeira no meu lugar??
anos, mas Thomas Friedman nunca ti-
salários dos funcionários O orçamento deste ano para a
nha ouvido. É porque ele vive num casu-
lo autoconstruído, o do Establishment públicos é paradigmático. saúde não ajuda. Aliás, desajuda. E o
político dos Estados Unidos e dos seus O SNS é, cada vez mais, congelamento nos salários dos fun-
acólitos noutros lados. As coisas devem abandonado por médicos cionários públicos é paradigmático. O
estar a correr-lhes mesmo mal para re- que se deslocam para o SNS é, cada vez mais, abandonado por
conhecerem esta realidade básica. Os médicos que se deslocam para o Priva-
Privado, ou em tempo
Estados Unidos são politicamente instá- do, ou em tempo total ou em tempo
veis - e é provável que fiquem mais, não total ou em tempo
parcial. Os que ficam vêem o peso do
menos, na próxima década. parcial. seu trabalho diário a aumentar - mais
A Europa é mais estável? Só um horas extraordinárias, maior o rácio de
pouco. A América Latina é mais estável? Há alturas durante o dia, sobretudo doente/médico, vêem os colegas a ce-
Só um pouco. A China é mais estável? nos turnos fora do horário diurno, em lebrar contratos com as administrações
Talvez um pouco, mas não há garantias. que há apenas um maqueiro para todo
EPE que os coloca fora da função públi-
Quando o gigante balança, muitas coi- o hospital - imaginemos o tempo que
ca ao mesmo tempo que lhes dobra o
sas podem cair com ele. levará apenas uma pessoa a transpor-
O caos diário é assim - uma situa- tar um hospital inteiro! Na Medicina ordenado. Vêem os hospitais a ficarem
ção que não é previsível no curto prazo, Física e da reabilitação começaram a velhos e ninguém a mexer uma palha
menos ainda no médio. Por isso, é uma falhar as ajudas técnicas a doentes que por isso. E no meio disto tudo, aumen-
situação na qual as flutuações econó- precisam de uma cadeira de rodas, de ta o trabalho, aumenta a precariedade,
micas, políticas e culturais são grandes canadianas, entre outras coisas. A única aumenta a desigualdade inter-pares,
e rápidas. E isto assusta a maioria das terapeuta da fala que o hospital tinha aumenta a exigência de cuidados e só
pessoas. entrou em licença de maternidade e os não aumento o ordenado.

ESQUERDA | ABRIL 2010 [15]


OPINIÃO

FLICKR / EVIL
Milton Friedman
não salvou o Chile
POR NAOMI KLEIN

Desde que a desregulação causou sistir terramotos, foi adoptado em 1972. em rápida expansão. Os chilenos acre-
um desastre económico mundial em Se- Essa data tem um grande significado, ditaram no Estado, razão pela qual ele-
tembro de 2008, toda a gente se tornou porque é anterior à tomada de poder geram Allende para levar esse projecto
outra vez Keynesiana, e não tem sido sangrenta de Pinochet apoiado pelos mais além.
fácil ser um seguidor fanático do econo- Estados Unidos. Isso significa que se al- Depois do golpe e da morte de Al-
mista Milton Friedman. O seu símbolo guém merece mérito da lei, não é Fried- lende, Pinochet e os Chicago Boys fize-
fundamentalista de mercado livre está man ou Pinochet, mas Salvador Allende, ram de tudo para desmantelar a esfera
amplamente desacreditado e os seus o presidente socialista eleito democrati- pública do Chile , leiloando empresas
seguidores tornaram-se cada vez mais camente. (Na verdade são muitos os chi- estatais e cortando as regulações finan-
desesperados para reclamar vitórias ide- lenos que merecem o mérito, já que as ceiras e comerciais. Foram criadas enor-
ológicas, apesar de rebuscadas. leis foram criadas para responder a um mes fortunas neste período de tempo a
Vem ao acaso um exemplo particu- historial de terramotos, e a primeira lei um custo terrível: no principio dos anos
larmente desagradável. Dois dias antes foi adoptada na década de 1930). 80, as políticas de Pinochet recomenda-
de o Chile ser abalado por um terramo- Parece significativo, apesar de a lei das por Friedman causaram uma rápida
to devastador, o colunista do Wall Street ter sido promulgada durante um ago- desindustralização, um aumento em
Journal Bret Stephens, informou os seus nizante embargo económico (“façam a dez vezes do desemprego uma explo-
leitores que o espírito de Milton Fried- economia gritar” grunhiu epicamente são de bairros de lata claramente instá-
man “estava certamente a flutuar para Richard Nixon após a vitória de Allende veis. Eles também levaram o Chile a uma
proteger o Chile” porque, “graças a ele, o nas eleições de 1970). O código foi de- crise de corrupção e a uma dívida tão se-
país tinha resistido a uma tragédia que pois actualizado nos anos 90, depois de vera, que, em 1982, o Pinochet foi força-
em qualquer lugar teria sido um Apoca- Pinochet e os Chicago Boys estarem fi- do a despedir os principais conselheiros
lipse... Não é por acaso que os chilenos nalmente fora do poder e a democracia dos Chicago Boys e a nacionalizar várias
estão a viver em casas de tijolo - e os já tinha sido restaurada. instituições financeiras que tinham sido
haitianos em casas de palha - quando o Não se admirem: como Krugman desreguladas. (Soa a algo familiar?)
lobo chegou para derrubá-las com um aponta, Friedman era ambivalente Felizmente, os Chicago Boys não
sopro.” quanto aos códigos de construção, por- conseguiram desmantelar o trabalho de
De acordo com o Stephens, as po- que considerava-os uma forma de in- Allende. A empresa nacional de cobre,
líticas radicais do liberalismo prescritas fringir a liberdade capitalista. Codelco, continuou nas mãos do Estado,
ao ditador chileno Augusto Pinochet Quanto ao argumento de que as injectando riqueza nos cofres públicos e
por Milton Friedman e os seus infames políticas de “friedmanianas” são a razão evitando que os Chicago Boys arrasas-
“Chicago Boys” são a razão de o Chile de os chilenos viverem em “casas de ti- sem a economia chilena por completo.
ser uma nação próspera com “umas das jolo” em vez de “palha”, fica claro que Eles também não conseguiram des-
normas de construção mais rígidas do Stephens não conhece o Chile anterior fazer-se do código de construção de
mundo.” ao golpe. O Chile dos anos 60 tinha o Allende, um descuido ideológico pelo
Há um grande problema em torno melhor sistema de saúde e educação qual devemos estar gratos.
desta teoria: o novo código de constru- no Continente, além de uma indústria
ção sísmica no Chile, elaborado para re- efervescente e de uma classe média Tradução de André Costa Pina

[16] ESQUERDA Nº 39
OPINIÃO

Esses caminhos
que vão dar a Março
POR HELENA NEVES

Que vivências, que me- já um forte carácter reivindicativo, pa- ideológica e social sucederá o 8 de Mar-
tente nas enormes manifestações de ço. Mas as mulheres que ganham as ru-
mórias de lutas colecti-
massas, em Fevereiro, contra o desem- as de Nova Iorque, na primeira grande
vas conduziram a este prego e a inflação, quando do pânico manifestação de mulheres, não lêem o
momento? da crise de 1837. New York Dailly Tribune, não conhecem
8 de Março de 1857, É babilónico, na sua composição, Owen, estão longe de saber o que sig-
Nova Iorque, operárias este jovem proletariado americano. nifica a Igualdade, Liberdade e Fraterni-
Entre 1815 e 1860, oriundos não só de dade apregoados pela Revolução Fran-
têxteis nas ruas cesa e assimilados pelo pensamento
Inglaterra mas também de outros pa-
íses da Europa do Norte, aportavam à progressista americano. Não são iguais
Em pleno século XIX, o pensamen- América do Norte, 5 milhões e meio de a não ser entre si, irmanadas na mesma
to progressista americano reflecte um estrangeiros que, em 1850, constituem sorte pois até em relação aos operários
conjunto de influências, desde o ilumi- já 43% da população urbana. elas são discriminadas.
nismo subjacente aos ideais da Revolu- Provavelmente mais desprotegido Não conhecem a fraternidade a
ção Francesa de 1789 (recordemos que do que qualquer outro, porque a abun- não ser a da nascente solidariedade fe-
muitos revolucionários, banidos pelo minina pois que os trabalhadores, par-
dância de mão-de-obra, por um lado,
domínio napoleónico, emigram para a ticularmente os desempregados lhes
e a concentração industrial favorecida
América) e ao socialismo utópico, no- são, amiúde hostis.
pelo desenvolvimento da rede ferroviá-
meadamente de Calvet e de Owen. Es- Quais então as «causas» do 8 de
ria, proporcionam níveis de exploração
te chega mesmo a fundar, em Maio de Março nos EUA, Nova Iorque em 1857?
intensíssimos, a par do desemprego, da
1825, uma comuna em território ameri- Elas não são imediatas e muito me-
insegurança, das tensões no movimen-
cano «A Nova Alemanha» e influenciará
to operário. O escritor inglês Frederick nos, simples. Necessariamente terão de
a parte mais silenciada do feminismo
Marryat conta que os mecânicos de- ser buscadas na própria vivência femi-
americano através da comunalista
sempregados de Nova Iorque têm «ar nina no território americano, desde a
Fanny Wright.
de lobos esfomeados». participação das mulheres na coloniza-
Entretanto, em meados do século,
Charles Dickens fala da «pobreza, ção ao movimento feminista, passando
surgem timidamente alguns centros
desgraça e vício da cidade», em 1842. pela intervenção feminina na guerra da
de pensamento marxista ligados ao
Lydia Maria Child, autora de «uma in- independência, nas associações filan-
núcleo revolucionário de Marx e Engels
vocação a favor da classe dos negros trópicas e pacifistas e no movimento
em Bruxelas que constitui o embrião
americanos», desabafa «It is sad to abolicionista.
da Associação Internacional de Traba-
lhadores. talking in the city» («é triste andar na
O próprio Marx publicará, em 1853 cidade»). Mais triste ainda, a sorte da A mulher na coloniza-
e 1854, diversos artigos ao New York mulher trabalhadora. A ela os salários ção e independência
Dally Tribune. Paralelamente, o movi- mais miseráveis; as piores condições de «São elas as verdadeiras escravas do
mento operário americano apresenta trabalho, a opressão mais profunda. país» escreve uma inglesa referindo-se à
Neste contexto de fermentação mulher americana do período de colo-

ESQUERDA | ABRIL 2010 [17]


nização. Desde a primeira chegada dos de… ela abandona o poder que Deus parte. Nunca ninguém me ajudou a su-
colonos no séc. XV e até ao século XIX, lhe deu para a sua própria protecção e bir para as carruagens, ou carregou co-
com o desafio do Oeste, o trabalho fe- afasta-se da sua natureza». A própria migo para atravessar lamaçais ou me dá
minino será vital no desbravar do novo ausência de direitos femininos, a expe- jamais o melhor lugar. E não sou eu uma
continente. riência de cercos, eis a aprendizagem mulher? Olhem para o meu braço! Eu ca-
As primeiras a chegar serão as ingle- que as mulheres completam enquanto vei e plantei e recolhi a ceifa nos celeiros
sas, recrutadas nos hospitais, asilos, orfa- militantes da causa abolicionista. No seu e nenhum homem me pode suplantar...
natos, prisões e nos bairros marginais de país e fora dele, já que em 1840, quando E não sou uma mulher”. O poder real e o
Londres, Bristol e Southampton, obriga- da Conferência Internacional contra a simbólico, senhores e Igreja bradam aos
das a 5 ou 7 anos de trabalhos forçados Escravatura, em Londres, se vêem cons- homens e aos céus contra as «reivindica-
nas colónias inglesas, findos os quais, as trangidas a assistir aos trabalhos atrás ções absurdas, imorais e criminosas das
que sobrevivem, podem constituir famí- de um cortinado, não podendo mostrar- mulheres… segundo as quais, homens
lia e fixar-se num quinhão de terra. se e muito menos intervir. e mulheres têm de ser iguais.
Aqui elas trabalham o solo, cuidam Entre elas estão Lucrecia Mott e Eli- Nós sabemos que Deus criou o ho-
dos animais, cardam a lã, tecem, fiam, sabeth Vady Squanton que impulsiona- mem e mulheres têm de ser iguais. Nós
cozem, parem os filhos dos colonos. E rão a primeira assembleia pelos Direitos sabemos que Deus criou o homem co-
sabem ainda manejar a espingarda. O das Mulheres realizada em Seneca Fall, mo representante da espécie… não há
francês Crèvécoeur diz «A indústria de em 1848. Daqui emerge a primeira orga- outro meio de defender a honra dos
sua mulher é o verdadeiro tesouro do nização feminista americana o Woman’s homens senão fechado as esposas a se-
cultivador americano». Right Movement, em ligação quase um- te chaves». Mas quem conseguem eles
Estas mulheres estão longe de ser bilical com a causa abolicionista. fechar? Mas quem se deixa fechar?
pacíficas. Cedo contestam. O exemplo O poder em todas as suas esferas
mais subversivo vem de Ann Hutchin-
son, a primeira vez a erguer-se pela li- Na luta operária
berdade de expressão na América, que A indústria americana, jovem, flo-
se revolta em 1636 contra o dogmatis- rescente, ávida crescerá, em grande
mo do governo da jovem colónia de parte, à custa da dupla exploração do
Massachussets. Julgada no Conselho da trabalho feminino. Na indústria de con-
Colónia ela será condenada e banida. servas de Chicago, nas lavandarias hú-
O texto da sentença é exemplar- midas e sombrias das caves de Pittsburg
mente significativo da filosofia domi- a Nashville nas fábricas de algodão de
nante em relação ao papel da mulher: Massachussetts e de Alabama, na indús-
«Vós fostes um marido e não uma espo- tria têxtil de Nova Iorque, as mulheres fa-
sa; um pregador e não uma ouvinte; um zem a passagem à revolta. Um decisivo
magistrado e não uma administrada». aspecto para a busca dos caminhos que
A raiz da rebeldia, alimentada pela conduzem a Março, passa pela própria
própria actividade económica da mulher, movimentação das mulheres operárias.
está lançada. Em 1647, as mulheres recla- Nas crises em que mais dramatica-
mam, pela primeira vez, o direito ao voto. mente se revela o desemprego e a infla-
Em 1691, ganham-no no Estado de Mas- ção galopante, como no Pânico de 1837,
sachussets, direito que perderão em 1780. elas encontram-se nas manifestações
perturba-se perante as mulheres que se de massas «Give us work!» («Dêem-nos
Na causa abolicionista descobrem sujeitos de direitos. Olha-as trabalho!»), é o seu grito de desespero
Envolvidas na causa abolicionista as como negação de um eterno feminino e raiva. E encetam, também, cedo, uma
mulheres vêem-se atingidas pela censu- construído social e culturalmente. Elas luta específica. Em 1834, as trabalhado-
ra social. Não pela causa que defendem, são outro género que faz correr riscos ao ras têxteis de Lowell, Massachussetts,
bem tolerada no Norte onde agem, mas género edificado pela sociedade classis- em greve contra o corte de salários, che-
pelo facto de ousarem erguer a voz pu- ta e patriarcal. gam a manifestar-se nas ruas de Lowell,
blicamente, de saírem à rua recolhendo Enfrentando opositores, a trabalha- cantando. «Oh não é uma pena que uma
assinaturas e fundos. As primeiras atin- dora Soojurner Truth afirma no discurso rapariga bonita como eu seja mandada
gidas serão as irmãs Sarah e Angeline perante a Convenção dos Direitos das para uma fábrica para sofrer e morrer?
Grimke, chamadas à ordem pelos minis- Mulheres, em Ohio, em 1851: “Aquele Oh eu não posso ser uma escrava, por-
tros da Igreja protestante, compelidas a homem diz que as mulheres precisam que eu amo tanto a liberdade».
cessar as suas conferências públicas: de ser ajudadas a subir para as carrua- Neste mesmo centro operário, em
«Quando a mulher assume o papel gens, e carregadas ao colo para passar 1841, operários fabris editam o seu pró-
de um homem para reformar a socieda- as valas, e ter o melhor lugar em toda a prio jornal Factory Girl’s Album, denun-

[18] ESQUERDA Nº 39
ciando os baixos salários, as jornadas nómica, mas como vislumbrar sonhos por pão. Pouca arte, o amor e a beleza
brutais em duração e cadências, os pa- na agressividade dos dias de cansaço, conheceram os seus espíritos escravi-
gamentos em espécie. exploração insana? zados. Jim é por pão que nós lutamos...
Da consciência já específica dos Mas elas, as mulheres do 8 de Março mas lutamos também por rosas.
seus problemas enquanto mulheres tra- de 1957 abrem para outras exigências, À medida que marchamos, marcha-
balhadoras nasce o Female Labor Asso- outras reivindicações. Na greve têxtil de mos, trazemos os dias maiores. A eleva-
ciation e, a partir de 1850, a organização Lawrence, Massachusetts, em 1912, jo- ção da mullher representa a elevação da
de departamentos de mulheres no inte- vens trabalhadoras moleiras trazem nos raça. Não mais o escravo nem o vadio...
rior dos sindicatos masculinos. estandartes que seguram nas mãos de Mas uma partilha das glórias da vida:
E, finalmente, a 8 de Março de 1857, trabalhadoras, a expressão de um outro Pão e Rosas! Pão e Rosas!” - Joan Baezo
serão centenas de mulheres, vestidas querer, mais amplo, a dimensão do hu- cantará nos anos 60.
pobremente, de xaile de lã, vindas das mano: “Pão e Rosas! Pão e Rosas!”. James
Nos passos, nos gritos das mulheres
fábricas de confecção e calçado para as Oppenheirmer canta estas mulheres em
de todos os Marços, de todos os dias da
ruas de Nova Iorque. Trabalham 16 ho- luta, pela luta das mulheres de todos os
sua luta subjacente a memória da vivên-
ras e reivindicam «o dia das 10 horas» Marços. “(...) à medida que marchamos,
cia e experiência revolucionária da mu-
que os homens empregados na cidade marchamos, lutamos também pelos Ho-
lher americana do 8 de Março de 1857. A
conquistaram há cerca de 17 anos. mens! Pois que eles são filhos das mu-
memória das lutas colectivas. Memória
Passam os dias em salas sombrias e lheres e nós somos novamente as suas
pesadas e exigem «oficinas claras e sãs mães. As nossas vidas não serão adoça- na qual se enraízam outras e outras lu-
para trabalhar». Sofrem a ânsia de lucro das, desde o nascimento até que a vida tas, este Dia.
dos patrões como mão-de-obra mais se feche; Os corações têm fome, tal co-
Helena Neves, feminista, professora universitá-
barata e querem «salários iguais aos mo os corpos; dai-nos, mas dai-nos ro- ria e investigadora nas áreas de Filosofia, Socio-
dos alfaiates». É ainda uma luta marca- sas. À medida que marchamos, marcha- logia, Estudos sobre o Género e História de Mo-
da pela urgência da necessidade, tem a mos, inúmeras mulheres mortas gritam vimentos de Mulheres, foi deputada do Bloco
marca da reivindicação meramente eco- através do nosso canto, o seu velho grito de Esquerda de 1999 a 2002.

MEMÓRIAS DE ALGUNS MARÇOS


8 de Março é, desde 1911, o Dia Interna- dra Kolontai organiza uma manifestação de 8 de Março de 1945 - A União das Mulhe-
cional da Mulher. Dia de solidariedade e mulheres. res Francesas, criada pelas mulheres comu-
de alegria. E de luta ainda também. 8 de Março de 1914 - Em França e na nistas da resistência, organiza pela primeira
Alemanha fazem-se manifestações contra vez uma manifestação de mulheres.
8 de Março de 1857 - Em Nova Iorque a guerra e pela libertação de Rosa Luxem- 8 de Março de 1970 - 13 mulheres
operárias têxteis, pela primeira vez, fazem burgo. guerrilheiras Tupamaras escolheram o 8
greve e descem à rua para exigirem a 8 de Março de 1915 - Enquanto Alexan- de Março para se evadirem da prisão de
redução do tempo de trabalho de 16 para dra Kolontai organiza uma manifestação Montevideo (Uruguay).
10 horas por dia e salários iguais ao dos contra a guerra, em Berna Clara Zetkin faz 8 de Março de 1971 - Em Portugal as
homens. uma conferência de mulheres socialistas. mulheres comemoram este dia fazendo um
8 de Março de 1909 - Manifestação que Paralelamente, mulheres russas, italianas, piquenique, onde foram atacadas pela G.N.R.
reúne milhares de mulheres em Nova Ior- francesas, polacas, alemãs, holandesas e 8 de Março de 1974 - Mulheres mani-
que. Reivindicam outras condições de vida e inglesas, apelam contra a guerra, em plena festam-se em Saigão contra a ocupação
exigem direito de voto. Guerra Mundial. americana.
1910 - Quando do Congresso Internacional 8 de Março de 1917 - As mulheres de 8 de Março de 1975 - Em
das Mulheres Socialistas em Copenhaga, Petrogado descem em massa à rua para Portugal as mulheres pude-
Clara Zetkin propõe que reclamar pão a fim da guerra. Convidam o ram livremente comemorar o
o 8 de Março se torne Dia povo a unir-se a elas e a cidade subleva-se. Dia Internacional da Mulher.
Internacional da Mulher. Será o principio da revolução de Fevereiro. O de hoje, tempo de crise, desigualda-
"Em nome das nossas irmãs 8 de Março de 1925 - Em Paris, 5 000 des ainda persistentes, mas marcado
americanas, para exigir nossos direitos, e mulheres reunidas na "Grange aux Belles" por um ímpeto de mudança partilha-
exprimir a solidariedade e o amor pela paz protestam contra a guerra colonial em do por muitas mulheres e também
que nos unem". Marrocos. homens, cada vez mais partilhado, cada
1911 - O Congresso da II Internacional So- 8 de Março de 1937 - Mu- vez mais muitas. Cada vez mais concre-
cialista aprova a proposta de Clara Zetkin. lheres manifestam-se em ta e simbolicamente, a Marcha Mundial
8 de Março de 1911 - Mais de um milhão Espanha contra o franquismo. de Mulheres o vai expressando.
de mulheres celebram este dia: na Alema- 8 de Março de 1943 - Mulhe- 8 de Março, dia de união, de mãos da-
nha (só em Berlim fizeram-se 42 "meetin- res manifestam-se em Itália das, juntas; mãos de mulheres em volta
gs", que reuniram 40 a 50 000 mulheres), contra o fascismo mussoli- do mundo, num longo cordão umbilical
na Áustria, na Dinamarca. Em Paris, Alexan- niano. de vida… Em todos os dias de Março.

ESQUERDA | ABRIL 2010 [19]


OPINIÃO

FLICKR
A marcha
da hipocisia
POR NELSON PERALTA

A Live Earth, criada por sume qualquer responsabilidade pela em Estarreja, onde foi co-organizado
Al Gore e pelo produtor fuga, pelas suas consequências ou pela com a Câmara Municipal local onde a
e empresário dos media poluição resultante da fábrica. A Am- empresa tem uma fábrica.
nistia Internacional chegou mesmo a A legitimação institucional eleva a
Kevin Wall, organizou a
requerer uma investigação à Dow face propaganda a outro patamar, e aí nem
propósito do dia da água
ao que considera serem pressões ina- a autarquia quis ficar de fora. Aprovei-
mais um evento à escala ceitáveis da empresa sobre o Governo tando o balanço, a Câmara Municipal
mundial. Em várias Indiano para se livrar das suas respon- anunciou que iria assinar a petição pa-
cidades de todo o planeta, sabilidades legais na catástrofe quími- ra que o acesso à água seja consagra-
para além de concertos e ca de Bhopal. Mas a actividade da Dow do como um direito básico na Decla-
actividades educacionais, é bastante vasta. Foi uma das produto- ração dos Direitos Humanos da ONU.
as comunidades locais ras do famoso agente laranja (herbicida Isto apesar de há poucos meses a CM
foram envolvidas em utilizado na guerra do Vietname, com Estarreja ter aderido a uma nova parce-
caminhadas de 6 km, consequente impacto ambiental e na ria para o abastecimento e saneamen-
a distância média que saúde de militares norte-americanos e to das águas, que vai exactamente no
muitas mulheres e da população vietnamita) e, um pouco sentido oposto, tratando a água como
por todo o globo, tem um enorme his- uma mera mercadoria e preparando a
crianças fazem todos
torial de contaminação de águas e do sua concessão a privados. Refira-se ain-
os dias para obter água
meio ambiente. da que, por duas vezes, o Bloco apre-
potável. Agora, esta empresa descobriu um sentou na Assembleia da República
novo nicho de mercado: o tratamen- uma proposta para a realização de um
A “The Dow Live Earth Run for to de água! Nada melhor do que ga- estudo epidemiológico no concelho de
Water” realizada nas vésperas do dia nhar dinheiro com a poluição que lhe Estarreja, para aferir se as doenças com
mundial da água, deve o seu nome permitiu acumular lucros à custa do causas ambientais - como o cancro - te-
ao patrocinador, a The Dow Chemical ambiente e da saúde das populações. rão aí uma maior incidência que no res-
Company, e tem como objectivo aler- Necessita portanto de lavar, perdão, re- to do país. A existência de um grande
tar para o problema e recolher fundos. converter a imagem, que sai certamen- complexo químico, onde aliás se situa
Tudo muito ambientalmente cor- te mais barato que limpar o seu rasto a Dow, e os dados empíricos justificam
recto, não fosse a Dow uma das em- de caos e destruição. que se averigúe a situação, seja para
presas que mais terá contribuído para a Esta Marcha assume transversal- tranquilizar a população ou para ga-
poluição das águas do planeta. A Dow mente um carácter de higienização rantir uma resposta mais eficaz às cau-
é hoje a proprietária da Union Carbide da opinião pública. Não deixa assim sas, à detecção e ao tratamento dessas
que em 1984, devido a uma fuga na sua de ser curioso que, para além de toda doenças. Contudo, esta proposta tem
fábrica em Bhopal (Índia), terá provoca- a mediatização, a página inglesa da sido inviabilizada por PS/PSD/CDS-PP
do a morte a 15 mil pessoas. Hoje em wikipedia sobre esta iniciativa tenha com o silêncio cúmplice da Câmara de
dia, 100 mil pessoas continuam a sofrer sido recentemente alterada, retirando Estarreja e do seu Presidente.
problemas de saúde em resultado do as referências ao alarme público que o De facto, o verde lava mais branco,
acidente, sem o devido tratamento ou patrocínio da Dow provocou. mas certamente que merecemos um
compensação, vivendo na penúria e A Marcha pela Água decorreu nas poder público que pugne pela defe-
sem que o meio ambiente tenha sido maiores cidades mundiais, por vezes sa dos interesses da população e não
devidamente descontaminado. com a legitimação de um apoio institu- que se comporte como mero relações
Contudo, e apesar dos esforços cional, mais ou menos directo. Em Por- públicas do poder económico, seja por
persistentes de ONG’s, a Dow não as- tugal, a iniciativa teve o seu ponto alto omissão seja por acção.
[20] ESQUERDA Nº 39
OPINIÃO
LUSA / MANUEL ANTÓNIO

Justiça e paz
POR TIAGO GILLOT

MC Snake, o rapper de Chelas mor- Respondendo a um bem) a ser acompanhado. É inquietan-


to a tiro por um agente da PSP, é mais apelo da família e te constatar que, perante a fragilidade
um trágico exemplo duma cultura de da família, sabendo-se que o Nuno
abuso e arbitrariedade que ainda do-
amigos, centenas de deixa uma filha de apenas dois anos, a
mina a corporação policial. Um exem- pessoas estiveram dia Segurança Social não tenha ainda feito
plo que teve uma resposta exemplar: 21 de Março em frente qualquer diligência para conhecer a
nesta homenagem exigiu-se justiça e, à estação de comboios situação concreta e acudir a eventuais
sobretudo, paz. de Benfica, em Lisboa, necessidades. Mas ainda mais escanda-
Foi uma homenagem emocio- loso e revoltante é saber que nenhuma
nante. Um minuto de silêncio, balões
para homenagear Nuno figura do governo ou que represente o
brancos com mensagens foram lança- Rodrigues. Estado contactou a família de alguém
dos, duas pombas foram soltas, muitas que, já lá vai uma semana, morreu por-
amigos: fazer justiça é muito diferente
t-shirts brancas entre a multidão. Além que uma bala disparada por um polícia
de querer vingança. Só assim se garan-
dos familiares e amigos, estiveram pes- atravessou o seu corpo. Nem uma pa-
te o fim do clima de impunidade e se
soas que carregam diariamente um lavra. Um silêncio brutal, que só pode
podem evitar tragédias futuras. Ou cor-
quotidiano de exclusão, mas também aumentar a dor e a injustiça.
remos o risco de normalizar a pena de
gente solidária e que não aceita a ba- A morte do Nuno revela, a quem
morte, sem direito a julgamento, por
nalização da violência e da morte. delito de desobediência (admitindo o quiser ver, que nenhum discurso se-
Esta demonstração pública foi que neste caso ele ocorreu). O irmão curitário ou apenas pretensamente
mais do que uma resposta ao ódio - do Nuno, Jorge Rodrigues, agradeceu pragmático resiste à dureza dos factos.
que, apesar da brutalidade dos factos, a “onda de solidariedade” e falou na O preconceito e a cultura da obsessão
não deixou de se ver, aqui e ali, qua- “mensagem de paz” que representou o não protegem ninguém e apenas pro-
se sempre oportunista e cobarde, no encontro. Mas não deixou de lamentar, duzem tragédias. Todos somos vítimas
anonimato de alguns comentários às em declarações à imprensa, que ele e da consolidação da ideologia que espa-
várias notícias sobre o caso. À família a família estejam a ser “tratados como lha o medo e este nervosismo arrogan-
e amigos junta-se muita gente para di- lixo” pelo Estado e pelas suas várias te, mas é preciso dizer sem hesitações
zer que a violência tem que parar, mas instituições, que continuam a ignorar que há gente que é vítima demasiadas
também que não podem ficar dúvidas o sofrimento e as necessidades destas vezes. Por isso impressiona ainda mais
sobre as circunstâncias e consequên- pessoas, uma semana depois da tragé- a força que leva esta família a optar pe-
cias deste caso. dia se ter abatido sobre as suas vidas. la serenidade e sensatez, perante tanta
É preciso que sejam reveladas com É inaceitável que nenhum apoio violência. É uma força pacífica, mas que
pormenor as circunstâncias que deter- psicológico tenha sido dispensado à não aceita que fique tudo na mesma.
minaram o desaparecimento do Nuno. família do Nuno, apesar do agente po- Não pode ficar. Pelo Nuno e por todos
É esta a mensagem da família e dos licial que disparou a bala fatal esteja (e nós.
ESQUERDA | ABRIL 2010 [21]
Crise do sector
automóvel exposta
em Bruxelas
Operários da indústria automó-
vel portuguesa estiveram em Bruxe-
las para expor a grave crise que afec-
ta o sector e que poderá agravar-se
nos próximos meses. Cerca de meia
centena de trabalhadores do sec-
tor, representando 15 Comissões de
Trabalhadores, foram recebidos nas
instituições europeias a convite dos
deputados do Bloco de Esquerda no
Parlamento Europeu e encontraram-
se com Miguel Portas.

Roteiro da Cultura: geral e o investimento e/ou mecenato colapso de muitos serviços de saúde é
subfinanciamento em privado. Catarina Martins deu o exem- real. Apesar disso, a ministra da saúde
plo concreto da Fundação de Serralves, não se comprometeu com duas medi-
destaque
para ressalvar que este não será uma das absolutamente indispensáveis pa-
solução para o problema do subfinan- ra evitar este descalabro, reclamadas
ciamento cultural. Segundo a deputa- vezes sem conta pelos deputados do
da do Bloco, o investimento privado Bloco, ao longo da interpelação: a não
das 150 empresas que investem na aplicação no SNS da regra 2:1 ou 3:1
Fundação de Serralves não chega para para as admissões e um regime de ex-
igualar o investimento do Estado nessa cepção que desmotive os médicos de
mesma Fundação. A sessão de encer- antecipar a reforma sem os prejudicar”,
ramento do Roteiro da Cultura serviu acrescentou o deputado que partici-
ainda como palco para a apresentação pou dois dias antes na reunião do Bloco
do anteprojecto de Lei do Bloco de Es- com o Sindicato dos Enfermeiros. “Os
querda para a criação de uma Rede Na- enfermeiros estiveram, também, no
cional de Teatros e Cine-Teatros. centro do debate parlamentar. Ficou
claro que o governo pretende continu-
Interpelação ar a discriminá-los, recusando-lhes um
Na derrapagem das auto-estradas direito elementar: remuneração igual à
gastou-se o equivalente a 5 anos de ao governo sobre
de todos os licenciados da administra-
orçamento do Ministério da Cultura”, política da saúde ção pública”, declarou João Semedo ao
denunciou a deputada Catarina Mar- esquerda.net.
tins no encerramento do Roteiro da “A interpelação do Bloco sobre a
Cultura. Esta iniciativa dinamizada pelo política governamental de recursos
Bloco teve sessões em Aveiro, Viana do humanos na área da saúde não podia
Castelo, Guimarães, Coimbra, Vila Real, ter sido mais oportuna: no próprio dia,
Évora, Faro, Bragança, Covilhã, Guarda, confirmou-se a corrida à reforma de
Entroncamento, Santarém, Leiria, Cal- mais de 500 médicos e, duas ou três
das da Rainha, Portalegre, Beja, Viseu, horas antes, o conselho de ministros
Setúbal e Lisboa. tentava atrapalhadamente e à pressa
Para além da questão do subfinan- remendar o problema que ele próprio
ciamento para a área da Cultura a ses- havia criado ao mudar para pior as re-
são de encerramento discutiu a falta gras da aposentação na administração
de uma estrutura em rede na área dos pública”, afirmou o deputado João Se-
teatros e das artes do espectáculo em medo a seguir ao debate. “O risco de

[22] ESQUERDA Nº 39
BREVES

Bloco Açores
lança Publicação
O Bloco de Esquerda dos Açores
lançou uma publicação trimestral
em formato papel e em formato di-
gital. A publicação visa divulgar a
actividade do Bloco na Assembleia
Legislativa dos Açores, nas Assem-
bleias Municipais de Ponta Delgada
e Ribeira Grande, dedicando tam-
bém uma página exclusivamente a
Cultura. O primeiro número está dis-
ponível em http://acores.bloco.org.

Bloco quer alterar Ana Drago. O Bloco de Esquerda assu- Bloco de Esquerda vota favoravelmen-
modelo de gestão miu assim uma escolha de não propor te. Em Odemira, a AM também rejeitou
um novo modelo, mas sim de trabalhar a moção, com os votos a favor de Blo-
escolar
a lei em vigor com o intuito de dotar as co e CDU, a abstenção do PSD e o voto
escolas de ferramentas para a demo- contra do PS. Por proposta do Bloco, as
cratização e participação na sua gestão, AM’s de Beja e Almodôvar aprovaram
responsabilizando quem melhor as co- também moções de solidariedade com
nhece: os professores e as professoras. a greve dos trabalhadores da Somincor.

I Conferência de Jovens
Beja: AM aprova por Estudantes do Bloco
unanimidade alarga-
mento do subsídio de O primeiro encontro nacional do
sector estudantil bloquista realizou-se
desemprego
no Porto nos dias 19 e 20 de Março.
A deputada Ana Drago apresentou Estiveram em debate duas moções de
Por proposta do Bloco, a Assem-
o Projecto de Lei que altera o actual re- orientação alternativa, tendo obtido
bleia Municipal de Beja aprovou uma
gime de autonomia, administração e mais votos a moção “A”, que defendia,
moção apelano ao alargamento do
gestão das escolas públicas. O projecto entre outras coisas, que “o Bloco de Es-
subsídio de desempregoPor proposta
foi apresentado numa audição parla- querda rejeita o sectarismo e o conser-
do Bloco de Esquerda, a AM de Beja
mentar com representantes de sindica- vadorismo” e que “uma nova esquerda
aprovou por unanimidade um apelo
tos e associações de professores, como socialista é autónoma, é unitária, pro-
ao alargamento do subsídio de desem-
a FENPROF, SINDEP/FENEI movimentos move convergências, vai à luta, cria
prego, a quem tenha trabalhado e des-
independentes de professores, CONPA- uma nova cultura, é aberta”. A moção
contado pelo menos seis meses no ano
FP e CNIPE. “B”, que defendeu que “a direcção do
anterior. A moção apela a que a Assem-
Passado um ano da entrada em BE, o PCP e Manuel Alegre, ao mante-
bleia da República que aprove o alarga-
vigor da lei 75/2008, tornou-se óbvio rem-se separados, recusando erguer
mento do subsídio de desemprego.
que os receios do Bloco de Esquerda se uma plataforma conjunta para derrotar
realizaram com a diminuição da demo- o PS, contribuíram para que este ven-
Na AM de Serpa, uma moção se-
cracia nas escolas pela concentração de cesse”, foi derrotada na votação obten-
melhante foi aprovada com os votos a
poder na figura do Director. “Existem do 28% dos votos na eleição para os
favor de Bloco e CDU e o voto contra
mesmo escolas onde já se tornaram membros da nova coordenadora na-
do PS e a abstenção do PSD. Em Almo-
óbvias lógicas partidárias e de amiguis- cional de jovens estudantes do Bloco.
dôvar, a moção foi rejeitada pelo voto
mo que importa combater” – referiu A moção “A” foi maioritária, com o voto
contra do PSD e a abstenção do PS, só o
de 72% dos presentes.

ESQUERDA | ABRIL 2010 [23]


[24] ESQUERDA Nº 39

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