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O EXTREMISMO EM MOÇAMBIQUE

CONCILIADO A CULTURA HUMANITÁRIA

JOÃO ANTÔNIO CARVALHO


1M3
01010023109

27/09/2021
ÍNDICE
INTRODUÇÃO..................................................................................................................02
O COMPLEXO MOÇAMBICANO.......................................................................................03
CULTURA E POLÍTICAS CULTURAIS NA CONTRUÇÃO DA SOCIEDADE..............................05
REPÚBLICA POPULAR DE MOÇAMBIQUE .1975..............................................................06
NEOLIBERALISMO MOÇAMBICANO................................................................................09
ATUAL CRISE NACIONAL..................................................................................................11
O EXTREMISMO MOÇAMBICANO E A PROVINÇA DE CABO DELGADO...........................15
CONCLUSÕES FINAIS.......................................................................................................19
RESUMO: Este estudo apresenta considerações a respeito das mudanças e
permanências nas políticas culturais promovidas pelo Estado moçambicano, quando
socialista e após sua abertura à economia de mercado. A articulação parte da análise
histórica dos caminhos de construção nacional à luz das iniciativas de proteção, difusão,
e crises econômicas relacionadas a realidade atual do país, conciliada ao ainda sem
desfecho extremismo islâmico em Moçambique.
Palavras-chave: Moçambique, políticas culturais, neoliberalismo, extremismo, invisível.

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INTRODUÇÃO
A articulação desse trabalho parte de uma análise histórica caminhante a construção do
país de Moçambique a caminho dos dias presentes as projeções culturais e o desvio
extremista dada influência do islamismo no território nacional.
A relação entre economia, cultura e extremismo não é simples, tão pouco imediata. As
interconexões entre esses conceitos, de tempos históricos diferentes, necessitam
profundidade e clareza aos valores e conceitos sobre eles construídos
O recorte voltado às políticas culturais, e especialmente aos aspectos relativos à
diversidade, as assume como objeto privilegiado de anunciação pelo Estado do ideário
de país adotado e, portanto, do que se propõe enquanto órgão regulamentador das
interações culturais, sociais e econômicas de seus cidadãos. Contudo, para apreender
os desafios do presente, é necessário olhar para a história do país e distinguir
permanências e transformações das políticas neste campo. A análise deste estudo se
estende do ano de independência nacional, 1975, até 2021, ano atual da execução do
trabalho.
Moçambique é uma ex-colônia portuguesa da África subsaariana cujas fronteiras
nacionais foram traçadas, como tantas outras ao sul do Equador, pelas potências
coloniais. Aspectos étnicos ou culturais, quando considerados, os foram no intuito de
dividir comunidades unidas pela cooperação, e aproximar territorialmente grupos
historicamente rivais. A despeito da origem Bantu comum às comunidades tradicionais
dentro de suas fronteiras nacionais, este Estado abriga uma variedade imensa de
tradições e práticas culturais. Segundo estudos etnológicos, são mais de 20 línguas,
numa área de cerca de 800 km2, onde apenas o Português vigora como língua oficial.

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O COMPLEXO MOÇAMBICANO
Moçambique, oficialmente designado como República de Moçambique, é um país
localizado no sudeste do Continente Africano, banhado pelo Oceano Índico a leste e que
faz fronteira com a Tanzânia ao norte; Maláui e Zâmbia a noroeste; Zimbábue a oeste
e Essuatíni e África do Sul a sudoeste. A capital e maior cidade do país é Maputo,
anteriormente chamada de Lourenço Marques, durante o domínio português.
Entre o primeiro e o século V, povos bantos migraram de regiões do norte e oeste para
essa região. Portos comerciais suaílis e, mais tarde, árabes, existiram no litoral
moçambicano até a chegada dos europeus. A área foi reconhecida por Vasco da
Gama em 1498 e em 1505 foi anexada pelo Império Português. Depois de mais de
quatro séculos de domínio português, Moçambique tornou-se independente em 1975,
transformando-se na República Popular de Moçambique pouco tempo depois. Após
apenas dois anos de independência, o país mergulhou em uma guerra civil intensa e
prolongada que durou de 1977 a 1992. Em 1994, o país realizou as suas primeiras
eleições multipartidárias e manteve-se como uma república presidencial relativamente
estável desde então.
Moçambique é dotado de ricos e extensos recursos naturais. A economia do país é
baseada principalmente na agricultura, mas o sector industrial, principalmente na
fabricação de alimentos, bebidas, produtos químicos, alumínio e petróleo, está
crescendo. O sector de turismo do país também está em crescimento. A África do Sul é
o principal parceiro comercial de Moçambique e a principal fonte de investimento direto
estrangeiro. Portugal, Brasil, Espanha e Bélgica também estão entre os mais
importantes parceiros económicos do país. Desde 2001, a taxa média de crescimento
económico anual do PIB moçambicano tem sido uma das mais altas do mundo. No
entanto, as taxas de PIB per capita, índice de desenvolvimento
humano (IDH), desigualdade de renda e expectativa de vida de Moçambique ainda
estão entre as piores do planeta, enquanto a Organização das Nações Unidas (ONU)
considera Moçambique um dos países menos desenvolvidos do mundo.
No entanto, o país tem realizado esforços para obter uma estabilidade política e
reerguer a economia. Moçambique abriga grandes reservas de petróleo, gás natural,
carvão, ouro, bauxita e outros minérios. Essa riqueza do solo tem atraído grandes
investimentos externos. Já a atividade agropecuária é extremamente prejudicada pelos
extensos períodos de seca, além das frequentes enchentes. Com isso, a nação é
dependente de ajuda alimentar, que não é suficiente para atender todos os habitantes.
A única língua oficial de Moçambique é o português, que é falado principalmente
como segunda língua por cerca de metade da população. Entre as línguas nativas mais
comuns estão o macua, o tsonga e o sena. A população de cerca de 29 milhões de
pessoas é composta predominantemente por povos bantos. A religião com o maior
número de adeptos em Moçambique é o cristianismo, mas há uma presença significativa
de seguidores do islamismo. O país é membro da União Africana,
da Commonwealth Britânica, da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP),
da União Latina, da Organização da Conferência Islâmica, da Comunidade para o
Desenvolvimento da África Austral e da

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Moçambique é uma ex-colônia portuguesa da África subsaariana cujas fronteiras
nacionais foram traçadas, como tantas outras ao sul do Equador, pelas potências
coloniais. Aspectos étnicos ou culturais, quando considerados, os foram no intuito de
dividir comunidades unidas pela cooperação, e aproximar territorialmente grupos
historicamente rivais. A despeito da origem Bantu comum às comunidades tradicionais
dentro de suas fronteiras nacionais, este Estado abriga uma variedade imensa de
tradições e práticas culturais. Segundo estudos etnológicos, são mais de 20 línguas,
numa área de cerca de 800 km2, onde apenas o Português vigora como língua oficial.
Moçambique transitou entre o socialismo e o capitalismo, correntes ideológicas de
matriz ocidental, no processo de construção da unidade nacional. Conquistou sua
independência em 1975, e enfrentou períodos de ferrenhas lutas armadas até 1992
quando assinado o cessar fogo da guerra-civil, sob um governo inicialmente apoiado
pela União Soviética. No poder desde a conquista da soberania, a Frente de Libertação
de Moçambique) apresentou marcadamente em seu discurso a valorização da cultura
como mecanismo para criação do sentido de identidade nacional nos anos pós-
independência.
Há vasta fortuna crítica sobre iniciativas do governo intervenientes no campo da cultura
durante o período que se estende da independência ao final dos anos oitenta. Contudo,
são raras as formulações sobre o período posterior. Assume-se a fraca presença do
Estado em políticas culturais, e deixa-se a análise das especificidades da cultura aos
estudos sobre políticas de educação e saúde, ao campo da antropologia, ou aos estudos
do direito, quando tratam do pluralismo jurídico e dos referenciais tradicionais de
jurisdição.
No que diz respeito às políticas culturais, tema deste estudo, a estratégia nos pós
independência visava transformar Moçambique numa nação socialista, moderna e
desenvolvida. A nação moçambicana, como entidade homogênea e coesa se constrói na
oposição a outra entidade, também unitária: a dominação portuguesa ultramar. Já no
Moçambique após assinatura do Acordo de Paz, momento no qual ingressa no cenário
internacional como nação aberta às transações do mercado capitalista, identifica-se a
transição do Estado que intervém diretamente, como produtor de cultura, para um
Estado meramente regulamentador.
Esta mudança acontece no bojo das privatizações de empresas e indústrias estatais e da
entrada massiva de capital internacional: fenômenos intrínsecos ao processo de
globalização neoliberal, que ampliam o poder de ingerência dos conglomerados
econômicos internacionais, e corroboram para o processo de transferência de valores
culturais dos países centrais nas dinâmicas nacionais. Enquanto este cenário não
aparenta ser um ambiente propício à promoção da diversidade, paradoxalmente é
possível encontrar em marcos legais do Estado moçambicano uma série de normativas
que afirmam a diversidade cultural como um direito de todos e como condição para o
desenvolvimento do país.

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Sob este pano de fundo serão apresentadas considerações sobre as políticas culturais
concernentes à diversidade cultural do Moçambique levando a uma entrada extremista
no país, de 1975 a 2021, mediante marcos históricos, políticos, legislativos e teóricos,
razão pela qual não serão esmiuçados períodos específicos.

CULTURA E POLÍTICAS CULTURAIS NA CONTRUÇÃO DA SOCIEDADE


Afirmar a cultura como constitutiva da sociedade e a posição da produção artística em
relação a esta tem como objetivo marcar posições por vezes esquecidas no debate
político quando o assunto se trata das políticas culturais. Nesse campo, a discussão é
norteada por outros indicadores, geralmente baseados na ideia de racionalidade. É
preciso falar em planejamento, no estabelecimento de regras e objetivos a serem
atingidos, num conjunto de estratégias e em um público que se almeja atingir. Daí, nas
palavras de Ortiz, “supõe-se a existência de uma esfera denominada cultura, e um ato
cognitivo capaz de separá-la de outras conotações”.
Assim como a noção de política, a de desenvolvimento também pertence ao domínio da
racionalidade. Desenvolvimento como categoria que se vincula ao progresso econômico
e tecnológico ou a valores específicos é uma elaboração da modernidade, e ganha
projeção na medida em que as sociedades urbano-industriais ocidentais conquistam o
mundo com políticas expansionistas. É neste momento histórico em que o debate da
cultura é atravessado pela compreensão linear das trajetórias históricas dos grupos
sociais, sugerindo sua hierarquização em função de um vetor temporal, cujos extremos
são a barbárie e a civilização.
“A cultura é a instância onde o homem realiza sua humanidade” (BARROS, 2007, p.2).
Haveria, então, alguma forma de compreender a relação entre cultura e
desenvolvimento fora desta perspectiva teleológica? A resposta é sim, desde que a
apreensão da modernidade não se feche a sua concepção ocidental. Ainda que esta seja
sua matriz, vivemos em um tempo de “modernidades”, no qual somos culpados pela
ignorância, isso reflete a uma visão generalizada do continente africano como um todo,
levando a uma antropologia a estereótipos normalmente ligados a animais selvagens
pobreza e guerra. Porém “negar a realidade de tais adjetivos, se torna um pecado tão
grande quanto sua generalização”.
Portanto, mesmo que o desenvolvimento não seja constitutivo da sociedade, ele é
intrínseco às sociedades modernas. O etnocentrismo comumente vinculado à
dominação ocidental somente pode ser tido como válido quando está se impõe à
natureza de cada identidade. Daí a pertinência em ser justamente nas instituições
internacionais permeadas pelos tensionamentos entre a concepção etnocêntrica
ocidental e suas contraposições, que o reconhecimento à diversidade cultural venha
sendo pautado, e paulatinamente, ganhado terreno.
Optamos por esta proposta tipológica por seguirmos a mesma premissa analítica em
observar as políticas segundo seus desenvolvimentos históricos. Nos próximos capítulos

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será possível identificar que as políticas culturais do Estado moçambicano se sobrepõem
e entrelaçam, sendo executadas de forma simultânea e cumulativa. As gerações
apresentadas são, sobretudo, tarefas assumidas pelo Estado dentro de diferentes
lógicas de promoção e difusão cultural: identidade, produção de valor econômico e
produção artística - todas elas imbricadas ao universo simbólico.

REPÚBLICA POPULAR DE MOÇAMBIQUE .1975


Moçambique alcançou a independência em 1975, sob forte luta armada entre Portugal
e grupos locais, dos quais se destaca a Frelimo, fundada em 1962 como grupo de
guerrilha. No poder desde então, em 1977 a Frelimo declarou-se partido Marxista-
leninista e embarcou em uma estratégia que visava a transformar Moçambique numa
nação socialista, moderna e desenvolvida.
A nação moçambicana como entidade homogênea e coesa se constrói na oposição à
dominação portuguesa ultramar. Estigmatizada, e fundamentada em narrativas de
sofrimento, a subalternidade colonial se figurara a antítese do devir.
Obtida a independência de Portugal em 1975, a República Popular de Moçambique foi
logo após declarada pela Frente de Libertação de Moçambique ("Frelimo"), liderada
por Samora Moisés Machel. Este período foi marcado por uma guerra civil com
a Resistência Nacional Moçambicana ("Renamo"), um movimento de guerrilha
inicialmente financiado pela República da Rodésia (atual Zimbábue), e mais tarde
pela África do Sul, durante o chamado período do regime de apartheid.
O ideário sob o qual se construíram as bases de uma nova nação se fundamentava na
interiorização, por todos os moçambicanos, dos preceitos de um homem novo. Valores
e aspirações anteriores já não caberiam para a consolidação desta nova ordem,
indubitavelmente mais desenvolvida, numa perspectiva progressista e linear da história,
que se firmaria a caminho do comunismo. A antinomia entre “novo” e “velho” logo se
estendeu para “nós” X “eles”. Conquistada a independência, esta triagem entre práticas
“reacionárias” e as que “deveriam ser valorizadas”, já perpetrada nas zonas libertadas15
durante a guerra pela independência, deveria ser estendida a todo o território.
Nas áreas rurais, a estratégia residiu na reorganização das atividades produtivas das
populações rurais mediante a consolidação de aldeias comunais, onde a racionalização
dos processos sob o comando do governo traria maior eficiência na produção de bens
agrícolas (desde alimentos ao algodão). A passagem da agricultura familiar para a
produção coletiva era tida como valor, numa concepção um tanto simplória do
materialismo histórico, sob a qual as mudanças nos mecanismos das forças produtivas
provocariam as transformações “necessárias” na esfera cultural.
Em contextos urbanos – como em Maputo, a capital, e Beira, a segunda maior cidade –
o governo nacionalizou muitos dos imóveis cedendo sua utilização aos grupos
dinamizadores e seus apoiadores, encorajados a difundir a linha do partido e organizar
os trabalhadores. O processo pretendia incutir nos trabalhadores o sentimento de
autoconfiança e de identidade colletiva supostamente não experimentados durante o
período colonial.

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No início dos anos oitenta, cerca de 75% da produção industrial havia sido
nacionalizada. Caberia também aos grupos, as “campanhas de dinamização
revolucionária de toda a cultura moçambicana”, intervenientes em todas as esferas
territoriais, de distritos a localidades e círculos. Grupos culturais a serviço do então
Ministério da Educação e Cultura trabalhavam para: Suplantar os sentimentos de
pertença local regional ou étnica, erigindo expressões e sentimento de pertença
nacionais: danças, ritmos musicais, esculturas maconde, “registros de resistência e
outros elementos deveriam passar a ser sinônimo da memória coletiva da comunidade
nacional imaginada”.
Das políticas direcionadas especificamente ao campo cultural, merecem destaque a
criação dos Centros de Estudos Culturais (CECs) e das casas de cultura, ambos em 1977,
e gerenciados pelo Ministério da Cultura em Educação.
Enquanto nos CECs eram ministrados cursos em linguagens artísticas, as casas de cultura
serviriam como polos irradiadores da cultura nacional. Deveriam reproduzir os
mecanismos e conteúdo fundamentais do homem moçambicano como base ideológica
– juntamente às escolas, aldeias comunais, cooperativas, conselhos de produção e
empresas estatais – para a formação da nova sociedade. Para distritos, províncias e
locais, seriam instauradas as casas, para bairros, círculos ou células, os chamados
centros culturais.
Muitos argumentavam que as casas deveriam ser “órgãos independentes, só do povo,
para o povo desenvolver espontaneamente a cultura. Entretanto imperou a noção
segundo a qual eram indesejáveis quaisquer manifestações de expressão da
individualidade ou de identidades coletivas e étnicas distantes do substrato almejado
pela Frelimo. Tendências espontaneístas significavam incorrer em desvios inaceitáveis.
Conceitos como cultura tradicional, cultura de elite, cultura de massa não eram cabíveis.
A própria preservação da tradição oral dos contos, incentivada como um dos elementos
do todo cultural nacional, devia ocorrer mediante a inserção de “um novo conteúdo
político”.
A consolidação do português como língua oficial foi concomitante a todas essas
políticas. Em verdade, o português já era utilizado pela Frelimo durante a luta armada
no ensino e alfabetização de adultos18. Destacamos da fala de um representante da
Frelimo em seminário da Unesco de 1971 os argumentos do partido para esta medida
“Não há língua dominante em nosso país. A escolha de uma das línguas moçambicanas
seria uma medida arbitrária que poderia ter consequências graves. Além disso, as
instalações técnicas e o número de pessoal que temos à nossa disposição não nos
permitem realizar de forma satisfatória o tipo de pesquisa necessária para tornar as
línguas nacionais operacionais, especialmente no campo da ciência. Fomos obrigados a
usar o Português como língua de instrução e comunicação entre nós”
A adoção do português foi uma decisão política. Resolvia a questão por não privilegiar
um dentre os diversos idiomas falados no território, e assim não colocar um ou outro
grupo em vantagem sobre os demais; e pelo papel geoestratégico em diferenciar os

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moçambicanos de seus vizinhos, muitos dos quais foram rivais da Frelimo durante a luta
por independência.
Esperava-se que a adoção do português, assim como as demais políticas, forjasse um
novo Estado-nação.” A identidade muda de acordo com a forma como o sujeito é
interpelado ou representado, e a identificação não é algo automático, e sim adquirida e
perdida mediante as experiências coletivas e individuais”. O que se observa nesse
conjunto de políticas é a transversal busca pela construção de uma nova identificação.
O desenvolvimento de outros hábitos, a adoção de novos valores, a vinculação da
entrada e permanência nas instituições formais a um novo idioma, a interação com a
cultura escrita, todos esses são elementos da política de construção da identidade
nacional. De acordo com a tipologia apresentada no capítulo anterior, apresenta-se
como política de primeira-geração da modalidade que prima pela narrativa totalizante,
quase que no extremo oposto do espectro onde estariam as políticas de promoção da
diversidade cultural.
No cômputo geral o projeto de intervenção cultural, instrumento para o progresso e
unificação nacional, era pouco realista. O critério político-ideológico precedia o cultural
artístico. Sob a bandeira empobrecedora do realismo socialista a arte e a cultura foram
tomadas, ideologicamente, como campos de batalha para a “descoberta dos caminhos
de transformações das culturais tradicionais e assimiladas na cultura nova”.
Particularmente nas áreas rurais do centro e norte de Moçambique as políticas se
mostraram extremantes insensíveis aos ritos, valores e temporalidades constituintes
das identidades daqueles povos.
Apesar da transição para a independência ter sido pacífica, Moçambique não conheceu
a Paz durante muitos anos. Imediatamente a seguir à independência, alguns militares
(ou ex-militares) portugueses e dissidentes da FRELIMO instalaram-se na Rodésia, que
vivia uma situação de "independência unilateral" não reconhecida pela maior parte dos
países do mundo. O regime de Ian Smith, já a braços com um movimento interno de
resistência que aparentemente tinha algumas bases em Moçambique, aproveitou esses
dissidentes para atacar essas bases.
Com a intensificação do conflito civil, em 1983, o partido tornou-se ainda mais
autoritário. Por motivos que também resvalam em fortes mudanças na conjuntura
internacional, a Frelimo começou a se aproximar do ocidente. Neste mesmo ano a
cultura perdeu a pasta de Ministério e passou a ser Secretaria de Estado da Cultura,
dirigida por um Secretário de Estado diretamente subordinado ao Conselho de
Ministros, voltando ao posto de Ministério somente em 1987, também sob Decreto
Presidencial. A partir de então passou a gerir o Instituto Nacional do Livro e do Disco
(antes do Ministério da Informação) que recebeu seu estatuto interno apenas em 1991,
e a ser responsável pela proteção legal dos bens materiais e imateriais e do patrimônio
cultural moçambicano21. Mantêm-se a preocupação com a criação de instituições
científicas e técnicas (museus, bibliotecas, arquivos etc.) necessárias à proteção e
valorização do patrimônio cultural, e surge a atenção para a produção de bens culturais
(obras de cinema, artes plásticas, música, dança etc.) de forma ainda tímida, para sua

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comercialização. Portanto o início das políticas de segunda geração, da regulação da
dimensão econômica das atividades artístico-culturais, ocorre no momento de
aproximação com o bloco capitalista.
Seguindo recomendação do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial,
Moçambique diminuiu tarifas de importação, aprovou uma série de leis para incentivar
o investimento privado e liberou a taxa de câmbio. O esgotamento das forças
armamentistas de ambos os lados em 1990 e a forte pressão internacional levaram a
Frelimo a atribuir maior importância ao processo de negociação. No ato Acordo Geral
de Paz assinado em Roma em 1992, o governo moçambicano já havia abandonado o
socialismo.
Nos termos do Acordo, o governo de Moçambique solicitou o apoio da ONU para o
desarmamento das tropas beligerantes. A ONUMOZ foi a força internacional que
apoiou neste trabalho, que durou cerca de dois anos e que culminou com a formação
dum exército unificado e com a organização das primeiras eleições gerais
multipartidárias, em 1994.
A cultura teve papel preponderante na postura e agência frelimista pós-independência,
ainda que de forma transversal, emersa em ações de ordem política e econômica. No
regime autoritário e unipartidário tomamos a política do partido como correspondente
a do governo de Moçambique e, portanto, na construção do ideário nacional.

NEOLIBERALISMO MOÇAMBICANO
Em 1992 é assinado o Acordo Geral de Paz em Roma e a Frelimo assume a direção de
um país com graves problemas ocasionados pelos horrores da guerra. Foram notórios
em Moçambique, os ataques a bens e equipamentos de serviços básicos à população,
como escolas, hospitais e rodovias. Segundo dados do Banco Mundial, o Produto Interno
Bruto moçambicano de 1992 era de 1.97 bilhões de dólares. Como não poderia deixar
de sê-lo, a carência em estrutura institucional e física se apresenta no campo da gestão
pública de cultura.
Com o objetivo de proteger o poder de compra da maioria da população, o estado tinha
fixado os preços dos produtos de primeira necessidade e as taxas de câmbio. Como os
termos de troca se foram deteriorando e, entretanto, a guerra de desestabilização tinha
já começado a fazer sentir os seus efeitos, o país viu-se sem divisas para importar
os bens de consumo e as matérias primas necessárias para o funcionamento
da economia. O mercado negro, tanto de bens de consumo, como de divisas, tinha
tomado conta desta.
Economicamente Moçambique não mudou, continuando a pautar-se por um
desenvolvimento desequilibrado em termos regionais e não havendo uma redução
considerável do índice de pobreza e desigualdades sociais quando comparado ao
período anterior.

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Em 1992 é extinto o anterior Ministério da Cultura, e criado o Ministério da Cultura e
Juventude (MCJ), tendo como estrutura as Direções Nacionais do Patrimônio Cultural;
de Ação Cultural; além de órgãos de administração, coordenação, cooperação
internacional e finanças. A despeito de este ser um momento ímpar na organização
Estatal do país, é importante frisar que a reorganização do espaço da cultura no aparelho
Estatal aparenta ser constante no governo Moçambicano. Entre a independência do país
em 1975 até 2011, o Estado alocou a Cultura em oito diferentes órgãos Estatais, sendo
cinco dessas mudanças entre 1992 e 2010, data da instituição do Ministério da Cultura
vigente até o momento. As razões destas mudanças não parecem claras, contudo, pode-
se aferir que a instabilidade institucional tenha repercutido negativamente no
andamento da gestão das instituições culturais estatais do país, devendo adaptar-se a
cada momento a uma nova estrutura do governo central.
A intencionalidade em ampliar o acesso a bens culturais e consolidar bases para uma
administração cultural assente na descentralização está presente tanto nos objetivos
gerais como específicos, assim como se afirmam as “identidades culturais locais como
fatores de expressão da unidade na diversidade”. Entretanto o tensionamento presente
na Definição entre a promoção Unidade Nacional e a valorização da diversidade
identitária é presente no transcorrer do documento, que também afirma a “valorização
do patriotismo, liberdade, civismo, trabalho na vida e atividade dos moçambicanos.
No caso moçambicano as estratégias para o fortalecimento dos momentos são
respectivamente voltadas para as dinâmicas do mercado, respectivamente da
invenção/inovação, divulgação e consumo. Os demais momentos, intercâmbios, análise,
conservação e organização estão atrelados ao funcionamento de órgãos e instituições
geridos pelo Estado. Se o circuito da produção artística, transmissão e difusão volta-se
para a lógica do lucro, assume-se que o desenvolvimento ao qual a visão do Mistério se
refere, não seja outro daquele que sumariamente denota crescimento econômico. A
arte e a cultura são assim resumidas à rentabilidade que delas é possível aferir. Uma
maneira no mínimo controversa de enfrentar o desafio da promoção da diversidade
cultural.
As consequências do neoliberalismo e de uma política de educação neoliberal pautada
pela crescente marketização e comercialização do ensino tem reflexo ao nível do
discurso cívico que deu lugar a uma linguagem comercial, de privatização e
desregulamentação, sendo que o indivíduo e a sua agência/capacidade de ação social
estão cada vez mais definidos por uma lógica de mercado orientada para o
individualismo, para a competição e para o consumo, levando à procura de um
“conhecimento rentável”.
Em jeito de conclusão, e independentemente de se viver no socialismo, na democracia
ou no neoliberalismo, instituições sociais políticas e culturais refletem a desigualdade
social. A cultura se tornou um reflexo da herança colonial, das imposições da
comunidade internacional e da elite política moçambicana, bem como um produto da
guerra civil. Contudo, em cada geração há uma construção diferenciada da percepção
cultural, linguística e religiosa do que representam as instituições: no discurso público

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da geração socialista se tornam uma jurisdição que existe para o desenvolvimento da
nação contra a diferenciação de gênero e erradicando sentimentos étnicos de forma a
combater o subdesenvolvimento deixado pelas políticas e práticas coloniais,
empoderando os jovens estudantes quando se tornam professores; contudo no discurso
escondido a geração socialista critica o conhecimento obrigatório e a impossibilidade de
escolher o seu futuro
Enquanto o desenvolvimento aparece ao lado dos marcadores social e humano, as
respostas que se esperam do plano são todas de natureza econômica. Assim, reforça-se
o Estado como instituição que oferece um ambiente propício a fazer da cultura fator de
afirmação da unidade nacional e, sobretudo, meio para o aumento da produção e
circulação de bens e serviços.

ATUAL CRISE NACIONAL


Após décadas de guerra e conflito, Moçambique e a sua economia conheceram uma
forte recuperação entre as décadas de 1990 e 2000. Contudo, entre 2015 e 2018, o país
passou por múltiplas crises: entre outras, a crise económica e o escândalo da dívida
oculta, choques climáticos graves e a crescente violência na região norte. Uma avaliação
abrangente e atualizada ajuda a identificar como a pobreza multidimensional mudou
durante este período desafiador e a encontrar possíveis soluções para a sua redução.
Com a crise financeira desencadeada pelo escândalo das chamadas dívidas ocultas, que
resultou, nomeadamente, na suspensão dos apoios dos doadores internacionais ao
orçamento do Estado moçambicano, a arrecadação de impostos passou a ter um papel
crucial no orçamento do país.
Entre 2015 e 2018, houve melhorias no bem-estar em Moçambique. No entanto, a
redução da pobreza
multidimensional — pobreza
definida de acordo com um
leque diversificado de privações
— abrandou, e o número de
pessoas consideradas pobres
aumentou em cerca de um
milhão, principalmente nas
zonas rurais da região centro-
norte
As províncias mais pobres
continuaram a permanecer
entre as mais pobres do país e
não melhoraram a sua
classificação, tendo Cabo

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Delgado uma probabilidade negativa de melhoria notável.
As mudanças na pobreza multidimensional foram impulsionadas por mudanças na posse
dos bens: uma grande parte da população moçambicana perdeu alguns dos seus bens,
o que aumentou as suas privações e retardou a redução global da pobreza.
Embora seja habitualmente medida em termos de rendimento ou consumo, a pobreza
é um fenómeno multidimensional que engloba vários fatores na vida quotidiana dos
pobres, por exemplo, privações no acesso à educação, saúde, saneamento, habitação,
eletricidade, e posse de bens duráveis.
A evolução da pobreza multidimensional em Moçambique entre 2015 e 2018 foi
analisada utilizando os dados mais recentes dos Inquéritos Demográficos e de Saúde
Foi criado um índice de pobreza multidimensional (IPM) que segue a metodologia Alkire-
Foster. Foi também feito a comparação da pobreza multidimensional entre áreas e
províncias com base na abordagem de dominância da primeira ordem (DPO). Os cálculos
para o IPM basearam-se nos padrões de vida, incluindo seis indicadores igualmente
ponderados: qualidade do combustível para cozinhar, instalações sanitárias, água
potável, eletricidade, habitação, e posse de bens. Os agregados familiares eram
considerados pobres se estivessem privados de três ou mais indicadores.
Globalmente, Moçambique registou uma redução notável na pobreza ao longo de 18
anos até 2015. A pobreza de consumo diminuiu cerca de 25 pontos percentuais para
46,1% entre 1997 e 2015, enquanto a incidência da pobreza multidimensional diminuiu
significativamente entre 2009 e 2015, de 87% para 79%, porém é perceptível um
descontrole econômico, simplesmente a uma simples análise de PIB, que atualmente
circula na faixa dos 15 bilhões( conformando-se como um pais subdesenvolvido,
constitui-se de um dos países mais pobres do mundo), além disso Moçambique está
abaixo do valor médio de IDH do grupo de países de baixo desenvolvimento humano
(0,513), que integra, e abaixo do valor médio de IDH da África Subsaariana (0,547), de
acordo com o documento das Nações Unidas.

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Os indicadores de bem-estar mostram uma melhoria ao longo do tempo, inclusive entre
2015-2018. Contudo, a análise do IPM revela que a taxa de redução da pobreza
abrandou acentuadamente, e que não houve uma redução estatisticamente significativa
da pobreza multidimensional durante esse período.
Também tem havido uma intensificação preocupante da pobreza quando se faz
referência ao número absoluto de pessoas pobres: o número de pessoas
multidimensionalmente pobres aumentou em cerca de um milhão, passando de cerca
de 21,3 para cerca de 22,2 milhões de pessoas, principalmente nas zonas rurais do
centro-norte.
Ao mesmo tempo, a proporção de pessoas sem privações estagnou, enquanto a
proporção de pessoas com privações nos seis indicadores, ou com a maior intensidade
de pobreza, reduziu moderadamente a nível nacional, mas aumentou ligeiramente nas
zonas urbanas.
O facto de não ter havido um grande aumento da percentagem de agregados familiares
na categoria de sem privações pode ser associado à paralisação de melhorias globais no
acesso a serviços básicos, posse de bens e condições de habitação nos últimos anos.
Especialmente no caso da posse de bens duráveis, que inclui bens como veículos e
artigos domésticos, houve uma redução na proporção de famílias sem privações, o que
aponta para que uma grande parte da população tenha perdido alguns dos seus bens.
Em contraste com a habitação e o acesso à água, eletricidade e saneamento, os bens
podem ser vendidos em tempos de extrema necessidade, levando a uma maior
privação, e aumentando a intensidade da pobreza.
Entre 2015 e 2018, a probabilidade de as famílias em Moçambique experimentarem
uma melhoria do bem-estar foi praticamente nula na maioria das áreas e províncias. As
excepções foram a província de Maputo com uma probabilidade de melhoria de 22%, e
as áreas urbanas no seu conjunto com 11%. No outro extremo, a província de Cabo
Delgado tinha uma probabilidade negativa de 15%, associada ao efeito de insurreições
e choques climáticos na região. Significativamente, também não há evidências de
progresso para a cidade de Maputo, para o Niassa, e mesmo para a província de Tete
rica em carvão.
Além disso, as províncias mais pobres não melhoraram a sua classificação em
comparação com as províncias com melhores condições. As províncias mais pobres,
predominantemente nas regiões centro e norte de Moçambique, continuam a ocupar a
mesma posição que antes, com os agregados familiares a experimentarem uma
incidência substancialmente mais elevada de privações em comparação com os do sul.
Com excepção do saneamento, a diferença de bem-estar entre as zonas rurais e
urbanas, entre o norte e o sul, e entre o sul e o centro aumentou em 2015-2018.
É provável que as conclusões reflitam o impacto combinado das crises socioeconómicas
e dos choques naturais vividos em Moçambique entre 2015-2018, acrescentando aos
desafios políticos identificados na Quarta Avaliação Nacional da Pobreza de 2015.

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As estimativas atualizadas da pobreza também apontam para a importância de
considerar as diferenças nas dimensões e áreas geográficas ao analisar a pobreza, e de
como existe uma necessidade indiscutível de utilizar tais evidências para conceber
políticas orientadas para os serviços e assistência, particularmente contra a pobreza nas
regiões centro e norte, bem como nas zonas rurais de Moçambique. Para combater a
elevada pobreza nas zonas rurais, o desenvolvimento agrícola e rural e o emprego
associado destacam-se como áreas críticas a ser objeto de medidas políticas.
Tais alterações perceptivas, somadas a uma possível “desorganização” governamental,
ocasionam o apse do desenvolvimento desigual das regiões de influência, afastando-os
de sua própria nacionalidade, logo abandonando pequenas instituições voltadas a
cultura, e afastando-os de sua regionalização, perdendo um possível poder comercial,
normalmente relacionado a educação, e até mesmo ao turismo. Assim, dependendo de
agentes externos de um senso ocidental, para a autossustentabilidade de um governo
estável, logo, consumindo o país por redes multinacionais, em busca de uma distorção
de seus reais objetivos, como principal, a exploração do solo moçambicano.
Tais agentes culturais-políticos e econômicos, facilitaram a entrada e dispersão da atual
ameaça que prega o país.

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O EXTREMISMO MOÇAMBICANO E A PROVINÇA DE CABO DELGADO
Multiplicam-se as notícias sobre ataques armados e atos de violência, em Cabo Delgado,
província do nordeste moçambicano, num conflito que eclodiu há 3 anos e está a
provocar uma crise humanitária, com mais de duas mil mortes e a obrigar à fuga de mais
de 670 mil pessoas de um cenário de guerrilha.
Sem habitação ou acesso a alimentos, o drama concentra-se sobretudo na capital
provincial, Pemba, onde se estima que haja 950 mil pessoas “a enfrentar fome severa”
nas províncias de Cabo Delgado, Niassa e Nampula – sendo 242 mil crianças com
desnutrição grave, como é detalhado pelo Escritório das Nações Unidas para a
Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA).
Grande parte dos mais de 670 mil deslocados internos no norte de Moçambique são
crianças.
O conflito em Cabo Delgado tem raízes profundas e complexas. A região de maioria
muçulmana, dois terços da população é islâmica e um terço é cristã, viu-se durante
décadas votada ao esquecimento da capital Maputo. A desconsideração do governo
face às necessidades da população, assente na ausência de investimentos sociais e na
inoperância de colmatar as deficitárias condições das infraestruturas, a par da constante
corrupção e da concentração de riqueza nas mãos de elites locais ligadas ao poder
central exacerbaram as assimetrias que dividem um país, cultivando um sentimento de
revolta e desconfiança no poder.
Onde o silêncio governativo impera, incapaz de combater as desigualdades existentes
grassam os rumores, as invenções, os exageros e os limites entre a mentira e a verdade
esbatem-se. Esse esquecimento, essa sensação de abandono sobre a situação em Cabo
Delgado criaram o ambiente ideal para a sublevação de grupos radicalizados e para a
fermentação dos seus ideais
Assim, entre ressentimentos autóctones contra o poder, um Estado distante e conflitos
étnicos adormecidos estão algumas das causas para uma guerra que tem transformado
um destino turístico de eleição num campo de batalha.
Estas variáveis contribuíram para o crescendo de um movimento, que em 2017 teve o
seu ponto de inflexão. Perante o panorama desfavorável em que viviam, alguns jovens
do Conselho Islâmico de Moçambique começaram a desenvolver uma nova leitura e
prática do Islão.
Dentro deste espectro islamista surgiu um outro grupo, mais ativista e radical, que se
tornou conhecido localmente como Al-Shabaab (jovens em árabe, não havendo uma
relação com o grupo islamista Al-Shabab da Somália).
Tornaram-se oposição ao Estado central e, com o passar do tempo, militarizaram-se,
jurando fidelidade a Al-Baghdadi, em 2018. Acabariam por formar-se como
comunidade, com a implementação de escolas corânicas e, naturalmente, surgiu em

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simultâneo um braço armado que passou a atuar contra todos os que negavam os seus
pressupostos.
“os extremistas moçambicanos estão a atuar de armas na mão, utilizando justificações
de natureza religiosa para impor um modelo civilizacional diferente do que era usual na
região”
Apesar de integrar militantes, de outras latitudes africanas como da Tanzânia e da
Somália, o grupo é, essencialmente, constituído por jovens muçulmanos originários de
distritos da província de Cabo Delgado, de forte tradição islâmica que passaram por um
processo de radicalização.
Estes jovens que enfrentam elevadas taxas de desemprego e um futuro cada vez mais
incerto dominados por esta vulnerabilidade, a par da promessa de um efetivo apoio
financeiro e da sedutora retórica jihadista, tornam-se num estrato populacional de fácil
recrutamento.
Usando a corrupção, a arbitrariedade e a repressão do Estado para legitimar a violência,
os jihadistas reclamam a pureza das suas convicções contra a podridão das instituições
e de quem as dirige. Legitima-se, assim, uma força desestabilizadora que permite, no
caos que instala, a prosperidade de certos negócios ilegais, como o contrabando de
materiais preciosos como rubis, madeiras preciosas, marfim ou mesmo lenha, embora
isso seja mais trágico interfronteiriço, como nos conta o especialista em assuntos
africanos.
Apesar de ser a mais pobre província de Moçambique, Cabo Delgado é,
simultaneamente, a mais rica, com recursos geológicos particularmente importantes ao
nível de grafite, rubis e gás natural, com uma das maiores reservas do continente
africano. Numa região onde a maioria da população vive na pobreza, sem acesso à
educação, cuidados de saúde e empregos, grandes multinacionais exploram as riquezas
existentes no território.
O ponto central do potencial renascimento de Moçambique num futuro próximo, são as
descobertas dos Campos de gás natural no norte do país, principalmente situados na
província de Cabo Delgado. Com tal descoberta dos inúmeros campos de gás natural,
somados com a crescente abertura do mercado, gerou uma situação em que empresas
privadas, como a “Total” francesa e a Exxon Americana se estabeleceram, começando
um investimento privado muito grande em projetos de exploração e extração desse gás
natural, e o projeto também para transformar esse gás natural em liquefeito para a
facilitação do transporte.
É no norte de Cabo Delgado que estão concentradas as gigantescas prospecções de gás
natural liquefeito, de multinacionais como a Total ou a ExxonMobil, com projeções de
investimento na ordem dos 500 milhões de dólares (cerca 455 milhões de euros) só na
fase inicial do seu projeto. Nessa região muito pobre de Moçambique, esse investimento
feito pelo total hoje é o maior investimento privado africano em curso, ou seja, um
investimento tão pesado capaz de gerar de receitas para o governo moçambicano 100

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bilhões de dólares nos próximos 20 anos, quantidade que ao relevada ao PIB, concederia
de extrema importâncias melhoras ao sistema moçambicano, com um PIB anual de 15
bilhões de dólares
Porém, as recentes descobertas de hidrocarbonetos internacionalizaram a região e
geraram muitas expectativas entre os locais de presumíveis melhorias nas condições de
vida da população, que acabaram por não se verificar. A própria insurreição e a presença
de células jihadistas no norte do país representou, igualmente, uma ameaça direta aos
projetos de gás, tendo um ataque em 30 de dezembro decorrido a apenas dez
quilómetros da infraestrutura, que recorre a empresas de segurança privadas para
proteger o pessoal.
Assim, a esperança de que o projeto trouxesse benefícios para a população perdeu-se
entre o sentimento de abandono, a marginalização económica, e o recrudescimento do
terrorismo.

“o início da guerra não esteve, pois, ligado ao gás e às companhias que preparam a sua
exploração, não havendo uma relação de causa-efeito entre a eles, ou os rubis, que é
outra grande riqueza explorada em Montepuez”.
Tal não significa que o conflito não tenha ganho visibilidade e intensidade por este facto,
atraindo outros interesses, não só de grupos de mercenários, mas também de países da
região e de outros atores que têm companhias de bandeira envolvidas no negócio do
gás
“se o Estado Islâmico fosse escolher uma província do Malawi ou uma província da
Tanzânia em que não há nada, o impacto mediático e social seria inexistente”.
Este conflito apresenta contornos complexos, afigurando-se como uma verdadeira
encruzilhada entre o terror jihadista, a instabilidade governativa e a envolvência de
empresas militares privadas.
O resultado mais imediato desta instabilidade é o problema humanitário. As indicações
apontam para um quadro de mais de 670 mil deslocados e um contexto de fome

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generalizada, abrangendo mais de 900 mil pessoas, com uma grande incidência entre os
mais jovens, como reflexo da pirâmide etária do país.
Alexandre Jorge Mano dá o exemplo do distrito provincial de Cabo Delgado, Macomia,
no qual “a destruição das infraestruturas, desde escolas, lojas, agudizou a escassez a de
alimentos e as infraestruturas logísticas que existem, que neste momento estão a ser
suportadas por colunas militares durante um grande período de tempo deixaram de
existir, provocando uma subida anormal de preços de bens de consumo e combustível”,
provocando uma situação extremamente complicada.
“é uma forma de exercício do poder, é uma forma de dominação, é uma forma de
influência” e uma prova bastante clara de que os envolvidos não dão absolutamente
nenhum valor à vida humana”.
Para travar este cenário, o Governo moçambicano deve “primeiro, pedir ajuda
internacional, em termos de apoio em bens de primeira necessidade, segundo tentar
ter, de facto, um exército”, apetrechando-se nessa componente, como defende o
especialista em assuntos africanos. Porque se de facto “este movimento começar a
perder, a ser perseguido, o impulso para se juntar a ele vai diminuir grandemente”,
acrescenta.
Mostrando-se esperançoso com a transformação considerável no teatro operacional de
que Cabo Delgado tem sido alvo, com resultados positivos a surgirem, Alexandre Jorge
Mano destaca o papel e a envolvência de países externos como Portugal e os Estados
Unidos da América no auxílio a Moçambique.
O consultor mostra-se otimista no término do conflito e no estabelecer de uma acalmia
em solo moçambicano, contudo salienta a complexidade da guerra que se faz sentir,
especificando as suas várias dimensões.

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CONCLUSÕES FINAIS
De um Estado socialista a outro aberto ao mercado internacional, o governo
Moçambicano – sempre preocupado na conservação do patrimônio e na valorização de
manifestações artísticas que traduzam a identidade nacional – tem sido displicente em
consolidar mecanismos de participação social na cultura. Se no momento pós-
independência o partido assumidamente restringia o poder de determinar o que deveria
ou não ser valorizado, desde a assinatura do Acordo Geral de Paz tem se imiscuído da
responsabilidade em promover democratização cultural, sob a roupagem do discurso
liberalista, ordenada por agentes privados, supostamente dotados de algum grau de
igualdade. A diversidade cultural inicialmente indesejável passa a ter espaço quando é
substrato para aquisição de recursos econômicos. Assim como no socialismo, no
Moçambique contemporâneo o governo mantém uma perspectiva utilitarista da arte:
se ela impulsionaria o progresso civilizatório do homem novo, agora ela abre novos
nichos de negócio para o desenvolvimento econômico.
Portanto, ainda que seja facilmente identificada uma postura autoritária do Estado
moçambicano pós-independência quanto às políticas culturais, não se pode afirmar que
após a liberalização da economia Moçambique tenha se tornado um país democrático,
ou que promova a democracia cultural. Pelo contrário, o Estado visa à cultura de forma
antidemocrática. É curioso o quanto a análise sobre o Estado brasileiro é pertinente ao
contexto moçambicano.
Até os dias de hoje as populações dos distritos de Moçambique não elegem seus
governantes distritais e provinciais, votam somente nas eleições presidenciais. Os
governantes destas esferas são nomeados pelo presidente. Apenas cidadãos de 33
cidades e vilas do país votam em seu governante local. Não seria grande surpresa a
inexistência de equipamentos administrativos estruturados e dotados de alguma
capacidade orçamentária e decisória para a efetivação da democracia na definição de
políticas culturais no país.
Moçambique enfrenta muitas dificuldades no campo da gestão pública, cultural,
econômica e humanitária. Há carência de infraestrutura física de instituições, falta de
quadros para operar as políticas, e baixo orçamento destinado ao Ministério. Todas
estas questões se agravam graças a pouca vontade política do governo em
descentralizar e democratizar a gestão das políticas culturais.
as políticas moçambicanas estão longe de conformar um aparato institucional que
promova e valorize a diversidade cultural de fato. Inexistem políticas de amplo alcance
no campo, onde impera a lógica efêmera dos grandes eventos.
Moçambique vive ainda problemas estruturais gravíssimos desde então a corrupção no
país ela é endémica a falta de dinheiro a falta de capacidade de organização e de gerar
uma vida melhor para os seus cidadãos, refletindo-se no PIB que gira ao redor de 15
bilhões de dólares por ano o que é uma quantidade ínfima em comparação com vários
outros países do mundo.

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Além disso, Moçambique não possui um sistema nacional abrangente que organize os
fluxos de recursos e informações entre o governo nacional e os órgãos provinciais,
distritais e das cidades. Por fim, inexistem políticas direcionais ao incentivo de iniciativas
de grupos sociais e ONGS humanitárias não estatais de forma programática e contínua.
Dado isso como reflexo, a atual presença extremista islâmica, questiona os princípios
governamentais aturados pelos moradores dos mais variados distritos, ocasionando
uma pressão ao governo, gerada teoricamente pelos erros e fraqueza tão abrangente
no território africano.
O verdadeiro objetivo dessa pesquisa, é demonstrar na pele a falta de influência e poder
interno da África em geral. Inerente aos questionamentos, a presença do al shabad, num
primeiro momento, é ofuscada pelo pensamento ocidental sobre o islamismo, a partir
de uma falsa interpretação sobre a derrota Síria, “devemos tomar cuidado com as
obstruções generalizadas, a derrota da Síria, diminui os ataques diretos aos países ao
note-equador, porém não se bastou para a destruição da ideologia”, além da percepção
de parte exterior aos campos de gás no norte de Moçambique.
E hoje não existe uma concepção por parte da sociedade de que vale a pena acreditar
no governo, ao invés de acreditar nas narrativas de um grupo como al Shabab, e hoje a
região de cabo delgado o al Shabab tem a vantagem de trazer e conquistar as mentes
de vários é cidadãos moçambicanos na região que são pobres sem perspectiva sem
acesso à educação sem acesso ao básico e isso fortalece ainda mais o grupo nessa região.
Atualmente, o governo moçambicano tem negado-se a aceitar ajudas externas para
combater as forças do norte, de primeira mão enxerga-se como uma medida
inconsistente, porém com um governo tão frágil e linhas de defesa fraquejadas,
Moçambique hoje teme em tornar-se mais um posto de exploração ocidental, que tal
como a Síria utilizariam desse conflito como método de exploração das fontes
econômicas, que já se encontram limitadas.
Medidas arriscadas como essa toram-se como uma “faca de dois gumes”, realizando um
papel racionável, porém expondo-se a uma frente liberal somada as divergências
extremistas do país.
“A África continua e continuará sendo um continente de baixa potência e extremamente
explorado e invisível por uma visão ocidental e divergente, e essa ascensão do islamismo
se torna um ponto de reflexão que tenta nos levar a questão- Aonde esse mundo vai?”
Há um longo caminho a ser percorrido. Os povoados locais continuam a vivenciar,
produzir, compreender e criar fundamentados em valores e tradições cuja origem difere
da cultura global. Com capacidade econômica e política inferior às corporações da
indústria cultural, tais sujeitos precisam mais do que ter suas identidades respeitadas,
precisam que a instituição pública soberana em seu território ofereça instrumentos e
mecanismos para que os produtos e fazeres dessas identidades possam se difundir e
alcançar outras.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
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www.jpn.up.pt
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www.academia.edu
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BORGES, Edson. A política cultural em Moçambique após a independência (1975-1982).
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CABAÇO, José Luís. Moçambique: identidade, colonialismo e libertação. São Paulo:
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