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-1Relacionamento com os consumidores

Concentração de mercado?

Em 1993, Sylvester Stallone estava em uma fase da carreira em que se dava ao luxo
de satirizar a si mesmo. Depois de fazer cinco filmes da série Rocky e três Rambos,
consagrado como ator de filmes de ação, ele decidiu não se levar nem um pouco a
sério. Nessa fase está um filme bem interessante: “O Demolidor”. Em uma
movimentada paródia dos <i>blockbusters</i> que o projetaram, Stallone faz o papel
de John Spartan, um policial que, depois de passar 40 anos em uma câmara
criogênica, é descongelado para perseguir um criminoso sanguinário (Simon
Phoenix / Wesley Snipes) em um mundo em que a polícia está completamente
despreparada para lidar com esse tipo de problema, uma vez que Los Angeles
tornou-se uma cidade utópica, onde todos vivem em paz e o pensamento
politicamente correto chega ao ponto de proibir o consumo de hambúrgueres.<br
/><br />
No filme, que arrecadou cerca de US$ 168 milhões nas bilheterias de todo o mundo,
há inúmeros momentos espirituosos (como aquele em que Stallone se surpreende
ao saber que Schwarzenegger foi eleito presidente) e em uma dada ocasião a
personagem de Sandra Bullock convida Spartan para jantar no Taco Bell, explicando
que, desde que a empresa venceu a guerra do <i>fast food</i>, todos os
restaurantes da cidade têm a mesma marca! Um exagero futurista que vem bem a
calhar com toda a discussão recente a respeito do aumento da concentração no
varejo brasileiro, em especial no setor eletroeletrônico.<br /><br />
O fato é que desde os tempos de Adam Smith a dinâmica do capitalismo leva a uma
acumulação de capital nas mãos de poucos grupos, mais bem preparados e capazes
de não apenas compreender, mas antecipar as mudanças tecnológicas, sociais e
comportamentais. Das fábricas de tecido na Inglaterra no século XVIII à indústria de
alimentos mundial de hoje, passando por todos os segmentos de mercado, existe um
constante movimento em que um mercado fragmentado, ao ganhar corpo, começa a
ter algumas empresas líderes, que tornam-se mais fortes e crescem mais rápido que
os concorrentes, ocupando mais espaços no mercado. Não apenas pelo crescimento
orgânico, mas também por fusões e aquisições, esse processo leva à criação de
alguns poucos grupos que dominam parcelas expressivas do mercado.<br /><br />
Entretanto, no varejo brasileiro esse processo ainda está em evolução. Se nos
supermercados os cinco maiores operadores detêm cerca de 45%, em países como
o Reino Unido esse percentual chega aos 75%. Mais próximo daqui, no Chile dois
grupos detêm a quase totalidade do varejo supermercadista, três empresas
controlam o setor de farmácias e outras três, as lojas de departamentos.<br /><br />
Por conta disso, ao longo do tempo surgiram diversas alternativas para que o
pequeno varejo não apenas subsista, mas prospere contra a maré aparentemente
irreversível de consolidação. Um exemplo são as franquias. Sob esse modelo, cada
pequeno empresário não apenas continua no mercado, como ganha novas
ferramentas e todo um arsenal de conhecimento trazido pelo franqueador, para
dessa forma crescer, abrir novas lojas, continuar a se expandir. Ou ainda as Centrais
de Negócios, em que pequenos operadores independentes assumem uma marca
comum e, patrocinados ou não por um <i>player</i> maior (que pode ser um
atacadista interessado em manter sua força de mercado ou um varejista que
percebe que em certas regiões não possui o entendimento da cultura local ou o
formato de negócios mais adequado), unem forças para desenvolver compras,
logística, marketing, comunicação e muitas outras atividades.<br /><br />
Essas alternativas de inclusão do pequeno varejo no grande tabuleiro de xadrez das
redes cria casos interessantes, em que os pequenos, se considerados sob a
bandeira única na qual trabalham, são maiores que muitos “grandes”. Um exemplo é
a Euronics, segunda maior varejista de artigos eletrônicos da Europa, com 11.300
pontos de venda em 29 países (todos varejistas independentes) e faturamento
conjunto de 14,4 bilhões de euros em 2008. No Brasil, a rede de serviços
automotivos DPaschoal buscou operadores independentes ao perceber que não
conseguiria levar seu modelo de lojas para cidades menores e, em vez de
estabelecer uma concorrência direta, realiza um trabalho de capacitação desses
operadores, em um movimento em que a rede, os operadores independentes e os
consumidores saem ganhando.<br /><br />
É evidente que as atenções da imprensa se concentram nas grandes fusões e
aquisições que envolvem líderes de mercado, devido ao seu impacto no mercado e
na sociedade e ao seu potencial midiático. Entretanto, pintar, a partir daí, cenários de
monopólio é ignorar não apenas o grau de consolidação da própria indústria, mas
principalmente a capacidade de inovação dos pequenos e médios operadores, que
não estão dispostos a ficar parados esperando serem engolidos.<br /><br />
Alternativas existem, para todos os gostos: franquias, licenciamento, Centrais de
Negócios, sócios-empreendedores. É uma questão de ousar. E usar.

Renato Müller, gerente de Publicações da GS&MD

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