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-1Relacionamento com os consumidores

Varejo com muito malte

No fundo, uma mistura de grãos, água e levedura. Na superfície, uma bebida que
inspira <i>glamour</i>. Entre um ponto e outro, uma combinação de arte, ciência,
tecnologia, geografia, geologia e cultura que torna o whisky, para muitos, uma
expressão de si mesmos. Uma forma de demonstrar poder, ao gastar 3.000 euros
em uma única dose de um Macallan 1926 envelhecido 60 anos, mas também um
momento de prazer ao degustar uma dose de um Chivas 18 anos que combinou
mais de 50 maltes de diversas localidades da Escócia e oferece uma riqueza única
de sabores. Ou ainda o descompromisso de beber um <i>standard</i>, cujo sabor
vai embora tão rápido quando chegou.<br /><br />
O varejo tem muito de whisky. Pode ser considerado uma mistura de produtos,
preços, lugar e pessoas. Pode, por outro lado, motivar os consumidores a criar um
senso de quem são. Entre uma ponta e a outra, também uma combinação de arte,
ciência, tecnologia, cultura e muitos outros aspectos. E, assim como acontece com
os melhores whiskies escoceses, os melhores varejistas sabem valorizar cada
sabor regional, criando um mix único, exclusivo.<br /><br />
Na Escócia, há basicamente quatro regiões produtoras de malte: Lowlands, as
terras baixas, onde se produzem os maltes mais leves, doces e suaves; Highlands,
as terras altas, onde os maltes são mais fortes, temperados e frutados; Islay, a
região litorânea, de onde sai um produto com sabor seco e salgado; e Speyside, de
onde saem os melhores maltes, perfumados, frutados e florais. Os maltes dessas
regiões são misturados e combinados aos whiskies de grão (feitos principalmente a
partir de centeio, na Escócia), que suavizam o sabor, criando blends específicos de
cada marca, em cada linha de produto. Os mestres produtores de whisky têm um
trabalho quase de alquimistas, misturando diferentes grãos em diferentes
quantidades para criar combinações que agradem aos mais diferentes paladares,
em todo o mundo.<br /><br />
Semelhantemente, no varejo há infinitas combinações possíveis. Um aspecto
interessante é o <i>glamour</i> que whiskies de mais idade detêm. São o mercado
de luxo dos whiskies. Afinal, a cada ano nos toneis de carvalho, a bebida perde
cerca de 2% de seu volume. Isso significa que, em um tonel cheio de whisky, 50%
do espaço virará ar em 25 anos, por conta da evaporação do líquido. O que
também explica por que o Macallan 60 anos do primeiro parágrafo custa 3.000
euros a dose, pois ele é praticamente um milagre, não uma bebida.<br /><br />
Pouca gente se dispõe, porém, a investir tanto dinheiro em uma única dose de
whisky, assim como poucos no mundo podem comprar automóveis de milhões de
dólares. Ainda assim, trata-se de um nicho de mercado sólido. O volume de vendas
que faz a alegria de um Walmart, com seus US$ 465 bilhões de faturamento em
2009, logicamente, não vem do mercado de luxo, e sim da massa. O grosso do
mercado de whiskies não está nas garrafas milionárias, nem nos <i>blends</i> de
15, 18 ou 25 anos: os líderes em vendas são os <i>standards</i>, produzidos com
maltes de no máximo oito anos de envelhecimento. Somente assim é possível dar
conta da demanda do mercado.<br /><br />
Outro viés interessante é que pessoas de origens diferentes, com culturas
diferentes, interagindo entre elas e com produtos e serviços que muitas vezes são
completamente estranhos. Desse caldeirão saem conceitos de negócios únicos,
que dificilmente podem ser copiados em outros lugares. Assim como acontece com
a bebida.<br /><br />
Tomemos casos como o da americana Container Store, ou do Magazine Luiza no
Brasil. Empresas que mantêm uma cultura corporativa forte, mas que sabem ser
flexíveis para entender os sabores regionais (os hábitos e atitudes dos
consumidores) e adaptar essa base, criando <i>blends</i> exclusivos, que muitas
vezes desafiam o senso comum, mas fazem muito sucesso. Pode ser difícil para
um brasileiro entender, por exemplo, como no México a rede de eletroeletrônicos e
móveis Elektra não oferece serviço de entrega, assim como parece impossível
considerar que alguém pode, em sã consciência, apreciar um malte de Islay,
salgado, defumado e com gosto de remédio. Entretanto, tanto a varejista quanto o
malte vão muito bem, obrigado.<br /><br />
Existe espaço para todos no mercado. É uma questão de escolher o
posicionamento, o <i>blend</i> mais adequado e entender que o varejo, assim
como o whisky, é formado pela somatória das diferenças, e não pela uniformização.
Só reconhecendo e valorizando essas diferenças é possível obter algo único e
marcante.

Renato Müller, gerente de Publicações da GS&MD

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