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História e simbologia dos números

Apenas complementando nosso estudo anterior, entenderemos um pouco sobre os


Números. Sua História e Simbologia. No qual, segundo os conceitos de Pitágoras (século
6º a.C.) e de seus discípulos, os números são a chave das leis da harmonia cósmica e os
símbolos de uma ordem divina universal.
A descoberta de que os acordes agradáveis ao ouvido eram produzidos pela
vibração de cordas cujo comprimento podia ser expresso por relações numéricas simples
levou Pitágoras a postular a existência do conceito de harmonia, e constituiu o primeiro
passo que levou a uma formulação matemática do conhecimento do mundo.
Nesse modo de ver (“tudo é número”), toda forma pode ser expressa por números
que, tal como os “arquétipos divinos”, estão ocultos na estrutura do Universo e só se
manifestam a quem busca conhecimento e sabedoria ao mesmo tempo. É o que
demonstra, por exemplo, o teorema de Pitágoras e sua lei do quadrado da hipotenusa.

“Os números não foram jogados às cegas no mundo; eles foram reunidos para constituir sistemas
harmoniosos, como as formações cristalinas e as notas da escala musical, em virtude das leis gerais que
regem o universo”
(Koestler).

Os números, portanto, não eram considerados apenas como unidade de medida,


mas como os archaï (ou seja, os elementos básicos, o fundamento) de todas as
coisas “como o nexo primordial e incriado que assegura a persistência eterna dos componentes do
universo” (Filolau, século 5º a.C.)
A periodicidade dos ciclos cósmicos, que repousa sobre unidades numeráveis,
reforçou através do estudo da astronomia a idéia de que os números não eram apenas
instrumentos que exprimem a ordenação do universo, mas qualidades intrínsecas ao
cosmo, traços “absolutos” de poderes sobre-humanos e, portanto, símbolos da
divindade.
Novalis experimentou esse poder mágico dos números ao estendê-lo ao campo da
mística: “É provável que exista na natureza tal como na história uma mística maravilhosa dos números.
Não está tudo cheio de sentido, de simetria e de relações singulares? Não poderia Deus se revelar
igualmente na matemática como o faz em todas outras ciências?”
Nessa mesma linha de pensamento, extraída de Pitágoras e transformada pela
tradição alquímica, o Islã também considerou o número a tal ponto essencial, que para
os Iqhwn as-Safa (os “Irmãos da Pureza”) “o número, que representa uma multiplicidade de
unidades, é ao mesmo tempo o princípio diretor da Criação e o símbolo que ajuda a compreendê-la”.
A partir dessa sacralização dos números, que atribui a cada um deles um poder e
uma qualidade singulares, o Deus Criador é “o Um primordial” que se despoja de si-
mesmo para se revelar sob a forma de uma dualidade. Da tese e da antítese nasce a síntese
da Trindade: omne trium perfectum (“toda trindade é perfeita”).

Unidade e Trindade
A trindade, desse ponto de vista, é dinâmica e se baseia na idéia-força de um
poder de relação que une e que movimenta as formas da dualidade.
No cristianismo o Espírito Santo, como declara São Bernardo, é o “beijo do Pai
e do Filho”, sua “respiração comum”.
Do mesmo modo, no final da Renascença Kepler utiliza a imagem da esfera, que
lhe é cara, para dizer que se o Pai é o centro e o Filho a superfície, o Espírito é o raio que
os une e que, ao descrever o espaço ao redor do centro, gera a esfera enquanto tal.
Entre os árabes, que não tratam da Encarnação e para os quais Deus só pode ser
pensado sob a referência do Único, o Um é Allah, enquanto que o Dois simboliza a
Inteligênciaatuante que cria o início do múltiplo (do qual o dois é a expressão mínima)
e o Três representa a alma, poder de mediação entre a Terra e o Céu.
Essas três instâncias podem ser colocadas em correspondência aos três
protagonistas do Conhecimento (o Conhecedor, o Conhecido e o Conhecimento do
Conhecido pelo Conhecedor) que constituem o espelho da Divindade criadora, visto que
em Deus, bem como na visão mística que o apreende, Conhecedor, Conhecido e
Conhecimento são uma única e mesma coisa.
Apesar das aparências diferentes, essa formulação árabe está muito perto da
trindade cristã: basta substituir o Conhecedor pelo Pai, o Conhecido pelo Filho e o
Conhecimento pelo Espírito Santo para que as duas expressões se tornem homólogas.

Um, Dois, Três e Quatro


Se admitirmos que o número três indica o movimento interno da unidade, o
número quatro revelará a manifestação e a plenitude.
Essa dinâmica traduz o processo de construção da tetraktys de Pitágoras (a
perfeição do número dez como manifestação da unidade do múltiplo), que só pode ser
obtida mediante a adição do quatro (que é um número composto, ou seja, 2 + 2 ou 3 +
1) aos três primeiros números fundamentais: 1 + 2 + 3 = 6, mais 4 --> 6 + 4 = 10. O
radical da palavra tetraktys é tetra, ou seja, ‘quatro’ na língua grega.
A mesma idéia aparece no que se convencionou chamar, na alquimia, de “adágio
de Maria Profetisa”: “O um torna-se dois, dois torna-se três e do terceiro nasce o
um como quarto”.
Numa linha idêntica de pensamento e em relação ao que deveria ser a completude
da manifestação divina, C. G. Jung deu ainda, modernamente, um “valor arquetípico”
ao mesmo número quatro.
Jung considerava, por exemplo, a proclamação pelo Vaticano do dogma
da Assunção física da Virgem, que parecia escandaloso aos olhos de muitos de seus
contemporâneos, como a expressão de uma aspiração simbólica para concluir, de modo
harmonioso, a Trindade, marcada que é pelo selo da masculinidade, inserindo nela
o elemento feminino(Sofia) para formar um quadrado.
Essa estrutura tradicional dos quatro primeiros números, da unidade original à
multiplicidade manifestada, mas que reflete ainda essa unidade primordial, pode e deve
ser lida também de um modo paralelo e complementar: se o Um é o Criador primordial,
ele é forçosamente ao mesmo tempo o “Deus que se revela” e o Deus que podemos
conceber.
No entanto, se Deus é verdadeiramente Deus, se ele é totalmente transcendente,
nós não podemos concebê-lo e a única maneira de nos exprimirmos a seu respeito é
falando negativamente, ou seja, ele não poderá estar contido em nada do que podemos
dizer dele.
Por essa razão, o Um se apóia no que os neo-platônicos, que não conheciam o
zero, chamaram de o “Um-que-não-é” e no que os gnósticos denominaram o “nada”
(“Houve um tempo em que nada existia; esse nada não era uma das coisas existentes e, para falar
claramente, sem rodeios, sem artifícios, absolutamente nada existia...” declara Basílio de Alexandria
sobre esse Deus).
No esoterismo do Islã ele foi designado como o “nada supra-essencial”: é
precisamente o que o zero significará desde que se admita que o zero “existe”. A
passagem do Zero ao Um, do Um-que-não-é ao Um-que-se-revela, corresponde à
diferença que se estabelece na Cabala, entre o “nada” e o “eu” de Deus (do ain ao ani,
do En-Sof ao Deus criador). A mesma distinção que faz Mestre
Eckhart entre Gottheit e Gott, ou seja, entre a deidade do fundamento e Deus tal como
se deixa apreender, ou ainda, em outros termos, entre o deus absconditus (o deus oculto) e
o deus revelatus (o deus revelado), entre as trevas essenciais e o lampejo da luz, do
qual Jocob Boheme nos fala nos Mysterium magnum.
A partir do Um revelado, a divisão pode então se fazer no dois, sem introduzir a
dualidade (já que Pai e Filho são um só), mas a dualidade de princípios, tal como
os pares de opostos Yin e Yang. Aqui existem dois caminhos possíveis; de acordo com
a via chinesa, essa dualidade se traduz por uma complementaridade: dois é o número
da mulher, o que tornará todas as cifras pares femininas. Já entre os gregos, por um
antagonismo declarado, o dois é também a cifra do Diabo (dia significa ‘dois’ em grego),
que se opõe a Deus e introduz a divisão do Bem e do Mal.
Torna-se evidente a equivalência que tende a ser feita implicitamente entre
a mulher e o Diabo: e aí se inclui a enigmática figura de Lilith; é a Eva no Paraíso que
escuta a serpente; serão todas as feiticeiras que a cristandade lançará à fogueira; é toda a
ginecofobia tradicional de nossa cultural e o terror que o homem prova diante da mãe,
onde lê o poder da morte, e diante da mulher que o ameaça de destruição.
A quaternidade pode, então, ser tanto a adição de duas dualidades (a mulher e
o Diabo reunidos, que forma a totalidade da criação maléfica), quanto a adição da
Trindade mais um elemento: seja a Virgem (que marca a completude do divino pela
introdução de Sofia), seja o Diabo (que completa a divindade em sua parte de sombra,
tal como se vê nas relações de Lúcifer com Deus). Neste último sentido, designa a criação
tal como fomos levados a vivê-la, atormentados que somos entre os poderes de Satã e a
graça do amor divino.
Entre os árabes, como conseqüência direta de sua concepção dos três primeiros
números, o quatro é a assinatura da matéria prima a partir da qual vai se manifestar
todo o universo sensível: cinco será então a Natureza, seis o símbolo do Corpo do
Mundo, sete o número dos planetas, oito a cifra dos quatro elementos e nove o “último
degrau dos oito universais”, que correspondem a todas as criaturas, que são ao mesmo
tempo realidades derivadas dos elementos e compostas com eles.
É notável, aqui, mais um paralelo que se pode estabelecer com a numerologia cristã,
já que o quatro, que é o signo da materia prima, pode equivaler a Maria, que, nas
especulaçõesalquímicas, é o próprio símbolo do corpo humano, ou do corpo primeiro
do mundo, ou seja, da materia prima, cuja coroação ou Assunção marca as núpcias
celebradas com a Trindade (Speculum Trinitatis de Reusner)

Por Armando

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