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A RELAÇÃO CAMPO-CIDADE
Apocalipse 21.1-8

“O interior já emprega mais que capitais" - esta foi a manchete do suplemento


Dinheiro, da Folha de S. Paulo, no dia 19 de setembro de 1999. Uma recente e
profunda mudança está acontecendo no mercado de trabalho brasileiro: o interior do
país está com aumento na oferta de empregos.

Esta é a conclusão de um detalhado estudo feito pelo economista João Sabóia, da


Universidade Federal do Rio de Janeiro. Conforme a pesquisa, no fim dos anos de
1990, o interior tem mais trabalhadores (54,3%) que as capitais (45,7%).

O mapa do emprego no Brasil tem mudado: enquanto o Ceará tem oferecido muitos
empregos, São Paulo, tradicional símbolo da indústria brasileira, tem visto sua oferta
de empregos no interior do Brasil.

O citado estudo identifica 66 novos centros geradores de empregos no interior do


Brasil. Destes, 11 estão em Minas Gerais, o estado com mais cidades do interior a
atrair trabalhadores. Logo após vem o Paraná, com 10 cidades.

É uma mudança interessante: parece que, aos poucos, o Brasil (re)descobre a rota do
interior. Está acontecendo uma descentralização: indústrias transferem-se ou instalam-
se no interior do país, para diminuição de custos.

Desde os primeiros tempos da presença europeia no Brasil, nosso país tem sido
caracteristicamente rural. É verdade que, muito cedo, algumas cidades foram
fundadas, já no século XVI, como Salvador, São Paulo e Rio de Janeiro. Mesmo
assim, por séculos, o Brasil foi um país rural. As marcas da vida no campo influenciam
profundamente toda a cultura brasileira.

Prova disso é o sucesso que em toda parte fazem as festas do peão de boiadeiro.
Sociólogos chamam a atenção para um interessante fenômeno: os agroboys - são
jovens de classe média, nascidos e criados em ambiente urbano, mas que ouvem
música sertaneja, e se vestem como se estivessem em uma fazenda.

A economia do Brasil sempre teve base na agropecuária. Nos primeiros anos do


século XX, o Brasil experimentou o início de um processo de industrialização. Na
capital de São Paulo, instalaram-se indústrias têxteis, que atraíram imigrantes italianos
(ou seus descendentes) e pessoas do interior do estado.

Mas a industrialização no Brasil recebeu ímpeto a partir dos anos de 1930, por ocasião
do governo de Getúlio Vargas.

David Martin, sociólogo da religião, observa que a era Vargas foi marcada por
deslocamentos em massa de pessoas da zona rural para as cidades - o chamado
êxodo rural. Vargas cometeu uma contradição: deu algumas condições de trabalho
aos moradores das cidades (a CLT - Consolidação das Leis do Trabalho - é desta
época).

Mas as reformas políticas que realizou não contemplaram o trabalhador rural. Assim,
muitas cidades tiveram sua população aumentada, sem ter infraestrutura para isso. As
pessoas provenientes da zona rural tiveram que se localizar na periferia das cidades,
ou em favelas.

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Muitos tiveram que se contentar com empregos que não exigem especialização, mas
que oferecem baixa remuneração. Um imenso número de problemas aconteceu (e
acontece) em consequência. Para complicar a situação, nenhum governante brasileiro
estabeleceu a zona rural como prioridade de seu governo. Na prática, o país não teve
e não tem uma política agrícola.

As perguntas que nortearão o presente estudo são: o que a igreja de Jesus tem a ver
com os problemas que surgem em decorrência da relação campo-cidade? Qual deve
ser a atitude da igreja diante destes problemas?

1 - A RELAÇÃO CAMPO-CIDADE APRESENTA DESAFIOS À


AÇÃO PROFÉTICA DA IGREJA
A relação campo-cidade, como acontece no Brasil, é fonte de problemas. A igreja não
pode ignorar estes problemas, fingindo que não existem. Dois destes problemas são:

• Criação de bolsões de pobreza em periferias de cidades maiores, onde os migrantes


vivem em condições subumanas;
• Aumento da violência e prostituição em cidades.

Tem sido comum a igreja se calar diante de situações assim. Isto, por muitas vezes
não saber o que leva pessoas a abandonarem a vida no campo para viverem na
cidade.

Devido a um descaso de séculos, a vida no campo não é tão romântica como muitas
músicas sertanejas apresentam: as escolas não são bem aparelhadas, os
trabalhadores ganham salários irrisórios, os financiamentos para investimentos nas
lavouras e nos rebanhos são acompanhados de juros altíssimos.

As linhas de crédito especiais, muitas vezes são usufruídas pelos proprietários mais
ricos. Os pequenos sempre esbarram na burocracia. Este conjunto de fatores favorece
uma migração do campo para as periferias de muitas metrópoles brasileiras.

Além disso, há também o grave problema dos latifúndios, isto é, o acúmulo de


imensas propriedades por poucos proprietários. No Brasil, o problema dos latifúndios é
antigo: vem do tempo das Capitanias Hereditárias, a partir de 1532. Em consequência,
surge o fenômeno dos "sem- terra".

Esta conjuntura cobra da igreja uma ação profética. Os profetas da Antiga Aliança
denunciavam pecados sociais, como acumulação de terras (Mq 2.1-5); humilhação do
semelhante, mantendo-o em escravidão (Jr 34.8-22); manipulação de leis para o
favorecimento dos poderosos e opressão dos pobres (Is 10.1,2).

É lamentável quando a igreja não cumpre seu papel profético e se cala diante de
tantas injustiças. Afinal de contas, a missão da igreja não é só evangelizar. O corpo de
Cristo no mundo tem papel profético a cumprir na sociedade.

O que a igreja tem feito para cobrar das autoridades instituídas, medidas concretas
que atuem na raiz de problemas como os apresentados nesta parte do estudo? A
igreja foi colocada por Jesus no mundo para ser a consciência da sociedade. Tem sido
assim?

A igreja cristã tem cobrado atitudes dos governantes com relação, por exemplo, ao
crônico problema da seca no Nordeste? Ou das péssimas condições de educação no
meio rural?

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Ou de tantos outros problemas existentes na relação campo-cidade? O juízo divino


começa, não no Palácio da Alvorada, mas na casa de Deus (cf I Pe 4.17). A igreja
cristã, atalaia de Deus no mundo, precisa exercer sua missão profética, que inclui
denúncia do mal na sociedade.

2 - A RELAÇÃO CAMPO-CIDADE APRESENTA DESAFIOS À


AÇÃO PASTORAL DA IGREJA
As levas de migrantes que abandonam o campo e partem para as metrópoles em
busca de melhores condições de vida, constituem-se em campo de ação missionária.

Pessoas saem de um ambiente conhecido para uma realidade desconhecida,


amedrontadora e agressiva. Laços e vínculos de parentesco e amizade são rompidos.
Muitos se frustram, porque o sonho dourado que buscavam não se realizou. Em uma
situação assim, não poucas pessoas têm buscado e encontrado apoio emocional,
psicológico e espiritual em igrejas cristãs.

Christian Lalive D'Epinay, sociólogo francês, escreveu um livro chamado O Refúgio


das Massas, que se tornou um clássico. Nesta obra, analisa como o êxodo rural
influenciou o crescimento de igrejas pentecostais no Chile: pessoas saíam "da roça"
para a capital.

Desambientadas, encontravam refúgio em igrejas pentecostais. Apesar de se tratar do


Chile, as conclusões de D'Epinay ajudam a entender muita coisa que tem acontecido
no Brasil.

Igrejas em cidades como Rio de Janeiro ou São Paulo, têm nos migrantes grandes
oportunidades de agir pastoralmente. O problema é quando as igrejas têm a maioria
de seus membros da classe média, que não querem se misturar com gente pobre e
sem cultura formal, proveniente do sertão do Nordeste, ou do interior do Paraná ou de
Minas Gerais.

Os crentes, especialmente os de classe média, precisam abandonar seu orgulho, para


acolher e amparar os que chegam da zona rural.

Pode ser que em alguns momentos seja necessário orientá-los para uma volta ao
campo. A igreja, então, é desafiada a conscientizar a população rural quanto à ilusão
da riqueza nas cidades.

Assim, de um modo ou de outro, a igreja lutará contra os problemas provocados pela


relação não resolvida e injusta entre campo e cidade. A ação pastoral da igreja deve
ser direcionada aos carentes.

Afinal, Jesus, o Grande Pastor (Jo 10.11; Hb 13.20), veio para os doentes e
pecadores, não para os sãos e justos (Lc 5.31,32). Cabe à igreja andar nos passos de
Jesus (cf I Pe 2.21b).

A Constituição do Brasil, em seu artigo 187, fala sobre as responsabilidades do


governo em relação aos produtores e trabalhadores rurais. O que a igreja pode fazer
para cobrar dos governantes o cumprimento do texto constitucional?

AUTOR: REV. CARLOS RIBEIRO CALDAS FILHO

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