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Desafios da formação médica no contexto da legislação brasileira vigente

Cindy de Oliveira Bariani

A vida em um país de proporções continentais como o Brasil traz implícita


em sua concepção a existência de diferenças regionais, sejam elas de caráter
cultural, linguístico, socioeconômico, epidemiológico, para citar apenas algumas
das possibilidades. Partindo desse pressuposto, seria no mínimo reducionista
imaginar que diferentes comunidades, espalhadas por um país tão vasto e
diverso, demandassem os mesmos cuidados, atendimento e por consequência,
o mesmo perfil de profissional de saúde. Analisando ainda sob a ótica das
diferenças regionais, percebe-se que as diferenças demográficas e
socioeconômicas geram diferentes perfis de população, tornando-se mais ou
menos atrativas para os egressos dos cursos de saúde das IES, o que cria um
desequilíbrio na relação entre profissionais e pacientes, que se torna mais
gritante em regiões mais carentes e portanto menos atrativas do ponto de vista
econômico e profissional, na medida em que estas comunidades não possuem
condições de remunerar os profissionais de maneira satisfatória e não lhes dão
a possibilidade de atender de maneira adequada à comunidade, seja pela falta
de estrutura física, equipamentos, recursos humanos e insumos.

Essa espécie de reflexão gerou, no contexto da administração pública da


saúde brasileira, a percepção de que, para atender às necessidades regionais e
corrigir disparidades no atendimento às comunidades mais carentes do território
nacional, havia que se modificar o sistema em sua gênese: na formação do
profissional de saúde. Para este fim, estudos foram feitos e chegou-se a
elaboração de documentos que visam corrigir essa discrepância fundamental no
que tange à educação médica, sujeito de estudo deste texto: a Medida Provisória
621, de Julho de 2013, a Lei 12871 de 22/10/2013, ambas tratando do Programa
Mais Médicos e as novas Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de
Medicina, de 2014. Nestes textos, saltam aos olhos algum pontos, a seguir:
maior integração entre ensino e serviço, com ênfase na educação através da
problematização, uso de metodologias ativas e inserção dos alunos no contexto
do SUS desde os primeiros anos, sendo estes aspectos determinantes para a
instalação de novos cursos, programas de aperfeiçoamento e intercâmbios
internacionais, esforço por diminuir carências localizadas, priorizando a área de
saúde da família, reorganização das vagas em cursos e residências, com ênfase
em Medicina Geral da Família e Comunidade, que se torna a porta de acesso às
demais residências e estímulo à pesquisa relacionada.

Com tantas mudanças na concepção do sistema, é lógico supor que


novos perfis de egresso e de docente surgirão. Segundo as DCNs, pressupõe-
se que o egresso do curso de medicina seja generalista, humanista, crítico,
reflexivo e ético, atendendo aos pacientes com percepção de seu contexto e de
forma humana, com qualidade e de acordo com as melhores práticas vigentes.
Já para o docente, o perfil requerido é de facilitador/mediador, possibilitando ao
aluno o desenvolvimento de competências, não apenas no que se relacione aos
conhecimentos técnicos relevantes ao exercício da profissão, mas também às
habilidades interpessoais e independência através do uso de metodologias
ativas e problematização contínua dos conteúdos abordados, introduzindo-o ao
universo laboral. Cabe aqui, porém, uma reflexão: sendo os professores do curso
de medicina normalmente médicos sem formação pedagógica, e como tal, em
sua maioria reprodutores da forma como o conhecimento lhes foi passado, como
poderiam estes reinventar sua forma de práxis pedagógica de forma a adequar-
se às novas demandas da legislação?

No Capítulo II, Artigo 8, Parágrafo Único das DCNs, define-se


competência como

a capacidade de mobilizar conhecimentos, habilidades e atitudes, com


utilização dos recursos disponíveis, e exprimindo-se em iniciativas e
ações que traduzem desempenhos capazes de solucionar, com
pertinência, oportunidade e sucesso, os desafios que se apresentam à
prática profissional, em diferentes contextos do trabalho em saúde,
traduzindo a excelência da prática médica, prioritariamente nos
cenários do Sistema Único de Saúde (SUS).

Isso posto, a reflexão sobre o trabalho docente fixa seu rumo, e define-se pela
necessidade de permitir aos alunos a vivência de momentos de aprendizagem
significativa em que estes encontrem os caminhos de seu próprio fazer
profissional amparados pela experiência do professor, a quem cabe a reflexão
sobre a própria prática, de forma a selecionar conteúdos e abordagens que
permitam que estes momentos sejam de real valor, tanto do ponto de vista das
necessidades de formação teórica do futuro profissional como das necessidades
da comunidade em que este virá a atuar, exigindo assim do docente a reflexão
contínua e crítica sobre o seu próprio desempenho profissional como médico e
sua atuação pedagógica.

Neste contexto, as metodologias ativas tornam-se peça fundamental entre


os recursos disponíveis para o trabalho do professor, permitindo selecionar
ferramentas que se adequem aos diferentes cenários e competências a serem
desenvolvidas, analisando o desempenho do aluno de uma forma mais ampla,
que não contemple apenas o conhecimento técnico adquirido, mas todos os
aspectos relacionados à consecução do objetivo final, que é o perfil de egresso
citado anteriormente.

Outro aspecto a ser analisado nessa nova abordagem docente está na


forma de avaliar os alunos, pois de nada vale ensinar visando a criação de
competências extra conteúdo se sua avaliação for de âmbito simplesmente
relacionada a este. Aqui reside, o desafio para o docente: como avaliar de
maneira imparcial e objetiva o desenvolvimento de competências, sem cair nos
moldes conteudistas dos métodos tradicionais? Creio que esta seja a grande
questão a ser respondida nos próximos anos, visto que os sistemas avaliativos
relacionados a esta mudança de paradigma ainda se encontram em
implantação, vide o caso do SINAES que atingirá sua forma definitiva ainda em
2020. Cabe assim ao docente tornar-se parte do esforço pela renovação da
educação médica, buscando novos conhecimentos, participando de discussões
acadêmicas e em sua comunidade e contribuindo para a partilha de experiências
e experimentações sobre o tema, visando trazer um fazer médico que atenda de
forma universal, humana e contextualizada as necessidades da comunidade em
que se insere.

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