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TABAGISMO
Intervenção motivacional
numa consulta de
tabagismo com base
no modelo de mudança
comportamental –
uma proposta
MÁRIO SANTOS*
O comportamento aditivo
cujos efeitos sobre a saú-
de mais têm sido estuda-
dos e cujos resultados dos estudos efec-
tuados recebem mais concordância. As
ção e escolhe o momento certo para in-
tervir.
ENTREVISTA MOTIVACIONAL:
cerca de 17.000 pessoas que em Portu- ENQUADRAMENTO TEÓRICO E PRÁTICO
gal provavelmente não morreriam este
ano se não se fumasse1 parecem final- No passado recente, a prática clínica ti-
mente ser motivo suficiente para que se nha uma perspectiva da motivação
revejam as actuais politicas de saúde como algo praticamente imutável, isto
em relação ao tabagismo. é, ou o indivíduo estava motivado para
*Médico de Família. Responsável
pela consulta de tabagismo Este artigo propõe uma nova aborda- o tratamento e nestas condições o mé-
UCS, Cuidados Integrados de Saúde gem por etapas diferenciadas do proces- dico tinha uma intervenção pré-defini-
Nesta fase, o fumador encontra-se en- Neste dia, propõe-se o contacto telefó-
tre a contemplação e a acção, e está nos nico (duração prevista de 5 min), por
seus planos parar de fumar no próxi- parte do médico ou da enfermeira, ten-
mo mês. Isto não significa que a ambi- do em atenção as tarefas descritas no
guidade do indivíduo esteja completa- Quadro III, dada a grande tendência
mente resolvida. Se o fumador já fez ou- para a recaída, especialmente nos pri-
tras tentativas, utiliza as experiências meiros dias após o Dia D. Os profissio-
passadas e toda a aprendizagem que re- nais de saúde devem promover a pre-
tirou das mesmas e começa a desenvol- venção da recaída com visitas e/ou te-
ver um plano de acção. lefonemas pró-activos precoces, feli-
citando, revendo os benefícios da
Questões que provocam «falas de cessação e ajudando a resolver even-
mudança» no estádio de preparação tuais problemas residuais.
e que encorajam a pessoa a tomar Ao 8o e 15o dia após o abandono do
a decisão de mudar: comportamento aditivo, propõe-se novo
Que planos já fez para deixar de fumar? contacto por telefone com o ex-fumador
Diga-me que tipo de apoios gostaria de (duração prevista 5 min), tendo em
ter quando deixar de fumar? atenção as tarefas enumeradas no qua-
Como se sente agora que começou a re-
duzir os consumos (se se aplicar)?
Após a facilitação de expressões de QUADRO III
mudança, pode-se estimular a elabora- TAREFAS A EXECUTAR NO PRIMEIRO CONTACTO
ção de afirmações de auto-motivação: TELEFÓNICO (DIA D)
Acha que o que se disse pode ser útil
para si no futuro? • Avaliar se se confirma a data de cessação tabágica
O que falta fazer para deixar de fumar? • Congratular a decisão de iniciação do processo de
Atingida esta fase, a maior parte do desabituação tabágica
trabalho da EM está realizado. O médi- • Incentivar a prossecução do compromisso assumido
co deve fazer um resumo do que se pas- • Rever sucintamente o esquema farmacológico
sou até então, com o objectivo de listar • Encorajar o contacto com a equipa em caso de
o maior número de razões para o seu o dúvidas/problemas surgidos.
paciente deixar de fumar, ao mesmo
uma marcação de consulta logo que ça para outra pode ocorrer de forma
seja oportuno. natural, ao longo da própria vida, sem
Sugestão de questões a colocar: que seja necessário uma intervenção
Como se sente? terapêutica, e é mesmo comum que
Notou algumas mudanças na sua saú- uma pessoa flutue entre os vários está-
de desde que abandonou o tabaco? dios antes de efectivamente conseguir
Fale-me de algum momento particular- deixar de fumar. Estudos revelam que
mente difícil? o fumador experimenta em média qua-
Acha que há mais alguma informação tro tentativas antes de deixar definiti-
que seria útil nesta fase? vamente o tabagismo. A recaída deve,
por isso, ser encarada como um está-
dio de transição, que faz parte do pro-
ESTÁDIO DE MANUTENÇÃO cesso de mudança e que, muitas vezes,
até é importante para que a pessoa pos-
O grande teste para se comprovar a sa aprender com a experiência e reco-
efectividade da mudança seria a esta- meçar de forma mais consciente8.
bilidade neste novo estádio que, no pro-
cesso de mudança, se chama «manu-
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
tenção». Esta fase que se inicia seis me-
ses após o dia da cessação tabágica e
1. Pestana E. Tabagismo. Do Diagnóstico ao
que se mantém para toda a vida mere- Tratamento. Lisboa: Lidel; 2006.
ce particular atenção, porque muitas 2. Iller W, Rollnick. Entrevista Motivacional.
vezes é durante este tempo que o ex-fu- Preparando as pessoas para a mudança de com-
portamentos adictivos. Porto Alegre: Artmed Edi-
mador e os que o rodeiam diminuem as
tora; 2001.
suas preocupações e a pessoa fica mais 3. Ferreira-Borges C, Filho H. Usos, abusos e
vulnerável à recaída. Sugere-se dois dependências. Aconselhamento. Lisboa: Climep-
contactos telefónicos (duração prevista si editores; 2004.
4. Richmond RI, Kehoe LA, Webster IW. Mul-
de 5 min), ao sexto mês e ao fim de um tivariate models for predicting abstention follo-
ano após o Dia D, com as tarefas a exe- wing intervention to stop smoking by general prac-
cutar descritas no Quadro VI. titioners. Addiction 1993 Aug; 88 (8): 1127-35.
5. Rebelo L. Consulta de cessação tabágica -
uma proposta para a Medicina Geral e Familiar.
Sugestão de questões a colocar: Rev Port Clin Geral 2004 Jan-Fev; 20 (1): 87-98.
Como se sente? 6. Heatherton TF, Kozlowski LT, Frecker RC,
Notou algum momento particularmen- Fagerstrom KO. The Fagerstrom Test for Nicotine
te difícil? Dependence: a revision of the Fagerstrom Tole-
rance Questionnaire. Br J Addict 1991 Sep; 86 (9):
Acha que há mais alguma informação 1119-27.
que seria útil nesta fase? 7. Prochaska JO, DiClementi CC. Transtheo-
A migração de uma etapa de mudan- retical therapy: towards a more integrative model
of change. Psychoter Theory Res Pract 1982; 19:
276-88.
8. Ferreira-Borges C, Filho H. Usos, abusos e
QUADRO VI dependências. Tabagismo. Lisboa: Climepsi edi-
tores; 2004.
TAREFAS A EXECUTAR NO QUARTO E QUINTO 9. Soares I, Vaz Carneiro A. Norma de orien-
CONTACTO TELEFÓNICO (6O E 12O MÊS APÓS DIA D) tação clínica prática para tratamento do uso de
dependência do tabaco. Lisboa: Instituto da Quali-
dade em Saúde; 2002.
• Congratular o sucesso
• Avaliar as dificuldades
Endereço para correspondência
• Encorajar a prossecução do compromisso assumido Mário Santos
• Reforçar a disponibilidade do contacto da equipa em Rua Sam Levy. Quinta de Santo António.
caso de dúvidas/problemas surgidos Edifício B, R/C Dto. 1400–391 Lisboa
E-mail: marioasantos@sapo.pt