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DOSSIER

TABAGISMO

Intervenção motivacional
numa consulta de
tabagismo com base
no modelo de mudança
comportamental –
uma proposta
MÁRIO SANTOS*

O autor apresenta uma proposta de organização da consulta de cessação tabágica, resultado da


experiência dos últimos quatro anos, como responsável pelo programa de tabagismo da UCS –
Cuidados Integrados de Saúde (Serviços de Saúde do Grupo TAP), onde se combina a intervenção
motivacional ao apoio comportamental e farmacológico, numa consulta estruturada em três encon- so de mudança da cessação tabágica,
tros clínicos directos e cinco contactos telefónicos. Neste contexto, onde a intervenção do profis- resultado da experiência do autor nos
sional de saúde é particularmente «não directiva», sublinha-se a importância da motivação na ade- últimos quatro anos, onde se combina
são do indivíduo dependente ao tratamento e caracteriza-se os aspectos essenciais de cada uma a intervenção motivacional ao apoio
das etapas diferenciadas do processo de mudança, com realce para suporte comportamental e para comportamental e farmacológico, numa
as questões que provocam «falas de mudança», que permitem a expressão verbal e encorajam a consulta estruturada em três encon-
pessoa a tomar a decisão de parar de fumar. tros clínicos directos e cinco contactos
telefónicos. Neste contexto organizacio-
Palavras chave: Cessação Tabágica; Dependência Nicotínica; Entrevista Motivacional; Estádios de Mudança; nal, o profissional de saúde tem um pa-
Processos de Mudança; Tabagismo pel «não directivo», isto é, em vez de for-
necer soluções e sugestões para se dei-
xar de fumar, oferece condições que
proporcionam ao fumador o espaço ne-
INTRODUÇÃO cessário para uma evolução natural no
sentido do abandono do tabagismo, ao
consumo do tabaco é o mesmo tempo que mantém uma direc-

O comportamento aditivo
cujos efeitos sobre a saú-
de mais têm sido estuda-
dos e cujos resultados dos estudos efec-
tuados recebem mais concordância. As
ção e escolhe o momento certo para in-
tervir.

ENTREVISTA MOTIVACIONAL:
cerca de 17.000 pessoas que em Portu- ENQUADRAMENTO TEÓRICO E PRÁTICO
gal provavelmente não morreriam este
ano se não se fumasse1 parecem final- No passado recente, a prática clínica ti-
mente ser motivo suficiente para que se nha uma perspectiva da motivação
revejam as actuais politicas de saúde como algo praticamente imutável, isto
em relação ao tabagismo. é, ou o indivíduo estava motivado para
*Médico de Família. Responsável
pela consulta de tabagismo Este artigo propõe uma nova aborda- o tratamento e nestas condições o mé-
UCS, Cuidados Integrados de Saúde gem por etapas diferenciadas do proces- dico tinha uma intervenção pré-defini-

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da a desempenhar, ou a pessoa não es-


DESCRIÇÃO FUNCIONAL E INTERVENÇÃO
tava motivada e então a ajuda pro-
fissional não era possível. Porém, MOTIVACIONAL POR ETAPAS DE
actualmente, com a técnica psicológica MUDANÇA NA CONSULTA
desenvolvida para as mudanças de
comportamento – Entrevista Motivacio- No contacto com o secretariado, antes
nal (EM) – a adesão do indivíduo de- da primeira consulta, é entregue ao in-
pendente ao tratamento, apoia-se na divíduo fumador uma folha para auto-
sua motivação, atitude esta que pode preenchimento (duração prevista 10 a
ser modificada ao longo da abordagem 15 minutos) com os seguintes itens: da-
clínica. dos pessoais; história tabágica; hábitos
De acordo com Rollnick e Miller, EM alimentares e alcoólicos; outras depen-
é um estilo de aconselhamento directi- dências; avaliação da dependência psi-
vo, centrado no cliente, que visa estimu- cológica e comportamental e avaliação
lar a mudança do comportamento, aju- da motivação com aplicação do teste de
dando os clientes a explorar e resolver Richmond4. Esta informação é forneci-
a sua ambivalência2. Desta forma, a da à enfermeira na primeira consulta,
motivação deve ser entendida como a logo de seguida.
capacidade de uma pessoa se envolver O sucesso do programa de cessação
e aderir a uma estratégia específica de tabágica depende do balanço entre a
mudança. A motivação não deve, as- motivação do fumador para parar e o
sim, ser vista como um traço de perso- grau de dependência de nicotina. Real-
nalidade ou um aspecto estático do ca- ça-se, por isso, das tarefas descritas do
rácter de um indivíduo, mas antes como Quadro I5 (duração prevista 60 min), da
um estado de prontidão ou vontade de responsabilidade da enfermeira, a im-
mudança, que pode flutuar de um mo- portância da avaliação da dependência
mento para o outro. física através do teste de Fagerstrom6,
A EM baseia-se em dois conceitos: a que possui valor prognóstico no pro-
ambivalência, que significa, neste con-
texto, a experiência de um conflito psi-
cológico para decidir entre continuar e QUADRO I
parar de fumar, e a prontidão para a TAREFAS A EXECUTAR NA PRIMEIRA CONSULTA DIRECTA
mudança, baseada no modelo de «Es-
tádios de Mudança» desenvolvido por • Acolhimento
Prochaska e DiClemente, onde se acre- • Rever em conjunto com o paciente a informação
dita que a mudança se faz através de auto-preenchida
um processo e, para tal, o indivíduo de- • Avaliar as razões que levam ao tabagismo e aquelas
pendente passa por diferentes estádios que motivam o abandono
com características próprias. • Avaliar da dependência física (aplicação do
Filho (2004) salienta que a motivação questionário de Fagerstrom)
necessária para começar a questionar • Avaliar os dados antropométricos, a PA e dosear o
um comportamento é diferente da re- monóxido de carbono (CO)
querida para alcançar a mudança e • Avaliar o estádio de prontidão para a mudança
também é diferente da motivação exigi- (estádios de mudança de Prochasca)
da para manter uma mudança alcan- • Avaliar os apoios sociais e familiares
çada, ou seja, embora em configurações • Ensino relativo aos malefícios do tabaco e benefícios
diferentes, a motivação premeia todo o da cessação tabágica
processo de mudança, sendo necessá- • Fornecer folhetos informativos e exprimir
ria do começo ao final das etapas per- directamente vontade de ajudar
corridas3.

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cesso de cessação tabágica, e a avalia- Prochaska e DiClemente, a capacidade


ção da motivação (teste de Richmond), da pessoa entender a sua ambivalência
como aspectos de avaliação inicial de- é o sinal de passagem para o estádio de
cisivos, porque a abordagem terapêuti- contemplação, onde o indivíduo está
ca utilizada não tem eficácia nos fuma- mais consciente do conflito e até com
dores não motivados. maior ambivalência7.
Por outro lado, a avaliação da depen- O contemplador considera a mudan-
dência é particularmente importante ça ao mesmo tempo que a rejeita, e é
nos fumadores que querem parar de nesta fase que a ambivalência, estando
fumar, uma vez que também influencia na sua expressão máxima, deve ser tra-
o tipo de intervenção. É necessário ter balhada para possibilitar uma mudan-
em consideração que a motivação e a ça de atitude em direcção à decisão de
dependência estão interligadas: os fu- mudar. Para isso, é crucial entender
madores com dependência forte pode- como a ambivalência actua naquele in-
rão revelar uma reduzida motivação, divíduo em particular, ou seja, quais
devido à baixa auto-confiança na capa- são as partes do conflito, sem pressu-
cidade para parar de fumar, enquanto pô-las antecipadamente. É importante
os fumadores «ligeiros» poderão mos- também definir as motivações e as ex-
trar também baixa motivação para pa- pectativas quanto à mudança, ouvindo
rar porque acreditam que o consegui- atentamente o que o paciente tem para
rão fazer no futuro, se assim o deseja- dizer, com a ajuda de algumas frases
rem1. que provocam «falas de mudança».
Outro aspecto essencial no primeiro Nesta fase inicial, onde se promove a
contacto presencial é conhecer qual o motivação para mudar, deve-se ter par-
posicionamento do indivíduo fumador ticular atenção às seguintes técnicas de
no Modelo Transteórico de Mudança: entrevista2:
estádio de pré-contemplação, contem- 1. Fazer perguntas abertas: é importan-
plação, preparação, acção, manuten- te que se estabeleça uma atmosfera
ção ou recaída. Esta avaliação ajuda o de aceitação e confiança, para permi-
profissional de saúde a programar o tir ao indivíduo explorar os seus pro-
processo de cessação tabágica, no sen- blemas.
tido de modificar o comportamento que 2. Dar respostas reflexivas: consiste em
vem prejudicando a vida da pessoa e fa- devolver ao indivíduo, como um es-
zer uso de uma intervenção motivacio- pelho, aquilo que disse, facilitando
nal com suporte comportamental ade- as expressões verbais de mudança e
quado para a mudança de estádio. diminuindo a resistência.
3. Reassegurar: apoiar o indivíduo du-
rante o processo de tratamento. Pode
ESTÁDIO DE PRÉ-CONTEMPLAÇÃO ser feito através do reconhecimento
E CONTEMPLAÇÃO pela evolução conseguida, com co-
mentários de apreciação e empatia.
A entrada para o processo de mudan- 4. Sintetizar: os resumos esporádicos
ça é o estádio de pré-contemplação, para além de ligarem várias ideias
onde o indivíduo ainda não considera a abordadas em momentos diferentes,
mudança. De um modo geral, nesta fase dão um sinal ao indivíduo que o pro-
o fumador não encara o seu comporta- fissional de saúde está a fazer uma
mento como um problema. Quando tem escuta activa.
alguma consciência sobre a sua depen- 5. Estimular afirmações de auto-moti-
dência, o fumador entra no estádio se- vação: é importante que o profissio-
guinte: a contemplação. De acordo com nal de saúde facilite a elaboração de

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afirmações de auto-motivação: (ex: Outras questões que provocam «fa-


«eu tenho de fazer algo para deixar de las de mudança» e que podem ser uti-
fumar» ou «estou realmente preocu- lizadas nesta fase, para facilitar a ex-
pado com o tabagismo»). pressão verbal de mudança:
«Há alguma coisa que o preocupa sobre
Questões que provocam «falas o consumo de tabaco?»
de mudança» no estádio de «Notou algumas diferenças na sua saú-
contemplação: de que o preocupam?»
A gestão de um programa de cessação Após a clarificação e ampliação da ex-
tabágica vai depender essencialmente periência pessoal do fumador no senti-
do grau de prontidão, da importância do de se convencer a si próprio sobre a
atribuída em mudar e da confiança que mudança necessária, o profissional de
o fumador possui. É a integração des- saúde, mantendo uma escuta reflexiva,
tes três aspectos que proporciona a con- pode concluir a entrevista com as se-
cretização do processo de mudança8. guintes perguntas:
Para avaliar da intenção de mudan- «Acha que o que se disse pode ser útil
ça, pode-se perguntar: «Quão importan- para si no futuro?»
te é para si deixar de fumar?» utilizan- «Há mais alguma informação que gos-
do o auxílio de uma escala analógica taria de ter?»
(pedindo ao fumador para quantificar o Se ocorrer uma segunda consulta
grau de importância que atribui à ces- nesta fase de mudança, propõe-se que
sação tabágica, numa escala de 0 – «sem esse encontro deve ser realizado pelo
nenhuma importância» – a 10 – «máxi- médico (duração prevista 30 min), ten-
ma importância») e encorajar de segui- do em atenção as tarefas descritas no
da a pessoa a descrever em que medi- Quadro II5. Neste encontro clínico, para
da é que o abandono do tabagismo po- além da colheita da história clínica re-
deria ser mais relevante, procurando levante para o processo de cessação ta-
ser tão específico quanto possível, com
ajuda da pergunta: «O que seria preci-
so para dar mais importância?». QUADRO II
Para estimar a capacidade de mu- TAREFAS A EXECUTAR NA SEGUNDA CONSULTA DIRECTA
dança, pode-se questionar o fumador:
«Como avalia a confiança para ser capaz • Colheita da história clínica: problemas de saúde,
de mudar?», aplicando também uma terapêutica e factores de risco, resistências e
escala analógica (pedindo agora para recompensas
avaliar o grau de capacidade de mu- • Discutir os resultados das avaliações realizadas na
dança que atribui ao processo de ces- 1a consulta
sação tabágica, numa escala de 0 – «sem • Reavaliar o posicionamento do indivíduo no Modelo
nenhuma capacidade» – a 10 – «total ca- Transteórico de Mudança
pacidade»), seguida da questão: «Por- • Ajudar a avaliar riscos e recompensas potenciais da
que não fez uma avaliação inferior?», suspensão do tabaco
explorando desta forma as razões de • Fornecer informação básica acerca do processo de de-
confiança que o fumador já possui. Para sabituação tabágica
gerar expressão verbal de mudança e • Identificar acontecimentos, estados de espírito ou
diminuir a resistência, o técnico pode actividades que aumentam o risco de fumar ou recair
ainda perguntar: «O que seria necessá- • Identificar e treinar aptidões de resolução de
rio para ter uma maior confiança em ser problemas.
capaz de mudar?», e desta forma pro- • Apresentar a abordagem terapêutica (no estádio de
curar, na perspectiva do fumador, o que preparação)
lhe falta para estar mais confiante.

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bágica, o profissional de saúde deverá 5. Apresentar a abordagem terapêuti-


conhecer as razões que levam o fuma- ca, se o fumador estiver já em fase
dor a estar resistente à mudança. Po- de preparação. Neste estádio, o pro-
dem ser variadas: falta de informação fissional de saúde deve: (1) encorajar
sobre os efeitos nocivos do tabaco, des- o uso da farmacoterapia; (2) explicar
conhecimento dos benefícios em parar, ao doente de que modo estes fárma-
medos e crenças sobre a cessação, des- cos aumentam a taxa de sucesso de
moralização após dificuldades em ten- abandono do hábito de fumar.
tativas anteriores e baixa auto-estima. Bupropion – actua a nível dos neu-
Realça-se os principais tópicos do su- rotransmissores, reduzindo o desejo de
porte intra-tratamento9 que devem ser fumar e os sintomas de privação e limi-
considerados nesta consulta directa: ta o aumento ponderal. Podem surgir,
1. Avaliar os riscos (agudos: gravidez, no início do tratamento, alguns efeitos
impotência, dispneia; e a longo pra- secundários, como a insónia, boca seca,
zo: doenças cardiovasculares, neo- cefaleias, tonturas e tremores. Contra-
plasias); resistências (medo de fa- -indicações absolutas: epilepsia, risco
lhar? aumento de peso? falta de de convulsões, traumatismo craniano,
apoio?) e recompensas potenciais da anorexia e bulimia, doença bipolar, in-
suspensão do tabaco (melhor paladar divíduos com idade inferior a 18 anos e
/ olfacto mais apurado / diminuição gravidez.
de gastos / melhor saúde / dar exem- Terapia de Substituição da Nicoti-
plo aos filhos). na – tem a função de atenuar a síndro-
2. Fornecer informação básica acerca me de privação da nicotina, diminuin-
do processo de cessação tabágica: (1) do ao mesmo tempo a compulsão do fu-
salientar que qualquer contacto com mador em relação ao tabaco. Contra-in-
o tabaco (mesmo uma simples inala- dicações absolutas: doença coronária,
ção), aumenta a probabilidade de re- arritmias graves, HTA grave e doença
caída; (2) a abstinência atinge a má- arterial periférica grave. Pastilhas e go-
xima intensidade uma a três sema- mas – limitação nos pacientes com pró-
nas após o abandono, (3) mencionar tese dentária.
os sintomas de abstinência mais co- No final desta consulta deverá ser
muns: humor negativo; desejos de avaliada com o paciente a necessidade
fumar e dificuldade de concentração. de um novo encontro clínico com o mé-
3. Identificar os acontecimentos, esta- dico antes do início do abandono do ta-
dos de espírito ou actividades que bagismo. Se esta necessidade não for
aumentam o risco de fumar ou re- colocada, deverá ser determinado o dia
cair: (1) afecto negativo; (2) estar per- de cessação tabágica (Dia D) ou o acor-
to de outros fumadores; (3) ingerir do com o indivíduo da comunicação
álcool; (4) sentir desejos de fumar; (5) posterior dessa data.
stress relacionado com a pressão do Ainda segundo Prochaska e DiCle-
tempo. mente, uma vez a ambivalência traba-
4. Identificar e treinar com o indivíduo lhada, entendida e ultrapassada, o in-
aptidões de resolução de proble- divíduo passa para o estádio de prepa-
mas: (1) aprender a prever e evitar a ração, onde o fumador está decidido e
tentação; (2) aprender estratégias comprometido a mudar. Este é o mo-
cognitivas para evitar os humores ne- mento de alterar a estratégia, no senti-
gativos e para combater os desejos de do de reforçar o compromisso com a
fumar; (3) introduzir alterações do mudança. Nesta fase, a pessoa já está
estilo de vida de forma a diminuir o pronta para mudar e o principal objec-
stress e/ou que produzem prazer. tivo é auxiliar o fumador a confirmar e

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justificar a decisão de mudança já efec- tempo que verifica se subsiste alguma


tuada. Seguem-se algumas dicas2 que ambivalência ou relutância, possível de
permitem ao técnico de saúde reconhe- ser resolvida. Um aspecto importante é
cer que a pessoa está a passar para o desenhar um plano negociado com a
estádio de preparação: pessoa, respeitando sempre os seus
• Diminuição da resistência tempos, com objectivos concretos, co-
• Diminuem as questões da pessoa so- locando mesmo no papel o plano em si,
bre o seu problema com datas, terapêutica prescrita, resul-
• O indivíduo está mais calmo, parece tados esperados, dificuldades possíveis,
ter resolvido algo e como e quem procurar em caso de ne-
• O fumador já faz afirmações de auto- cessidade. Neste momento, o indivíduo
-motivação está notoriamente no estádio de acção,
• O indivíduo começa a falar de como que começa simbolicamente no dia que
seria se ele mudasse determinou para o início do Dia D.

ESTÁDIO DE PREPARAÇÃO ESTÁDIO DE ACÇÃO

Nesta fase, o fumador encontra-se en- Neste dia, propõe-se o contacto telefó-
tre a contemplação e a acção, e está nos nico (duração prevista de 5 min), por
seus planos parar de fumar no próxi- parte do médico ou da enfermeira, ten-
mo mês. Isto não significa que a ambi- do em atenção as tarefas descritas no
guidade do indivíduo esteja completa- Quadro III, dada a grande tendência
mente resolvida. Se o fumador já fez ou- para a recaída, especialmente nos pri-
tras tentativas, utiliza as experiências meiros dias após o Dia D. Os profissio-
passadas e toda a aprendizagem que re- nais de saúde devem promover a pre-
tirou das mesmas e começa a desenvol- venção da recaída com visitas e/ou te-
ver um plano de acção. lefonemas pró-activos precoces, feli-
citando, revendo os benefícios da
Questões que provocam «falas de cessação e ajudando a resolver even-
mudança» no estádio de preparação tuais problemas residuais.
e que encorajam a pessoa a tomar Ao 8o e 15o dia após o abandono do
a decisão de mudar: comportamento aditivo, propõe-se novo
Que planos já fez para deixar de fumar? contacto por telefone com o ex-fumador
Diga-me que tipo de apoios gostaria de (duração prevista 5 min), tendo em
ter quando deixar de fumar? atenção as tarefas enumeradas no qua-
Como se sente agora que começou a re-
duzir os consumos (se se aplicar)?
Após a facilitação de expressões de QUADRO III
mudança, pode-se estimular a elabora- TAREFAS A EXECUTAR NO PRIMEIRO CONTACTO
ção de afirmações de auto-motivação: TELEFÓNICO (DIA D)
Acha que o que se disse pode ser útil
para si no futuro? • Avaliar se se confirma a data de cessação tabágica
O que falta fazer para deixar de fumar? • Congratular a decisão de iniciação do processo de
Atingida esta fase, a maior parte do desabituação tabágica
trabalho da EM está realizado. O médi- • Incentivar a prossecução do compromisso assumido
co deve fazer um resumo do que se pas- • Rever sucintamente o esquema farmacológico
sou até então, com o objectivo de listar • Encorajar o contacto com a equipa em caso de
o maior número de razões para o seu o dúvidas/problemas surgidos.
paciente deixar de fumar, ao mesmo

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dro IV, e registando na ficha clínica do longar o uso da farmacoterapia ou


paciente todos os dados relevantes obti- adicionar outro fármaco; (2) reasse-
dos desse contacto indirecto. A utiliza- gurar que o «sentimento de perda» é
ção deste tipo de intervenção pró-acti- comum e recomendar actividades re-
va é recomendada, não só pela capaci- compensadoras.
dade potencial de chegar a um grande 2. Avaliar eventuais efeitos secundá-
número de fumadores, como também rios da terapêutica efectuada.
pelo efeito provocado: reduz significati- 3. Reavaliar os apoios sociais e familia-
vamente a probabilidade de recaída1. res (ajudar o paciente a identificar
pessoas capazes de o apoiar).
4. Discutir as dificuldades. Vale a pena
QUADRO IV discutir as principais causas de re-
TAREFAS PARA O SEGUNDO E TERCEIRO CONTACTO caída: (1) aumento de peso; (2) ansie-
TELEFÓNICO (8O E 15O DIA APÓS O DIA D) dade; (3) síndrome de abstinência,
principalmente entre a primeira e
• Congratular o sucesso (se abstinência mantida) terceira semanas, altura em que a
• Avaliar os sintomas de privação e eventuais efeitos abstinência atinge a máxima inten-
secundários da terapêutica efectuada sidade.
• Avaliar as dificuldades 5. Ajudar a reavaliar resistências (sin-
• Encorajar a prossecução do compromisso assumido tomas de abstinência? medo de fa-
• Reforçar a disponibilidade do contacto da equipa em lhar? aumento de peso? falta de
caso de dúvidas/problemas surgidos apoio?) e recompensas actualizadas
• Relembrar o dia da terceira consulta presencial e da suspensão do tabaco (alimentos
realçar a sua importância sabem melhor? olfacto mais apura-
do? diminuição de gastos? melhor
saúde? dá exemplo aos filhos?).
É no estádio de acção que o ex-fuma- 6. Ajustar a terapêutica e rever o pro-
dor se envolve objectivamente na altera- cesso de cessação tabágica.
ção de comportamento, onde o indiví- No final desta consulta deverá ser
duo concretiza as mudanças projecta- avaliada com o paciente a necessidade
das e coloca em acção o plano delinea- de um novo encontro com o médico
do no estádio anterior. Esta fase do para prevenção da recaída. Se esta ne-
processo pode durar até seis meses. cessidade for sentida, deverá resultar
Propõe-se novo encontro clínico direc-
to com o médico (duração prevista 30
min), cerca de um mês após a data de QUADRO V
cessação tabágica. Este será um mo- TAREFAS A EXECUTAR NA TERCEIRA
mento para reavaliar todo o processo CONSULTA DIRECTA (1OM APÓS DIA D)
(como sugerido no Quadro V) e uma
oportunidade de ouro para prevenir a • Congratular o sucesso do processo
recaída: felicitando, revendo os benefí- • Avaliar os sintomas de privação
cios da cessação e ajudando a resolver • Avaliar eventuais efeitos secundários da terapêutica
eventuais problemas surgidos. Se- efectuada
guem-se os principais tópicos que de- • Reavaliar os apoios sociais e familiares
vem ser considerados, nesta fase do • Discutir as dificuldades.
processo, com o respectivo aconselha- • Ajudar a reavaliar resistências
mento prático9. • Dosear do monóxido de carbono
1. Avaliar os sintomas de privação: (1) • Ajustar a terapêutica e rever o processo de
se ocorrerem sintomas de abstinên- desabituação
cia fortes e prolongados, deve-se pro-

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uma marcação de consulta logo que ça para outra pode ocorrer de forma
seja oportuno. natural, ao longo da própria vida, sem
Sugestão de questões a colocar: que seja necessário uma intervenção
Como se sente? terapêutica, e é mesmo comum que
Notou algumas mudanças na sua saú- uma pessoa flutue entre os vários está-
de desde que abandonou o tabaco? dios antes de efectivamente conseguir
Fale-me de algum momento particular- deixar de fumar. Estudos revelam que
mente difícil? o fumador experimenta em média qua-
Acha que há mais alguma informação tro tentativas antes de deixar definiti-
que seria útil nesta fase? vamente o tabagismo. A recaída deve,
por isso, ser encarada como um está-
dio de transição, que faz parte do pro-
ESTÁDIO DE MANUTENÇÃO cesso de mudança e que, muitas vezes,
até é importante para que a pessoa pos-
O grande teste para se comprovar a sa aprender com a experiência e reco-
efectividade da mudança seria a esta- meçar de forma mais consciente8.
bilidade neste novo estádio que, no pro-
cesso de mudança, se chama «manu-
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
tenção». Esta fase que se inicia seis me-
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dependência do tabaco. Lisboa: Instituto da Quali-
dade em Saúde; 2002.
• Congratular o sucesso
• Avaliar as dificuldades
Endereço para correspondência
• Encorajar a prossecução do compromisso assumido Mário Santos
• Reforçar a disponibilidade do contacto da equipa em Rua Sam Levy. Quinta de Santo António.
caso de dúvidas/problemas surgidos Edifício B, R/C Dto. 1400–391 Lisboa
E-mail: marioasantos@sapo.pt

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