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Sobre Comportamento

e Cognvção
& x p o n c fo a u a r ja 6 if /c /a c f e

O ry a n U a d o p o r H á lio fyosó *5'u ií/ ia r d i


JlCar ia OBea/r/z T la ríjo s c i rPin/u> J lta d i

J ^ a tric ia rP ia iz o n (2 u e ii'o i

J lta r ia í la in li n a S c o i

ESETec
Editores Associados
Sobre
Comportamento e
Cognição
A
Associação Brasileira de Psicoteçapía e
Medicina Comportamental

Diretoria gestão 00/01

Presidente: I Iclio José C/uilhardi


Vice-presidente: Wílfon dc Oliveira
1“ secretária: Patrícia Piaz/on Queiroz
^secretária: l.orna A.C/omesdcCastro Petrilli J ■
3° secretário: Maria CarolinaScoz
1" tesoureira: Maria Reatriz Rarbosa Pinho Madi
tesoureira: Kátia CbechinatoSeflrc

Ex-presidentes: Rernard Pimcntcl Rangè


1 lóliolosé C/uilhardi
Roberto Alvos Ranaco
Rachel Rodrigues Kcrbauy
Sobre
Comportamento
e Cognição
Expondo a variabilidade

Volume 7

Organizado por H élio José Çuilhardi


M aria Beatriz Barbosa Pinho M ad i
Patrícia Piazzon Queiroz
M aria Caroli na Scoz

Hélio J. Guilhardi • Adélia M. S. Teixeira • Albina R. Torres • Ana M. L. Sénéchal-Machado • Carolina Bori
• Claudia L. Menegatti • Edwiges F. de M. Silvares • Elisa T. Sanabio • Emmanuel Z. Tourinho • Fábio L.
Gonçalves • Fani E. K. Malorbi • Fátima C. de S. Conte • Gerson Y. Tomanari • Giovana D. S. Avi • Giovana
G. Costa • Gisele G. Brandão • Giuliana J. Cesar • Helene Shinohara • Isaias Pessotti • Jair Lopes Jr.
• John J. Healey • José A. D. Adib • José A. Zago • Josele A. Rodrigues • Josiane M. Maciel • Laórcla A.
Vasconcelos • Lia F. S.Gonsales • Luc Vandenberghe • Lúcia C. A. Williams • Luiz Carlos de Albuquerque
• Luiz G. G. C. Guerra • Marcelo E. Beckert • Maria Amalia P. A. Andery • Maria Cristina T. V. Teixeira • Maria
Helena L. Hunzikor • Maria Martha C. Hübner • Maria T. A. Silva • Miriam Marinotti • Miriam Garcia-Mijares
• Montezuma P. Ferreira • Murray Sidman • Patrícia S. Martins • Patrícia Piazzon Queiroz • Paula Dobert
• Rachel R. Kerbauy • Raquel M. Golfeto • Regina C. Wielenska • Ricardo C. Martone • Roberto A.
Banaco • Rodolpho C. Sant'Anna • Sérgio Cirino • Shawn E. Kenyon • Sônia dos S. Castanheira •
Simone N. Cavalcante • Teng C. Tung • Tereza M. de A. P. Sério • Vera R, M. G. da Silva • Yara C. Nico

ESETec
Editor*» Associados
( opyright © desta edição:
KSKTec Kditores Associados, Santo André, 2(K)I.
Todos os direitos reservados

Gullhardi, Hóllo José. et al.

Sobre Comportamento e Coflniçôo: expondo a variabilidade. - Org. Hélio José Gullhardi, 1*


ed. Santo André, SP: ESETec Editores Associados, 2001. v. 7

474p. 24cm

1. Psicologia do Comportamento e Cogniçâo


2. Behaviorismo
3 Anâllse do Comportamento

CDD 155.2
CDU 159.9.019.4

ISBN 85-8X303-09-4

ESETec Editores Associados


Renzo Eduardo Leonardi
Teresa Cristina Cume Grassl-Leonardi

Coordenação editorial: Teresa Cristina Cume Grassi-Leonardi


Capa original: Solange Torres Tsuchiya
Projeto gráfico originai: Maria Claudia Brigagão
Revisão de dlagramação: lolanda Maria do Nascimento, Léia Teresa da Silva
Equipe de preparação (ABPMC): Luciana Maluf, Maria Eloisa Bonavita Soares Piazzon,
Noreen Campbell de Aguirre
Revisão ortográfica e gramatical: Maria Rita J. Martini Del Guerra

Solicitação de exemplares: eset(tfJuol.com.hr


Rua Catequese, 845 cj. 14 - liairro Jardim - Santo André SP
CKP(MM)-71()
Tel.(ll)49W5683/ 4432 3747
www.esetec.com.br
O início... B. F. Skinner
O encontro... F. S. Keller
Os percalços em busca de um mundo melhor...
nós, os analistas do comportamento
S u m á r io

Apresentação ........................................................................................................... xi

Capítulo 1 - Violência doméstica: há o que fazer?


Lúcia Cavalcanti de Albuquerque Williams (UFSCar).......................... 1

Capitulo 2 - Reconhecendo e prevenindo a rejeição entre os pares


Vera Regina Miranda Gomes da Silva (UFPR)..................................... 13

Capitulo 3 - Arqueologia do Behaviorismo Radical e o conceito de mente


José Antônio Damásio Abib (UFSCar)................................................ 20

Capitulo 4 - Regras e aprendizagem por contingência: sempre e em todo lugar


Sônia dos Santos Castanheira (UFMG)............................................... 36

Capítulò 5 *- Depressão: tradição e moda


Isaias Pessotti ................................................................................... 47

Capitulo 6 - Análise funcional das respostas de auto lesão em uma criança


de dez anos diagnosticada com autismo
Shawn E. Kenyon & John J. Healey (Assumption College e Northeastem
University)........................................................................................... 56

Capítulo 7 - O que ó a u to c o n tro le , tom ada de d e cisã o e s o lu çã o de


problemas na perspectiva de B. F. Skinner
Yara Claro Nico (PUC-SP)................................................................ 62

Capítulo 8 - D ific u ld a d e s o rto g rá fic a s : análise de algum as v a riá veis


relevantes para o aprimoramento do controle de estimulos
Miriam Marinotti ................................................................................ 71

Capítulo 9 - 0 modelo cognitivo da ansiedade e seus transtornos


Helene Shinohara (PU C R J)............................................................. 83
Capítulo 10 - Análise comportamental das definições de distúrbios de leitura
CID 10 e DSM IV
Maria Martha Costa Hübner (Un. P. Mackenzie)................................... 89

Capítulo 11 - Behaviorísmo radical: o comportamento sob uma perspectiva


otimista
Rodolpho Carbonari Sant'Anna (UEL)................................................ 94

CaDÍtulo 12 - A sp e cto s p siq u iá trico s d o tra n sto rn o d is m ó rfic o c o rpo ra l


Teng Chei Tung (FMUSP)................................................................. 96

T /tp ítu lo 1 3 - Terapeuta e cliente: exercendo a difícil arte da sobrevivôncia


ao ato suicida
Regina Christina Wielenska (IPUSP).....................................................104

Capítulo 14 - Problemas metodológicos na abordagem do stress na Terapia


Comportamental
Maria Cristina T. Veloz Teixeira (UNIP/Mackenzie).............................. 110

Capítulo 15 - Atendimento comportamental a portadores do vírus HIV


Giovana Delvan Stuhler Avi(UNIVALI-SC)......................................... 116

Capitulo 16 - Conceitos e práticas em Análise do Comportamento


Gerson Yukio Tomanari (IPUSP)..................................................... 120

Capítulo 17 - Estratégias para aumentar a adesão em pacientes com diabetes


Fani Eta Korn Malerbi (PUC-SP).......................................................... 126

Capítulo 18 - Definições de regras


Luiz Carlos de Albuquerque (UFPA)................................................ 132

Capítulo 19 - Prática em UTI - uma análise contextual


Cláudia Lúcia Menegatti (UFPR e Unicenp).........................................141

Capítulo 2 0 - Invalidando e contextualizando a queixa inicial: um modo de


intervenção em psicoterapia breve
Ana Maria Lé Sónéchal-Machado (UGMG)...................................... 146

Capítulo 2 1 - 0 que é história comportamental


Sérgio Cirino (Unicenp e PUCM G)................................................... 153

Capítulo 22 - Behaviorismo Radical e os determinantes do comportamento


Maria Amalia P.A. Andery e Tereza M.A. Pires Sério (PUC-SP).... 159

Capítulo 2 3 - O im pacto do Behaviorism o Radical sobre a explicação do


comportamento humano
Tereza Maria de Azevedo Pires Sério (PUC-SP) .......................... 164
Capitulo 24 - Tabagismo
Montezuma Pimenta Ferreira (IPHC-FMUSP) 173
Capítulo 25 - As principais correntes dentro da Terapia Comportamental - uma
taxonomia
Luc Vandenberghe (Univ. Católica de Goiânia)..................................179

Capítulo 26 - Ludoterapia cognitivo-comportamental com crianças agressivas


Edwiges Ferreira de Mattos Silvares (IPUSP)..................................... 189

Capítulo 27 - Terapia Comportamental de família: uma experiência de ensino


e aprendizagem
Roberto Alves Banaco e Ricardo Corrêa Martone (PUC-SP)..................200

Capítulo 28 - Eventos privados em uma Psicoterapla Externalista: causa, efeito


ou nenhuma das alternativas
Josele Abreu-Rodrigues (UnB)e Elisa Tavares Sanabio (Univ. Católica
de Goiás.......................................................................... 206

Capítulo 29 - A partir da queixa, o que fazer? Correspondência verbal-não-


verbal: um desafio para o terapeuta
Marcelo E. Beckert (UnB).................................................................... 217

Capitulo 30 O estudo do desamparo aprendido com o estratégia de uma


1 ciência histórica
Maria Helena L. Hünziker (USP)..........................................................227

Capítulo 31 - Internalismo e externalismo na literatura sobre a eficácia e a


efetividade da Psicoterapla
Emmanuel Z. Tourinho, Simone N. Cavalcante, Gisele G. Brandão e
Josiane M. Maciel (U FPA)............................................................... 234

Capítulo 32 - Identificação e análise de contingências geradoras de ansiedade:


caso clinico
Patrícia Piazzon Queiroz e Hélio José Guilhardi (Instituto de Análise
de Comportamento).......................................................................... 257

Capítulo 33 - Discussão de caso clínico: a proposta da terapia por contingências


Hélio José Guilhardi e Giuliana Cesar (Instituto de Análise de Comportamento) 269

Capítulo 3 4 - 0 que a Análise do Comportamento fez por mim


Murray Sidman (New England Center for Children).............................. 296

Capítulo 35 - Fala da Dra. Carolina Bori, quando do recebimento do prêmio


concedido pela ABA na sua reunião de 2001, em New Orleans
A difusão da Análise do Comportamento no B ra s il....................302
Capítulo 36 - Barreiras psicológicas à prevenção do câncer: uma discussão
analítico comportamental
Patrícia Santos Martins (Univ. Católica de Goiânia)............................ 305

Capítulo 37 - Ensino programado: requisito para educação de qualidade


Adólia Maria Santos Teixeira (UFMG)............................................. 316

Capítulo 38 - Reintegração social do dependente de drogas pós-tratamento


em ambiente protegido
José AntônioZago (Instituto Bairralde Psiquiatria - Itapira -S .P .).... 326

Capítulo 39 - Terapia anaíítíco-comportamentaí infantil: aíguns pontos para


reflexão
Laércia Abreu Vasconcelos (UnB)...................................................... 340

Capítulo 40 - A Psicoterapia Analítica Funcional (FAP) e um sonho de criança


Fátima Cristina de Souza Conte (Instituto de Psicoterapia e Análise
do Comportamento - Londrina - P R )................................................ 351

Capítulo 41 - Sobre a relevância do estudo experimental do comportamento


complexo com animais
Paula Debert (PUC-SP)............................................................ 361

Capítulo 42 •> Notas para uma revisão sobre com portamento verbal
Mana Amalia Pie Abib Andery (PUC-SP)........................................... 372

Capítulo 43 - Aspectos cognitivos do transtorno obsessivo-compulsivo


Albina Rodrigues Torres (Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP) 387

Capitulo 44 - Aprendizagem e emergência de relações condicionais com


estímulos modelos complexos
Jair Lopes Junior, Giovana Galvanin Costa, Lia Fernanda Sorrílha
Gonsales e Raquel Melo Golfeto (Universidade Estadual Paulista/Bauru) 401

Capítulo 45 - Análise funcional das dependências de drogas


Maria Teresa Araújo Silva, Luiz Guilherme Gomes Cardim Guerra,
Fábio Leyser Gonçalves e Míriam Garcia-Mijares (USP)................... 422

«Capítulo 4 6 - 0 repertório do terapeuta sob ótica do supervisor e da prática


clínica
Rachel Rodrigues Kerbauy (IPUSP)................................................. 443

Capítulo 47 - Integração de contingências em ambientes clínico e natural


para desenvolvim ento de repertório de com portam entos e
discriminação de sentimentos
Patrícia Piazzon Queiroz e Hôlio José Guilhardi (Instituto de Análise
de Comportamento - C ampinas)...................................................
A presenta ção

Making d o ... That has always been a favourite theme ofmine.


To make the most of what you have

Fazer acontecer... Esse tem sido sempre meu tema favorito. Fazer o
máximo a partir do que você tem.

B. F. Skinner

Os volumes 7 e 8 da coleção Sobre Comportamento e Cognição organizam uma


amostra extensa e representativa do que ocorreu no IX Encontro Anual da Associação
Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental, realizado em Campinas no ano
2000 .

O leitor terá acesso, ao ler os textos publicados, a elaboradas apresentações


teóricas e conceituais do Behaviorismo Radical de Skinner e do Behaviorismo Cognitivo,
que apesar de terem em comum o mesmo substantivo, compartilham, menos do que se
pensa, a visão de homem, a concepção de comportamento, a metodologia de pesquisa e
os procedimentos de ação na atuação profissional. Você terá a oportunidade de ler, analisar
e concluir. Um indiscutível mérito dos volumes.
Outra seção disponível nas presentes publicações traz produtos significativos da
Ciência do Comportamento, esta que, por décadas, - sob legítima e construtiva base
metodológica - tem oferecido ao universo comportamental riqueza de dados, ao lado de
sofisticados e eficientes procedimentos para análise e intervenção no comportamento
humano cotidiano. Compreender para evoluir poderia ser um tema humanístico que a
Ciência do Comportamento ativamente incorpora na sua empreitada científica.
As contribuições da Psiquiatria, amplamente apresentadas nos dois volumes,
descortinam um perfil significativo da influência recíproca entre a área médica e as terapias
comportamental e cognitiva. Nos últimos anos, a Psiquiatria desenvolveu maneiras

xi
de pesquisar, analisar e intervir nos problemas de pacientes psiquiátricos que
deram ensejo a importantíssimos avanços no seu campo específico de ação. Os
procedimentos dos psiquiatras incorporaram as técnicas cognitivo-comportamentais, dando
a estas, não se pode negar, um status revelador e originando uma integração entre
Psicologia e Psiquiatria jamais observada na história dessas duas disciplinas.
Ambos os volumes trazem uma abrangente amostra da atuação profissional em
diversos campos de ação do psicólogo comportamental. Pode-se notar que o enfoque
sobre o comportamento, a fim de analisar e influenciar as ações e sentimentos humanos,
se ampliam para áreas nas quais antes não se ousava fazê-lo. A perspectiva
comportamental está presente, de maneira assertiva, em novas áreas (saúde, esporte,
trânsito, organizações, comunidade etc.) e de formas criativas e inovadoras em áreas
tradicionais (clinica e educação). A ação profissional (alternativa às ações de pesquisa e
de ensino) envolve um maior número de pessoas, com treinamento muito diferenciado,
assim não ó de se estranhar que aqui surja uma amostra muito diversificada de atuação.
Um leitor perspicaz poderá, legitimamente, perguntar: estão os profissionais, de fato,
lidando com o mesmo objeto de estudo? Os procedimentos de ação profissional compõem
um arcabouço coerente e integrado, segundo uma matriz unificadora? Há preocupação
explicita com o método científico? De quantos behaviorismos estamos na essência falando?
etc. Os volumes, ao publicarem todos os trabalhos, não inventaram a diversidade: a
testemunharam. Este é o momento da comunidade comportamental. Fiquemos atentos,
pois o terceiro nível de seleção cumprirá sua funçào. Em anos futuros teremos respostas
mais claras às questões acima formuladas e a muitas outras. Estes dois volumes serão
uma boa linha de base para uma adequada avaliação dos comportamentos da presente
comunidade comportamental.

Hélio José Guilhardi


Presidente da ABPMC
Gestão 2000/2001
Capítulo 1
Violência Doméstica: Há o que fazer?

Lúcia Cavalcanti de Albuquerque Williams


Universidade Ic d c ra / de S,Jo C arlos
l A r R t V - Laboratório de A n álise e frevenção da Violência

A violência contra a mulher é um dos delitos mais freqüentes do mundo, sendo responsável por seqüelas nocivas ao
desenvolvimento dela e de seus filhos Desde 1998 o LAPREV (Laboratório de Análise e Prevenção da Violência) da UFSCar
vem desenvolvendo atividades de intervenção e pesquisa na Delegacia da Mulher de SAo Carlos e no Conselho Tutelar do
Município, ê oferocldo atendimento clinico a vitimas e agressores em uma sala especial da delegacia ou do conselho tanto
para casos de crise quanto de psicoterapla Argumenta-se que a terapia com a mulher vitima de violência doméstica deve
centrar-se no desenvolvimento de técnicas de autoconheclmento e contra-controle de forma a eliminar ou minimizar a
posição de vitima passiva de acontecimentos averslvos. Técnicas utilizadas com o agressor para conter ou eliminar seu
comportamento agressivo sAo brevemente discutidas e s io dados exemplos ilustrativos de consultoria a policiais e A
comunidade em geral. Finalmente, sâo exemplificados esforços de conduzir projetos de pesquisa na área de violência
intrafamllisr. O trabalho se encerra argumentando que há muito a fazer na área de intervenção e prevençflo da violência
doméstica sendo que a Análise do Comportamento nos dá um referencial útil para o desenvolvimento de projetos relevantes.
Palavras-chave: violência doméstica, violência intrafamiliar, violência de gênero, agressêo.

Violence against women Is one of the most frequent crimes In the world, bemg rosponsible for harmful side effects In the
development of women and children. Universidade Federal de S io Carlos’ Laprev (Laboratory for Analysis and Violence
Prevontlon) has been developmg intervuntlon and research activltles in the local Women's Police Station and Children
Support Agency since 1998. Clinicai intervention to victims and aggressors Is offered at a special room in a womerVs police
station (or children agency) In terms of crlsis intervention and psychotherapy. It is argued that therapy wlth women who are
victims of domestic violence should center in the development of technlques of self-knowledge and counter-control so bb to
elimlnate or minimize the positlon of being a passive vlctlm of aversive acts Techniques utllized with aggressors to contaln
or eliminate thelr vlolent behaviors are briefly discussed as well as examples that illustrate consultation to the police and to
the general community. Flnally, attempts to exemplify efforts of conducting research projects In the area of familiar violence
are given The paper ends with the statement that there is much to be done In the area of domestic violence intervention and
prevontlon and Behavlour Analysis offers a useful framework for the development of relevant projects.
K#y words: domestic violence, family violence, gender violence, aggression

"Não lhe lembra nunca a possibilidade de um pontapé ou de um tabefe.


Tem o sentimento de confiança, e multo curta a memória das pancadas ." (p. 35)
Machado de Assis, Quincas Borba.

Machado de Assis refere-se neste trecho ao cão de Quincas Borba que tinha o
mesmo nome do que o dono. Infelizmente, sabemos o quanto a violência física é nociva ao
ser humano. A "memória das pancadas", em nosso caso, não ó nada "curta" sendo
responsável por efeitos, em nosso desenvolvimento, que são nocivos a curto, médio e
longo prazo. (Possivelmente esta afirmação também e válida para cachorros, mas a
comparação foge ao escopo do presente trabalho, que vai se ater à violência entre humanos
e, mais especificamente, à violência intrafamiliar.)

Sobre Comportamento e CognifAo 1


Estima-se que a violência contra a mulher tenha proporções epidêmicas no mundo
todo. Na verdade, em 1989 o Worldwatch Institute declarou a violência contra a mulher
como sendo o tipo de crime mais freqüente do mundo (Meichenbaum, 1994).
“Nos Estados Unidos, a violência no lar é a maior causa isolada de ferimentos em
mulheres, responsável por mais internações hospitalares do que estupros, assaltos e
acidentes de trânsitos juntos". (Grant, 1995, p.25). Embora tenhamos que ser cuidadosos
com os resultados de pesquisas epidemiológicas por diversas razões metodológicas (dentre
as quais a própria a dificuldade de coleta de dados deste tipo), estima-se que um quarto
das mulheres de todo o mundo sejam v/timas de violência em seus próprios lares. Dados
específicos de cada país apresentam índices bem mais altos - até 50%, na Tailândia,
60%, em Papua Nova Guiné e Coréia; e 80%, no Paquistão e no Chile (Grant, 1995). No
Brasil, ainda não temos dados a respeito da incidência do fenômeno, mas suspeita-se
que os índices sejam assustadoramente altos.
Dentre as seqüelas apontadas na literatura por mulheres agredidas pelo parceiro
encontram-se: alto nível de depressão, ideação suicida, dependência de álcool ou drogas,
sintomas de transtorno de estresse pós-traumático, ansiedade crônica, sensação de perigo
iminente, distúrbios do sono e/ou alimentação, freqüentes queixas somáticas, baixa auto-
estima, dificuldade de tomada de decisão e dependência em extremo (Meichenbaum,
1994). O BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) estima que uma em cada cinco
mulheres que faltam ao trabalho o fazem por terem sofrido agressão física (Folha de São
Paulo, 22/7/1998).
Calcula-se que 40 % das mulheres assassinadas no Canadá foram vítimas de
homicídio pelo parceiro (The Toronto Star, 23/3/1996). Nos Estados Unidos, esta
porcentagem salta para 52% (Meichenbaum, 1994), sendo que no Brasil, como poderia
ser esperado, a incidência de homicídios femininos pelo parceiro é mais alta ainda, sendo
cerca de 66 % (Machado, 1998). Curiosamente, a porcentagem de mulheres assassinadas
pelo companheiro na cidade de São Paulo no ano de 1995 foi menor do que a incidência
nacional, sendo equivalente à taxa do Canadá, em torno de 40 %, segundo o pesquisador
Renato Lima, da Fundação SEADE (Folha de São Paulo, 27/08/2000).
Cabe ressaltar que companheiro é definido por "parceiro de relações amorosas e
sexuais com alguma presumida estabilidade", embarcando esta definição "esposos,
companheiros, amantes, namorados, noivos, ex-esposos, ex-companheiros, ex-amantes
e ex-namorados" (Machado, 1998, p.113-114). O índice assustadoramente alto da violência
conjugal faz com que a casa da mulher seja o local em que ela mais corre perigo - "É de
senso comum o fato de que os homens morrem nas ruas e as mulheres morrem em casa"
(Bandeira, 1998, p.68).
O quanto a violência contra a mulher é corriqueira ó ilustrado pela freqüência com
que as pessoas se aproximam para narrar episódios sofridos na família ao saberem que
atuo nesta área. Sendo assim, já tive muitas auto-revelações: uma aluna que foi vítima de
agressão física pelo ex-namorado; outras que foram vítimas de agressão física por parte
de pais e avós; uma colega cuja mãe sofria agressão física pelo marido; e uma profissional
da área de saúde que, quando eu estava em seu consultório, ao saber que eu atuava na
área de violência doméstica, disse-me que costumava dormir com uma faca debaixo do
travesseiro para se proteger do ex-marido que é professor universitário. Eu mesma tive um
caso de violência doméstica fatal na família, razão pela qual talvez eu tenha tanto interesse
pelo assunto.

2 1-úcM CdVtikiintl do Albuquerque W lIlM m t


No momento em que escrevo esta palestra, o noticiário da imprensa volta-se para
mais um caso fatal - um jornalista diretor de um dos principais jornais do pais matou sua
ex-namorada, também jornalista, com dois tiros. Tal acontecimento trágico tem sido peculiar
por três razões: a) repele mais uma vez o estereótipo de que apenas o homem pobre e
com baixa escolaridade se engaja em tal tipo de violência; b) força a imprensa a analisar
a cobertura que dá a este tipo de fatalidade, que muitas vezes apenas culpa a vitima e
justifica o comportamento do agressor e, finalmente; c) alerta para a questão da impunidade
e do despreparo de profissionais para identificarem sinais de perigo, uma vez que o jornalista
culpado já havia agredido a vitima anteriormente, sendo que tal agressão em nada resultara.
Mas as repercussões daninhas da violência conjugal não se esgotam na mulher.
Recentemente os pesquisadores começaram a atentar para os efeitos que a violência
conjugal acarreta em criança s. Straus (1991) calcula que, a cada ano, 10 milhões de
crianças nos Estados Unidos fiquem expostas à violência conjugal. Dentre os efeitos
nocivos associados a tal exposição, encontram-se elencados na literatura os seguintes
problemas: agressão, uso de drogas e/ou álcool, problemas comportamentais, distúrbios
de atenção, ansiedade, depressão, medo, baixa auto-estima, passividade, isolamento,
transtorno de estresse pós-traumático, capacidade de solução de problemas limitada,
problemas acadêmicos, evasão escolar e problemas somáticos (Barnett, Miller-Perrin e
Perrin, 1997; Holden, Geffnere Jouriles, 1998).

O p ro je to de com bate e p revençã o à v io lê n c ia d o m é s tic a de São C a rlo s

Em 1998 tivemos a oportunidade de iniciar um programa de intervenção na área


de violência doméstica em que estagiários do curso de graduação em Psicologia prestam
atendimento psicológico a vitimas e agressores em uma sala cedida à Universidade dentro
da própria Delegacia em Defesa da Mulher de São Carlos (DDM). Até o final do ano 2000
atendemos cerca de 250 clientes em nosso programa, sendo a população atendida assim
distribuída: cerca de 60% dos casos atendidos eram de mulheres, sendo a maioria vitimas
de agressão física por parte do parceiro, 30% dos clientes eram crianças ou adolescentes,
geralmente vítimas direta ou indiretamente de algum tipo de violência sendo esta
caracterizada por intrafamiliar, na maioria dos casos, e, finalmente, cerca de 10% dos
casos atendidos referiam-se a homens que eram, via de regra, agressores.
O atendimento clinico divide-se em dois tipos de atuação: a) atendimento a crise
ou emergência, quando a vítima chega até a delegacia em estado abalado por ter sido
vítima de estupro, por exemplo. Neste caso, nosso objetivo consiste na “normalização” de
seu comportamento por meio de técnicas de relaxamento e escuta empática, auxiliando-
a na tomada de decisões a curto prazo e prestando esclarecimentos quanto à atuação da
polícia e do sistema judiciário; e b) atendimento psicoterapêutico. Este último é mais
freqüentemente conduzido de forma individual, porém, iniciamos no semestre passado,
atendimento em grupo a mulheres e crianças. Para este ano, planejamos conduzir nosso
primeiro atendimento em grupo de homens que agridem fisicamente suas parceiras.
Quais seriam os objetivos da atuação clínica com mulheres vitimas de violência
doméstica? Contrário ao que dita o senso comum ou ao que é sugerido, por vezes, como
observamos, por alguns policiais e advogados, não compete ao terapeuta recomendar à

Sobre Comportamento e CoflnivJo 3


cliente que ela deveria sair deste relacionamento conturbado, separando-se do marido,
por mais violento que este seja. Afirmo isto por três razões: em primeiro lugar, não seria
ótico tomar uma decisão para a cliente em se tratando de um assunto tão íntimo quanto a
escolha de seu parceiro. Em segundo lugar, porque o fato de o terapeuta sugerir não irá
tornar a separação do marido mais provável. O que controla a decisão da mulher de ficar
ou não com o companheiro são variáveis múltiplas e complexas ilustradas na seguinte
situação de ambivalência - muitas vezes a mulher relata que gosta do marido, embora não
goste de seu comportamento agressivo. Do contrário, a sugestão do terapeuta, como se
diz popularmente, "entraria em um ouvido e sairia pelo outro", servindo apenas para abalar
a confiança do cliente no terapeuta ou mesmo, torná-lo aversivo.
Finalmente, mesmo que a mulher concorde, em tese, com o terapeuta e queira
terminar o relacionamento com o parceiro, muitas vezes, ela não o consegue, por uma
série de razões poderosas - seja por temer retaliação do marido, por não conseguir ser
auto-suficiente financeiramente, por não ter onde morar, etc. Sabemos que na época em
que ocorre a separação, a mulher torna-se mais vulnerável a uma agressão fatal de um
marido possessivo e violento. Neste sentido, seria irresponsável, por parte do terapeuta,
encaminhá-la para uma situação de maior perigo, a não ser que esta decisão tenha sido
tomada pela cliente após uma análise criteriosa das contingências envolvidas na separação,
análise feita com o devido apoio do terapeuta.
O fato do psicólogo não dizer à mulher que ela deva se separar do marido não
significa que não deva recomendar à mulher que ela se separe deste temporariamente,
quando a situação de periculosidade for tal que apresente risco de vida. Em nossa atuação,
estamos constantemente auxiliando a cliente a analisar e identificar situações de risco.
Há situações de emergências em que a mulher não pode voltar para a própria casa e,
sendo assim, o trabalho na área é facilitado quando existe na comunidade uma Casa
Abrigo com o objetivo de esconder a vitima por um curto período de tempo.
A primeira Casa-Abrigo de São Carlos para mulheres e crianças correndo risco
fatal de violência somente será criada este ano, após diversas articulações da Universidade
com a atual administração e a sociedade civil como um todo. No passado, para solucionar
tal lacuna, tínhamos um acordo informal com a Secretaria de Bem Estar e Promoção
Social da Prefeitura, que nos fornecia estadia em curto prazo em um hotel modesto da
cidade quando uma situação de perigo aparecesse. Felizmente, só precisamos nos utilizar
deste recurso em duas ocasiões nestes dois anos e meio de intervenção na área. A
propósito, a Prefeitura também nos fornece passes gratuitos mensais para que nossos
clientes venham á terapia, já que a sua maior parte se constitui de pessoas de baixo poder
aquisitivo que vivem na periferia da cidade.
Se não cabe ao terapeuta recomendar separações conjugais permanentes, o que
lhe resta fazer? Cabe ao terapeuta atuar com sua cliente de forma que ela chegue à
conclusão de que a violência é inaceitável e insustentável em qualquer tipo de
relacionamento. Cabe ao terapeuta ensinar a sua cliente técnicas de contra-controle para
que ela assuma as rédeas da situação e não seja mais uma vítima passiva de um parceiro
violento. A palavra da moda é empoderamento, termo que a meu ver é compatível com a
proposta de Skinner, de longa data, de o indivíduo ser sujeito de sua própria história.
(Skinner, 1994).
Neste sentido, a terapia é um terreno fértil para a aprendizagem de técnicas que
aumentarão a segurança e proteção da mulher. Um dos primeiros passos consiste na

4 I úcúi Cuvtilcanli de Albuquerque Willi.ims


auto-observação pela mulher de seu comportamento e de sua interação com o agressor.
Quais os comportamentos emitidos por ela que desencadeiam comportamentos violentos
no marido? Por exemplo, se o marido chega bôbado em casa e se fica agressivo quando
bebe, qual o sentido de ela agredi-lo verbalmente, se isto, via de regra, resulta em violência?
Analisar os antecedentes do comportamento violento desencadeados pela própria
vítima de modo objetivo ó muito diferente de reforçar a tese de que a mulher provocou a
agressão ou que merecia ser punida e é preciso que isto seja esclarecido na terapia de
modo enfático, atribuindo-se ao agressor total responsabilidade pelo ato agressivo, ato
que é considerado um delito pelo Código Penal Brasileiro.
Paralelamente, a mulher precisa aprender sobre coerção e os efeitos da punição
no comportamento humano, além de analisar as seqüelas observadas em crianças de
lares violentos. Há muito que trabalhar em terapia para livrá-la dos sintomas da depressão
que freqüentemente evidencia. Há também um trabalho de recuperação de auto-estima à
medida que aprende técnicas saudáveis de enfrentamento e torna seu repertório
comportamental mais resiliente. Finalmente, a mulher se beneficia da aprendizagem de
técnicas de relaxamento e controle de estresse, além do ensino de procedimentos eficazes
de resolução de problemas e do treino de assertividade.
Em relação ao agressor, o objetivo da intervenção consiste em ensiná-lo a interagir
de forma não agressiva em seu relacionamento conjugal, o que, convenhamos, não é uma
tarefa fácil. Temos usado para isto técnicas de auto-observação, análise de seu histórico
de vida e das contingências associadas à aprendizagem de seu modo violento de ser,
discutindo alternativas não violentas de enfrentamento de problemas, como, por exemplo,
a auto-aplicação de time-out quando o indivíduo se percebe em uma situação de risco
para a violência. Em poucas palavras, nosso trabalho consiste em ensinar homens violentos
a terem um "estopim" mais longo. Para isto é preciso também conduzir treino de
assertividade, aumento da comunicação entre o casal, ensinar técnicas de relaxamento,
dentre várias outras técnicas.
A propósito da palavra estopim, um de nossos clientes, casado há mais de vinte
anos - tempo em que constantemente agredia a mulher- ilustrou, apropriadamente, seu
problema de agressividade e impulsividade, quando nos disse: "Todos se queixam de
terem um estopim ou pavio curto. Eu queria mesmo é ter um estopim..."(sic).
Felizmente o comportamento violento do agressor conjugal é bastante suscetível
ao controle de estímulos. Sendo assim, ele agride a mulher, mas não agride, por exemplo,
seu vizinho ou chefe no trabalho. Agride a mulher em casa, mas raramente o faz em lugar
público. Quando isto acontece, nossa tarefa é facilitada. Por exemplo, em relação ao
referido cliente de "pavio inexistente", como ele tinha um bom nível sócio econômico sendo,
inclusive, um profissional da área de saúde, sugerimos dentre outras táticas, que
conversasse com a mulher sobre assuntos difíceis (como finanças, por exemplo) em um
restaurante ou em seu consultório, para minimizar a probabilidade de agressões.

C o n s u lto ria a p ro fis s io n a is que atuam na área de v io lê n c ia

Além do objetivo de prestar atendimento psicológico a vítimas e/ou agressores na


área de violência doméstica, nosso segundo objetivo consiste em fornecer assessoria a

SobreComportamento eCoflniç«1o 5
profissionais da área. No inicio de 1999, oferecemos uma oficina intitulada "Aspectos
Psicológicos da Violência" às policiais da DDM de São Carlos. (Williams, Gallo, Basso,
Maldonado e Brino, no prelo).
As razões para o oferecimento da oficina foram derivadas de nossa interação com
as policiais, quando constatamos a queixa freqüente de que a Academia da Policia não as
havia preparado para um adequado atendimento às vítimas de violência, impedindo-as de
realizar um atendimento ideal. Assim, planejamos uma oficina, inicialmente obtendo uma
entrevista individual com cada policial. Com base nas entrevistas, foi elaborado um
questionário sobre crenças a respeito da violência doméstica, com 30 questões de afirmação
seguidas por verdadeiro ou falso. Os objetivos da oficina foram: a) reconhecer o direito do
ser humano e, especificamente da mulher, de não sofrer agressão; b) rever crenças que
perpetuam a violência contra a mulher, redefinindo-as e c) analisar as crenças subjacentes
à sua atuação na DDM. A oficina foi conduzida na Universidade em duas noites consecutivas,
com um total de 8 horas de duração. Os resultados demonstraram que quatro das cinco
policiais apresentaram um aumento na porcentagem de respostas corretas ao questionário.
No final do ano passado, oferecemos uma segunda oficina na Universidade sobre
"Abuso Sexual Infantil", desta vez aberta a um público mais amplo. Neste ano, oferecemos
um curso de extensão com 60 horas de duração intitulado “Direitos Humanos: a questão
sobre a violência contra a mulher", que recebeu apoio financeiro da Secretaria de Estado
de Direitos Humanos. Uma das vantagens de oferecer tal tipo de curso foi a oportunidade
de ter, como alunos da disciplina, profissionais da área de Direito do município que têm
como clientes a mulher vitima de violência doméstica, sendo que, após o curso, alguns
destes profissionais têm atendido voluntariamente algumas de nossas clientes. O curso
teve desdobramentos adicionais, dentre eles algumas reuniões na Câmara Municipal e na
Prefeitura do Município que foram estratégicas para a concretização da Casa Abrigo de
São Carlos.
Fomos recentemente convidados a contribuir para o treinamento de novos
Conselheiros Tutelares, fornecendo palestra sobre violência conjugal fatal. Quanto a isto,
fomos solicitados, no ano passado, a expandir nosso projeto de intervenção e estágio
para as dependências do Conselho Tutelar da Criança e do Adolescente de São Carlos.
Desde março, temos oferecido atendimento em tal local, projeto que por se encontrar no
inicio não será analisado no momento.

A formação do futuro psicólogo apto a intervir na área de violência doméstica

Além da atividade "Práticas de Estágio Supervisionado", na Delegacia da Mulher e


no Conselho Tutelar, o aluno de graduação em Psicologia da UFSCar tem a oportunidade
de se inscrever em um curso optativo teórico-prático intitulado “Intervenção a Vítimas de
Violência.", com o objetivo de rever a literatura pertinente à área de combate e prevenção
à violência.
Dentre os temas discutidos no curso encontram-se: o conceito de violência e de
violência doméstica, violência de gênero e suas modalidades explicativas, perfil psicológico
do homem violento, técnicas de intervenção com vitimas e agressores, o impacto da
violência conjugal em crianças, a legislação brasileira sobre violência doméstica, transtorno

6 I úcia Cavalcanti de Albuquerque Williams


de estresse pós-traumático, abuso sexual infantil, a criança vítima de maus tratos e
negligência, intervenção com pais agressores e o indivíduo portador de deficiência e a
questão da violência, intervenção à crise e suicídio, prevenção de violência doméstica. O
que se espera em longo prazo é que o curso seja uma oportunidade para elaboração de
um livro-texto na área, uma vez que existe no Brasil uma grande carência de material útil
à área de intervenção e prevenção de violência doméstica.

A pesquisa na área de violência doméstica

Nosso objetivo em pesquisar foi facilitado com a inauguração no inicio do ano do


LAPREV (Laboratório de Análise e Prevenção da Violência), vinculado ao Departamento
de Psicologia, da UFSCar, que pretende ser um núcleo gerador de estudos que contribuam
para uma melhor compreensão do fenômeno da violência em geral, e em específico da
violência doméstica.
As atividades do LAPREV estão associadas (mas não se restringem) ao “Programa
de Intervenção a Vítimas de Violência Doméstica", em andamento na DDM de São Carlos,
há dois anos, sendo responsável pela apresentação de mais de duas dezenas de trabalhos
em Congressos Científicos, em diversas cidades do Brasil.
Adicionalmente, o LAPREV está vinculado ao Programa de Pós-Graduação em
Educação Especial, dentro da linha de Pesquisa "Atenção primária e secundária em
Educação Especial: prevenção de deficiências.” Pretende-se nesta área: a) avaliar o impacto
que a violência produz no desenvolvimento infantil, gerando metodologia específica e
desenvolvendo técnicas, de maneira a prevenir eventuais efeitos prejudiciais: b) analisar e
prevenir o abuso físico, sexual e psicológico do indivíduo portador de deficiência e c) atuar
com pais e familiares portadores de atraso global no desenvolvimento, de forma a minimizar
o risco de negligência e/ou maus tratos em seus filhos. É interessante notar que o indivíduo
portador de um atraso global de desenvolvimento corre o risco duplo tanto de ser vítima de
violência quanto de ser agressor - por exemplo a mulher portadora de deficiência mental
tem risco de sofrer violência sexual e/ou de maltratar e negligenciar o filho.
Nossas primeiras tentativas de pesquisa na área foram de natureza
descritiva, envolvendo um mapeamento da violência denunciada na Delegacia da Mulher.
Neste sentido, Basso, Souza e Williams (1999) fizeram um levantamento da violência
denunciada na cidade de São Carlos durante o ano de 1997. Os resultados apoiaram a
tendência encontrada por outros autores (Saffioti e Almeida, 1995; Camargo, Dagostin e
Coutinho, 1991; Azevedo, 1985 ) de que 58,3% dos casos de agressão registrados na
DDM de São Carlos correspondiam a um relacionamento amoroso entre vítima e agressor,
sendo apenas 5,8% dos agressores desconhecidos da vítima. Além disso, tal como os
demais autores, Basso, Souza e Williams (1999) constataram que dentre todas as
modalidades delituosas registradas na delegacia, as mais freqüentes eram casos de lesão
corporal dolosa (LCD) e ameaças.
Dando continuidade a este trabalho, Williams e cols. (1999) fizeram um
mapeamento completo de todos os tipos de delitos registrados na DDM de São Carlos
(não só envolvendo violência contra a mulher, mas contra menores de idade também) no
período de janeiro a abril de 1999. Assim como em estudos anteriores, verificou-se que a

Sobre C omporl.imcnlo c Co#nlç»lo 7


maioria das ocorrências (48,37%) referia-se a casos de LCD, seguidos de 22,30 % de
casos de ameaça, sendo a ameaça de morte a mais freqüente (69,2%), seguida de ameaça
de agressão (18,4%). Confirmando a literatura, constatou-se que 61,25% dos agressores,
nos casos de LCD, mantém ou já mantiveram um relacionamento amoroso de ordem
heterossexual com a vitima.
Atualmente, existem duas dissertações de mestrado em andamento vinculadas
ao LAPREV: Brino (2000), que pretende capacitar professores da rede pública de ensino
a lidarem com o problema de abuso sexual de crianças; Santos (1999), que está conduzindo
um programa de intervenção com pais que agridem fisicamente seus filhos. Dois novos
projetos terão inicio neste ano (Maldonado, 2001 e Brancalhone, 2001). Além disto, existem
oito projetos de iniciação científica em andamento, todos dentro do tema de combate e/ou
prevenção à violência doméstica envolvendo populações diversas, como o menor infrator,
adolescentes grávidas, etc.
Algumas das perguntas que pretendemos responder em nossos projetos são
derivadas de nossa prática de intervenção com as vítimas. As perguntas de natureza
descritiva são relativamente fáceis de ser respondidas, servindo como indicadores da
situação de violência doméstica denunciada em São Carlos.
Contrário ao que é por vezes preconizado pela imprensa local, verificamos que o
número de denúncias de agressão da mulher não tem aumentado ao longo dos anos na
cidade. Desde 1989, primeiro ano da DDM na cidade até o ano 2000, a média anual de
delitos registrados tem sido em torno de 1411, sendo que no ano passado foram registrados
1516 delitos. Destes delitos, a média anual de casos de LCD foi de 465 casos, sendo que
o ano de 2000 registrou 586 delitos desta natureza, valor máximo já obtido. Se o número
de delitos de LCD tem oscilado, o número de ameaças vem aumentando ao longo dos
anos (média anual igual a 222; total do ano 2000 igual a 345 casos).
Esta tendência também tem sido observada por outros pesquisadores. A este
respeito, Saffioti (1999) afirma que:"... em 1988,85% das denúncias registradas na primeira
e terceira DDM de São Paulo foram de agressão e 4,17% de ameaças. Em 1992, nas
mesmas delegacias, as denúncias de agressão caíram para 68% dos casos, com as
ameaças subindo para 21,3%. Essa alteração é um indicador de que, em alguns casos, a
mera apresentação da queixa numa delegacia é uma advertência de que a autoridade
policial consegue cessara violência" (p. 23).
Em nossa experiência clínica atuando com mulheres vítimas de agressão física
por parte do parceiro, observamos dois fatos que mereceriam ser investigados com maior
detalhe. Em primeiro lugar, notamos uma nítida diminuição na freqüência de episódios
violentos no lar após a mulher ter prestado queixa na delegacia. Poderia ser argumentado
que o parceiro nào mais agredia a mulher, pois o casal veio a separar-se após a denúncia
formal. Não era este, entretanto, o caso observado em nossos clientes dos quais, tal
como os dados da literatura indicam, após a queixa, apenas 40% dos casados se separam,
sendo que a maioria (60%) continua a viver conjugalmente (Saffioti, 1999). A impressão
decorrente era de que, após a denúncia, o agressor havia recebido uma mensagem forte e
clara de que a agressão física à mulher não era aceita pela comunidade. Tal postura é
adotada pela DDM que, em tese, encoraja a prestação de queixa como forma de deter o
comportamento violento do agressor. O impacto que a queixa policial tem sobre o
comportamento violento do agressor, embora não demonstrado de forma conclusiva, é
inferido por pesquisadores da área de violência doméstica.

8 lúcia Cavalcanti dc Albuquerque Williams


Quando o parceiro passa a apresentar menos agressões físicas à sua companheira,
mas faz ameaças com maior freqüência, nota-se que houve uma alteração na topografia
do comportamento violento. Isto nos remete à segunda constatação provinda de nossa
experiência no atendimento a vítimas: após a formalização da queixa, o companheiro
diminuía, no geral, as agressões físicas à mulher, mas, tambóm, em alguns casos,
aumentava a freqüência de violência psicológica à mesma. Ou seja, em alguns casos, o
agressor aprendia que a comunidade não tolerava a agressão física, passando, então, a
utilizar formas de agressão mais sutis, como ó o caso da agressão psicológica. Caberia,
portanto, analisar se, mesmo nos casos de diminuição da agressão física, haveria mudanças
topográficas no comportamento violento do parceiro.
Sendo assim, no momento estamos empenhados em responder a seguinte
pergunta: o que acontece com a freqüência e topografia do comportamento violento do
parceiro após a mulher ter prestado queixa na DDM?
Caso fique demonstrado que o comportamento de prestar queixa à polícia por
parte da mulher vítima de agressão física do parceiro tem o efeito de diminuir a freqüência
e intensidade da violência, tal constatação teria relevância social a pelo menos dois grupos
de pessoas: em primeiro lugar, as mulheres vítimas de violência doméstica poderiam ser
encorajadas mais veementemente à prestação de queixa. Como afirma Leal (1998): “A
denúncia do parceiro à polícia parece significar para as vítimas um certo rompimento, de
sua parte, com a reciprocidade familiar. Quando as mulheres procuram ajuda da polícia
não buscam uma proteção específica àquele delito denunciado, mas a restauração de
toda uma ordem que confere sentido social, não só naquela relação, mas à sua existência
social” (p.31-32).
Em segundo lugar, os resultados, se confirmados, contribuiriam para a validação
social do trabalho das policiais da DDM. Este último aspecto é importante dado a pouca
relevância que a polícia dá a DDM - considerada hierarquicamente seu bloco secundário
- aliada à percepção das policiais da DDM de que seu trabalho é infrutífero, uma vez que
o "índice de condenações beira ao ridículo: apenas 2% dos 178 processos resultantes de
inquéritos instaurados em 1992 pela 3a DDM de São Paulo" (Saffioti, 1999, p.22).
No momento estamos conduzindo um pequeno estudo piloto para avaliar os efeitos
da denúncia no comportamento violento do parceiro para dois grupos de mulheres-aquelas
que prestaram queixas e aquelas que não prestaram. Os dados coletados até o momento
são encorajadores: para as dez mulheres que prestaram uma queixa formal, em nove
casos o companheiro não voltou a cometer qualquer tipo de agressão, transcorridos três
meses da denúncia, apesar dos respectivos processos terem sido arquivados. Em contraste,
para as três mulheres que não quiseram prestar queixa, o comportamento violento do
parceiro persistiu.
Se a denúncia da violência não tem aumentado em São Carlos, lamentavelmente
temos observado um aumento no número de tentativas frustradas de suicídio por parte de
mulheres na cidade. Os casos de tentativa de suicídio são encaminhados a DDM, não
porque o atentado à própria vida seja um delito, mas porque tais casos necessitam de
uma investigação policial, uma vez que se trata de um delito induzir alguém a cometer
suicídio.
No momento, estamos empenhados em coletar tais dados, mas uma análise
preliminar revela que não só os casos de tentativa de suicídio parecem estar mais freqüentes,
quanto à maneira escolhida para se suicidar parece ser mais grave ou letal (por exemplo,

Sobre C omportamcnlo c Cotfnivdo 9


veneno de rato ao invés de excesso de medicamentos) e a idade das vítimas parece estar
diminuindo. Por exemplo, atendemos este ano pela primeira vez uma vítima de 12 anos e
recentemente atendemos uma menina de oito anos que estava fazendo ameaça de suicídio
aos pais. Um comentário pertinente: em todos os casos de tentativa frustrada de suicídio
que atendemos não encontramos, até o momento, um só caso que não apresentasse um
histórico de violência.

Comentários finais

Gostaria de concluir respondendo afirmativamente à pergunta inicial: há muito que


fazer na área de intervenção e prevenção de violência doméstica. A questão que se coloca,
em seguida, não é o que fazer, mas como fazê-lo?
Dadas as desigualdades da população brasileira, a falta de recursos sociais e
nossa carência de infra-estrutura, tudo leva a crer que não dá para intervir nesta área sem
uma certa dose de militância política, seja lutando por Casa Abrigo na Câmara de
Vereadores, seja instruindo o publico, em geral, sobre casos em que os direitos das
pessoas, sejam elas mulheres, homens ou crianças, sejam desrespeitados.
Do ponto de vista metodológico, o que mais sinto falta é de um corpo de pesquisa
sólido que incorpore os diversos conhecimentos pertinentes à área. O pesquisador nesta
área muitas vezes trabalha sozinho tendo poucos modelos para se orientar.
A formação do psicólogo comporta mental na área de violência é privilegiada, seja
devido ao otimismo gerado por seus pressupostos teóricos ( i.e., grande parte do
comportamento violento é aprendido), seja devido à aplicabilidade de técnicas validadas
em uma experiência clinica rigorosa, com resultados encorajadores. Curiosamente, os
trabalhos de analistas comportamentais na área de intervenção de violência doméstica
são quase inexistentes, possivelmente devido a dificuldades metodológicas de se estudar
um comportamento geralmente inacessível á observação direta.
Em 1995, Myers publicou um artigo no Journal of Applied Behavior Analysis,
conclamando analistas do comportamento a contribuir para a redução da agressão do
homem à mulher, seja desenvolvendo e analisando componentes de programas, seja
aplicando o manejo de contingências e da tecnologia de treinamento comportamental.
De lá para cá os trabalhos têm sido esparsos. Entretanto, quando eles surgem
(ver 0 ’Leary, Heyman e Neidig, 1999); o esforço tem sido, como sempre, recompensador.
A sociedade contemporânea tem sido constantemente criticada por sua dificuldade
em combater o problema da violência. A relação entre a violência que ocorre na rua e a
violência que ocorre no lar tem sido muito pouco pesquisada. Imagino que seja somente
uma questão de tempo.

Referências

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10 l.úcld Cavalcanti tlc Albuquerque W illiam s


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para policiais da delegacia da mulher; Um relato de experiência. Psicologia: Teoria e
Prática, 2, (2).

1 2 I úciii Cavalcanti de Albuquerque W illiam s


Capítulo 2
Reconhecendo e prevenindo
a rejeição entre os pares

Vera Regina Miranda í/omea da Silva


U niversidade fc d c n tl do Paraná

Os problemas sociais comumente referem-se às relações entra as pessoas, envolvendo dificuldades de comunicação,
Integração e cooperação. A maior parle dos seres humanos des«|a ser escolhida e aceita pelos outros, fazer parle de grupos
sociais e sabe-se que indivíduos que sAo aceitos e que se aceitam têm maior probabilidade de virem a aceitar e respeitar os
outros (segundo Argyle, 1676 e Briggs, 1995). Toda criança anseia profundamente ser Incluída. NAo ser aceito pelos grupos
ó um fenômeno que a comunidade tende a denominar de “rejeiçAo", e que gera muitas dificuldades aos indivíduos alvo da
mesma, sendo Inúmeros os estudos que. direta ou indiretamente, abordam a rejeição entre os pares. A seriedade deste
conjunto de problemas é evidenciada através do número crescente de pesquisas que demonstram ser a rejeição na escola
um dos poucos aspectos do funcionamento infantil que prediz consistentementa problemas de comportamento no futuro
(Bee, 1996). Pretende-se: dlfaranciar os conceitos de criança popular, neglicenciada, rejeitada, isolada; apresentar algumas
pesquisas voltadas para tais temas e propor algumas estratégias de açAo grupai visando minimizar a rejelçAo. Acredita-se
que buscando as habilidades prô-soclals requisitadas a um bom relacionamento, certamente contribuir-se-A para gerar n
aproximação nas relações interpessoais e, conseqüentemente, para a pravençAo em saúde mental.
Palavras-chave: rejeiçAo, enanças rejeitadas, pesquisas sobra rejelçAo, prevençAo.

Social problema commonly refer to the relationship between people, involving difflcultles In communication, Integration and
cooperation Most themselves are more llkely to accept others (accordlng to Argyle, 1970 and Briggs. 1995). Every chlld
deeply yearns to be Included. Not being accepted by the group is a phenomenon that the commumty tends to call “rejection"
and which generates many difflculties to the targat Individuais. There are numerous studies that, directly or Indlrectly,
approach rejection between paars. The seriousness of this set of problems Is avidenced by the growing number of research
showlng that rejection at school Is one of the few aspects of the chlld functlon which conslstently predicts future behavlor
problems (Bee. 1996). What is intended here is to differentiate the concepts of popular, neglected, rejected and isolated chíld
as well as to Introduce some research focusing on the matter and to present some strategies of group action aiming at
minimlzing rejection. It Is bolleved that searching the pro-social skllls necessary to a good relationship wlll certalnly cooperate
with generating approxlmation to interpersonal relationships and consequently, mental health prevention.
Kay words: rejection, rejected children, research about rejection, prevention.

Bee (1996) inicia suas considerações sobre o tema Popularidade e Rejeição


afirmando que crianças negligenciadas ou rejeitadas são mais propensas à depressão e
solidão do que as aceitas. Llario, Cots e Casas (1992) afirmam que crianças rejeitadas
evidenciam maior vulnerabilidade a problemas psicopatológicos severos em comparação
com as crianças isoladas.
Crianças rejeitadas são extremamente vulneráveis a dificuldades de ajustamento
na infância, adolescência e vida adulta (condutas anti-sociais, delinqüência, solidão,
depressão, suicídio, neuroses e psicoses), sendo que a relevância do tema provavelmente

Sobre l omportiimcnto c CogmçJo 13


tem contribuído para tantos autores empreenderem pesquisas nesta direção. Patterson,
Debaryshe, Ramsey (1989), Price e Dodge (1989), Asher, Parkhurst, Hymel e Williams
(1995) estabelecem forte relação entre rejeição e disfunções diversas.
Integrando diversos pesquisadores que estudaram tais aspectos (Ames, Ames e
Garrison, 1977; Master e Furman, 1981; Asher e Gottman, 1981; Vosk, forehand, Parker
e Rickard, 1982; Puttalaz, 1983; Asher e Dodge, 1986; Hartrup e Rubin, 1986; Berndt e
Ladd, 1989; Bukowski e Hoza, 1989; Asher e Coie, 1996), serão diferenciados os conceitos
de crianças populares, rejeitadas e impopulares:
Crianças populares são aquelas que apresentam aceitação social e status positivo
em todas as idades e revelam comportamentos positivos como: ajuda, respeito às regras,
amizade, não punição e não agressividade em relação aos demais e consideração pelos
desejos dos companheiros. Recebem e dão reforçamento positivo e emitem e recebem
menos punição dos demais. Possuem, então, mais interações positivas e menos problemas
de conduta e hiperatividade. São vistas pelos outros como desejáveis para trabalhar, sentar
perto, brincar e, conseqüentemente, são mais habilidosas para interagirem com seus
iguais. Tendem a manter visão positiva de si mesmas, como competentes a nlvel
interpessoal, pois empregam estratégias efetivas.
Em contrapartida, as crianças rejeitadas, rechaçadas ou de status negativo são
avaliadas negativamente por seus iguais, evitadas por eles e tendem a ser mais agressivas
(agressividade reativa), disruptivas, não cooperativas, e a violar regras e desorganizar o
grupo com mais freqüência. Empregam comportamentos que provocam rejeição manifesta
por seus pares.
As crianças impopulares recebem e emitem mais punição aos outros,
desaprovação, insultos, brigas, destruição e agressão em atos e palavras. Dispendem
mais tempo com interações negativas, são mais depressivas e possuem nível menor de
realizações, já que precisam empreender muito mais estudo para obter melhor performance.
Ao estudarem medidas de aceitação e rejeição entre os indivíduos nos grupos ó
necessário apresentar as contribuições, características e limitações da sociometria.
Conforme abordam Carmichael (1978) e Argyle, Asher e Dodge (1986) utilizam-se deste
instrumento para distinguir quais as crianças consideradas escolhidas, rejeitadas e
negligenciadas pelo grupo. Vários pesquisadores valeram-se de instrumento sociométrico
como recurso complementar às suas pesquisas (Ames et ali, 1977; Masters e Furman,
1981; Coie, Dodge e Coppotelli, 1982; Puttalaz, 1983; Puttalaz eWasserman, 1989; Foster,
Martinez e Kulberg, 1996).
Alves (1974) e Monteiro (1993) propõem o teste sociométrico como um instrumento
de auxílio que estuda a estruturas sociais em função das escolhas e rejeições manifestadas
no seio de um grupo. Tal recurso consiste em solicitarem-se as escolhas positivas
(encaradas como proximidade, atração, desejo de compartilhar) e as negativas (rejeição,
distância, recusa a compartilhar). Pode-se aplicar em crianças, adolescentes ou adultos,
indagando-se: "quem gostaria ou não de ter por companheiro para brincar, estudar, trabalhar,
sentar perto, viajar?". Comumente verificam-se as justificativas questionando-se sobre o
porquê das escolhas e/ou pede-se para que o sujeito escolha em ordem de importância,
do mais ao menos preferido.
Dodge (1983) alerta os pesquisadores sobre um problema comum em certos
estudos. O uso somente de critério positivo confunde dois grupos de crianças de baixo

14 Vera Regina Miranda Qomet da Silva


status, aquelas que não são preferidas e as altamente desgostadas com aquelas que não
são preferidas nem desgostadas (isto é, confunde-se "rejeitadas com negligenciadas”).
Segundo Dodge ressalta, o pesquisador deve ter clareza nos seus objetivos de estudo
para formular a pergunta adequada aos seus propósitos.
Peery (1979) propõe um modelo conceituai onde agrupa as categorias em quatro
quadrantes, da seguinte forma: no quadrante superior encontram-se, à esquerda, as
"rejeitadas"; à direita, as “populares". Ambas possuem alto impacto social, sendo que as
primeiras possuem negativa preferência, enquanto as populares possuem positiva
preferência. O quadrante inferior situa, na direita, as "isoladas" (baixo impacto social e
negativa preferência) e as “amigáveis", na esquerda (baixo impacto social e positiva
preferência social).
Steiner (1972) em seu estudo sobre a criança isolada define que esta não recebe
escolhas, não impressiona seus pares por nenhum atributo social, afetivo, intelectual,
físico ou pela combinação de dois ou mais destes. Segundo Llario et ali (1992), esta
criança passa desapercebida pelo grupo e sua característica dominante parece ser a
ansiedade frente às situações sociais associada a déficits de execução. Já a criança
rejeitada é aquela percebida pelos outros e carregada de valências negativas.
Asher e Dodge (1986) diferenciam crianças negligenciadas como aquelas que
têm falta de amigos e não são particularmente desgostadas (tidas como "isoladas" para
alguns autores) e as rejeitadas como aquelas altamente desgostadas. Coie, Dodge e
Coppotelli (1982) acrescentam as populares como as altamente preferidas, as medianas,
que são as moderadamente preferidas ou não preferidas, e as controvertidas como aquelas
altamente preferidas por alguns e altamente desgostadas por outros.
No que tange à identificação da rejeição é relevante distinguir, de acordo com
Asher e Coie (1995), a rejeição continuada da rejeição temporária. Certamente, o pior
diagnóstico, conforme também ressalta Bee (1996), é para aquelas crianças que são
rejeitadas por um período longo. No entanto, de todas as denominações, Coie e Dodge, in
Dodge (1983) afirmam que a criança rejeitada é aquela que apresenta a maior possibilidade
de pertencer a um mesmo status, mesmo com o passar dos anos.
Harris (1999) ressalta que a criança que é ativamente rejeitada é incapaz de
quebrar o ciclo do status negativo, que é um círculo vicioso onde, cada vez mais, mostra-
se inadequada e é rejeitada. Tal autora complementa alegando que a rejeição tem efeitos
permanentes na vida emocional da criança e diz: "Você foi julgado por um júri formado por
seus pares e foi considerado deficiente"(Harris, 1999, pg. 232).
Patterson, Debaryshe e Ramsey (1989) e Patterson, Reid e Dishion (1992)
apresentam variáveis determinantes do comportamento anti-social. Percebe-se que nos
dois esquemas sugeridos, os contextos familiar e escolar desempenham papel
preponderante. Isto ê, ambos são "agências de socialização", onde a criança pode aprender
condutas adequadas e/ou inadequadas. Dentro do ambiente escolar, os autores mencionam
o fracasso acadêmico e a rejeição entre os pares como sendo aqueles fatores que, na
idade escolar, podem funcionar como situações de risco para a conduta anti-social. No
que tange ao contexto familiar, referem-se à disciplina e ao monitoramento parentais pobres.
Gomes da Silva (2000) conclui, em seu estudo com crianças no ambiente escolar,
que a rejeição entre os pares se dá devido, principalmente, aos seguintes indicadores:

Sobre Comportamento eCojjmvJo 15


perturbador (condutas que incluem a agitação, irritabilidade e pessimismo), autoritário
(postura “ditatorial" na relação com os demais), agressivo (agressividade em atos e palavras),
e não participativo (omissão à participação em atos e palavras). Tal pesquisa evidencia
que as crianças tendem a rejeitar seus pares com base em comportamentos inadequados,
isto é, a criança "faz algo" que suscita rejeição entre seus colegas. Em contrapartida, as
crianças escolhem seus pares devido à emissão, em alta freqüência, de comportamentos
pró-sociais por parte destes (bom humor, participação, não agressão e qualidades pessoais
não operacionalizáveis como, “ser amigo, sincero, simpático"). Mussen et ali (1995) definem
por "comportamentos pró-sociais aquelas ações sociais positivas que incluem o altruísmo,
a ajuda, o compartilhar, a atenção e a solidariedade".
Por todas as considerações tecidas até o presente momento, evidencia-se que
identificar crianças que persistem em padrões comportamentaís dasadaptatívos pode ser
importante diagnóstico para investigar habilidades sociais e capacitá-las a prevenir possíveis
rejeições, conforme defendem Asher e Coie (1995).
Entre as propostas de intervenção para crianças rejeitadas, é comum, como já
referido anteriormente, o TREINAMENTO EM HABILIDADES SOCIAIS (Arón e Milicic (1994),
Asher e Coie (1995), Caballo (1996), Del Prette (1999)) que busca favorecer a interação, a
cooperação, a participação e a comunicação, por acreditar que estes pré-requisitos facilitam
os relacionamentos e promovem a saúde mental. Llario, Cots e Casas (1992) comprovam
que crianças rejeitadas beneficiam-se mais de um programa de treinamento em habilidades
sociais baseado em técnicas cognitivas (auto- instruções e soluções de problemas),
enquanto as crianças isoladas obtém melhores resultados com um tratamento que vise
praticar habilidades sociais.
Considerando que tanto os comportamentos inadequados como os adequados
são "aprendidos", é possível às crianças rejeitadas (que denotam condutas inapropriadas
que suscitam a rejeição) virem a aprender respostas sociais. Deste modo, terão mais
oportunidade de experimentar convívio mais positivo e aceitação entre seus companheiros.
Arón e Milicic (1994) e Goleman (1995) sugerem algumas intervenções a ser
empreendidas na escola, ou mesmo adaptadas à família. As propostas destes autores
possuem caráter "sócio-educativo” e referem-se a exercícios vivenciais (jogos, discussões
grupais, dramatizações) aplicados por psicólogo, orientador ou professor treinado para
este fim. O plano de ação consiste em minimizar atitudes inapropriadas e estimular o
desenvolvimento de atitudes positivas de:
• Confiança (sobre os sentimentos, seu comportamento, suas ações, para pensar com
sucesso sobre seus empreendimentos).
• Curiosidade (receptividade ao novo como algo positivo e estimulador).
• Intencionalidade e auto-responsabilidade (o que acarretou este ato? Qual a "sua"
contribuição nisto ?).
• Auto controle (pensar antes de agir), canalizar a raiva sem destrutividade e agressividade,
expressar frustração de modo aceitável.
• Sociabilidade e comunicação (pedir, falar por si mesmo, receber e emitir elogios e críticas,
estabelecer contato visual, defender seus interesses, proteger-se contra ameaças,
emprestar, agradecer, desculpar-se, pensar sobre normas e regras necessárias ao bom
convívio social).

16 Ver<i Rr#m.i Minimla (yomrs d.»Si)v.»


• Cooperatividade (harmonizar suas necessidades e as necessidades dos outros, seus
desejos versus os seus deveres, oferecer ajuda e sugestões).
• Administração de conflitos (repensar alternativas para lidar com dificuldades).
Castillo (1999) propõe o que ele denomina de "educação para a amizade", que
consiste em um programa destinado a pais e educadores para o desenvolvimento da
conduta sociável. Castillo(1999) justifica sua proposta alegando que a "conduta amistosa
não se improvisa nem se desenvolve sem esforço". Comenta que a educação para a
amizade exige a “prática mútua das virtudes da convivência: sinceridade, lealdade e
generosidade". Propõe condutas educativas a ser estimuladas nas crianças antes e durante
a adolescência, conforme resume-se a seguir:
• Desenvolver sinceridade, generosidade e paciência por meio de conversas, repreensões,
sobretudo pelo exemplo.
• Fomentar a capacidade de prescindir de alguns gostos em beneficio dos outros.
• Estimular a participação em brincadeiras grupais e o respeito às regras.
• Suscitar experiências sociais positivas no lar a fim de estimular a capacidade de abertura,
cooperação, dando exemplo de compreensão e respeito por todo o tipo de pessoas.
• Valorizar todo o tipo de condutas sociais e amigáveis das crianças, sobretudo na medida
em que estejam apoiadas em fatos concretos (visitar um amigo doente, auxiliar colega
e irmão com tarefas escolares, consolar alguma criança triste, procurar integrar alguém
isolado no grupo, entre outros).
• Orientar quanto aos riscos da falta de amigos e dos amigos que não agem como modelos
favoráveis.
Castillo (1999) reforça sua “educação para a amizade”, alegando que a criança é
aceita no meio familiar, independentemente de sua forma de ser e de comportar-se e que,
ao ingressar no meio escolar, terá que "conquistar o seu lugar", isto é, ter méritos para ser
aceita no grupo. Dentre estes "méritos" destaca as qualidades de: alegria, senso de humor,
amabilidade e sociabilidade, que parecem referir-se às qualidades pessoais e
comportamentos operacionalizáveis citados por Gomes da Silva (2000).
Kalb e Viscott (1985) optam por intervenções dirigidas às próprias crianças e
sugerem várias ações objetivando “lidar melhor com os amigos":
• Participar de grupos e de equipes (atividades coletivas: esporte, dança, artes, etc).
• Ser você mesmo, ser sincero, experimentar coisas novas, saber ouvir.
• Demonstrar interesse real pelo que o outro fala e por seus sentimentos.
• Ser leal e guardar segredos.
• Ser franco para demonstrar satisfação e insatisfação.
• Ser atencioso, procurar compreender que o amigo é humano, que pode cometer erros.
• Esclarecer possíveis mal entendidos, pedir desculpas quando agir mal, evitar tecer criticas
em frente dos demais.
• Ser oportuno (não se exceder na fala, nos telefonemas, nas visitas).
• Quando emprestar, cuidar e devolver.
• Mostrar-se bem humorado, não se gabar o tempo todo, evitar agir com atitude autoritária
(o mandão, que sabe tudo), não esperar perfeição sempre.

Sobre Comportamento e CogniçAo 17


É fácil perceber através dos autores referenciados e de suas propostas que,
independentemente das intervenções dirigirem-se diretamente às crianças ou a pais e
professores, para que apliquem-nas junto destas, todas objetivam estimular maior
assertividade e popularidade através do exercício de condutas pró-sociais. As contribuições
sugeridas pelos autores referenciados podem representar alternativas de caráter preventivo,
para que a criança venha a apresentar formas mais adaptativas de convívio social. Deste
modo contribui-se para minimizar a rejeição e, conseqüentemente, para a prevenção em
saúde mental.

Referências

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18 Vera Retfln.i Miramla Qomcs da Silva


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Sobre Comportamento e Cotfnifilo 19


Capítulo 3

Arqueologia do Behaviorismo Radical


e o conceito de mente

tosé Antônio Damásio Abib


/ a /c r.il </e SJo C .ir/o i
U m vcm d d iU '

F a /s e , neste ensaio, uma leitura arqueológica do behaviorismo radical com o objetivo de deslindar o conceito de mente
defendido por Skinner Desconstrói-se o problema mente-corpo e reconstrôi-se a relação mente-corpo longe do mentalismo
e do materiallsmo. Mas o behaviorismo radical oscila do flslcalismo eplstemolôgico ao fisicallsmo ontológlco. É imperativo
abandonar o flslcalismo ontológico e desconstrulr o real, para livrar-se da definição fisicalista ontológlca de estimulo e dos
conceitos de 'mundos externo e interno', pressupostos que inviabilizam o estudo do comportamento como assunto da
psicologia. A essa primeira radicaluaçAo segue-se esta: abandona-se a distmçAo entre oventos públicos e privados.
Conseqüência do fisicallsmo ontológico, ela é solidária com a diferença entre eventos externos e Internos e contribui para
fortalecer nAo só os conceitos de "mundo externo e interno" mas também interpretações externalistas do behaviorismo
radical - que sêo Incompatíveis com o projeto constitutivo da filosofia do behaviorismo radical e, conseqüentemente, com
uma ciência psicológica do comportamento. Conclul-se que o behaviorismo radical é uma filosofia da mente. Para o
behaviorismo radical, a mente é Imnnente ao comportamento e pode ser por isso, radicalmente Investigada, no nlvel público,
como comportamento
Palavras-chave: arqueologia, fisicallsmo, behaviorismo radical, comportamento, mente

In this esaay, an archeologlcal reading of radical behaviorism is offered with the objective of clarlfying the concept of mind
defended by Skinner. The mlnd-body problom is deconstructed and the mlnd-body relation is reconstructed independently of
mentallsm and materlalism But radical behaviorism oscilates from epistemological physicalism to ontologlcal physicalism.
It Is Imperative to abandon ontologlcal physicalism and to deconstruct the real, to get rid of tho ontologlcal physlcalist
deflmtion of stimulus and the concepts of "internai and externai worlds" < assumptions which ronder impossible to study the
behavior as a subject matter of psychology Tho following radicaliration follows upon the first: the distinctlon botween public
and privato events is abandoned. As a consequence of ontologlcal physicalism. it Is allied to the distinctlon between externai
and Internai events and contributes to the strengthening not only of the concepts of "internai and externai worlds" but also
of externalist interpretatíons of radical behavionsm • wfiich are incompatfbfe with the constituílve profect of the phílosophy of
radical behaviorism and. consequently. with a psychological Science of behavior. It is concluded that radical behaviorism is
a philosophy of mind For radical behaviorism, mind is Immanenl In behavior, and can be, accordingling, Investigated, at a
public levei, as behavior.
Key words archeology, physicalism, radical behaviorism, behavior, mind

O behaviorismo ó filosofia da psicologia (Malcolm, 1964). Como filosofia da


psicologia, o behaviorismo radical é filosofia da ciôncia do comportamento humano, do
assunto e método dessa ciôncia (Skinner, 1964,1969, 1974). O behaviorismo radical é
uma filosofia mais ampla do que a que se encontra nos behaviorismos de Watson (1930),
Tolman (1932) e Hull (1943). Com efeito, ó um discurso que abrange não só a psicologia
como ciôncia do comportamento humano, mas também a ciôncia, linguagem, subjetividade,
educação, ética, política e cultura (Skinner, 1945/1999, 1957, 1968, 1971, 1978, 1987,

20 losó A ntônio PtimAtio A b ib


1989). Nesse sentido mais largo, o behaviorismo radical é uma filosofia do comportamento
humano.
O behaviorismo radical é uma filosofia fundamentalmente diferente dos behaviorismos
de Watson (1930), Tolman (1932) e Hull (1943). Porque, de um lado, rompe irremediavelmente
com a explicação mecânica do comportamento e, de outro, subverte os pressupostos do
discurso moderno, comofundacionismo na epistemologia, representacionismo na linguagem,
metanarrativas do progresso político e cultural do Ocidente e obrigações éticas universais
(Chiesa, 1994; Leigland, 1999; Abib, 1999, no prelo). Pressupostos estes que também
não encontram guarida no discurso pós-moderno(Lyotard, 1979/1998,1986/1987; Rorty,
1980; Murphy, 1990). Nesse sentido, a filosofia do behaviorismo radical está muito próxima
do pensamento pós-moderno (Abib).
Examina-se, aqui, se, como filosofia do comportamento humano, mais abrangente
e radicalmente diferente dos behaviorismos de Watson (1930), Tolman (1932) e Hull (1943),
o behaviorismo radical pode ser também filosofia da mente. A pergunta básica é esta: O
nome e conceito de mente fazem algum sentido em uma filosofia do comportamento
humano como o behaviorismo radical? Essa questão dá origem a pelo menos duas leituras
referentes ao conceito de mente no behaviorismo radical. A primeira gira em torno da
desconstrução do problema mente-corpo. A segunda volta-se para a reconstrução da
relação mente-corpo. Este texto trata dessas leituras e faz um breve perfil do behaviorismo
radical como filosofia da mente.

Behaviorismo radical e desconstrução do problema mente-corpo

De dentro da formulação tradicional do problema mente-corpo, Skinner (1969,


1974) nega o angelismo platônico, a idéia de que a mente é imortal, incorpórea, usa o
corpo e o abandona após seu desaparecimento (Platão, s.d./1985). Com essa refutação,
Skinner também alcança Descartes na exata medida em que para o filósofo francês a
mente é uma substância imaterial e independente do corpo, um fantasma na máquina,
que age na máquina e que é também por ela afetado (Descartes, 1641/1979; Ryle, 1949/
1980) - embora, paradoxalmente, Descartes tenha defendido também na Sexta Meditação4
no tratado As Paixões da Alma,(1649/1979) e nas Cartas à Princesa Elisabeth da Boêmia
(1643/1979), a união substancial real da alma e do corpo. É essa mente angelical e
fantasmagórica, esse homúnculo, que Skinner (1969) renega, bane do behaviorismo radical.
As críticas de Skinner ao mentalismo puro visam essa mente inventada por Platão -
embora um mentalismo impuro (uma mistura de mentalismo e materialismo, de fisiologia
e metafísica) já se fizesse presente nos pré-socráticos, por exemplo, em Tales (Farrington,
1944; Skinner, 1974). Na verdade, o mentalismo puro finca suas raízes no orfismo, um
culto religioso-filosófico difundido na Grécia por volta do século VI antes de Cristo
(Livingstone, 1938/1953). Segundo Livingstone, Platão assimilou do orfismo o que tinha
"apelo para ele" (p. 83). De acordo com Skinner (1974), Platão inventou uma versão da
mente quando transformou o mentalismo impuro dos pré-socráticos em um mentalismo
puro. E as origens órficas do angelismo platônico só vêm revigorar a interpretação do
mentalismo como uma fábula, a fábula órfica dos dois mundos, o mundo terrestre, do
corpo, e o mundo celeste, da alma.

Sobre Comportamento c Cognifilo 21


A história das tentativas de resolver o problema mente-corpo é longa, complexa e
continua atual. Duas delas são o espiritualismo e o materialismo; monistas, porque negam,
respectivamente, a existência do corpo e da mente. Como rejeita o mentalismo puro ou
impuro, o behaviorismo radical pode ser interpretado como metafísica materialista. Por
ignorarem a mente, metafísicas materialistas são freqüentemente acusadas de desumanas
e o behaviorismo radical náo escapou a essa critica, que erra o alvo, porque é o materialismo
mecanicista que é desumano (Kvale e Grenness, 1967). Segundo uma leitura equivocada,
o behaviorismo radical é mecanicista (logo é desumano), e o equívoco está em definir o
comportamento como uma relação estlmulo-resposta (Chiesa; 1994). Skinner (1957) define
o comportamento considerando suas conseqüências: “Homens agem sobre o mundo e
modificam-no e são por sua vez modificados pelas conseqüências de suas ações" (p. 1).
Essa definição afasta o behaviorismo radical do mecanicismo ao mesmo tempo que o
aproxima do materialismo dialético (Kvale, 1985).
Interpretar o behaviorismo radical longe do materialismo mecanicista e próximo
do materialismo dialético tem suas vantagens. Seria um humanismo porque resgata a
ação transformadora das pessoas sobre o mundo; porém, sem compromissos com o
espiritualismo, já que expurga as noções de autonomia absoluta, livre-arbltrio, imortalidade
e incorporalidade da mente. Denunciaria, por isso, a ilusão de liberdade do liberalismo
político e bem que poderia contribuir com reflexões teóricas e práticas para enfrentar as
armadilhas do pensamento neoliberal - o behaviorismo radical seria uma filosofia de
esquerda. Há desvantagens também. O termo dialético na expressão materialismo dialético
remete a noções de conflitos ideológicos que hoje parecem distantes e ultrapassadas e o
termo esquerda parece ter perdido seu sentido revolucionário. E, mais importante da
perspectiva da presente análise, o termo materialismo encerra o behaviorismo radical em
um estilo de discurso que precisamente Skinner (1969,1974) parece abandonar: o discurso
que admite a existência do problema mente-corpo e que incansavelmente busca solucioná-
lo com doutrinas que oscilam do exótico e fantástico ao pouco plausível e nada convincente.
Não é fácil demonstrar que o behaviorismo radical não ô um mecanicismo e ainda
mais difícil é argumentar que também não é um materialismo. Uma dificuldade fundamental
relaciona-se com a doutrina filosófica do fisicalismo, defendida por Skinner (1945/1999).
Ontologicamente, o fisicalismo parece estar indissoluvelmente ligado ao materialismo e
isso significa dizer que, em última análise, a realidade é física ou material e que os conceitos
e leis das ciências sào redutlveis a conceitos físicos e derivàveis de leis da ciência física
(Carnap, 1933/1965; Bunge, 1979; Creel, 1980; Rorty, 1991). Epistemologicamente,
fisicalismo significa apenas uma orientação metodológica para definir conceitos físicos e
mentais com base em operações físicas (Carnap; Abib, 1997). Obviamente, há afinidades
eletivas entre posições epistemológicas e compromissos ontológicos (Abib, 1993). Assim
como é mais plausível que o idealismo se comprometa ontologicamente com o
espiritualismo, é também mais aceitável que o fisicalismo se solidarize com o materialismo.
Porém, isso não significa que exista uma relação de implicação ou de necessidade lógica
entre epistemologias e metafísicas, mesmo quando suas afinidades são notáveis.
Skinner (1945/1999) defende o fisicalismo no contexto da discussão sobre eventos
públicos e privados com o propósito de demonstrar a gênese pública dos eventos privados
bem como de interditar, desse modo, qualquer possibilidade de explicar o comportamento
com base em eventos privados completamente separados e independentes de eventos públicos.
Trata-se de um fisicalismo epistemológico (metodológico) que orienta procedimentos de

José A ntônio D.im«Wio A b ib


investigação pública do comportamento visando a produção de evidências para apoiar a
observação indireta (ou a inferência) de eventos privados (que existem e que são observáveis
por uma pessoa, ao menos: aquela que observa) - um procedimento, diga-se de passagem,
perfeitamente legitimo na investigação cientifica.
Embora frases como “minha dor de dente é exatamente tão física como minha
máquina de escrever" (Skinner, 1945/1999, p. 430) possam dar margem a especulações
ontológicas, Skinner não se vale dofisicalismo para fazer pronunciamentos sobre a natureza
material do real. Ao contrário, é um crítico do materialismo (Skinner, 1938,1969). Apesar
de sua crítica ao materialismo ser de ínfima extensão, seu alvo, como na crítica ao
mentalismo, ó o mesmo: a metafísica substancialista. Segundo Skinner (1938), materialistas
defendem conceitos que se referem a alguma coisa substancial bem como apoiam
explicações de natureza material. Como consideram os conceitos comportamentais verbais
e fictícios, não aceitam que o comportamento possa ser um legítimo objeto de estudo da
psicologia. Ironicamente, Skinner (1938) escreve: “Holt adota uma posição moderna desse
tipo. Sua objeção a um termo como 'instinto' parece ser redutível à proposição de que não
é possível encontrá-lo recortando e abrindo o organismo" (pp. 440-441). Skinner (1969)
comenta que matéria é definida como o que não é mente e mente como o que não é
matéria e conclui que a palavra matéria perdeu sua utilidade. Justamente por essa razão,
o mesmo poderia ser dito da palavra mente (e se assim fosse, estaria denunciado, nesse
exato momento, o caráter absurdo da presente investigação). Contudo, como será visto
adiante, Skinner (1974,1989,1990) está sempre às voltas com a palavra mente ao passo
que a palavra matéria quase não freqüenta seus textos. Na verdade, o que está em jogo é
a possibilidade de se elaborar uma filosofia da mente diferente do mentalismo (seria,
contudo, possível construir uma filosofia da matéria diferente do materialismo?).
Skinner (1938,1945/1999,1969,1974) tenta se livrar da metafísica substancialista
que, primeiro, separa a mente do corpo e, depois, defronta-se com o problema de como
relacioná-los. Ele desconstrói o problema mente-corpo: se nem o mentalismo nem o
materialismo são verdadeiros, então não tem sentido buscar argumentos e provas para
justificar a defesa, seja de um ou de outro, e muito menos perguntar como duas substâncias,
uma mental e outra material, isoladas e independentes, se relacionam. A solução de
Skinner situa-se fora desse estilo de discurso, como será visto agora.

Behaviorismo Radical e reconstrução da relação mente-corpo

A solução de Skinner (1953) começa com sua definição de comportamento (aquela


mesma que serve para afastar o behaviorismo radical do mecanicismo e aproximá-lo de
uma leitura dialética). Nessa definição o comportamento é visto como relação fundadora,
primordial, originária e irredutível com o mundo. Nem o comportamento nem o mundo são
prévios um ao outro. Um evento do mundo (uma conseqüência ou um antecedente do
comportamento) só passa a fazer parte da história do comportamento depois que o homem
agiu no mundo: o mundo não é anterior ao comportamento. Porém, o comportamento
também não é anterior ao mundo. O comportamento é do corpo e o corpo está no mundo.
E está em um mundo que de início quase não faz parte de sua história. Com efeito, na sua
aurora, o corpo está no mundo como máquina bioquímica - o corpo que é objeto de estudo
da fisiologia - ou como repertório de comportamentos filogenéticos -, o corpo que é objeto

Sobre Comportamento e Co#niç<lo 23


de estudo da etologia (Skinner, 1990). Se o corpo não ó anterior ao mundo e o
comportamento ó do corpo, o comportamento também náo ó anterior ao mundo: ele está
no mundo. É com base na relação desse corpo "primitivo" (máquina bioquímica e ação
filogenótica) com um mundo "indiferenciado" que as contingências ontogenéticas e culturais
atuarão, forjando o corpo como ação cultural e ontogenética - o corpo que ó objeto de
estudo de uma parte da antropologia e da análise do comportamento (Skinner, 1990).
O behaviorismo radical é uma filosofia do corpo. O corpo é máquina bioquímica e
ação. O corpo como máquina bioquímica ou estrutura - ou ainda, o corpo-com-cérebro -
é o objeto de estudo da física, química, fisiologia e neurociência. O corpo como ação ou
comportamento é o objeto de estudo das ciências da variaçào e seleção: a etologia, a
análise do comportamento e uma parte da antropologia. Como filosofia do corpo, o
behaviorismo radical defende um conceito de corpo que denuncia as insuficiências do
materialismo e do mecanicismo. O materialismo e a teoria do homem como autômato só
encontram refúgio no corpo como máquina bioquímica. Como filosofia do corpo, o
behaviorismo radical sugere como é possível recuperar o conceito de corpo sem reintroduzir
sub-repticiamente a doutrina metafísica do materialismo. Será que é possível fazer algo
similar com respeito ao conceito de mente, recuperá-lo sem reintroduzir pela porta dos
fundos a doutrina metafísica do mentalismo?
A nomenclatura mental não está necessariamente vinculada ao esquema conceituai
da metafísica mentalista. Ela pode referir-se a outros esquemas. Skinner (1945/1999), no
seu texto A Análise Operacional de Termos Psicológicos, mostrou muito bem como é
possível preservar a nomenclatura mental com outra referência conceituai e desde então
dedicou grande parte de sua obra ao exame dos usos dos termos mentais. Um eventual e
grave equívoco que deve ser afastado de imediato ó pensar que o behaviorismo radical ao
rejeitar o mentalismo aproveita e joga fora também a nomenclatura mental (note bem: o
título do artigo de 1945/1999 denuncia claramente essa falácia).
Qualquer possibilidade de recuperar um sentido para o conceito de mente no
behaviorismo radical pressupõe a investigação dos fenômenos nomeados pelo termo mente
no nível do corpo. Esse pressuposto, que é de ordem metafísica, orienta este programa de
pesquisa sobre a mente no behaviorismo radical: Primeiro: "Para compreender o que mente
significa devemos primeiro pesquisar percepção, idéia, sentimento, intenção (...) podemos
ver como a palavra é usada e o que as pessoas parecem estar dizendo quando a usam"
(Skinner, 1989, pp. 22-23). Mente é o nome dos usos que as pessoas fazem da
nomenclatura mental. Isso quer dizer que depois de se fazer um estudo dessa natureza
não se deve perguntar: E a mente, o que é? Porque mente refere-se precisamente aos
usos da terminologia mental. Segundo: Os usos desses termos devem ser investigados
em suas referências a fenômenos do corpo como ação ou comportamento, irredutíveis,
portanto, ao materialismo e mecanicismo, porque essas doutrinas filosóficas só explicam
os fenômenos do corpo como estrutura ou máquina bioquímica. Terceiro: A análise dos
usos da nomenclatura mental deve ser realizada com base nos conceitos da ciência do
comportamento. Quarto: O uso dos termos dessa nomenclatura é verbal e por isso é no
nível do comportamento verbal, que precisam ser investigados. Finalmente: A análise
desses usos é indeterminada, ó receptiva aos usos das mais diversas comunidades verbais.
Em sua análise da nomenclatura mental, Skinner (1945/1999, 1974, 1989)
freqüentemente refere-se á dificuldade de acessar eventos privados, especialmente no
caso de sentimentos e emoções. Porém, como eventos privados existem na dependência

24 José A nlò nio Pam áíio A b ib


de eventos públicos, a análise do uso de termos mentais processa-se com base em
eventos públicos. Os eventos privados permanecem ou como um indicador de dificuldades
para a investigação (normais nos procedimentos científicos inferenciais ou de observação
indireta); ou como um pseudo-problema, se forem desvinculados dos eventos públicos
(um procedimento inaceitável para Skinner) - e isso na exata medida em que se pode
perguntar qual é a importância para a análise do comportamento de se pensar na existência
de eventos privados, que de todo modo escapariam à relação comportamento-mundo.
Talvez essa objeção fique mais clara se for formulada para eventos públicos. Com efeito,
de que serviria à análise do comportamento pensar na existência de eventos públicos, que
de todo modo se furtariam á relação comportamento-mundo? O procedimento é absurdo,
não só porque pensar na existência de eventos privados ou públicos já pressupõe a relação
comportamento-mundo, mas também por isto: o que poderia significar pensar em eventos
públicos que de todo modo se esquivariam à essa relação? Há ainda o risco de retorno ao
dualismo, travestido nesse momento de duas realidades meramente pensadas, uma objetiva
e incognoscível e outra subjetiva e incomunicável.
As análises de Skinner (1968,1974,1989) relativas a sentimentos e emoções-
como amor, ansiedade e medo - e ao pensamento são basicamente centradas nos
conceitos da ciência do comportamento e nos eventos públicos. Tome-se brevemente o
caso do pensamento como exemplo. O procedimento de análise de Skinner (1968,1974)
é perguntar pelos usos desse termo para em seguida submetê-los à uma análise
comportamental. Nessa análise, o pensamento é definido como comportamento aberto ou
encoberto e também como precorrente para a solução de problemas. Para descrevê-lo
como com portamento precorrente, Skinner analisa conceitos mentais como
intencionalidade, atenção, percepção, deliberação, consciência, pensamento produtivo,
dedutivo e indutivo, memória, criatividade, liberdade, originalidade e heurística. Apesar da
complexidade de sua análise, ele não fecha a questão, não a apresenta como uma descrição
definitiva da atividade de pensar. Porque ó possível que ainda existam outros usos do
termo pensamento que necessitem ser submetidos à uma análise do comportamento, por
exemplo, o pensamento concreto com imagens, o pensamento alegórico e as metáforas.
Em sua análise do pensamento, Skinner (1968, 1974) procura identificar as
contingências de reforço que operam na aprendizagem dessa atividade. Na memória e na
criatividade, por exemplo, vigoram contingências que fortalecem aprender a aprender e a
variabilidade de comportamentos. Se as contingências fortalecem meramente a reprodução
de comportamentos e são inoperantes para fortalecer aprender a aprender, as atividades
de memorizar, criar e, conseqüentemente, pensar ficarão prejudicadas. É perfeitamente
plausível dizer que uma pessoa não pensa ou pensa muito pouco se o seu comportamento
for fortemente marcado pela repetição e monotonia bem como pela incapacidade de recorrer
a expedientes que demonstrem que ela aprendeu a aprender. Memorizar, criar e pensar
são atividades, ações, são comportamentos que podem estar ou não presentes em função
das contingências de reforçamento que estiverem em vigor.
Essa conclusão ó de máxima importância. É com ela que se torna possível
esclarecer esta afirmação: Mente ó comportamento, mas não se reduz a comportamento.
Nem todo comportamento indica a presença de fenômenos mentais, nem todo
comportamento é mental. Um comportamento marcado pela ausência das contingências
que modelam e reforçam a atividade de pensar é um comportamento sem pensamento,
sem mente, no sentido aqui tratado, em que pensamento é mente. É possível que, em

‘«obro Comportamento c Coftni(Ao 25


última análise, os comportamentos mais simples se refiram aos fenômenos mentais mais
simples, um complicador para a tese de que nem todo comportamento é mental. Mas
ainda aqui seria possível apontar para o repertório comportamental filogenético, reflexos
incondicionados e instintos, como comportamentos sem mente (o que diriam os etólogos?).
O que está em discussão é o seguinte: É possível interpretar a mente como comportamento
sem, contudo, reduzi-la ao comportamento? Ou ainda, é possível encontrar critérios para
dizer ‘este comportamento é mental’ e 'este comportamento não ó mental'?
De certo modo, essa questão não é nova na psicologia. Por ocasião da constituição
do projeto da psicologia científica no final do século XIX, ela foi investigada com os conceitos
de automatismo e inteligência (James, 1890/1950). Segundo James, ações mentais são
ações inteligentes; ações automáticas como reflexos, instintos e até mesmo hábitos não
são ações inteligentes e, conseqüentemente, não são ações mentais. Mais tarde, com
sua teoria comportamental da mente, Ryle (1949/1980) argumentou que ações devidas ao
exercício (drill), como os hábitos, não são mentais, elas não revelam inteligência. De
modo ainda mais surpreendente, Kõhler( 1929/1970) argumentou que não é no hábito, na
associação e na evocação (na aprendizagem e na memória, portanto) que se encontram
com mais exatidão e clareza os critérios da vida mental. Esses critérios verificam*se no
agir com discernimento (insighf) ou nas relações compreensivas, na compreensão
(verstàndlicherZusammenhàng). Skinner (1990), ao comentar o que distingue o homem
de outras espécies, afirma: "A presença ou ausência de “consciência" ou “inteligência
consciente" é mais provável de ser citada" (p. 207). Skinner adota como critério para
distinguir o homem de outras espécies o controle operante da musculatura vocal e destaca
a importância fundamental do estudo do comportamento verbal para a análise da
consciência, o que tecnicamente pode ser feito com o conceito de autotacto (self-tact)
(Skinner, 1957).
O critério de Skinner é importante. Porque, depois de Pavlov (1927/1960) resta
realmente muito pouco de automatismos não~mentais (talvez efetivamente só reflexos
incondicionados e instintos). E depois de Kõhler (1925/1978), muito da inteligência humana
parece ser compartilhada com seus chimpanzés. A investigação do comportamento verbal
surge assim como critério mais adequado para a pesquisa dos fenômenos mentais e para
estabelecer melhor a diferença entre pessoas e animais (cabe lembrar neste momento
que Skinner (1968,1974) investiga o conceito de pensamento, examinando seus diversos
usos verbais. Um deles é o de pensamento produtivo - um conceito elaborado pelo psicólogo
da Forma (Gesta/t) Max Wertheimer que Skinner toma como um exemplo de
comportamento verbal e submete à uma análise comportamental). Em suma, no nível do
comportamento não verbal, a demarcação entre comportamento mental e comportamento
não mental parece encontrar seu limite inferior nos reflexos incondicionados, instintos e
hábitos, ao passo que no nível do comportamento verbal essa demarcação encontra seu
limite superior na consciência verbal (as expressões comportamento mental e
comportamento não mental são inusitadas e podem parecer estranhas. O mesmo não
ocorre com ação mental e ação não mental, que já se encontram em James (1890/1950).
Skinner (1968,1974) usa o termo ação no mesmo sentido de comportamento operante.
Portanto, comportamento mental é ação mental)
Reconstruída como comportamento e corpo, a mente mantém com o mundo uma
relação tão fechada e indissociável como o corpo e o comportamento mantêm com esse
mesmo mundo. Logo no início dessa reconstrução, foi dito que o pressuposto da mente

26 )osé A ntônio Pamáílo A b ib


como fenômenos do corpo ó de ordem metafísica. Mais esclarecido agora, significa que a
relação mente-corpo é uma relação real, é uma realidade, existe. Na verdade, é a primeira
realidade. Separar mente e corpo é uma operação do pensamento, ó uma abstração. Dal,
faz-se esta passagem sutil: afirma-se a realidade da separação. Como substâncias
realmente separadas, surge, então, o problema de como relacioná-las, o problema de
como estabelecer entre elas vínculos causais. Aparece o problema da causalidade, o
problema levantado por Hume (1740/1975,1748/1972), o de que não é possível apresentar
justificativa lógica ou empírica para defender a existência de vínculos necessários e
suficientes entre entidades e eventos independentes e isolados.
Da perspectiva de uma metafísica relacionai, o problema da causalidade
desaparece. No caso do behaviorismo radical, não cabe, por exemplo, perguntar se eventos
privados causam ou não eventos públicos como o comportamento. Em uma metafísica
relacionai o que existe são redes de relações mais ou menos simples ou mais ou menos
complexas e no caso do behaviorismo radical as teias de relações mais complexas são
caracterizadas pela presença do pensamento e da consciência. Agora, se o conhecimento
da mente, do sujeito (self) e dos eventos privados passa pelo estudo dessas teias e redes
de relações mais complexas, então é de máxima importância estudar o comportamento
verbal, o pensamento, e a consciência.

Desconstrução do real

Com a crítica à metafísica substancialista e com a conseqüente desconstrução


do problema mente-corpo e orientação para uma metafísica relacionai, Skinner (1953,
1957,1969,1974,1989) dessubstancializa a mente e o real. Com a dessubstancialização
da mente, recupera o corpo e o mundo como texto. É o retorno do reprimido: o corpo
reprimido pela mente angelical e o mundo terrestre reprimido pelo mundo celeste. É,
portanto, o fim do rebaixamento do comportamento com relação á mente. A
dessubstancialização da mente é uma tese límpida no behaviorismo radical porque ela
significa fundamentalmente a crítica ácida de Skinner (1945/1999,1969,1974,1989) ao
mentalismo (a história do mentalismo é longa e complexa). Alcança o projeto da psicologia
científica bem como a psicologia cognitiva recente (James, 1890/1950; Wundt, 1911,
1913; Skinner, 1989) e só é examinada, aqui, em seus primórdios, e ainda assim
brevemente.
A tese de dessubstancialização do real não é tão transparente. O problema é
novamente o fisicalismo. Como já foi visto, fisicalismo não significa materialismo no
behaviorismo radical. Entretanto, isso não quer dizer que seja impossível defender a
realidade física do "mundo externo" e suspender juízos sobre a sua natureza última. Skinner
(1938,1969) ó precisamente um pensador que desvincula o fisicalismo do materialismo,
ao mesmo tempo em que parece defender a realidade física do "mundo externo". Por
exemplo, é possível encontrar em seu texto expressões como “nós operamos em um
mundo - o mundo da física" (1953, p. 139), e logo antes escreve:"... não temos razão para
argumentar que nossa resposta visual original não foi ao objeto "como ele realmente é"
["as it really is']” (p. 139). Na verdade, a defesa que Skinner faz do fisicalismo é ampla,
porque, como também já foi visto, atinge o “mundo interno" quando, vale repetir, escreve:
"Minha dor de dente é exatamente tão física como minha máquina de escrever" (1945/

Sobre Comportamento e Cognição 27


1999, p. 430). Vinculado ou não ao materialismo, o fisicalismo é uma doutrina ontológica
e epistemológica, e o behaviorismo radical seria ontologicamente solidário com o fisicalismo-
menos-materialismo. Em suma, a natureza do "mundo externo" e do "mundo interno” seria
física sem ser material.
Isso ó realismo. É realismo fisicalista. E ó indefensável. Uma leitura realista-
fisicalista do behaviorismo radical não faz justiça ao texto de Skinner (1945/1999,1953,
1974.1989) e não tem condições de fundamentar filosoficamente o comportamento como
um assunto psicológico. Skinner não está argumentando que conceitos e leis
comportamentais são redutlveis a conceitos físicos e deriváveis de leis físicas. Caso
contrário, não redigiria: “O que ele [o fisiólogo] descobre não pode invalidar as leis de uma
ciência do comportamento" (1974, p. 215). Nem argumentaria que, mesmo se o fisiólogo
for bem sucedido em sua tarefa de trazer a público eventos privados, ainda assim "o
problema da privacidade não pode ser completamente resolvido pela invasão instrumental
do organismo” (1957, p. 130). Porque "permanece o fato de que no episódio verbal normal
eles [os eventos] são absolutamente privados. Temos ainda de responder uma ampla
questão, onde a questão científica pode ser considerada como um caso especial” (1957,
p. 130). Sua argumentação é epistemológica. Seu fisicalismo é epistemológico, e assim
como não há vinculaçâo lógica entre fisicalismo epistemológico e materialismo também
não há entre fisicalismo epistemológico e fisicalismo ontológico.
Como evidência inicial para essa ilação, ó importante ressaltar mais as aspas da
expressão "as it really is" (as aspas são de Skinner) do que a expressão propriamente
dita. Essas aspas, ou indicam dúvidas e até mesmo incredulidade quanto á possibilidade
de conhecer o mundo como ele realmente é (um mundo que Kant (1781/1985) chamou de
númeno ou coisa em si), ou incerteza referente á sua efetiva existência.
A evidência mais importante é a definição funcional de estímulo, que Skinner
(1953) denomina de estímulo interpretado {o termo interpretado também vem entre aspas
como alerta, nessa caso, contra o mentalismo). Longe de uma ontologia fisicalista (que
só pode apoiar uma definição fisicalista de estímulo e jamais uma definição funcional),
Skinner define estímulo interpretado quando examina o conceito de controle de estímulos.
Seu interesse é desconstruir a dualidade experiência-realidade que aparece no campo da
percepção. Seu argumento é que essa dualidade pode ser interpretada em termos de
controle de estímulos, onde se verificam relações comportamentais distintas e onde não
faz o mínimo sentido dizer que a relação é, em um caso, com a realidade e, em outro, com
a experiência. O que está em jogo ó o controle funcional de estímulos ou o estímulo
interpretado. Convém notar que a história da Psicologia registra a existência de uma
tensão na definição de estímulo. Por exemplo, Guillaume (1979) escreve: "A palavra estímulo
é freqüentemente empregada de modo equívoco para designar indiferentemente os objetos
eles mesmos e as ações que exercem sobre os orgàos receptores" (p. 56, grifo meu). No
behaviorismo radical, a definição fisicalista de estímulo pode ser compatibilizada com o
conceito de estímulo interpretado se e somente se for apenas epistemológica.
Finalmente, contra a realidade do “mundo externo" e do "murido interno", está a
desreferencialização do real que Skinner (1957) opera no estudo da linguagem. Ele defende
a pragmática da linguagem e critica a sintaxe e a semântica. Não aceita as teorias
tradicionais da semântica onde a linguagem ou é um instrumento para expressar idéias
pré-existentes ou refere-se a um mundo externo cuja existência é também anterior à
linguagem. E mais, no debate nominalismo-realismo, o behaviorismo radical aproxima-se

28 losé A ntônio D.imásio A b ib


do nominalismo, especialmente quando o nominalismo ó combinado com o estudo
experimental de caso único (Zuriff, 1980;Chiesa, 1994; Abib, 1999).
Em suma, da perspectiva do behaviorismo radical, é possível dessubstancializar
o real com base nos conceitos de estimulo interpretado (na área de controle de estímulos)
e desreferencialização do real (no estudo da linguagem), bem como com fundamento na
desconstrução da dualidade experiôncia-realidade (no campo da percepção) e no
alinhamento com o nominalismo (no debate filosófico nominalismo-realismo).
Uma confusão conceituai que tome o fisicalismo epistemológico como fisicalismo
ontológico na leitura da obra de Skinner pode conduzir à misteriosa ilação de que o
behaviorismo radical é solidário com uma ontologia fisicalista não materialista. Com essa
tese, a próxima questão a ser levantada seria esta: o que é um mundo físico não material?
Talvez por causa da dificuldade de responder a essa pergunta, o fisicalismo seja identificado
com o materialismo e Skinner tenha sido identificado freqüentemente com essa última
doutrina (Kvale, 1967; Bunge, 1979; Creel, 1980).
O fisicalismo epistemológico do behaviorismo radical só se deixa revelar
com uma investigação arqueológica, uma investigação da origem fundadora de uma obra
ou de um projeto, com condições de revelar sua origem como sentido e finalidade. Esse
conceito de Kant (1790/1993, parágrafos 80 e 81) diferencia origem arqueológica de origem
histórica, que é apenas cronológica e temporal. Confere ao conceito de origem um sentido
filosófico e demonstra as insuficiências de uma pesquisa histórica sem diretrizes filosóficas.
Alguns equívocos de uma leitura histórica do behaviorismo radical já foram demonstrados.
Por exemplo, o de confundi-lo com o behaviorismo metodológico e o de que ó solidário
com a metafísica do mecanicismo, alimentando, assim, uma psicologia estímulo-resposta
(Abib, 1985, 1997; Smith, 1986; Chiesa, 1994). É uma leitura arqueológica do texto de
Skinner que legitima o fisicalismo epistemológico porque é esse fisicalismo que é coerente
com o sentido e a finalidade do projeto filosófico de Skinner - é coerente com a
dessubstancialização do real e, portanto, com o conceito de estímulo interpretado. E ó
esse conceito que constitui a condição de possibilidade do comportamento ser o assunto
da psicologia - e é ele ainda que dá razão a Skinner dizer que as leis de uma ciência do
comportamento não podem ser invalidadas por descobertas fisiológicas. O que vale repetir:
os conceitos e leis do comportamento não podem ser reduzidos a conceitos físicos nem
derivadas de leis físicas.
O fisicalismo ontológico não pode ser compatibilizado com o conceito de
estímulo interpretado porque a definição fisicalista ontológica de estímulo não é coerente
com o conceito de estímulo interpretado (cabe lembrar: a definição fisicalista epistemológica
de estímulo é coerente com o conceito de estímulo interpretado). A definição fisicalista
ontológica atribui uma realidade física ao estímulo público - seu passaporte para entrar
no mundo externo e passar a pertencer a esse mundo. O estímulo torna-se exterior ao
comportamento. Essa ontologização atinge também o estímulo privado - seu passaporte
para entrar no mundo interno e passar a pertencer a esse mundo. Mais uma vez o estimulo
torna-se exterior ao comportamento. Essa exterioridade ó recíproca: o comportamento
torna-se também exterior aos estímulos, em ambos os casos.
Essas operações ontológicas fazem extricável o que não é. É como se para
analisar as distinções que podem ser verificadas entre estímulos e respostas houvesse
obrigatoriamente a necessidade de decompô-los, fragmentá-los, atomizá-los, separá-los.

Sobre Comportamento c Coflniv<lo 29


Isso não é verdade. Uma relação é uma unidade de análise complexa e nesse sentido é
uma totalidade inextricável de objetos e eventos ou propriedades de objetos ou eventos,
com qualidades distintas, que podem ser descritas em relação, e cuja descrição constitui
sua análise. Análise como decomposição e separação é um conceito cartesiano. Foi
adotado pelo empirismo inglês e criticado por James (1890/1950) na sua descrição do
pensamento como fluxo. Kòhler (1929/1970) na sua descrição das Formas (Gestalten)
também não o poupou. James e Kòhler defenderam o conceito de análise como descrição.
Conseqüência inevitável dofisicalismo ontológico e do conceito de estimulo como
evento físico ontologizado, bem como da análise como decomposição, a exterioridade
entre comportamento e estímulos é suicida para o behaviorismo radical. Essa exterioridade
requer princípios de ligação e liqüida com a natureza fundadora da relação entre
comportamento o mundo, Primordial torna-se agora o estímulo e a resposta. São eles que
serão submetidos à análise e que depois serão ligados de acordo, ou com princípios
empiristas de associacão, ou com princípios intelectualistas do mentalismo. Ou ainda,
com os princípios do cognitivismo mais recente baseados na metáfora computacional da
mente. Recupera-se em todos esses casos a metafísica do mecanicismo, exatamente o
que o behaviorismo radical não é. A relação comportamento-mundo adquire então um
caráter derivado e secundário, precisamente o que o behaviorismo radical não é. (Em
outro contexto e com outra terminologia, James (1890/1950), no seu capítulo sobre o fluxo
do pensamento, condenou duramente o atomismo no pensamento filosófico e seus reflexos
na psicologia quando criticou o empirismo de Hume e o intelectualismo de Kant).
Encerrada no círculo vicioso de ser apoiada e de apoiar os conceitos de "mundo
externo" e "mundo interno", essa exterioridade orienta interpretações externalistas do
behaviorismo radical. Com esses pressupostos, é lógico pensar que se o behaviorismo
radical não ó um internalismo, um mentalismo ou um fisiologismo, ou ainda um mentalismo-
com-fisiologismo (como Skinner ( 1950) demonstrou exaustivamente que não é), então é
um externalismo. Nesse estilo de pensamento, opera uma lógica apoiada no princípio do
terceiro excluído ou uma lógica disjuntiva, que só admitem o valor de verdade de A ou B,
Porém, A e B podem ser falsos. Skinner (1957) contribui para interpretações externalistas
quando escreve "eventos internos" (p. 130), "condição interna" e "estados internos" (p. 132)
e, o que é pior, “natureza física de eventos privados" (p. 130, grifo meu). Essa última
expressão aponta na direção de um fisicalismo ontológico no behaviorismo radical, um
ponto que uma análise histórica do texto de Skinner certamente não deixará escapar, mas
que, da perspectiva da análise arqueológica adotada aqui, é insustentável.

Conclusão

O behaviorismo radical contém uma ambigüidade que oscila do fisicalismo


ontológico à dessubstancialização do real - reclamando, naturalmente, uma deliberação
teórica. Em princípio existem duas escolhas. Ou se delibera por manter essa ambigüidade
ou se decide pela onipresença do fisicalismo ontológico. Essa última decisão inviabiliza
irremediavelmente o projeto constitutivo do behaviorismo radical e a ciência do
comportamento; e a primeira o fragiliza diante da critica. Existe, porém, uma terceira
possibilidade que é a de radicalizá-lo. Da perspectiva da análise arqueológica assumida
aqui, o fisicalismo ontológico é estranho ao behaviorismo radical. Logo, não há alternativa

30 fosí Anlónio Diimásio Abib


a não ser radicalizá-lo e eliminar de seu corpo teórico o fisicalismo ontológico e de seu
vocabulário os termos comprometidos com essa ontologia.
O behaviorismo radical não é nem um internalismo nem um externalismo. É um
descritivismo que encontra seu fundamento filosófico na filosofia descritivista da ciôncia e
na ontologia do pragmatismo e contextualismo filosóficos (Pepper, 1942/1970; Morris,
1988; Abib, 1997). A relação entre comportamento e mundo é interna. Mas o sentido do
termo interno opõe-se ao conceito de exterioridade e não deve ser confundido com o uso
de interno em expressões com o"mundo interno" e internalismo. Portanto, o conceito de
análise no behaviorismo radical significa descrição. Não significa decomposição. Nesse
sentido, o conceito de análise no behaviorismo radical tem mais afinidades com as
psicologias dinâmicas de James (1890/1950) e Kòhler (1929/1970) do que com psicologias
mecanicistas fundamentadas no behaviorismo - por exemplo, as de Watson (1930) e Hull
(1943).
Encontra-se no behaviorismo radical a distinção entre eventos públicos e privados.
É possível assumir uma posição moderada ou radical com respeito a essa distinção. A
primeira é compatível com o descritivismo filosófico e, conseqüentemente, com o
behaviorismo radical pois escapa à lógica disjuntiva e não encerra nem dualidade nem
descontinuidade. Eventos públicos referem-se á observação direta e eventos privados á
observação indireta ou à inferência. Não existe observação pura ou direta porque observar
ó uma atividade que envolve conceitos e teorias (Chalmers, 1976/1995; Abib, 1997). Não
há descontinuidade ou dualidade entre observação direta e indireta e qualquer demarcação
rígida entre elas deve ser atenuada. O descritivismo refere-se á descrição de observações
diretas ou indiretas e, sendo assim, abriga os conceitos de eventos públicos e privados.
Mas não admite a dualidade e descontinuidade que se verificam nos conceitos de
externalismo e internalismo. Se o leitor externalista ficar com saudades do realismo,
resta-lhe o consolo de se solidarizar com o realismo empírico, um realismo que suporta o
conceito de realidade como relação direta ou indireta com as coisas, mas que, como é de
natureza epistemológica e compatível com o descritivismo, não tem compromisso com
realismos transcendentes, fisicalista ou materialista e, conseqüentemente, não dá guarida
aos conceitos de "mundo externo” e externalismo (Schlick, 1932-33/1965; Abib, 1982).
O behaviorismo radical não escapa a uma segunda radicalização: a de abandonar
a distinção entre eventos públicos e privados. Com efeito, essa distinção é mais uma
conseqüência do fisicalismo ontológico. No behaviorismo radical, o fisicalismo ontológico
identifica “mundo externo" ao público e "mundo interno" ao privado. É precisamento por
isso que Skinner (1957) utiliza os termos"eventos internos","condição interna", “estados
internos" no sentido de eventos privados; e "estímulos externos" na acepção de eventos
públicos. Aprisionados nas malhas do fisicalismo ontológico, figurado pelos conceitos de
"mundo externo" e "mundo interno", os eventos públicos e privados tornam-se exteriores
ao comportamento. E essa exterioridade inviabiliza mais uma vez o projeto constitutivo do
behaviorismo radical, agora por causa disto: os eventos privados tornam-se objetos de
investigação da fisiologia. Com efeito, reintroduz-se uma "referência externa" ao
comportamento. Não na acepção em que eventos privados pertenceriam ao "mundo externo",
mas no sentido de serem exteriores ao comportamento.
Essa radicalização contribui para desvelar o projeto constitutivo do behaviorismo
radical como filosofia da mente. As análises de Skinner (1968, 1974, 1989. 1990) de
fenômenos mentais como emoção e pensamento são realizadas com base em

Sobre Comportamento e Coflniç.lo 31


contingências e eventos públicos e, como foi mostrado anteriormente, é com esse tipo de
análise que se pode verificar um volume maior ou menor de pensamento no comportamento.
É também com uma análise dessa natureza que é possível demonstrar como o
comportamento verbal diferencia pessoas de animais. Verificam-se nesse ponto mais
afinidades entre Skinner, James (1890/1950) e Kóhler (1929/1970). James e Kòhler buscaram
a marca distintiva da mente na ação, James na ação inteligente, e Kõhler no agir com
discernimento. Ademais, Kòhler é quase que completamente incrédulo quanto à
necessidade de recorrer a procedimentos indiretos para observar a mente. Simplesmente,
mente é açao mental (James), ó agir com discernimento (Kõhler), é comportar-se pensando
(Skinner), é comportar-se verbalmente (Skinner). Existem, portanto, a ação não-mental, o
agir sem discernimento, o comportar-se sem pensamento. Mente é ação, comportamento,
mas nem toda ação ou comportamento é mental. O conceito de comportamento é mais
amplo do que o de mente. A mente é imanente ao comportamento. Isso quer dizer que a
mente existe e está presente no comportamento bem como dele não se separa.
Conseqüentemente, habita o nosso humano mundo contidiano e é passível de ser analisada
(descrita) como presença pública.
Como filosofia da mente, o behaviorismo radical ô um fisicalismo epistemológico
compatível com uma ontologia relacionai. É uma filosofia cravada antes do problema mente-
corpo e com o qual não tem qualquer afinidade. É uma ontologia em que o comportamento
e o corpo, a mente e o mundo são distintos mas inextricáveis, revelando semelhanças
com a tese cartesiana da união substancial real da alma com o corpo (Descartes, 1641/
1979,1643/1979,1649/1979). Neste momento, o leitor pode perguntar; ‘Se o behaviorismo
radical ó uma ontologia, o que existe, então?’ Acostumado a ouvir, mente ou corpo,
certamente estranhará esta resposta: ‘Existe o comportamento’. Ao ouvi-la, provavelmente
insistirá com mais esta pergunta: ’E a mente?’ 'A mente?’ 'A mente é imanente ao
comportamento.’

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Sobre Com poilumcnlo c Cognifdo 35


Capítulo 4

Regras e aprendizagem por contingência:


sempre e em todo lugar

Sôniâ dos Santos C'astanheira


f .H u /d id c dc h h so fU i c Ciânctos / / u/ u j / m s </./ UhMQ

Skinner (1960) afirma que aprendemos através de descrições verbais de contingências (regras) e/ou através do contato
direto com as mesmas, isto é, sofrendo as conseqüências, positivas ou nêo, na própria pele Ambos os tipos do comportamentos
sflo plausíveis, naturais e eficazes. Ambos demonstram conhecimento das contingências e podem ter topografias similares
Mas, como sâo adquiridos por métodos de aprendizagem diferontes, estAo sob tipos distintos de controle de estímulos e sflo,
portanto, operantes distintos E, por isto, os indivíduos passam a responder ao ambiente de forma diferente. Este trabalho
pretende: 1- aprosentar e definir os comportamentos que constituem as aprendizagens por regras e por contingências; 2-
salientar as diferenças mais significativas entre estas duas formas de aprendizagem; 3- mostrar porque o uso das regras
vem, com mais freqüência, substituindo o aprender fazendo e apontar as vantagens de se combinar estas duas formas
complementares de aprender. Formular e seguir regras sâo duas das atividades mais Importantes na vida e cultura humanas
mas nAo substituem, nunca, as sutilezas de um contato direto com as contingências.
Palavras-chave • comportamento governado por regras, comportamento modelado por contingências, aprendizagom

Skinner (1966) says that we learn through verbal descriptlons of contingencies (rules) and/or through direct contact with lhem,
that is, takmg the consequences, positive or not, ‘ on one s own skln" Both types of behavior are reasonable, natural and
effective Both of them show the contingencies knowledge and they may have similar topographies. But, as they are
acqulred through different methods of learnlng, they are under different types of stlmuli control and, thorefore, they are
considered distlnct oparants And for that, people respond differently to the environment The purpose of thls study is: 1- to
show and define these behaviors that constttute the learning through rules or by contingencies; 2- to emphas/ze tho friosI
slgnlficant dlfferencos between this two forms of learnlng; 3- to polnt out why the use of rules has more frequently replaced
learnlng by doing and 4- point out the gains in combinlng these two complementary forms of learnlng. Formulating and
followmg rules are two of the most important activities in human life and culture but this does not substltute, ever, the
subtleness of a direct contact with the contingencies.
Kay worda: rule-governed behavior, contingency-modeling behavior, learning

Qual ó a origem de um novo comportamento? Como são criadas as respostas em


nosso repertório? Qual a melhor forma de ensinar e de aprender? Esse assunto tem sido
discutido com muita freqüência e a literatura que aborda o tema descreve diferentes tipos
de processos de aprendizagem que explicam como se adquire um novo comportamento e
como o velho pode ser modificado: a modelação, o uso de estímulos facilitadores (prompts),
a modelagem por contingências (aprendizagem por experiência direta) e o uso de regras.
Baldwin e Baldwin( 1986) afirmam que, na maioria das vezes, estes processos se entrelaçam
em várias combinações, na vida cotidiana, mostrando que há vantagens em se aliar mais
de uma forma de aprendizagem na aquisição de um novo comportamento.
A literatura de Skinner (1966/1980) tem nos mostrado que nosso comportamento
pode se originar de duas fontes: na primeira, nós temos contato direto com as contingências,

36 Sônia dos Santos Castanhcira


isto é, emitimos a resposta e sofremos as conseqüências, positivas ou não, na própria
pele. Dá-se a este comportamento o nome de comportamento governado por contingências
ou aprendizagem por experiência direta. "Fazemos o que fazemos por causa do que se
segue quando o fazemos". Na segunda, aprendemos através de descrições verbais das
contingências.Tais descrições, Skinner passou a denominar de regras, que regulam e
discriminam os comportamentos apropriados. Neste tipo de aprendizagem, nós não
vivenciamos as contingências no passado mas seguimos o conselho ou uma regra ditada
por alguém. Skinner diz que este é um comportamento governado por regras.
Cerutti (1989) aponta as semelhanças entre os dois: o comportamento governado
por regras se baseia no comportamento modelado por contingências e pode ser modificado
alterando-se seus antecedentes, seus conseqüentes, ou ambos. O comportamento
governado pela contingência ó modificado apenas pelas conseqüências especificadas
pelas contingências-não-verbalizadas, de reforço e punição, relativamente imediatas, que
não dependem de ouvir ou ler uma regra. São comportamentos diferentes, mas, em última
instância, também modelados pelas suas conseqüências.
Como nos últimos dez anos tem aumentado o interesse dos analistas do
comportamento no estudo das regras no controle do comportamento dos indivíduos, este
trabalho pretende: apresentar e definir os comportamentos que constituem a aprendizagem
por regras e por experiência direta (controle por contingências); salientar as diferenças
mais significativas entre estas duas formas de aprendizagem; mostrar que, na aprendizagem
de repertórios novos, temos, com mais freqüência, usado das regras para substituir o
contato mais direto com as contingências - o chamado "aprender fazendo" - e apontar as
vantagens de se combinar estas duas formas de aprender.
Para definir e explicar essas aprendizagens, começamos por identificar as variáveis
ambientais das quais o comportamento em estudo é função. O primeiro conceito a ser
definido é o de contingência. Em seguida, o de regra, auto-regra, ordem, conselho e
instrução.

Contingência e regra

Contingência significa, na análise do comportamento, qualquer relação de


dependência entre eventos ambientais ou entre eventos comportamentais e ambientais
(Skinner, 1966/1980). Catania (1998/1999) considera contingência como um termo técnico
que enfatiza como a probabilidade de um evento pode ser afetada ou causada por outros
eventos.
Como sujeitos verbais, observamos que grande parte de nosso repertório
comportamental não é adquirido através de uma longa exposição às contingências de
reforço ou punição, mas sim, através de descrições verbais, apresentadas como regras,
que especificam essas contingências. Hübner (1999) afirma que a criação de regras é
parte de nossa condição de sujeitos falantes e, por isto, o poder das regras pode ser bem
grande e até sobrepor-se às contingências.
A aquisição do comportamento verbal tornou os homens capazes de dizer uns
aos outros o que fazer e o que dizer, sob determinadas condições, para que ocorram
certas alterações no ambiente em que vivem (Nico,1999).

Sobre Comport.imrnto c CoRnlçJo 37


Em conseqüência, surgiram as Regras, guias codificados verbalmente (instruções,
sugestões, conselhos, dicas e indicações) que ensinam formas de lidar com certas
situações e influenciam nossos comportamentos (Baldwin & Baldwin,1986). Como descrição
verbal de uma contingência, é importante que a regra especifique: a resposta que se quer
emitida, a conseqüência e o estímulo discriminativo em cuja presença a resposta produzirá
aquela conseqüência.
Na opinião de Baldwin e Baldwin (1986), o controle por regras se desenvolveu e as
pessoas tendem a impor regras, uns aos outros, porque: 1- elas fornecem uma forma
rápida de ajudar ou forçar alguém a emitir respostas que são reforçadoras para quem
apresenta a regra; 2- se formuladas de forma séria, podem ter efeito imediato onde outros
procedimentos falharam; 3~ elas facilitam e mantêm a aprendizagem, quando os reforçadores
estão longe, no futuro; quando são poucos e esparsos, ou ainda, quando os comportamentos
que seriam modelados pelas contingências em vigor são indesejáveis, de aprendizagem
mais difícil ou sofrem ameaça de punição severa. Uma grande verdade que ninguém coloca
em dúvida é que as regras resumem anos de experiência direta, que pode ser passada
para outros indivíduos com grande economia de tempo, custos e até mesmo sofrimento
inútil.
Embora o estudo sobre a importância das regras no controle do comportamento
humano tenha se iniciado na segunda metade do século XX, sabemos que regras existem
desde o início dos tempos. A Bíblia Sagrada, um dos livros mais antigos da Humanidade,
está repleta de regras ou descrições de contingências. Já no Paraíso, Deus criava a
primeira regra para Adão e Eva. O preceito dado a eles, por Deus, parece se adequar à
nossa definição de regra, pois incluía a especificação de uma perfeita contingência: indicava
o estímulo discriminativo (o fruto da ciência do bem e do mal), a resposta (comer, tocar),
e as conseqüências - muitíssimo aversivas, caso não obedecessem. (Gênesis,2;16-
17;Bíblia). Eles preferiram seguir outra, da serpente do Mal (Gênesis 3;4~5). As Escrituras
são pródigas em exemplos, alguns bem conhecidos, que envolvem o controle por regras,
que nem sempre são seguidas : os Dez Mandamentos, as Bem Aventuranças e os
Conselhos do Sermão da Montanha são alguns deles (Mateus 5,1-12 ; 21-48; 7,1-12).
Cerutti (1989), discutindo o acatamento de regras, lembra que a obediência não
ocorre sempre. Ela deve, primeiro, ser modelada pelo agente que controla e é imprescindível
uma história passada de seguir instruções. Nem sempre os agentes controladores indicam
claramente os reforçadores positivos pela obediência ou os punitivos pela não-obediência.
E a necessidade de tal indicação vai depender do controle exercido por quem controla.
Talvez isto explique porque não seguimos todas as regras às quais somos expostos
durante toda a vida, todos os dias. Para compreender o controle exercido por todas as
descrições verbais que influenciam nossos comportamentos, até os tempos atuais, é
necessário que saibamos identificar e especificar as contingências nas quais elas se
inserem.
Baldwin e Baldwin (1986) consideram que, para seguir uma regra, não é necessário,
invariavelmente, que todos os três elementos - estímulo, resposta, conseqüência - sejam
explicitados, pois a aprendizagem prévia capacita as pessoas a inferir os elementos
ausentes. Por exemplo, algumas regras descrevem apenas os SD’s relevantes e os
operantes, sem os reforçadores ("se seu cartão fícou preso no Caixa eletrônico, chame o
gerente")', outras descrevem o operante a ser emitido e o reforço subseqüente ("digite sua
senha para obter o dinheiro")’, há regras que indicam apenas o comportamento a ser

38 Sôm.i dos Santos Castanltrira


emitido ( a figura de uma enfermeira com o dedo nos lábios, na parede de um hospital,
pede para fazer silêncio no local) e outras, apontam apenas o SD (um cartaz com um
cigarro riscado ao meio, indicando ser proibido fumar no locaf).
Muitas das regras que guiam nossos comportamentos são aprendidas de outros
mas, para segui-las, são necessários como pré-requisitos: a linguagem (as regras não
têm qualquer significado para os bebês) e, também, bastante experiência anterior com o
uso de regras, que serão seguidas se houver uma história de coerência ou incoerência
entre as regras e as contingências.
Para Baum (1994/1999), formular e seguir regras talvez seja a função de
comportamento verbal mais ampla, antiga e fundamental, além de serem duas das atividades
mais importantes na vida e cultura humanas. Como as pessoas freqüentemente imitam
modelos e seguem regras, elas são, na sua maioria, formuladas, transmitidas e ensinadas
explicitamente.
Elas incluem, não só descrições de contingências, mas normas morais (não
roubarás!), instruções (diga sempre por favor e muito obrigado) e informações sobre o
ambiente (você pode precisar de uma bota neste inverno). Quanto mais relação têm com
o reforço a longo prazo, melhor; mais elas se propagam de indivíduo a indivíduo e de grupo
a grupo. As regras podem ser escritas ou faladas, variam de um lugar para outro e de uma
época para outra. Podem vir na forma de uma descrição verbal simples (o Tato, de Skinner
- “se se faz isto, então acontece aquilo") ou na forma de uma sugestão, pedido, instrução
ou demanda (o Mando.de Skinner-"agora devo fazer isto"). Neste último caso, a afirmação
geralmente implica alguma contingência comportamental adicional que sustenta a obediência
à regra; por exemplo, a aprovação social pela pessoa que fez a afirmação e que geralmente
se utiliza de estímulos especiais (na maioria, aversivos) para garantir o seu seguimento
(Malott,1988). Com as regras, a transmissão cultural de práticas sociais se dá de uma
forma particularmente rápida entre as pessoas e os seus descendentes.
As explicações tradicionais do seguimento de regras são mentalistas; fala-se de
regras como se fossem “internalizadas", como se estivessem arquivadas ou retidas em
algum espaço interno. Se há algum sentido em falar de regras como estando em algum
lugar, Baum (1999) afirma que os behavioristas as colocam no ambiente. Elas se apresentam
concretamente sob a forma de sons e sinais. Elas são estímulos (verbais) que têm
propriedades eliciadoras, estabelecedoras, reforçadoras ou discriminativas devido à sua
participação em relações arbitrárias com outros estímulos. Como resultado do
comportamento verbal, devem ser identificáveis como eventos ambientais independentes
do comportamento que elas controlam (Glem, conforme citado por Zettle, 1990).

Ordens e conselhos

As regras, às vezes, vêm em forma de ordens, conselhos, pedidos ou instruções


que também agem como estímulos discriminativos verbais e podem alterar o nosso repertório
de comportamentos. A ordem é uma regra que é fortalecida pelo reforçamento liberado
pela pessoa que a apresenta, ou seja, quando as conseqüências que mantêm a resposta
descrita na regra estão sob poder do mandante.

Sobre Comportamento c CojinlçAo 39


O conselho ó uma regra que ó reforçada pelas conseqüências naturais do
comportamento de segui-la, sem reforçamento social específico dado pela pessoa que o
estabeleceu. Baldwin e Baldwin (1986) acreditam que o conselho só é sustentado quando
ajuda a pessoa que o obedece a conseguir mais reforçadores. Como é barato e fácil de
dar, as pessoas ouvem mais conselhos do que são capazes de seguir e ficam com a difícil
tarefa de aprender a discriminar os bons dos maus conselhos. Só seguimos (ou pagamos)
bem os conselhos de especialistas, módicos, corretores, advogados e chefes, porque
eles podem indicar contingências (produzir SD's verbais) que nós não podemos
(Baum,1999).
A ordem não se confunde com o conselho porque o evento reforçador tem uma
relação extrlnseca (artificial, arbitrária) com a resposta (Guedes, 1997). Se a pessoa que
dá a ordem tem o poder de reforçar ou punir, ela provavelmente terá um efeito mais forte
sobre o comportamento dos outros que o conselho.

Instruções e auto-regras

O controle instrucional caracteriza o comportamento governado por regra, mas os


dois termos são distintos: regra sugere controle numa ampla variedade de circunstâncias
e instrução sugere restrições situacionais. Cerutti (1989) cita a imitação que pode, algumas
vezes, ser utilizada como uma forma de controle através da instrução ("observe como eu
faço isto"). Ordens são dadas, conselhos são oferecidos, leis são postas em vigor e assim
por diante. Catania (1998/1999) considera que cada um desses casos envolve o controle
instrucional.
Zettle (1990) define as auto-regras (ou autoverbalizações) como estímulos verbais
especificadores de contingências, que são produzidas pelo comportamento verbal do próprio
indivíduo a quem estas contingências se aplicam. Podem ser explícitas (abertas, públicas)
ou encobertas, ímplícítas (pensamentos).
Uma vez que o comportamento de formular auto-regras tenha sido adquirido, um
conjunto adicional de contingências pode ajudar a manter tal comportamento. Formulando-
as, o indivíduo pode reagir mais efetivamente no momento, ou mais tarde, quando o
comportamento modelado por contingências estiver enfraquecido.
Segundo Hayes e cols. (1989), há diferenças entre seguir regras feitas peíos
outros e seguir as próprias regras, porque as contingências sociais envolvidas em seguir
regras não podem operar da mesma forma quando uma pessoa ouve o seu próprio discurso.
Não ó raro o indivíduo formular para si próprio regras inadequadas, ambíguas, imprecisas,
irreais e impossíveis de seguir. Algumas vezes, as pessoas fazem autoverbalizações
descritivas de contingências identificadas na sua vida e formulam "auto-regras" que passam
a controlar seus comportamentos, muitas vezes de forma mais efetiva que as próprias
contingências. Nesse sentido, Hünziker (1997) considera que as autoverbalizações podem
influenciar nos estados de depressão e identifica o "desamparo aprendido" como um dos
exemplos de comportamento governado por auto-regra. Banaco (1997) aponta exemplos
de auto-regras que descrevem falsas contingências em um caso clínico de patologia
comportamental.

40 Sônia do* Suntos C\ist.inhcir.i


Em algumas circunstâncias (o autocontrole de algum vício), é importante o sujeito
verbalizar suas auto-regras publicamente porque, além de assumir um compromisso social,
o reforçamento arbitrário, mediado pela comunidade sócio-verbal, ó mais poderoso que as
contingências que mantêm o comportamento de segui-las. Ainda quando uma
autoverbalização, encoberta, controla um comportamento aberto, subseqüente, Costa
(2000) defende que a relação entre estes dois comportamentos funciona como nas regras,
ou seja, depende das situações às quais o indivíduo ó ou foi exposto, existindo sempre
um evento ambiental responsável pela auto-regra.

Comportamento governado por regra e comportamento modelado por


contingência (experiência direta)

Existe um histórico sobre o controle das regras no comportamento humano. Na


década de 40, Skinner escreve, pela primeira vez, sobre eventos privados e, em uma
conferência de 1947, chama o comportamento governado por regras de condicionamento
do ouvinte (Costa,2000). Em 1957, quando da publicação de seu livro Verbal Behavior,
Skinner introduz o termo comportamento verbal e, em 1965, passa a se referir ao
condicionamento do ouvinte como comportamento governado por regras.
Vinte anos mais tarde, o comportamento governado por regras ganha status,
quando Skinner (1966/1980) analisa o comportamento humano complexo e define a “
resolução de problema “ como um comportamento que também está relacionado
funcionalmente a um conjunto de contingências de reforçamento. Foi nesta época que,
num artigo teórico (Uma Análise Operante da Solução de Problemas), fez a distinção
entre comportamento governado por regras e comportamento modelado pelas contingências.
Dal emergiu uma nova classe de comportamento: via instruções ou regras, uma
pessoa pode comportar-se adequadamente diante de um novo conjunto de condições
sem ter sido exposta a elas anteriormente. Vaughn (1995) observa, então, que aquele
longo processo de modelagem por contingências, através de reforçamento diferencial, que
só é possível por causa de uma longa e complicada história de condicionamento, pode
ser, agora, desprezado.
Na realidade, os estudos e as pesquisas que envolvem o controle das regras
sobre o comportamento operante constituem, na opinião de Costa (2000), mais do que
tudo, uma preocupação bem contemporânea dos behavioristas. Mesmo concordando com
Skinner (1966/1980) de que o comportamento governado por regras constitui grande parte
de nosso repertório, reagiram às críticas dos cognitivistas aos modelos comportamentais
(considerados simplistas, limitados e incompletos). E como também estavam interessados
em analisar o comportamento verbal de seus clientes, os analistas do comportamento se
voltaram para o estudo do comportamento encoberto e do comportamento controlado por
regras como uma forma de aprendizagem mais econômica.
Como conseqüência, a década de 80 foi prodigiosa em trabalhos sobre o assunto
e estes tornaram mais claro que o comportamento, puramente modelado por contingências,
é raramente encontrado em humanos verbais.
Esta movimentação suscitou questionamentos: como as regras funcionam para
facilitar o comportamento? Por que são seguidas com tanta presteza? Será que o controle

Sobre Com portjmenlo c C'o#mí«Jo 41


do comportamento por regras resulta apenas em vantagens? Basta formular regras para
que elas controlem nossos comportamentos? E as vantagens da experiência direta? Por
que os terapeutas comportamentais estão tão empenhados em ensinar seus clientes,
como sugere Delitti (1997), a “quebrar regras e dar mais chance às contingências", ou
como propõe Banaco (1997), “duvide de toda regra que você seguir ou que alguém descrever
para você; teste-a pela exposição à contingência"? O comportamento modelado por
contingências seria mais natural, rico, variável, diferente e criativo?
Extensas discussões e estudos são desenvolvidos sobre estas questões e sobre
a distinção entre estes dois tipos de comportamento. As diferenças mais significativas
entre as duas formas de aprendizagem são vistas assim por Skinner (1966/1980) e por
Baldwin e Baldwin (1986):

Comportamento modelado por Com portam ento governado por


contingências regras
(aprendizagem por experiência direta) (a pren dizage m p o r re gras)

1. A aprendizagem é mais lenta. 1. Se usadas corretamente, as regras


produzem uma aprendizagem mais
rápida.
2. O indivíduo passa por reforçam en to 2. As regras evitam erros e conseqüências
diferencial e pode errar. aversivas.
3. O comportamento é mais variável, 3. O comportamento é emitido de forma
flexível, natural, coordenado e sutil. mais mecânica, estereotipada e rígida.
4. As conseqüências reforçadoras são 4. Os reforçadores são sociais: elogios e
lucro e prejuízo. reprimendas.
5. Há bom senso. 5. Falta bom senso.
6. O indivíduo conhece toda a história de 6. O indivíduo conhece as regras mas não
como aprendeu e tem um " sentimento" tem a "sensibilidade" para quebrá-las ou
das complexidades envolvidas, muitas não, na hora certa. As regras fazem
vezes sem consciência verbal das com que a pessoa sinta que está
causas de seu comportamento. verbalmente consciente das razões de
seu comportamento.
7. O com portam ento m odelado por 7. O comportamento controlado por regra
contingências coincide com o quase sempre compreende o "saber
conhecimento operacional e exprime o “ sobre “.
saber como
8. É mais fácil verbalizar sobre o
8. É mais difícil falar sobre como executar
comportamento. É instruído, comentado,
o comportamento; apenas se demonstra
dirigido e deliberado.
o ato.
9. O indivíduo tem um conhecimento
9. O indivíduo tem um conh e cim e n to explícito a respeito do comportamento
intuitivo, privado e tácito sobre o que
e pode torná-lo público, compartilhado.

42 Sônia dos Santos Caftanlicira


aprendeu, que é difícil de ser transmitido. É fácil transmiti-lo porque foi codificado
É baseado na experiência direta e verbalmente desde o início. Sobrevive a
quando a pessoa morre, morre também seu criador. Ainda que o conhecimento
todo o conhecimento original e pessoal público seja de segunda mão e, às
que amealhou durante toda sua vezes, grosseiro, as regras acumuladas
existência. culturalmente ajudam as pessoas a
aprender mais do que poderiam, se
usassem apenas a experiência pessoal
direta.
10. Skinner diz que esta aprendizagem é 10.Para Skinner, essa aprendizagem é
natural, afetiva e ligada ao princípio do chamada de racional, intelectual, lógica,
prazer. artificia l e ligada ao p rin cípio da
realidade.

Ambos os tipos de comportamentos sâo plausíveis, são naturais, são eficazes.


Ambos demonstram “conhecimento das contingências”, e podem ter topografias similares.
O comportamento modelado pelas suas conseqüências não é mais misterioso do que o
governado por regras. Skinner (1966/1980) diz que, como foram adquiridos por métodos
de aprendizagem diferentes, estão sob tipos distintos de controle de estímulos e são,
portanto, operantes distintos. E, por isto, os indivíduos passam a responder ao ambiente
de forma diferente.
De acordo com o mesmo autor, as pessoas que aprendem com regras têm
conhecimentos diferentes das pessoas que experimentam as contingências. Por exemplo:
“um sujeito que joga bilhar calculando os ângulos (regra), sente a correção de seus
cálculos, mas não a tacada em si. Um outro, que joga instintivamente (contingências),
sente a correção de sua força e a direção na qual a bola é tacada.” Cerutti (1989) exemplifica,
também, dizendo que fazer sexo após ler um manual é diferente de experimentá-lo após
uma interação individual socialmente experenciada; dirigir um carro ou tocar um instrumento
após ler um livro sobre direção ou estudar uma partitura é bastante diferente de fazê-lo
após meses de experiência direta. O comportamento controlado por regras não pode
captar, completamente, o refinamento do comportamento controlado diretamente pela
experiência. Apesar disso, por que seu uso é tão disseminado e seguimos regras o
tempo todo?
Para Guedes (1997) e Malott (1998), há uma importante função das regras no
controle dos comportamentos humanos, apontada por Skinner, que não pode ser
desprezada: cobrir uma "falha" do condicionamento operante (a contigüidade temporal
resposta-estímulo reforçador). Para eles, é como se nós precisássemos da liberação
imediata de algum reforço ou punição para controlar nossos comportamentos. Então,
quando essa contingência natural não provê essa liberação imediata, precisamos das
regras, sejam elas materiais, sociais ou sobrenaturais. É como se estivéssemos
programados para, o tempo todo, fugir/esquivar de punidores imediatos e buscar
reforçadores positivos imediatos.
Estamos conscientes de que vários de nossos comportamentos controlados por
regras são reforçadores para os outros e não produzem nenhum reforço perceptível imediato

Sobre Comportamento c Co#niç«lo 43


para nós. Muitas vezes, as conseqüências das quais fomos ou somos protegidos por
seguir regras já se tomaram duvidosas. E mais, se em algum momento, as conseqüências
naturais para o seguimento de regras nào aparecerem, estas respostas deixarão de ser
emitidas logo que as conseqüências arbitrárias forem retiradas (Skinner, 1966/1984).
Ainda assim, parece que aprender por regras foi, para o homem, a contingência
salvadora de sua espécie e criadora de sua cultura. Ainda quando sofremos a arbitrariedade
das conseqüências sociais na aquisição de nossos comportamentos, e mesmo quando
muitos deles só se mantêm por conta destas contingências aversivas, com todos os
efeitos colaterais deste tipo de controle, ainda assim Guedes (1997) ressalta que o controle
por regras garante a emissão de comportamentos que não ocorreriam se não houvesse a
imposição de alguém e aponta as principais vantagens para se explicar a inclusão deste
comportamento em nosso repertório: sem regras, seriamos muito lerdos e devagar na
vida; não estarlamos usufruindo dos conhecimentos e das contingências vividas pelos
outros; não teríamos conhecimento acumulado e tudo seria sempre redescoberto por
cada um; não teríamos cultura.
Será que existe um exemplo puro de comportamento governado por regras ou por
contingências? Parece que não. É difícil pensar em exemplos puros de comportamento
modelado por contingências e poucos padrões de comportamento são tão simples que
possam ser descritos completamente por um conjunto de regras. Mas alguns estudos
têm concluído que há, de fato, no nosso repertório, uma interação destas duas formas de
aprendizagem. Muitos de nossos comportamentos começam com regra e instrução e
então passam a ser modelados pelas conseqüências, quando se aproximam de sua forma
final. A primeira aproximação grosseira é controlada por regras, mas o produto final é
sempre modelado por contingências. Mesmo com um excelente conjunto de regras (e
modelos e prompts), a maioria de nossos comportamentos só adquire eficiência após um
longo período de prática quando ocorre essa experiência direta com as conseqüências
(Baldwin e Baldwin,1986). Há situações onde o contato com a contingência suplanta, em
muito, o contato com as regras e há outras onde a contingência é mais difusa, menos
intensa, e o poder das regras em controlar o comportamento ó bem maior (Hübner, 1999).

Algumas considerações

Apesar de todas estas proposições, não reconhecemos nenhum dilema para ser
solucionado, já que todas as duas formas de ensinar, ensinam. Aprender com regras
parece ser a mais escolhida, por ser mais fácil do que ousar experimentar as contingências.
Se tentamos ensinar aos outros sempre por meio de regras, podemos reduzir a
probabilidade de que venham a aprender fazendo. Muitas regras impedem o indivíduo de
entrar em contato com a experiência direta e as instruções não podem substituir, nunca,
as sutilezas de um contato direto com as contingências. São formas complementares de
aprendizagem que propomos devam ser experenciadas juntas, sem o privilégio de uma
sobre a outra.
Se iniciamos experimentando as conseqüências, isto é, nos expondo
às contingências do ambiente, o passo seguinte é completar a aprendizagem com as
regras.

44 Sònld do* Santo* Ca*tanheira


Se começamos com regras, ó importante a experiência direta após seu uso para
preencher as lacunas, corrigir erros e diminuir as inadequações. Os desempenhos
desajeitados e mecânicos do início se suavizam sob a influência das conseqüências.
O segredo ó nunca recear experimentar algo de novo, pois a vida nâo é só um
processo de repetições, seguindo regras mas, também, de criação, experimentando as
contingências. As regras trazem em si a magia da realização, mas as contingências têm
o poder da transformação. E se prestarmos atenção, existiram sempre e estão em todo
lugar.

Referências

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46 Sônl.t dos Santo* C.ut.inlicir.i


Capítulo 5
Depressão: tradição e moda

haitis Pcssotti

O termo depressão (ou seus sinônimos) recebeu variadas conotações ao longo


da história da psicopatologia, diversas do significado usual que o termo recebe hoje, no
ambiente clínico e fora dele.
Depressão ó uma redução, uma variação quantitativa para menos, um abaixamento
de nível. Pode referir-se ao nível do terreno, ao nível da água num reservatório, ou da
atividade motora de uma pessoa ou da freqüência com que ela procura outras pessoas, ou
se dedica a realizar projetos pessoais.
Depressão, portanto, ó uma alteração quantitativa de algo, que pode, eventualmente,
significar uma mudança de estado desse algo, exatamente como o nível do mar fica mais
baixo depois da maré vazante. Portanto, enquanto mudança quantitativa, depressão não é
mais do que uma medida, não sendo, portanto uma doença ou qualquer outra coisa.
Certamente, um conjunto de depressões (faixas de nível) em elementos importantes da
vida orgânica ou social pode ser chamado de desnutrição ou de isolamento ou misantropia,
segundo o caso, desde que os elementos que se apresentam diminuídos sejam essenciais
para uma boa nutrição ou para uma justa adequação social.
Então, pode-se dizer que alguém está desnutrido ou é anti-social, especifica-se
claramente o que baixou de nível, o que teve sua intensidade reduzida. Só então terá
algum sentido rotular seu estado como desnutrição ou como antissociabilidade. Dizer que
uma pessoa está deprimida é uma expressão absurda. (Visto que as pessoas, como tais,
não podem ser pressionadas para baixo, forçadas a descer de nível). A menos que a
palavra depressão, por convenção ou por decreto, tenha ganhado conotações novas,
arbitrárias. É o que parece ter ocorrido na literatura psicopatológica mais corrente e, por
vezes, uma literatura que é, via de regra, bastante autoindulgente quanto aos princípios,
até mínimos, da epistemologia (ou da semântica).
A literatura psiquiátrica dos últimos séculos está muito longe de ser um modelo de
rigor epistemológico, tanto quanto a psiquiatria, até confessadamente, carece de rigor
metodológico. E não suporta ver deprimido (aqui o termo cabe) o seu estatuto de disciplina
científica, quando confrontada com outras disciplinas médicas. (Na antigüidade, a medicina
greco-romana, enquanto superação dos dogmas mágicos da medicina sacerdotal, pode até
ter sido um modelo de atitude científica e de apego aos dados, antes que às conveniências
de alguma produtividade profissional, ou aos índices de prestígio social da profissão).

Sobre Comport.imcnlo c t'o#niç.lo 47


Pode-se objetar que essa ligeireza metodológica não atingiria o saber chamado
psico-farmacologia, o fundamento maior da corrente psiquiátrica hegemônica do momento.
Não mesmo, desde que os efeitos de fármacos fossem, inequivocamente, verificados
sobre condições ou processos realmente psíquicos. O que não é possível, a menos que
se adotem comportamentos observáveis como indicadores inequívocos de tais estados
inobserváveis. Coisa também impossível, senâo através d© uma complexa anâllse funcional
ou experimental das relações funcionais entre os presumíveis determinantes do estado
psíquico (hipotético) e as variações que se verificam nos seus indicadores. Algo que a
psicofarmacologia usualmente evita, principalmente através da prática nada rara de definir
a função ou estado psíquico, ou emocional, pela ocorrência ou não de um determinado
comportamento adotado como indicador suficiente e inequívoco do estado, e facilmente
mensurável, sem aquelas demoradas análises. Desse modo, se o que se define como
ansiedade, num animal posto no ponto de encontro dos quatro braços de um labirinto em
cruz, é a preferência dele pelos braços ladeados por paredes e não pelos braços sem
paredes, qualquer fármaco que reduza tal preferência poderá chamar-se um ansiolítico.
Principalmente, se os dados vierem acompanhados de abundantes testes estatísticos.
Com semelhante simplificação, pode-se admitir que, se a estimulação de uma
determinada área do cérebro do animal reduzir aquela preferência ou aumentá-la, estaremos
tocando uma área responsável pela ansiedade. Em tal caso, além de fazer psicofarmacologia,
estaremos atingindo algum tipo de “neurociência”.
Não importa, aqui, o nível de rigor de medida que se empregue: é a definição do
objeto que é ilegítima ou, pelo menos discutível, se se pretende um saber psico-
farmacológico.
A saída, legítima, desse impasse, é a honesta profissão de fé organicista, à
maneira de Hipócrates ou de grandes médicos do passado, para quem toda a psicopatologia
é uma galeria de quadros sintomáticos gerados por desarranjos episódicos ou crônicos,
ou genéticos, na economia orgânica, humoral ou outra. É uma atitude que abdica de tratar
o que não pode ser definido como distúrbio rigorosamente orgânico. E os há muitos, nos
quadros da patologia do comportamento.
Se a causa da melancolia é a bílis escura, é sobre esta que se aplica a terapia e
a doutrina. A tristeza, e a depressão do humor ou da atividade física ou social são meros
sintomas: não se elege um indicador privilegiado como definidor da doença, como critério
de validade do conceito.
Hipócrates é o primeiro crítico dos diagnósticos e classificações fundadas apenas
em sintomas ou, pior, sobre sintomas eletivos.
Esse organicismo prudente e crítico, da medicina hipocrática, perdurou na
psicopatologia ulterior, e até em obras do século XIX.
A melancolia era desde o século V a.C. o delírio com tristeza: ou seja, a desrazão
com depressão do humor, com redução do engajamento em atividades usuais, redução de
atividades físicas e sociais. Assim a depressão, corretamente entendida como baixa de
nível de algo, era apenas um dos sintomas de um quadro humoral subjacente. Mas era
sintoma, jamais foi entendida como sendo ela a doença do paciente melancólico. A
melancolia implica, desde séculos, a tristeza (facilmente inferida mencionada). Mas implica
também uma certa passividade ou uma depressão (agora o termo cabe) do nível usual de

48 IfdldS IVssotti
atividade. O sentido original de depressus è abatido ou retraído, aspectos que, comumente,
compõem o padrão de tristeza.
Curiosamente, o organicismo antigo não recusa o emprego de recursos
"psicoterápicos", vista a possibilidade de influenciarem a economia humoral e, assim,
alterar a etiologia da melancolia. (Aliás a etiologia parece cada vez menos importante na
prática psiquiátrica mais recente).
É assim que Celsus (42 a.C.-37 d.C.), mesmo considerando a melancolia como
"uma loucura que consiste numa tristeza que parece depender da atrabílis”, propõe como
terapia os procedimentos adotados por Ascleplades de Bithynia, seu inspirador:
"Ê preciso afastar do doente todas as causas de susto. Deve-se procurar distrai-
Io com contos e jogos que mais lhe agradavam no estado de saúde. As suas obras, se as
realizar, devem ser elogiadas com afabilidade e deixadas perto dele. Suas tristes fantasias
serâo combatidas com suaves admoestações, fazendo-lhe perceber que nas coisas que
atormentam ele deveria encontrar um motivo de encorajamento, mais que de inquletaçBo“
(De arte Medica, III, 18).

Tanto a tristeza ou abatimento (com as depressões que a acompanham ou


constituem) ó sintoma típico da melancolia, entendida como desarranjo humoral, que o
grande Areteu da Capadócia aponta, num trecho gracioso, o risco de se confundir alguma
profunda tristeza de alguém com a verdadeira melancolia ou melâina kolô (atrabílis), o
risco de tomar o sintoma, ou os sintomas, pela doença:
“Conta-se que um tal que parecia vitima de uma melancolia incurável, tendo-se
enamorado de uma jovem , foi curado pelo amor, coisa que os módicos nâo haviam
conseguido fazer. De minha parte, penso que... nâo podendo ter sucesso no seu amor, se
tornara sombrio, triste e sonhador e, por isso considerado como atacado por melancolia;
mas ... tendo obtido depois maior sucesso e tendo gozado do objeto desejado, tornou-se
menos triste, menos atrabiliário, pois a alegria dissolveu essa aparôncia de melancolia ."
(Tract. de Slgnis, 1,5).

Mais uma vez, na tradição antiga, depressão (retratada como tristeza) é mero
sintoma, falso nesse caso, em que a doença não existe, segundo Areteu.
Sorano de Éfeso entende que a melancolia ó um estado de intensa constrição
das fibras nervosas e outras e que se manifesta por sintomas como prostração (depressão
da atividade física), tristeza e má disposição diante dos parentes, além de idéias
persecutórias, choros sem motivos, etc. Isto ó, a depressão ó apenas um, entre diversos
sintomas.
Como terapia, Sorano receita cataplasmos sobre a região do epigastro, para relaxar
as fibras contraídas, assistir a comédias, escrever discursos (que devem ser elogiados
com entusiasmo). Mesmo os iletrados devem ser incentivados a exercer seu oficio, com
efusiva aprovação dos familiares. Os músicos melancólicos devem ser encorajados a
tocar seus instrumentos preferidos.
Essa série de recursos visam, obviamente, ao reengajamento do paciente nas
atividades cuja freqüência foi deprimida. De novo, corretamente, depressão é apenas uma
medida, e é entendida como apenas um sintoma da doença. (Aqui se retrata um enfoque
"modemo’’, na medida em que a depressão é entendida como desengajamento ou recusa
de engajar-se em comportamentos positivos, tal como sugerirá o texto de Ferster, de
1973, A functional analysis ofdepression).

Sobre Comporl.imenlo c CoRnivJo 49


No primeiro século depois de Cristo, a figura mais importante da psicopatologia é
Galeno, ou Claudius Galenus. Também para ele, a depressão (entendida como retraimento,
temor, auto isolamento ou tristeza) não é doença, mas apenas índice, sintoma, da
melancolia, esta sim, uma doença, uma alteração cerebral, devida a processos humorais
e pneumáticos. Segundo Galeno, é do estômago, inflado pelo excesso de bílis negra que
sobem ao cérebro "vapores que ofuscam a inteligência e provocam os sintomas (sic) da
melancolia".

“...um melancólico evitava os transeuntes, pois se acreditava feito de conchas


e temia ser esmagado... Há diferenças entre os melancólicos: todos sâo presas do temor
e da tristeza mas nem todos desejam morrer. Para alguns, ao contrário, a essência da
melancolia è o medo da morte...’ (De Locis Aff. III, IX).

Em todos esses enfoques antigos, a melancolia é um estado orgânico anormal


em cujo quadro sintomático se incluem as várias formas de depressão (rebaixamento ou
redução) de comportamentos positivos ou construtivos. Essas diferentes depressões são
descritas como isolamento, passividade, abatimento ou tristeza. Vários autores incluem
no quadro o aumento de idéias tristes e fantasias lúgubres. Ou seja, a doença melancolia
se manifesta por sintomas como depressões várias e, eventualmente, também por algumas
“imagens fantásticas", como escreve Galeno.
Mas é a partir do século XVII, ainda sob a pesada influência da doutrina galenista,
que o conceito módico de melancolia passa a implicar, necessariamente, delírio e
manifestações depressivas diversas, designadas geralmente como auto isolamento,
abatimento ou tristeza.
Para Plater (1625), não há melancolia sem delírio, pois, como a mania, ela é uma
forma de insania, ou loucura; e, como tal, implica a desrazão. (Como o “amor insensato",
talvez, quase um pleonasmo, nos dias de hoje).
A partir de Plater, durante todo o século XVIII e mesmo depois do Traité de Pinei,
que abre o século XIX, em 1801, a marca distintiva da melancolia, ao lado dos sintomas
depressivos, designados como abatimento ou tristeza, será o delírio, mas um delírio parcial,
circunscrito a poucas idéias, até chamadas idéias fixas. A loucura depressiva será então
a melancolia, tanto quanto a mania será a loucura exaltada, isto é, caracterizada por uma
certa hiperatividade física e mental, e implicando, ela também, alguma desrazão, ou delírio,
nesse caso amplo e não limitado a certas idéias.
Será esse o conceito de melancolia ou loucura depressiva, na obra dos principais
outros autores oitocentistas, além de Pinei, como Esquirol (1816 e 1818), Heinroth (1818),
que admitirá três gêneros de alienação: as exaltações ou Hiperestenias, e as depressões
ou Astenias, entre as quais incluia a melancolia e a abulia (falta de vontade). Note-se que
Astenia é o termo grego equivalente ao latino Depressio, ambos significando abatimento,
ou tristeza. A noção de depressão, de Heinroth, não deixa dúvidas sobre seu caráter de
mera redução quantitativa de diferentes comportamentos: a Astenia, chama-se melancolia
se os sintomas forem: "depressão do sentimento e da imaginação, concentração triste
em si mesmo" ( um modo de referir o desengajamento apontado por Ferster, em 1973);
chama-se anoia se os sintomas forem “depressão da faculdade de pensar, e/ou perda de
noções"; e se chamará abulia se os sintomas forem "depressão eletiva da vontade,
incapacidade de determinação a agir”.

50 k iiiis Pcssotti
Tambóm Foville, em 1829, designará a loucura depressiva (delírio com tristeza ou
abatimento) com um velho termo grego, Lypemania (em grego, literalmente, loucura triste),
acentuando o componente afetivo do quadro melancólico. E Guislain, amante de termos
novos, em 1833 a chamará Luperophrenia (doença cerebral que causa tristeza).
Assim, os abatimentos ou depressões englobados sob o nome de tristeza, que
eram sintomas de uma doença orgânica desde a antigüidade, a partir do século XVII
continuam apenas sintomas, mas agora também de desarranjos mentais, principalmente
depois de Pinei e Esquirol. Pois a melancolia, a partir de Pinei, pode tambóm resultar
exclusivamente de eventos passionais.
Mas esses sintomas depressivos só indicam a presença de melancolia quando
acompanhados de um certo tipo de delírio. Esta ó uma condição admitida mas nào requerida
na acepção mais antiga da melancolia.
Somente na segunda metade do século XIX, o conceito clássico de Pinel-Esquirol
será contestado, principalmente por Falret (1860) e Morei, também em 1860. E, com
diversos argumentos, por Maudsley (1867), Krafft-Ebing (1879) e Cotard, nesse mesmo
ano, e, ainda, por Kraepelin, em obras das últimas décadas do século passado e primeiras
deste (1883/1915).
Essa contestação com variados argumentos deriva de uma atenção maior aos
aspectos etiológicos que aos sintomas típicos de cada doença. Nessa linha, foi decisiva
uma tese de Morei, segundo a qual a doença mental, sempre disfunção orgânica, é
freqüentemente hereditária, e implica quase sempre alguma degeneração de funções.
Essa tese, de uma autoridade indiscutida, determinou revisões doutrinárias e polêmicas
que acabaram por desautorizar os conceitos ‘‘clássicos" de mania e de melancolia,
formulados por Pinei e Esquirol. Os quadros inteiros da mania e melancolia ou, ainda, da
monomania de Esquirol, seriam apenas manifestações de processos doentios, de fundo,
mais genéricos, provavelmente hereditários; ou, poderiam ser puras transformações de
doenças nervosas, estas devidas à constituição orgânica. A idéia aparece em diferentes
obras do período, com os nomes de fundo doentio, predisposição, processo degenerativo,
degenerescència, processo doentio de base, etc.
Para o nosso assunto interessa um aspecto desse organicismo inatista: há
pessoas cuja constituição orgânica as predispõe seletivamente às manifestações clínicas
de exaltação, ou maniacais, ou aos quadros depressivos.
Noutros termos, a nova doutrina entende que a melancolia ou delírio triste é apenas,
ela inteira, um sintoma de algum fundo “m aladif, constitucional. De um lado, essa tese
absolve a ignorância da etiologia específica de cada quadro; de outro, autoriza a exclusão
dos eventos pessoais ou sociais do rol das causas. Aponta, pois, para uma biologia
doente, a determinar inexoravelmente os distúrbios mentais, entre eles a melancolia.
Melancolia ou mania são, então, doenças artificiais, aparentes, construídas: a
doença real, "natural" é subjacente aos quadros sintomáticos. Mais ainda, os fatores
passionais e mesmo os orgânicos específicos são apenas coadjuvantes, acessórios, na
produção da doença. A causa última e decisiva é o fundo doentio. Cotard, em 1879, após
enumerar causas orgânicas (!) da loucura, normalmente admitidas, escreverá que "a maioria
dessas causas não são mais que determinantes e náo agem senão em indivíduos já
predispostos: a predisposição continua sendo a causa principal da doença mental e da
forma (sic) que ela apresenta."

Sobre Comporiiimcnto c Cotfuiç.lo 51


Os episódios depressivos ou depressões agudas do quadro melancólico são como
surtos, manifestações episódicas ou recorrentes, de algum distúrbio crônico, constitucional,
de uma predisposição depressiva. Ou astênica.
Em 1886, Krafft-Ebing esclarece que essa predisposição é, em essência, algum
estado crônico, constitucional, do encéfalo: se este estiver intacto, tal estado determinará
as psiconeuroses, se ocorrer num cérebro lesado, produzirá as degenerações psíquicas.
Entre as psiconeuroses, Krafft-Ebing situa a melancolia, definida como um "estado
de difícil curso das funções psíquicas, com sentimento doloroso de si mesmo, que pode
chegar até ao delírio de inferioridade, que ó, afinal, a causa da parada e da depressão"
(1886,7-8).
Note-se que a depressão (sic) observada é produto de um estado encefálico
depressivo. Ela ó sintoma, não mais da melancolia, ela é a melancolia, mas agora sintoma
ou manifestação de um estado orgânico depressivo.
E é com essa conotação que Kraepelin (1915) classifica as patologias de tipo
depressivo como os Estados de Depressão Constitucional. Há uma mudança sutil, aqui:
já não se trata de um estado constitucional depressivo, mas de um estado de depressão
constitucional: a depressão agora ó inerente à constituição orgânica do paciente. É uma
depressão constitucional.
A idéia de um fundo orgânico doentio comum (hiperestênico ou astênico; maniacal
ou depressivo), germina vigorosamente depois de Kraepelin. Mas a partir de 1908 esse
pressuposto organicista passa por uma reformulação fecunda, graças a E. Bleuler. Segundo
ele, o apelo a esse fundo, mais ou menos indefinido (mesmo quando chamado de hereditário
ou congênito), unificaria num plano causai as diversidades dos sintomas e das causas
imediatas de cada quadro patológico. Mas restava definir a natureza dessa predisposição
ou desse estado doentio (eventualmente depressivo). (Aliás uma contribuição de Freud á
psiquiatria da época foi a de dar um nome a esse fundo subjacente e unificador das
diversidades sintomáticas, ao criar o conceito de motivação inconsciente.)
Bleuler não rejeita a idéia Kraepeliniana de fatores predisposicionais (depressivos
ou maniacais ou outros) de natureza orgânica, mas admite que a eficácia causai de tais
fatores (fisiológicos ou endócrinos, por exemplo) não é absoluta: é mediada por processos
psicodinâmicos subjacentes. As formas maniacais, histéricas ou depressivas são apenas
manifestações, expressões de processos doentios de natureza pessoal, nos quais
condições orgânicas de base devem interagir com resistências pessoal: resistências mais
fortes ou mais fracas. É um novo organicismo, sem o fatalismo dos alienistas oitocentistas.
Agora a depressão continua um possível sintoma de quadros vários, não só da
melancolia; quadros que resultam de interações complexas e pessoais entre condições
psícodínâmícas (geradas pelas experiências emocionais) e orgânicas. Com Bleuler, as
diversas depressões são apenas manifestações, mas não de alguma predisposição
orgânica inexorável: são manifestações de uma certa “personalidade", isto é, são efeitos
ou resultados de uma interação única entre um repertório de sentimentos e motivações,
com condições constitucionais puramente orgânicas.
Também Cotard (1879), brilhante, tanto na doutrina clínica quanto na experimentação
e na anatomia cerebral, arauto da psicopatoíogia organicista de seu tempo ensaiara uma
definição da natureza do “terreno doentio de base". Esse fundo, segundo ele, é,

52 Isaias IV*sotti
substancialmente, uma alteração da sensibilidade moral, que ele define como "a parte
afetiva do nosso ser [...] os nossos sentimentos e pendores” (275-276). São os estados
cenestésicos de dor (sofrimento) ou de prazer. Talvez esteja al um esboço do principio do
prazer, pedra de toque de qualquer psicodinâmica.
Como se vô, não há diferenças substanciais entre o conceito organicista de
Cotard e o psicodinâmico, de Bleuler.
Em resumo, portanto, o significado do termo depressão mudou várias vezes, ao
longo da tradição psicopatológica: de sintoma característico de uma doença orgânica, a
melâina kolô, desarranjo humoral, passou a critério de definição da melancolia, desde que
associada ao delírio, à desrazão. Posteriormente, passou a denotar uma evidência acessória
de um sintoma ou síndrome mais complexa, quando a melancolia passa a ser entendida
como sintoma, ela toda, de condições constitucionais genéricas subjacentes á variedade
sintomática e mesmo etimológica dos quadros clínicos. Jamais a depressão, per se,
significou doença. Na tradição psicopatológica ela é apenas uma variação quantitativa
eventualmente sintomática. Não basta, pois, que uma pessoa apresente depressão,
uma ou muitas, para que se presuma uma doença, ainda que se possam presumir, só
depois de adequada indagação etiológica, condições psicodinâmicas eventualmente causais
de alguma patologia do comportamento ou “doença mental”.

D epressão c o m o m oda

O conceito de Depressão, como redução quantitativa de comportamentos e que


era um sintoma acessório, ao lado da tristeza, da desordem corporal, quase sempre
hormonal, chamada melancolia, caiu em desuso.
Tornou-se a designação genérica de alterações comportamentais como retraimento,
abatimento ou tristeza e, como tal, um componente essencial (ao lado do delírio) de uma
doença, agora mental, ainda chamada de melancolia. Mas essa própria doença passou à
categoria de mera manifestação sintomática de algum fundo doentio, constitucional
podendo ser ele mesmo, eventualmente um estado depressivo crônico, apto a manifestar-
se como psicose maníaco-depressiva (PMD), ou outro quadro melancólico. Note-se que
não há uma psicose manlaco-melancólica, mas manlaco-depressiva. Assim, desde Kraepelin
e Bleuler, a depressão, como tal, perde o estatus de sintoma e ganha o de doença
propriamente dita, visto que uma espécie da PMD são os "Estados Depressivos”.
Mas, note-se, esses estados não são coleções de sintomas: são condições
crônicas, constitucionais, que não se identificam com algum quadro sintomático específico
e, muito menos, com um, dois ou cinco sintomas fixos, e cuja presença bastasse para
configurar a doença.
A Depressão, hoje, tomada, por si só, como doença ou patologia é um diagnóstico
freqüentíssimo. Haveria até uma epidemia de Depressão, a assolar os homens. O que há,
na verdade, é uma epidemia de tais diagnósticos e, esta sim, tem aspectos doentios.
Depressão virou moda. Primeiro porque o diagnóstico passou a prescindir das demoradas
indagações etiológicas (time is money); segundo, porque o decurso da eventual doença
perdeu interesse, em favor da constelação pré-estabelecioda de sintomas. De sintomas

Sobre Comportamento c CofliuçJo 53


possíveis e abundantes, de modo a que diferentes coleções de sintomas, podem configurar
a "doença". O que se pode esperar de uma terapia que parte de um diagnóstico meramente
sintomático, descura a etblogia, e transcura as transformações temporais do quadro clinico?
Qual terapia decorre de uma tal postura clinica?
A resposta parece óbvia: qualquer intervenção capaz de abolir ou reduzir os
sintomas (principais), já que eles são a doença! Pois determinar as causas exigiria muito
tempo e algum tipo de compromisso teórico. Assim, transcurando a etiologia e a marcha
da doença (ou distúrbio, para evitar estigmas, danos morais e conseqüentes indenizações)
e reduzindo o mal aos efeitos aparentes, pró-catalogados, a cura é radical desde que os
sintomas cessem.
A farmacologia, então, é um arsenal de terapias. O fármaco cura a doença. Conflitos
ou incompetôncias pessoais não contam. Não são a doença.
A um diagnóstico tentativo e cauto, atento para impalpáveis processos psíquicos,
mentais, ou a contingências sociais ou intraverbais, opõe-se um diagnóstico objetivo,
unívoco e ateórico, um diagnóstico de manual, ou um manual diagnóstico. Um DSM, por
exemplo, no qual os quadros são catalogados bastando, basicamente, para o diagnóstico,
checar quais sintomas se apresentam. (Já existem programas informáticos de auto-
diagnóstico: programas que, ironicamente, poderiam chamar-se DSM ou Dispense Seu
Médico).
A terapia decorre lógicamente: é a que abole os sintomas; elimina as queixas.
Quando o sofrimento ou o conflito retorna, volta-se ao fármaco “curativo".
Abatimento, sensação de incompetência ou fracasso, apreensão quanto ao futuro,
desinteresse por novas atividades quando se está preocupado com alguma coisa, essas
próprias preocupações, perturbações do sono ou do apetite ou da eficiência sexual são
problemas seculares e quotidianos que no passado chamavam-se “vida dura". Hoje se
chamam "Transtornos Depressivos", nos manuais. Coloquialmente, mesmo no ambiente
clínico, chamam-se depressão. Como nas repetitivas investidas dos "media" (midia) e da
publicidade da indústria farmacêutica.
Encontrar um nome para o sofrimento ou para a ameaça reduz a ansiedade, é
sabido. Se esse nome cobre uma grande variedade de sofrimentos e apreensões todas
elas ficam de algum modo enquadradas ou enfrentáveis quando recebem um nome. Então,
considerar-se deprimido é uma forma de reduzir ansiedades. E de abrir mão de ulteriores
indagações sobre si mesmo, nem sempre agradáveis. Rotular-se ou ser rotulado é cômodo.
Eis uma razão da moda da depressão.
Outra, é a influência higienista dos "media” (midia), a apregoar a necessidade de
estar sempre perfeitamente hígido, de corpo e de mente. Transformando-se qualquer
sensação de anormalidade em sintoma de doença e de inferioridade de modo que a saúde
passa a implicar alguma forma de hipocondria, ou seja, a saúde mental implica numa
doença mental. Com a conseqüente busca de um rótulo e um caminho de cura, que
restaure a sensação de estar bem, de estar normal. Como se a normalidade fosse a
ausência de perplexidades, desafios, incertezas e impotências. Uma espécie de anestesia
permanente. Há vários caminhos para essa espécie de hedonismo higiênico. Entre eles,
a dependência de fármacos e, talvez, certas formas de esquizofrenia.

54 l ij id t Peuotlt
São caminhos, até eficazes, para um retorno à beatitude primitiva, á paz intra-
uterina ou ao paraíso terrestre, antes do pecado original, antes da afirmação da própria
individualidade e da própria subjetividade. Quando podíamos ser apenas objetos de
determinações externas.

Sobre Comportamento c Co|)niv3o 55


Capítulo 6
Análise funcional das respostas de auto
lesão em uma criança de dez anos
diagnosticada com autismo

Shnwn Emerson Kenyon


h h n j. / ienlcy
Assum ptum CoHcge c Northc.istcrn U m w n it y

A presente análise teve como objetivo a identificação do relações funcionai* entra as resposta» de auto mutilação e
variáveis ambientais. Uma menina de 10 anos (KA), diagnosticada com desvio de aprendi/agem e características autistas,
participou dessa análise A análise funcional foi reali/ada com o objetivo de determinar se as respostas de auto mutilaçAo
apresentadas por KA eram mantidas por reforçamento social positivo, rnforçamento social negativo, ou reforçamonto
automático. A topografia d» auto mutilação registrada e analisada durante o presente estudo foi a d» reapoataa direcionada»
às regiões da cabeça A frequência de emlssAo das respostas de auto mutilaçAo foi analisada durante quatro condições
experimentais: (a) sozinho, (b) atençAo social, (c) brinquedos; e (d) ordem. Os resultados mostraram que a frequência das
respostas de auto mutilação foi maior durante a condição de ordem, sugerindo que tais respostas estavam sendo mantidas
por reforçamento negativo em forma de fuga Os resultados aqui adquiridos serviram de base para a prescrição do
tratamento terapêutico que seguiu a análise funcional aqui descrita: o reforçador mais potente (equipamento de auto
contençáo) passou a ser deliberado contingente a x minutos de trabalho (o tempo de trabalho foi aumentado de modo
gradativo).
Palavras-chave: análise funcional, respostas de auto-lesAo e autismo.

The present analy8is's objective was to identlfy functional relations betwoen self-injurious behavior and envlronmental
variable» The participant was a 10-year-old girt (KA) diugnosed wlth pervasive developmental disorder (PDD) and autistlc
features The goal of the analysls was to determine whether self-injurious responses emltted by KA were maintained by social
positive reinforcement, social negative reinforcement or automatic reinforcement. The self-injurious topography that was
recorded throughout the present study was emltted toward the face and head area. The frequency of the solf-mjurlous
responses was analyzed during four condltions: (a) alone; (b) social attentlon; (c) play; and (d) demand. The resulta showed
that the frequency of the self-injurious response was higher during tlie demand condition, suggesting that such responses
were maintained by negative reinforcement such as escape of demands. The results here presented wero usod as the basia
for the prescrlption of a therapeutic treatment that followed the functional analysls here described: the most potent reinforcer
(access to aelf-restraint equipment) was contlngent to x minutes of work (the work time period was Increased In a gradual
manner)
Key words: functional anaíysis, seíf-injurious behavior and autism.

O sujeito da presente análise funcional foi uma menina de 10 anos de idade, KA,
aluna residente da Escola New England Center for Children (NECC), Southborough, MA,
USA. KA veio para a NECC em 1998. Antes disso, KA estava internada em uma Instituição
também localizada em MA. Quando KA chegou na escola NECC ela carregava consigo
um diagnóstico de autismo e PDD (pervasive developmental disorder). A razão de sua
transferência para a NECC baseava-se no fato de KA emitir frequências de respostas de

56 Sh.iwn fcmerson Kenyon l lohn ). I Icdlcy


auto lesão muito altas (a frequência de respostas de auto lesão, incluindo todas as possíveis
topografias, variava entre 15.000 a 20.000 por dia), e de que a topografia de tais respostas
de auto lesão começaram a arriscar a possibilidade de existência de KA.
KA emitia uma série de respostas de auto lesão. Dentre as respostas com
topografias graves encontram-se:
1. auto lesão produzida pelo movimento da mão direcionada a regiões da cabeça - definida
por qualquer contato entre a mão (aberta ou fechada) e a área da cabeça que se iniciou
de uma distância de 15 cm ou mais;
2. auto lesão produzida pelo movimento do joelho direcionado a regiões da cabeça -
definida por qualquer contato entre o joelho e a área da cabeça que se iniciou de uma
distância de 15 cm ou mais;
3. auto lesão produzida pelo movimento da cabeça direcionada a objetos - definida por
qualquer contato entre a cabeça de KA e objetos que não se movem (de consistência
dura) que se iniciou de uma distância de 15 cm ou mais; e
4. auto lesão produzida pelo movimento do queixo em direção a região peitoral - definida
por qualquer contato entre o queixo e a área peitoral que se iniciou de uma distância de
15 cm ou mais.
Quando KA chegou a NECC, ela encontrava-se equipada com todos os
equipamentos de auto constriçáo conhecidos (auto contenção mecânica). KA encontrava-
se também equipada com um equipamento de proteção (capacete). O uso de tais
equipamentos era necessário dado a condição séria e perigosa em que se encontrava,
devido a topografias de auto lesão que emitia. Os equipamentos usados por KA incluiam:
1. um capacete equipado com uma máscara que servia para proteger as regiões da cabeça
e do rosto, e adicionalmente, uma placa que mantinha os braços esticados, de modo
a dificultar a emissão de respostas de mãos a regiões da cabeça;
2. uma joelheira que tinha por objetivo amortecer o contato entre as regiões da cabeça e
o joelho;
3. e, finalmente, uma proteção em volta do pescoço que servia para evitar ou amortecer o
contato entre o queixo e a área peitoral.
A decisão de se conduzir uma análise funcional das respostas de auto lesão
emitidas por KA teve como base o fato de tais respostas serem muito freqüentes e de
topografia perigosa. A análise aqui descrita baseou-se no estudo descrito por Iwata, Dorsey,
Slifer, Bauman, e Richman (1994). As Condições Experimentais aqui usadas seguiram a
mesma ordem proposta por Iwata et al (1994), e foram apresentadas a KA enquanto ela
aida estava equipada com o capacete, uma das placas para o braço (esquerda), e a
joelheira. Além desses equipamentos de auto contenção e proteção, KA carregava consigo
um cobertor, que apesar de também servir como equipamento de auto contenção não será
descrito em detalhes nesse estudo.
As sessões de análise funcional foram conduzidas uma vez por dia, 5 vezes por
semana (num total de 60 dias), sendo que cada sessão envolvia 4 condições experimentais.
Cada condição experimental era apresentada por 10 minutos. Entre cada condição
experimental, KA recebia um intervalo de 3 minutos.
A sala experimental media 2.3m x 1.6m. Dentro da sala encontravam-se uma
mesa e uma cadeira. A sala também continha uma câmera de vídeo localizada no teto,

Sobre Comporlumenlo c Coflnlçâo 57


num dos cantos da sala (longe do alcance do sujeito), e, em uma das paredes, um espelho
para observação (quem estava do lado de fora da sala podia enxergar dentro da sala mas
o sujeito não podia ver para fora da sala). Do lado de fora da sala, estavam o aparelho de
video, TV, e materiais necessários para que o registro da sessão fosse efetuado.
Os terapeutas tinham que vestir uma jaqueta e luvas de couro quando entravam
na sala, pois KA emitia muitas agressões (especialmente biliscos) além das respostas de
auto lesão. As respostas de agressão emitidas por KA não fizeram parte da presente
análise.
No decorrer da presente análise, as respostas de auto lesão produzidas pelo
movimento do queixo em direção à região peitoral não foram analisadas, por serem as
respostas com menor freqüência e tambóm as menos perigosas.
A análise funcional aqui descrita visou identificar relações entre a emissão de
repostas de auto lesão e condições ambientais. As respostas de auto lesão que foram
registradas incluíram auto lesão produzida pelo movimento da mão direcionada a regiões
da cabeça, auto lesão produzida pelo movimento do joelho direcionado a regiões da cabeça,
e auto lesão produzida pelo movimento da cabeça direcionada a objetos. O critério para o
término/interrupção das sessões foi estabelecido em reuniões com os país e enfermeiras:
toda a sessão experimental seria imediatamente terminada/interrompida, caso houvesse
qualquer ferimento na pele (qualquer roxo, marcas, ou sangramento).

M é todo u sa d o nas c o n d iç õ e s e x p e rim e n ta is


C o n d içã o s o z in h o :
Durante essa condição experimental, o terapeuta colocava KA com todo o seu
equipamento para sessões (capacete, uma das placas para o braço (esquerda), joelhelra
e o cobertor) na sala experimental equipada apenas com uma cadeira e uma mesa. Ela
era então deixada sozinha na sala experimental. Essa condição experimental pressupõe
que a emissão de respostas de auto lesão está ligada a qualidades reforçadoras inerentes
da resposta de auto lesão, razão essa tambóm conhecida por reforçador automático.
Somente a freqüência de respostas de auto lesão foi registrada durante essa condição. A
ocorrência de qualquer outras respostas não fez parte dessa análise.

C o n d içã o de ate nção s o c ia l:


Durante essa condição experimental, o terapeuta colocava KA com todo o seu
equipamento para sessões (capacete, uma das placas para o braço (esquerda), joelheira
e o cobertor) na sala experimental. A sala estava equipada com brinquedos para KA e
uma cadeira a mais para o uso do terapeuta. O terapeuta iniciava essa condição experimental
colocando KA em contato físico com os brinquedos disponíveis. O terapeuta então dizia:
"aqui estão alguns brinquedos para você se divertir, eu tenho que terminar meu trabalho".
O terapeuta sentava-se em sua cadeira, localizada perto de KA (ela poderia tocar no
terapeuta se quisesse), e não dava atenção alguma (ou olhava) para KA. Assim que KA
emitisse a resposta sendo analisada (auto lesão), o terapeuta dizia: "não faça isso, você
vai se machucar”, ou "páre com isso", ou "não, KA”. Além disso, o terapeuta aproximava-
se de KA fazendo contato físico (segurando a mão ou reajustando os equipamentos) por 1
segundo. Essa condição experimental pressupõe que as respostas de auto lesão são

58 Shawn fcmmon Kenyon l lohn J. I Iwlcy


mantidas por reforçamento positivo em forma de atenção social. Somente a freqüência de
respostas de auto lesão foi registrada durante essa condição. A ocorrência de qualquer
outras respostas era ignorada pelo terapeuta e não era registrada.

C ond içã o de b rin c a r:


Durante essa condição experimental, o terapeuta colocava KA com todo o seu
equipamento para sessões (capacete, uma das placas para o braço (esquerda), joelheira
e o cobertor) na sala experimental. A sala estava equipada com brinquedos para KA e
uma cadeira a mais para o uso do terapeuta. O terapeuta colocava KA, assim como na
condição de atenção social, em contato com os brinquedos. O terapeuta então dizia:
"aqui estão seus brinquedos, KA, você pode brincar". A partir de então o terapeuta liberava,
usando um esquema de reforçamento de DRO de 5 segundos, atenção social tais como
"jóia, KA" ou “muito bem", além de contato físico como acariciar as costas de KA ou
segurar suas mãos Caso KA emitisse respostas de auto lesão, o terapeuta agia como se
nada tivesse acontecido e reiniciava o período do DRO - sendo assim, caso KA emitisse
respostas de auto lesão, o terapeuta não liberava atenção até que KA estivesse sem
emitir respostas de auto lesão por 5 segundos. Essa condição experimental pretende
servir de condição controle ou piloto. A lógica para tal pressuposto baseia-se no fato de
ser esta a situação experimental mais possível de ser reforçadora, já que atenção social é
deliberada a cada 5 segundos, os brinquedos estão presentes, não há ordens apresentadas
e interação social não é forçada. Mais uma vez, somente a freqüência de respostas de
auto lesão foi registrada durante essa condição. A ocorrência de qualquer outras respostas
era ignorada pelo terapeuta e não era registrada.

C ond içã o de ordem :


Durante essa condição experimental, o terapeuta colocava KA com todo o seu
equipamento para sessões (capacete, uma das placas para o braço (esquerda), joelheira
e o cobertor) na sala experimental. A sala estava equipada com uma cadeira a mais para
o uso do terapeuta e materiais de trabalho para KA. O terapeuta apresentava uma ordem
(exemplo "matching-to-sample de identidade com cores" ou “quebra-cabeças"). Se após
5 segundos após a emissão da ordem, KA não houvesse respondido, ou se KA respondesse
errado, o terapeuta modelava a resposta enquanto repetia a ordem. Se após mais 5 segundos,
KA não respondesse ou respondesse errado de novo, o terapeuta ajudava fisicamente KA,
tocando levemento em seu braço, enquanto repetia a ordem. Assim que KA emitisse uma
resposta de auto lesão o terapeuta dizia "tudo bem, KA, você não precisa fazer isso",
enquanto retirava o material da frente de KA por 15 segundos. Uma nova ordem não era
apresentada até que KA não emitisse uma resposta de auto lesão por 5 segundos. Essa
condição experimental pressupõe que as respostas de auto lesão são mantidas por
reforçamento negativo em forma de fuga. Somente a freqüência de respostas de auto
lesão foi registrada durante essa condição. A ocorrência de qualquer outras respostas era
ignorada pelo terapeuta e não era registrada.

R e su lta d o s
Os resultados obtido durante a Análise Funcional aqui apresentada (Figura 1)
demonstram que KA emitiu respostas de auto-lesão em todas as Condições Experimentais,

Sobre Comportamento e CojjnlçJo 59


sugerindo que tais respostas possam estar sendo controladas por variáveis múltiplas. A
freqüência durante a Condição Experimental de "Ordem" se destacou como sendo a
Condição em que KA emitiu mais respostas de auto-lesào, sugerindo que a função de tais
respostas poderiam estar relacionadas com esquiva de atividades acadêmicas. Outro
dado importante diz respeito ao aumento da freqüência de respostas de agressão contingente
à remoção dos equipamentos de auto-contenção. A análise dos dados obtidos nesse
estudo serviram de base para uma intervenção terapêutica (programa comportamental)
que foi desenvolvido em seguida. Nessa intervenção, KA poderia ter acesso a equipamentos
de auto-contenção, durante a primeira fase, somente após um “x" tempo de trabalho. Na
fase 2, KA precisava, além de trabalhar por "x”minutos, ficar Vminutos sem emitir respostas
de auto-lesão após o término do trabalho, para ganhar acesso a equipamentos de auto-
contenção.

□ Sozinho
40 a Atenção

1 5 9 13 17 21 25 29 33 37 41 45 49 53 57
Número da Sessão

Figura 1: Freqüência de Respostas de Auto-Lesão emitidas por KA em Diferentes


Condições Experimentais (Sozinho, Atenção, Brincar e Ordem) da Análise Funcional

D iscussão
Essa análise fez parte de uma análise funcional extensiva que ainda está sendo
realizada. O caso de KA ó muito complicado, e no decorrer da análise funcional pudemos
verificar progresso na área social. Um tratamento individualizado foi prescrito para KA com
base nos dados adquiridos nessa análise funcional. Como a freqüência de respostas de
auto lesão registrada foi maior durante as condições de ordem, assumimos que KA usava
respostas de auto lesão para fugir de ordens. Uma outra variável que surgiu durante a
análise funcional foi que, ao tirarmos os equipamentos de auto contenção (placa para o

60 Shtiwn f-mctton Kenyon l lohn I. I Iruley


braço esquerdo por exemplo), a freqüência de respostas de agressão aumentava, sugerindo
que os equipamentos de auto contenção eram "reforçadores" para KA. Com base na
combinação dos dados adquiridos na presente análise e de análises imediatamente
posteriores, um tratamento para diminuir a freqüência de respostas de auto lesão foi
prescrito: os equipamentos de auto constrição foram removidos, e, em diferentes fases,
foram entregues a KA por um tempo restrito, contingentes a tempo de trabalho, e mais
para frente, a tempo de trabalho sem a emissão de respostas de auto lesão.
Hoje em dia, KA emite uma média diária de 1.000 a 2.000 respostas de auto
lesão, com uma topografia menos séria, e está totalmete sem equipamentos de auto
contenção ou de proteção.
A presente análise troxe muitos benefícios para KA.

R e fe rê n c ia s

Iwata, B. A., Dorsey, M. F., Slifer, K. J., Bauman, K. E., and Richman, G. S. (1994). Toward a
functional analysis of self-injury. Journal of Applied Behavior Analysls, 27, 197-209.

Sobre Comportamento e CojjniçJo Ó1


Capítulo 7

O que é autocontrole, tomada de decisão e


solução de problemas na perspectiva de
B.F. Skinner1

Yara d a m Nico
n/c-sn

A deflnlçAo skmnerlana de autocontrole, tomada de decisAo e solução de problemas é discutida a partir do compromisso
educacional com a formação para o futuro Por mero destes três comportamentos, o indivíduo rnanipula variáveis ambientais
das quais outro comportamento seu é funçAo De acordo com Skinner (1953), estes comportamento» constituem o repertório
especial que prepara os estudantes para o futuro As definições de autocontrole, tomada de decisão e soluçAo de problemas
sAo apresentada» ressaltando as características que permitem agrupar e diferenciar estes comportamentos No autocontrole,
o indivíduo A capa/ de identificar as respostas e conseqüências antes de manipular as variáveis que alteram a probabilidade
de um comportamento especifico Na tomada de decisáo, o indivíduo identifica as respostas possíveis, mas nAo suas
conseqüências. Neste caso, a manipulação de variáveis aumenta o conhecimento acerca das conseqüências envolvidas
nos cursos de açAo alternativos. Jé na soluçAo de problemas, o Indivíduo nêo é capa/ de identificar qual a resposta que
produz um determinado reforçador. Portanto, identifica o reforço, mas nAo a resposta.
Palavras-chave: autocontrole, tomada de decisAo, soluçAo de problemas, B.F. Skinner, oducaçAo

With consldoration to the educational compromise of preparlng individuais to future contingências, the current pnper
dlscusses Skinner'8 defimtions of self-control, decision-maklng and problem solving. Individuais manipulato envlronmental
variables of other behaviors through these three behaviors. According to Skinner (1953), these aro behaviors that constítute
a spocial repertoire that wlll prepare students for the future. The definitions of self-control, decislon-making and problem
solving are presented in such a way that characteristics allowmg them to be grouped and differentiated are highlightod.
Regarding self-control, the individual is able to identify the responses and consequences before he manlpulates the variables
that will change the probability of a specific behavior. Regarding decision-making, the individual identifies the possible
responses but doesn't Identlfy its consequences In this case, the manipulatlon of variables Increases the knowledge of
consequences Involved in the process of taking alternatlve actions. Regarding problem solving, the individual is not ablo to
identify whlch response produces a specific remforcer, yet, that individual Is able to identlfy the relnforcer
Key w o rd t: self-control, decision-making, problem solution, B.F. Skinner, education.

Antes de definir o que ó autocontrole, tomada de decisão e solução de problemas


na perspectiva de B.F. Skinner, vafe discutir qual enfoque torna importante compreender
estes três comportamentos em conjunto. Certamente, há uma gama de condições sob as
quais um analista do comportamento poderia vir a abordar o conjunto destes três
'VersAo modificada de trabalho apresentado na atividade “primeiros passos’ no IX Encontro da Associaçflo Brasllolra de
Modicina e Psicoterapla Comportamental. As alterações presentes nesta versAo foram reall/adas com baso na dissertaçAo
da autora ‘ A contrlbuiçAo de B.F Skinner para o ensino do autocontrole como objetivo da educaçAo’ (2001) orientada pelo
Prof Dr Serglo Vasconcelos de Luna e elaborada na vigência de Bolsa de Mestrado Capes-Demanda Social.

62 Vuw Cldro Nico


comportamentos. Neste trabalho, os comportamentos de autocontrole, tomada de decisão
e solução de problemas são agrupados tendo como ponto de partida a definição skinneriana
de educação, a saber; "o estabelecimento de comportamentos que serão vantajosos para
o indivíduo e para outros em algum tempo futuro" (1953, p.402).
Desta definição podem ser retiradas duas grandes considerações a respeito da
formulação de Skinner (1953) sobre educação. A primeira delas é que os comportamentos
a ser estabelecidos pela agência educacional devem ser vantajosos não apenas para o
indivíduo como tambóm para outros - portanto, qualquer prática educacional que defenda
a promoção de interesses individualistas não se enquadra na definição skinneriana de
educação, é preciso que os comportamentos definidos como alvo do ensino tragam
benefícios tanto para o indivíduo quanto para os membros do grupo no qual ele se insere;
a segunda consideração refere-se à formação para o futuro. Não basta que a educação
estabeleça comportamentos vantajosos para o indivíduo e para o grupo. Se tais vantagens
forem apenas imediatas, a educação não terá cumprido sua função. Assim, discutir a
definição de Skinner sobre educação implica discutir um duplo compromisso: um
compromisso com o grupo e um compromisso com a formação para o futuro.
Apesar de entender que abordar o objetivo educacional proposto por Skinner implica
ponderar sobre estes dois grandes parâmetros, o presente trabalho atém-se, apenas, â
discussão de algumas implicações decorrentes do compromisso com a formação para o
futuro.
Uma vertente de análise sobre as maneiras de que uma instituição de ensino
dispõe para preparar seus alunos para o futuro seria a consideração de quais contingências
de ensino são planejadas para aumentar a probabilidade de que o comportamento adquirido
sob as condições de ensino formal continue a ocorrer em ocasiões temporalmente distantes
da formação do aluno. Entretanto, este planejamento de contingências não resolve
completamente o desafio de formar para o futuro, na medida em que isto implica,
necessariamente, preparar para contingências que não podem ser previstas no momento
do ensino. Portanto, além de preparar o estudante para se comportar, no futuro, na ausência
dos membros da agência educacional, uma instituição de ensino deveria prepará-los para
assim o fazer sob contingências completamente novas e imprevisíveis.
A discussão sobre a definição skinneriana de autocontrole, tomada de decisão e
solução de problemas torna-se particularmente relevante quando se considera a formação
para contingências desconhecidas no momento do ensino. De acordo com Skinner (1953),
estes são os três comportamentos que compõem o repertório especial por meio do qual
os próprios alunos podem chegar à emissão das respostas certas sob novas contingências
e sem o auxílio dos membros da agência educacional.
O repertório composto pelos comportamentos de autocontrole, tomada de decisão
e solução de problemas ó tido por Skinner (1953) como especial justamente porque, por
meio dele, o próprio sujeito poderá chegar ás respostas adequadas em momentos futuros.
Mas, o que significa dizer que ó o próprio sujeito quem vai chegar a estas respostas?
Sem mais explicações, seria possível concluir, indevidamente, que o autor defende
a possibilidade de existir um repertório por meio do qual o sujeito seja completamente
independente e autônomo em relação ao ambiente e, portanto, que defende a possibilidade

Sobre Comportamento c CojjmçJo 63


do próprio indivíduo, a despeito de sua interação com o mundo, chegar ás respostas
adequadas sob as contingências do futuro.

Como Skinner parte da concepção de que o comportamento é produzido,


construído, em função de seus determinantes ambientais, os quais, por sua vez, são
produzidos e construídos pela própria ação do comportamento sobre o ambiente, não faz
sentido supor a possibilidade de um repertório comportamental que seja especial pelo fato
de manter uma relação autônoma com o mundo, no sentido de ser livre de suas
determinações.
Na medida em que a Análise do Comportamento tem como pressuposto que todo
e qualquer comportamento estará, sempre, sujeito a determinações ambientais seria no
m ínimo contra-senso supor que Skinner, ao tratar deste repertório especial, estivesse
propondo o desenvolvimento de comportamentos independentes e autônomos no sentido
destes prescindirem da determinação de variáveis ambientais.
Mas, então, em que sentido o próprio sujeito poderá chegar às respostas que
serão adequadas no futuro? Como Skinner caracteriza este repertório especial? Responder
tais questões é o objetivo deste trabalho.
De acordo com Skinner (1953), o repertório que prepara para o futuro é especial
porque envolve um tipo peculiar de interação do indivíduo com o ambiente na qual o próprio
indivíduo, e não um outro agente, arranja as condições necessárias para a emissão de
uma determinada resposta.
Arranjar as condições necessárias para alterar a probabilidade de seu próprio
comportamento é comportar-se; comportar-se manipulando variáveis ambientais das quais
um outro comportamento seu é função. Analisando mais de perto, há sempre duas
respostas envolvidas num episódio deste tipo: R1 e R2. R1 ó a manipulação de variáveis
que produz modificações ambientais responsáveis pela alteração na probabilidade de R2.
A emissão de R2, por sua vez, reforça R1.

R1 ------------- Modificação ambiental R2

manipular variáveis probabilidade


ambientais alterada

Sr

Figura 1: Esquema da interação sujeito-ambiente quando o indivíduo manipula


variáveis ambientais das quais outro comportamento seu ó função

Assim, o que caracteriza este repertório especial ó a emissão de respostas (R1)


que, ao manipularem variáveis ambientais, alteram a probabilidade de outras respostas
(R2) do próprio indivíduo que efetuou a manipulação, sendo a alteração na probabilidade
de R2, o reforço que mantém a ocorrência de R1. É nesse sentido que o desenvolvimento
de um repertório deste tipo pode capacitar o indivíduo a chegar, por ele mesmo, à emissão

64 Ydra l'luro Nico


das respostas adequadas no futuro. Se tiver aprendido a manipular variáveis ambientais
das quais seu próprio comportamento ó função, ele será capaz de modificar o ambiente de
modo a alterar a probabilidade de tal comportamento.
Tendo feito este percurso, pode-se começar a definir os comportamentos de
autocontrole, tomada de decisão e solução de problemas os quais, segundo Skinner
(1953), constituem o repertório especial de manipular variáveis das quais seu próprio
comportamento é função. Estes três comportamentos serão apresentados apenas com
base nas definições fornecidas por Skinner em 19532, visto que os "primeiros passos"
exigem mais uma aproximação do que um aprofundamento no tema.

Autocontrole
O conceito de autocontrole, segundo Skinner (1953), considera "a possibilidade
de que o indivíduo possa controlar seu próprio comportamento" (p.228). Por controlar seu
próprio comportamento, entenda-se emitir resposta de manipular as variáveis ambientais
(resposta controladora) das quais uma outra resposta (resposta controlada) é função.
Portanto, a resposta controladora (R1) provê estímulos que alteram a probabilidade da
resposta controlada (R2) e esta, por sua vez, reforça e mantém a resposta controladora.
Vale destacar que um indivíduo pode manipular variáveis ambientais tanto para aumentar
quanto para diminuir a probabilidade da resposta controlada.

RESPOSTA -------- ► Modificação ambiental -------- ► RESPOSTA


CONTROLADORA CONTROLADA

manipular variáveis probabilidade


ambientais alterada

Sr

Figura 2: Esquema da interação sujeito-ambiente no autocontrole.

Para começar a analisar quais as contingências envolvidas no autocontrole é


necessário ter como ponto de partida a seguinte pergunta: "Por que alguém se
autocontrola?”.
A análise de um exemplo pode ajudar a identificar as variáveis críticas no autocontrole.
Considere um indivíduo que, nos últimos anos, ao chegar a este congresso sai à noite com
amigos que não vê há tempos, toma bebidas alcoólicas e, numa determinada hora,
simplesmente paga sua conta e volta de carona. Suponha que este mesmo sujeito chegou ao
presente congresso na noite anterior e saiu, como de costume, com seus colegas. Entretanto,
para conseguir ir embora, ele precisou programar o relógio para tocar numa hora determinada,
precisou ir com o seu próprio carro e precisou, também, recusar bebidas alcoólicas.

'Para uma discussfio pormenorizada das formulações skinneriarms sobra autocontrole e resolução de problemas recomenda-
se, respectivamente, Nico (2001) e Moro? (1991).

Sobre Comportamento e Coflnivílo 65


Porque este indivíduo teve que programar o relógio, recusar bebidas alcoólicas e
ir com seu próprio carro para conseguir ir embora? Quais as razões que o levaram a
manipular variáveis ambientais para emitira resposta de "ir embora"? Porque, neste dia,
ele nào se comportou da forma que se comportara no passado?
Como analistas do comportamento, devemos responder que, muito provavelmente,
as condições presentes neste dia não eram suficientes para evocar a resposta de “ir
embora". Não fosse a manipulação de variáveis (programar o relógio, recusar bebidas
alcoólicas e ir com seu próprio carro), a resposta “ir embora" não seria emitida. Assim,
uma das razões que levou á manipulação de variáveis foi a baixa probabilidade de emitir a
resposta controlada, “ir embora".
Mas, se a resposta de "ficar com os colegas" tinha maior probabilidade de ocorrer,
por que o sujeito não ficou com eles até o momento em que a resposta de "ir embora”
tivesse sua probabilidade aumentada? Como analistas do comportamento, devemos
suspeitar que as conseqüências de emitir a resposta com maior força (ficar com os amigos)
eram, provavelmente, aversivas.
Esta breve análise permite concluir que tal comportamento de autocontrole tem
sua origem no conflito entre conseqüências: a resposta com maior probabilidade (ficar
com os amigos) produzia tanto reforçadores positivos imediatos (provenientes do contato
com os colegas) quanto aversivos atrasados (que ainda não se sabe quais são).
Uma análise mais cuidadosa do exemplo ajuda a esclarecer esta defesa: suponha
que o indivíduo soubesse que ontem, chegando ao congresso, encontraria amigos que
não vê há muito tempo e com os quais costuma sair à noite e conversar por muitas horas
(atividade para ele extremamente reforçadora). Entretanto, ele também sabia que deveria
apresentar um trabalho, neste congresso, logo hoje, no primeiro horário da manhã. Portanto,
caso ficasse conversando e bebendo com seus colegas, não produziria uma boa
apresentação (falaria sem muita voz, cansado, com baixa capacidade de concentração
etc.).
Aqui estão as razões de seu autocontrole! A resposta de “ficar com os amigos"
tinha alta probabilidade porque implicava produção imediata de reforços positivos (contato
com os amigos) mas, ao mesmo tempo, sua emissão implicava punição atrasada (ter
desempenho ruim na fala da manhã seguinte). Este conflito originou a possibilidade de
manipular variáveis ambientais (comportamento de autocontrole) para aumentar a
probabilidade de uma resposta pouco provável (ir embora). O que está se defendendo é
que não há outra razão para justificar porque alguém se autocontrola a não ser que se
considere a existência de conseqüências conflitantes. Caso a resposta de “ficar com os
amigos" produzisse apenas reforçadores positivos, o sujeito não precisaria manipular
variáveis ambientais para aumentar a probabilidade de uma resposta incompatível com
esta (ir embora): por outro lado, caso a resposta de "ficar com os amigos" produzisse
apenas conseqüências aversivas, a probabilidade de emitir a resposta de “ir embora" seria
aíta, não dependendo da manipulação de variáveis ambientais.
Sobre este ponto, vale a seguinte observação: o autocontrole será tanto mais
necessário quanto maior for o conflito entre as contingências de reforço. Assim, sob
condições nas quais a punição for branda e o reforçador extremamente poderoso, o indivíduo
não precisará se autocontrolar: ele irá comportar-se sob controle preponderante do

66 Vdfj Claro Nico


reforçador. Se a condição for oposta, ou seja, a punição for extremamente poderosa e o
reforçador não for tão valioso naquele momento, não haverá necessidade de autocontrole:
o indivíduo irá fugir, esquivar-se ou contracontrolar-se, sob controle preponderante das
punições.
Tendo feito a análise das variáveis que levam ao autocontrole, pode-se apresentar
a característica que, segundo Skinner (1953), diferencia o autocontrole da tomada de
decisão e solução de problemas, ou seja, diferencia autocontrole das outras duas formas
de manipulação de variáveis: apenas no autocontrole o indivíduo conhece, antecipadamente,
tanto as respostas possíveis quanto as conseqüências a serem produzidas por cada uma
delas.
Retornando ao exemplo, o sujeito apenas emite o comportamento de autocontrole
(programar o relógio, recusar bebidas alcoólicas e ir com o próprio carro) para aumentar a
probabilidade de “ir embora", porque tem conhecimento prévio tanto das duas respostas
possíveis (“ficar" e “ir embora") quanto das conseqüências que seriam produzidas por cada
uma destas respostas. É apenas porque o indivíduo sabe que se ficar com os amigos até
tarde terá um desempenho ruim na palestra é que ele se autocontrola.

Tom ada de d e cisã o


No autocontrole o indivíduo é capaz de identificar as respostas e conseqüências
antes de manipular as variáveis que alteram a probabilidade de um comportamento
específico. Entretanto, há momentos em que não se sabe quais são as conseqüências
envolvidas, caso o comportamento seja um ou outro. Diante de tal situação, diz-se que o
indivíduo toma decisão, manipulando variáveis que aumentam a probabilidade de "escolher"
este ou aquele curso de ação. Portanto, o que caracteriza a tomada de decisão é o
desconhecimento prévio, por parte do sujeito que se comporta, das conseqüências a
serem produzidas por um e outro comportamento. Assim, diferentemente do autocontrole,
o comportamento de tomar uma decisão não consiste na aplicação de um conjunto de
técnicas de modo a tornar mais provável uma resposta antecipadamente identificada. O
que define a tomada de decisão é a emissão de certos comportamentos que aumentam a
probabilidade de "optar por", decidir qual curso de ação será tomado. Dessa forma, um
indivíduo torna-se mais capaz de tomar uma decisão quando se comporta de modo a
produzir conhecimento acerca das conseqüências envolvidas em um e outro comportamento.
Assim, na tomada de decisão, o indivíduo conhece as respostas alternativas,
mas não as conseqüências a serem produzidas por uma e outra resposta. Se, no
autocontrole, há duas respostas possíveis, sendo que uma tem maior probabilidade que a
outra, e a manipulação de variáveis ajuda a alterar, aumentar ou diminuir, a probabilidade
da resposta controlada, na tomada de decisão, as duas respostas possíveis têm
relativamente a mesma probabilidade de ocorrer e a manipulação de variáveis consiste em
produzir conhecimento adicional sobre as conseqüências, tornando mais provável uma
ação em relação a outra.
Inúmeros exemplos cotidianos ilustram comportamentos de tomar decisões. Por
exemplo, alguns de vocês podem ter ficados indecisos entre assistir este ou outro "primeiros
passos”. O que significa ter ficado indeciso? Significa que estes dois, ou mais, cursos de

Sobre Comportamento e Co^niçâo 67


ação alternativos tinham probabilidade semelhante. Ou seja, suponha que no momento
em que vocês entraram em contato com a programação para este horário, duas ou mais
atividades sinalizavam semelhante probabilidade de reforço.
Aqueles de vocês que "escolheram" prontamente qual resposta emitir, qual atividade
assistir, não entraram num processo de tomada de decisão, pois já havia uma resposta
com maior probabilidade que outras. Aqueles que, mesmo abrindo a programação e lendo
os temas das atividades ainda encontravam-se na condição de não saber as conseqüências
relevantes a serem produzidas pelas respostas de Ir assistira atividade A ou B, podem ter
manipulado variáveis ambientais de modo a produzir conhecimento das conseqüências.
Por exemplo, "olhar na programação se existe outra mesa, palestra em que algum destes
temas vai ser discutido novamente"; “ler os resumos novamente"; "ler o nome das pessoas
que irão falar”; "verificar se um colega vai ver aquela outra atividade" etc. Todas estas são
respostas que manipulam variáveis ambientais das quais o comportamento de ir ver esta
ou aquela atividade é função.
Estes exemplos seriam de “tomada de decisão" se as respostas de manipular
variáveis alterassem a probabilidade da resposta de ir assistir A ou B. Vale ressaltar que o
termo "tomar uma decisão" não se refere à emissão do ato decidido (vou ver A), mas sim
ao conjunto de respostas (olhar na programação, ler os resumos, verificar se o colega vai
assistir a outra atividade) que, ao manipular variáveis (R1), produz fontes suplementares
de estimulação, levando ao aumento na probabilidade de emitir a resposta de decidir (R2).

RESPOSTA DE ► Modificação ambiental ► RESPOSTA DE


TOMAR DECISÕES DECIDIR

manipular variáveis probabilidade


ambientais alterada

Sr

Figura 3: Esquema da interação sujeito-ambiente na tomada de decisão.

Assim, se alguém estava indeciso até o último instante e fez “minha mãe mandou
escolher este daqui, mas como eu sou teimoso escolho este daqui!", pode ter emitido
uma resposta "de decidir" mas, com certeza, não de "tomar uma decisão".
Como qualquer outro comportamento, também o de tomar uma decisão deve ser
explicado em função das conseqüências por ele produzidas. A manipulação de variáveis,
neste caso, pode ter como conseqüência reforçadora a remoção de uma estimulação
aversiva, no caso a remoção do conflito envolvido na indecisão (vou ver este ou aquele
"primeiros passos"), ou a produção de conseqüências reforçadoras (decidi ver A ou B e,
desta forma, produzir reforços). Este dois tipos de reforçamentos, negativo e positivo,
aumentariam a probabilidade não apenas da resposta final (no próximo congresso voltar a
ver A ou B), como também do comportamento de "tomar decisões” (quando passar por
uma indecisão semelhante, emitir estas respostas de manipulação de variáveis).

68 Y.ir.i Claro Nico


S olução de p roblem a

Segundo Skinner (1953): "Há situações nas quais manipulamos variáveis para
alterar a probabilidade de uma resposta que não pode ser identificada até que seja emitida"
(p. 245). Este ó, justamente, o caso da solução de problemas.
Assim, no autocontrole o indivíduo conhece, antecipadamente, as respostas e as
conseqüências de uma e outra ação e na tomada de decisão, o indivíduo conhece as
respostas alternativas mas não suas conseqüências. Já na solução de problemas, o
indivíduo não é capaz de identificar qual a resposta que produz um determinado reforçador;
portanto, identifica o reforço mas não a resposta.
Para entender de que modo um indivíduo manipula variáveis na solução de
problemas, é preciso definir, em primeiro lugar, o que é uma situação-problema: aquela
diante da qual um indivíduo não dispõe da resposta que produz reforço. O importante é que
esta resposta faz parte do repertório comportamental do indivíduo e ele apenas não a
emite porque é incapaz de identificá-la.
Suponha que alguém saia daqui e encontre uma pessoa que conhece mas, ao
apresentá-la para um colega, esqueça seu nome. Aqui está uma situação-problema! O
indivíduo: 1) identifica o reforço (apresentar corretamente o conhecido para o amigo); 2) a
resposta que produz o reforço faz parte de seu repertório comportamental (já disse alguma
vez aquele nome, "sabe" dizê-lo) mas, por qualquer razão, 3) não dispõe prontamente da
resposta que produz o reforço (não é capaz de identificar o nome prontamente; não "lembra"
do nome).
Imagine que, diante de tal situação, o indivíduo comece a manipular variáveis de
modo a aumentar a probabilidade da resposta de dizer o nome correto, ou seja, aumentar
a probabilidade da resposta-solução. Para aumentar a probabilidade desta resposta começa,
por exemplo, a perguntar: "qual foi a última vez que nos vimos?"; "quem nos apresentou
mesmo?". As alterações ambientais produzidas por estas perguntas, ou seja, as respostas
da outra pessoa, podem funcionar como estimulações que levam á resposta solução:
lembrar o nome. Se mesmo assim, o nome não for lembrado, o indivíduo pode começar a
emitir uma série de outras manipulações, por exemplo, encobertas: percorrer repetidamente
o alfabeto para ver se lembra com que letra começa o nome, pensar em vários acentos
tônicos, percorrer as nacionalidades "o nome é alemão, italiano, francês, brasileiro...?".
Se o conjunto de todas estas manipulação de variáveis, neste caso, abertas e
encobertas, alterassem a situação-problema, levando ao aparecimento da resposta-solução
(lembrar o nome), diríamos que o problema foi resolvido.
Deste modo, na solução de problemas, a resposta-solução (R2) deve ser sempre
analisada em conjunto com as interações predecessoras que tornaram mais provável sua
emissão. Estas interações envolvem, necessariamente, comportamentos de manipular
variáveis. Na solução de problemas, os comportamentos de manipular variáveis são
denominados comportamentos precorrentes ou preliminares (R1). Vale ressaltar que a
relação entre precorrentes e o aparecimento da solução é, simplesmente, a relação entre
a manipulação de variáveis e a emissão de uma resposta solução.

Sobre ComportimciJlo c CottnifAo 69


RESPOSTA ^ Modificação ambiental »> RESPOSTA-
PRÉCORRENTE SOLUÇÃO

manipular variáveis probabilidade


am bie ntais alterada

Sr

Figura 4: Esquema da interação sujeito-ambiente na solução de problemas

Vale destacar que, assim como decidir não é emitir o ato decidido, mas sim um
conjunto de comportamentos que levam à emissão deste ato, solucionar um problema
não é emitira resposta ftnaf (dizer o nome), mas sim emitir um conjunto de comportamentos
precorrentes que aumentem a probabilidade da resposta-solução. Este trabalho teve como
objetivo descrever os comportamentos que compõem o repertório especial por meio do
qual os indivíduos podem estar preparados para o futuro. Tais comportamentos estão
envolvidos num tipo de repertório que ó, usualmente, tido como evidência de autonomia.
Em nossa cultura, os comportamentos de autocontrole, tomada de decisão e solução de
problemas são tidos como exemplos máximos da autonomia e independência do sujeito.
Espera-se ter esclarecido que, para Skinner, o sujeito pode ser independente quando
emite um destes três comportamentos na medida em que ele próprio, e não outra pessoa,
arranja as condições necessárias para a emissão de outra resposta sua. Além disso,
espera-se ter esclarecido que esta independência irá envolver, sempre, uma constante
interação com o ambiente.

R e fe rê n c ia s

Moroz, M. (1991). Resolução de problemas: problema a ser solucionado conceituai e


empiricamente - uma análise da interpretação de B. F. Skinner. Tese de Doutorado.
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Sâo Paulo.
Nico, Y. C. (2001). A contribuição de B. F. Skinner para o ensino do autocontrole como objetivo
da educação. Dissertação de mestrado. Pontifícia Universidade Católica de Sâo Paulo.
Sâo Pauio.

Skinner, B.F. (1953). Science and Human Behavior. New York: Macmillan.

70 Yara Claro Nico


Capítulo 8

Dificuldades ortográficas: análise de


algumas variáveis relevantes para o
aprimoramento do controle de estímulos

M i riam Marinotti
Cllimj f’ürficuldt

0 preaente artigo procura analisar processos envolvidos na aquisição da escrita ortograficaniente correta, dentro do
referencial teórico da Análise do Comportamento. Para que se possa proceder a tal discussão, o texto Inicia abordando
aspectos mais genéricos, tais como: relações entre oa repertórios relativos â leitura e A escrita; proceaaoa envolvidos na
alfabetização, concebida como aquisição de um repertório minimo de reapoataa e daa operações que regem aua (re)comblnaçâo
para a formação de novas palavras; processos envolvidos na aquisiçAo da escrita ortograflcamente correta, o que demanda,
multas vezes, uma resposta de escolha frente a várias grafias possíveis (s/ss/c/ç/sc; x/ch; j/g/ l/u etc); (in)dependência
funcional de operantes verbais; unidadea verbais mlnlmas necessárias à alfabetização em Língua Portuguesa. A aquisição
da eacrita conforme as convenções ortográficas de nossa língua é, entAo, abordada do ponto de vista do controle de
estímulos necessário. Nesta seçAo, busca-se ressaltar algumas caractertstlcas da língua escrita que, embora de pouca
relevância para o processo de alfabetização, adquirem extrema importância nn aquisiçAo das convenções ortográficas
propriamente ditas e que, portanto, deverAo passar a exercer controle sobre as respostas envolvidas na escrita.
Palavras-chave, leitura, escrita, ortografia, controle de estímulos, unidades verbais mlnlmas

The following artlcle alms to analyze the processes involved in the learnlng of correct spelling based on the frame of the
Behavior Analysls So as to proceed with this argument, the toxt starts by dealing with general aspecta, auch aa: relationships
between the repertoires related to reading and writing; processes in literacy, which is conceived here as the learnlng of a the
mlnimal response repertoire and of the combining operatlons that generate new words; processes Included In the learning of
correct spelling which demands many times a selection-based response among a varlety of possible spellings (e.y. s/ sb/ c/
ç/sc; x/ch; j/g, l/u etc); functlonal (in)dependence of verbal operants, mmlmal verbal unita required by the learnlng of written
Portuguese. The learnlng of whting in this language, according to the standard spelling, is consldered grounded on the
stlmulus control required. This topic emphasizes aome featurea of the written language which are more relevant for the
standard spelling than for tho beglnning of the process of literacy. Such features must control the responses in writing.
K ty words: reading, writing, spelling, stlmulus control, minimal verbal unita.

Dentre as queixas acadêmicas apresentadas por crianças , as dificuldades em


leitura e escrita ganham relevância especial, quer por sua freqüência, quer pelos efeitos
prejudiciais generalizados que acarretam, visto que afetam o desempenho da criança em
todas as disciplinas. Obviamente, os prejuízos não se restringem á esfera acadêmica,
mas se estendem também para a esfera sócio-emocional, gerando muitas vezes
inadequações comportamentais que sâo, erroneamente, tomadas como causa do fracasso
escolar. Assim, insegurança, dificuldades de relacionamento social, indisciplina etc.,

Sobre Comportamento e CoflnfçJo 71


resultantes de sucessivas punições oriundas do baixo rendimento acadêmico, passam a
ser tomadas por causas do mesmo.1
Tanto os tipos de dificuldades apresentadas, quanto as razões de sua ocorrência,
são muito diversas. Incluem desde as falhas tão conhecidas de nosso sistema educacional
até peculiaridades da história de aprendizagem de cada aluno.
Crianças cujas famílias detêm algum recurso (não apenas financeiro, mas também
em termos de informações ou acesso a serviços diferenciados) freqüentam aulas de reforço,
professores particulares ou clinicas psicológicas, psicopedagógicas e fonoaudiológicas,
obtendo resultados diferentes a depender de uma série de fatores que não nos ó possível,
aqui, analisar. As demais, via de regra, vão completando a seriação escolar através da
promoção automática, situação esta que lhes propicia, na realidade, chances quase nulas
de sanarem suas dificuldades, ou abandonam a escola concluindo que “não dão para o
estudo".
A abordagem predominante (quase que exclusiva) adotada nas escolas -
particulares ou públicas - em relação ao processo de ensino-aprendizagem é, como se
sabe, cognitivista e, mais especialmente, construtivista. Nos cursos de graduação ou
especialização para profissionais Jigados ò educação e/ou atividade clínica também o
enfoque básico é cognitivista ou psicodinâmico. Como resultado, dificuldades de leitura e
escrita são atribuídas a fatores tais como: problemas emocionais e familiares; déficits
perceptuais (raramente comprovados) ou de memória; estruturação cognitiva defasada
etc. Conseqüentemente, as propostas de “re-educação" variam de ludoterapia (para sanar
os problemas de ordem emocional que, supostamente, se encontram na origem do
fracasso escolar) a procedimentos pedagógicos fortemente calcados no treino por repetição
(e exaustão) de palavras de grafia duvidosa.
Frente, então, a esta tradição cognitivista associada ao tema, bem como à
escassez de literatura comportamental na área, resta-nos começar a analisar o assunto
dentro da perspectiva da análise do comportamento, quer em situação clínica, quer em
contextos experimentais, para construirmos um referencial teórico e uma tecnologia que
nos permitam lidar de forma mais eficiente com esta problemática. É com o intuito de
fomentar este debate que este trabalho está sendo apresentado.

Considerações gerais sobre os repertórios envolvidos na leitura e na escrita

A idéia de que a aprendizagem da leitura implica, necessariamente, em saber


escrever e vice-versa é amplamente aceita quer pelo senso comum, quer por professores
e outros profissionais envolvidos com a educação. Possíveis razões para isso são: ambas
as atividades envolvem o mesmo código simbólico; o desenvolvimento dos dois repertórios
muitas vezes ocorre concomitantemente e avanços num deles freqüentemente se
estendem ao outro. Além disso, no leitor/escritor fluente, as relações entre estes dois
repertórios são tão estreitas que nos levam a crer tratar-se de atividades absolutamente
indissociáveis.
1 NAo se pretende, com Isto, n*gnr que problemas de ordem emocional possam afetar o desempenho acadêmico. Apenas,
A nossa Intenção ressaltar que, muitas vezes, as dificuldades encontradas pelas crianças na escola pioduzem conseqüências
emocionais as quais, entflo, passarAo a constituir um entrave a mais para o bom desempenho

72 Mirium M.irinolli
Entretanto, evidências originadas em situações aplicadas (por exemplo, na clínica)
ou em contextos experimentais fornecem suporte para o que normalmente ó analisado, na
literatura, sob o rótulo de “independência funcional dos operantes verbais".
Qualquer profissional que tenha razoável experiência com crianças que apresentam
dificuldades para ler e escrever, será capaz de observar que: a) avanços num destes
repertórios não se traduzem, necessária e espontaneamente, em progressos no outro; b)
nem mesmo as atividades de ler ou escrever guardam entre si tais relações (por exemplo:
uma criança pode sair-se muito bem - do ponto de vista ortográfico - num ditado, e
cometer erros incríveis numa redação ou quando redige uma resposta dissertativa, inclusive
naqueles vocábulos que acertou no ditado ). Dizer, simplesmente, que trata-se de
um"problema de atenção" é pouco para entender a situação.
Skinner (1957) nos aponta uma direção que parece muito mais profícua para
abordar o assunto, ao indicar que diferentes atividades que envolvem a leitura e a escrita
diferem, quer pela resposta propriamente dita, quer pelas relações de controle envolvidas.
Trabalhos mais recentes sobre comportamento verbal (Lee e Pegler, 1982; Lamarre
eHolIand, 1985; Polson, Grabavac e Parsons, 1997) vêm tentando avançar nesta análise
e, com freqüência, concluem que a interdependência de repertórios verbais longe de ser
um fato naturalmente esperado, muitas vezes requer cuidadoso planejamento de
contingências para que possa ocorrer.
No que tange, especificamente, à leitura e á escrita, os dados provindos da atividade
clínica e educacional sugerem algumas hipóteses, que certamente demandam estudos
sistemáticos para que tenham sua plausibilidade aquilatada. Dentre elas:
- leitura e escrita constituem repertórios distintos e, em grande medida, independentes,
no início de sua instalação;
- há uma tendência de se tornarem progressivamente interligados à medida que o indivíduo
progride na aquisição dos diferentes comportamentos envolvidos no ler/escrever;
- entretanto, alguns fatores podem impedir / dificultar esta integração. Dentre eles:
integridade neurofisiológica do indivíduo; método de ensino; repertório (suficiente ou
defasado) da criança em relação às dificuldades específicas de uma ou outra situação
(leitura ou escrita).
O Quadro I sintetiza algumas diferenças importantes para o desenvolvimento dos
repertórios de leitura e escrita. Segue-se, então, um detalhamento daqueles aspectos que
nos parecem insuficientemente elucidados pelo Quadro11.

3 Até aqui lem oi nos utilizado dos termos "leitura" e 'escrita' e evitado, deliberadamente, os operantes verbais descritos por
Skinner (comportamento textual, copiar e le ), por entender que os primeiros (leitura e escrita) sAo termos mais genéricos e
que permitem tratar rio que há de comum entre estes operantes, considerando-se os assuntos atA então abordados.No
Quadro I aparece, pela primeira vez, a necessidade de procedermos á distinção entre leitura (concebida como decodlficaçAo,
compreensão o entonaçAo, no caso da leitura oral) e comportamento textual, o qual se refere mais especificamente à
decodificaçAo dos símbolos gráficos. Analogamente, as diferentes condições de produçAo da escrita começam a ser
separadas. Doravante, procuraremos manter coerência com esta torminologia utill/ando os conceitos skinnerianos para
discorrer sobre operantes específicos e, os termos leitura e escrita, sempre que o argumento se aplicar às diferentes
situações .

Sobrr Comporiamcnlo c Cotfni(<io 73


Leitura Escrita (manual)

S° visual S° visual ou auditivo, aberto/encoberto

R oral, aberta/encoberta R motora, aberta

Feedback auditivo Feedback visual

Modalidade familiar à criança (ouvinte) Repertório como leitor: em instalação


Leitor da própria escrita - requer contingências
especiais

Unidades relevantes: sílabas e letras, em Unidades relevantes: sílabas e letras


geral, constituem unidades suficientes para constituem unidades necessárias, mas
o comportamento textual não suficientes, como controle da escrita
correta

Repertórios associados: Repertório associados:


Comportamento discrim inativo sob C om portam ento discrim inativo sob
controle de acentuação gráfica, sinais de controle de acentuação gráfica, sinais de
pontuação e demais convenções pontuação e demais convenções
Compreensão Elaboração
Estruturação Gramatical

Quadro I - Algumas variáveis envolvidas nos repertórios de ler e de escrever.

Tipo de estimulação
A estimulação antecedente aos comportamentos de ler e escrever varia não apenas
quanto à modalidade (visual ou auditiva), mas também quanto à diversidade muito maior
de situações que servem de S° para a escrita do que para a leitura. Enquanto que a
leitura, para ocorrer, não pode dispensar estímulos visuais gráficos, a escrita pode ser
evocada a partir de diferentes estímulos visuais (letras, fotos, desenhos etc) ou auditivos
(ditado, auto-ditado), ou combinação destas duas modalidades (por exemplo, cenas
observadas ou imaginadas).

Características das respostas


O ensino da leitura requer, basicamente, o estabelecimento de novas relações de
controle sobre respostas pró-existentes no repertório da criança, visto que esta já apresenta,
enquanto falante, respostas orais que passarão, agora, a ficar sob controle de estímulos
gráficos.
No caso da escrita (manual) novas respostas (motoras) deverão ser /'nstaladas e
colocadas sob controle dos estímulos apropriados.

74 Miri«tm Murmolli
C o n se q ü e n cia çã o de re sp o sta s

Neste processo, a cópia tem papel importante sobre o treino motor, já que permite
o auto-reforçamento imediato das respostas adequadas, isto é, quando se observa
correspondência ponto a ponto entre unidades do estimulo e unidades da resposta gráfica.
Porém, assim como "ler" envolve mais do que a mera decodificação de sinais
gráficos, “escrever" também vai muito além de copiar. Tornar um aluno um escritor hábil
significa torná-lo capaz de: escrever corretamente do ponto de vista ortográfico e gramatical;
seqüenciar e estruturar o conteúdo de forma lógica e com clareza etc.
Isto envolve contingências diversificadas e complexas, dentre as quais, tornar o
aluno um leitor de sua própria escrita.
Deste ponto de vista, a aquisição da leitura é facilitada pelo fato de que o aluno,
tendo um repertório como ouvinte já instalado, pode se beneficiar do mesmo como fonte
de auto-correção.

U nidades v e rb a is m in ím a s

Diferentes métodos de alfabetização divergem entre si por vários aspectos, dos


quais um dos mais relevantes diz respeito à unidade adotada como ponto de partida para
o ensino. Os métodos fonéticos, silábicos, sintéticos ou globais, estão assim classificados
por elegerem como unidade fundamental de trabalho fonemas, letras, sílabas, palavras ou
textos.
No campo da Análise do Comportamento, este assunto vem sendo tratado em
trabalhos que buscam identificar unidades verbais mínimas que além de permitirem a
aquisição de respostas de leitura e escrita, tenham também um caráter gerativo, isto é,
possibilitem a transferência da aprendizagem para novas situações (Lee.V.L. e Sanderson,
G.M., 1987; Alessi, G., 1987; Hübner-D’Oliveira, M.M. e Matos, M.A., 1991; Hübner-
D'Oliveira, M.M. e Matos, M.A ., 1993).
Skinner (1957), ao tratar do comportamento textual, afirma:

"O tamanho da menor unidade funcional do comportamento textual tem constituído, há


bastante tempo, uma questão prática em educaçáo. ê melhor ensinar uma criança a ler através
de letras ou sons Isolados, de sílabas, palavras ou unidades maiores? Independentemente de
como seja ensinado, o leitor habilidoso virá a possuir operantes de tamanhos multo diferentes.
Ele pode ler uma frase com várias palavras como uma única unidade, ou pode ler uma palavra
som por som. "(p. 67)

De fato, o leitor fluente parece se utilizar de diferentes unidades, a depender de


vários fatores, entre os quais, familiaridade com o vocabulário empregado em um texto.
Assim, o mesmo leitor que prossegue fluentemente na leitura de um texto, fazendo-o por
blocos de palavras pode, ante uma palavra desconhecida, hesitar e recorrer à leitura sílaba
a sílaba.
A mesma posição pode ser sustentada em relação à escrita: o controle por unidades
maiores e menores deve co-existir, visto que diferentes situações requerem atenção a
diferentes aspectos do código gráfico.

Sobre Comportamento e Cotfmçilo 75


Assim, na alfabetização - concebida como aprendizagem das regras básicas que
regem a escrita alfabética e das famílias silábicas - o estabelecimento do controle por
unidades menores (letras e sílabas) parece o mais indicado, uma vez que facilita
transferência para novas palavras.
Alessi (1987) discute a importância de se instalarem repertórios mínimos de
respostas naqueles casos em que:
a) é impossível ensinar diretamente cada relação estímulo-resposta envolvida da
aprendizagem de determinadas áreas do conhecimento. Portanto, novas respostas ou
relações deverão emergir sem que tenham sido diretamente instaladas
b) pode-se identificar um conjunto mínimo destas relações que, uma vez instalado, permitirá
a emissão de muitas outras relações não ensinadas, através da combinação e
recombinação destes elementos e da aplicação das operações que as regem.
Tais características são absolutamente fundamentais no caso do aprendizado de
escritas alfabéticas (em contraste, por exemplo, com as escritas ideográficas).
Assim, a criança que ao ler ou escrever as palavras GATOe LONA estiver sob
controle das sílabas ou letras envolvidas terá maior facilidade para ler novas palavras que
incluam estes mesmos elementos (por exemplo, GALO), do que aquela que estiver sob
controle do estímulo global, isto é, da palavra como um todo.
Por outro lado, estas mesmas unidades que facilitam a generalização da
aprendizagem não são, por si só, suficientes para garantir escrita ortográfica correta.
Isto se deve ao fato de que, na Língua Portuguesa, a correspondência entre os
sons e sua representação gráfica não é exata, apesar de ser maior, por exemplo, do que
na Língua Inglesa.
Ou seja, o mesmo som pode ser representado por diferentes letras ou agrupamento
de letras (ex.: /s/ - s, ss, c, ç, sc, x) e a mesma letra pode corresponder a diferentes sons
(ex.: x - /?/, /s/, Izl, /ks/, /kz/).
Tal fato dificulta muito a escrita ortograficamente correta, principalmente se levarmos
em conta que:
a) a maior parte das irregularidades existentes no Português não advêm de uma regra
clara ou facilmente transmissível para os alunos;
b) mesmo quando existe uma regra clara, que pode ser transmitida com facilidade às
crianças - por exemplo, m antes de p e b - as dificuldades demonstradas pelas
crianças indicam que o simples conhecimento da regra é, por si só, insuficiente no
controle de seu comportamento.
Embora tais irregularidades também gerem problemas na leitura, estes são menos
freqüentes e tendem a ser superados com mais facilidade. Talvez isto ocorra graças aos
SDs suplementares providos pelo contexto em que a palavra aparece.
Ilustrando: ao ter que escrever a palavra "piscina" não dispomos de qualquer pista
sobre a utilização do sc em detrimento do ss ou do ç, ou mesmo do x (como em próximo),
a não ser que o controle pela palavra como um todo já tenha sido estabelecido em nosso
repertório. Encontramo-nos, portanto, frente a uma resposta de escolha, que pode incluir
alternativas com probabilidade de emissão muito próximas, o que dificulta o desempenho.

76 Mlrium Murmolli
Entretanto, frente a uma frase impressa do tipo: O módico solicitou vários exames.
a resposta vocal correta (xcom som de IzJ) apresenta maior probabilidade de ocorrência
que as alternativas (outros possiveis sons do x), dado que:
a) as outras alternativas não constituem palavras da Língua Portuguesa e, portanto, a
probabilidade de que emissões anteriores destas respostas , pela criança, tenham
sido reforçadas é muito baixa;
b) o contexto delimitado pela frase acima assemelha-se a ou identifica-se com situações
anteriores em que a emissão da resposta verbal (oral ou escrita) correta provavelmente
foi seguida de reforçamento.
Portanto, embora a leitura também envolva uma resposta de escolha, as alternativas
possíveis apresentam probabilidade de emissão muito diferentes, facilitando a emissão da
resposta correta.
Conforme afirmado anteriormente, se o controle por unidades verbais menores é
adequado à fase de alfabetização, ele é insuficiente para o desenvolvimento da escrita
ortograficamente correta.
A próxima seção procura sugerir o estabelecimento de outras fontes de controle
do comportamento visando facilitar esta tarefa.

C ontrole de e s tím u lo s e a p rim o ra m e n to da o rto g ra fia

Como já vimos no inicio do texto, as propostas adotadas pela escola e profissionais


vinculados à "recuperação" de crianças com problemas de aprendizagem são, em sua
grande maioria, de cunho cognitivista.
Dentro desta perspectiva, a alfabetização e, em especial, o ensino da ortografia,
são encarados como fundamentalmente calcados em atenção e memória. Conseqüentemente,
o ensino:
1. enfatiza a repetição exaustiva de vocábulos que apresentem dificuldades ortográficas,
basicamente através de exercícios de cópia ou caligrafia.

Mesmo sem dados estatísticos acerca da eficácia destas atividades, o


acompanhamento de crianças com este tipo de dificuldade sugere que, além de alterar
pouco o quadro e não facilitar a generalização de eventuais progressos, tais tarefas tendem
a ser encaradas como aversivas pelos alunos, com todas as decorrências conhecidas
para a motivação e a aprendizagem.
2. encoraja a leitura como forma de aprimorar a escrita (a crença de que "quem lê, escreve
bem" ou a apologia da leitura como forma de melhorar a ortografia constituem voz
corrente não apenas entre os leigos, mas também entre profissionais da área).

Entretanto, como já vimos, a transferência de aprendizagens da leitura para a


escrita e vice-versa, está longe de ser uma conseqüência "natural” ou esperada, dadas as
peculiaridades de cada um dos repertórios. Mesmo progressos dentro de cada uma destas
modalidades não se generalizam, necessariamente, de forma automática para outras
situações. Por exemplo, progressos na cópia não necessariamente levam a melhoria no
ditado ou redação, devido às diferentes relações de controle presentes em cada situação.

Sobre Comportamento c Cotfmvdo 77


Tentando, entào, abordar o assunto do ponto de vista da Análise do Comportamento,
buscamos identificar aspectos que possam contribuir para um controle de estímulos mais
adequado à produção da escrita ortograficamente correta.
Qualquer vocábulo pode ser concebido como um estímulo que apresenta várias
dimensões (semântica; fonológica; gramatical etc). Devido, provavelmente, à precedência
da fala sobre a escrita, as crianças iniciam o processo de alfabetização (informal ou
regular) sob forte controle dos aspectos semânticos dos vocábulos e das características
relevantes para a linguagem oral. Assim, apresentam maior facilidade na identificação das
sílabas, visto que constituem unidades (topográficas) de fala, do que dos fonemas, que
não aparecem de forma isolada na linguagem oral.
Portanto, a instalação de um repertório de escrita consistirá, em grande medida,
em colocar os alunos sob controle de algumas dimensões pouco salientes ou às quais
anteriormente não respondiam.
Um primeiro passo, nesta direção, consiste em ressaltar, para os alunos, as
diferentes unidades constituintes de uma palavra ou mesmo de um texto, procurando,
com isto, aumentar o controle destas dimensões sobre seu comportamento. Atividades3
que exigem a decomposição/formação de palavras em seus elementos, ou re-arranjo de
elementos para produzir palavras (atividades conhecidas como de análise/síntese) parecem
servir a esta função. São exemplos deste tipo de atividade: separação de sílabas; anagramas;
cruzadinhas; caça-palavras; procurar uma palavra dentro da outra (descasado) etc.
Treino análogo pode ser útil quando se trata de atender à regra "m antes de p e b".
Se a regra, por si só, não adquire controle sobre a resposta, atividades que ressaltem os
agrupamentos mp e mb poderão aprimorar o controle de estímulos sobre esta resposta.

Deve-se considerar também que se, por um lado, é verdade que a mera exposição
às palavras (enquanto estímulos, na leitura) não garante o acerto das respostas (na escrita),
por outro, isto não eqüivale a negar a importância do treino na aquisição das convenções
ortográficas.
Lee e Pegler (1982) identificam algum progresso na ortografia de vocábulos quando
os sujeitos são submetidos a um treino intensivo ("overtraining”) na leitura dos mesmos.
Entretanto, isto foi observado num contexto experimental que envolvia um conjunto muito
reduzido de vocábulos, apresentados isoladamente (portanto, de forma descontextualizada)
e em pós-testes imediatos (não havendo dados de follow-up que permitissem avaliar a
manutenção dos ganhos observados).
Portanto, em contextos aplicados, onde o repertório a ser adquirido ó muito mais
extenso e as condições para emissão das respostas muito mais diversificadas, o treino
deverá ir além da mera exposição das crianças às palavras e envolver estratégias que
coloquem suas respostas sob controle de estímulos adequado.
Para ilustrar, imaginemos a seqüência de exercícios abaixo (em itálico):
1. As palavras abaixo formam um texto. Monte o texto seguindo as dicas fornecida
Os quadrinhos preenchidos com sinais de pontuação não contêm palavras.

J0 termo "atividade” , tal qual é aqui empregado, pretende incluir nAo «penai tarefa* que possibilitem a emlssAo da resposta
desejada, mas que o façam sob controle de estímulos adequado e conseqüenciaçAo consistente com o objetivo instrucionnl
subjacente

78 Mirkim Mdrinotli
1 2 3 4 5

6 7 8. 9 10

11 12 13. 14 15

16, 17 18 19 20,

21 22 23 24.

a vez exibem Honduras


de atos pânico bombeiros
em gera região sobrevoam
Os mais Tremor Helicópteros
uma terra heróicos

1,2e3. estas palavras, em conjunto, indicam um fenômeno da natureza.


5. País da América Central.
6. Verbo dissílabo.
7. Esta palavra é acentuada porque é paroxítona.
9. Forma de transporte aéreo.
12. Palavra com til.
14. Inicio de frase requer letra maiúscula.
23. Adjetivo relacionado a "heroísmo".
2. Copie as palavras do texto, que começam por “h", em ordem alfabética.
3. Honduras é nome de um país. Pesquise outros países que comecem com "h"
e coloque seus nomes na coluna correta:
Hemisfério Norte Hemisfério Sul

4. Descubra as palavras abaixo, escreva-as no pontilhado e encontre-as no


caça-palavras:
Substância componente do sangue________________
Doença que requer transfusões de sangue____________
Avião que pousa na água______________
Banheira com *efeitos especiais"___________________
Doença do “cachorro louco"______________
Estes exercícios:
• permitem exposição intensiva aos vocábulos de interesse, visto que para
realizá-los a criança deverá voltar muitas vezes a cada uma das palavras;
• conferem ênfase a aspectos relevantes para a ortografia correta (uso de
maiúsculas, acentuação de proparoxítonas, classes gramaticais etc);
apresentam a mesma palavra alternadamente como estimulo (quando impressa
e deve ser lida) e como resposta (quando deve ser escrita), o que visa facilitar a
transferência de progressos de um repertório ao outro e aumentar a probabilidade
de reforçamento contingente à escrita correta;

Sobre Comport.imenlo c CoflniÇilo 79


• requerem composição e decomposição das palavras em diferentes unidades
(letras, ao preencher as dicas do caça-palavras e colocar as palavras em ordem
alfabética; sílabas, por exemplo, nas pistas 6. e 7. do exercício 1., e assim por
diante);
• dada atividade de cópia, neles embutida, permitem a auto-correção (e,
eventualmente, reforçamento automático imediato), sem trazer consigo a
aversividade usualmente associada à cópia, conforme tradicionalmente utilizada;
enfatizam propriedades “ gerativas” do idioma, isto ó, que facilitam a emissão
de respostas não diretamente ensinadas a partir do vocabulário conhecido (prefixos,
palavras derivadas etc), assunto ao qual nos dedicaremos mais adiante;
• pretendem romper a dicotomia fixação/memorização X compreensão/raciocínio
pois não requerem a repetição m ecânica dos vocábulos, mas exigem o
estabelecimento de relações, habilidades de raciocínio lógico e solução
de problemas para que possam ser realizados.
Obviamente, estes são apenas alguns exemplos de uma extrema variedade de
exercícios que poderiam ser elaborados e atendem, unicamente, a propósitos ilustrativos,
neste texto. O trabalho deveria se estender de forma a ampliar o vocabulário trabalhado
(alguns critérios para seleção deste vocabulário são expostos adiante) e enfatizar outros
aspectos ausentes até aqui.
Outra diretriz que podemos derivar da análise precedente consiste na programação
de atividades de ensino que evidenciem quais características dos estímulos são
relevantes, face à questão ortográfica que se quer abordar. Ou seja, a depender de qual
a dificuldade ortográfica a ser trabalhada, diferentes características das palavras se mostrarão
relevantes. A tonicidade da palavra poderá nos fornecer pistas sobre sua acentuação, mas
nada nos informará sobre sua grafia (x ou c h i ss ou ç?). O contexto, mais do que as
características sonoras dos vocábulos, nos serão úteis quando tivermos que optar entre
escreveram ou escreverão, e assim por diante.
Para tanto, ó necessário que o profissional responsável pela programação do
ensino tenha clareza das peculiaridades da Língua Portuguesa para discriminar quais,
dentre as inúmeras características de uma palavra (fonológicas, semânticas, gramaticais
etc), deverão adquirir controle sobre a resposta de escrevê-la, de forma a aumentar a
probabilidade de que esta resposta atenda às convenções do idioma escrito.
Por exemplo: um rápido levantamento de palavras iniciadas por h revela que muitas
delas contêm prefixos (hemi-; hemo-; hidro-; homo-; hetero-....). Portanto, o planejamento
de atividades que ressaltem este fato e trabalhem com um repertório básico que o exercite
deverá aumentar a probabilidade de respostas corretas face a palavras não ensinadas
diretamente, porém que contêm o mesmo prefixo e que, portanto, compartilham alguma
similaridade semântica.
Por outro lado, se estivéssemos trabalhando com s s , poderíamos verificar que há
muitos verbos que, no infinitivo, apresentam este agrupamento (assar; passar; passear;
assessorar; assistir; fracassar; necessitar....) o que sugere a programação de atividades
que evidenciem o caráter gerativo deste fato, qual seja: as conjugações (regulares) manterão
os "dois esses", tornando desnecessário que se ensine á criança a grafia de cada uma
das palavras (passo, passas, passa, passamos....).

80 Miriam Marinolli
Alóm disso, os “dois esses" são fundamentais para o modo subjuntivo e atividades
que evidenciem este fato facilitarão a transferência de aprendizagem não apenas em relação
ao verbo em estudo, mas para muitos outros que apresentam os "dois esses" no subjuntivo.
Analogamente, o trabalho com palavras primitivas e derivadas pode ser planejado
de forma a pôr em evidência características comuns entre elas, de forma a aumentar a
probabilidade de emissão de novas resposta corretas. Por exemplo: crescer, crescimento,
decrescente, crescente
Enfim, diferentes dificuldades ortográficas requerem o fortalecimento do controle
exercido por diferentes aspectos dos estímulos. Um levantamento e análise de vocábulos
que envolvem tais dificuldades fornece pistas úteis para a programação de estratégias de
ensino.
Este levantamento permitirá, também, a seleção das palavras que integrarão o
vocabulário mínimo com o qual pretendemos trabalhar. Esta seleção deverá levar em conta
vários critérios, visando facilitar a aprendizagem e generalização. Assim, é importante
incluir em nosso vocabulário básico palavras:
1. de uso freqüente no idioma, o que propiciará mais oportunidades de emissão e
reforçamento da resposta;
2. ou grupos de palavras que facilitem a transferência da aprendizagem para outros
vocábulos não treinados diretamente (conforme discutido acima);
3. utilizadas nas diferentes disciplinas escolares, seja para aumentar a probabilidade de
ocorrência e reforçamento da resposta, seja para minimizar conseqüências aversivas
(acadêmicas ou emocionais) advindas de uma escrita muito comprometida do ponto
de vista ortográfico. Assim, o trabalho com ortografia não só pode, como deve ocorrer
de forma integrada com o das outras disciplinas componentes do currículo.
Por exemplo, ao trabalhar com o h inicial, poderíamos incluir, em nosso voc

Matemática Estudos Sociais Ciências


hipótese história heliocentrismo
hexágono helenismo hidrogênio
hipotenusa hemisfério hemoglobina
heptágono homem homogêneo
humanidade heterogêneo
horário herança

4. respostas pré-existentes no repertório da criança, a fim de facilitar novas aquisições a


partir delas.
Já no caso de palavras homófonas (cem/sem; concerto/conserto etc), é o contexto
em que a palavra ocorre que fornecerá pistas semânticas para a escolha da grafia a ser
utilizada.

Sobre Comportamento c Cognifdo 81


Considerações finais

Neste artigo, procuramos analisar a aquisição das convenções ortográficas, pela


criança, tendo como referencial os conceitos da Análise do Comportamento. Por se tratar
de assunto pouquíssimo explorado, dentro desta perspectiva teórica - especialmente no
que se refere à Língua Portuguesa - a maior parte das afirmações aqui apresentadas
devem ser encaradas como hipóteses que, para poderem ter sua plausibilidade avaliada,
requerem estudos experimentais e de laboratório, bem como a sistematização de dados
obtidos por aqueles que intervém junto a crianças que estão aprendendo a escrever.
Resumidamente, defendemos aqui que: a) a aprendizagem das convenções
ortográficas não se dá através da mera exposição das crianças aos diferentes vocábulos,
mas requer o estabelecimento de um controle de estímulos adequado: b) este controle de
estímulos pode ser aprimorado se incluir diferentes unidades verbais cuja identificação,
por sua vez, demanda uma análise das características do idioma a ser ensinado: c) leitura
e escrita envolvem repertórios em grande parte distintos e, portanto, a transferência de
aprendizagens entre eles muitas vezes deve ser programada, mais do que esperada e d)
a dicotomia "memorização/fixação X raciocínio/compreensão" deve ser rompida através do
planejamento de estratégias de ensino das convenções ortográficas que enfatizem
habilidades tais como: estabelecimento de relações, raciocínio lógico e de solução de
problemas.

REFERÊNCIAS

Alessi, G. (1987) Generative Strategies and Teaching for Generalization . The Analysls of Verbal
Behavior, 5, 15-27.
Hübner-D'Oliveira, M.M. e Matos, M. A .(1991) Investigação de variáveis na obtenção do controle
por unidados verbais mínimas. Em Sociedade de Psicologia de Ribeirão Preto (org.)
Comunicações Cientificas em Psicologia. XXI Reunião Anual (p.68). Ribeirão Preto:
SBP.
Hübner-D'Oliveira, M.M. e Matos, M. A .(1993) Controle Discriminativo na Aquisição da Leitura:
efeito da repetição e variação na posição das sílabas e letras. Temas em Psicologia, 2,
99-108
Lamarre, J. E Holland, J. G. (1985) The Functional Independence of Mands and Tacts. Journal of
the Experimental Analysls of Behavior, 43, 5-19.
Lee, V.L. e Pegler, A . M. (1982) Effects on Spelling of Training Children to Read. Journal ofthe
Experimental Analysis of Behavior, 37,_311-322.
Lee, V.L. e Sanderson, G. (1987) Some Contingencies of Spelling . The Analysis of Verbal
Behavior, 5, 1-13.
Polson, D.A.; Grabavac, D.M. e Parsons, J.A. (1997) Intraverbal stimulus-response reversibility;
fluency, familiarity effects and implications for stimulus equivalence. The Analysis of
Verbal Behavior, 14, 19-40.
Skinner, B. F. (1957) Verbal Behavior. New Jersey: Prentice-Hall Inc.

82 M iria m M a rln o lll


Capítulo 9

O modelo cognitivo da ansiedade


e seus transtornos

f Iclcnc Shinohara
PI >í*- Rio (/«■/metro

A Terapia Cognitivo-Comportamental tem se destacado no* último» 30 anos por sua ftnfase na compreensAo da Influência do
funcionamento cognitivo nos transtorno* mentais, e por ter desenvolvido um conjunto de técnicas terapêuticas eficazes.
Especificamente quanto aoB transtornos ansiosos (fobia especifica, fobia social, ansiedade generalizada, ob*essivo-compul*lvo,
stress pôs-traumátlco, pânico e agorafobia), os modelos cognitivo-comportamentals atuais sAo capazes de explicar o quadro
apresentado pelo cliente, e oferecem diretrizes para a soluçAo do* problemas.
O modelo cognitivo da ansiedade ò baseado numa perspectiva de processamento de InformaçAo que procura explicar o viés
de interpretaçAo dos estímulos como perigosos ou ameaçadores, aspecto este fundamental nos transtornos de ansiedade.
Esta propenaAo a processar inaproprwdamente estímulos neutros ou ambiguos deve ser objetivo de IntervençAo terapêutica.
O cliente, om geral, superestima a probabilidade de dano pessoal e subestima sua capacidade para lidar com a altuaçAo. Este
modelo reconhece que a ansiedade consiste em um padrAo complicado de mudanças cognitivas, afetivas, fisiológicas e
comportamentais que ocorrem numa seqüência de níveis de processamento de InformaçAo. Desde o reconhecimento inicial
do estimulo, a ativaçAo de padrões automáticos preparados, até o processo de avaliaçAo dos próprios recurso* para lidar com
o perigo percebido, obaerva-se uma mistura de aspectos mais primário*, automáticos e outros mais estratégico*, elaboratlvo*.
Baseados nesto modelo, o tratamento da ansiedade deve envolver desatlvaçAo dos modos automáticos, primários, e
fortalecimento dos processos reflexivos, construtivos. Em termos gerais, é necessário que se Intervenha nas respostas
condicionadas de medo, na avaliaçAo de ameaça, no equilíbrio da balança perigo/segurança, e na disponibilidade e eficiência
das habilidades pesBoais
Palavra*-chave: modelo cognitivo, ansiedade, terapia cognitiva

The present artlcle presents the Beck and Clark'* cognitive model of pathological anxiety, and providos information about
diagnoses of anxiety disorders, their characterlstlcs and symptoms.
The cognitiva model of anxiety is based on an Information processing perspective that intends to explaln the bias of stimuli
interpretation as dangerous or threatening, that is central to anxiety disorders. This tendency to inappropriately labei Innocuous
stimuli must be taryeted in a therapeutlc Intervention. These patients gsnerally overestlmate tto probability o( pereonal Injury
and underestimate their abillty to deal with the situation This model recogntzes that anxiety consists of a complicated pattern
of cognitive, affective, physiological and behavioral changes that occur in a particular three-stage Information processing
sequence. From the inltial recognization of a stimulus. the activatlon of prepared automatic responses, until the process of
conaideration of one's ahilltles to cope with the perceived danger, a mlxture of prlmary, automatic, and elaborative, strateglc
aspecls are observed. Thus the treatment of anxiety must deactlvate the phmary and automatic rrtode, and strervgthen the
constructlve, reflexlve processes of thinklng. In general, It is necessary an intervention in the conditioned responses of fear,
In the appraísal of threat, In the balance danger/safety, and In the avallabillty and effectiveness of personal coplng resources.
The cognitive model of anxiety disorders offer an accurate conceptualization of the patlent'8 problems as well as dlrections for
treatment
Key words: cognitive model, cognitive-behavior therapy, anxiety disorders.

Se a proeminôncia de determinada abordagem for definida pelo grau de atenção


dada em publicações, dissertações e referências aos produtos científicos dela, podemos
afirmar que a Terapia Cognitiva tem sustentado uma trajetória ascendente nos últimos

Sobrr Comportamento e L oftntçâo 83


anos. Através da análise do número de publicações, citações e referências encontradas
na literatura psicológica, observa-se um aumento considerável de informações cientificas
veiculadas sobre a Terapia Cognitiva (Robins, Gosling e Craik, 1999).
Baseada em estudos empíricos, a Terapia Cognitiva foi além do tratamento da
depressão, para a qual tinha sido inicialmente desenvolvida, e tem se mostrado produtiva
em trabalhos clínicos voltados para diversos outros problemas.
A ênfase dada pela Terapia Cognitiva à compreensão da influência do funcionamento
cognitivo nos transtornos mentais aparece desde os trabalhos de Albert Ellis (1980), quando
afirmava que estes transtornos são causados por um padrão especifico de estruturas
cognitivas que envolvem idéias errôneas sobre si e sobre as condições da vida.
Especificamente em relação à ansiedade patológica, em 1979, Beck e Emery
elaboram, então, teoria sobre os déficits cognitivos e a tendência de pessoas ansiosas
distorcerem a realidade do perigo por interpretação inadequada, supergeneralização,
predições catastróficas do futuro e inferências arbitrárias.
Foa e Kozac (1985, citados por Foa e Steketee, 1987) mencionam um "defeito" na
rede de memórias relacionadas ao medo que propicia estimativas errôneas sobre a ameaça,
alta valência negativa para eventos ameaçadores e respostas fisiológicas e evitativas em
excesso. Para pessoas ansiosas parece que a falta de evidências de que a situação seja
realmente segura significa, necessariamente, que é perigosa.
Beck, Emery e Greenberg (1985) afirmam que as respostas emergenciais de uma
pessoa ao perigo, real ou percebido, são psicológicas e biológicas. Descrevem, então,
dois mecanismos autoprotetores: uma rede que reage instantaneamente com estratégias
automáticas e esteriotipadas; e outra, uma rede voluntária que é mais lenta e usa um
processamento de informações e uma seleção de estratégias mais complexos. Eles
insistem que se considere a importância funcional ou o objetivo evolutivo dos
comportamentos e das emoções.
A ansiedade envolve um processamento seletivo das informações percebidas como
ameaça ou perigo. A maneira como estas informações são percebidas e processadas
determinam crucialmente o desenvolvimento e manutenção dos diferentes transtornos
ansiosos. A propensão para interpretar, inapropriadamente, estímulos e situações neutras
como ameaças é o processo central que precisa ser alterado no tratamento dos transtornos
da ansiedade. Além de tendenciosamente interpretarem estímulos neutros como perigosos
para seu bem estar físico ou psicológico, os indivíduos ansiosos também subestimam sua
capacidade pessoal de lidar com o perigo e falham em reconhecer aspectos de segurança
no ambiente.

O modelo cognitivo da ansiedade


A ansiedade consiste em um complicado padrão de respostas cognitivas, afetivas,
fisiológicas e comportamentais, evolutivamente desenvolvidas para nossa proteção. As
respostas fisiológicas de ativação autonômica nos preparam para fugir ou lutar. Os
comportamentos podem ser de mobilização para fuga ou defesa, ou pode ocorrer inibição
de qualquer movimento de risco. Subjetivamente, o indivíduo se sente apreensivo ou
amedrontado. E, no nível cognitivo, a ansiedade envolve sintomas senso-perceptuais

84 > Iclcnc Slimoluira


(hipervigilância, consciência auto-focada). dificuldades de pensamento (baixa concentração,
bloqueio e dificuldade para raciocinar), e sintomas conceituais (distorções cognitivas,
ativação de crenças relacionadas com medo, imagens ameaçadoras e aumento na
freqüência de pensamentos automáticos).
O sistema do medo detecta o perigo e produz respostas que ampliam ao máximo
a probabilidade de sobrevivência a uma situação perigosa. Embora possamos tomar
consciência do funcionamento deste sistema, sobretudo quando resulta em manifestações
comportamentais, este funcionamento é independente da consciência (LeDoux, 1998).
O modelo cognitivo da ansiedade proposto por Beck et al. (1985), usando uma
perspectiva de processamento de informação, lançava as bases para a compreensão da
ansiedade e o tratamento de seus transtornos.
Ao longo da última década, os paradigmas de processamento de informações,
derivados principalmente da psicologia cognitiva experimental, têm sido extensivamente
usados como mecanismos conceituais na compreensão da base cognitiva da ansiedade
e de outras experiências emocionais.
Em 1997, Beck e Clark reafirmam um modelo cognitivo da ansiedade que se
baseia na noção de que este padrão de respostas provém de uma seqüência de processos
de informação. Desde o reconhecimento inicial do estímulo, a ativação de padrões
automáticos preparados, até o processo de avaliação dos próprios recursos para lidar
com o perigo percebido, observa-se uma mistura de aspectos mais primários, esteriotipados
e outros mais estratégicos, elaborativos.
Este processamento ocorre em etapas. Num primeiro estágio, o processamento
da informação de ameaça envolve um simples, rápido e automático reconhecimento do
estímulo. Esta automaticidade denota um processamento involuntário, geralmente fora da
consciência, difícil de ser regulado intencionalmente e esteriotipado. Com atenção mínima,
o estímulo é percebido e meramente reconhecido como positivo, negativo, neutro, relevante
ou não. Pessoas ansiosas apresentam um modo de orientação excessivamente seletivo
para informações negativas e pessoalmente relevantes. Muitos de seus recursos atentivos
ficam, então, voltados para identificação de estímulos negativos tornando-os propensos á
ativação dos próximos estágios da ansiedade.
No segundo estágio, a simples identificação de uma possível ameaça faz disparar
um programa de respostas evolutivamente preparadas para maximizar a segurança e
minimizar o perigo. Este programa tende a ser rígido, inflexível e, uma vez iniciado, concentra
a capacidade cognitiva sobre a ameaça, dominando o aparato cognitivo. Caracteriza-se
predominantemente por processamento automático, mas permite algum processamento
mais elaborativo. Ocorre uma avaliação de perigo mesmo que baseada em informação
insuficiente e o indivíduo começa a se dar conta do resultado de todo o programa de
respostas que foi ativado, principalmente o sentimento de medo e a hipervigilância.
O vínculo entre os mecanismos de avaliação e sistemas de controle de reações
indica que, tão logo esse mecanismo detecta um fato significativo, são deflagradas a
programação e a execução de um conjunto de reações. LeDoux (1998) afirma que o
resultado geral é a presença freqüente de sensações físicas juntamente com as avaliações
e, que quando isto acontece, elas se tornam parte da experiência consciente daquela
emoção.

Sobre Comportamento e Cognlftlo 85


Ao causar também reduçào da capacidade de processamento, ó bastante
compreensível que o indivíduo ansioso comece a inadequadamente potencializar os
aspectos negativos da situação, ignorar os positivos e fazer estimativas exageradas da
severidade e probabilidade do dano. A alta freqüência dos pensamentos automáticos,
rápidos e involuntários relacionados com ameaça e perigo, neste estágio, indica um inicio
de análise semântica. A pessoa ô capaz de dizer, para si mesma, coisas a respeito
daquela situação especifica que está sendo vivenciada.
O terceiro estágio do modelo cognitivo da ansiedade se caracteriza por um
processamento elaborativo, lento e voluntário que envolve não só os esquemas relacionados
ao perigo, mas também outros relativos a crenças sobre o indivíduo e seus recursos na
relação com o mundo. Ocorre a ativação de um modo metacognitivo que torna possível
pensar sobre os pensamentos. A falha ou deficiência neste processo pode ser responsável
pela manutenção da ansiedade clínica. Ao refletir sobre os pensamentos automáticos,
sentimentos e sensações disparados pela ansiedade, a pessoa pode experimentar aumento
da ansiedade, se falhar numa avaliação mais realista e permanecer no modo primário
automático; ou diminuição dela, se conseguir rever a probabilidade ou severidade do perigo
e suas habilidades para lidar com ele.
Ao avaliar uma situação, o cérebro produz um conjunto de possíveis ações, prevê
resultados potenciais para cada uma delas, define prioridades e escolhe uma determinada
linha de ação. Isto corrobora com a possibilidade de planejamento cognitivo de ações
voluntárias mesmo em meio a uma reação emocional involuntária (LeDoux,1996).
Aspectos como preocupação (cadeia de pensamentos e imagens negativas e
relativamente incontroláveis), e procura por sinais de segurança são característicos desta
fase elaborativa. Pessoas ansiosas engajam em preocupações excessivas sobre as
possíveis soluções e alternativas adaptativas para lidar com o perigo, mas falham
principalmente ao buscarem por resultados que eliminem toda a incerteza ou possibilidade
de erros. Também, a necessidade de permanecer em segurança a qualquer preço pode
influenciar inadequadamente nas escolhas e acabar por manter os quadros de ansiedade
patológica.

Os transtornos da ansiedade
A definição dos transtornos ansiosos prevê quadros de ansiedade constante e
persistente que impedem uma vida normal. O que é um mecanismo adaptativo frente a
perigos verdadeiros torna-se inadequado se disparado freqüentemente por alarmes falsos.
Parece que a substituição dos perigos que enfrentavam nossos ancestrais por outros da
atualidade indica simplesmente uma diferença, sendo que estes últimos podem ser
igualmente muito prejudiciais para a nossa espécie.
Os transtornos da ansiedade refletem o funcionamento do sistema do medo no
cérebro, numa tentativa de lidar com as situações difíceis. O problema central é a geração
excessiva e inapropriada de ameaças em resposta a situações, em geral, inócuas.
O desenvolvimento destes transtornos depende de vulnerabilidades especificas
que se baseiam em experiências neurobiológicas gerais e aprendizagens precoces. 0
desenvolvimento de muito comportamento fóbico é devido à interferência inadvertida nas

86 I Iclcnc Shmohürd
poderosas tendências de fuga associadas com nossa reação de alarme (Barlow e Cerny,
1999).
Dado o caráter involuntário e inconsciente dos estágios iniciais do processamento
de informações da ansiedade, McNally (1995, citado por Beck e Clark, 1997) afirma que
as terapias verbais são ineficazes para o tratamento dela. No entanto, o modelo cognitivo
atual reconhece que as estratégias terapêuticas devem não somente desativar o modo
primário do medo como também fortalecer os processos estratégicos, elaborativos. Mesmo
que o significado da ameaça ocorra automaticamente, o ciclo repetitivo de pensamentos
ansiosos acaba por dominar o aparato de processamento das informações (Beck e Clark,
1997). Portanto, os processos de intervenção verbal podem não ser suficientes, mas são
certamente necessários.
As técnicas de exposição e os experimentos comportamentais, por exemplo, são
importantes para ativar completamente o modo primário da ansiedade, possibilitando assim
trabalhar ao vivo com o desenvolvimento do modo mais construtivo e estratégico de lidar
com ela. O terapeuta cognitivo lança mão de técnicas comportamentais, experienciais e
cognitivas com o objetivo de propiciar informações corretivas (Beck, J., 1997). Ensina
também estratégias que enfatizam a elaboração e reflexão sobre as cognições relacionadas
com a ansiedade, e possibilita teste de hipótese para fortalecer os modos construtivos de
pensamento.
É claro que cada tipo de transtorno da ansiedade possui características e crenças
específicas, mas, em termos gerais, é necessário que se intervenha nas respostas
condicionadas do medo, no processo de avaliação da ameaça, no equilíbrio da balança
perigo-segurança, e na disponibilidade e eficiência das habilidades pessoais. Não se
pretende eliminar todos os viéses cognitivos e conseguir uma representação racional e
perfeita da realidade, mas maximizar a adaptação funcional e qualidade de vida do indivíduo
(Beck e Clark, 1997), auxiliando-o na desativação dos modos automáticos, primários, e
no fortalecimento dos processos construtivos.

Conclusão
A revisão da literatura mostra que existe evidência clínica dos benefícios da correção
verbal sobre os processos automáticos relacionados com a ansiedade. Estudos
experimentais citados por Blackburn e Twaddle (1996) vêm dando suporte ao modelo de
processamento de informação da teoria cognitiva dos transtornos emocionais no que
concerne aos viéses de atenção, percepção, interpretação e memória.
Outros estudos sobre resultados terapêuticos indicam eficácia da Terapia Cognitiva
no tratamento dos transtornos da ansiedade como fobias específica e social, ansiedade
generalizada, obsessão-compulsão, stress pós-traumático, pânico e agorafobia. O modelo
cognitivo é capaz de explicar o quadro apresentado pelo cliente e oferecer diretrizes para
a solução dos problemas.
Num momento em que é crescente a tendência de se prestar menos atenção às
diferenças teóricas e mais ênfase à descoberta dos procedimentos realmente efetivos
(Barlow, 1999 em Bregman, 1999), é importante que a Terapia Cognitiva divulgue seus
dados e compartilhe com os esforços de outras terapias para a solução dos problemas
humanos.

Sobre Comportamento e CotfnivJo 87


Pesquisas para comparação de eficácia de tratamentos começam a se dedicar
aos aspectos clínicos realmente relevantes e apontam para trocas frutíferas entre as
abordagens e para procedimentos integrados. As diferenças continuam importantes, mas,
provavelmente, serão suscetíveis aos testes empíricos e poderão se tornar menores.
Particularmente, sinto-me segura e satisfeita com a escolha da Terapia Cognitiva
como linha de trabalho, mas também confortável em permanecer atenta aos conhecimentos
clínicos desenvolvidos por abordagens comportamentais e construtivistas para o tratamento
dos transtornos da ansiedade.

Referências

Barlow, D. H. e Cerny, J. A. (1999). Tratamento Psicológico do Pânico. Porto Alegre: Artes Médicas.
Beck, A. T. e Clark, D. A. (1997). An Information Processing Model of Anxiety: automatic and
strategic processes. Behavior Research and Therapy, 35, 49-58.
Beck, A. T. e Emery, G. (1979). Cognitive Therapy of Anxiety and Phobic Disorder. Philadelphia
Center for Cognitive Therapy.
Beck, A. T., Emery, G. e Greenberg, R. (1985). Anxiety Disorders and Phobias: a Cognitive
Perspective. New York: Basic Books.
Beck, J. S. (1997). Terapia Cognitiva - Teoria e Técnica. Porto Alegre: Artes Médicas.
Blackburn, I. e Twaddle, V. (1996). Cognitive Therapy in Action. London: Souvenir Press.
Bregman, C. (1999). Entrevista a David Barlow. Revista Argentina de Clinica Psicológica, Vol. III,
3, 260-264.
Ellis, A. (1980). Rational-Emotive Therapy and Cognitive-Behavior Therapy: similarities and
differences. Cognitive Therapy and Research, 4, 325-340.
Foa, E. B. e Steketee, G. (1987). Behavior Treatment of Phobics and Obsessive-Compulsives. In
Jacobson, N. S. Psychotherapists in Clinicai Practice. New York: Guilford Press.
LeDoux, J. (1998). O Cérebro Emocional. Rio de Janeiro: Objetiva.
Robins, R. W., Gosling, S. D. e Craik, K. H. (1999). An Empirical Analysisof Trends in Psychology.
American Psycholog/st, Vol. 54, 2, 117-128.
Capítulo 10
Análise comportamental das definições de
distúrbios de leitura do CID 10 e DSM IV

Maria Martha Costa / tübner


Universidade Presbiteriana Maeken/ie

Em amplo uso na cifntca médea a pscoíôgica, os manuais de dasaificaçAo médica C O -10 a DSM IV concebam oa “dtstúrbkw da
leitura" como pertmtcentes aoa "transtornos especWcos de habilidades escotere*', que sâo definidos como “anormalidades no
processo cognitivo”, de origem btolôgtca, nâo podendo ser explicado* por privações sôdo-culturals (hi escolaridade Inadequada
Apontam, ainda, como aspecto necessário da definição, a anormalidade ( ou distúrbio/ transtorno) estar premente desde o inicio do
desenvolvimento O otijetivo do presente texto ó realizar uma análise critica de tais definições, apontando seus limites de generalidade
o fidodlgnidado Uma das Implicações das definições do CID 10 e DSM IV é, por exemplo, o fato de aó ser possível a identificaçAo
Inequívoca de tais distúrbios após estudos longitudinais, e com sujeitos )á com história de escolaridade. Como conseqüência, surge
a dificuldade em separar a “eacoiandade inadequada1'como fator determinante. Um outro parâmetro na definição dos "distúrbios de
leitura"do CID 10 e do DSM IV 6 a discrepância do desempenho em leitura em comparação aos índices da inteligência. Nesto sentido,
a maioria dos diagnósticos derivada deste tipo de definição deve se basear fortemente na aplicaçAo de testes Verifica-se, ainda, que
as descrições de habilidades presentes ou ausentes em tais distúrbios sâo genéricas, oferecendo dificuldades para o estatioloclmento
de critérios de avaliação. As correlações observadas nas pesquisas clássicas da área entre os indivíduo» "disléxlcos” e as alterações
mr> cromossomo* e má» fonrmçõet neuronais *ão derivadas dos critérios gtmárteo» no tocante A habilidade.! de leitura e, por isso,
englobam em uma mesma categoria, variados tipos de dificuldades Propõe-se, como alternativa, o mapeamento de habilidades
presentes e ausonte* no desempenho de um indivíduo com dificuldades no processo de aquisição de leitura, através de uma anôllso
detalhada das contingências, da natureza dos estímulos, das respostas e das conseqüências. ImpMcações especificas de ambos os
enfoques de avaliação ( CID 10, DSM IV e avaliação comportamental) sflo discutidos
Palavras-cltava: distúrbios de leitura, manuais de classificação módica, análise comportamental.

Widely applied in medicai and psychological cllnéc, the elassifleations of “reading desabilitles" from CID 10 and DSM IV concieve them
as belonglng to “specific disorder» of leamlng abiliües", which are deflnied as “abnormaHties In the cognitiva
process", from biologtcal origm, which can not be explamed by 9ocial-cultural deprtvation or by Inadoquate schooi age. Thoy also point,
as a necessary aspect for the definition, that the anormality must be present from the beglnning of the deveiopmont.
The objective of the present text is to present a criticai analysls of such definitions, pointing out thotr limite of gonerality and fidedignlty
One of tho impiications of CID 10 and DSM IV definitions is, for example, the fact that only aftor longitudinal studles it is possible to
identlflcote such definitiorm correctty, and wlth subjects qtth a tiistory of school age. As a consequence, the dlfficulty In s«*)arate lhe
inadoquate school age"as a determinam factor araisesAnother parameter In the definition of “readmg ciisabilttles"of CID 10 and DSM
IV is tho discrepancy of reading performance In comparison wtth IntalNgence scores In this sense, the majorlty of the dlagnosis
derlved from this kind of definition must be strongiy basad In lest application. It is also vertfied that the descriptlons of the present and
absent ablllties in such disabihties aro generic, offering difficulties to stablish lhe crlteria for evaluatlo*) The observed correiation In
classical researches of the area between ttie “dyslexlc“people and the chromossome’s modificattons and neuronal bad formations are
derived from generical classification crlteria of reading «bilitles and, because of that. they pul together, in a same category, dlfferent
kinds of difficulties. It Is proposed, as an alternativa, to “map" the present aixj absent abllities In ttve performance of a peruou wttti
difficulties In the process of reading acquisitkxi, through a detailed analysls of tt» contlngencies involved: tt*o nature of ttie stimulus,
thu response and the consequences Speciflc Implicatlons of both approachos of evaluabons are discussed
K*y worda: learning dlsturbanca, medicai classification books, behavioral analysis.

O trabalho interdisciplinar tem sido uma prática freqüente entre aqueles psicólogos
que atendem crianças e jovens com dificuldades no processo escolar. E nós, psicólogos

Sobre Comportamento e Coflniçüo 89


analistas de comportamento, temos que desenvolver repertórios verbais que possibilitem
uma interlocução adequada, que possibilitem uma comunicação bem sucedida, e que
nos mantenham, ao mesmo tempo, coerentes com nossos princípios comportamentais.
Foi nesta prática interdisciplinar, e com estes dois objetivos, que alguns termos
começaram a me preocupar ( como o de dislexia, por exemplo, e o de distúrbio de leitura,
em geral), dado o seu amplo uso pela comunidade médica e de psicopedagogos e seu
emprego inconteste.
Neste amplo uso pela comunidade módica e endosso pela comunidade de
psicopedagogos e psicólogos escolares/educacionais, dois manuais são sempre citados:
o Cl D 10- Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento, uma publicação da
Organização de Saúde de Genebra ( Artesmódicas, 1993) e o DSM IV- Manual Diagnóstico
e Estatístico de Transtornos Mentais, uma publicação da Associação Americana de
Psiquiatria ( Artesmódicas, 1995).
No tocante aos distúrbios de leitura, termo central da presente apresentação, os
manuais classificam-nos como Transtornos de Aprendizagem ( DSM IV ) ou Transtornos
Específicos do Desenvolvimento de Habilidades Escolares ( CID 10).
O manual CID-10 define transtornos de habilidades escolares como:
" Transtornos nos padrões normais de aquisição de habilidades escolares que
ocorrem desde o Inicio do desenvolvimento, originados de algum tipo de disfunçâo biológica,
mais freqüente em meninos do que em meninas".( CID 10, p. 236)
O DSM IV emprega a expressão “ transtornos de aprendizagem” e os
identifica quando:
“Resultados do indivíduo em testes padronizados e individualmente aplicados de leitura,
matemática ou expressão escrita estão substancialmente abaixo do esperado para a sua Idade,
escolarizaçào e nlvel de Inteligência." ( DSM IV)
Um primeiro aspecto a ser destacado na definição do CID 10 para transtornos de
habilidades escolares diz respeito ao alerta de que ocorrem desde o "início do
desenvolvimento". Qual inicio ? Início de que aspecto do desenvolvimento ? Se isto for
obedecido, apenas estudos longitudinais permitiriam a identificação de tais transtornos,
assim concebidos, pois dificuldades como as de leitura, por exemplo, só vão ser percebidas
por volta da segunda ou terceira série do ensino fundamental ( e apenas quando há medidas
sensíveis). Além disso, alguns problemas normalmente classificados como típicos de
"disíexia”- inversões, omissões, substituições, são por vezes transitórios e comuns em
crianças no inicio do aprendizado do ler. Sua persistência é que se constitui em problema
(e, em geral, mais do método e da língua, do que da criança) e isto só pode ser constatado
lá pela quarta ou quinta série do Ensino Fundamental. Não tem sido possível identificar
um distúrbio de leitura no "início do desenvolvimento".
Os dois manuais chegam, inclusive, a sugerir, como decorrência desta
característica, a identificação de problemas no desenvolvimento da fala e linguagem, em
geral, como possível prognóstico de problemas no desenvolvimento de leitura. É claro que
há relações óbvias entre dificuldades na faia e dificuldades em alguns aspectos da leitura,
pois algumas trocas feitas na leitura em voz alta podem refletir as trocas feitas na fala,
mas isto não quer dizer que a leitura silenciosa, por exemplo, sofrerá as interferências
dos problemas ocorridos na fala.

90 M .iri.i M iirthü Coslü f lulmcr


Uma outra dificuldade advinda das definições de ambos os manuais diz respeito
à afirmação de que a origem do problema é biológica. Embora tal aspecto seja mais
enfatizado no CID 10, ambas as obras encaminham para esta conclusão, na medida que
enfatizam que os distúrbios de aprendizagem ou de leitura devam ser diferenciados de
escolaridade inadequada, de oportunidades, de fatores culturais, enfim, da história
ambiental. O CID 10 chega a empregar a expressão "fatores intrínsecos” versus "externos",
para explicar a origem do problema. Mas no tocante aos problemas de leitura, temos que
o comportamento de ler sempre ocorrerá em um contexto de ensino e sempre estará
atrelado a um método de ensino. Por isso, não há como encontrar uma "origem biológica":
sempre encontraremos contingências de ensino e aprendizagem, ou seja, a "origem
pedagógica" do distúrbio de leitura ou escrita. E mesmo que um dia seja possível a clara
identificação dos limites biológicos do problema, surge a velha questão: quais os benefícios
desta identificação para a intervenção terapêutica?
Um outro aspecto controvertido diz respeito à diferença entre meninos e meninas.
O CID 10 destaca, na definição anteriormente apresentada e ao se referir aos transtornos
específicos de leitura, da mesma forma que faz o DSMIV, que a maioria dos que apresentam
transtornos de leitura (dislexia) são do sexo masculino. Entretanto, estudos recentes
(Pennington, 1998) constataram proporções iguais entre meninos e meninas. Comenta
este autor que sujeitos do sexo masculino com distúrbios de leitura podem chamar mais
a atenção clínica por causarem maior preocupação aos pais e professores quando estão
tendo dificuldades na escola. Trata-se, portanto, de um critério diagnóstico que ó, no
mínimo, polêmico.
Uma outra diretriz diagnóstica apontada pelo CID 10 indica que o distúrbio deve
ocorrer em apenas 3% de crianças em idade escolar, para que se possa diagnosticá-lo
como ta l. Mas a população que chega às clínicas ou centros de atendimento está nesta
faixa de distribuição, apresentando muitas outras características. Seria o percentual de
distribuição na população um critério diferenciador?
Na definição do DSM IV, há a clara menção a resultados em testes de inteligência
e em outros testes padronizados como parâmetros para a identificação dos distúrbios de
aprendizagem e, conseqüentemente, de leitura. O CID 10 também aponta o teste de
inteligência como instrumento diferenciador, pois menciona, como diretriz diagnóstica,
que o “nível de realização dos indivíduos com transtornos de leitura está abaixo da idade
mental- Q)"(CID 10, p. 238.).
O conhecido problema das “tiranias do Ql” já vem, há muito, sendo exaustivamente
discutido em Psicologia. A discussão se os testes de inteligência medem realmente o
que se propõem a medir também é largamente conhecida. Mas os testes continuam,
entretanto, “firmes e fortes" no meio “psicopedagógico"e são fortalecidos por ambos os
manuais. Afora as questões de se discutir se eles medem o que querem medir, se seus
resultados refletem, de fato, uma função básica e geral no indivíduo, há dois problemas
específicos relacionados ao uso destes instrumentos como parâmetros para a identificação
de indivíduos com distúrbios de leitura, analisados a seguir.
Um dos problemas de se terem os resultados dos testes de inteligência como
base para se verificar a discrepância entre desempenho em leitura e Ql e a partir da
existência da discrepância, diagnosticar-se a dislexia ou transtorno de leitura, é que muitas
das atividades de testes de Ql requerem habilidades de leitura para a sua realização (os

Sobre Comportamento c CofjmvJo 91


sub-testes verbais do WISC, por exemplo). Daí é possível que não encontremos discrepância
nenhuma e, ainda assim, estejamos diante de uma criança com “distúrbios de leitura".0
resultado baixo no teste pode não ser indicativo de um “baixo coeficiente de inteligência",
o que descartaria a hipótese de "dislexia"ou outro distúrbio de leitura, mas sim do próprio
distúrbio de leitura, e, neste caso, estarlamos descartando erroneamente.
Um segundo problema relacionado com este critério de empregar a discrepância
entre testes padronizados de inteligência e de leitura ó o caráter genérico e incompleto
destes testes de leitura no tocante à medida de leitura, do operante ler. Não medem o
suficiente. Diferentes testes requerem diferentes operantes para medir “leitura". Não
diferenciam as múltiplas relações entre estímulos, respostas e conseqüências, as várias
topografias de estímulos e de respostas, diferenciações estas que geram a identificação
de diferentes operantes envolvidos no ler. Diferentes testes requerem diferentes operantes
para medir “leitura”, mas ignoram tais diferenças e colocam em um mesmo "pacote” o que
chamam de "baixo desempenho em testes de leitura".
As correlações observadas nas pesquisas clássicas da área entre os indivíduos
“dislóxicos" e as alterações, por exemplo, em cromossomos e más formações neuronais
(Pennington, 1998) são derivadas destes critérios genéricos no tocante a habilidades de
leitura e, por isso, englobam em uma mesma categoria, variados tipos de dificuldades.
Estas diferenciações, que denomino aqui de mapeamento de relações (ou de
habilidades), têm sido feitas por Analistas de Comportamento, em profundidade, e não por
aqueles que constroem os conceitos clássicos da área de transtornos de aprendizagem,
conceitos estes que acabam fazendo parte dos manuais de classificação consagrados.
Em nossas pesquisas sobre procedimentos especiais para o ensino de leitura
rudimentar ( com palavras dissílabas simples), temos identificado, até agora, em torno de
dezessete tipos de relações entre estímulos, respostas e conseqüências, que combinados
com o momento de sua inserção em um programa de ensino, com a velocidade de
apresentação dos estímulos orais, seqüência de palavras, para citar alguns exemplos,
geram variados resultados nos desempenhos. Uma pequena mudança no estimulo, em
sua topografia, localização, na presença simultânea ou atrasada de figuras, gera uma
grande mudança no desempenho das crianças, nos resultado. Sabemos, com estas
pesquisas, que não é possível analisar desempenhos em leitura de modo genérico, sem
verificar todas as dimensões. E é deste modo genérico, a meu ver, que os testes
padronizados de desempenhos de leitura vem avaliando leitura e diagnosticando pessoas
como disléxicas.Creio que já temos, na Análise do Comportamento, instrumental, análise
e estudos suficientes em leitura para começarmos a elaborar guias de avaliação
comportamental que nos sejam mais úteis e com implicações mais significativas para os
procedimentos de intervenção do que os que dispomos até aqui.
Além disso, uma constatação recente dos próprios pesquisadores cognitivistas
da área coloca limites claros à segurança de diagnósticos de distúrbios de leitura:
“Atualmente há uma controvérsia considerável sobre se dislóxicos definidos como tais,
aqueles com incapacidade especifica do leitura (IEL) em que a leitura é inexplicavelmente pobre
em relação ao Ql se constitui em um subgrupo distinto em relação a um grupo maior de leitores
deficientes, cuja leitura nSo é inexplicavelmente pobre em relação ao Ql (leitores atrasados,
infantis)" (Pennington. 1998, p. 48).

n M arlJ M .irlh.i Co*l«» I lübncr


Concordo com a inquietação do autor e a considero como precursora de um fim
justo para conceitos que pouco contribuíram, seja para a compreensão do fenômeno,
seja para a descoberta de procedimentos de ajuda. Talvez o fim justo seja a eliminação de
sua prática em nossa cultura verbal.

Referências
Associação Americana de Psiquiatria ( 1995 ). DSM IV - Manual Diagnóstico e Estatístico de
Transtornos Mentais. Porto Alegre: ArtesMédicas.
Organização Mundial de Saúde de Genebra ( 1993 ). Classificação de Transtornos Mentais e de
Comportamento da CID-10. Porto Alegre: ArtesMédicas.
Pennington, B. F. ( 1997). Diagnóstico de Distúrbios de Aprendizagem. Sâo Paulo: Pioneira.

Sobre Comportamento e Co#nlç<lo 93


Capítulo 11
Behaviorismo radical: o comportamento sob
uma perspectiva otimista

K iH Ío lp h o Carbonari SantAtina
i /nivcrsidüdc bsUiduo! dc Londritw

A história do Behaviorismo Radical tem tido nào »ó a história da cormtrvçào de uma ciência do comportamento, mas
também, a história da defesa do comportamento como objeto próprio de estudo. Desde Watson até nossos dias, o
comportamento tem sido alvo constante das mais esdrúxulas criticas, de tal forma que se tem a impressão de que o estudo
do comportamento nflo contribui para o seu conhecimento. Para o Behaviorismo Radical o comportamento é o produto
selecionado pelo processo de ovoluçáo através do qual o organismo interage com o seu ambiente. O fato de ter sido
selecionado confere ao comportamento uma espécie de certificado de excelência, é o melhor, ou seja, o comportamento só
pode ser analisado sob uma perspectiva otimista. Sob esta perspectiva, do melhor, são analisadas proposições feitas pelo
Behaviorismo Radical em relaçio ao comportamento. Proposições sobre sua natureza: o que é o comportamento? Proposições
sobre o seu funcionamento: como, através do comportamento, o organismo Interage com seu ambiente.Proposições sobre
o modelo de causalidade: o porquê do comportamento.
Palavras-chave: Behaviorismo Radical,Analise do Comportamento,Ciência do Comportamento.

The Radical Behaviorism history has been not only the history of the construction of a Science of the behavior, but also, tho
hlstory of the dofense of lhe behavior as own object of study. Slnce Watson to ours days, the behavior has been target of
constants crltics, In such way, that is had to the improsslon that the study of the behavior doesn't contrlbute to its knowledge.
For Radical Behaviorism, the Behavior Is the product selected by the evolution process, through whlch the organlsm interacts
with its environment. The fact of It being selected checks to the behavior a type of excellence certlflcate, It is the best, in
other words, the behavior can only he analy/ed under an optlmistic perspective. Under this perspective of the best, Radical
Behaviorist proposltions are analyze. Propositions about Its nature: What Is the behavior? Propositions about Its operatlon:
How the organism interacts with the environment through the behavior? Propositions on the causality model: What Is the
reason of the behavior?
Key words: Radical Behaviorism, Behavior Analysis, Science of Behavior.

Desde que o comportamento foi tomado como objeto próprio de estudo pelo
behaviorismo, tem sido alvo das mais freqüentes e repetidas críticas, de tal forma que a
história do behaviorismo tem sido, não só a história da construção de uma ciôncia do
comportamento, mas a história de uma constante batalha em defesa do estudo do
comportamento.
Essas críticas, eminentemente pejorativas, têm sido dirigidas ao conceito de
comportamento, ao behaviorismo como ciência do comportamento, ao behaviorismo como
uma suposta filosofia dessa ciência e até às pessoas classificadas como behavioristas.
Talvez tenha sido McDougafl(1908), em seu livro: "Introduction to Social
Psychology" que tenha, pela primeira vez, proposto que se definisse a psicologia como
ciência do comportamento (Schultz, 1969).

94 Rodolpho Ciirbon<iri SunfAnnu


Curiosamente foi com McDougall que Watson travou um debate sobre a
possibilidade de se adotar o comportamento como objeto de estudo da Psicologia. Esse
debate foi publicado em 1929, com o sugestivo tftulo: "The Battle of Behaviorism". Nesse
debate, Watson afirma: “a psicologia behaviorista se propõe a aprender algo sobre a natureza
do comportamento humano ... e, apesar de toda a sua sensatez, essa proposta vem se
constituindo em um verdadeiro campo de batalha, desde 1912"(Watson, e MacDougall,
1929 p.3). MacDougall, por sua vez, além de chamar Watson de bolchevista, afirma que
"o Behaviorismo obstrui o processo de conhecimento da natureza humana" (Watson e
MacDougall, 1929, p.33). Seria o mesmo que afirmar que o estudo do comportamento não
contribui para o seu conhecimento.
O artigo de Skinner (1945): “Operational Definition of Psychological Terms”
constituiu-se essencialmente numa defesa do conceito de comportamento. Pressionado
para dar uma definição operacional de comportamento, Skinner(1945) afirma: "Uma
vantagem considerável é obtida quando se tratam termos, conceitos, construtos e
equivalentes, na forma em que são observados, isto é, como respostas verbais ...
significados, conteúdos e referências são encontrados entre os determinantes, não entre
as propriedades da resposta" (p.271). O conceito de comportamento não podia ser limitado
por uma definição operacional e muito menos se restringir ao publicamente observável.
Apesar da clareza do posicionamento de Skinner, desde 1945, em um outro debate com
Blanchard, volta a insistir: "Nenhum behaviorista razoável jamais argumentou que a ciência
deva se limitar aos eventos públicos. O fisicalismo do positivismo lógico nunca foi um bom
behaviorismo, como já argüi há 20 anos (1945)" ( Blanchard e Skinner, 1967, p. 326).
Sem dúvida, a mais famosa crítica já feita ao Behaviorismo em geral e a Skinner
em particular talvez tenha sido a de Chomsky(1959), sob o tltulo:"Review of Skinner( 1957)'.
Seu alvo foi o livro “Verbal Behavior”, embora não tenha sido o conteúdo do livro seu objeto
de análise. A crítica de Chomsky tornou-se muito mais conhecida que o próprio livro de
Skinner. Andresen (1991) avalia que para cada pessoa que tenha lido o livro de Skinner,
doze pessoas tenham lido apenas a crítica de Chomsky. A crítica de Chomsky contém 31
páginas e em 13 delas se refere a ratos, ou a experimentos de pressão à barra, às vezes,
mais de uma vez por página, entretanto, em lugar algum do "Verbal Behavior"’ Skinner faz
uso dessas expressões (Andresen, 1991). Skinner escreveu mais tarde a esse respeito
dizendo que a "review de Chomsky não foi realmente uma review do meu livro, mas daquilo
que Chomsky julgou erroneamente ser minha posição" (Skinner, 1972, p.346).
O fato de Skinner(1974) iniciar seu livro “About Behaviorism" relacionando vinte
proposições comumente feitas sobre o behaviorismo e que ele acredita serem todas falsas,
dá ao livro a conotação de ser não só a apresentação do que caracteriza o behaviorismo,
mas também, a refutação daquilo que não o caracteriza.
Essa é uma pequena amostra de que a história do behaviorismo tem sido, também,
a história da defesa do comportamento como objeto próprio de estudo.Para os behavioristas,
estudar o comportamento tem contribuído para o seu conhecimento e é, também por isso,
que essa espécie de batalha tem perdurado até nossos dias.Certamente, ela tem sido
reforçadora também para os behavioristas.
Para o Behaviorismo Radical, o comportamento é o produto selecionado pelo
processo de evolução através do qual o organismo interage, eficientemente, com seu
meio, viabilizando sua adaptação e conseqüentemente sua sobrevivência.O fato de ter

Sobre Comportamento e CotfnjçJo 95


sido selecionado pelo extremamente moroso processo de evolução confere ao
comportamento uma espécie de certificado de excelência: é o melhor.Por isso, o
comportamento só pode ser examinado sob uma perspectiva otimista.
Sob essa perspectiva do melhor, serão analisadas algumas proposições feitas
pelo Behaviorismo Radical sobre o comportamento.
Proposições sobre sua natureza: O que é Comportamento?
Skinner (1953) diz: “O comportamento é uma matéria difícil, não porque seja
inacessível, mas porque é extremamente complexo. Desde que é um processo, ,e não
uma coisa ,não pode ser facilmente imobilizado para observação.É mutável, fluido e
evanescente "(p.2).
Para o Behaviorismo Radical o comportamento não é algo que possa ser isolado,
mas uma relação envolvendo o organismo e seu meio, e, como relação, só pode ser
observado enquanto o organismo estiver se comportando. Originalmente, trata-se de um
verbo: comportar-se, e não de um substantivo: comportamento.
Observamos o comportamento enquanto o organismo o exibe. Por exemplo, vemos
a pessoa sorrindo.Podemos observar o sorriso.Quando ela pára de sorrir, o que ela fez
com o sorriso? Se fosse algo, ela deveria recolhê-lo, guardá-lo ou escondê-lo, e podíamos
perguntar com Skinner(1977,p.7) “Onde está o comportamento quando o organismo não
está se comportando?."Evidentemente que, em lugar algum, a pessoa que parou de sorrir
não tem que se preocupar com o que fazer com o sorriso, simplesmente pára de sorrir. É
claro que uma série de coisas que podemos dizer e fazer com objetos ou coisas, não
podemos dizer e fazer com o comportamento enquanto relação.Por exemplo, aprender
não pode significar adquirir comportamento. Não haverá necessidade de armazenar
comportamento, e por isso devemos ter cuidado quando falamos em repertório, para não
confundi-lo com depósito. Aprender passa a ser entendido como se transformar. A tendência
de se classificar diferentes tipos de comportamentos como se fossem diferentes objetos
não se justifica. Posso tocar um objeto, por exemplo, chutar uma bola, porém não toco
um comportamento. Se tentar chutar um comportamento, não o atinjo, mas sim, ao
organismo que se comporta. Embora a contingência seja sobre o comportamento a
conseqüência recai sobre o organismo. Poderíamos até admitir que no processo de evolução
o comportamento tenha sido algo, de ordem física ou mental, porém ao evoluir para ser
uma relação tornou-se muito mais eficiente para sobrevivência do organismo.
Proposições sobre o funcionamento do comportamento, isto é, como o organismo
interage com o seu meio.É através do comportamento perceptivo que o organismo entra
em contato com seu meio, possibilitando-lhe a ação, adaptação e conseqüentemente a
sobrevivência. A análise skinneriana do perceber põe em evidência que “a pessoa não è
um espectador a observar o seu mundo como uma esponja" (Skinnerl 974,p.67). Ao colocar
o comportamento perceptivo sob o controle de contingências, Skinner abre a possibilidade
do organismo ir além dos limites de seu ambiente. Dessa forma, a perda da objetividade é
compensada pelo ganho em criatividade.
Um tipo especial de comportamento perceptivo é o sentir.Aparentemente é um
tipo de comportamento através do qual o organismo interage com seu mundo interno.Da
mesma forma que o perceber implica em algo percebido, o sentir implicaria em algo sentido
ou no sentimento. Muitas vezes o autoconhecimento é visto como o aperfeiçoamento do

96 Rodolpbo Carbonari SanfAnna


poder discriminativo desses supostos estados. Supõe-se, inclusive, que os sentimentos
tenham uma existência independente de quem os sente.Porém, aqui parece apropriado
fazer uma pergunta semelhante à feita por Skinner em relação ao comportamento, ou
seja: onde esta o sentimento quando a pessoa não esta sentindo?Em lugar algum, pois é
o sentir que confere existência ao que ó sentido. Isto é, o comportamento de sentir não
está subordinado a um estado sentido, mas são as contingências envolvidas no controle
do comportamento de sentir, inclusive as decorrentes dos contextos sociais que
estabelecem os critérios relacionados a cada sentimento, que controlam o sentir e o que
é sentido.
Proposições sobre o modelo de causalidade: o porque do comportamento.
O modelo de causalidade selecionista, proposto pelo Behaviorismo Radical para
explicar o comportamento, confere uma espécie de independência do comportamento em
relação à sua história. Como é comum afirmar-se que a explicação do comportamento
atual está na sua história filogenética e ontogenética é fácil pensar que cada indivíduo traz
consigo a sua história. Porém a história passada apenas modificou o organismo, para
torná-lo o que ele é no momento atual.Não faz sentido procurar fatos históricos, como se
eles estivessem presentes na determinação atual do comportamento.Tome-se o exemplo
de um atleta que durante o treinamento de corrida use uma sobrecarga em suas pernas.
Evidentemente que a sobrecarga, embora faça parte da história para explicar a sua
performance na prova, não está presente durante a prova. A história entra na explicação,
mas não entra como variável no controle atual.
Gostaríamos de ressaltar que as colocações feitas aqui são frutos de uma análise
otimista do comportamento, pricipalmente se nos ativermos às conseqüências práticas
nelas implicadas.

Referências

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Behavior Analyst, 14,49-60.

Blanchard, B. and Skinner, B.F.(1967) The problem of consciousness - a debate. Philosophy


and Phenomenological Research, 27, 317-337.
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Schultz, D.P. (1969) A History of Modem Psychology, Nova York: Academic Press.
Skinner, B.F.(1945) Operational Defmition of Psychological Terms. Psychological Review, 52,
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Skinner, B.F.(1953) Science and Human Behavior. Nova York: Mcmillan.
Skinner B.F.(1972) A lecture on “having a poem" In B.F.Skinner, Cumulative Record, 3aed. Nova
York, Appleton - Century - Crofts, p. 345-355.
Skinner, B.F.(1974) About Behaviorism, Nova York, Alfred A. Knopf.
Skinner, B.F.(1977) Why I am not a cognitive psychologist, Behaviorism, 5, p. 1-10.
Watson, J.B and McDougall,W.(1929) The Batt/e o f Behaviorism. Nova York: Norton.

Sobre Comporlumcnto e Cofiniçío 97


Capítulo 12
Aspectos psiquiátricos do transtorno
dismórfico corporal

lcng Chei Tung


fa c u ld a d e d e M e d ic in a d a U n iv e rs id a d e d e Sêo Pau lo

O Transtorno Dismórfico Corporal (TDC) consiste na preocupação com um defeito Imaginário na aparência. Se uma discreta
anomalia estiver presente, a preocupação do paciente ó acentuadamente excessiva. Essa crença dificilmente pode ser
modificada com reasseguramento O paciente atribui todos os seus outros problemas ao defeito físico, e é comum a crença
irreal de que uma correção cirúrgica poderia resolver todas as deficiências da vida do paciente, resultado em freqüente
procura por especialidades associadas á estética (dermatologia, cirurgia plástica). Comorbidades psiquiátricas sâo freqüentes,
especialmente depressão, transtorno obsessivo compulsivo, fobia social e transtornos de personalidade, sendo comuns
história familiar de abuso de substâncias e transtornos do humor A patofisiologla possivelmente está relacionada com o
sistema serotonérgico. Podem existir efeitos significativos culturais e sociais, por conceitos estereotipados de beleza
enfatizados por determinadas famílias, grupos sociais e tendências culturais. O TDC é um transtorno secreto, gerador de
vergonha, com rituais de checagem do defeito em espelhos, maquiagem, escovaçáo de cabelos, perguntas reasseguradoras.
É comum idéias supervalorizadas ou delirantes sobre o defeito É um transtorno crônico, algumas vezes com o inicio
precoce. O tratamento psicofarmacológlco baseia-se em evidências favoráveis aos Inibidores de recaptura de serotonlna.
Palavras-chave: Transtorno Dismórfico Corporal, dismorfofobia, transtorno obsessivo compulsivo, transtorno somatoforme,
hlpocondrla.

Body Dysmorphic Dlsorder (BDD) is a preoccupation witli nn imugined defect In appearance. If h discrete anomaly Is
present, the patlent s preoccupation Is grossly excesslve This belief hardly can be modifled by reassurance. The patlent
attrihutes ali the problems to the physical defect, and It Is common the belief that a surgical correctlon could snlve ali
deflciencies of the patienfs life, resulting in frequent search of medicai Bpecialties associated with esthetics (dermatology,
cosmetic surgery). Psychlatrlc comorbiditles are frequent, specialiy depression, obsesslve-compulsive disorder, social
anxiety and personallty disorders. Mood disorders and famlly hlstory of drug abuse are common. The pathophysiology could
posslbly bti rttlated with the serotonergic system. Thare could be wgmficent social and cultural effecls, du« to etereotyped
concepts of beauty emphasized by some famllles, social groupn and cultural tendencies. BDD Is a secret dlsorder, shame
gonerating, with checklng ntuals of the defect in mirrors, make-up, hair brushmg, reassurance questions. It is common
overvalued or delusional ideation about the defect. It Is a chronlc dlsorder, sometlmes with early onsot. The
psychopharmacologicai treatment is based on favorable evidences for serotonin reuptake inhibltors.
Key w o rds: Body Dysmorphic Dlsorder, dysmorphophobia, obsesslve compulslve dlsorder, somatoform dlsorder,
hypochondrla

O conceito de transtorno dismórfico corporal tem como essência a preocupação


com um defeito imaginário na aparência (American Psychiatric Association, 1994). Se
uma discreta anomalia estiver presente, a preocupação do paciente é acentuadamente
excessiva. Esta preocupação pode ser representada por uma sensação pervasiva e subjetiva
de feiúra, apesar da aparência normal, ou quase normal, com uma crença forte ou medo
de ser até repulsivo. Essa crença dificilmente pode ser modificada com reasseguramento.
O paciente atribui todos os seus outros problemas ao defeito físico, sendo comum a
crença irreal de que uma correção cirúrgica seria capaz de corrigir as supostas deficiências
físicas e, por conseguinte, traria suas conseqüências deletérias para a vida do paciente. É

98 lcnn Cbcl lunfl


importante na definição a exclusão de outro transtorno que possa justificar melhor o quadro,
como por exemplo a anorexia nervosa.
Historicamente, preocupações patológicas com a aparência do corpo têm sido
descritas na literatura psiquiátrica européia, japonesa e russa há um século (Guggenheim,
2000). Kraepelin considerou estes casos como neurose compulsiva. Janet cunhou o termo
“obsessão da vergonha do corpo”. O caso do "Homem-Lobo,,l relatado por Freud, pode ser
cansiderado pelos critérios atuais como transtorno dismórfico corporal, pela preocupação
obsessiva em relação ao tamanho do nariz. A primeira definição apresentada foi no DSM-
III (American PsychiatricAssociation, 1980), através da definição do termo dismorfofobia,
incluído no transtorno somatoforme atípico. Entretanto, este termo foi criticado e revisto,
pois implicaria em atitudes de evitaçào direcionadas para o corpo, que podem não
corresponder à realidade, uma vez que diversos pacientes não apresentavam sintomas
psicológicos ou fisiológicos associados aos quadros fóbicos. No DSM-IV (American
Psychiatric Association, 1994), foi sugerido um novo termo (transtorno dismórfico corporal)
e um conjunto de critérios diagnósticos operacionais para delimitar com mais precisão o
quadro clinico. No Código Internacional de Doenças, 10' versão (1993), este tipo de transtorno
deve ser codificado como transtorno hipocondríaco não delirante (F45.2) e, nas formas
delirantes mais graves, deve ser codificado como outros transtornos delirantes persistentes
(F22.8).

Quadro clínico
O transtorno dismórfico corporal (TDC) geralmente se apresenta na forma de
pensamentos obsessivos sobre a inadequação da própria aparência, que geram uma grande
e persistente angústia, além dos comportamentos rituallsticos que causam lentificação.
Os pensamentos são em geral difíceis de resistir.
As áreas do corpo mais freqüentemente associados ao TDC estão associados à
região da cabeça (nariz, boca, olhos, cabelo, pele, queixo), ao tamanho do corpo ou
simetria, aos órgãos sexuais (pênis, testículos, mamas, genitália feminina) ou à identidade
sexual. Nas mulheres, ocorre com mais freqüência a preocupação com as mamas, pernas,
quadris, peso, pele, checagem em espelhos e camuflagem, e comorbidade com transtorno
de pânico, ansiedade generalizada e bulimia. Nos homens, ocorre maior preocupação
com genitais, altura, excesso de pelos no corpo, e maior comorbidade com transtorno
bipolar (Phillips e Diaz, 1997; Perugi e cols., 1997). É um transtorno secreto e gerador de
vergonha. Os pacientes acometidos são tímidos, introspectivos, em decorrência do grande
prejuízo da auto-estima, que favorece uma forte tendência ao isolamento social. Sentem-
se tão humilhados ou envergonhados que os sintomas de TDC podem permencer secretos
por anos até para os médicos que os tratam (Phillips, 1991). Além disso, são observados
prejuízos decorrentes da lentificação causada por rituais de checagem do defeito em
espelhos, maquiagem, escovação de cabelos e formulação de perguntas reasseguradoras
recorrentes (Hollander, 1998). Os pensamentos recorrentes e persistentes sobre a aparência
geram grande ansiedade e sofrimento, muitas vezes apresentando-se com características
obsessivas. A descrição dos sintomas pelo paciente é muitas vezes vaga e inconsistente.
É muito comum a falta de crítica do estado mórbido, uma vez que até 48,7% acham que
o defeito é real, a despeito de reasseguramentos e negativas por parte de familiares e
profissionais de saúde (Hollander e Aronowitz, 1999). Habitualmente, são pacientes tímidos,

Sobre Comportamento o CoruívJo 99


introvertidos, e excessivamente sensiveis ao defeito imaginário como foco de crítica pelas
outras pessoas (Guggenheim, 2000). É descrito o TDC “por procuração", que seria a
obsessão pela aparência de uma pessoa próxima, como por exemplo, a esposa ou um
filho (Hollander, 1998).
Muitos pacientes com TDC procuram assiduamente auxilio médico de diversas
especialidades: dermatologia, oftalmologia, cirurgiões plásticos, endocrinologistas e
urologistas, clínicas de cosmética. Estes pacientes geralmente apresentam a crença de
que um procedimento cirúrgico ou de outra natureza clínica possa reverter o defeito.
Entretanto, ó regra a baixa concordância entre as avaliações do cirurgião plástico e do
paciente, em geral resultando em a má evolução nas cirurgias cosméticas reparadoras e
outros procedimentos médicos (Hollander e Aronowitz, 1999).
A comorbidade entre o TDC e o Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) è muito
freqüente, situando-se entre 8 e 15 % dos pacientes com TOC que apresentam TDC
(Zimmerman e Mattia, 1998). Vários aspectos dos dois transtornos são similares entre si,
dentre eles os dados demográficos, características psicopatológicas e índices de prejuízos.
Principais diferenças observadas são que os pacientes com TDC casam menos, têm
sintomas fóbico-sociais mais proeminentes, tem ideação suicida e tentativas de suicídio
mais freqüentes e maior comorbidade com depressão do que com TOC (Phillips, Guderson,
Mallya, McElroy e Carter, 1998). A crítica sobre o estado patológico ou da inadequação é
menor em pacientes com TDC.
A comorbidade entre TDC e Transtorno Fóbíco Social tambóm é comum, ocorrendo
TDC em 11 % dos pacientes com Transtorno Fóbico Social, sendo o TDC a quarta
comorbidade psiquiátrica mais comum no transtorno fóbico social (Hollander e Aronowitz,
1999).
Como ocorre em outros transtornos depressivos e ansiosos, os pacientes com
TDC apresentam uma maior tendência de hipervalorizar o estresse (DeMarco, Li, Phillips
e McElroy, 1998).

Dismorfia muscular

A dismorfia muscular é a preocupação em ter uma aparência musculosa e ser


maior (ou mais magra na mulher), com foco primário no exercício e secundário na dieta
(Pope, Gruber, Choi, Olivardia, Phillips, 1997). É comum ser observado em academias de
ginástica, entre halterofilistas e fisiculturistas. Ocorre maior insatisfação corporal,
apresentando piores atitudes no comportamento alimentar, maior prevalência de uso de
anabolizantes, e maior prevalência de transtornos do humor, de ansiedade e alimentares.
Caracteriza-se pela vergonha, embaraço e prejuízo no funcionamento social e
ocupacional devido á percepção de que a sua aparência corporal não é suficientemente
musculosa (Pope e cols., 1997). Evitam mostrar o corpo em público, exceto em
competições. Usam roupas mais largas para parecerem maiores. Muitos acabam
trabalhando nas academias onde fazem seus exercícios, pois de outro modo não
conseguiriam manter o ritmo de exercícios que desejam. Já foram descritos como o
transtorno "oposto à anorexia nervosa".

100 Tcnfl Chfi runfl


Epidemiologia
A prevalência conhecida como risco "life-time", ou seja, risco de ocorrer em algum
momento da vida, está estimado entre 0,1 -1 % (Hollander, 1998), sendo possível que a
prevalência seja maior. A proporção entre sexo masculino e feminino é de 1:1 (Phillips,
1991).
Cerca de 12% dos pacientes dermatológicos podem ter TDC, em estudos utilizando
instrumentos de "secreening". Prevalência similar ocorre em clínicas de cirurgia plástica
(2 a 12%).
As comorbidades mais comuns são depressão (60-80%), TOC (30-40%) e Fobia
Social (35%) (Hollander, 1998). A prevalência de TDC em pacientes psiquiátricos
ambulatoriais é de cerca de 3,2%. Sem entrevista estruturada, o diagnóstico habitualmente
não ó feito (Zimmerman e Mattia, 1998).
É comum a presença de história familiar de abuso de substâncias e transtornos
do humor (Guggenheim, 2000). Suicídio é freqüente, podendo ocorrer em até 29% dos
casos (Zimmerman e Mattia, 1998).

Etiologia
A causa ó desconhecida (Guggenheim, 2000). A patofisiologia pode estar
relacionada com sistema serotonórgico, e comorbidades com transtornos depressivos e
obsessivo compulsivo (Zimmerman e Mattia, 1998). Casos descritos de comorbidade TDC
e Síndrome de Tourette sugerem que eles podem pertencer a um grande grupo de doenças
afetivas, talvez com alguns aspectos patofisiológicos similares (Sverd, Kerbeshian, Montero,
Ferrante e Donner, 1997). Efeitos significativos culturais e sociais, por conceitos
estereotipados de beleza enfatizados por determinadas famílias, grupos sociais e cultura
geral, podem influenciar na evolução e prognóstico do TDC (Guggenheim, 2000).

Diagnóstico diferencial

Os transtornos psiquiátricos mais freqüentemente associados ao TDC devem ser


descartados inicialmente, como o TOC, Transtorno Fóbico Social e Transtorno Depressivo
Psicótico. Delírios relacionados a partes do corpo, ou funções alteradas do corpo, podem
ocorrer em fases iniciais de quadros esquizofrênicos, às vezes com comportamentos de
busca de correção cirúrgica. Os distúrbios alimentares, principalmente a anorexia nervosa,
apresentam distorções da imagem corporal não relacionadas com o peso, mas não
constituem comorbidade freqüente com o TDC (Gupta e Johnson, 2000). Essas distorções
são significativamente mais freqüentes que as observadas na população em geral. No
transtorno de personalidade narcisística, pode ocorrer um interesse contínuo na aparência
corporal, mas o histórico longo de problemas interpessoais sobrepuja em muito as questões
corporais. Se os delírios sobre o corpo não são relacionados com a aparência, e não se
observam alterações formais do pensamento, deve-se fazer o diagnóstico de transtorno
delirante persistente. Os delírios associados a doenças não existentes ou desfiguramento
de partes do corpo muitas vezes podem sem duplamente diagnosticados como TDC

Sobre Comporiiimcnlo c CogniçJo |Q 1


psicótico e transtorno psicótico hipocondríaco monossintomático. A crença de que o gênero
do indivíduo não é correto devido à aparência externa da genitália sugere o diagnóstico de
transtorno de identidade de gênero.

Curso e prognóstico:
O curso ó crônico e gradual, com o início durante a infância e adolescência,
sendo que 70% dos casos iniciam-se antes dos 18 anos (Albertini e Phillips, 1999), ou no
início da idade adulta. Pode levar anos para um paciente decidir-se por correção cirúrgica,
mas esta não produz alívio dos sintomas e, muitas vezes, leva ao recrudescimento dos
sintomas (Guggenheim, 2000). A qualidade de vida associada a aspectos psicológicos e
psiquiátricos são piores nos pacientes com TDC do que pacientes com depressão, diabetes
ou infarto do miocárdio recente.

Tratamento psicofarmacológico
As principais evidências são favoráveis aos inibidores de recaptura de serotonina
(Hollander e cols., 1999). Os tratamentos com estas medicações são eficazes mesmo
em casos com pouca crítica da doença, ou de características deliróides. São eficazes
independente da presença de comorbidade com depressão, TOC ou fobia social. Existem
evidências de má resposta ao uso de drogas noradrenérgicas (Hollander e cols., 1999).
Outras drogas com alguma eficácia descrita são os antidepressivos tricíclicos, inibidores
da monoamino-oxidase, potencialização com buspirona, e o uso de antipsicóticos. Há a
descrição do uso de pimozide como antipsicótico com eficácia atribuída ao seu antagonismo
a receptores opiáceos (Arnold, 2000).

Referências

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102 Tcnu Chri lun#


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Sobre Compoitiimeuio c Cofimçdo 103


Capítulo 13
Terapeuta e cliente: exercendo a difícil arte
da sobrevivência ao ato suicida

Rcginâ Christim Wicicmka


IPUSP

A prevenção do suicídio é um dos objelivos das intervenções em saúde mental, já que o ntco de pacientes psiquiátricos
tentarem suicídio ó superior ao encontrado na população em geral. Segue-se uma discussflo dos, assim denominados,
aspectos biológicos e ambientais determinantes de tentativas, concretizadas ou nâo, de suicídio Entre eles, destacam-se
a herança familiar, os mecanismos de aprendizagem para enfrentamento da adversidade, eventos vitais aversivos,
doenças nAo-psIquiátricas, sazonalidade, etc Sâo identificados distintos arranjos de fatores determinantes do suicídio e
seus correlatos, que conduzem o terapeuta a diferentes análises comportamentais e suas correspondentes intervenções
clinicas A partir da daacriçâo de um caso clinico, nôo fornecidas diretrizes gerai» para o terapeuta reorganizar seu modo de
trabalhar apôs a morte de um paciente por suicídio.
Palavras-chave, suicídio, fatores do risco, prevenção, análise funcional do comportamento suicida.

Suicide preventlon is one of the objectlves of mental healyh interventlons. slnce suicide rates in psychiatric patlents Is highor
than those found among the general population. The so-callod biologlcal and environamental determlnants of suicidai
attempts are discussed. Genetlc inheritance, learned coplng mechamsms. exposure to avurslvo llfe events, seasonal
affective disorder are some of the factors considered relevant. Dlfferent clusters of predlsponent factors of suicidai
behavior and its correlates are presented, leading to distinct functional analyses and to correspondent therapeutic intorventions.
Departing from a case study, some guidellnes are presented, to therapists who have to face the death of a suicidai patlent
who was under his/her professional care
Key worda suicide, nsk factors, functional analysis of suicidai behavior.

Prevenir o suicídio é um dos objetivos de intervenções na área da saúde mental,


particularmente no tratamento de pacientes com transtorno bipolar, depressão e outras
patologias. Segundo Goodwin e Jamison (1990), o suicídio é uma das causas mais
freqüentes de óbito em pacientes com transtorno do humor. Revisando pesquisas sobre
esta população clínica, os autores identificaram taxas de êxito letal entre 8,5 e 27%. Ao
também incluirmos nas estatísticas as tentativas de suicídio (felizmente, mal sucedidas),
os índices tornam-se ainda mais expressivos, Há estudos demonstrando (Goodwin e
Jamison, 1990) que entre 20 e 56% dos bipolares (mulheres, em sua maioria) colocou sua
vida em risco. Desconfirmando a crença de que tentativas de suicídio são usualmente
brandas, é importante destacar que 90% destas ocorrências foram graves o suficiente
para requererem hospitalização. Como Jamison (1999) sugere, nem sempre ó simples
determinar se uma dada morte ocorreu em função do suicídio, o que dificulta formar um
panorama sólido de informações sobre a freqüência e outros aspectos demográficos/
estatísticos relacionados aos atos suicidas.
Pensamentos sobre morte e suicídio, mesmo sem planos de concretização, são
ainda mais comuns: há indícios de que a grande maioria dos deprimidos já considerou

104 Rcfliiiii C liristiDJ W iclcnsk.»


esta possibilidade, ao menos em uma ocasião. Todas as manifestações comportamentais
relacionadas ao suicídio apresentam prevalência em dobro em indivíduos com história
familiar de suicídio, se comparados àqueles sem história familiar deste tipo. Os adeptos
da conhecida polêmica entre os aspectos inatos e adquiridos do comportamento busca
dados que apóiem suas respectivas posições teóricas (impossível resistir ao anglicismo
nature x nurture ao mencionar as duas faces desta discussão, que atrai geneticistas,
analistas do comportamento e outros pesquisadores). Quem tenta suicídio o faz influenciado
por um eventual modelo parental de manejo de eventos aversivos através da tentativa de
auto-eliminação? Ou a predisposição à depressão seria geneticamente transmitida
(Jamison, 1993, faz extensa revisão do papel da herança genética no transtorno bipolar do
humor) e tornaria o suicídio seu lamentável subproduto? Até o presente momento, há
evidências que sustentam ambas as posições: a disputa permanece empatada.
Sob o ponto de vista clínico, buscando enfocar as relações indivíduo/corpo e
ambiente/história de vida, a meta principal seria identificar as variáveis de controle das
ações pertencentes à classe funcional de respostas denominada "tentativas de auto-
eliminação". Tais respostas são emitidas por uma pessoa, ímpar em termos de sua história
de vida e dotação genética. Relacionando-se com o mundo, a pessoa modificou seu
ambiente e foi por ele influenciada. Se estudamos a interação entre um ser complexo,
com seus vários níveis de funcionamento biológico (bioquímicos, elétricos, etc.) e o mundo
que o cerca, é improdutivo estipular, a priori, cisões entre os aspectos aprendidos e inatos
do comportamento, ou entre suas bases biológicas e ambientais.
De qualquer modo, sabe-se que certos fatores ambientais possuem efeitos distintos
sobre o risco de suicídio. Por um lado, o convívio com outras pessoas pode modelar
formas (mais, ou menos, eficazes) de adiar, atenuar ou remover os eventos aversivos que,
contingentemente, ou não, ao nosso comportamento, nos afetam. Já os mecanismos de
filogênese e ontogônese selecionaram a capacidade de se reagir a eventos positivamente
reforçadores, providos pelo meio físico e social (o rigor teórico obrigaria a lembrar que
apenas sabemos que certo evento tem função positivamente reforçadora observando-se
seu efeito de aumento da probabilidade futura das respostas que o antecedem). Aversividade
em abundância e/ou escassez de reforçadores positivos formam uma dupla perigosa,
considerando-se os efeitos comportamentais que induzem nas pessoas submetidas a
contingências tão espartanas.
Não é tarefa simples sobreviver no seio de uma família sujeita aos efeitos
cumulativos do fato de um de seus membros ter flertado, uma ou mais vezes, com a
morte. De certo modo, alguns suicidas poderiam, inadvertidamente, ensinar aos familiares
(às crianças, em particular) que morrer seria a mais eficaz maneira de interromper o
contato com sensações de vazio emocional, desamparo e nihilismo. Mecanismos de
modelação ou de controle do comportamento por regras são, provavelmente, as vias para
compreensão desta faceta do fenômeno.
Por outro lado, há um reconhecido aumento da taxa de suicídios em certos meses
do ano (estudos a este respeito foram conduzidos com bipolares de ambos os sexos, em
países do hemisfério norte e apenas dois estudos, realizados na Austrália, que replicam o
mesmo dado para o hemisfério sul). Dois picos, de menor intensidade, foram encontrados
(apenas para mulheres bipolares) nos meses de outubro e novembro. Encontra-se uma
explicação parcial na redução da intensidade e duração dos períodos de luminosidade em
certos meses do ano. A hipótese de que o humor dependeria, em alguma medida, da

Sobro Comportamento c CoRnlçüo 105


sazonalidade e/ou da exposição à luz pode ser vista como uma interface dos fatores
ambientais e biológicos sobre o comportamento suicida e seus correlatos.
Pesquisas em genética dos transtornos psiquiátricos (algumas, por exemplo,
comparam a prevalência do transtorno bipolar ou da esquizofrenia em gêmeos univitelinos
com a de irmãos geneticamente distintos entre si e com a população em geral) demonstraram
o peso significativo do fator herança genética, principalmente para o transtorno bipolar do
humor e a esquizofrenia e, em menor proporção, para a depressão unipolar. Outros aspectos
biológicos são igualmente importantes, e podem predispor alguns subgrupos de indivíduos
ao suicídio (por exemplo, uso/abuso de substâncias psicoativas, patologias não-
psiquiátricas como o câncer - certos quimioterápicos são conhecidos pelo seu efeito
adverso sobre o humor - ou alterações vasculares que afetam o sistema nervoso central,
etc.).
Em meio a tantos dados, o essencial é preservar a idéia de que até o presente
momento não somos capazes de determinar a exata probabilidade de que alguém,
submetido a eventos públicos e/ou privados de natureza aversiva, tenha o suicídio como
alternativa de ação. Portanto, é insensato que um terapeuta leve em conta perigosos ditos
populares como "cão que ladra não morde" para estimar o risco de suicídio de algum
cliente. Também não é boa prática profissional supor que tentativas de suicídio para "chamar
a atenção” devam, necessariamente, ser postas em extinção. Vários motivos
desaconselham esta conduta: mesmo que alguém não se proponha a morrer, há o risco
de “acidentes de percurso". Alguns exemplos: ingerir um vidro de analgésico pode produzir
uma hemorragia gástrica de difícil controle: o cônjuge, esperado em casa por volta das 20
horas, pode se atrasar tempo o bastante para o cliente sofrer danos físicos maiores do
que o '■planejado": quem ‘lenta morrer" o faz por não dispor, em seu repertório, de alternativas
melhores de ação, seja para sofrer menos ou para receber afeto, companhia, contato
físico, cuidados, etc.. Extinção apenas, sem o fortalecimento prévio de respostas "pró-
vida", é aumentar a probabilidade de que respostas com maior exuberância topográfica
levem ao êxito letal. Explicando: simplesmente retirar o apoio social e técnico contingente
ao comportamento suicida (um procedimento, tacanho, de extinção) leva à maior
variabilidade do comportamento-alvo da intervenção. Assim, estaríamos propiciando que o
cliente apresente comportamento menos previsíveis, menos controláveis e com risco maior
de auto-lesão. Um objetivo clínico adequado é aumentar o aporte de reforçadores
contingentes a respostas (geralmente, sutis e escassas) compatíveis com uma vida
qualitativamente melhor, assim definida segundo os critérios do cliente. Resumindo, não
se puxa o tapete sobre o qual nosso cliente caminha, ainda que o consideremos roto,
imprestável. Melhor criarmos condições para que outros pisos pareçam, e sejam, para o
cliente, algo mais atraente do que "ensaiar o morrer".
O uso de procedimentos terapêuticos aversivos (o que inclui a simples retirada da
atenção dispensada aos atos correlacionados com tentativas de suicídio), numa fase em
que a relação terapêutica ainda não se fortaleceu, é colocar em risco a própria adesão ao
tratamento. O cliente já tem fracassos ou punições suficientes em sua vida complicada e
não deve ser afastado da possibilidade de ajuda; mais tempo ainda deveria ser oferecido
ao terapeuta até que pudesse identificar variáveis de controle e prever o comportamento do
seu cliente. Acreditar que uma única variável controla o comportamento (traduzida por
“dar atenção fortalece as tentativas de suicídio") e que um único procedimento (extinção)
trará benefícios é insensatez. Deve-se explicar às famílias que tentativas de suicídio são

106 Rcflinu C liriítin .i W io lciuka


algo que se respeita, a ser levado a sério, analisado com cautela e tratado com firme
delicadeza. Cabe a nós descobrir como o cliente pode receber a "atenção" por outros
meios.
Posto isto, pretende-se aqui identificar distintos arranjos de fatores determinantes
do suicídio e seus correlatos. Por exemplo, há casos nos quais a tentativa fracassada de
suicídio resultou na redução concreta da aversividade e no provável aumento de reforçadores
positivos contingentes à tentativa. Por vezes, agir deste modo pode se tornar o padrão
predominante de interação entre o cliente e os que o cercam. Um segundo arranjo envolve
pessoas que escolhem formas bastante poderosas de auto-eliminação, e que ativamente
buscam dissimular seus intentos, principalmente de quem poderia se opor vigorosamente
ao ato suicida, impedindo ou dificultando a tentativa. Há também pessoas que objetivam
dar cabo de suas vidas, mas preferem ou precisam esconder a natureza de seu ato. Neste
caso estão pais que evitam ensinar aos filhos que matar-se ó a solução para os problemas,
pessoas que fizeram seguro de vida para garantir o bem estar material de seus entes
queridos (somente mortes naturais ou causadas por terceiros são cobertas pela apólice)
e também indivíduos que adotam o suicídio disfarçado para evitar que familiares ou amigos
pensem que o suicida pouco se importava com eles e escolheu o afastamento eterno.
Num quarto agrupamento de fatores, situam-se pessoas que sobreviveram às tentativas
de efetiva ruptura com a vida e precisaram se deparar com conseqüências ainda mais
aversivas, como seqüelas físicas (por exemplo, a ingestão de substâncias corrosivas traz
o risco de erosões definitivas na mucosa do aparelho digestivo, levando a engasgos
freqüentes, acúmulo de partículas nas vias respiratórias, pneumonias de repetição, etc.),
descenso econômico (profissionais liberais não interrompem sua vida profissional
impunemente: diárias de leitos hospitalares, em hospitais gerais ou psiquiátricos, dilapidam
qualquer patrimônio e não são cobertas por seguros-saúde ou convênios), censura ou
abandono por parte de amigos e familiares (irritados, cansados e feridos, desistem de
prover apoio e cuidados), etc. Fica evidente que o rol de arranjos possíveis é infindável.
Organizar tantos fatores sempre irá depender da capacidade de se fazer a análise funcional
do comportamento dos envolvidos em um dado caso e da possibilidade de integrar esta
análise à compreensão dos fatores biológicos envolvidos.
Concretizando as complexidades do atendimento de suicidas em potencial, vale
a pena descrever um caso clínico real, modificando-se ou omitindo os dados que exporiam
a identidade do paciente. Jorge, 55 anos, há três décadas consultor financeiro, em
tratamento psiquiátrico para transtorno depressivo grave, sem sintomas psicóticos. Cedo
na vida montou sua própria empresa e amealhou clientes de peso ao longo da carreira.
Alcançou sucesso financeiro e prestígio, que decorreram da seu poder inclemente de
administrar fortunas alheias com doses justas de cautela, ousadia calculada e competência.
Dois casamentos, um divórcio concluído e o segundo a caminho, cinco filhos (com idades
entre 27 e 10 anos). Três anos antes de meu contato com o caso, Jorge começou a
apresentar sintomas depressivos, que se instalaram de maneira insidiosa e se confundiam
com excesso de trabalho, casamento agonizante, dificuldades crônicas de cultivar relações
pessoais, etc.. A segunda mulher o forçou a buscar atendimento profissional, devido ao
agravamento dos sintomas que o incapacitavam para as lides do cotidiano. Até aquele
momento, nunca se mostrara tão sem perspectivas, desesperançado, irritado e
dolorosamente "vazio por dentro". Tendo iniciado farmacoterapia para depressão, alguns
sintomas começaram a diminuir, especialmente os relacionados à inatividade. Conseguiu
sentir-se forte o bastante para planejar o suicídio, atirou-se pela janela do terceiro andar,

Sobre Comport.imcnlo c CopoivJo 107


foi socorrido e sobreviveu aos traumatismos múltiplos. Transferido do PS mais próximo
para um hospital de primeiríssima linha, teve uma parcela substancial de seu volumoso
patrimônio consumida pelos tratamentos e o sustento dos filhos. Sem trabalhar, não mais
recuperava o dinheiro perdido. As etapas posteriores de correção de suas lesões
ortopédicas e o tratamento psiquiátrico passaram, cerca de dois anos depois, a ser feitas
pelos mesmos médicos que o atenderam desde o inicio, mas agora segundo os
regulamentos de uma instituição pública. Ofereceram a ele esta oportunidade para reduzir
custos e viabilizar a contratação de um acompanhante especializado em enfermagem
psiquiátrica (para as horas em que estaria desacompanhado), e cujas ações seriam
supervisionadas por uma enfermeira da equipe, a qual tambóm passaria a manter contato
regular com o paciente. Fui solicitada a lhe oferecer terapia, porque identificaram que
persistia a ideação suicida e a total insatisfação com o tipo de vida que lhe restou. A
segunda mulher solicitou divórcio, tratava dele apenas "por ser pai de seus filhos". Os
clientes migraram para outras empresas, notícias sobre seus problemas vazaram por vias
não-sabidas, resultando em algum descrédito, desprestígio e isolamento profissional. Não
conseguia concentrar-se em atividades intelectuais, sentia dores, nunca tivera amigos
desvinculados de seu poder, status e funções administrativas. Atividades como a prática
de esportes, hobbies, a vida comunitária ou religiosa e, fazer amigos sempre lhe pareceram
alternativas pouco atraentes. Para os filhos, dedicara tempo insuficiente para a formação
de um vínculo significativo entre eles. Seu papel de provedor estava longe dos dias de
glória e a solidão, acrescida de um cotidiano sem metas a alcançar, tornava todos os dias
uma pasta com sabor indefinível, certamente difícil de engolir. Entendi que a terapia exigiria
o estabelecimento de um vínculo interpessoal, que buscava conquistar, validando seus
sentimentos de morte, mas reiterando que muitos outros caminhos poderiam ser pensados,
experimentados, antes de se concluir que morrer seria a única maneira de não entrar em
contato com tantos problemas. Para Jorge, mudar qualquer aspecto de sua vida atual
produziria a sensação de ter “trocado seis por meia dúzia". Nada poderia melhorar, voltar
a ser o que um dia fora. Mas acreditávamos que poderíamos descobrir formas de Jorge
apreciar sua nova etapa da vida, aprender um repertório mais compatível com o presente,
o que reduziria a sensação de irreversibilidade do estado de desconforto consigo mesmo
e com a vida em geral. Primeira consulta realizada, concordou com os tratamentos
propostos pela equipe. Não veio à segunda sessão de terapia, acionei a equipe, por não
conseguir sequer contato telefônico com Jorge. A enfermeira estava na mesma situação,
as duas consultas com as profissionais foram marcadas com um intervalo de três horas
entre uma e outra. Logo chegou a noticia que temíamos: Jorge infelizmente encontrou um
modo mais certeiro de se matar (precisou ludibriar seu acompanhante e familiares, fingira
concordar com os tratamentos, comprou uma arma e dela fez uso tão logo pode). A
vigilância de todos, o suporte multiprofissional e a farmacoterapia não conseguiram competir
com a ausência de reforçadores potenciais para comportamentos de luta pela vida, as
perdas sucessivas, o sofrimento físico e emocional.
Todos os profissionais envolvidos precisaram passar por um processo pessoal e
coletivo para delimitarem os limites da atuação nestes casos, identificar equívocos (nossa
onipotência, por exemplo) e repensar quais condutas preventivas adotaríamos para casos
similares no futuro. Precisamos, como profissionais em contato com população de risco,
desenvolver três habilidades clínicas: evitar o suicídio, promover a vida, e não nos
esquivarmos de correr os riscos inevitáveis que mencionei no início deste artigo. Superar
dificuldades é a rotina profissional de terapeutas, mas "esquecer" a existência dos limites

108 RcHitm C hristinii Wiclcnsk.»


inerentes ao trabalho (e a morte é um deles) pode, lamentavelmente, nos imobilizar e
impedir intervenções profissionais futuras.

Referências

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*»obrc Comportamento c Coflnlyío 109


Capítulo 14
Problemas metodológicos na abordagem
do stress na Terapia Comportamental

Maria Cristina Triffuero Velo/ Teixeira


L /N /IV M jc k c n /ic

O presente trabalho tem como objetivo apresentar alguns questionamentos teóricos sobre o stress dentro da Psicoterapia
Comportamental. De maneira geral é conhecido que, na prática psicoterapèutica, o tratamento do stress apresenta uma
demanda considerável e, dentro da psicoterapia, um dos procedimentos terapêuticos que tem garantido um sucesso relevante
é o comportamental Os terapeutas comportamentais aplicam inúmeras técnicas para o tratamento do stress nos seus
pacientes, algumas das quais consistam na modificação de comportamentos, ensaios de habilidades especificas, técnicas
de relaxamento, treinamentos para a solução de problemas, técnicas de autocontrolo e de controle de estímulos, entre outras.
Entretanto, o termo stress, manipulado tanto de forma leiga quanto de forma cientifica, ainda continua sendo um problema
para os próprios terapeutas e pesquisadores Para os terapeutas, o problema consiste em eliminar as chamadas reaçóes de
stress de seus pacientes JA para os pesquisadores, o problema vai além da fronteira prática para tornar-se algo mais
complexo Esta complexidade está determinada por uma série de dificuldades metodológicas por elos discutidas. Se essas
dificuldades nâo forom adequadamente resolvidas, os terapeutas nâo conseguirão garantir totalmente seu sucesso no
tratamento psicoterapâuticu. Este trabalho terá como finalidade problematizar sobre alguns desses elementos metodológicos.
Por exemplo; o profundo conhecimento que pesquisadores e terapeutas devem ter sobre a pslconouroendocrinologia; as
diferenças que existem entre os conflitos e as reaçóes de stress da vida real e os que sâo provocados nos laboratórios de
pesquisa; a velha, e Infelizmente falsa, procura d * um indicador de stresr, e o desejado esclarecimento da relação que existe
entro os moduladores psicológicos da resposta de stress e os mecanismos neuroendócrinos.
Palavras-chave: stress, psicoterapia comportamental. pslconeuroendocrlnologla.

The present study presents some theoretical questiona about the stress in the Behavioral Therapy. It is generally known that,
in psychotherapeutics practice, the treatment of stress has a great demand and. in the psychotherapy, one of the therapeutic
procedures that guaranteed relevant success Is the Behavioral Therapy. The Behavtoral Therapy applles countless techniques
on the treatment of stress in its patients, some of which consists in the modlflcation of behavior, specific abilities practices,
relaxatlon techniques, problem solving tralning, self-control techniques, stlmull control, among others. However, the term
stress, handled even In the lay form as in the scientlflc form, still continues being a problem to lhe psychologlsts and
researchers, To the psychologists the problem consists In ellminating the so-called stress reactions from their patients. Now,
to the researchers. the problem goes beyond the frontier of the practice to become somethlng more complex. This complexlty
is determined by a series of methodological difficulties that are dlscussed by them Whether these difficulties are not
adequately solvod, the psychologists will not be able to warrant total success in the psychotherapeutics. This study has on
Its objoctives to deal wlth the problematic of some of these methodological aspects. For instance: the profound knowledgo that
researchers and psychotogists must ftavo about ptychorwuroendocrtnology; the ditterences that exlst twtween the confllcta
and the stress reactions of real life and the one« that are arísen on the research laboratories, the old, and unhapplly false,
search for an stress indicator; and desired elucidation of the relatlon that exlsts between the psychological modulators of the
stress response and the neuroendocrinous mechanlsms,
Ksy words: stress, behavioral psychotherapy, psychoneuroendocrlnology.

O stress ó um dos problemas de saúde que mais atinge à civilização moderna.


Os estudos nessa área proliferarrvse, quase na mesma proporção com que o stress se
apresenta nos clientes que procuram atendimento psicológico.
Com este trabalho, não pretendemos fazer uma análise exaustiva da temática do
stress, nem tampouco esgotar tudo o que diz respeito a um tema tão complexo como é

110 Maria Cristina Tri#ucro Veloz Teixeira


o stressdentro da Terapia Comportamental. Entretanto, apresentamos e discutimos alguns
questionamentos teóricos e práticos que, basicamente, surgiram a partir de nosso trabalho
acadêmico em sala de aula com alunos de graduação em Psicologia.
Tem chamado consideravelmente nossa atenção que, quando os alunos de quarto
e de quinto ano de Psicologia estudam os diversos aspectos do stress dentro das disciplinas
de Psicoterapia Comportamental Cognitiva, eles manifestam algumas dificuldades de ordem
teórica e metodológica para enfrentar um paciente supostamente estressado. Acreditamos
que, tanto as dificuldades teóricas quanto as práticas, podem provocar sérias implicações
no trabalho clinico. De uma parte, os alunos não conhecem as complexas relações que
existem entre a psicologia, a fisiologia e a bioquímica e, de outra, são incapazes de
explorar as valiosas contribuições do Behaviorismo Radical aplicado á área clínica
comportamental. Nesse desencontro é que temos percebido que acontecem as principais
dificuldades.
Para um psicólogo clínico comportamental de ampla experiência clínica, este
escrito pode até parecer reiterativo. No entanto, acreditamos que, para todos aqueles que
estão envolvidos na difícil tarefa de formar futuros psicólogos, o trabalho permitirá transmitir
alguns elementos de como um aluno que estuda a Terapia Comportamental e Cognitiva
deve analisar a relação da análise funcional do comportamento com o stress.
De maneira geral, ó conhecido que, na prática psicoterapêutica, o tratamento do
stress apresenta uma demanda considerável e, dentro das abordagens terapêuticas, a
Terapia Comportamental e Cognitiva já vem demonstrando sucesso (Álvarez, 2001; Caballo,
1996; Valdés, Pérez e Perara, 1997). Os terapeutas comportamentais aplicam inúmeras
técnicas para o tratamento do stress nos seus pacientes, algumas das quais consistem
na modificação de comportamentos, reconceitualizações cognitivas, ensaios de habilidades
específicas, técnicas de relaxamento, treinamentos para a solução de problemas, técnicas
de autocontrole e de controle de estímulos, entre outras.
Entretanto, o termo stress, manipulado tanto de forma leiga quanto de forma
científica, ainda continua sendo um problema para alunos de Psicologia, para terapeutas
e para pesquisadores. Para os terapeutas, o problema consiste em eliminar as chamadas
reações de stress de seus pacientes. Já para os pesquisadores, o problema vai além da
fronteira prática para tornar-se algo mais complexo. Esta complexidade está determinada
por uma série de dificuldades metodológicas por eles discutidas. Se essas dificuldades
não forem adequadamente resolvidas, os terapeutas não conseguirão garantir totalmente
seu sucesso no tratamento psicoterapêutico. Já para o aluno, a situação é ainda mais
complexa, desde que, além de aspirar à cura de seu futuro paciente, desconhece muitas
das dificuldades metodológicas que posteriormente serão esboçadas e, cabe aos
professores, orientá-los a respeito das mesmas, assim como fornecer-lhes alternativas
de solução às mesmas.

A Terapia Comportamental;
No Brasil, existem múltiplas contribuições teóricas à análise funcional do
comportamento e à analise clínica do comportamento (Banaco, 1999; Caballo, 1996; Conte
e Brandão, 1999; Range, 1995; Rangé, 1998). De um lado, para o aluno de Psicologia, um
dos problemas consiste em interrelacionar esses conceitos provenientes do Behaviorismo

Sobre Comportamento e Cognitfo 111


Radical com tudo o que tem sido pesquisado na área do stress. De outro lado, quem
trabalha a área do stress depara-se com múltiplos problemas teóricos e metodológicos.
Ainda acredito que são problemas que enfrentam tanto os alunos, quanto os próprios
pesquisadores e terapeutas.
No nosso modo de ver, os principais problemas de ordem metodológica e teórica
são: o profundo conhecimento sobre psiconeuroendocrinologia que é exigido; a compreensão
das diferenças que existem entre os conflitos e as reações de stress da vida real e os que
são provocados nos laboratórios de pesquisa ou inclusive no espaço terapêutico; o problema
da velha procura, e infelizmente falsa, de um indicador de stress; e o desejado
esclarecimento da relação que existe entre os moduladores psicológicos da resposta de
stress e os mecanismos neuroendócrinos.
Perante a colocação desses problemas, cabe fazer dois questionamentos: o que
eles significam para a prática clínica comportamental? Como aqueles psicólogos recém
formados (hoje, nossos alunos) analisam os diversos aspectos do stress e, ao mesmo
tempo, os contextualizam numa análise contingencial do comportamento?
A Terapia Comportamental apresenta três alvos fundamentais de trabalho com o
cliente: o autocontrole, as tomadas de decisões e, conseqüentemente, a solução de
problemas. Para atingir esses alvos é absolutamente necessário que nosso aluno saiba
explorar como seu cliente está funcionando e deixe de lado como o cliente é. O
conhecimento desse funcionamento permitirá, tambóm, aprofundar em como aquele cliente,
supostamente estressado, está funcionando no aqui e no agora.
Independente do problema que se esteja tratando, o trabalho terapêutico
comportamental estabelece uma formulação minuciosa dos problemas do cliente. Junto
com a formulação desses problemas, espera-se que o terapeuta consiga descrevê-los,
hierarquizá-los, derivar a queixa (s) principal (is) e, por último, executar uma anáíise clínico-
funcional dos comportamentos do cliente. Só depois de todos esses passos, deverá
pensar-se em aplicar as técnicas comportamentais de intervenção. Esse raciocínio lógico
aplicado à clínica comportamental possibilita ao terapeuta observar seu cliente, reforçá-
lo e conseqüentemente contribuir com a evocação daqueles comportamentos socialmente
adaptativos.
Ao longo destes anos, tenho observado no trabalho com meus alunos que, embora
eles estudem o Behaviorismo Radical, apresentam sérias dificuldades no que diz respeito
ás habilidades para fazer a análise clínica do comportamento descrita no parágrafo anterior.
Em ocasiões, mesmo tendo cursado as disciplinas que dizem respeito à Psicoterapia
Comportamental, não conseguem formular um caso conforme as exigências desse enfoque
e, como aponta Range (1998), muitas vezes querem enfatizar os processos dinâmicos
subjacentes, ao invés de trabalhar com os relacionamentos funcionais entre os fatores de
desenvolvimento e de manutenção dos comportamentos problemas.
Em nossas salas de ensino, os professores que seguem a linha comportamental
deverão ser rigorosos ao ensinar o que são comportamentos clinicamente relevantes e,
mais importante ainda, quais são aquelas regras comportamentais que um terapeuta
deve seguir para provocar mudanças no cliente. Algumas dessas regras são observar,
evocar, reforçar, auto-observar e analisar. Será que nosso aluno está treinado para o
cumprimento dessas regras? Há aqui um desafio que concerne a nós, professores
universitários da abordagem comportamental, enfrentar.

112 C riftifM Irígurro Velo? Tclxcir.i


O anterior diz respeito a alguns aspectos do behaviorismo radical aplicados à
análise clínica do comportamento. Mas, e os problemas de tipo teórico e metodológico
que dizem respeito à abordagem do stress?

O stress na Terapia Comportamental:


Conforme Álvarez (2001), o estudo do stress teve sua origem na Física no século
XVII durante as pesquisas de Robert Hook, ao descrever a lei da deformação dos corpos
em função da força deformadora. Nos séculos XVIII e XIX, outros pesquisadores da Fisiologia
e da Química tentaram sistematizar o conceito de stress. Um dos fisiologistas que primeiro
sistematizou o conceito de stress foi Bernard, ao colocar que, quando a resposta adaptativa
de um organismo perante um estímulo nocivo nào era suficiente, ou, quando a própria
resposta causava mais dano que o estímulo, o resultado era um organismo que adoecia.
Alvarez (2001) faz uma exaustiva descrição dos principais pesquisadores que estudaram
o stress ao longo de todos estes anos. Caso o leitor queira se aprofundar, remetemo-lo ao
autor.
O estudo do stress inclui quase todos os processos da vida de um organismo e,
especialmente, a vida do ser humano. Inclui o Sistema Nervoso Central do feto, a morte
neuronal, o processo de envelhecimento, as respostas neuroimunológicas, as agressões
físicas e emocionais, os processos de enfrentamento e as funções cognitivas, entre outros.
Só com essa breve exemplificação dos processos que o stress inclui, caberia refletir
acerca de como uma abordagem comportamental garantiria sucesso para tratar um
fenômeno tão complexo e extremamente manipulado. As técnicas comportamentais no
tratamento do stress têm demonstrado serem muito válidas e objetivas quando o problema
é modelar comportamentos que permitam ao indivíduo manipular o problema, melhorar o
equilíbrio emocional ou, simplesmente, quando é necessário inibir ações, já que as mesmas
produziriam mais riscos do que aquelas que o indivíduo já possui.
O parágrafo anterior faz referência a um dos conceitos básicos dos moduladores
psicossociais da resposta ao stress: os processos de enfrentamento (Lazarus, 1966;
1980). E, quando o aluno de Psicologia depara-se com esse termo, muitas vezes, acredita
que achou a solução perfeita ao problema do tratamento do stress dentro da Terapia
Comportamental e Cognitiva. Só que, na ingênua crença de que está no caminho certo,
ele corre o risco de tornar-se um aplicador de técnicas que carecem do atributo mais
importante da Terapia Comportamental: da análise clínica comportamental.
Dentro dessa análise clínica comportamental é imprescindível que o terapeuta
conheça como está funcionando o cliente. Para aprofundar desse aspecto, deve ser feita
uma minuciosa avaliação de todos os eventos envolvidos. Esses eventos compreendem
alguns conceitos básicos do Behaviorismo Radical: os estímulos desencadeadores de
comportamentos, as reações do indivíduo (comportamentais, cognitivas e autonômicas) e
as conseqüências reforçadoras dos comportamentos.
Voltamos a uma das perguntas do começo do trabalho: o aluno de Psicologia sai
das salas universitárias com toda a preparação suficiente para executar a avaliação clínica
comportamental de um cliente estressado? Será que esse aluno compreende que a resposta
do indivíduo perante estímulos potencialmente estressores sempre serão tentativas de
adaptação? Será que compreende que a situação do cliente na sala de consultório é

Sobre Comporiiimcnlo e Coflniçilo 113


qualitativamente diferente da vida real, independente dos procedimentos operacionais que,
no consultório, sejamos capazes da fazer para avaliar funcionalmente nosso cliente? Será
que ele entende que, embora a literatura mostre centos e centos de estudos que fornecem
índices de stress, os mesmos são falsos porque a resposta do indivíduo é sistêmica? É
uma resposta que envolve os três níveis mais importantes de funcionamento humano: o
nível psicossocial, o nível neural e o nlvel endócrino.
Impõem-se, ainda, outros dois questionamentos: o aluno de Psicologia consegue
realizar uma análise contingencial das respostas do indivíduo na tentativa de se adaptar às
estimulações potencialmente estressoras? Como o aluno analisa as conseqüências
reforçadoras que operam sobre o comportamento do cliente?
Supondo que a avaliação clínica do comportamento baseada no Behaviorismo Radical
seja um processo contínuo de testagem de hipóteses, como o aluno (futuro psicólogo) será
capaz de formular, numa perspectiva funcional, o comportamento do cliente estressado, se
esse aluno pode apresentar dificuldades em avaliar o papel dos moduladores neuroendócrinos
e o dos moduladores psicossociais na resposta de stress?

Considerações finais:
Para finalizar este trabalho, acreditamos que, embora seja muito modesta a
contribuição deste estudo, o mesmo possa ajudar a refletir sobre o estado atual do
tratamento do stress dentro da Terapia Comportamental e, especificamente, dentro dos
cursos de Psicologia. Resta-nos chamar a atenção sobre dois aspectos básicos tratados
no trabalho. Um deles dizia respeito a que, no estudo do stress, um dos elementos
essenciais é o da adaptação. O outro refere-se a que, no Behaviorismo radical, um dos
conceitos mais trabalhados é o de comportamento socialmente adaptativo. Entre cada
um desses aspectos, existe uma interrelação básica que, logicamente, pode ser aplicada
ao trabalho clínico de modificação de comportamentos em clientes que procuram
atendimentos por apresentarem queixas de stress.
Somente quando o terapeuta entender todas essas nuances da abordagem do
stress e das exigências de uma análise clínica comportamental, ele poderá atingir sucesso
terapêutico.

Referências
Álvarez, G.M.A (2001). Stress. Temas de Psiconeuroendocrinotogia. São Paulo: Robe.
Banaco, R.A (1999). Técnicas Cognitivo-Comportamentais Análise Funcional. Em Kerbany, R.R
o Wielenska, C.R Cogniçâo da Reflexão Teórica à (orgs), Sobre Comportamento e
Cogniçâo: Psicologia Comportamental e Diversidade na aplicação (pp.75-82). Santo
Andro: ARBytes.
Caballo, V.E (1996). Manual de Técnicas de Terapia e Modificação do Comportamento. Sâo
Paulo: Santos.
Conte, F.C.S e Brandão, M.Z.S. (1999). Técnicas Cognitivo-Comportamentais e Análise Funcional.
Em Kerbauy, R.R e Wielenska, C.R (orgs), Sobre Comportamento e Cogniçâo: Psicologia
Comportamental e Cogniçâo da Reflexão Teórica à Diversidade na aplicaçõo (pp.134*
148). Santo Andre: ARBytes.

114 M iirt.i C'rtsí(nj fritfucro VWo/ fe/xeini


Lazarus, R (1966). Psychological Stress and the Coping Process.,New York: McGraw Hill.
Lazarus, R (1980). Psychological Stress and Adaptation: Unresolved Issues. Em Selye, H (ed).
Selye's Cuide to Stress Research. New York: Van Nostrand Reinhold.
Rangé, B (1995). Psicoterapia Comportamental e Cognitiva. Pesquisa. Prática. Aplicações e
Problemas. Campinas: Psy II.
Rangé, B (1998). Psicoterapia Comportamental e Cognitiva de Transtornos Psiquiátricos.
Campinas: Psy II.
Valdés, J.G.G; Pórez, D.F.Z; Perara, R.M.A (1997), Reflexões sobre ei stress. Santa Maria: Rost
Hill.

Sobre Comportiimcnfo c Cotfniç.lo 115


Capítulo 15
Atendimento comportamental a
portadores do vírus HIV
Qiovand Detvnn StuhlerAvi
( /nivcn id .id c do V,ilc do //<//<// - L /N /V A I'J /S C

Estar contaminado pelo vlrus HIV significa, na maioria das vezes, passar a viver uma situação aversivH onde so obsorvam
alterações comportamentais. cognitivas e afetivas. O tratamento com pessoas 9oroposi1ivas tem como ob|etlvos; auxiliar
na aquisiçAo de estratégias de enfrentamento, amenizar as conseqüências aversivas da Aids, diminuir as Internações
hospitalares e aumentar a adesão ao tratamento Utilizando como espaço a sala de espera de um Hospital Dia, desenvolve-
se um trabalho em parceria com a equipe de saúde dessa instituição, onde cada paciente ó convidado a participar do Gn<po
de Sala de Espera, procurando, assim, um espaço que viabilize a aprendizagem de comportamontos adaptativos à condlçAo
atual, utilizando-se de contingências de reforçamento social para apoio e auto estima
Palavras-chave: Aids, tratamento, grupo de sala de espera.

To bo contaminated by an HIV vlrus ineans, In most cases, to bogm to llve an adverse situatlon In which one observes
behavioral, cognitive, and affectionate changes The treatment for HIV positive patients alms at: asslstlng in the
appropnation of coping strategles, reduemg AIDS adverse consequences, decreasing hospital admlssion, and increasing the
preforence for the caro Uslng the waltlng room in a Day Hospital as a settlng, a work Is developed In parlnershlp with the
health department toam at this institution, where every patlent Is invlted to partlclpato In the Wnlling Room Group, thus
seeklng a setting that provides the learnlng of adaptive behavior* to the present condition, by using social relnforcement
contingencies for support and self esteem.
Key words: AIDS. treatment, waltlng room group

Há mais de quinze anos convivemos com a Aids. Segundo a OMS, 1999, essa
slndrome transformou-se em uma epidemia mundial, contabilizando atualmente mais de
40 milhões de pessoas infectadas em todo o mundo. O Brasil ocupa o indesejável terceiro
lugar entre os países com maior número de casos notificados de Aids no mundo.
Observa-se, então, que a Aids não é uma presença discreta, pelo contrário, ela
nos coloca limites insuportáveis, na medida em que desafia a onipotência muitas vezes
desejada pelas tecnologias científicas e deixa claro para o ser humano uma finitude que
incomoda, que desagrada. Se inicialmente o que predominava era o medo, a falta de
informação acerca da doença, o preconceito em relação às pessoas contaminadas, hoje
o que temos ó um número cada vez maior de informações sobre a doença, passando a ser
considerada uma doença comum que atravessa limites anteriormente atrelados ao início
da epidemia: a sexualidade, a promiscuidade. Muitas pesquisas, muitas lutas vêm sendo
travadas em torno da AIDS, porém, infelizmente esta doença ainda é vista como uma
doença devastadora, principalmente em nível psicologico. As pessoas que convivem com

116 C/iov<in<i Dclvan Sluhler A v i


soropositivos se defrontam, na maioria das vezes, com a impotência de modificar esse
panorama. Os profissionais de saúde, educados para ser aqueles que salvam, diante
desta doença tiveram que se render ao novo, ao imprevisto, ao aspecto físico ligado ao
psicológico, que nesse caso encontram-se indiscutivelmente imbricados. Como
conseqüência, a AIDS demanda uma intervenção profissional mais humana, mais completa,
pois, na medida em que aumenta o número de tratamentos eficazes, aumentam tambóm
as complicações ou patologias associadas à doença.
Dentro das alterações emocionais, a depressão é diagnosticada com bastante
freqüência na interconsulta psiquiátrica de pessoas vivendo com HIV ou Aids, como tambóm
a ansiedade (Malbergier, 1999). Pode-se considerar que estes comportamentos depressivos
e as respostas de ansiedade são mecanismos de adaptação de um organismo em seu
meio(Huete 1995).
Quando a pessoa não consegue encontrar soluções adequadas ou perspectivas
positivas em relação ao seu tratamento, a depressão se mantém por mais tempo e suas
interações com o meio ficam ainda mais comprometidas. A infecção pelo HIV provoca
efeitos em vários setores da vida de uma pessoa: no trabalho, na família, na sexualidade,
no convívio social. Estar contaminado pelo vírus HIV significa, na maioria das vezes, passar
a viver uma situação aversiva onde se observam alterações comportamentais, cognitivas e
afetivas.
Por fim, necessário se faz destacar que um número grande de publicações sobre
a AIDS tem ocorrido desde a sua descoberta. Publicações que vão desde a descrição do
vírus, as doenças relacionadas à síndrome, o tratamento medicamentoso, os direitos do
portador do HIV, até a questão social e psicológica que acompanha esta doença (Brasil,
1987; Schietingere Badil, 1992; Silva, 1994; Cimerman e Lewi, 1998).
O tratamento com pessoas vivendo com HIV pode ter como objetivos: auxiliar na
aquisição de estratégias de enfrentamento, amenizar as conseqüências aversivas da Aids,
diminuir as internações hospitalares e aumentar a adesão ao tratamento.
A experiência que passo a relatar diz respeito a uma atividade de estágio curricular
em Psicologia Clínica que ó desenvolvida no Hospital-Dia de Itajaí (SC).
O Hospital-Dia está vinculado à Secretaria Municipal de Saúde de Itajaí e atende
a Micro-Região da AMFRI (Associação dos Municípios da Foz do Rio - Itajaí), região que
abrange os municípios vizinhos de Itajaí: Balneário Camboriú, Camboriú, Bombinhas, Ilhota,
Itapema, Luiz Alves, Navegantes, Penha, Piçarras e Porto Belo, e, desde a sua inauguração,
agosto de 1998, conta com mais de 2300 pacientes cadastrados.
A faixa etária destes pacientes varia de 0 a 80 anos, com condição sócio-
econômica baixa, apresentando patologias como tuberculose, pneumonia, hepatite, herpes,
candidíase, citomegolovírus e outras.

O Hospital-Dia de Itajaí tem como objetivos:


a) reduzir as necessidades de internação de pacientes em hospitais e dar continuidade
ao tratamento após alta hospitalar;
b) reduzir o tempo médio de permanência em serviços;

Sobre Comportamento c CojjnivJo 117


c) ampliar e agilizar procedimentos terapêuticos em nlvel ambulatorial;
d) incentivar a continuidade do tratamento, tornando o ambiente agradável e confortável;
e) integrar e orientar família/doente, quanto aos aspectos sociais, bem como aos
cuidados necessários em seu domicilio;
f) ampliar conhecimentos sobre a doença e suas intercorrôncias com participação de
amigos e família do paciente;
g) melhorar as repercussões psicológicas doente/família com maior permanência em
casa e ató a morte no domicílio, se for possível;
h) colaborar e/ou participar das atividades de pesquisa nas áreas: enfermagem,
medicina, odontologia, psicologia e oferecer campo de estágio para treinamento de
equipe de saúde;
i) promover qualidade de vida, diminuindo os riscos de infecção hospitalar, propiciando
maior convívio social e familiar.

A partir de reuniões com a equipe de saúde e a coordenação do hospital, percebeu-


se a necessidade de um atendimento que não somente possibilitasse apoio psicológico
individual, mas ações que abrangeriam um maior número de pacientes. Então, propusemos,
que além dos atendimentos individuais realizados pelos psicólogos desta instituição,
poderíamos oferecer uma atividade que complementasse o tratamento, o atendimento em
grupo. Segundo Preciado (1996,404) “o grupo faz com que a pessoa não se sinta isolada,
permitindo ao mesmo tempo receber apoio emocional e informação sobre o tratamento".
As pessoas que se dirigem ao Hospital-Dia para consultas módicas, odontológicas,
como também para buscarem a medicação, na maioria das vezes com atendimentos
agendados com antecedência, ficam aguardando em média uma hora para o atendimento
clinico. Observando-se estas pessoas na sala de espera, constatou-se que neste momento
a atividade grupai poderia auxiliar na aprendizagem interpessoal e ató mesmo no
autoconhecimento. Deu-se início, então, ao Grupo de Sala de Espera, que vem se
mostrando como uma boa alternativa para o tratamento de doenças crônicas em instituições
de saúde (Ribeiro dos Santos, 1999).
O Grupo de Sala de Espera ó aberto e sua duração varia em torno de 40 a 50
minutos. Os recursos utilizados nos encontros variam desde:

quebra-cabeça (onde o resultado ó uma frase que aborda o tema Aids, tratamento,
mudanças na vida, solidariedade, aceitação da doença, etc);
• desenhos (todos os pacientes são convidados a fazerem juntos um desenho);
• figuras (cada paciente escolhe uma figura retirada de revistas);
perguntas e respostas sobre Aids (cada paciente retira uma pergunta e tenta
responder);
projeção de filmes educativos; ató o relato espontâneo dos pacientes.

118 C/iovanj Dclvdn Stuhlrr Avi


Estas atividades visam ajudar a: identificar comportamentos desadaptativos dos
pacientes que de certa forma afetam sua saúde geral; identificar contingências que estão
mantendo estes comportamentos, intervindo junto a elas; identificar possíveis crenças
errôneas. A partir destas constatações, procura-se, utilizando um enfoque educacional,
eliminar ou diminuir comportamentos que prejudiquem a saúde, informar sobre o estado
de saúde do paciente, os significados dos sintomas, informar sobre medidas preventivas
para evitar a transmissão, como também o fato de propiciar que os pacientes compartilhem
com outros portadores suas angústias, dúvidas.
Para concluir, o Grupo de Sala de Espera mostra-se como mais um recurso a
serviço da qualidade de assistência prestada ao usuário do Hospital-Dia, facilitando a
troca de experiências, ampliando o grau de conhecimento de cada um em relação a Aids
e ao tratamento, auxiliando as pessoas que vivem com HIV e Aids a identificarem
comportamentos que impedem uma maior aceitação do quadro, ou comportamentos que
levam a um enfrentamento maior frente às adversidades que acompanham a Aids e, assim,
através de uma aprendizagem social, lidarem melhor com o seu lado emocional. Muitas
vezes, é este nível, o emocional, que mais contribui para um agravamento do quadro.
Então, se pudermos desenvolver ações que favoreçam o desenvolvimento de um repertório
mais adequado para o enfrentamento desta síndrome, com certeza estaremos modificando
o panorama atual da Aids que ainda, infelizmente, é o de uma doença fatal, que mata
antes mesmo do portador morrer.

Referências

Brasil-Ministório Da Saúde. Secretaria Nacional de Ações Básicas de Saúde. Programa Nacional


de Controle do Doenças Sexualmente Transmissíveis e AIDS. Recomendações para
prevenção e controle da infecção pelo vírus HIV (SIDA/AIDS). Brasília, 7-17, 1987.
Cimerman.S. e Lewi.D.S. (1998) Aids: uma visão atual. RBM Rev.Bras.Mod. v. 55 n. 8, p. 571 -
578, ago.
Huete, E.G. (1993). SIDA: apoyos en el entorno personal, familiar y laborai. Madrid: EUDEMA
S.A.
Ministério Da Saúde. Coordenação Nacional de Doenças Sexualmente Transmissíveis e AIDS.
Boletim Epidemiológico. Homepage: hllp://www.aids.g0.yJ2r
Ribeiro dos Santos, A. R. (1999). Grupos de Sala de Espera em Instituições de Saúde. Revista
Módica V ir tu a lHomepage: http://www. med.press.med.br.,fevereiro.
Schietinger.H. e Badil.L.R. (1992)Temos o direito de viver e morrer com dignidade. Ação Anti-
Aids, n. 17, p. 5.
Organização Mundial Da Saúde. Homepage: http://www.who.ch
Preciado, J. (1996). Aspectos conductuales dei síndrome de imunodeficiencia adquirida (SIDA).
Em Caballo.V., Buela-Casal,G. e Carrobles, J.A. (orgs/ Manual de psicopatologia y
trastornos psiquiátricos: trastornos de Ia personalidad, medicina conducctual y problemas
de relación. Madrid: Siglo Veintiuno de Espafta Editores, S.A.

Sobrr Comportamento c CoRni(3o 119


Capítulo 16
Conceitos e práticas em Análise do
Comportamento
Gerson Yukio Tomanari
Instituto </<• /'m flloff/j - l/S P

O presente texto traz a concepção n as estratégias que têm sido empregadas nas aulas de laboratório em Análise
Experimental do Comportamento no curso de graduação do IPUSP (Instituto de Psicologia, USP) Nestas aulas, temos
procurado dentunalrar principio» básicos de comportamento, |ais como reforçamento, oxtinçÃo, reforçamento condicionado,
esquemas de reforçamento, discriminação de estímulos, entre outros, dentro de um contexto Invostlgatlvo e experimental
com vistas à introdução do aluno às atitudes e ao pensamento científicos. Para isso, vimos utilizando as seguintes
estratégias, dentre outras descritas no texto: apresentamos as práticas de laboratório na forma de uma pergunta ("problema
de pesquisa") que deve Ber respondida experimentalmente; inserimos, entre as práticas de laboratório, problemas atuais de
pesquisa em Análise Experimental do Comportamento; discutimos e justificamos os parâmetros de escolha dos sujeitos, do
delineamento, e do procedimento experimental utilizado, ensinamos e exigimos o uso de representações quantitativas dos
dados (tabelas e gráficos simples de linha e coluna) como melo de analisar comportamento, modelamos o comportamento
dos alunos de tratar e analisar os dados, discutir e descrever os resultados em relatórios Em nossa prática, temoi
verificado que a introdução ao pensamento cientifico através de exercícios de laboratório podo ensinar o aluno a dinAmlca
do processo de construçAo do conhecimento e, principalmente, mostrar que ele, aluno, pode vir a fazer parto desse
processo
Palavras-chave: ensino de análise do comportamento, práticas de laboratório, atitudes cientificas

This paper describes the current conceptlons and strategies thot have been carnod out to teach the laboratory classes on
Experimental Analysis of Behavior at the undergraduate levei at IPUSP (Instituto de Psicologia - USP). Wa havo taught the
baslc principies of behavior such as relnforcoment, extlnctlon, conditioned reinforcement. stimulus dlscrlmlnalion and others
under an investigative and experimental context In order to introduce sclentific attitudes to tho students' repertoire. Among
the teachlng strategies we polnt out are For each laboratory exercise, we present a "research problem" to bo experimentally
solved by the students, among the exercises are current research questions in Behavior Analysis; we dlscuss and justify the
process of determining lhe expenmental subjects. the experimental designs, the procedures: we require the students to
manage basic quantltatlve data analysis and representations (table and simple bar and line graphs); we model the students
abillty to analyze, discuss, and describe their data on reports. As we have learned from our experience, by Introducing the
scientific thinking on the laboratory classes we get the students to understand how the sclentific knowledge develops and,
obove ail, we show the students they may be part of this process.
Key words: teaching behavior analysls, laboratory exercises, sclentific attitudos.

O objetivo do presente texto é apresentar a concepção e a metodologia que têm


sido empregadas nos últimos anos, por mim e pela Profa. Maria Amelia Matos, nas aulas
de laboratório em Análise Experimental do Comportamento do curso de graduação do
IPUSP (Instituto de Psicologia, USP).
Segundo temos verificado, considerando as características particulares de ensino
e pesquisa do IPUSP, o laboratório didático em Análise Experimental do Comportamento
Esto texto foi apresentado na mesa redonda “Contextos Formadores de Analistas de Comportamento", realizada no IX
Encontro Anual da Associação Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental, Campinas, 14-17 de setembro do 2000.
0 texto descreve o trabalho que a Profa. Maria Amelia Matos e eu temos desenvolvido nos últimos anos com relaçAo ao
ensino de Análise Experimental do Comportamento no laboratório didático do IPUSP. As apostilas que utilizamos no curso
serAo publicadas, brevemente, em um manual de laboratório.

120 C/rnon Yukio lomiinari


tem condições de colocar pelo menos dois objetivos como fundamentais. Um deles ó
propiciar ao aluno a oportunidade de testar e estudar diversos princípios básicos da Análise
do Comportamento, tais como reforçamento, extinção, reforçamento condicionado, controle
de estímulos etc., tal como são propostos em vários exercícios práticos de laboratório
(Gomide e Weber, 1998; Guidi e Bauermeister, 1974; Kerbauy, 1970). O segundo objetivo,
igualmente importante em se tratando de um laboratório didático, seria o de promover
condições para a iniciação científica do estudante, inserido nos modos de pensar e investigar
de uma ciôncia experimental.
Em nossa prática, temos verificado que, sendo introduzido ao pensamento científico
através de exercícios práticos de laboratório, o aluno não só aprende que o conhecimento
científico está em constante processo de desenvolvimento (seja através de novas
descobertas, seja através de modificações em conhecimentos previamente adquiridos),
como aprende que ele, aluno, pode vir a fazer parte desse processo de construção de
conhecimento (Machado e Matos, 1990; Tomanari, 2000). Reconhecer-se como produtor
de conhecimento e possuir o repertório para assim atuar é de fundamental relevância para
oanalista de comportamento que desenvolve seu trabalho na área aplicada, conceituai e,
obviamente, na experimental. Por exemplo, o uso de controle de variáveis como forma de
identificação de relações funcionais entre eventos são intrínsecas à tarefa de analisar
comportamento. No laboratório, habilidades como essa podem ser treinadas e, idealmente,
irão fazer parte das maneiras de pensar e atuar do profissional em Psicologia.
As práticas de laboratório do IPUSP, tal como as conduzimos, são planejadas
pensando-se em como elas podem se constituir em condições para ensinarmos princípios
da Análise do Comportamento e introduzirmos o pensamento e o modo de atuação científicos
no repertório dos alunos.

Planejamento geral das aulas de laboratório


No IPUSP, as aulas de laboratório são parte da disciplina Psicologia Experimental
I e ocorrem paralelamente a aulas teóricas. Como preâmbulo aos exercícios de laboratório,
os alunos lêem e discutem os seguintes tópicos:
1) Introdução à Análise Experimental do Comportamento, cujo conteúdo envolve a
caracterização do Behaviorismo Radical, da Análise Experimental do Comportamento, e
da Análise Aplicada do Comportamento.
2) Como estudar o comportamento. O conteúdo deste tópico trata das diferenças
entre observação e inferência, e caracteriza controle, demonstração e experimentação.
Trata ainda de intervenção experimental e de controle de variáveis.
3) Com quem trabalhar: o sujeito experimental. Este tópico trata dos sujeitos
experimentais que serão usados nos exercícios de laboratório, isto é, ratos e humanos,
quanto a sua caracterização e a questões relevantes que os envolvem, tais como ética,
cuidados, manejo etc.. Alguns fatores que determinam a escolha de sujeitos em um
experimento também são discutidos nesse tópico.
4) Onde trabalhar: o ambiente experimental. Este item refere-se ao laboratório como
local de produção de conhecimento. A caixa de condicionamento operante é apresentada
aos alunos. Os seus elementos são identificados e caracterizados em termos funcionais.

*>obrc (.'omporljm cnlo c Cotiniçdo 121


5) Como medir. Como representar a medida. Como informar sobre o traba
realizado. 0 conteúdo deste tópico trata da importância da contagem e do registro do
comportamento, assim como do processamento da medida na forma de representação
gráfica e de tabelas. As importâncias cientifica e social do relatar e do discutir, além de
s u ge stões sobre c o m o esc re v e r relatórios, e s tã o p re s e n te s n e sse tópico.

Após esta fase introdutória do curso, tem início, então, a prática experimental
com sujeitos humanos denominada “Controle do comportamento verbal pelas suas
conseqüências". Esta consiste em um experimento em que os alunos submetem-se como
sujeitos ou como experimentadores. Trata-se de um experimento que demonstra os efeitos
da aplicação de diferentes conseqüências sobre uma instância do comportamento verbal,
por exemplo, a escolha de um pronome na construção de frases. Este exercício pode ser
realizado manualmente por meio de cartões previamente confeccionados. Atualmente, o
laboratório utiliza a versão informatizada deste experimento, o programa de computador
Verbal 1.51 (Tomanari, Matos, Pavão e Benassi, 1999), que permite a aplicação de
conseqüências diferenciais ao uso de pronome ou de um tempo verbal específico, a
manipulação de variáveis independentes, tais como o tipo de conseqüência empregada
(pontos, figuras, som) e a sua magnitude (diferentes valores de pontos), além do uso de
contingências de reforçamento negativo e punição, adicionalmente ao reforçamento positivo.
Nesta atividade de laboratório, os sujeitos humanos são agrupados em condições
experimentais que se diferem, por exemplo, quanto ao pronome cujo uso encontra-se sob
reforçamento positivo. Os alunos coletam os dados ou são sujeitos experimentais, analisam
e discutem em aula os seus próprios resultados, e analisam e discutem os seus dados
comparativamente aos dados de colegas que passaram pela mesma condição experimental
e por condições experimentais distintas. Ao final da atividade, os alunos elaboram um
relatório.
A seguir, iniciam-se as práticas experimentais com ratos, em caixas de
condicionamento operante, contemplando os seguintes conteúdos:
* Mensuração de Nível Operante
' Treino ao Bebedouro
* Modelagem da Resposta de Pressão à Barra
* Reforçamento Contínuo
■ Extinção
* Reforçamento Condicionado
* Recondicionamento
* Esquema de Reforçamento Intermitente
* Controle de Estímulos e Esquema Múltiplo
* Respostas de Observação

O laboratório didático e atitudes científicas


No modo como temos procurado conduzir as aulas de laboratório, inserimos o
planejamento de aulas acima exposto em contextos investigativos nos quais possamos
fomentar atitudes científicas. Para isso, utilizamos as seguintes estratégias:

122 C/crson Yukto lomanun


1) As práticas de laboratório sâo apresentadas aos alunos na forma de uma
pergunta ("problema de pesquisa") que deve ser respondida experimentalmente. Nos
exercícios propostos, há pelo menos uma questão experimental explicitamente apresentada
para cada um dos exercícios. Por exemplo, em relação à prática experimental com sujeitos
humanos, perguntamos: As conseqüências do que dizemos alteram em como falamos?
Com relação ás práticas com ratos, estas são apresentadas aos alunos sob a forma das
seguintes perguntas:
' As conseqüências do que fazemos sâo importantes para o nosso fazer?, com
relação ao conjunto de práticas: Mensuração de Nível Operante, Treino ao Bebedouro,
Modelagem da Resposta de Pressão à Barra, Reforçamento Contínuo e Extinção.
• Somente conseqüências fílogeneticamente importantes podem atuar como
reforçadores?, para as práticas sobre Reforçamento Condicionado e Recondicionamento.
• É importante que o fazer tenha sempre uma e mesma conseqüência?, para
introduzir esquemas intermitentes de reforço.
• O que ocorre antes do fazer é importante para esse fazer?, para controle de
estímulos e esquema múltiplo.
• O que mantém a atenção dos organismos a eventos ambientais?, para o
experimento em Respostas de Observação.
2) Em ao menos uma prática (ou conjunto de práticas), os alunos encontram um
tema para investigação no qual se insere um problema atual de pesquisa em Análise
Experimental do Comportamento. Por exemplo, alunos do curso têm investigado se
estímulos discriminativos adquirem função reforçadora utilizando um procedimento de
resposta de observação.
3) Todas as práticas envolvem, obviamente, uma metodologia experimental típica
da Análise do Comportamento. Para cada prática de laboratório, o delineamento
experimental e os procedimentos específicos são apresentados e discutidos visando-se
justificar a sua utilização. Por exemplo, são discutidos com os alunos a escolha pelo uso
de ratos ou de seres humanos como sujeitos experimentais, a utilização da caixa de
condicionamento operante como equipamento básico, o uso da freqüência de respostas
como variável fundamental no estudo do comportamento, a determinação dos parâmetros
do procodimento, o uso do delineamento experimental de sujeito único e delineamento de
grupo etc. Através dessas discussões com os alunos, procuramos mostrar que a
metodologia de um estudo científico não deriva de uma receita pronta, mas sim de uma
série de análises e escolhas baseadas em um referencial teórico e em dados empíricos
produzidos por outros estudiosos, baseadas na experiência passada do pesquisador e
em práticas estabelecidas pela comunidade científica.
4) Procuramos utilizar representações quantitativas dos dados como meio de
analisar comportamento. Muitas vezes, as divergências que ocorrem entre a observação
não sistemática sobre o comportamento de um organismo, feita pelos alunos durante a
execução dos exercícios, e a posterior análise quantitativa dos resultados, oferecem
circunstâncias propícias para se evidenciar a importância do registro sistemático e do
tratamento de dados como forma de analisar, ou até mesmo de identificar, um determinado
fenômeno.

Sobre Comportiimcnlo c Co^rnçâo 123


5) Muitas vezes, os alunos passam por algum tipo de "frustração" com relação
aos resultados dos exercícios de laboratório, tipicamente quando os dados não confirmam
as suas hipóteses e expectativas. Quando isso ocorre, procuramos levantar a discussão
sobre a importância dos resultados de uma pesquisa, quaisquer que sejam eles, no sentido
de que, se o problema investigado é relevante e a metodologia adequada, qualquer que
seja a resposta, esta tem sua importância. Afinal, eliminar hipóteses tambóm é uma
tarefa relevante em ciência.
6) Durante as discussões dos resultados dos exercícios com os alunos,
freqüentemente estes nos propõem explicações do fenômeno que não são passíveis de
verificação. Quando isso ocorre, sugerimos uma explicação alternativa verificável.
Aproveitamos a ocasião, então, para apontar aos alunos a importância de que uma
explicação seja elaborada em termos tais que permitam sua verificação e sejam falseáveis.
Uma hipótese que não possa, em princípio, ser demonstrada falsa, não é uma hipótese
que tenha lugar em ciência.
7) No decorrer do curso, os alunos devem elaborar relatórios nos quais descrevem
a questão que está sendo investigada, a metodologia empregada, e os resultados obtidos,
analisando-os e interpretando-os à luz das discussões feitas em sala de aula. Todos os
relatórios entregues pelos alunos são corrigidos e recebem apontamentos minuciosos.
Os critérios de avaliação nos relatórios iniciais são relativamente flexíveis, porém, como
em uma modelagem gradual, as exigências vão sendo aumentadas a cada relatório,
principalmente nas habilidades de tratar, analisar e discutir os dados. A avaliação dos
relatórios respeita o desenvolvimento do repertório de cada aluno individualmente. Sempre
que possível, aproveitamos a oportunidade dada pelo contexto dos relatórios para discutir
o papel da divulgação científica para o avanço da ciência através do acúmulo contínuo de
conhecimento e das replicações.
8) No curso que oferecemos, são realizadas práticas com ratos e pelo menos
uma com sujeitos humanos. O uso de exercícios com ratos e humanos tem propiciado
situações em que se discutem semelhanças e diferenças no comportamento de organismos
de diferentes espécies. Por exemplo, os resultados obtidos no exercício de reforçamento
da resposta de pressão à barra, em ratos, são analisados, comparativamente, com os
resultados obtidos no exercício sobre comportamento verbal e seleção pelas conseqüências
em sujeitos humanos. Em geral, esta discussão oferece o contexto para uma discussão
mais ampla sobre a definição de comportamento na Análise do Comportamento.

Conclusões

Na formação que oferecemos no IPUSP, procuramos ministrar as aulas de


laboratório em Análise Experimental do Comportamento inserindo os princípios
comportamentais a serem ensinados dentro de um contexto investigativo e experimental,
em contraposição a um contexto essencialmente demonstrativo. Na Análise do
Comportamento, os princípios estudados no laboratório surgem e se sustentam
experimentalmente. Ao ensinar estes princípios embutidos em atitudes científicas,
procuramos manter a coerência com a própria Análise do Comportamento no que se
refere à forma com que o conhecimento científico é construído. No mais, por esta proposta,
acreditamos estar contribuindo para a formação básica do analista de comportamento,

124 Oereon Yukio loni.in.in


esteja ele no âmbito teórico, aplicado, ou experimental, uma vez que estas três esferas
são indissociáveis. A introdução ao pensamento cientifico através de exercícios práticos
de laboratório pode ensinar o aluno a dinâmica do processo de construção do conhecimento
(seja através de novas descobertas, seja através de modificações de conhecimentos
previamente adquiridos) e, principalmente, mostrar que ele, aluno, pode vir a fazer parte
desse processo.

Referências

Gomide, P. I. C. e Weber, L. N. D. (1998). Análise Experimental do Comportamento: manual de


laboratório - 5a. Edição. Curitiba: Editora da UFPR.
Guidi, M. A. A. e Bauermeister, H. B. (1974). Exercidos de laboratório em Psicologia. São Paulo:
Edart.
Kerbauy, R. R. (1970/ Análise Experimental do Comportamento: exercidos de laboratório com
pombos. São Paulo: Editora Cairu.
Machado, L. M. M e Matos, M. A. (1990). O laboratório em cursos de graduação em Psicologia:
buscando treinar atitudes. Ciôncia e Cultura, 42 (9), 647-652.
Tomanari, G. Y. (2000). Maximizando o uso do laboratório didático de psicologia no ensino de
conceitos e práticas. Em R. R. Kerbauy (org): Sobre Comportamento e Cogniçâo - Vol. 5.
Santo André: SET.
Tomanari, G. Y., Matos, M. A., Pavão, I. C., e Benassi, M. T. (1999/ Aplicativo de computador
VERBAL 1.51. Laboratório de Análise Experimental do Comportamento - Processos
Básicos - IPUSP.

Sobre Comportamento c CoflnivJo 125


Capítulo 17
Estratégias para aumentar a adesão em
pacientes com diabetes

Fani Etd Korn M akrbi


fjcuhhdt' dc Psitv/ofiu / ’(Ví ‘ • '/ ’

Descrevemos, nesto artigo, as estratégias educacionais que temos desenvolvido com possoas portadores de diabetes e
seus familiares na associação de diabetes Juvenil de Sâo Paulo. Conduzimos grupos de crianças, adolescentes e pais (6 -
tí membros), visando promover a aceitação dos limites Impostos pelo diabetes, estimular a busca de informações, discutir
as dificuldades relacionadas à doença, incentivar a adesAo ao tratamento e estimular urna vida normal. Em aproximadamente
oito encontros (uma horn e meia de duraçAo), fornecemos informações a respeito do diabetes o do seu tratamento,
discutimos as dificuldades de IntegraçAo do paciente na familla e no grupo de amigos e incentivamos as pessoas a
compartilhar experiências dos problemas cotidianos relacionados ao diabetes com ênfase nas possíveis soluções. Com as
crianças, sAo desenvolvidas atividades lúdicas sempre relacionadas ao diabetes Com os adolescentes, as atividades
conslMtom de dmcuaaáo em grupo, relato de vivònciaa e uso de dramaU/açõea de altuaçõea aoclaia que poaalbllitam a
omlssAo de novos comportamentos de ajustamento Com os pais, os temas discutidos relacionam-se ao diabetes dos seus
filhos, A importAncla do apoio familiar e aos efeitos do emprego preferencial de reforços positivos Esses encontros tém sido
avaliados positivamente pelos participantos que descrevem uma melhora na adaptação ao diabetes em vários Itons
Palavras-chava. odesAo, diabetes, educaçAo, intervençAo

Wh descnbe some educationa) straluyies employed at lhe Juvenile Diabetes Association of Sao Paulo with diabetic children
and adolescents and their families. Our purpose was to lead the subjects to a healthier procoss of adjustment to living with
lhe dlsease Each group of participants (6-8 members) underwent 8 to 9 weekly 1'/7-hour sessions with two psychology
students supervised by the author. During these meetlngs, information was glven on diabetes and Its treatment, and the
several events that interfere with patients' behavior towards it. as well as the different components of the medicai approach,
were identifled The subjects were stlmulated to share their dally problems related to diabetes, emphasizlng their posslble
solutlons Children were offered playing actlvities related to diabetes. Adolescents went through group discusslons, verbal
reports of llfe events and role-playing sessions of social situations, so that appropriate coping behavior could be modeled.
During sessions with the parents, in addition to information on diabetes and its treatment, emphasis was given on their
fundamental role in reinforcing their childrerVs adlierence behavior inslead of punishiny their noncompliance. Thuse meeting»
have been positively evaluated by the participants, who attributed their better adjustment to diabetes to the educational
strategies Implemented
Key-words adherence, diabetes, educatlon, Intervention

O objetivo deste artigo ó descrever as estratégias para aumentar a adesão ao


tratamento que temos empregado na Associação de Diabetes Juvenil (ADJ) de São Paulo
- uma organização não governamental voltada para a educação de pacientes com diabetes.
Apresentarei inicialmente como a literatura tem abordado a questão da adesão ao
tratamento de diabetes. Depois citarei os fatores que têm sido associados à pobre adesão
ao tratamento dessa doença. Em seguida, descreverei as intervenções que tôm sido
testadas para melhorar a adesão. Finalmente, relatarei a nossa experiência na ADJ.

126 f ‘>m Md Korn M<ileK>l


Adesão ao tratamento de Diabetes Mellitus
A pobre adesão ao tratamento das doenças crônicas constitui-se, desde há muito,
num dos problemas mais importantes enfrentados pelos profissionais de saúde.
Os termos adesão (adherence) e obediência (compliance) têm sido usados para
designar o grau de coincidência entre os comportamentos da pessoa e as recomendações
terapêuticas do profissional de saúde (Epstein e Cluss, 1982).
O termo obediência é geralmente empregado por autores que, adotando um
paradigma módico, consideram o paciente passivo frente ao seu tratamento. Dentro desse
contexto, a desobediência do paciente às prescrições médicas ó considerada um "desvio”.
Os autores que utilizam os termos adesão em geral consideram importante a
participação ativa do paciente no seu tratamento (Meichenbaum e Turk, 1987), mas
freqüentemente consideram a adesão uma característica do indivíduo (um traço de
personalidade) e adotam um Modelo Hipodérmico para explicar porque as pessoas seguem
ou não as prescrições dos profissionais de saúde. Segundo esse modelo, a adesão seria
determinada por fatores como força de vontade, auto-controle, desejo, etc.. (Bennett e
Murphy, 1994).
Entretanto, há um outro conjunto de autores que consideram a adesão um conjunto
de comportamentos e preferem designá-los, seguindo a sugestão de Glasgow, Wilson e
McCaul (1985), de comportamentos de auto-cuidado. Adotando a perspectiva do
Behaviorismo Contemporâneo (Day, 1992), os comportamentos de auto-cuidado poderiam
ser considerados comportamentos operantes controlados por eventos ambientais. Dessa
forma, diferentes contingências de reforçamento controlariam diferentes comportamentos
de auto-cuidado.
Pacientes portadores de Diabetes Mellitus e seus familiares necessitam
implementar, monitorizar e regular um tratamento altamente complexo. O tratamento do
diabetes requer que os pacientes sigam uma dieta alimentar, pratiquem exercícios físicos,
tomem medicamentos (insulina ou agentes hipoglicemiantes), monitorizem seus níveis de
glicemia, identifiquem e tratem os sintomas relacionados ao diabetes e cuidem
especialmente de seus pés. Muitos estudos mostram que os pacientes com diabetes
dificilmente seguem, de forma consistente, as prescrições dos profissionais de saúde.
As publicações têm apontado taxas de não adesão que variam entre 40 a 90% (Gonder-
Frederick, Julian, Cox, Clarke e Carter, 1988; Harris, Cowie e Howie, 1993; Johnson, 1992;
Kurtz, 1990; La Greca, 1990).

Fatores associados à pobre adesão ao tratamento de diabetes


Podemos classificar os fatores associados à pobre adesão ao tratamento de
diabetes em três conjuntos: 1- características do tratamento; 2- repertório comportamental
do paciente e 3- fatores sociais.

1. Características do tratamento do diabetes


Os principais fatores relacionados às características do tratamento associados
com a pobre adesão são a duração (o tratamento é para sempre) e a complexidade (o

Sobre Comportamento e Cogniçdo 127


tratamento requer várias modalidades de comportamentos ocorrendo várias vezes por dia).
Além disso, para o tratamento do diabetes, não há um conjunto de regras fixas que o
paciente deve seguir. As instruções geralmente são condicionais (do tipo "se...então”).
O tratamento do diabetes requer mudanças no estilo de vida do paciente, interfere na
rotina do paciente e choca-se com atividades sociais relacionadas com o comer e beber.
Pode produzir efeitos colaterais e riscos associados (ganho de peso, hipoglicemia, etc.)
e tem um custo financeiro elevado (McNabb, 1997).
É importante salientar que o bom controle do diabetes não depende exclusivamente
dos comportamentos de auto-cuidado e os resultados negativos produzidos pela auto-
monitorização podem funcionar com uma punição do comportamento de medir a glicemia.
2. Repertório comportamental do paciente
Se o paciente não tiver informação sobre o diabetes e sobre seu tratamento, não
poderá apresentar os comportamentos necessários para o auto-cuidado. Além disso,
dificilmente poderá executar o seu tratamento se não tiver recebido treinamento para
apresentar as habilidades para a auto-monitorização da glicemia, a auto-aplicação de
injeções e a administração de situações que diferem da rotina (Lacroix, Jacquemet e
Assai, 1996).
A forma como o paciente enfrenta as dificuldades relacionadas com o diabetes
também podem interferir nos comportamentos de auto-cuidado. Por exemplo, se o paciente
esconder a sua situação das pessoas com quem convive, dificilmente poderá apresentar
os comportamentos de auto-cuidado em público. Além disso, se ele não acredita nos
benefícios do tratamento e na possibilidade de controlar o diabetes sobrarão poucas
alternativas de reforços para fortalecer os seus comportamentos de auto-cuidado (Assai e
cols., 1985).
3. Fatores sociais
Entre os fatores sociais associados com a pobre adesão podemos citar a pobre
comunicação entre o profissional da saúde e o paciente. Muitas vezes, devido à linguagem
utilizada pelos profissionais da saúde, as instruções fornecidas por estes não chegam a
adquirir controle sobre o comportamento dos pacientes.
A falta de apoio da família é um outro fator importante. Famílias que não reforçam
positivamente os comportamentos adequados dos pacientes criticam em excesso os
"desvios", apresentam uma supervisão insuficiente dos comportamentos de crianças
pequenas ou uma supervisão exagerada dos comportamentos de adolescentes, contribuindo
para a ocorrência de uma pobre adesão (Delamater, 1993; Miller-Johnson e cols., 1994;
Wysocki e cols., 1992).
A falta de apoio fora da família, a discriminação do paciente com diabetes, sua
exclusão do ambiente social e a comiseração são outros fatores associados com a pobre
adesão ao tratamento.

Intervenções que têm sido testadas para melhorar a adesão


Muitas estratégias de intervenção têm sido desenvolvidas para melhorar a adesão
ao tratamento. Uma meta-análise recente (Roter e cols., 1998) classificou essas estratégias

128 fa m Ha Korn Malcrt)!


em quatro categorias, estabelecidas conforme a focalização em aspectoss
educacionais, comportamentais, afetivos do paciente e seus familiares ou dos profissionais
de saúde. Na categoria educacional, foram englobadas as intervenções pedagógicas, orais
ou escritas, instruções dadas pessoalmente, por telefone ou enviadas pelo correio e ainda
a formação de grupos educativos de pacientes e de familiares. Nas intervenções que
focalizaram mudanças comportamentais, encontramos o treinamento de habilidades
específicas, utilizando a modelagem, a modelação, o uso de lembretes, de diários, de
gráfico de ocorrência da adesão e de contrato comportamental. Na terceira categoria,
foram classificadas aquelas estratégias que tentaram alterar indiretamente a adesão
modificando os sentimentos e as emoções das pessoas em relação à doença e ao seu
tratamento ou modificando seus relacionamentos sociais ou o apoio social que o indivíduo
recebia, através de visitas domiciliares e grupos de aconselhamento. Na quarta categoria,
foram classificadas as estratégias focadas no profissional, como programas de educação
do módico, do farmacêutico, do enfermeiro e lembretes para o profissional da saúde.
Os resultados da meta-análise mostraram que os programas de intervenção que
utilizaram múltiplas estratégias foram mais efetivos que aqueles que usaram apenas uma
estratégia. Quanto mais compreensivo o programa, melhores os resultados.

A nossa experiência na ADJ


A ADJ é uma Organização Não Governamental, fundada em 1980, por um grupo
de pais de crianças e de adolescentes com diabetes, com o objetivo de promover educação
para o auto-cuidado. É uma associação leiga, mas conta com um conselho consultivo
composto por profissionais de saúde envolvidos com o cuidado do paciente com diabetes.
Um dos objetivos da ADJ é dar apoio às famílias e aos pacientes com dificuldade de
aceitação o de adaptação ao diabetes.
Conduzimos semanalmente grupos educativos (oito-nove) compostos por 6-8
membros (crianças, adolescentes, pais), com duração de uma hora e meia, visando: 1)
promover a aceitação dos limites impostos pelo diabetes; 2) estimular a busca de
informações sobre a doença e seu tratamento; 3) encorajar verbalizações a respeito das
dificuldades relacionadas ao diabetes; 4) reforçar relatos: a) do cumprimento da dieta
adequada; b) da prática de exercícios físicos; c) do seguimento da orientação médica
quanto às doses e aos horários de auto-aplicação de insulina; d) da monitorizaçâo
(glicosúria, glicemia, cetonúria); 5) da estimulação a uma vida normal. Nesses encontros,
incentivamos a troca de experiências dos problemas cotidianos relacionados ao diabetes
e das possíveis soluções para esses problemas. Os encontros, em geral, começam por
informações a respeito do diabetes e seu tratamento. Depois, são enfocadas as emoções
relacionadas à doença e as dificuldades de integração do paciente diabético na sua família
e no grupo de amigos. As atividades são sempre grupais, sendo empregados recursos
didáticos (orais, visuais e audio-visuais), estratégias comportamentais (modelação e
reforçamento social) e estratégias afetivas (apoio e aconselhamento). Algumas estratégias
são planejadas em função da faixa etária dos componentes do grupo. Com as crianças,
são desenvolvidas atividades lúdicas (desenhos, marionetes, jogos de memória, de forca,
mímica, etc) sempre relacionadas ao diabetes. Com os adolescentes, as atividades
consistem de discussão em grupo, relato de vivências e uso de dramatizações de situações
sociais, que possibilitam a emissão de novos comportamentos de ajustamento. Com os

Sobre Comportamento e Coflnlyâo 129


pais, as atividades sào basicamente discussão de temas relacionados ao diabetes dos
seus filhos com ênfase na importância do apoio familiar, do fortalecimento de
comportamentos independentes, de forma gradual, de seus filhos e do emprego preferencial
de reforços positivos.
Entre os temas mais freqüentes no grupo de crianças, aparecem o medo associado
às injeções e à insatisfação por ser considerado “coitadinho" em função da doença.
Os adolescentes costumam reclamar do controle excessivo, exercido por seus
pais, que não lhes permite demonstrar que são capazes de auto-gerenciar o diabetes.
Também relatam que muitas vezes escondem a sua condição de saúde por se sentirem
diferentes dos outros adolescentes.
Os pais geralmente reíatam dificuldades de relacionamento com os filhos,
dificuldades que, muitas vezes, nada têm a ver com o diabetes.
Ainda não dispomos de uma medida precisa de avaliação das estratégias
empregadas, porém esses encontros têm sido avaliados positivamente tanto pela ADJ,
quanto pelos participantes que atribuem ao grupo uma melhora na adesão ao tratamento
em vários itens (crianças que passam a aplicar-se injeções de insulina, adolescentes que
adquirem coragem de relatar para os colegas da escola que são portadores de diabetes e
conseqüentemente podem apresentar publicamente comportamentos de auto-cuidado,
pais que se tornam mais acolhedores das dificuldades dos seus filhos, podendo auxiliá-
los no auto-gerenciamento da doença, etc.).

Referências

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as the basis for diabetes care in clinicai practice and research. Diabetologia, 28, 602-
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Delamater, A.M. (1993) Compliance interventions for children with diabetes and other chronin
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Epstein, L. H. e Cluss, P.A. (1982). A behavioral perspective on adherence to long-term medicai
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Gonder-Frederick, L.A.; Julian, D.M.; Cox, D.J.; ClarkeW.L. e Carter, W.R. (1988) Self-measurement
of blood glucose: accuracy of self-reported data and adherence to recommended regimen.
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130 ftin i Lld Korn M alcrbi


Harris, M.I.; Cowie C.C. e Howie, L.J. (1993) Self-monitoring of blood glucose by adults with
diabetes in the United States population. Diabetes Care, 16, 1116-1123.
Johnson, S.B. (1992) Methodological issues in diabetes research: measuring adherence.
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Kurtz, S.M (1990) Adherence to diabetes regimen: empirical satatus and clinicai applications.
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Lacroix, A.; Jacquemet, S. e Assai, J.P. (1996) Therapeutics and education. The added value of
therapy. The DESG Teaching Letter. Genebra: Diabetes Study Group of the European
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La Greca, A.M. (1990) Issues In adherence with pediatric regimens. Journal o f Pediatric
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Meichenbaum, D. e Turk, D.C. (1987) Facilitating Treatment Adherence: A Practitioner's
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Miller-Johnson, S.; Emery, R.E.; Marvin, R.S.; Clarke, W.; Lovinger, R. e Martin, M. (1994) Parent-
child relationships and the management of insulin-dependent diabetes mellitus. Journal
of Consulting and Clinicai Psychology, 62, 603-610.
McNabb, W.L. (1997) Adherence in diabetes: can we define it and can we measere it? Diabetes
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Wysocki, T.; Meinhold, P.A.; Abrams, K.C.; Bamard, M.U.; Clarke, W.L; Bellano, B.J. e Bourgeois,
M.J. (1992) Parental and professional estimates os self-care independence of children
and adolescents with IDDM. Diabetes Care, 15, 43-52.

Sobre Comportamento c Co#nlç<lo 131


Capítulo 18
Definições de regras

L uiz Cario$ ifc Albuquerque


U m ve rs id jd c I n /c m / do Pará

Na literatura sobre comportamento governado por regras, a maior parte dos autores concorda que regras sAo estímulos
antecedentes verbais No entanto, há algumas controvérsias sobre como regras funcionam. Alguns autores tftm proposto
que regras funcionam como estímulos dlscrimmativos e outros argumontam que regras funcionam como estímulos alteradores
de funçflo. Os que defendem que regras funcionam como estímulos discriminativos sugerem que regras ocasionam com­
portamento e que o comportamento de seguir regras seria determinado por uma história de reforçamento social para o res­
ponder de acordo com regras. Já os quo defendem que regras funcionam como estímulos alteradores de funçflo, sugerem
que os efeitos de regras s to diferentes daqueles de ostlmulos discriminativos Regras alteram a função do ostlmulo, ao
passo que estímulos discriminativos evocam comportamento Por esta proposição, regras alteram as funções dos estímulos
quo, por sua vez, são os que evocam o comportamento Uma proposição alternativa sugere quo regras podem tanto alterar
as funções dos estímulos por elas descritos quanto evocar comportamento. Por esla proposição, rogras podorlam exercer
múltiplos efeitos e, portanto, não deveriam ser classificadas por um ou outro do seus efeitos Considerando Isto, este artigo
faz uma análise de algumas proposições existentes na literatura acerca das funções de regras
Palavras-chave comportamento governado por regras, funções de regras, estímulos discriminativos, estímulos alteradores
de função, operações estabelecedoras

In Ihfí liloraltire on rule-governed behaviors, moat aulhora »gre» that lhe ruloa ariae trom anlecedent verba) atimull. There Ia,
however, controversy as to how these rules functlon. Some authors maintam that rules function as discrlmmatlve stlmuli,
whnreas others argue that they function as function-altering slimull Those who favor the discriminative antocadent positlon,
suggest that mio occaslon the behavior, and that rule-following will be determined by a previous history of social reinforcement
for havmg performed in accordance with the rules. In contrast, those that favor lhe stlmulus altering position suggest that
the effects of rules differ from those Involving dlscrimination learning Rules alter stimulus functions, wheroas stlmulus
discrimination evoke the behavior. According to this vlew point, rules alter stimulus functions, whlch in turn evoke the
behavior An alternate position suggests that rules may also alter stimulus functions, and at the same time evoke the
behavior. According to this proposal, rules may exert múltiplo effects and hence should not be classified on the basis of
“either-or" effects. This article analy?es some of the proposals set forth In the literature that seek to oxplaln tho functíonal
nature of rule-following.
Kuy words. Rule-governed behavior; rule functions, stlmulus discrimination, function-altering stimuli; establishing operations.

Um problema que surge quando se pretende definir regras funcionalmente ó que


há algumas controvérsias na literatura sobre como regras funcionam. Enquanto alguns
autores (Cerutti, 1989; Galizio, 1979; Okougui, 1999) concordam com Skinner (1980,
1982) que regras funcionam como estímulos discriminativos, outros (Blakely e Schlinger,
1987; Schlinger e Blakely, 1987) sugerem que regras funcionam como estímulos alteradores
de função e não como estímulos discriminativos, e há ainda outros que argumentam que
regras podem funcionar como operações estabelecedoras (Hayes, Zettle e Rosenfarb,
1989; Malott, 1989). Considerando isto, este artigo pretende fazer uma análise dessas
proposições.

132 l.u i/ Carlos ilc Albuquerque


Regras como estímulos discriminativos
De acordo com Skinner (1966,1980,1982), regras são estímulos especificadores
de contingências que funcionam como estímulos discriminativos fazendo parte de um
conjunto de contingências de reforço. Por esta definição, instruções, avisos, orientações,
conselhos, ordens, leis, etc. seriam exemplos particulares de regras, uma vez que todos
podem descrever contingências. Isto é, podem descrever as relações entre os eventos
que antecedem o comportamento, o próprio comportamento e suas prováveis
conseqüências. Por exemplo, a regra: "Faça o seu dever de casa agora que eu deixo você
assistir televisão depois”, especifica um comportamento (fazer o dever de casa), a situação
na qual ele deve ocorrer (agora) e suas conseqüências (assistir televisão depois). Para
serem classificados como regras, no entanto, os estímulos antecedentes verbais não
precisam descrever, necessariamente, todos os eventos que fazem parte de uma
determinada contingência de reforço. Por exemplo, algumas regras só especificam o
comportamento a ser apresentado, como no caso da regra: “Silêncio". Já outras especificam
apenas o comportamento e suas conseqüências, como em: "Andar faz bem para a saúde.".
Contudo, embora certas regras não especifiquem conseqüências, o não seguimento de
regra, neste caso, pode implicar em conseqüências. O não seguimento da regra: "Silêncio",
por exemplo, pode fazer com que o ouvinte seja repreendido.
Por esta proposição, as conseqüências atuais especificadas na regra têm pouco
efeito sobre o comportamento sob controle antecedente de regras. Assim, regras ocasionam
comportamento porque o comportamento de seguir regras foi reforçado no passado, isto
é, regras exercem controle discriminativo devido a uma história de reforçamento social
para o responder de acordo com regras. Deste modo, o comportamento governado por
regras seria um operante de ordem superior, cujos membros seriam exemplos individuais
de seguimento de regras particulares. Conseqüências sociais (arranjadas por uma
comunidade verbal ao longo da história do indivíduo) para responder de acordo com regras,
seriam as conseqüências responsáveis pelo estabelecimento e manutenção deste operante
(Catania, Matthews e Shimoff, 1990). Conseqüências atuais produzidas por exemplos
individuais de seguimento de regras particulares seriam conseqüências que poderiam
alterar a probabilidade de certos comportamentos de seguir regras virem a ocorrer no
futuro (Perone, Galizio e Baron, 1988), mas não a sua probabilidade presente. A sua
probabilidade presente seria determinada pela história do ouvinte (Hayes e cols., 1989).

Regras como estímulos antecedentes verbais


Zettle e Hayes (1982) definem comportamento governado por regras como
"comportamento em contato com dois conjuntos de contingências, um dos quais inclui
um antecedente verbal. Estes antecedentes verbais são regras" (p 78). Em relação à
definição de regras como estímulos especificadores de contingências (Skinner, 1966,1980),
Zettle e Hayes argumentam que a visão de regras como antecedentes verbais tem as
vantagens de evitar o problema do que significa especificar contingências e incorporar
regras que não especificam claramente contingências.
Definir regras como antecedentes verbais, entretanto, levanta um outro problema:
o da distinção entre estímulos verbais e não verbais. Para Hayes (1986), "estímulo verbal
é aquele que tem seus efeitos discriminativo, estabelecedor, eliciador, reforçador, ou outros,

Sobre Comportamento e Cognlvdo 133


devido a sua participação em quadros relacionais estabelecidos por uma comunidade
verbal" (p 357). Por esta definição, estímulos verbais e não verbais podem ter as mesmas
funções, uma vez que estímulos não verbais também podem funcionar como discriminativo,
estabelecedor, eliciador e reforçador. A diferença estaria no processo através do qual
estes estímulos adquiririam as suas funções. Assim, em uma classe de estímulos
equivalentes, quando um membro adquire uma função (discriminativa, por exemplo), todos
os demais membros da classe também adquirem a função. Ou seja, enquanto estímulos
discriminativos não verbais adquirem esta função devido a uma história de reforçamento
diferencial, já estímulos discriminativos verbais a adquirem por causa de sua participação
em quadros relacionais ou classes de equivalência (Hayes, 1986; Hayes e Hayes, 1989).
Esta definição de regras como antecedentes verbais sugere uma relação entre
regras e equivalência de estímulos e estabelece ainda uma distinção entre regra e estímulo
discriminativo, enfatizando o processo através do qual estes estímulos adquiririam as
suas funções. No entanto, não faz referência a possíveis efeitos diferenciais entre regras e
outros estímulos que antecedem o comportamento.

Regras como estímulos alteradores de função


Schlinger e Blakely (1987) e Blakely e Schlinger (1987) propõem que regras
funcionam como estímulos alteradores de função e não como estímulos discriminativos.
Segundo estes autores, os efeitos de regras são atrasados e os efeitos de estímulos
discriminativos são imediatos. Ou seja, para Schlinger & Blakely, estímulo discriminativo
evoca comportamento imediatamente, ao passo que os efeitos de regras são observados,
freqüentemente, depois de certo tempo. Assim, este efeito evocativo dos estímulos descritos
pela regra poderia se tornar mais aparente à medida em que o intervalo de tempo entre a
apresentação da regra e o aparecimento do estímulo descrito pela regra aumentasse.
Quando uma regra e um estímulo discriminativo descrito pela regra fossem apresentados
simultaneamente, o efeito evocativo do estímulo discriminativo poderia ser atribuído à regra.
No entanto, separando temporalmente a apresentação da regra do aparecimento do estímulo
descrito por ela, poder-se-ia demonstrar que o aparecimento do estímulo descrito pela
regra, e não a regra, evocaria o comportamento. Como evidência, o comportamento seria
emitido apenas quando o estímulo descrito pela regra aparecesse.
Um exemplo pode ajudar a esclarecer esta proposição. Considere um ouvinte que
foi confrontado com a seguinte regra: "O chefe está fazendo aniversário hoje, quando ele
chegar à reunião bata palmas para ele.". Trinta minutos depois, o chefe chega à reunião e
o ouvinte bate palmas. Neste exemplo, a regra não evoca o comportamento por ela
descrito, isto é, o ouvinte não emite o comportamento descrito pela regra (bater palmas)
imediatamente após ser confrontado com a regra. O que evoca o comportamento descrito
pela regra é o aparecimento do estímulo descrito pela regra (a chegada do chefe à reunião).
Neste caso, pode-se sugerir que a regra estabeleceu (isto é, alterou) a função discriminativa
da chegada do chefe para o comportamento de bater palmas. Ou seja, a chegada do chefe
à reunião tornou-se um estímulo discriminativo, não devido a uma história de reforçamento
diferencial do comportamento de bater palmas na sua presença, mas sim devido á sua
participação prévia na regra.
Além de alterar a função de estímulos discriminativos, de acordo com Blakely e
Schlinger (1987), regras também podem alterar a função de operações estabelecedoras e

134 l.u l/ Cdrlo* de Albuquerque


de estímulos punidores e reforçadores. Mas para alterar a função de outros estímulos,
regras deveriam especificar, pelo menos, dois componentes de uma contingência. Os
estimulos antecedentes verbais que especificam apenas o comportamento (por exemplo:
"Sente-se", “Pare", ‘‘Venha aqui", “leia", etc.) não seriam considerados como regras; uma
vez que tais estímulos teriam apenas efeitos evocacionais e seriam improváveis de alterar
função de outros estímulos.
Por um lado, definir regras como estímulos especificadores de contingências
alteradores de função tem as vantagens de estabelecer uma distinção funcional entre
regras e estímulos discriminativos e de destacar similaridades funcionais entre regras e
contingências, uma vez que contingências também alteram as funções dos estímulos.
Por outro, apresenta a desvantagem de limitar os efeitos de regras a algumas de suas
propriedades formais. Um problema maior, no entanto, é que esta definição não considera
a possibilidade de algumas regras poderem tanto evocar comportamento quanto alterar as
funções de outros estímulos (Albuquerque, 1991).
Este problema foi parcialmente contornado alguns anos depois, quando ao rever
algumas de suas proposições anteriores, Schlinger (1993) passou a admitir a possibilidade
de estímulos antecedentes verbais poderem funcionar simultaneamente como estímulos
discriminativos e como estímulos alteradores de funções de outros estímulos. Contudo,
neste artigo, Schlinger reafirma que o termo regras deveria ser reservado a estímulos
verbais que funcionam como alteradores de funções. A diferença é que agora ele considera
que este efeito pode ser observado, mesmo quando regras especificam apenas um evento.
Na literatura, no entanto, há alguns resultados indicando que regras podem
funcionar como estímulos discriminativos (Galizio, 1979; Okougui, 1999). Além disso,
também há algumas evidências sugerindo que regras podem tanto evocar comportamento
quanto alterar as funções de outros estímulos (Albuquerque, 1991; Albuquerque & Ferreira,
no prelo; Mistr e Glenn, 1992). Por exemplo, Albuquerque e Ferreira expuseram quatro
universitários a um procedimento de escolha segundo o modelo. Em cada tentativa, era
apresentado ao estudante um arranjo de estímulos, constituído de um estímulo modelo e
três estímulos de comparação. Cada estímulo de comparação possuía apenas uma
dimensão - cor (C), espessura (E) ou forma (F) - em comum com o modelo e diferia nas
demais. Na presença destes estímulos, o estudante deveria apontar para os estímulos de
comparação em uma dada seqüência. Os estudantes foram expostos a três sessões
experimentais. Cada sessão, de trinta tentativas, era iniciada por uma regra. Os estudantes
eram expostos às Regras R1, R2 e R1 no início das Sessões 1,2 e 3, respectivamente. A
Regra R1 especificava que o estudante deveria responder na seqüência EFC e a Regra R2
especificava que as seqüências CFE, FEC e ECF deveriam ser emitidas na presença das
lâmpadas da esquerda, do centro e da direita, respectivamente. Nas sessões iniciadas
pela Regra R1 (Sessões 1 e 3), as lâmpadas estavam ausentes. Na sessão iniciada pela
Regra R2 (Sessão 2), a lâmpada da esquerda era acesa nas dez primeiras tentativas; a do
centro, nas dez tentativas subseqüentes e, a da direita, nas dez últimas tentativas. Quando
uma lâmpada estava acesa, as outras duas ficavam apagadas. As seqüências especificadas
pelas regras eram reforçadas (com pontos trocáveis por dinheiro) em CRF. Portanto, nas
Sessões 1 e 3, apenas a emissão da seqüência EFC era reforçada e na Sessão 2, eram
reforçadas apenas as seqüências CFE, FEC e ECF, na presença das lâmpadas da
esquerda, do centro e da direita, respectivamente.

Sobre Comportamento c CotfniçJo 135


Os resultados mostraram que as Regras R1 e R2 foram seguidas nas sessões
em que foram apresentadas. Isto é, todos os quatro estudantes, antes de ganhar o primeiro
ponto, iniciaram a primeira sessão seguindo a Regra R1 (isto é, emitindo a seqüência
EFC). No inicio da segunda sessão, quando a Regra R2 foi apresentada, todos passaram
a seguir esta regra, emitindo a seqüência CFE. Na décima primeira tentativa dessa sessão,
quando a lâmpada do centro passou a ser acesa, três dos quatro estudantes passaram a
responder corretamente na seqüência FEC. E na vigésima primeira tentativa, quando a
lâmpada da direita passou a ser acesa, esses mesmos três estudantes passaram a
responder corretamente na seqüência EOF. No inicio da terceira sessão, quando a Regra
R1 voltou a ser apresentada, todos os quatro estudantes imediatamente voltaram a emitir
a seqüência EFC, especificada pela Regra R1.
Estes resultados indicam que a mudança nos desempenhos entre as sessões foi
evocada pelas mudanças das regras, enquanto que a mudança nos desempenhos dentro
da segunda sessão foi evocada pelas mudanças nos estímulos descritos pela regra (as
lâmpadas) devido às suas funções terem sido previamente estabelecidas (isto é, alteradas)
pela Regra R2.
Em outras palavras, considerando que os arranjos de estímulos (cada um
constituído de um estímulo modelo e três estímulos de comparação) não poderiam explicar
as diferenças encontradas nos resultados, uma vez que os arranjos usados na primeira
sessão foram os mesmos que foram usados nas demais sessões, pode-se dizer que: 1)
a regra evocou a seqüência CFE na primeira tentativa da segunda sessão, porque antes
da apresentação da regra esta seqüência não estava sendo emitida e imediatamente após
a apresentação da regra ela passou a ser emitida, e ainda, porque isto ocorreu antes
desta seqüência ser conseqüenciada por ponto. Esta mesma análise pode ser aplicada á
seqüência EFC, quando foi emitida na primeira tentativa da terceira sessão. 2) Na décima
primeira tentativa da segunda sessão, a seqüência FEC foi evocada pela lâmpada do
centro, e não pela regra, porque a emissão dessa seqüência foi antecedida imediatamente
por essa lâmpada, e não pela regra. E 3) a regra estabeleceu (isto é, alterou) a função
evocativa dessa lâmpada, porque a seqüência EFC foi colocada sob o seu controle pela
regra, e não pelas conseqüências produzidas por essa seqüência, uma vez que ela foi
emitida antes de ser conseqüenciada por ponto.

Regras como operações estabelecedoras


A análise feita até o momento sugere que regras podem tanto alterar as funções
dos estímulos por elas descritos (inclusive alterar as funções de estímulos reforçadores),
quanto evocar o comportamento por elas especificado. Se isto for aceito, então, poder-se-
ia dizer que regras também poderiam funcionar como operações estabelecedoras, já que
operações estabelecedoras também alteram funções de estímulos e evocam
comportamento. Istoé, de acordo com Michael (1982,1993), operações estabelecedoras
alteram, momentaneamente, a efetividade reforçadora de um estímulo e evocam o
comportamento que no passado foi reforçado por produzir esse estímulo. O exemplo mais
comum de uma operação estabelecedora é o que descreve os efeitos de privação. Ou
seja, privação de água, momentaneamente, aumenta a efetividade de água como uma
conseqüência reforçadora e evoca qualquer comportamento que no passado foi reforçado
por produzir água. Agora considere um exemplo de uma regra funcionando como uma

136 l.uiz Cario* de Albuquerque


operação estabelecedora. Suponha que, em uma casa de recepção, o anfitrião diga a um
convidado amigo seu: “Infelizmente o bacalhau ficou muito salgado, mas pegue um outro
prato e prove a maniçoba que ela está muito saborosa." Imediatamente após ouvir esta
regra, o convidado deixa o prato com o bacalhau sobre a mesa, pega um outro prato e
passa a se servir de maniçoba. Neste caso, pode-se sugerir que a regra alterou as funções
dos estímulos por ela descritos e evocou os comportamentos por ela especificados. Ou
seja, a regra aumentou a efetividade da maniçoba como uma conseqüência reforçadora e
evocou os comportamentos de pegar um prato e provar moniçoba. Além disso, alterou a
função reforçadora do bacalhau, tornando-a aversiva e, desta forma, evitou que o convidado
mantivesse contato com as conseqüências aversivas de provar um alimento salgado.
Embora regras possam, simultaneamente, alterar a efetividade reforçadora de
uma conseqüência e evocar o comportamento que produz essa conseqüência, como ilustra
o exemplo acima, nem todas as regras funcionam como operações estabelecedoras. Ou
seja, diferente de operações estabelecedoras, algumas regras evocam comportamento,
mas não alteram a função de outros estímulos; outras alteram a função de outros estímulos,
mas não evocam comportamento; e outras evocam comportamento e alteram a função de
outros estímulos, mas não alteram a efetividade reforçadora dos eventos. Um exemplo do
primeiro caso seria um falante dizer: "Retire-se" e o ouvinte se afastar dele, imediatamente
após ser confrontado com essa regra. Como exemplo do segundo caso, considere as
seguintes trocas verbais entre um falante (F) e um ouvinte (O):
F - "Vamos à casa da Maria amanhã à noite, ela vai oferecer um jantar.
O - “Não, eu tenho andado muito desanimado ultimamente.”
F - "Vamos, a Joana vai estar lá. Ela me garantiu."
O -"V a i. Então eu vou."
Na noite do dia seguinte, o ouvinte vai à casa da Maria. Neste exemplo, as regras
apresentadas pelo falante aumentaram a efetividade do jantar da casa da Maria como uma
conseqüência reforçadora, mas não evocaram o comportamento de ir à casa da Maria.
Este comportamento foi evocado pelo horário do jantar (amanhã à noite) devido à sua
participação prévia na regra.
Considere agora, como exemplo do terceiro caso, um professor de medicina que,
após uma aula de supervisão, diz ao seu aluno: “Agora me diga as orientações que você
deve dar para o seu paciente, quando ele chegar amanhã." Neste caso, dizer as orientações
imediatamente após a apresentação da regra, é evocado pela regra, enquanto que fazer o
mesmo na presença do paciente, é evocado pelo estimulo descrito pela regra (o paciente)
devido à sua participação prévia na regra.
As regras, nestes três exemplos, não estão funcionando como operações
estabelecedoras, ou porque não alteraram a função de outros estímulos (caso do primeiro
exemplo), ou porque não evocaram comportamento (caso do segundo exemplo), ou porque
não alteraram a efetividade reforçadora dos eventos (caso do terceiro exemplo). Isto implica
que regras não deveriam ser classificadas como operações estabelecedoras, porque regras
podem exercer funções que operações estabelecedoras, por definição, não exercem.
Seguindo este mesmo raciocínio, regras também não deveriam ser classificadas como
estimulos discriminativos, porque regras podem alterar a função de outros estímulos e,
por definição, estímulos discriminativos não exercem esta função. Do mesmo modo,

Sobre Comportamento c Co^niçílo 137


regras não deveriam ser classificadas como estímulos alteradores de função, porque regras
também podem evocar comportamento.

Regras como estímulos antecedentes que podem descrever contingências


e exercer múltiplas funções
Esta análise sugere que regras podem exercer múltiplas funções e, portanto, não
deveriam ser classificadas por uma ou outra de suas funções. Por esta visão, qualquer
classificação de regras que faça referência apenas a algumas de suas múltiplas funções,
pode tornar-se limitada, dada a multiplicidade de funções prováveis de ser exercidas por
elas (Albuquerque, 1991). Deste modo, considerando que as contingências de reforço,
enquanto variáveis, também podem exercer múltiplas funções, o controle exercido por
regras deveria ser comparado com o exercido pelas contingências, e não apenas com o
exercido pelos estímulos que antecedem o comportamento em uma determinada
contingência.
Quando o controle exercido por regras é comparado com o exercido pelas
contingências, pode-se constatar que os efeitos exercidos por regras se assemelham aos
exercidos por contingências. Albuquerque (1998), por exemplo, observou que tanto regras
quanto contingências podem restringir a variação comportamental, estabelecer
comportamentos novos, e alterar as funções de estímulos.
Diferente das contingências de reforço, no entanto, regras podem estabelecer
comportamentos novos, antes mesmo destes comportamentos manterem contato com
as suas conseqüências. Ou seja, regras podem estabelecer um comportamento apropriado
às contingências de reforço sem que este comportamento tenha sido diretamente exposto
a essas contingências. Um problema, no entanto, é que, quando as contingências mudam,
e não as regras, o comportamento estabelecido por regras pode não mudar, no sentido de
acompanhar as mudanças nas contingências. Neste último caso, regras poderiam mais
atrapalhar do que ajudar (Skinner, 1980).
Regras podem exercer essa sua função de estabelecer comportamentos novos,
antes destes comportamentos manterem contato com as suas conseqüências, de três
maneiras: 1) evocando o comportamento por elas especificado; 2) alterando as funções
dos estímulos por elas descritos e, 3) exercendo estes dois efeitos, simultaneamente.
Em todos os casos, como as conseqüências atuais que seguem o comportamento de
seguir regras particulares não são imediatas o bastante para determinar a forma do
comportamento sob controle antecedente de regras, regras seriam seguidas, possivelmente,
devido a uma história de exposição a conseqüências sociais para o responder de acordo
com regras, como por exemplo, seguir regra porque no passado o comportamento de
seguir regra evitou sanções sociais. Assim, o comportamento de seguir regra seria por
definição insensível às conseqüências por ele produzidas (Shimoff, Catania e Matthews,
1981), mas não às conseqüências sociais mediadas socialmente para o responder de
acordo com regras (Cerutti, 1989).
Considerando isto, pode-se dizer que um dado exemplo particular de compor­
tamento é controlado por regras, quando o comportamento que se segue à apresentação
de uma regra é o comportamento previamente especificado pela regra e ocorre na presença
dos estímulos descritos pela regra (quando estes forem os casos), independentemente

138 l.u if Carlos dc Albuquerque


das conseqüências atuais que seguem este comportamento. E pode-se dizer que um
dado exemplo particular de comportamento é controlado por contingências, quando o
comportamento é estabelecido por suas conseqüências imediatas, independentemente
de uma descrição antecedente das próprias contingências.
Deste modo, quando regras correspondem às contingências de reforço (isto é,
quando o comportamento especificado pela regra é semelhante ao comportamento que
produz reforço), pode-se dizer que a emissão do comportamento previamente especificado
pela regra é controlado pela regra, apenas antes que as conseqüências produzidas por
este comportamento tenham oportunidade de exercer algum efeito sobre ele. Depois
disso, o comportamento observado passa a ser controlado pela interação entre a regra e
as contingências de reforço para o seguimento de regra. Quando regras são discrepantes
das contingências de reforço (isto é, quando a emissão do comportamento previamente
especificado pela regra produz conseqüências que não correspondem às conseqüências
descritas na própria regra), pode-se dizer que a emissão do comportamento previamente
especificado pela regra é controlado pela regra, apenas antes que as conseqüências
produzidas por este comportamento (isto é, as conseqüências que contradizem a própria
regra) exerçam algum efeito sobre ele. Depois disso, o comportamento observado passa
a ser controlado pelas contingências de reforço.

Conclusão
Em síntese, esta análise sugere que regras podem exercer múltiplas funções.
Isto é, podem evocar o comportamento por elas especificado, alterar as funções dos
estímulos por elas descritos, exercer estes dois efeitos simultaneamente, e estabelecer
comportamentos novos, antes destes comportamentos manterem contato com as suas
conseqüências. Portanto, regras deveriam ser classificadas como estímulos antecedentes
que podem descrever contingências e exercer múltiplas funções regras.

Referências

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Sobre Comportamento c Co$niçdo 139


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140 l.uiz Cario* de Albuquerque


Capítulo 19
Prática psicológica em UTI - uma análise
contextual

Cláudia L úcia Mcncgâtti


1 / 'mvcrsnijJc fe d e ra ! do P,ir,w,l e U m cenp

0 presente trabalho trata da prática d« psicologia em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) analisando aB contingência»
complexas que se estabelecem neste contexto para os pacientes Internados, suas famílias e a equipe de saúde. Os
comportamentos emitidos pelos pacientes nessa condição podem variar desde a emissão de respostas adequadas até o
aparecimento de comportamentos psicóticos As famílias respondem diferentemente a essas contingências o a ansiedade
ó uma das respostas mais freqüentes A literatura pesquisada e a experiência clinica Indicam quo fornecer informações
coerentes com a realidade e a capacidade de compreensAo de cada família, bem como o envolvimento da família no cuidado
do paciente, geralmente tem efeitos positivos na aceitação do tratamento, inclusive dos prognósticos ruins A equipe dn
saúde deve emitir respostas rápidas e eficientes, em relaçio às quais esquivar-se do trabalho e expressar emoções podem
ser comportamentos incompatíveis. O papel do psicólogo volta-se para o manejo de contingêix;ias junto aos pacientes, às
famílias e á equipe, como promotor da discriminação desses controles ambientais sobre o comportamento dos diferentes
indivíduos pare o estabelecimento de estratégias de enfrentamento. Os resultados dependem de uma avaliação continua
das relações paciente-famllia-equipe
Palavras-chave: psicologia hospitalar, humanizaçAo de Unidade de Terapia Intensiva, contingências complexas.

The present work aims to deal with the practlce of Psychology m Intensive Care Units (ICU), taking into aecount the
complexity of the contingencies. which apply here to In-patients, their families and tho hospital staff. The In-palients'
behaviour may range from adequate response to psychotic behaviour Families usually tend to respond to these contingencies
with anxiety. According to researches in books and clinicai experiences, giving real and correct Information added to the
family comprehenslon and Involvement In the patienfs care, generally has a positive effect on the treatment and Its
acceptance, even when the chances are not good The hospital taam should supply with qulck and efflclent responses and
avoid expressing emotions or turn their backs to the job, which would be considered an incompatlble behaviour. The
psychologlst'8 role foccuses on dealing with these contingencies together with patient», their families and the hospital staff,
as a facllltator, enabllng the dlstlnctlon of the controlled envlronment on different and individual behaviour so as to set the
estrategies as how to face problems The results wlll depend on contlnous evaluatlons of the patient-family-hospital staff
relationships.
K ty words: hospital psychology, humanizlng ICU, complex contingencies.

Desde a década de 60, com o surgimento das Unidades de Terapia Intensiva nos
hospitais, surge também a preocupação com a desumanizaçáo deste ambiente altamente
tecnológico. Esta preocupação passa a ser enfatizada e mais amplamente discutida em
meados dos anos 80. Sampaio (1988, p. 120) apresenta uma crítica à forma de entender
o ser humano nas UTI's. Segundo ele, "a ônfase nos cuidados somáticos, essenciais á
sobrevida do paciente, tende a confirmar a máxima organicista, segundo a qual não há
nada a procurar e a cuidar a não ser do corpo."
Heconh«c.im«ntor Agradeço « colubomçAo • npoio dn» ProfeuorM Dra Ynm K lngb#rm«n, Oo» 8u/«n« S Lohr ■ do Proh»»or Clôv» Amorlm

*H»brc Comportamento e CognlÇtlo 141


Caracterizada como a área hospitalar que concentra recursos humanos e materiais
especializados visando a recuperação do doente grave e de alto risco, a UTI reúne um
conjunto de fatores que a levam a ser considerada como o local mais tenso e traumatizante
do hospital. Jastremski e Harvey (1998), ao tratarem da necessidade de mudanças para
melhorar a experiência de UTI para pacientes e famílias, lembram que a explosão tecnológica
no campo dos cuidados críticos nas últimas três décadas foi tão intensa que, durante uma
época, as UTTs foram mencionadas como uma arena para o castigo dos sobreviventes,
onde pacientes e familiares freqüentemente sofrem mais do que é necessário a curto
prazo, durante a fase critica da doença.
Analisar o contexto da UTI envolve a compreensão das contingências em que
estão os pacientes, seus familiares e a equipe. Conceitualmente, contingências de reforço
se referem primeiramente a contingência de três termos proposta por Skinner, onde se
observa a relação entre a situação ambiental (estímulo discriminativo), a resposta (ou
comportamento) e as conseqüências (estímulos reforçadores) (De Rose, 1997). No entanto
as contingências podem ser complexas, como no caso das UTI’s, onde um novo contexto
se apresenta para o paciente e sua família, as relações pessoais e o convívio são alterados,
e muitas vezes eles não têm repertório comportamental disponível para responder a essas
situações, facilitando o aparecimento de reações emocionais e de respostas conflitivas.
Skinner (1980, p. 271) comenta sobre essas situações nas quais:
*(...) pode não haver resposta d isponível que satisfa ça a um dado co njunto de
contingências: ou podem ser evocadas respostas concorrentes - entre elas, alterações emocionais
que enfraquecem a própria resposta 'a qual o reforço ô contlngento, ou que destroem o poder de
um reforço; ou as contingências podem ser satisfeitas apenas por uma seqüência ou cadela de
respostas, cujos primeiros e/os estâo demasiado remotos para serem fortemente afetados por
reforço terminal até que os reforçadores condicionados tenham se firmado."

Logo, o impacto deste novo ambiente será diferente de um sujeito a outro,


dependendo também do papel que ele desempenha neste cenário. Segue abaixo uma
análise destas condições de estímulo afetando diferentemente pacientes adultos, famílias
e a equipe, a forma como eles interagem nessas condições e as conseqüências mais
freqüentes observadas na literatura e na prática em psicologia da saúde.

1 - 0 paciente
Ao ingressar em uma UTI, o indivíduo é totalmente deslocado de sua rotina, de
seus hábitos diários e de sua privacidade. Sua autonomia torna-se bastante restrita: passa
a maior parte do tempo no leito e suas solicitações passam pelo crivo da equipe quanto à
conveniência para sua saúde. Quanto mais baixo o estado de consciência em que se
encontra o paciente, tanto menor será sua condição de ser compreendido, uma vez que a
capacidade de se comunicar pode estar total ou parcialmente impedida.
Este quadro somado ao impacto biopsicológico da doença sobre o sujeito forma
um conjunto de contingências que podem ser experimentadas de forma muito aversiva
para o paciente. Várias pesquisas têm sido conduzidas no sentido de verificar os eventos
mais estressantes sobre o paciente, sejam eles estressores físicos, biopsicológicos ou
das relações humanas da UTI. Um instrumento bastante aceito na comunidade científica
é o Intensive Care Unit Environmental Stressor Scale-ICUESS (Novaes, Arronovich, Ferraz
& Knobel, 1997). Inclusive, estes autores utilizaram-no junto a 50 pacientes internados em

142 CMudid l úcid Mcnetfdttl


UTI e os estressores mais citados foram: (1) Ter dor; (2) Não conseguir dormir; (3) Ter
tubos no nariz e na boca; (4) Não ter controle sobre si mesmo; (5) Sentir-se amarrado por
tubos e (6) Não ter explicações sobre o tratamento.
Já o estudo realizado por Brullmann, Guidet, Maury.Vassal e Offenstadt (1997),
97% dos pacientes se sentiram seguros na UTI; porém, 53% sofreram com a dor, 62%
sofreram insônia, 49% sentiram-se desconfortáveis com os barulhos, 37% sentiram-se
desconfortáveis com a iluminação e 55% experimentaram ansiedade.
Desta forma, há uma série de situações que se apresentam ao paciente como
estímulos positivos e estímulos aversivos aos quais ele estará respondendo desde o
momento do internamento. Entre os estímulos aversivos, estão a dor, o isolamento, o
afastamento das fontes habituais de reforço, a interrupção do ciclo sono-vigília, a fuga
inevitável da doença, os procedimentos médicos, a intimidade partilhada, o medo da própria
morte e de presenciar a morte do outro. Já, entre os estímulos positivos, estão a expectativa
de melhorar, a atenção e o cuidado recebidos da equipe e da família, a confiança e a
segurança de atendimento rápido e efetivo a qualquer problema.
Sob essas condições, as respostas do paciente poderão ser quadros de ansiedade
e depressão desde leves ató graves, agressividade auto e hetero-dirigida, agitação
psicomotora, delírios e alucinações, mesmo que esses comportamentos não sejam típicos
do paciente fora do contexto do internamento (Kiely e Procci, 1981).
Para cada paciente há que se verificar a relação entre fatores ambientais externos,
fatores fisiológicos e individuais, no aparecimento dos problemas de comportamento. A
partir desta compreensão funcional ó que o psicólogo pode atuar no desenvolvimento de
estratégias de enfrentamento.

2 - A família
Os familiares ao mesmo tempo relatam a esperança no cuidado prestado e o
medo de uma perda iminente que a UTI representa. Novamente utilizando o ICUESS,
Novaes e cols. (2000) evidenciaram os estressores de UTI que, do ponto de vista das
famílias, mais afetam os pacientes: (1) ter dor; (2) ter tubos no nariz e na boca; (3) estar
amarrado por tubos; (4) não conseguir dormir; (5) não conseguir mexer as mãos e os
braços devido á medicação por via intra-venosa; (6) não ter controle de si mesmo.
A percepção das famílias sobre o paciente ó em grande parte formulada a partir
dos horários de visita. As visitas representam um momento que pode se configurar como
positivo para o paciente e a família, positivos para um e aversivo para outro, ou aversivo
para ambos, dependendo dos estímulos contingentes, como por exemplo as condições
atuais do paciente, as relações familiares prévias ao internamento, os estímulos
estabelecidos por condições do ambiente hospitalar, a forma de comunicação da equipe,
ocorrência de emergência durante o horário de visita, entre outros.
No sentido de minimizar essas experiências para as famílias, pesquisas têm
relatado a inclusão da família nos cuidados e ampliação do espaço de comunicação entre
familiares e equipe, inclusive para a tomada de decisões durante o tratamento, apesar da
resistência inicial das equipes e saúde para essas iniciativas (Plowright, 1996). Informações
coerentes com a realidade e com a capacidade de compreensão de cada grupo familiar,

Sobre Comportumcnlo e CoflniçJo 143


juntamente com o envolvimento da família no cuidado do paciente geralmente têm efeitos
positivos na aceitação do tratamento, inclusive dos prognósticos ruins.

3 - A equipe
A equipe ó composta de médicos, enfermeiros, técnicos e auxiliares de
enfermagem, fisioterapeutas, auxiliares de manutenção de equipamentos, pessoal técnico-
administrativo, auxiliares de higienização e limpeza. Todos têm contato direto ou indireto
com os pacientes e suas famílias, dentro de uma rotina que não permite esquivas do
trabalho. O envolvimento ou expressividade emocional geralmente ó percebido como aversivo
e o autocontrole é extremamente valorizado. Como resultado, a equipe pode sofrer de
stress intenso (com conseqüências emocionais e físicas), dependendo das diferenças
individuais (Padilha, 1987).
A prática da psicologia em UTI é recente e decorre do movimento de humanização
de UTI's nas últimas duas décadas e do crescimento da psicologia da saúde como uma
especialidade da psicologia. Para o trabalho em UTI, no entanto, o psicólogo deve propor
um enfoque diferenciado dos modelos clínicos tradicionais, pois é necessário trabalhar
em conjunto com a equipe, os pacientes e as famílias, na maioria das vezes, dentro do
ambiente da UTI, que não oferece a possibilidade do trabalho privativo. De acordo com
Amaral (1997), há necessidade de um novo modelo tecnológico para o trabalho nos
hospitais, que possa atender condições decorrentes da própria doença e também das
contingências estabelecidas pelo tratamento, além da possibilidade de intervenções e
pesquisas que venham a responder questões que interessam à equipe interdisciplinar.
O papel do psicólogo, enquanto membro desta equipe, dirige-se à promoção de
estratégias de fortalecimento da equipe para que seus membros atuem como agentes
humanizadores. Também, enquanto agente de humanização, o psicólogo volta-se para o
manejo de contingências junto aos pacientes, às famílias e à equipe, como promotor da
discriminação desses controles ambientais sobre o comportamento dos diferentes
indivíduos, já que o controle de estímulos pode ser modificado através da história das
contingências de reforço.
Muito mais que a sofisticação técnica, o requinte de equipamentos e outros
insumos dos hospitais, é o trabalho dos profissionais de saúde que determina a qualidade
e eficácia da atenção e do tratamento.

Referências

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144 C láudid I úcid Mcnctfdtti


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Sobre Comportamento c Co#niç«lo 145


Capítulo 20
Invalidando e contextualizando a queixa
inicial: um modo de i n t e r v e n ç ã o e m

psicoterapia breve 1

Ana Mdríd Lé Sénfthdl-Mdchddo


( /mversHhhic /n /c r.i/ </<• M itu is í/c r.n s
hiculd,idc i/c h b s o t u c C'icm uts / /unhiihis

A psicoterapla breve pode ser vista como um modo peculiar d» intervenção em situações de crise Compreendendo o
processo psicoterápico breve como tal. tem sido observado que a invalidação o a contextualização da queixa inicial ocorrem
durante o ostabelecimento do vinculo terapêutico. Ao fazer sua queixa Inicial, o cliente permite ao terapeuta a identificação
da crise e do conflito genérico que caracterizam a problemática que vem lhe causando sofrimento. Assim, a queixa Inicial vai
sendo redefinida e reavaliada, de acordo com os comportamentos do cliente que ocorrem no contexto da situação de
interação pslcoterrtpica que se configura com o terapeuta, a cada sessão Invalidação, neste trabalho, ostá sendo entendida
como um processo de ressignificação e de remanejamento dos componentes comportamentais da queixa inicial, em direção
ao ensinamento de descrições mais realisticas e acuradas das dificuldades e limitações do cliente E contextualização, como
b produção do interações clinicas relevanlos A construção de contextos mais adaplativos A Invalidação e a contextualização
da queixa inicial parecem permitir ao cliente, com eficácia, a reformulação de regras e um contato mais roal o gratiflcanto
com outras contingências de uma história de vida atual nova
Palavras-chave: Invalidação, contextualização, terapia breve, queixa inicial, remanejamento de contingências.

InvaWdating and contextuallzallng the first complaint: a way of Intervention in brief psychotherapy The brief psychotherapy
can be m « ii as tt peculiar way of intervention in criais mtualions Undorslandioy that brief psychotherapy procoss as il is,
has been observed that invalidation and contextualization of the first complaint occur during establishmonl of the therapeutical
bond By making the first complaint, the client glves the theraplst, access to identify tho crlsls and the generical confllct
which characterizes the problematic that is causing sufferlng From that first complaint lhe cllents behavior will be redeflned
and reevaluated according to the psychotherapy interaction situation that is configured with lhe therapist In oach segsion In
this work, invalidation is being understood as new meaning process and, managing the behavior components of the first
complaint towards the learnlng of more realistic and accurate descriptions of lhe clienfs difflculties and limitations. And
contextuallzalion as production of relevant cllnlc Interacllons for the construcling more adaptive contexts. Invalidation and
contextualization of the first complaint seem to allow the client, with efllcíency, a reformu/atíon of ru/os, more real and
rewarding contact with othor contlngencles of a new and actual history of llfe.
Key w o rd s : Invalidation, contextualization, brief psychotherapy, first complaint. contlngencles management

O atendimento psicoterápico breve na UFMG

Há alguns anos atuando como docente e supervisora em Terapia Comportamental


junto ao Departamento de Psicologia da Fafich/UFMG, e há um ano e três meses na
chefia do CEAP (Clinica de Psicologia da UFMG), venho observando e refletindo sobre
' Taxto apratantado na ma*a radonda "A partir da quaixa inictal. o qua tazarT, raaltzada duranta o IX Encontro da ABPMC

146 A n.i M .iria l> Sórrtchdl-Madhido


uma questão que muito me inquieta, relativa ao atendimento psicoterápico da população
que procura por esse serviço em um sistema especializado. Na grande maioria dos casos,
os clientes que se apresentam para esse tipo de atendimento tôm limitações de objetivos,
isto é, ou estão ‘passando por uma crise emocionar, 'desequilibrados e/ou desorientados’
(expressões próprias dos candidatos durante entrevista de triagem), ou porque estão ‘com
pânico’, 'depressão reativa’ ou 'em crise’ por conta de separação conjugal, ou ‘perda de
ente querido'. Em geral, tais 'diagnósticos' foram anteriormente elaborados por um médico
clinico ou por um psiquiatra, que os encaminhou, então, para o CEAP. Essas condições
sempre se apresentam agravadas pelas dificuldades de locomoção e pela falta de
perspectiva de acesso a um tratamento particular, já que os planos de saúde não
contemplam um tratamento psicoterápico semanal.
Desse modo, o alongamento de um processo terapêutico, em nível institucional,
acaba provocando transtornos de tal ordem na vida pessoal, social e profissional dos
clientes, que estes são, em muitos casos, levados por essas contingências, a propor a
interrupção ou o abandono do atendimento, por volta da 6asessão. Entretanto, nos casos
em que o processo psicoterápico está definido, desde o inicio, como ‘breve’, com um
número previsto de sessões, entre 12 no mínimo e 16 no máximo, tanto o C (cliente)
quanto o T (terapeuta) estarão mobilizados na tentativa de instalação de novos repertórios
comportamentais, em função das metas terapêuticas definidas, no período de tempo
predeterminado para esse processo (Stuart, 1977; Santos, 1997). Esse procedimento,
invariavelmente, produz, no C, maior adesão ao tratamento e sólido compromisso com as
condições de atendimento da instituição que o recebe.
O estágio supervisionado em Terapia Comportamental na UFMG permite que o
aluno curse, no máximo, 2 (dois) semestres nessa mesma modalidade (e mesmo em
qualquer outra). Portanto, o atendimento ao cliente dar-se-á, como já dito anteriormente,
no máximo em 16 sessões - se o aluno cursar somente um semestre; se o atendimento
for bi-semestral, no máximo, então, 32 sessões serão realizadas, o que compreende, em
ambos os modos, 1 (um) atendimento semanal, durante os quatro meses do semestre
letivo.

Sobre psicoterapia breve comportamental

A psicoterapia breve comportamental pode ser vista como um modo peculiar de


intervenção em situações de crise. É breve por proposta desse modo peculiar de
enfrentamento do processo de ajuda psicoterápica. É breve não por falta de vínculo
interacional ou por não atingir, de modo completo, os objetivos de análise funcional e de
reaprendizagem de comportamentos planejados. A partir disso, a psicoterapia breve implica
a utilização, pelo T, do conceito de foco, isto é, a concentração, durante um determinado
e curto período de tempo, na resolução de um conflito principal associado à situação
atual, ou ainda, às contingências do contexto de vida atual do C. Nessa direção, a partir
da queixa inicial, o processo de intervenção em psicoterapia breve envolve uma série de
passos inter-relacionados que incluem: a) a clarificação do problema do cliente; b) a
designação de um comportamento alvo; c) a formulação de objetivos e metas para a
terapia; d) a identificação das condições mantenedoras do comportamento alvo e de seus
determinantes, quando estes puderem promover o esclarecimento daqueles mantenedores;

Sobre Comportamento c Corrução 147


e) a implantação de um plano para alterar essas condições mantenedoras e, finalmente: f)
a consecução de um roteiro geral de tratamento que inclua a aplicação de procedimentos
de treinamento. Esses procedimentos implicariam, basicamente: 1) um treinamento de
reaprendizagem de comportamentos em desuso, agora contextualizados; 2) um treinamento
de habilidades sócío-emocionaís e de competência social, ou seja, a aquisição de
repertórios comportamentais correspondentes a - ou que expressem os sentimentos,
desejos, atitudes, opiniões e direitos, de modo adequado às situações de relação do
cliente (desenvolver habilidades sôcio-emocionais, aqui implicará, portanto, a aquisição
de comportamentos organizados, em um curso de ação integrada, dirigida para objetivos
sociais ou interpessoais socialmente aceitáveis, o que supõe um certo 'ajustamento' a
padrões culturalmente estabelecidos); 3) um treinamento em assertividade, onde a pessoa,
além de desenvolver a capacidade de estabelecer, muito bem, seus direitos, incluirá nessa
capacidade desenvolvida uma preocupação genuína para com os direitos alheios (Alberti e
Emmons, 1983; Caballo, 1996; Aguiar, 1998; Spiegler & Guevremont, 1998; Del Prette e
Del Prette, 1999; Ló Sénéchal-Machado, 2000). A psicoterapia breve comportamental é,
pois, uma ‘relação de ajuda' baseada em conhecimentos e procedimentos específicos,
delimitada por uma ‘situação psicoterápica’ na qual o T trabalhará, o tempo todo, com um
suporte para suas intervenções, tanto no seu referencial teórico quanto no desenvolvimento
de um bom vínculo terapêutico.
Uma 'relação de ajuda', delimitada por uma 'situação psicoterápica', é aquela em
que "pode-se ajudar uma pessoa organizando um ambiente que exerça controle" "que
acentua os interesses da pessoa ajudada"e que leva o terapeuta a "agir de maneiras que
sejam boas para a pessoa a quem está ajudando." (Skinner, 1982, p. 160).
Assim fica claro que, as intervenções do T em psicoterapia breve comportamental
são instrumentos essenciais do processo clínico de atendimento às queixas que o C
apresenta logo na primeira entrevista. Para tanto, o T interroga o C, pedindo-lhe dados
precisos e aclarações sobre a sua queixa. Ao mesmo tempo, o T proporciona informações
ao C, no sentido de confirmar ou retificar os conceitos que o C tem sobre 'psicoterapia' e
‘psicoterapia breve’ e, principalmente, sobre a sua (do C) situação de crise ou conflito.
Portanto, ao clarificar e reformular o relato do C, o T já inicia a contextualização do processo
terapêutico, de modo a que certos conteúdos e relações apresentadas pelo C adquiram
propriedades e funções especiais na 'situação de relação clínica' que se estabelece na
sessão de contexto psicoterápico. Em psicoterapia, perguntará, continuamente, consultar
a 'consciência' do C, ou ainda, fornecer ao cliente SDs para os repertórios descritivos das
contingências que controlam seus (do C) comportamentos, de modo a sondar as limitações
e as distorções dessa ‘consciência’, pois "a psicoterapia é, freqüentemente, um esforço
para melhorara auto-observação, para trazer à consciência' uma parcela maior daquilo
que é feito e das razões pelas quais as coisas sâo feitas." (Skinner, 1991, pp.46-47).
Portanto, é possível que ‘perguntar muito' seja uma das primeiras regras de uma
psicoterapia breve eficiente (Stuart, 1977; Porchat, 1989; Fiorini, 1991; Del Prette e Del
Prette, 1999).
Quanto a isso, Skinner (1982) coloca que"uma pessoa modifica o comportamento
de outra, mudando o mundo em que esta vive"ou seja, “uma pessoa arranja contingências
positivas ou negativas com o fito de criar interesses, prover encorajamento, infundir objetivos
ou propósitos, ou despertar a consciência de um outro indivíduo"e, “ao fazê-lo, ela o põe
sob controle de vários traços de seu ambiente, "(p.156).

148 Ana Maria l.é Sénéchal-Machado


Desse modo, fazendo perguntas ao C, na ‘situação de relação’ específica, como
a de uma sessão de psicoterapia breve, o T estará invalidando e contextualizando a queixa
inicial na medida em que usar o reforço positivo derivado de conseqüências postergadas,
descritas pelo C. E o T, fazendo isso em um processo de terapia breve, estará dando ao C
"algo por que esperar. "(Skinner, 1982, p. 156).
Conforme vai perguntando e perguntando, então, o T vai ensinando e favorecendo,
ao C, a aprendizagem do comportamento de analisar, funcionalmente, as queixas por ele,
C, apresentadas. Como sugeriu Skinner (1991), é a comunidade verbal que gera as
contingências que levam uma pessoa a atingir o autoconhecimento: "as pessoas sâo
solicitadas a falar sobre o que estão fazendo ou porque estão fazendo e, ao responderem,
podem tanto falar a si próprias como a outrem, "(p. 146). Assim, ao se engajar, com o C,
nessa troca de informações e análises de conseqüentes interpretações reforçadoras, o T
funciona comofacilitador, isto é, como a pessoa que, naquela 'situação de relação’ especifica,
oferece sugestões e faz retificações que permitem ao C fazer descrições mais
contingenciadas dos controladores - mantenedores e determinantes - de seus sofrimentos
e mal estares.

A invalidação e a contextualização da queixa inicial na ‘situação de relação


terapêutica*: o modo analitico funcional breve
Com base no entendimento do processo comportamental psicoterápico breve,
como tal, tenho observado e registrado dados que vêm confirmando a hipótese de que a
queixa inicial ‘invalida-se’ durante o estabelecimento do vínculo terapêutico (por volta da 4a
sessão). Ao fazer sua (s) queixa (s) inicial (ais), o C permite ao T identificar a crise e o
conflito genérico que caracterizam a problemática que vem lhe causando sofrimento.
Conforme o C relata o ‘conhecimento’ que ele tem das ‘causas’ deste seu sofrimento, do
porquê da crise e do conflito que vivência, ele vai descrevendo as relações neuróticas
(particularmente instaladas) que faz entre seus comportamentos (na maioria disfuncionais)
e as situações onde eles ocorrem. Um instrumento útil, bastante utilizado por muitos
terapeutas para produzir um certo alívio para o C é mostrar que acredita na genuinidade do
que o C relata e que compreende o seu sofrimento atual. Propondo o estabelecimento de
uma lista de dificuldades e limitações, na qual são colocadas as questões que parecem
as mais pungentes na determinação da problemática do C, o T estará, então, explicitando
essa credulidade e compreensão demonstradas. Assim, enquanto o T vai selecionando e
hierarquizando, junto com o cliente, quais são os maiores ‘problemas’ enfrentados por
este nas suas atuais ‘situações de relação’, metas para a terapia e planos para modificar
as condições mantenedoras vão sendo implementados.
O ponto de partida para esse processo - ou para o comportamento de fazer
intervenções terapêuticas - ó a queixa inicial do C. Mas essa queixa nem sempre ou em
raros casos define a real problemática do C, pois ela descreve ações do próprio C, ou de
pessoas que são importantes para ele nas suas várias ‘situações de relação’
contextualizadas em sua vida cotidiana. E, falando disso, o C sugere algumas relações
que ele faz com o seu ambiente (interno: biológico e histórico; externo: físico e social), o
que permite, ao T, interpretá-las como descrições de contingências em operação no seu
‘aqui/agora’ (Todorov, 1989; Guilhardie Queiroz, 1997).
Clareando o problema do C, designando um comportamento alvo a ser alterado
em algumas de suas funções e esclarecendo ao C os contextos, de vida e terapêutico,

Sobre Comportamento e Cojjniíáo 149


nos quais novos modos de interação - e novas 'situações de relação' - podem ser
aprendidos, a queixa inicial vai sendo, funcionalmente, invalidada, tanto pelo T quanto pelo
C, de modo a dar lugar a uma análise contextual das situações - terapêutica e de vida
cotidiana - e dos comportamentos mais relevantes para o atingimento dos objetivos definidos
para a terapia. À medida que as informações trazidas pelo C vão sendo funcionalmente
analisadas pelo T e contingenciadas na história de vida passada e atual dele, os ‘significados
ocultos’ das verbalizações constantes da 'queixa inicial’ vão sendo elucidados. ‘Significados
ocultos’, aqui, é uma expressão que indica como estão as contingências reais de
reforçamento, de sobrevivência e de evolução cultural, passadas e atuais, responsáveis
pelo ‘comportamento problemático’ do C. E assim, a queixa inicial vai sendo ressignificada
e redefinida, de acordo com os comportamentos do C que ocorrem no contexto de interação
psicoterápica que se configura com o T, a cada sessão. Isto é, a queixa inicial é vista,
então, como ‘ato em contexto de situação de relação clínica’. Quando o cliente compreende,
então, que ‘é o modo como ele produz as contingências para as suas dificuldades’ - ou ‘o
modo como ele contingência suas limitações e dificuldades - é que é o seu problema’ e
não a falta de soluções para os seus conflitos, quase que automaticamente a ‘queixa
inicial' é contextualizada no seu 'aqui/agora'. Alguns clientes, quando atingem essa
compreensão, ou esse modo descritivo, têm feito observações do tipo: "Eu achava que o
meu problema era 'tal', mas agora posso ver que o que eu queria era uma receita para
eliminar uma coisa que faz parte da minha vida e que eu ó que não estava sabendo fazê-
la funcionar direito". E essa compreensão é providencial para o desenvolvimento, efetivo,
do processo psicoterápico. Pois, a partir de então, inicia-se o envolvimento natural do C
com o processo de terapia - ou com o modo analítico contextual funcional - o que,
certamente, já o prepara para conviver com a mudança que a ressignificação ou
recontingenciação, redefinição e contextualização da queixa inicial produzem. A invalidação
e a contextualização da queixa inicial parecem permitir ao cliente mais eficácia na
reformulação de regras e um contato mais real e gratificante com outras contingências de
um período de tempo novo, pois o peso da queixa inicial vai sendo desvinculado da relação
de ajuda vivida. A invalidação, neste trabalho, está sendo entendida como um processo de
ressignificação e de remanejamento dos componentes comportamentais cognitivos da
queixa inicial, em direção ao ensinamento de descrições mais realísticas e apuradas das
relações de conflito que o cliente apresenta.
Todo esse procedimento vai permitindo ao T ‘tomar conta' do processo de ajuda,
no sentido da invalidação da queixa inicial. Conforme o T vai obtendo, então, dados mais
específicos a respeito do contexto próprio, particular, e já mais ‘real’ do C e das situações
de interação e de diálogos com outras pessoas, o diálogo terapêutico poderá implicar a
consolidação do processo de elucidação dos 'enigmas' (contingências de controle
desconhecidas) que, até então, mascaravam os efetivos comportamentos disfuncionais e
impediam a discriminação dos excessivos repertórios mal aprendidos que o C
desempenhava. A proposta de um remanejamento contingencial mais ágil e focalizado se
faz, nesse ponto, necessária. Como o foco terapêutico vai se modificando ao longo do
processo de análise funcionai, também a queixa inicial vai sendo invalidada, na medida
em que o T observa e analisa, contextualmente, a regularidade entre condições
antecedentes, respostas do C à situação de relação terapêutica - ou comportamentos
clinicamente relevantes - e conseqüentes (Kohlenberg & Tsai, 1987; Fiorini, 1991; Conte
e Brandão, 1999).

150 An.i M.jd.1l.é Sénéch,il-M.ii'l)ddo


Porque a invalidação da queixa inicial
Atuar como um terapeuta pelo modo analítico funcional é estar atento, o tempo
todo, para um contexto que está muito além da 'situação de relação terapêutica' ou do
‘contexto clinicamente relevante’. Implica, portanto, basicamente, o remanejamento e o
rearranjo contingencial dos repertórios que estão confusos, conflitivos e problemáticos
para o C. A invalidação pode, então, representar a análise funcional mais eficaz para a
implementação desse remanejamento.
Os processos básicos através dos quais o comportamento ó fortalecido,
enfraquecido, mantido, extinto ou posto sob o controle de estímulos, podem fornecer um
quadro de referência para especificar as relações entre os repertórios que o C tem e o
meio potencialmente disponível a ele. Nessa direção, a análise funcional terapêutica do
comportamento do C, a partir da invalidação da queixa inicial, tem a vantagem de permitir
a especificação das causas do comportamento na forma de acontecimentos explícitos do
meio (cotidiano e clínico) que podem ser objetivamente identificados e potencialmente
manipuláveis. A invalidação e a contextualização da queixa inicial parecem permitir uma
generalização mais agilizada, uma vez que coloca o comportamento de C sob controle da
'situação de relação' terapêutica ou 'contexto clínico'. Esse controle, que caracteriza o
'tomar conta' da situação de terapia, acontecerá durante o tempo necessário para que o C
alcance um razoável autoconhecimento e conseqüente autocontrole, já que o T estará
produzindo, intencionalmente, condições para a aquisição e manutenção, por parte do C,
das habilidades necessárias ao seu funcionamento efetivo nas várias inserções cotidianas
de vida pessoal e social (Lé Sénéchal-Machado, 1997a, 1997b, 1999). Parafraseando
Skinner (1982, p.212), o cliente poderá, então, ser persuadido a controlar seu próprio
destino, pois estará sabendo o que deve ser feito e como deverá fazè-lo.
Portanto, invalidar e contextualizar a queixa inicial, de modo a trazê-la, inicialmente,
para a ‘situação de relação' terapêutica e depois propor a generalização dos novos
comportamentos aprendidos, para outras 'situações de relação' e 'contextos vitais' mais
amplos, é funcional. E esse modo analítico de atuar em psicoterapia breve comportamental
justifica-se, na medida em que o T modela e modula comportamentos na relação terapêutica.
Essa modelagem e modulação, certamente, incluem a alteração intencional de seu próprio
comportamento interpessoal, ao reagir aos comportamentos do C na 'situação de relação'
específica e ao vínculo clínico que se estabelece entre ambos (Rosenfarb, 1992; Lé Sénéchal-
Machado, 1999; 2000).

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152 An«i Maria l.é Sén6ch»il-M.ich.ido


Capítulo £1
O que é história comportamental

Sérgio Cirino
U nnvntto N cw to n Pj iv j *• f X /C /M l,)

As definições do termo história encontradas nos dicionários refletem uma mesma idéia básica, a da história como a narração
melódica dos fatos |á ocorrido» De certa forma, a maioria das definições de história nos dicionários enfati/a o caráter
passado da história. Assim, a história parece ser uma construção atual sobre algo já ocorrido, algo passado Em termos
comportamentais, cada ve/ que nos comportamentos é como se estivéssemos "narrando” fatos já ocorridos, e tal narração
seria nada mais nada menos que o próprio comportamento. Na literatura comportamental os autores Freeman e Lattal
apresentaram, em1992, umaposição Interessante sobre a história e seus efeitos sobre o comportamento. Para esses
autores, os efeitos de história são identificados como Instâncias comportamentais, nas quais o controle exercido
pelas contingências correntes é nitidamente influenciado por contingências prévias.
Palavras-chave: história de reforçamento, história passada, contingência, esquemas de reforçamento

The definition» of the term history lound in the dictionnne» raflect one *ame ktoa. tho tdea of th» tvstory as a nwthodical
narratlon of the facts that has already happened. In certain way, most of the definitions emphasi/e the past as an important
dlmenslon of history. Thus, the hlstory seems to be an actual constructlon about something that already happened;
somethlng that now Is past Every time we behave It Is llke we were “narratlng” facts that occurred. Such "narratlon" would be
nothing else than the behavior itself In behavioral literatura the authors Freeman and Lattal presented, in 1992, an mtoresting
posltlon about history and its effects on the behavior For those authors, the hlstory effects are identlfied as behavioral
instances, In which the control performed by the current contingencies is clearly influenced by prevlous contingencies.
Kay words: reinforcement hlstory, past history, contingency, schedules of reinforcement.

"... contar seguido, aiinhado, só mesmo sendo as coisas de rasa


importância. Tem horas antigas que Jicaram muito muis perto da
yen/e do que outras, de recente data."

Riohaldo. em “ Grande sertão: veredas “


João Guimarães Rosa

Por que nos comportamos da forma como nos comportamos? A Psicologia ainda
não tem uma resposta exata para esta pergunta e, na verdade, é bem possível que nem
exista uma resposta exata, completa e cabal. Contudo, não faltam tentativas interessantes
de respostas, dentre elas, a da Análise do Comportamento.
A proposta dos analistas do comportamento ó a de que nos comportamos da
forma como nos comporíamos em função de dois grandes conjuntos de variáveis. Um dos

ómdmojmOm
0 taxto foi Mcnto a paru ocomdaa no labonMúnoda AnâlMe do Comportamento do proteMor Andy Lattal. em 1090. quando o autor ara Vliifíng
Schoturna Wast V)ngtnm Unrvtmty O autor agradece a lodo o grupo de colega* da Waaf Vtrgmi* Uniwnlty.

Sobre Comportamento c Cogniçâo 153


conjuntos é o das variáveis atuais, ou seja, das contingências presentes no meu ambiente
aqui e agora (o computador á minha frente, o telefone que toca, o barulho da máquina de
lavar roupa, a fatura do cartào de crédito que ainda não foi paga e está dependurada do
lado do computador, a incumbência de escrever o presente texto, a brisa gostosa que
entra pela janela aberta, etc.). O outro conjunto é o das variáveis históricas, ou seja, das
contingências passadas que vivi (os livros que li, as aulas que freqüentei, as discussões
das quais já participei, as viagens que fiz, etc.)1.
Se o telefone tocar agora, posso emitir o comportamento de atendê-lo ou deixar
que a secretária eletrônica o faça. De qualquer forma, o meu comportamento de escrever
o presente texto será afetado, mesmo que momentaneamente. Por um lado, não hesito
em identificar o quanto as variáveis atuais - o barulho do telefone, por exemplo - afetam,
mesmo que momentaneamente, o meu comportamento de escrever. Por outro lado, náoé
fácil identificar o quanto as variáveis históricas - as discussões sobre behaviorismo que
tive há cinco anos com a amiga Llgia, por exemplo - também afetam o mesmo
comportamento de escrever.
O fato das variáveis atuais estarem presentes aqui e agora facilita a identificação
das suas influências sobre o comportamento presente. Mutatis mutandi, é muito provável
que tenhamos dificuldade em identificar a influência das variáveis históricas justamente
pelo fato delas, a rigor, já não estarem mais presentes aqui e agora.
Vejamos alguns exemplos que bem ilustram a questão dos efeitos de variáveis
históricas sobre o comportamento atual e podem nos ajudar a entender o conceito de
História Comportamental.
Vamos começar com alguns exemplos clínicos. Não ó raro aquele paciente adulto
que passou por contingências aversivas na adolescência e que continua a se comportar
como se tais contingências ainda estivessem presentes, mesmo que numa análise
funcional seja identificado que tais contingências já não fazem mais parte do seu ambiente
atual (Cirino, 1997). Também é freqüente, na prática clinica, encontrarmos casos de
pacientes que, numa situação de estresse (como por exemplo a morte de um familiar, um
assalto ou a perda do emprego) passam a emitir comportamentos que não são adaptados
às contingências atuais mas que outrora foram reforçados. Um exemplo desse fenômeno
é o do personagem Linus (das estórias em quadrinhos do Snoop escritas por Charles
Schulz): Linus sempre se agarra ao seu cobertor quando se sente em perigo ou em
alguma situação nova. Numa interpretação comportamental, Linus emite comportamentos
que no passado foram reforçados. Ou seja, para que possamos entender o comportamento
de Linus hoje, é necessária uma referência a uma certa história de reforçamento, a uma
história passada (cf. Cirino, 2000)
Passemos agora a um exemplo retirado da literatura de trabalhos em laboratório
animaI operante. Efeitos de uma dada história de exposição a contingências podem ser
facilmente observados numa infinidade de estudos relatados na literatura operante.
Tomemos, como exemplo, os esquemas de reforçamento. Um esquema de reforçamento
é a descrição do arranjo das contingências que precedem um operante e das conseqüências
que o seguem. Num esquema de reforçamento em razão fixa 50 (FR50)*, o arranjo de

' É Importante qu* se anfati/a mmbém um* carta hwtória Alogenética, ou M|*. a hwiôna da» mtaraçôa» quaa Mpécia humnna Mtab#»l«»u com o» divorsot
ambienta» ao longo da aua avoluç»o Contudo, nAo é otoptlvo do praMnta laxto abordar a quaaUo Moganédcn O M or Intareeaado poda M banafiriar da laitura
do livro Cam{x«ead»c o fíthsviorMmo de WtíJfam Baum • *dit»da *m portogué* (mUm «dítora Art#* MédicM

154 Sérgio Cirino


contingências é tal que a 50a resposta é reforçada. Suponhamos que estejamos trabalhando
com um rato de laboratório privado de água e a resposta requerida para o reforçamento
(uma gota d’água) seja a de pressão a uma barra. Para que o rato desse exemplo responda
em FR50, serão necessárias sucessivas sessões experimentais, nas quais respostas de
pressão à barra deverão ser reforçadas em razões inferiores a 50. Se a razão for aumentada
abruptamente, o sujeito passará a responder com pausas extremamente longas ou mesmo
deixará de responder, caracterizando o fenômeno de distensão da razão. Assim, o valor
de FR deve ser aumentado paulatinamente até 50. Ou seja, uma certa história específica
de reforçamento em valores inferiores a 50 é necessária para que se atinja o valor final do
FR requerido nesse exemplo1'.
A partir destes exemplos, podemos pensar que, se quisermos avançar na discussão
sugerida no início deste texto: “Por que nos comportamos da forma como nos
comportamos?", é imprescindível que incluamos nas nossas reflexões não apenas as
contingências atualmente em vigor mas, tambóm, as contingências históricas. Acredito
que, assim, poderemos aumentar nossa compreensão sobre os determinantes dos nossos
comportamentos e, principalmente, sobre os determinantes dos comportamentos dos
pacientes que nos procuram na clínica, pedindo ajuda.

Algumas definições do termo história


Estudos dos efeitos das variáveis históricas sobre o comportamento atual têm
sido cada vez mais freqüentes na literatura especializada. Contudo, muito ainda precisa
ser feito, principalmente, em termos de pesquisas básicas que sejam capazes de delimitar
melhor o próprio fenômeno chamado de história passada.
Vários autores têm sugerido diferentes definições para o conceito de história.
Uma das propostas oferecidas pela literatura operante advoga que o fenômeno de história
deva ser definido "em termos de exposições prévias a contingências, tanto dentro quanto
fora do laboratório" (Metzger, 1992, pág. 3). O conceito de história nessa proposta é bastante
amplo e abarca um grande número de fenômenos.
Se concordarmos com a definição de história de Metzger (1992), na qual a história
engloba todas as exposições prévias a contingências dentro e fora do laboratório, teremos
um conceito muito abrangente e possivelmente sem valor heurístico. A desvantagem da
proposta de Metzger (1992) reside - ironicamente - na própria abrangência do conceito.
Se considerarmos 'história' como um conceito científico definido como o conjunto de
todas as interações organismo/ambiente dentro e fora do laboratório, teríamos que
monitorar os sujeitos das pesquisas 24 horas por dia, 7 dias por semana, desde o seu
nascimento... para que, então, tivéssemos uma descrição acurada da 'história' de suas
interações com o ambiente. Tal manipulação é hipoteticamente possível com pombos e
ratos de laboratório, mas inviável no caso de sujeitos humanos, dado o estado atual da
arte4. Por mais que pareça promissora - tanto no caso de intervenções terapêuticas
quanto no caso de pesquisas de laboratório - tal posição deve ser vista com cautela, já

*f-Réa abmvwçâo áa foad rato, palavras mglaeae para taiào fixa fcmF-Né reforçada • amisaAo da um num«no •specllteo de raapoatas, indepondentamente
do tampo gasto para a arnissAo daa maamaa

1M ulatii mulandlt, o matmo raciocínio é válido para a maioria dos outros «squamas de reforçamento

* Um outro problema aqui seria a queelâo ética de se monitorar um sujeito humano ininterruptamente

Sobre Comportamento c Co^nivilo 155


que o terapeuta (ou o pesquisador) não tem acesso ás contingências vividas pelo cliente
(ou pelo sujeito experimental) fora do setting terapêutico (ou fora da situação do laboratório).
Uma outra proposta, oferecida pela literatura em Análise do Comportamento, define
a história como sendo a "exposição a contingências respondentes e operantes
cuidadosamente controladas em laboratório antes da fase de ‘teste’ desejada" (Wanchisen,
1990, pág. 32).
Ao iniciarmos uma pesquisa, geralmente, consideramos "ingênuos" os animais
de laboratório (pombos, ratos, macacos, peixes etc.). Certamente, é verdade que tais
animais foram expostos a uma série de experiências antes de serem submetidos às
primeiras manipulações estritamente experimentais no laboratório. Tais contingências
atuaram sobre o repertório de comportamentos do sujeito experimental desde o nascimento
até o momento do inicio do experimento previsto: as várias manipulações dos bioteristas5,
a separação em gaiolas individuais ou em gaiolas grupais etc. Essas experiências devem
ser diferentes para cada sujeito e é razoável supor que algumas variações no desempenho
comportamental, durante o experimento, sejam devidas às contingências vividas pelo sujeito
antes do inicio da pesquisa propriamente dita. Mesmo que consideremos tais experiências
como relevantes, Wanchisen (1990) sugere que não as incluamos no conceito de história,
dada a dificuldade de seu controle. Como já foi dito anteriormente, para capturar todas as
contingências ás quais os sujeitos das pesquisas são expostos, teríamos que monitorá-
los 24 horas por dia. A sugestão de Wanchisen é que consideremos as experiências
vividas pelos sujeitos fora das sessões experimentais, como "história extra-laboratório" ou
“história extra-experimental" (cf. Wanchisen, 1990).
A proposta de Wanchisen (1990), ao restringir a história ás contingências
estabelecidas no laboratório, limita, por um lado, o fenômeno de história: a) às manipulações
arbitrariamente planejadas por um pesquisador (ou pelo terapeuta) e b) ao ambiente definido
pela caixa de condicionamento (ou pela setting terapêutico). Por outro lado, a proposta se
mostra mais parcimoniosa do que a proposta de Metzger (1992), visto que uma certa
história é deliberadamente construída e é essa história - amplamente documentada - que
será objeto de investigação no comportamento do sujeito experimental.
Além da parcimônia, uma outra vantagem da proposta de Wanchisen (1990) é a
menção a uma ‘fase de teste’ na qual os efeitos da exposição a contingências prévias
serão acessados. Por mais que possamos analisar o responder em FR (como apresentado
no exemplo supra citado) como fruto indubitável de uma história específica de reforçamento,
estudos que utilizem o esquema de FR não seriam, necessariamente, estudos de história
para Wanchisen. Segundo a perspectiva sugerida por Wanchisen (1990), o estudo de
características de um responder em FR só deverá ser considerado como um estudo de
história se o objetivo do estudo for, numa fase de teste, o acesso a efeitos das contingências
que contribuíram para a instalação ou a manutenção desse responder. Se esse não for o
caso, não se justifica incluir como estudo de história, um estudo que utilize um esquema
de reforçamento em FR pelo simples fato de que um responder em FR é fruto de uma certa
história de reforçamento. Idealmente, como apontam Tatham e Wanchisen (1998), o termo
história "deve ser reservado para um uso mais específico para que se evitem confusões"
(pág. 241).
Apesar de amplamente citadas na literatura especializada, a proposta de Wanchisen
ainda é uma proposta restritiva, principalmente, quando tentamos descrever os casos clínicos.
1Técnico* q i* cuidam do» nnlmalt no* laborntônot

15ó Sérgio Cirino


Uma outra definição que tem freqüentemente sido apresentada foi proposta por
Freeman e Lattal, em 1992. Nesta proposta, os autores conceituam os efeitos de história
como instâncias comportamentais, nas quais o controle exercido pelas contingências
correntes é nitidamente influenciado por contingências prévias.
De certa forma, a proposta de Freemam e Lattal se aproxima da proposta de
Metzger e parece continuar com o mesmo problema da abrangência do conceito. Contudo,
a proposta avança na discussão da investigação dos efeitos de história. A proposta de
Freeman e Lattal é uma proposta interessante justamente por considerar a importância do
controle do comportamento pelas contingências atuais e, ao mesmo tempo, enfatizar a
importância dos possíveis distúrbios causados no controle atual por contingências históricas.

Conclusão
É interessante observar que o termo história ó um termo que já existia muito
antes do nascimento da Análise do Comportamento. Talvez seja prudente partirmos das
definições já existentes para o termo e discutirmos apenas o caráter comportamental que
o termo ganha quando incorporado pelo behaviorismo. Podemos nos beneficiar das
definições de história sugeridas nos dicionários. A maioria dos dicionários traz um número
bem grande de definições mas, a maioria delas reflete uma mesma idéia básica, a da
história com a narração metódica dos fatos já ocorridos. A ênfase que quero dar aqui é no
caráter passado da história.
Assim, a história parece ser uma construção atual sobre algo já ocorrido, algo
passado. Em termos comportamentais, cada vez que nos comportamentos ó como se
estivéssemos "narrando" fatos já ocorridos, ou contingências anteriormente vividas. Se for
assim, o importante quando discutimos história não é definir exatamente o que é história
mas, antes, qual é o comportamento atual e em que medida tal comportamento é afetado
por contingências ocorridas no passado. De certa forma, é como se a história estivesse
diluída no comportamento atual. A proposta de Freeman e Lattal ó absolutamente coerente
com esta postura. Ao destacar a influência de contingências passadas sobre os controles
atuais do comportamento, Freeman e Lattal estão, justamente, enfatizando o
comportamento atual. A partir de tal ênfase, talvez seja possível entender melhor porque
fazemos o que fazemos atualmente à luz não apenas das contingências atuais, mas
também das contingências já ocorridas no passado, ou seja, da história.

Referências

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Universidade de Sâo Paulo.

*H)brc Comportiimrnlo c CoRnivdo 157


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Wanchisen, B.A. (1990). Forgetting the lessons of history. The Behavior Analyst, 13, 31-37.

158 Sórjjlo Clrtno


Capítulo 22
Behaviorismo Radical e
os determinantes do comportamento

Maria Ama/ia Pie Abib Andery


Tere/a M aria de A/evedo Pires Sério
n / c - sp

Ê objetivo do artigo unalisar as noções de causa ou determinantes do comportamento Argumenta-se que o termo causa, na
análise do comportamento, dl2 respeito aos processos de variação e seleção que constróem as histórias filogenétlca,
ontogenética e cultural que originam o comportamento. Argumenta-so ainda quo aspectos que mais nomumente sAo
apresentados como causas do comportamento sáo melhor descritos como fatores ou condiçOes quo constituem o próprio
comportamento n nâo como suas causas
Palavras-chave: determinantes do comportamento, causas do comportamento, behaviorismo radical, seleção por
consoquôncias.

This paper alms at dlscimsing tho notions of causes of bohavior, or of determlnants of behavior. It is nrgued that, In the
analysis of behavior, the word 'cause' should be rolatod to the processes of variation and selection that are involved in the
construction of tho phylogenlc, ontogonic and cultural histories by which behavior Is originated. It Is also arguod that aspects
more ofton are presented as the causes of behavior are better descrlbed as condltions or factors that constltute behavior
itself.
Key words deterinmants of behavior, causes of behavior, radical behaviorism, selection by consequences

A pergunta que originou este artigo foi: quais sáo os determinantes do


comportamento, segundo uma perspectiva behaviorista radical? Entretanto, na tentativa
de respondê-la, acabamos por produzir apenas um início de análise, algumas reflexões
sobre a questão. É importante esclarecer, também, que além de inicial, nossa análise não
ó completamente inédita, uma vez que todo o argumento aqui apresentado baseia-se em
nossa leitura de alguns autores, mais diretamente, neste caso, J. Moore (1990,2000) e B.
F. Skinner (1953,1974,1987,1989).
Neste artigo assumiremos que buscar os determinantes do comportamento é
sinônimo do que tradicionalmente tem sido chamado de buscar suas causas. Apesar da
perspectiva claramente determinista assumida por Skinner, praticamente em todos os
seus artigos e textos, o próprio Skinner parece, pelo menos em alguns de seus trabalhos
(por exemplo 1931,1953), assumir uma posição que nos levaria a abandonar a discussão
das causas do comportamento, ao criticar a própria noção de causa1. No entanto, nestes
mesmos escritos percebe-se que esta não é uma simples negação de que caberia á

1Vala eeclareoef (|ua. poaalvalmenla. noeaa preferência pelo (armo delerminaniee - no lugar de cmums - *e|a produto da critica f»ta porSkmrw («egundo
«il*. o lar mo estaria jA oomprometido com muita» laona* a preaaupoeiçAM tobro a eatrutura a opatnçAo do universo) (1B&3)

Sobrr Comportamento e CoHniçJo 159


ciência do comportamento tratar de suas causas, uma vez que o próprio Skinner costuma
fazer uma feroz critica ao que chama de causas fictícias do comportamento. É exatamente
a partir do diálogo com estas afirmações de Skinner que Moore, em 1990, escreveu um
artigo que intitulou, não por acaso, Sobre as 'causas'do comportamento, afirmando, logo
de inicio, o compromisso da ciência, e especialmente da ciência do comportamento, com
a busca das causas do seu objeto de estudo:
“Em seu sentido mais abstrato uma ciência do comportamento preocupa-se com quaisquer
condições ou fatores que afetam o comportamento como um evento* (Moore, 1990, p. 459).

Nesta frase, Moore afirma simplesmente que fazer ciência é buscar as causas do
fenômeno. Ou seja, tomado como objeto de estudo da ciência do comportamento o evento
comportamental, as condições ou fatores que afetam este objeto são, no dizer de Moore,
as causas que a ciência busca identificar. Ao fazer tal afirmação, Moore assume a
perspectiva (como ele mesmo reconhece) que já anteriormente havia sido proposta por
Skinner em mais de uma ocasião (1957,1974) e por Kantor (1950). Para Skinner:
“Uma pessoa ... é um locus, um ponto no qual muitas condições genéticas e ambientais
se juntam em um efeito conjunto" (1974, p. 168).

Kantor (1950), por sua vez, afirmou:


”... uma investigação causai envolve nada além do problema de 'como' um evento ocorre
- a saber, como os fatores constitutivos das coisas, suas propriedades e condições, são organizadas
numa sltuação-ovento ... mudanças causais em qualquer campo constituem um rearranjo na
coexistência simultânea de fatores em um único padrão" (p. 156).

O que estes autores parecem estar propondo é que um evento comportamental


se constitui na confluência de múltiplos fatores e que quando estudamos os fatores, as
condições que constituem o comportamento, estamos identificando o que tem sido chamado
de as causas do comportamento.
"... uma preocupação com as causas do comportamento, então, ô uma preocupação com
todas as condições e fatores que participam em um evento comportamental. Há, assim, múltiplos
usos do termo causa que sâo relevantes para entender as causas de eventos comportamentais"
(Moore, 1990, 469).

A questão sobre as causas, portanto, é traduzida pela pergunta: quais são os


fatores que participam / constituem o evento comportamental? Buscam-se as causas,
então, buscando aquilo que constitui, que compõe o evento que estamos estudando; a
causa não está fora, não existe à parte do evento estudado, mas sim está no próprio
evento, é parte dele. Deste ponto de vista, como afirma Moore (1990), há muitas ocasiões
nas quais um analista do comportamento poderia falarem ‘causas’ do comportamento:
sempre que um fator constitutivo do evento comportamental for identificado, poder-se-ia
falar em causa do evento.
É a partir desta posição que Moore (1990) identifica os fatores constitutivos do
evento comportamental. A princípio, eles são divididos em dois grandes conjuntos: os
chamados de fatores ambientais e os chamados de fatores intrínsecos ao organismo.
Os fatores ambientais são, por sua vez, compostos por três grandes subconjuntos:
operações de eliciação, operações de conseqüenciação e contingências de reforçamento.
Assim, quando identificamos (a) um estimulo eliciador incondicionado ou condicionado,
(b) um estimulo reforçador ou um estímulo discriminativo, ou, ainda, (c) uma interrelação

160 M aria A njalid l’ ic A b ib Andery l ícrc/u M .irid do Azevedo Pire* Sírio


envolvendo estímulo antecedente-resposta-estímulo conseqüente, nada mais fizemos do
que identificar fatores que compõem, constituem a relação que chamamos comportamento.
É importante ressaltar aqui, acrescentando à formulação proposta por Moore (1990),
que, na relação resposta-estlmulo, nenhum dos dois termos da relação pode sofrer qualquer
tipo d© restrição metodológica. O termo estímulo envolve estímulos públicos e privados,
físicos e sociais. A atividade do sujeito envolve respostas manifestas e encobertas,
aparentemente simples ou obviamente complexas.
Os fatores intrínsecos ao organismo são também, por sua vez, compostos por
dois subconjuntos: o organismo com suas características peculiares e o estado
momentâneo deste organismo. Assim, quando identificamos: (a) a dotação genética do
organismo ou suas características anatômicas e fisiológicas e (b) o estado momentâneo
do organismo, mais uma vez, nada mais fizemos do que identificar fatores ou condições
constitutivas do evento comportamental em estudo. Como muito bem esclarece Moore
(1990):
"... o organism o ndo deve se r e xcluido de qualquer análise sobre as causas do
comportamento a presença de um rato vivo, com aparato genético que o toma receptivo às
operações experim entais ...e sistemas efetores que executam a resposta em questão são
apropriadamente incluídos entre as causas do comportamento em questão. ... Se o rato estiver
saciado e for colocada na caixa, ele não pressionará. Entretanto, se o rato for então privado de
alimento e começar a pressionar a barra, a operação de privação presumivelmente terá causado
a pressão á barra “ (Moore, 1990, p.4 73).

Até aqui, propusemos que a expressão ‘determinantes do comportamento' quer


dizer o mesmo que a expressão 'causas do comportamento’. Mas, retiramos do termo
‘causa’ qualquer conotação de algo que seja um agente produtor do fenômeno estudado;
no lugar disso, propusemos que 'causa' passasse a significar 'condições ou fatores
constituintes' do fenômeno estudado. Isto quer dizer que sem tais condições ou fatores o
fenômeno não existiria, não haveria fenômeno algum a estudar; diante da mudança em
qualquer uma dessas condições ou fatores, um novo fenômeno se constitui. A questão
que se coloca, então, é: a descrição completa do evento comportamental, isto é, a
identificação e descrição de todos os fatores que o constituem é tudo que precisamos
saber sobre o evento comportamental? Com tal descrição, compreendemos adequadamente
este evento ?
Possivelmente, não. É assim que interpretamos a afirmação de Skinner (1974)
sobre a delimitação das descrições do evento comportamental em um dado momento:
“O ambiente fez sua primeira grande contribuição durante a evolução das espécies,
mas ele exerce um tipo diferente de efeito durante a vida do indivíduo e a combinação dos dois
efeito é o comportamento que observamos em qualquer momento dado. Qualquer informação
dispo n íve l sobre q u a lq ue r uma dessas contribu içõ es a uxilia a p re diçã o e o contro le do
comportamento humano e a sua interpretação na vida diária. Na medida em que qualquer uma
delas possa ser mudada, o comportamento pode ser mudado" (Skinner, 1974, p. 17).

Um evento comportamental qualquer que seja, em um momento dado, é o produto


conjunto de duas histórias : a história de evolução da espécie e a história do indivíduo. É
importante notar que nesse mesmo texto, ao enfatizar a importância da história na
compreensão do comportamento, Skinner já introduz a necessidade de se considerar
mais uma história na constituição do comportamento humano:

Sobre Comportamento c Cogniç«lo 161


“A pessoa que afirma sua liberdade dizendo 'eu determino o que eu farei a seguir', está
falando de liberdade na ou da situação presente: o eu que assim parece ter uma opçôo ó o produto
de uma história da qual a pessoa nâo é livre e que de fato determina o que ela fará agora" (Skinner,
1974, p. 168).
Qual ó essa nova história a ser considerada, o próprio Skinner esclarece se
continuarmos lendo mais alguns parágrafos de seu texto:
"Todas as espécies, com exceção do homem, comportam-se sem saber que o fazem e,
possivelmente, isto foi verdade em relação ao homem até que uma comunidade verbal tenha
surgido para perguntar sobre o comportamento e, assim, tenha gerado comportamento auto-
descritivo. Auto-conhecimento é de origem social, e 6 útil primeiro para a comunidade que pergunta.
Mais tarde, o auto-conhecimento torna-se importante para a própria pessoa ... Diferentes
comunidades geram diferentes tipos e quantidades de auto-conhecimento e diferentes maneiras
pelas quais as pessoas explicam-se para si mesmas e outros" (p. 169).

Assim, três histórias devem ser consideradas - a história da espécie (as


contingências de sobrevivência), a história do indivíduo (as contingências de reforçamento)
e a história da cultura (contingências mantidas pelo ambiente social) - se nosso objetivo
é a compreensão do comportamento humano (Skinner, 1981/1987). Cada uma dessas
histórias gera, segundo Skinner (1989), um produto:
“Seleção natural nos dá o organismo, condicionamento operante nos dá a pessoa e ... a
evolução das culturas nos dá o s e lf" (p. 28).

São esses produtos, ou parte deles, que estamos descrevendo quando identificamos
e descrevemos as condições ou fatores constituintes do evento comportamental.
Os chamados fatores intrínsecos ao organismo (Moore, 1990) estão relacionados
com o produto que Skinner chama de organismo e que, como ele mesmo destaca, u6
mais que um corpo; ô um corpo que faz coisas. ... O organismo é o executor" (Skinner,
1989, p.28). Desta forma, a história filogenética teria selecionado, gradual e sucessivamente,,
diferentes formas de interação com o ambiente, tais como: o movimento, a sensação, os
tropismos, os reflexos, a imitação e modelação filogenéticas, o condicionamento
respondente e, finalmente, o condicionamento operante (Skinner, 1984/1987).
Os chamados fatores ambientais (Moore, 1990) estão relacionados com os produtos
que Skinner chamou de pessoa e de se/f. A história ontogenótica selecionou: as partes
do ambiente às quais cada um dos indivíduos reage e a função que tais partes assumem'
(estímulos eliciadores condicionados, os estímulos reforçadores relacionados a
determinadas respostas, e os estímulos discriminativos), a forma como ele reage (as,
respostas) e as interações que o indivíduo mantém com o ambiente (as contingências de
reforçamento). A história da cuítura na qual o indivíduo vive selecionou as práticas culturais j
responsáveis tanto por um determinado repertório (por exemplo, auto-conhecimento e I
conhecimento do mundo no quai o indivíduo vive), como por um tipo especial de controle
de estímulo (regras) (Skinner, 1981/1987).
Na busca de compreender o evento comportamental restaria mais uma pergunta:
como essas três histórias são construídas? A resposta a esta questão é também encontrada
em Skinner (1981/1987): dois processos básicos são responsáveis pela produção dessas
histórias: são eles os processos de variação e seleção. Para Skinner (1981/1987), os
processos de variação e seleção ocorrem concomitantemente em três níveis -filogênese,
ontogênese e cultura - e seu resultado conjunto é o comportamento em qualquer momento
dado.

162 Mana Amalia l’ir Abib Amiory í Tcre/a Maria tlc A/cvcdo Pires Sério
Podemos concluir, então, que a compreensão do evento comportamental implica
o conhecimento do processo de produção e interação das histórias que o produziram. Se
esta compreensão se inicia com a descrição das condições ou fatores que constituem o
evento comportamental, ela só se completa com o conhecimento do processo de produção
desse evento. E se quisermos reintroduzir o termo causa no estudo do comportamento,
ele deverá se referir exatamente aos processos de variação e seleção responsáveis pela
produção das histórias que originam o evento comportamental.
É assim que interpretamos a recente afirmação de Moore (2000) de que "a análise
do comportamento é uma ciência histórica" (p.51).

R efe rências

Kantor, J. R. (1950). Psychology and Logic. (Volume II). Bloomington: The Principia Press.
Moore, J. (1990). On the 'causes' of behavior The Psychological Record, 40, 469-480.
Moore, J. (2000). Thinking about thinking and feeling about feeling. The Behavior Analyst, 23,
45-56.
Skinner, B. F. (1931/1999). The concept of reflex in the description of behavior. Em B. F. Skinner.
The Cumulative Record. Acton, Mass.: Copley Publishing Group.
Skinner, B. F. (1953/1965). Science and Human Behavior. New York: The Free Press.
Skinner, B. F. (1957/1992). Verbal Behavior. Acton, Mass.: Copley Publishing Group.
Skinner, B. F. (1974). About Behaviorism. New York: Alfred A. Knopf.
Skinner, B. F. (1981/1987) Selection by Consequences. Em B.F. Skinner, Upon Further Refletion.
Englewood Cliffs: Prentice-Hall.
Skinner, B. F. (1984/1987) The Evolution of Behavior. Em B.F. Skinner, Upon Further Refletion.
Englowood Cliffs: Prentice-Hall.
Skinner, B. F. (1989). The Initiating Self. Em B.F. Skinner, Recent Issues in theAnalysis of Behavior.
Columbus: Merrill Publishing Co.

Sobrr Com portam ento c C ogn içào 1 6 3


Capítulo 23
O impacto do Behaviorismo Radical sobre a
explicação do comportamento humano

Teresa M aria de A/evedo Pires Sério *


n /c -s p

O objetivo deste artigo è indicar alguma» mudança» conceituai* e práticas exigidas pela filosofia da ciência do comportamento
denominada behaviorismo radical. As mudanças identificadas sAo divididas em très grupos mudanças nos fundamentos
básicos, mudanças no trnbalho prático e mudanças no cotidiano. SAo destacadas quatro mudanças nos fundamentos
básicos para o estudo do comportamento, como considerar o que ocorre dentro do organismo, como considerar os eventos
privados, diferença e semelhanças entre eventos internos e externos e, finalmente, o modelo de causalidade de seleçAo por
conseqüAriclas S io destacadas quatro mudanças no trabalho prático do analista do comportamento: o caso das idéias, o
caso do psiquiatra, o caso do sonho e o caso do auto-conheclmento. Uma mudança no cotidiano do behaviorista radical é
destacada- nua concepção da açAo de conhecer
Palavras-Chave: behavlonsmo radical, B.F.Sklnner, clència do comportamento.

This paper'8 aim Is to point some of the conceptual and practlcal changes made necessary by the philosophy of Science of
behavior, namely radical behaviorism. The identlfied changes are divlded In three groupn: changes In the basic aasumptlons,
changes in the practlcal work, and changes in the daily life. Four changes in basic assumptions are highllghted: how to take
into account what goes on Inside the organlsm, how to take Int account private events, differences and slmllnrltles between
internai and externai events, and, flnally, the causai mode of «election by consequences. Four changes In the praetlce of
the behavior analyst: the case of ideas, the case of the psychlatrist, the case of dreams, and the case of self-knowledge.
One change in the dally life of the behavior analyst Is considered: hls/ h<jr conceptlon of the act of knowlng
Kay Words: radical behaviorism, B F. Skinner, Science of behavior.

A expressão behaviorismo radical tem, aqui, o sentido que lhe ó dado por Skinner
(1969b, 1974, por exemplo): behaviorismo radical refere-se a uma determinada posição
filosófica, mais precisamente uma corrente da filosofia da ciência que estuda a psicologia
enquanto área do saber científico. Em seu artigo Behaviorism at fífty (1969b), é assim que
Skinner apresenta esta especificação:
Behaviorismo, com uma ênfase na última sílaba, nâo é o estudo cientifico do
comportamento, mas uma filosofia da ciência preocupada com o objeto e os métodos da
psicologia.(...) A questão básica nâo è a natureza do material do qual o mundo é feito ou se ela ô
feito de um ou dois materiais, mas antes as dimensões das coisas estudadas pela psicologia e os
métodos pertinentes a elas. (p. 221)

Com esta delimitação devemos ter bem claro o que esperar quando nos dispomos
a estudar o behaviorismo radical; devemos encontrar respostas para duas questões básicas:
a) qual o objeto de estudo da psicologia e quais as dimensões deste objeto e b) que

* Bolawtn CNPq (procMio no 523804/96 4) no parlodovmqu* «ato tratMthotolvlaboraòo

1 6 4 lcrc/»i M t i n .1 de A /c v c d o l’irr* S in o
métodos são apropriados a um objeto com tais dimensões. A palavra chave, aqui, parece
ser 'dimensões'. Do que estamos falando, quando falamos em 'dimensões' do objeto de
estudo da psicologia ?
No mesmo Behaviorism at Fifty (1969b), temos um bom esclarecimento sobre o que está
envolvido quando discutimos as 'dimensões' de nosso objeto de estudo. Após traçar
brevemente a história da objeção behaviorista às explicações chamadas de mentalistas,
Skinner sintetiza assim esta oposição:
Psicólogos mentalistas insistem que há (...) tipos de eventos que são unicamente
acessíveis ao possuidor da pele dentro da qual eles ocorrem mas aos quais faltam as dimensões
físicas dos estímulos proprloceptlvos e Interoceptlvos. (...) A Importância atribuída a este mundo
varia. Para alguns, ele ô o único mundo que há. Para outros, ele è a única parte do que pode ser
diretamente conhecido. Para outros ainda, ó uma parte especial do que pode ser conhecido. Em
qualquer caso, deve ser enfrentado o problema de como alguém conhece o mundo subjetivo de
outro. (p.226)

A questão da ‘dimensão’ do objeto de estudo refere-se, então, a se este objeto


tem a mesma dimensão do mundo fisico ao nosso redor ou se é de uma dimensão diferente
deste mundo físico, uma dimensão especial que poderia ser chamada de mental.
Junto com a questão da dimensão vem a questão da possibilidade de conhecimento
deste objeto: se ele ó de outra dimensão, poderia e deveria ser estudado com os métodos
utilizados para estudar o mundo físico? E se ele ó físico, como estudá-lo, se uma parte
dele não se apresenta para nós tal como o restante do mundo físico parece se apresentar?
Novamente após traçar brevemente a história, agora das posições chamadas de
behavioristas, Skinner (1969b) apresenta a posição característica do behaviorismo radical:
Ê particularmente importante que uma ciência do comportamento enfrente o problema
da privacidade. Ela pode fazer Isto sem abandonar a posição básica do behaviorismo. A ciência
freqüentemente fala sobre coisas que nâo pode ver ou medir. (...) Uma ciência do comportamento
adequada deve considerar os eventos que ocorrem dentro da pele do organismo, nâo como
mediadores fisiológicos do comportamento, mas como parte do próprio comportamento Podemos
lidar com esses eventos sem assumir que eles tenham qualquer natureza especial ou que devam
ser conhecidos de uma maneira especial. (...) Eventos públicos e privados têm os mesmos tipos
de dimensões físicas, (p.228)

A partir do que foi até aqui apresentado, podemos resumir os traços básicos da
proposta behaviorista radical para a psicologia, destacando quatro aspectos: a) os eventos
com os quais trabalha são da mesma natureza - têm as mesmas dimensões - que os
demais fenômenos do mundo físico ao nosso redor; b) isto vale também para os fenômenos
psicológicos chamados de privados, os eventos que não se apresentam para estudo como
a maioria dos fenômenos do mundo ao nosso redor; c) ao tratar com tais fenômenos, a
psicologia não precisa supor um tipo de conhecimento diferente do conhecimento científico
produzido em outras áreas do saber, afinal, as ciências que estudam o mundo ao nosso
redor também lidam com coisas que não podem ver ou medir diretamente, e, finalmente,
d) estes fenômenos não exigem métodos especiais para que possam ser estudados.
Considerando os últimos artigos publicados de Skinner (por exemplo, Can
Psychology Be a Science ofMind? ', 1990/1999), talvez se possa (ou se deva) acrescentar
à caracterização do behaviorismo radical um quinto aspecto: modelo causai de seleção
por conseqüências. É quase impossível, hoje, falarmos de behaviorismo radical sem

1 Etle rnllgo fa* porta, agora, do livro Cumulallve Ftecord; o artigo (o* acreecentado A republlcaçâo do livro feita pela B F Skinner Foundation (1099)

Sobre C om portdnicnlo c Cotfmç.lo 1 6 5


mencionar este modelo causai; nele encontramos a mais contundente resposta às propostas
de buscar no interior do organismo as causas do comportamento. Em linhas gerais,
segundo o modelo de seleção por conseqüências, o comportamento humano seria o
resultado de três processos de variação e seleção: a seleção natural, o condicionamento
operante e a transformação das culturas. Desta forma, as causas do comportamento
humano deveriam ser buscadas em três histórias de variação e seleção: a história da
espécie, a história do indivíduo e a história da cultura.
Até aqui, provavelmente, nada que chame nossa atenção; nada de tão novo assim
está sendo dito ou apresentado. Será, então, que a posição do behaviorismo radical,
aparentemente tão simples, causou algum impacto? Em nossa opinião, sim. E para falar
do impacto do behaviorismo radical sobre a explicação do comportamento humano, vamos
destacar algumas mudanças na forma de ver, de compreender e de explicar o
comportamento humano que a proposta behaviorísta radical acarreta.

Im p acto co m o m u dança
Com o objetivo de organizar a exposição das mudanças acarretadas pelo behaviorismo
radical, elas serão dividas em três tipos.
a) quatro mudanças fundam entais (nos fundam entos básicos para estudar o
comportamento)
Uma primeira mudança está afirmada no último trecho citado de Skinner: o que
ocorre dentro da pele de um organismo é considerado pelo behaviorista radical não como
mediadores fisiológicos do comportamento, mas como parte do próprio comportamento.
Esta afirmação nos remete à velha proposta do comportamento como objeto de
estudo e a um dos primeiros textos de Skinner (1931/1999), no qual ele defende
vigorosamente a peculiaridade do objeto de estudo da ciência do comportamento em
relação á fisiologia. Esta afirmação serve também para nos relembrar que o behaviorismo
radical não tem nada a ver com as concepções do tipo input/output ou do tipo caixa preta.
O behaviorismo radical é anti-reducionista: não ganhamos nada ao reduzir nosso objeto
de estudo - o comportamento - a um outro - alterações fisiológicas, e podemos perder
muito, podemos perder nosso objeto de estudo; já que é um organismo que se comporta,
todo comportamento poderia ser reduzido a alterações fisiológicas.
Esta afirmação exige que lidemos com o comportamento como relação. Assim,
as alterações dentro da pele do organismo são parte do comportamento porque são parte
de uma tríplice contingência; tais alterações podem ser: estímulos discriminativos, respostas
ou estímulos reforçadores.
Uma segunda mudança não está tão clara como a primeira. Ela se refere à própria
concepção de evento privado. Como Skinner se refere aos eventos privados quase sempre
como eventos que ocorrem dentro da pele do organismo, ele mesmo precisa alertar para
a inadequação ou limitação desta caracterização e faz isso mais de uma vez (1953/1965,
1969b, por exemplo). Nesta ocasiões, fica claro que a localização do evento - estar do
lado de dentro ou do lado de fora da pele do organismo - não é a fronteira adequada para
estabelecermos a classe de eventos que são considerados eventos privados, mas sim
que tais "fronteiras são os limites além dos quais a comunidade não pode manter

166 Tcrow M .iriii tlc A /evcdo Pircj Sino


contingências efetivas" (Skinner, 1969b, p.230). Em outras palavras, as fronteiras são
estabelecidas pela possibilidade da comunidade liberar conseqüências: é isto que define
o acesso que a comunidade reforçadora tem ao evento. Tal concepção exige, mais uma
vez, que lidemos com relações - as classes de eventos são definidas não por características
formais ou geográficas, imanentes aos eventos, mas por relações, no caso, o acesso de
diferentes observadores aos eventos. Assim definidas, tais classes são históricas, mutáveis.
Uma terceira mudança ó um pouco mais complicada que a anterior. Afirmar que
os eventos internos são iguais aos eventos do mundo físico ao nosso redor, com relação
a sua natureza, não significa negar ou não reconhecer a existência de diferenças entre
eles. Com relação a isto, Skinner (1969b) ó bastante claro, pelo menos quando aborda os
estímulos privados internos:
Há, 6 claro, diferenças entre estímulos externos e internos que não sâo meras diferenças na
localização. Estímulos proprloceptivos e interoceptivos têm uma certa Intimidade. Provavelmente,
eles devem ser especialmente familiares. Eles estão muito conosco; não podemos fugir de uma dor de
dentes tão facilmente como de um barulho ensurdecedor. Eles podem multo bem ser de um tipo
especial; os estímulos que sentimos no orgulho ou no mágoa podem não ser muito parecidos com os
que sentimos na lixa ou no cetim. Mas isto não significa que eles difiram com relação a seu ‘status’
fisico. Em particular, não significa que eles possam ser mais facilmente ou mais diretamente conhecidos.
(p.230)

Aqui, novamente, uma posição anti-reducionista: uma igualdade ontológica -


fenômenos da mesma natureza - e uma igualdade epistemológica - fenômenos que não
são conhecidos de forma especial - não significam igualdade comportamental - podem
existir peculiaridades na relação desses eventos com o próprio organismo que se comporta.
Nosso compromisso em afirmar uma igualdade não pode nos cegar diante de outras
possíveis diferenças.
Finalmente, a quarta mudança básica. Ao assumir o modelo selecionista de
causalidade, o behaviorismo radical se opõe a todas as abordagens mentalistas, desde
as mais tradicionais, bem conhecidas e já submetidas a críticas, até às mais recentes,
com ares de modernidade e que trazem o fascínio da novidade. As diferentes aparências,
as diferentes roupagens do mentalismo (por exemplo, o dinamismo psíquico freudiano, a
auto-imagem da psicologia humanista, as analogias computacionais da psicologia cognitiva
ou processos neuronais da neuropsicologia) não podem camuflar a sua estratégia básica:
"a transformação conceituai de dados comportamentais em processos cognitivos ou
mentais" (Ulman, 1991, p.60). Skinner (1990/1999) foi bastante claro ao indicara oposição
da concepção selecionista com o cognitivismo quando afirmou que:
Depois de quase um século e meio, a evolução não ê ainda muito entendida. Os defensores
de um criador se opõem a ela vigorosamente. Como resultado, ainda è impossível ensinar
adequadamente biologia em muitas escolas americanas. Tem sido proposto que uma ciôncia da
criação seja ensinada em seu lugar. O papel da variação e seleção no comportamento do indivíduo
sofre a mesma oposição. A ciência cognitiva é a ciôncia da criação da psicologia, na medida em
que ela luta para manter a posição da mente ou 'self. (p 672)

b) quatro mudanças especiais (que devem afetar diretamente o trabalho aplicado


do behaviorista radical)
Ao detalhar sua posição sobre os eventos privados, Skinner (1953/1965,1969b,
por exemplo) costuma enfatizar um aspecto que é, possivelmente, bem conhecido por
nós: estudar os eventos privados não significa atribuir a eles papel causai em um episódio

Sobre Comportamento c CoRnifào 1 6 7


comportamental; em outras palavras, os eventos privados não são causa dos eventos
públicos. Assumir esta proposta implica pelo menos em duas mudanças diretamente
relacionadas com a atuação prática do behaviorista radical. Vamos, mais uma vez, recorrer
diretamente a Skinner (1969b) para explicitar tais mudanças.
O caso das idéias
Inferimos as idéias de Newton a partir de coisas que ele disse e escreveu. O próprio
Newton sabia coisas que ele quase disse ou escreveu, assim como coisas que ele disse ou
escreveu e reformulou, mas as idéias que ele não expressou inteiramente nâo foram causas das
Idéias que ele expressou. Respostas encobertas nâo sâo as causas de respostas abertas,
ambas sõo produtos de variáveis comuns. Ê importante lembrar isso quando tentamos induzir
jovens a ter idéias. Por mais de dois mil anos, professores tèm tentado estimular mentes, exercitar
poderes racionais e implantar ou desmembrar idéias, e e/es têm muito pouco a mostrar sobre
isso. Um programa muito mais promissor é construir um ambiente educacional, verbal ou nâo
verbal, no qual certo tipo de coisas, algumas delas originais, possam ser ditas e escritas, (p.258)

Freqüentemente perguntamos a uma pessoa como ela se sente e, ao fazer assim,


obtemos informação útil. (...) Ao nos contar sobre seus sentimentos, ela relata informação que ê
útil para nós mas, que até aqui, estava disponivei apenas para ela. Entretanto, nâo sâo os seus
sentimentos que sâo importantes, mas as condições que ela sente. (...) não pedimos ao dentista
que faça seu próprio dente doer ou escolhemos um cardiologista apenas entre aqueles que têm
doenças cardíacas. Reconhecemos que o que é tratado é a condição sentida e nâo o sentimento.
A visão tradicional de que sentimentos sâo causas torna difícil ter a mesma visâo diante da
psiquiatria. Freqüentemente, considera-se que o psiquiatra está engajado em mudar sentimentos.
Seu objetivo 6 fazer com que um paciente adulto sinta-se menos ansioso ou uma criança mais
segura. Ainda assim, ele muda o que é sentido, (p.259)

O que está sendo ressaltado, nos dois casos, é que a posição behaviorista radical
diante dos eventos privados é uma resposta às concepções mentalistas e não uma brecha
para que tais concepções ressurjam disfarçadas e fortalecidas. A critica ao mentalismo para
ser conseqüente depende de considerarmos o organismo como um todo em sua interação
com o ambiente.
Desta forma, quando colocamos nas respostas encobertas um papel especial
pelo único fato delas serem encobertas, estamos caindo no fascínio do não visto e, mesmo
sem querer, estamos a um passo do mentalismo, já que transformamos uma questão de
acesso em uma questão de primazia e de qualidade; qualidades diferentes já significam
um organismo dividido. Além disso, afastamo-nos das condições realmente responsáveis
por tais respostas. Quando consideramos sentimentos como o objetivo de nossa atuação,
deixamos de lidar com o que ó sentido, isto ó, com as condições corporais que são
alteradas quando o organismo interage com o ambiente. Novamente, fragmentamos o
organismo, agora ao desconsiderar parte dele que está mudando. No melhor dos casos,
confundimos o que ó sentido com o sentimento - observação e relato do que é sentido;
isto ó, confundimos contigências diferentes. Mais uma vez, afastamo-nos das condições
realmente responsáveis, neste caso, pelo que é sentido.
Um outro aspecto também comumente enfatizado por Skinner (1953/1965,1969b,
por exemplo), quando ele aborda os eventos privados, refere-se aos comportamentos
encobertos ditos sensoriais (ver, ouvir, tatear etc). Skinner enfatiza que tais comportamentos
são comportamentos discriminativos, comportamentos que envolvem, portanto, controle
de estímulos sobre determinadas respostas e não a reprodução desses estímulos; formas
de ação em relação ao mundo a nosso redor e nâo formas de reprodução desse mundo.

168 Tcrc/.i dc A/evetlo Pire* Sório


Nós vemos um determinado objeto e não uma cópia (imagem) deste objeto que foi
reproduzida por nós mesmos:
Em algum ponto o organismo deve fazer mais do que criar duplicatas. Ele deve ver, ouvir,
cheirar e assim por dianto, como formas de ação e nâo de reprodução. Ele deve faier algumas
é
das coisas pelas quais ele diferenclalmente reforçado por fazer, quando ele aprende a
responder discrlminatlvamente. (Skinner, 1969b, pp.231.232)

Como qualquer outra resposta operante, estas respostas são multidereminada;


além do estimulo discriminativo que as evocam, outras variáveis podem ser responsáveis
por sua emissão. Assim, estas respostas podem ocorrer na ausência do estímulo
discriminativo que em geral as evoca, se estas outras variáveis estiverem presentes,
exercendo controle sobre a resposta. Isto quer dizer que é possível ocorrer o comportamento
de ver na ausência da coisa vista. Com estas considerações, podemos abordar a terceira
mudança especial.
o caso do sonho
Se o ver nôo requer a presença das coisas vistas, nào precisamos nos preocupar com
certos processos mentais que são considerados como estando envolvidos na construção de tais
coisas - imagens, memórias e sonhos, por exemplo. Podemos considerar um sonho, nâo como
uma exibição de coisas vistas pelo sonhador, mas simplesmente como o comportamento de ver.
Em nenhum momento durante o sonhar acordado, por exemplo, deveríamos esperar encontrar
dentro do organismo qualquer coisa que corresponda aos estímulos externos presentes quando
pela primeira vez o sonhador adquiriu o comportamento no qual ele está agora engajado. (...) O
homem levou muito tempo para entender que quando ele sonhava com um lobo, nenhum lobo
estava realmente lá. Ele levará multo mais tempo para entender que nem mesmo há uma
representação do lobo. (Skinner, 1969b, p.234)

Talvez nunca seja demais repetir: ao sonhar, o homem está simplesmente emitindo
o comportamento de ver sem que aquilo que ele está vendo esteja presente; ele não está
contando algo que já viveu, não está contando algo que gostaria de viver ou que gostaria de
dizer ou mesmo que gostaria de esconder: ele está simplesmente vendo na ausência da
coisa vista, ou seja, na ausência dos estímulos discriminativos que, em geral, evocam
aquele comportamento de ver. Portanto, o que cabe perguntar sobre este comportamento
ó: que variáveis são responsáveis pela emissão do comportamento? Com esta concepção,
o sonhar, para ser descrito, compreendido e explicado, deve ser tratado como qualquer
outro comportamento operante; como o andar, por exemplo. Como para qualquer outro
comportamento precisamos perguntar pelas variáveis que o constituem, responsáveis por
sua ocorrência. Sonhar exige ou merece interpretação como qualquer outro comportamento,
e, se interpretar é buscar o significado, devemos lembrar, mais uma vez que, como para
qualquer comportamento, o significado não é propriedade da resposta - neste caso, do
sonho - , ele deve ser encontrado nas contingências relacionadas com a emissão da
resposta (Skinner, 1953/1965,1974, por exemplo).
o caso do auto-conhecimento
As relações entre organismo e ambiente envolvidas no conhecimento sâo de um tipo tal
que a privacidade do mundo dentro da pele impõe limitações mais sérias ao conhecimento pessoal
do que à acessibilidade daquele mundo para o cientista. (...) A comunidade geralmente está
interessada no que um homem está fazendo, no que ele fez ou no que está planejando fazer e no
porquê, e ela arranja contingências que geram respostas verbais que nomeiam e descrevem
estímulos externos e internos associados com aqueles eventos. (...) A *consciência" resultante a
partir de tudo isso é um produto social. (Skinner, 1969b, pp.228,229)

Sobre Com portam ento e C o gn ifíio 1 6 9


O auto-conhecimento ó apenas o conhecimento no qual o sujeito que produz
conhecimento é também o objeto conhecido. A especificação ‘auto’ refere-se ao objeto do
conhecimento e não à forma ou maneira que o conhecimento ó produzido. Para o
behaviorismo radical, o auto-conhecimento não é imediato; ao contrário, ele ó sempre
mediado por outros. Isto que dizer que o auto-conhecimento não ocorre necessariamente
e espontaneamente, mas quer dizer mais: uma pessoa que viva isolada, distanciada de
um grupo não irá sequer ter curiosidades a seu respeito, ela não se apresenta a si mesmo
como objeto de conhecimento. A quantidade e a qualidade de conhecimento que uma
pessoa terá sobre si mesma dependerão dos interesses que o grupo social tem nela.
Assim, se quisermos apurar nosso auto-conhecimento devemos, em primeiro lugar, voltar
nossa atenção para apurar o comportamento de nosso grupo em relação a nós e não
voltar nossa atenção para apurar nosso próprio comportamento; nosso conhecimento sobre
nós mesmos será apurado apenas como conseqüência do refinamento social.
c) uma mudança geral (que deve afetar profundam ente o cotidiano de todo
behaviorista radical)
Se ser diferente de outras propostas implica mudança, podemos dizer que Skinner
(1972/1978) foi bastante claro ao indicar todo o impacto que sua proposta acarreta, toda
mudança que exige. Ele mesmo se pergunta sobre o que está querendo dizer quando
apresenta algumas das características básicas do behaviorismo radical:
"Eu quero dizer que Platão nunca descobriu a mente ? Ou que (...) Descartes, Locke e
Kant estavam preocupados com subprodutos incidentais, freqüentemente irrelevantes, do
comportamento humano? Ou que as leis mentais de psicofisiólogos como Wundt, ou o fluxo da
consciência de William James, ou o aparato mental de Slgmund Freud não tiveram papel útil no
entendimento do comportamento humano? Sim. eu quero. E eu coloco o assunto nitidamente
porque, se devemos resolver os problemas com os quais nos defrontamos no mundo hoje, esta
preocupação com a vida mental não deve mais desviar nossa atenção das condições ambientais
das quais o comportamento humano è função." (p.51)

Talvez seja difícil encontrar um trecho mais claro do que este. Com ele aprendemos
que o behaviorismo radical difere de parte significativa das orientações presentes na
psicologia por não aceitar as proposições básicas dessas outras orientações. E aprendemos,
também, que há uma diferença mais importante, o behaviorismo radical difere dessas
outras propostas por tratar a sua proposta filosófica como instrumento de transformação
social. Aqui talvez esteja sua maior diferença e, portanto, a mudança mais radical que ele
acarreta.

Criando condições para a mudança


Digamos que as mudanças aqui indicadas sejam representativas do tipo e da
extensão das mudanças que uma filosofia behaviorista radical exige se quisermos assumi-
la como orientação para nosso trabalho. Como podemos efetivar tais mudanças ?
Um primeiro passo poderia ser analisar as contingências que produziram filósofos
behavioristas radicais. Nada melhor do que escolhermos Skinner como tal filósofo.
É possível que a própria distinção que Skinner estabelece entre o que ele classifica
como filosofia (e chama de behaviorismo radical) e o que ele classifica como ciôncia (e
chama de análise experimental do comportamento), o cuidado que tem em recorrentemente
apresentar esta distinção e o cuidado em detalhar as características básicas de sua

1 7 0 lcrc/«i M .irui ilc A /fv c d o Pire* Sério


proposta filosófica sejam decorrentes das preocupações que aproximaram Skinner da
psicologia. Alguns trechos de uma entrevista de Skinner (1979) para a revista Behaviorists
For Social Action Journal mostram de forma resumida e clara este percurso:
(...) eu vim para o behaviorismo procurando uma teoria do conhecimento. Eu nâo conhecia
nada sobre psicologia. Eu nunca tinha tido um curso sobre o assunto. Eu pensava que behaviorismo
fosse psicologia. (...) Eu nâo era um positivista lógico. (...) Eu também nâo em um positivista
comteano. Comte foi um tipo de estruturaiista e, de acordo com essa visâo, apenas o que pode ser
observado Importa, o que quer dizer o mundo físico. Isto excluía sensação, percepção, instinto,
personalidade, drive - todas as coisas dentro que estavam (supostamente) levando o organismo
a se comportar. Mas eu deixei claro em meu artigo de 1945 - e este foi, eu penso, um de meus
artigos mais importantes - nôs observamos eventos privados e o fato de que duas pessoas nâo
possam observá-los nâo os faz absolutamente menos reais, (p.47)

Além de saber o que procurava, alguns dos textos escritos por Skinner mostram
a incursão, a exploração, o estudo dos mais diversos assuntos, como por exemplo, pintura,
literatura, história, história da filosofia, história da ciência, história da tecnologia, etimologia.
Um bom exemplo desta versatilidade pode ser encontrado no artigo The machine that is
man (1969a). Neste artigo, Skinner discute alguns aspectos relacionados ao behaviorismo
radical. Para fazer isto parte de um trecho de texto literário, analisa uma pintura de
Michelangelo, passa pela história da filosofia e pela história do desenvolvimento tecnológico.
Podemos dizer que, a partir de todos estes 'elementos’, Skinner anafisa as variáveis que
têm controlado o comportamento humano de explicar o comportamento humano.
Além de muito estudo, os textos produzidos por Skinner quase sempre revelam
uma extrema sensibilidade para os problemas e ações humanas. A impressão que se tem
é que ele refletia sobre todos os aspectos envolvidos na vida do homem. Parece que não
havia aspectos proibidos ou menos interessantes. Não raro somos surpreendidos, ao ler
seus textos, com os comentários que faz sobre tais aspectos. Quem espera encontrar,
em uma nota sobre o comportamento de ver, a seguinte afirmação:
O verdadeiro amante se distingue pelo fato de que ele nâo precisa de estímulos para ver
seu amado. Ê possível quo as religiões tenham proscrito a Idolatria por esta razâo. O uso de um
ídolo para ver um deus é um sinal de fraqueza. (Skinner, 1969b, p.253)

Além de observar e analisar os homens se comportando, Skinner parecia sempre


estar preparado, disposto para a mudança. Sua posição sobre o futuro do behaviorismo
radical (Skinner, 1969b) exemplifica isto:
O behaviorismo, como nôs o conhecemos, finalmente morrerá - nâo porque é um
fracasso, mas porque é um sucesso. Como uma filosofia crítica da ciência, ele necessariamente
mudará à medida que uma ciência do comportamento for mudando e as questões atuais que
definem o behaviorismo forem sendo totalmente resolvidas. (...) Um behaviorismo radical ataca as
explicações duallstas do comportamento, em primeiro lugar, para clarificar suas próprias práticas
cientificas, e deve fazer assim, finalmente, para construir sua contribuição para os assuntos
humanos. A medida que aumenta seu poder, como ciência básica e como fonte de uma tecnologia,
uma análise do comportamento reduz o escopo de explicações dualistas e deveria, finalmente,
dispensá-las completamente. O behaviorismo, como um ismo, será, então, absorvido por uma
ciência do comportamento. Sempre pode haver lugar para uma lógica da ciência peculiar a uma tal
ciência, mas ela nâo lidará com as questões que definem o behaviorismo hoje. (p.267)

Estes exemplos podem nos dar pistas sobre as contingências em vigor; pelo
menos, eles indicam alguns comportamentos que, de alguma forma, acompanharam o
filosofar de Skinner. O que de mais claro eles nos indicam ó que a primeira condição que
precisamos criar, se quisermos produzir em nós as mudanças exigidas pelo behaviorismo

Sobre Comportamento e Cotfmv*1o 171


radical, ó aceitar o duplo convite feito por este behaviorismo: convite para o estudo,
sistemático e continuo, e convite para a ação.

Referências

ülman, J. (1991) Tòward a Syntbesis of Marx and Skinner. Behavior and Social Issues, 1, 57-70.
Skinner, B. F. (1931/1999) The Concept of the Reflex in the Description of Behavior. Em B.F.
Skinner (1999) Cumulativo Record. Acton, Mass.: Copley Publishing Group,
Skinner, B. F. (1953/1965) Science and Human Behavior. New York: The Free Press.
Skinner, B. F. (1969a) The Machine that is Man. Psychology Today, 2, 20-25, 60-63.
Skinner, B. F. (1969b) Contingencies of Reinforcement. New York: Appleton-Century-Crofts.
Skinner, B. F. (1972/1978) Humanism and Behaviorism. Em B. F. Skinner (1978) Refloctions on
Behaviorism and Society, Englewood Cliffs, N.J.: Prentice-Hall .
Skinner, B. F. (1974) About Behaviorism. New York: Alfred A . Knopf.
Skinner, B. F. (1979) Interview with B.F. Skinner. Behaviorists for Social Action Journal, 2, 47-52.
Skinner, B. F. (1990/1999) Can Psychology Be a Science of Mind?. Em B.F. Skinner (1999)
Cumulative Record. Acton, Mass.: Copley Publishing Group.

172 fere/d M iiru i dc A/evcdo Pires Sírio


Capítulo 24
Tabagismo

Monte/uma Pimenta ferreira


Instituto de Psiquiatria do / lospital das C 'linicas
da Faculdade i/ c M e d ic in a da Universidade dc Silo l\tu lo

Cerca do 500 mllhôes do tabagistas atualmente vivo» irflo morrer por causa de doenças causadas pelo tabaco se nâo
pararem de fumar A maioria dos fumantes dos países ocidentais sabe que o cigarro faz mal. No entanto, aponas 1-3%
conseguem parar após uma tentativa nâo assistida. Esta dificuldade evidencia o fato de que o tabagismo é uma dependência
grave. A droga Implicada nesta dependência é a nicotina. Os mecanismos envolvidos sAo similares aos das dependências
de heroina e de cocaína. Todo tabaglsta atendido por um profissional de saúde deveria ser Identificado e Indagado sobre sua
disposição para largar o cigarro. Os tratamentos eficientes baseiam-s« nos seguintes princípios: a) aconselhamento prático,
envolvendo resolução geral de problemas e treinamento de habilidades especificas; b) provisão do suporto social Intrínseco
ao tratamento; c) auxilio na obtençflo de suporte social extrlnseco ao tratamento; d) farmacoterapia. Ao contrário do que so
costuma pensar, o tratamento farmacolôglco deve ser recomendado como parle do tratamento da grande maioria dos
fumantes Uma forma de tratanwnto farmacolôgtco, a reposição de nicotina através de goma de mascar, pode ser prescrita
por profissionais de saúde nâo médicos e A abordada mais detalhadamente neste texto
Palavras-chave: tratamento da dependência de nicotina.

Aproximately 500 mllllon smokers will dlo because of tobacco-related diseases if they do not quit. Most smokers In ttm
western world already know that tobacco Is harmful to health and would llke to stop However, only 1-3% achieve success
after a single unassissted atempt This dlfficulty points to the fact that the regular usa o tobacco is a serious drug
dopendonce. The drug that causes (hls dependence is nicotlne. The pharmacological and behavioural mechanlsms involved
In It are similar to those implicated In the dependence of such drugs as heroin and cocaine. Every smoker seen by a health
professional should be lòentifled and aakad ti he wouW like to stop. The «ftoctive treatment* avatlable are based on the
following principies: a) practlcal counseling, includlng problem solving and skills tralnlng; b) provision of Intrateatment social
support; c) help in obtainlng social support outside treatment; and d) pharmacotherapy Contrary to what most poople
probably think. pharmacological treatment should be recommended to almost every smoker. Ono specific form of such
treatment, nlcotine replament uslng nlcotine gum, can be prescribed by non-medlcal health professionals. For this reaaon, its
use is glven speclal emphasis In this article.
Kay words: nicotlne dopendonce treatment

Segundo a Organização Mundial da Saúde (1999), o tabaco causa quatro


milhões de mortes por ano em todo o mundo. Isto ó mais do que todas as mortes
devidas ao álcool, à cocaína, à heroína, aos suicídios, homicídios, acidentes de trânsito,
incêndios e à AIDS juntas! Mantidas as tendências atuais, em 2025 o tabaco causará
cerca de 10 milhões de mortes apenas naquele ano. Estima-se que, do 1,1 bilhão de
fumantes atualmente vivos, metade - cerca de 500 milhões de pessoas - acabem
morrendo por causa do tabaco.
Atualmente, a maioria dos fumantes sabe que o cigarro faz mal à saúde e
gostaria de largá-lo. Estima-se que 70% dos tabagistas tentem isto a cada ano. No
entanto, apenas 1-3% conseguem parar para sempre. Um estudo clássico constatou

Sobre Comportiimcnfo c Co#mç*1o 173


que a curva de recaída do tabagismo é igual àquelas associadas à dependência do áfcoof
eà de heroína (Hunt, Barnette Branch, 1971).
A dificuldade de parar de fumar e os mecanismos envolvidos no tabagismo
caracterizam o tabagismo como uma dependência de uma substância psicoativa. Este
fato é realçado pelas conclusões principais do relatório de 1988 do Surgeon General norte-
americano (USDHHS, 1988):
1.Cigarros e outros produtos de tabaco causam dependência;
2.A nicotina é a droga presente no tabaco que causa a dependência;
3.0s processos farmacológicos e comportamentais que determinam a dependência
do tabaco são similares àqueles que determinam a dependência a drogas tais como a
heroína e a cocaína.
Três tipos de mecanismos são fundamentais na fisiopatologia da dependência do
tabaco:
1.A nicotina estimula o sistema de recompensa;
2.0 uso de nicotina leva ao estabelecimento de uma síndrome de abstinência;
3.0 consumo de nicotina associa-se a um grande número de situações.
A nicotina apresenta efeitos estimulantes e sedativos que variam de acordo com
o contexto de consumo de cigarros.
Os principais efeitos estimulantes sào aumento do alerta, uma sensação global
de prazer e bem-estar, aumento da vigilância e da capacidade de manter a atenção por
períodos mais longos, e diminuição do apetite e do peso (USDHHS, 1988).
Devido ao pH levemente ácido de sua fumaça, a nicotina de um cigarro não é
absorvida através da mucosa oral e deve ser tragada até os pulmões. Nos pulmões, 90%
da nicotina da corrente principal é rapidamente absorvida: as primeiras moléculas atingem
o cérebro em menos de vinte segundos e concentrações elevadas são uma questão de
minutos. Coerentemente, fumantes de cigarros reportam que os efeitos de um cigarro são
quase imediatos.
A nicotina absorvida ó extensamente metabolizada e rapidamente excretada; sua
meia-vida é de aproximadamente 120 minutos.
O uso regular de nicotina causa o desenvolvimento de neuroadaptação e de
considerável tolerância a muitos dos efeitos desagradáveis das primeiras tragadas, tais
como tosse, tontura e náusea. O aumento da dose consumida também é muito grande.
Noventa por cento dos fumantes consomem mais do que 12-14 cigarros por dia, e têm
dificuldade de diminuir esta dose.
Quanto tentam parar de fumar, cerca de 80% dos fumantes apresentam sintomas
de uma síndrome de abstinência. Esta síndrome instala-se rapidamente, horas depois do
último cigarro, e é caracterizada por ansiedade, humor depressivo, irritabilidade, inquietação,
dificuldade de concentração e diminuição do rendimento cognitivo, alterações do sono,
aumento do apetite. Os sintomas atingem o auge na primeira semana de abstinência e
podem durar de duas a seis semanas (USDHHS, 1988). Aqueles que fumam mais do que
20 cigarros por dia, que fumam o primeiro cigarro do dia menos de meia hora depois de
levantar estão mais sujeitos a apresentar uma síndrome de abstinência mais intensa.

174 Monte/uma Pimenta Ferreira


Do ponto de vista da análise funcional do comportamento, o consumo de cigarros
mantóm-se por reforço positivo e negativo. Múltiplos estímulos e contextos complexos
podem funcionar como discriminativos para seu consumo de cigarros.
Fumantes costumam acender cigarros em diversas situações cotidianas, tais
como: depois de acordar, ao dirigir, ao ler jornal, revista ou livro, nos intervalos do trabalho,
aos assistir televisão, após terminar uma refeição, ao falar ao telefone, em reuniões sociais,
ao jogar cartas, durante uma discussão ou situação de confronto, quando ocorrem crises
ou eventos inesperados, ao trabalhar sob pressão, ao aguardar um compromisso, ao
beber álcool, café, ao sentir dor.
Shifmann e cols. (1993) procuraram identificar os contextos mais implicados nas
recaídas do tabagismo, dividindo-os em situações marcadas por afetos negativos e situações
marcadas por afetos positivos. Afetos negativos e estresse foram citados como
precipitadores de recaídas em pouco mais da metade dos eventos. Exemplos relevantes
incluem situações marcadas por frustração, raiva, depressão e tédio. A típica situação de
recaída dentre as que se associam a afeto positivo ó a de socialização com outros fumantes,
especialmente se estiverem consumindo álcool.
Assim, por exemplo, o Sr. A, um engenheiro de 45 anos, que fumava 25 cigarros
por dia e havia largado os cigarros, tinha uma especial dificuldade de manter-se sem fumar
quando se encontrava com seus amigos no fim de semana para jogar tênis e depois bater
papo enquanto bebiam cerveja. A visão dos fumantes expirando prazerosamente a fumaça
e o cheiro dela desencadeavam associações que o faziam lembrar-se preferencialmente
dos aspectos positivos ligados ao consumo de cigarros em situações semelhantes no
passado.
Analogamente, a Sra. B, uma secretária de 30 anos, costumava apresentar
automaticamente o pensamento de que “precisava fumar para se acalmar e concentrar",
quando se via com o serviço atrasado no escritório.

Visão geral do tratamento do tabagismo


O tratamento do tabagismo é uma necessidade de saúde pública. Sem ele, milhões
de fumantes não conseguirão parar de fumar e morrerão prematuramente.
Uma revisão recente coordenada por Fiore e cols. (2000) estabeleceu o que se
pode considerar a base científica do tratamento do tabagismo até o momento. Esta revisão
servirá de base para todo o restante deste texto.
Fiore e cols. propuseram que a abordagem clínica do tabagismo seja baseada
nos seguintes princípios:
1. A dependência do tabaco é uma condição crônica que freqüentemente requer
intervenções repetidas;
2. Apesar disso, existem tratamentos eficientes capazes de produzir abstinência
prolongada ou mesmo permanente;
3. Todo paciente que usa tabaco deveria receber a oferta de pelo menos um
destes tratamentos;

Sobre Comportamento e CoflnlçAo 175


4. É essencial que os profissionais e os sistemas de saúde implementem medidas
consistentes para identificar, documentar a existência de, e tratar todos pacientes que
fumem;
5. Tratamentos breves para o tabagismo sâo eficientes e todo paciente que consome
tabaco deveria receber uma oferta de pelo menos isto.
A mesma revisão identificou as seguintes intervenções medicamentosas e cognitivo-
comportamentaís como as mais eficazes:
6. Aconselhamento prático, envolvendo resolução geral de problemas e treinamento
de habilidades específicas;
7. Provisão de suporte social intrínseco ao tratamento;
8. Auxílio na obtenção de suporte social extrínseco ao tratamento;
9. Farmacoterapia.
Tratamentos aversivos também se mostraram eficientes, mas este resultado deve
ser visto com cautela, pois contraria o conhecimento estabelecido.
O tratamento do tabagismo costuma ser organizado em etapas:
1. Identificação dos fumantes;
2. Oferecimento do tratamento/motivação;
3. Planejamento e preparação;
4. Retirada dos cigarros;
5. Seguimento.
As perguntas mais importantes para a identificação dos fumantes são as seguintes:
1. Você fuma?
2. Quantos cigarros por dia?
3. Gostaria de parar?
4. Poderíamos discutir a questão? (em caso negativo)
5. Gostaria de auxílio para parar de fumar? (em caso positivo)
Não ó de surpreender que as técnicas mais eficientes para o tratamento do
tabagismo baseiem-se na detecção de situações de alto risco para o consumo de cigarros
(inclusive através de automonitoração) e no desenvolvimento de estratégias concretas
para o enfrentamento destas. Deve-se apenas ressaltar que, fora dos consultórios de
terapia comportamental, a maior parte dos fumantes prefere abordagens breves e mais
diretivas.

Tratamento farmacológico

Tratamento farmacológico deve ser oferecido a todo fumante que esteja


considerando parar e não apresente uma contra-indicação. Estas são poucas e infrequentes.
Os medicamentos mais comprovadamente eficazes, sugeridos como primeira
linha para o tratamento do tabagismo, são a bupropiona e a nicotina em diferentes

176 Monte/unni Pimcnla ferreira


apresentações (goma, patch, spray e inhaler). Os medicamentos de segunda linha para o
tratamento do tabagismo são a clonidina e a nortriptilina.
A goma de nicotina pode elevar em 50% as chances de sucesso no tratamento. Seu
uso nâo requer prescrição médica e deveria ser conhecido pelos diferentes profissionais de
saúde. Por este motivo, será abordado mais detalhadamente.
A goma de nicotina ó segura para a maioria dos fumantes. Situações que requerem
cuidado e a avaliação de um especialista são a presença de gravidez e de doenças
cardiovasculares instáveis, tais como angina, arritmias ou infarto miocárdico recente.
Os efeitos colaterais mais comuns são dor na mucosa oral, soluços, dispepsia e dor
na articulação têmporo-mandibular.

No Brasil, a goma de nicotina contém 2 mg do princípio ativo. Em outros palses, há


também uma apresentação com 4 mg por unidade. Tipicamente, começa-se o uso da goma
no dia de abandono dos cigarros. A dose inicial costuma situar-se por volta de uma unidade
a cada uma ou duas horas, podendo ser aumentada até 24 unidades por dia. O uso programado,
a intervalos regulares e antes que a vontade de fumar seja intensa, costuma ser mais eficiente.
A dose inicial da goma deve ser mantida por dois ou trés meses, quando pode começar a ser
diminuída.
O emprego da correta técnica de mascar é fundamental para a absorção da nicotina.
A desatenção a este princípio costuma comprometer o sucesso do tratamento. A goma deve
ser mascada lenta mas vigorosamente até que se note um gosto picante característico.
Então, ela deve ser estacionada entre a bochecha e a gengiva. Períodos de mascar e estacionar
sucedem-se ató a goma perder o sabor por cerca de vinte a trinta minutos.
A acidificação da mucosa oral por refrigerantes, sucos, café ou doces impede a
absorção da nicotina. Por este motivo, o consumo de qualquer coisa que não seja água deve
ser evitado de quinze minutos antes ató quinze minutos depois do uso da goma. Também se
deve evitar beber água enquanto a goma é mascada e por algum tempo depois, pois a água
poderia "lavar" a nicotina da mucosa.
Dois problemas comuns no tratamento do tabagismo são depressão e ganho de
peso.
No primeiro caso, o fumante deve ser encaminhado a um especialista para terapia e,
geralmente, prescrição de medicamentos específicos (note-se que a bupropiona e a nortriptilina
são antidepressivos).
Ganho de peso após o abandono dos cigarros é freqüente, mas não costuma ser
grande. Informação a este respeito costuma ser suficiente para tranqüilizar a maioria dos
fumantes. Outras medidas que podem ser úteis incluem aumento da atividade física,
implementação de uma dieta mais saudável e a prescrição de bupropiona.
Em resumo, o tabagismo é um dos maiores problemas de saúde pública. Com as
técnicas disponíveis, todos os profissionais de saúde podem contribuir para o seu tratamento.

Sobre Comportdmcnio e Co#r>iç«lo 177


Referências

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Clinicai Practice Guidellne, US Doaprtment of Heatb and Human Services. Rockville,
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Hunt, W.A., Barnett, L.W., Branch, L.G. (1971) Relapse rates in addicition programs. Journal of
Clinicai Psychology 27(4):455-456, October.
Shifman, S., Read, L., Maltese, J., Rapkin, D., Jarvik, M. (1993) Prevenção de recaída em ex-
fumantes: uma abordagem de automanejo in Marlatt, G. A., Gordon, J. R. Prevenção de
Recaída - Estratégias de manutenção no tratamento de comportamentos adictivos. Porto
Alegre, Artes Médicas.
USDHHS. United States Department of Health and Human Services, Public Health Services.
The health consequences of smoking: nicotine addicition -a report of the Surgeon General.
Washington, DC, US Government Priting Office, 1988.
OMS (1999)- World Health Organization. Combating the tobacco epidemic. Pp 65-79

178 M onte/um a Pimenta herreir.»


Capítulo 25
A s principais correntes dentro da Terapia
Comportamental - uma taxonomia
Luc Vandcnberghc
UmvcrsnLnic Cifó/icd dc í/oiJtiM

A distinção tradicional entre terapia comportamental. cognitiva e construtivista é uma classificação superficial que não só
engana porque desconsidera as semelhanças importantes entre as três famílias, mas também porque ó Irrelevante na
identlficaçáo de diferencias essenciais que existem na atuaçAo clinica. Todas as trés linhas trabalham com os padrões de
açAo do clienle, com a influência do pensamento sobre a açAo e com a maneira com que a pessoa constrói os seus valores
e o sentido da aua vida Por outro lado, percebemos que certas abordagens focalizam processos Internos e outras, Internos
fl que certas trabalham com eventos programadas em funçAo da terapia, enquanto outros privilegiam eventos naturaiu Uma
taxonomia das técnicas terapêuticas, centrada nestas distinções ó mais útil para Indicação do tratamento e para pesquisa
sobre eficácia, do que a dlstlnçAo baseada nas origens históricas das abordagens
Palavras-chave: taxonomia do tratamentos, comportamental, cognitivo, construclonista.

The traditional distinction between behavioural, cognitivo and constructivist Iherupieu is superficial and misleadmg because
It not only fnlls to consider important similaritios between the threo famllles, bul also because it is Irrelevant for idnntifying
essential differences In clinicai practice. Each of the three currents works with the cllent'8 pattems of actlon, lhe Influence
of thinking over actlon and the way a person constructs hls or hor values and meaning of llfe. On the other hand, wo see that
certaln approaches focalise internai processes whlle other ones focallse internai ones and that certain work with contrlved
evenls whlle other ones prefer natural ovents. A taxonomy of therapeutic techniques, centred In these dlstincNons is more
useful for treatment-selectlon and for research on treatment-efficlency, than a classiflcfltlon based on the historical orlglns
of approaches
K«y words: treatmonts taxonomy, behavioural, cogmtive, constructlonlst

1. As múltiplas faces da terapia comportamental

Neste trabalho, uma taxonomia é proposta para clarificar as diferentes práticas


que existem no seio da terapia comportamental. A distinção entre terapia "cognitivo-
comportamental" e “terapia comportamental", embora seja corrente nos meios clínicos, ó
baseada numa multiplicidade de posições meta-teóricas e não necessariamente separa
estratégias clínicas realmente diferentes. Enquanto uma parte da família das terapias
comportamentais se chama de cognitiva e outra não, nenhuma das duas pressupunha
que os pensamentos dos clientes não teriam um papel nos seus problemas que não
precisariam ser considerados no tratamento (Guilhardi, 1995).
A terapia cognitivo-comportamental ó em si uma categoria muita heterogênea, e a
mesma observação pode ser feita a respeito da terapia comportamental que se define pela
ausência da qualificação “cognitiva". Ambos os termos podem referir a correntes de
pensamento clínicos, às vezes muito divergentes, e nem sempre bem distinguidos. Este

Sobre Comportumcnto c CognlçJo 179


diversidade existe tanto do lado cognitivista do espectro, quanto do lado behaviorista. Os
termos cognitivismo e comportamentalismo podem ser usados para significar as posições
filosóficas mais diversas. Terapia cognitiva pode aderir a uma visâo mecanicista do homem,
em que estruturas cognitivas são inseridas em cadeias de causação linear ou pode ser
pós-moderna ou construtivista (Nabuco e Shinohara, 1998). Entre os comportamentalistas
que não usam o rótulo cognitivo, encontramos tanto behavioristas radicais (Banaco, 1997;
Guilhardi e Queiroz, 1997) quanto behavioristas metodológicos como Eysenck (1987).
A Terapia de Aceitação e Compromisso (Hayes, Strosahl e Wilson, 1999), a
Psicoterapia Analítica Funcional (Kohlenberg e Tsai, 1991), a Terapia Comportamental
Racional Emotiva (Ellis, 1985) e a Terapia Cognitiva (Beck e Freeman, 1993) representam
tradições claramente articuladas na literatura. Cada um destes rótulos identifica um conjunto
de idéias e estratégias clínicas bem identificados na literatura, mas em muitos casos
parece que o que ó feito durante a sessão nas diferentes linhas, se assemelha muito mais
do que os conceitos teóricos que sustentam as práticas. O presente trabalho visa
sistematizar as convergências e divergências mais relevantes.

2. O múltiplo nascimento da terapia comportamental

A multiplicidade da terapia comportamental não pode ser compreendida sem


conhecimento da sua história. E(a nunca constituiu uma corrente unificada. Podemos
apontar diferentes escolas fundadoras, cada uma com seus próprios enfoques filosóficos
e princípios de tratamento.
Quem colocou na prática as idéias de Watson e Rayner (1920) sobre a aplicação
clínica do condicionamento clássico às emoções foi Mary Cover Jones (1924). Com seus
tratamentos de problemas de ansiedade em crianças, ela se tornou a primeira terapeuta
comportamental. Seguiram-se nos anos 30 e 40 trabalhos de vários behavioristas norte-
americanos, como Duníap, Guthry e Salter, que usaram raciocínios similares, no tratamento
de distúrbios neuróticos, baseando-se no paradigma de aprendizagem Pavloviano. Entre
as estratégias usadas por estes pioneiros encontramos várias das técnicas que iam ser
re-inventadas e divulgados décadas depois como inundação ou imersão, exposição gradual,
inversão de hábito e até a instrução paradoxal. O movimento perdeu todo seu ímpeto
quando a psicanálise veio dominar a área da saúde mental Norte-Americana quase
completamente durante mais de duas décadas (Schorr, 1984).
Quando os princípios operantes foram aplicados a problemas clínicos (Skinner,
Solmon e Lindsley, 1953), uma nova forma de atuação comportamental, radicalmente
diferente da anterior, tanto no seu paradigma quanto na sua tecnologia, tornou-se possível.
Esta se desenvolveu no início vagarosamente, a partir de trabalhos isolados, e se solidificou
num movimento, somente a partir da segunda metade dos anos sessenta (Schorr, 1984).
Enquanto quase extinta nos Estados Unidos, a abordagem clássica renasceu
simultaneamente em diferentes lugares onde os trabalhos de Salter e de Jones despertaram
o interesse de uma nova geração, numa psicoterapia baseada nos princípios de
aprendizagem Pavlovianos. Wolpe e seu grupo desenvolveram, na Africa do Sul, a
dessensibilização sistemática. Na Inglaterra, o Grupo de Maudsley, liderado por Eysenck,
já estava aplicando técnicas de condicionamento e de extinção Pavlovianos em 1952 e
começaram a publicar sobre eles a partir de 1956 (Yates, 1970a; Franks, 1993).

180 Luc Vtm denbcrfthc


3. Análise Aplicada do Comportamento

O conceito de “Modificação do Comportamento” tornou-se o rótulo para todas as


aplicações dos princípios operantes a problemas de importância social, em contextos
onde as contingências podiam ser manipuladas (Tharp e Wetzel, 1969; Ribes-lftestra,
1972; Prochaska, 1984). Distinguia-se assim da terapia comportamental de orientação
Pavloviana, cujos princípios os Skinnerianos não endossavam. A nova contribuição focalizou-
se exclusivamente nas contingências das quais os problemas são função. Para mudar o
comportamento, novos conjuntos de relações funcionais são artificialmente construídos.
0 processo de mudança acontece fora do consultório, no ambiente onde os problemas
ocorrem. É al que as variáveis independentes devem ser manipuladas. O terapeuta
desenvolve economias de ficha, programa esquemas de reforçamento, reorganiza o ambiente.
Como herdeiro da Análise Experimental, o analista aplicado conta freqüências de
comportamentos públicos funcionalmente definidos e não se preocupa com eventos privados.
Sua atuação consiste em artificialmente estruturar contingências que podem promover e
manter comportamentos mais adequados.
Apesar da oposição teórica, as técnicas operantes também foram aceitas e usadas
pelos terapeutas comportamentais clássicos que os usaram de maneira seletiva onde
eles foram comprovados eficazes. E certos autores tentaram integrar as duas abordagens,
camuflando as diferenças filosóficas profundas, como Yates (1970b), que diz que
modificação do comportamento é o termo americano para o que os Ingleses chamam de
terapia comportamental, e Kazdin (1983), que tenta recuperar o movimento neo-PavIoviano,
insistindo que a terapia comportamental ó uma parte da modificação do comportamento.

4. A terapia comportamental clássica

O que unifica as linhas iniciadas por Wolpe e por Eysenck, é a idéia Watsoniana de
que emoções são sujeitas a condicionamento clássico e que distúrbios emocionais podem
ser eliminados de acordo com os princípios deste modelo. Ambos visam mudar processos
internos definidos, como respostas condicionadas encobertas. Apesar desta base conceituai
comum, uma diferença particular pode ser apontada. Wolpe desenvolveu tratamentos verbais,
onde se falava sobre e imaginavam-se os estímulos ameaçadores. Tratava-se então de eventos
substitutos, criados durante a terapia. O grupo de Eysenck defendeu a exposição direta aos
estímulos. Eles trabalhavam preferencialmente com eventos naturais. Décadas de pesquisa
sobre eficácia de tratamento acabaram dando mais razão para Eysenck do que para Wolpe
(Rachman, 1998; Õst, 1997).
A divulgação da terapia comportamental clássica renascida era uma história de
imigrações. Franks, do grupo de Maudsley, ao transferir-se para os Estados Unidos, tornou-
se uma influência política importante e teve um papel decisivo na determinação do rumo
teórico que a Associação pelo Avanço da Terapia Comportamental tomou durante os seus
primeiros anos. Rachman saiu da África do Sul com a sua formação em terapia Wolpiana
para integrar o grupo de Maudsley. Durante décadas, ele desenvolveu pesquisas inovadoras,
concernindo o papel dos processos básicos nos tratamentos, que aumentaram
substancialmente a respeitabilidade científica da abordagem. Por sua vez, Wolpe e Lazarus

Sobre Comportamento c Co^niçAo 181


mudaram-se da África do Sul para os Estados Unidos, onde encontraram um público
receptivo às idéias deíes (Schorr, 1984).
A diferença entre esta forma de terapia e a linha Skinneriana ó fundamental, pois,
paradigmático. Enquanto os Skinnerianos mudam as contingências das quais o comportamento
problemático é função, Eysenck e Wolpe escolheram como alvo das intervenções as respostas
emocionais e fisiológicas subjacentes. Assim, enquanto o modificador do comportamento
lida com o ambiente natural do cliente, o terapeuta comportamental clássico tratou os
mecanismos internos no cliente, uma opçáo inaceitável para os behavioristas radicais
(Kohlenberg, Tsai e Dougher, 1993).

5. A Terapia Cognitiva-Comportamental

A modificação do comportamento, com sua ênfase Skinneriana sobre controle


externo, logo provocou a revolta de clínicos como Meichenbaum e Mahoney, que exigiam
que processos simbólicos e os seus efeitos sobre comportamentos fossem tomados em
conta na análise. Um outro psicólogo americano, Ellis, já estava pregando uma visão
radicalmente cognitivista, em que distúrbios emocionais eram resultado de crenças
irracionais.
Eysenck (1964) aproveitou as idéias de Ellis e a contribuição cognitivista se tornaria
parte integrativa da terapia comportamental clássica desde então (Rachman, 1998). As
duas contribuições refletiam visões do ser humano, que pareciam se complementar: o
homem basicamente irracional, que é função de uma história de condicionamento
Pavloviano, reagindo a estímulos condicionados e o homem, cujas ações são guiadas
pelo seu pensar.
Duas vias de intervenção pareciam se abrir agora. Ansiedade pode ser eliminada
através de técnicas de extinção das respostas emocionais e fisiológicas ou através de
modificação do pensamento ansioso. Em muitos casos isto se resume à possibilidade de
explicar os efeitos do tratamento de diferentes formas. Re-estruturação cognitiva envolve
inevitavelmente exposição intensa a conteúdos que evocam as emoções problemáticas.
Exposição ao vivo, por sua vez, obriga o cliente ansioso a reavaliar as suas crenças
catastróficas relacionadas ao estímulo (Craske e Rowe, 1997).
Beck (1993) destacou que foi profundamente influenciado pelas idéias da terapia
comportamental clássica britânica. Por sua vez, a Terapia Cognitiva por ele fundada, teve
um impacto importante sobre a terapia comportamental (Rachman, 1998; Hawton
Salkovskis, Kirk e Clark, 1997). Além de ter elaborado e afinado substancialmente as
técnicas de intervenção verbais, integrou os métodos mais antigos da terapia
comportamental clássica, como a exposição ao vivo, que rebatizou de experimento
comportamental. Enquanto os terapeutas comportamentais originalmente imaginavam
extinguir respostas emocionais condicionadas, os terapeutas cognitivos usavam as mesmas
técnicas para modificar cognições.
Percebemos que as abordagens cognitivistas visam modificar processos internos.
Isto elas têm em comum com a terapia comportamental clássica, apesar da escolha do
tipo de processo (emoções versus cognições) ser diferente. Apesar de incorporar
intervenções com eventos naturais (no experimento comportamental), elas parecem mais

182 I uc VjndcnbcrHlu’
com a abordagem Wolpiana, ao preferir falar 6obre as situações, evocando processos
cognitivos na ausência das condições em que os comportamentos do cliente normalmente
levam a problemas.
De novo temos que admitir que a distinção que encontramos na literatura entre
terapia comportamental e cognitivo-comportamental tem pouco valor informativo. Apesar
da naturalidade com que a terapia comportamental clássica se apropriou das técnicas
cognitivas, Eysenck (1987) e outros expoentes da escola de Maudsley, como Meyer (1991),
continuaram entre os oponentes mais ardentes do termo "cognitivo comportamental" que
consideraram supérfluo, já que a terapia comportamental sempre trabalha com os
pensamentos do cliente.
Do outro lado, percebemos que muitos dos herdeiros indiretos desta mesma
tradição britânica usam o termo composto (p. ex. Ito, 1998), e que mesmo Õst (1997), que
desenvolveu a exposição acelerada, que consiste em extinguir respostas condicionadas,
colocando o cliente em contato direto com estímulos ameaçadores, chama o trabalho
dele de cognitivo-comportamental.
A distinção entre terapia comportamental e cognitiva-comportamental se torna
ainda mais ilusória quando vemos behavioristas radicais como Linehan (1993) chamar o
seu trabalho de cognitivo-comportamental e lançar mão de técnicas que pertencem à
tradição cognitivista (Bolling, Kohlenberg e Parker, 2000), apesar do raciocínio clínico
deles focalizar contingências interpessoais ao invés de estruturas cognitivas.

6. A Análise Clínica do Comportamento

No Brasil, clínicos atendendo em consultórios, usando técnicas verbais, mas


questionando a própria atuação a partir dos princípios da analise do comportamento, deram
início ao desenvolvimento de uma terapia comportamental behaviorista radical. É esta a
linha de atuação que no País mais freqüentemente é chamada de "terapia comportamental’'
(sem a qualificação “cognitiva"). Paralelamente, mas em grupos bem mais restritos, ocorreu
nos Estados Unidos um encontro similar entre a visão behaviorista radical e o “setting"
tradicional das psicoterapias verbais. Esta se divulgou com o nome de Análise Clínica do
Comportamento (Kohlenberg, DoughereTsai, 1993).
A Análise Clínica é filosoficamente aparentada com a Análise Aplicada, por
compartilhar a doutrina Skinneriana que entende comportamentos como função de
contingências. Ela é diferente por tomar a posição behaviorista radical sobre os eventos
privados ao pé da letra e por desistir da medição e contagem objetivas de freqüências de
comportamentos. Ela se distingue ainda por eleger, como os Wolpianos e os terapeutas
cognitivos, o consultório como seu ambiente de trabalho, abrindo mão da manipulação
direta das contingências nos ambientes do cotidiano onde os problemas do cliente ocorrem.
Apesar de se interessar também por eventos privados, a partir de uma conceituação
fundamentada nos processos básicos da aprendizagem, Dougher (1993) enfatizou que a
terapia comportamental clássica é filosoficamente, conceitualmente e metodologicamente
inconciliável com a Análise do Comportamento. Zettle e Hayes (1982) tinham proposto
que a análise Skinneriana do comportamento verbal poderia servir como uma base teórica
mais adequada para as práticas clínicas cognitivistas. Estas poderiam ser aproveitadas a

Sobre Comportamento c CogniVtio 183


partir de uma reconsideração do efeito das crenças do cliente em termos de controle por
regras. Bolling, Kohlenberg e Parker (2000), similarmente, sugerem que a introdução de
princípios teóricos da análise clínica do comportamento é capaz de melhorar a eficácia da
Terapia Cognitiva. Parece que no plano puramente metodológico, a diferença é maior com
as terapias de cunho Pavloviano do que com as cognitivas.
O interesse pelos eventos privados permeia toda a atuação do analista clinico,
mas esses são vistos como efeitos das contingências sociais que atuam sobre a vida do
cliente. É importante também reconhecer que o analista clínico, que, ao contrário do
modificador do comportamento, não manipula diretamente as contingências do cotidiano
do seu cliente, também não constrói condições simbólicas dentro do consultório, mas
usa os próprios contextos verbais que surgem no diálogo da sessão e as contingências
interpessoais entre terapeuta e cliente, para modificar os repertórios visados (Kohlenberg
e Tsai, 1991; Hayes e col., 1999). O foco da intervenção, assim, é externo e os eventos
através dos quais o processo terapêutico flua são naturais.
A terapia comportamental de cunho behaviorista radical, no Brasil, se encaixa
perfeitamente no conceito da Análise Clínica do Comportamento. Os seus defensores
rejeitam a noção de causas mentais, mas prestam bastante atenção a eventos privados e
ao papel do controle verbal. Eles atuam preferencialmente usando a própria situação
terapêutica, como ambiente natural, modelando os comportamentos verbais do cliente
enquanto ocorrem, analisando as contingências das trocas interpessoais dentro da própria
terapia, em função dos problemas do cliente (Guilhardi e Queiroz, 1997; Banaco, 1997;
Delitti, 1997).

7. O Construtivismo

Dentro das terapias cognitivas, destaca-se a filosofia construtivista, que enfatiza a


natureza pró-ativa da participação do homem em sua própria experiência. O objetivo
terapêutico nesta abordagem é o de reestruturar problemas através da linguagem e ajudar
o cliente a tecer, através de sua experiência, conteúdos de significado mais produtivos.
Os construtívistas trabalham as questões clínicas através de meios representacionais e
técnicas simbólicas, como os terapeutas cognitivos tradicionais, mas, ao invés de seguir
o raciocínio linear que exige a identificação e reestruturação dos esquemas e processos
disfuncionais, procuram articular o subtexto temático que estrutura a elaboração do enredo
da vida do cliente, possibilitando novos sentidos e opções (Neimeyer e Mahoney, 1997;
Gonçalves, 1998).
Uma leitura cuidadosa revela similaridades com a Análise Clínica do Comportamento.
Isto não deveria surpreender, porque os dois são produto da mesma época de transformação
do moderno para o pós-modemo. O conceito de fusào cognitiva (Hayes e col., 1999), por
exemplo, descreve como pessoas mantém a consistência no seu enredo seguindo as
descrições verbais que desenvolveram concernindo os problemas deles, agindo como se
estas regras fossem "a verdade", mesmo que, ao seguir este narrativo, causem muito
sofrimento. É uma forma em que pessoas criam, através da linguagem, as próprias dificuldades.
A maneira com que o analista clínico do comportamento trabalha este enredo também tem
muito em comum com o trabalho do construtivista. Ele ajuda a liberar o cliente dos usos
ineficazes da linguagem para abrir um campo potencialmente produtivo para o comportamento

184 l.uc V .im lcnbcrtfhf


verbal. Fronteiras emocionais são exploradas. A aceitação de vivências profundas e o
compromisso com alvos e escolhas pessoais são promovidos.
A maneira com que Guilhardi (1995) ou Delitty (2000) descrevem o trabalho com
material de sonhos também lembra muito a maneira em que definimos a atuação do
terapeuta construtivista, apesar da fonte de inspiração para as intervenções e as análises
funcionais que as motivam sejam behavioristas. As semelhanças epistemológicas entre
dois sistemas conceituais tão diferentes não devem ser ignoradas. A Análise do
Comportamento igualmente enfatiza o papel ativo da pessoa no desenvolvimento do seu
caminho. O homem na visão Skinneriana cria o seu ambiente (Micheletto e Sério, 1993).
Ele mesmo constrói em grande parte as contingências das quais o comportamento dele ó
função e é somente porque age que os efeitos do seu comportamento o afetam .
Ambos, behaviorismo radical (Barnes-Holmes, 2000) e construtivismo radical (von
Glasersfeld, 1981), questionam a idéia de "verdade objetiva” e da causalidade linear. Eles
focalizam a relação e a interação. Para von Glasersfeld, como para Barnes-Holmes,
conhecimento é invenção através da linguagem e deve ser avaliado no seu valor pragmático.
Consciência é comportamento verbal (de Rose, 1982). Isto é, "consciência" é algo que a
pessoa "faz". Como o seu colega construtivista, o analista clínico do comportamento
trabalha com os contextos verbais nos quais os eventos privados emergem, ao invés de
modificar as cognições irracionais (Hayes, Strosahl e Wilson, 1999).
Reconhecer estas confluências não pode nos tornar cegos às diferenças
fundamentais. O terapeuta construtivista é um negociador dos significados que são levados
à sessão terapêutica. O analista clínico do comportamento faz parte das contingências de
vida do cliente e influencia as respostas deste último, através dos efeitos que essas têm
sobre o comportamento do terapeuta (Guilhardee Queiroz, 1997; Kohlenberg e Tsai, 1991).
Apesar das similaridades surpreendentes na atitude terapêutica, o construtivismo se
encontra no lado oposto da análise clínica nesta taxonomia, porque o foco do processo
terapêutico é interno e se trabalha com eventos simbólicos, criados dentro da terapia.

8. O modelo

Sintetizando os resultados deste levantamento de literatura, duas grandes


dimensões bipolares e ortogonais se destacam: O eixo horizontal na Figura 1 representa
a predominância do foco externo versus o foco interno na compreensão da patologia e na
intervenção clínica. Refere-se à preferência para conceituar problemas em termos de
interações com o ambiente (relações funcionais) ou em termos de processos internos
(cognições e respostas emocionais). E o eixo vertical se refere à preferência para trabalhar
com eventos naturais, ou com estímulos ou relações substitutivos ou representacionais
criados na terapia.
Enquanto que certas linhas se deixam classificar por inteiras num dos quatro campos,
por ter baseado a atuação deles numa escolha ideológica uniforme, isto não é o caso com
todos. A Terapia Comportamental Clássica (com suas duas raizes históricas: a Wolpiana e
a Eysenckiana) não pode ser classificada num só campo. As Terapias Cognitiva e Racional-
Emotiva igualmente se dividam sobre dois campos.

Sobre Comportamento c Conmy<lo 185


Foco externo Foco interno

Eventos naturais Análise Clinica do Exposição ao vivo*


Comportamento
Terapia Comportamental Experimento comportamental**
Dialética

Eventos construídos Análise Aplicada do Terapia construtivista


Comportamento Dessensíbílízação sistemática*

Reestruturação cognitiva**

* Terapia Comportamental Clássica; ** Terapia Cognitiva.


Figura 1. Uma taxonomla das terapias comportamentais e cognitivas.

Em trés dos quatro campos do modelo, encontramos abordagens cujos autores


chamam-nas de “terapia cognitivo-comportamental’’, por exemplo, a Terapia Comportamental
Dialética de Linehan (1993) no campo externo-natural; a Exposição Acelerada de Õst
(1997), como exemplo contemporâneo da exposição ao vivo no campo interno-natural; a
reestruturação cognitiva como prática na Terapia Cognitiva (Beck, 1976) e na Terapia Racional
Emotiva (Ellis, 1985), no campo interno-construido. O conceito de “terapia comportamental”
(com exclusão do termo cognitivo) também se encontra em diferentes campos: as terapias
de exposição ao vivo no campo interno-natural (Eysenck, 1987; Meyer, 1991); a Terapia
Comportamental de Guilhardi (1995), Delitty (1997) ou Banaco (1997), que classificamos
sob o título de Análise Clinica do Comportamento, no campo externo-natural e a própria
Modificação do Comportamento (Skinner, Solmon e Lindsley, 1953; Kazdin, 1975), no
campo externo-construído.
A vantagem desta taxonomia é que tanto técnicas clínicas, quanto linhas terapêuticas
podem ser avaliadas através de duas perguntas que tocam na essência das abordagens:
Elas preferem trabalhar com eventos naturais ou criar eventos na terapia? Elas usam um
foco principalmente interno ou extemo? Determinar a posição da técnica ou da abordagem
nestas duas dimensões possibilita situá-la no meio da diversidade de terapias, de maneira
bem mais significante do que usar a divisão enganosamente simples entre "cognitivo" e "não-
cognitivo". Esta classificação possibilitará desta forma discussões mais esclarecidas sobre
assuntos clínicos e teóricos, através das barreiras das abordagens especificas que constituem
a grande família das terapias comportamentais e cognitivo-comportamentais.

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188 l.uc Vdiuicnbertfhf


Capítulo 26
Ludoterapia cognitivo-comportamental
com crianças agressivas
tdwiges Ferreira de Mattos Silvares '
u x *r

Três pontos principais aflo abordados no presente trabalho: 1) o empréstimo do tormo ludoterapia da abordagem pslcanalltlca
á comportamental no trabalho de intervenção clinica com crianças agressivas em grupo; empréstimo este fruto da evoluçAo
da terapia comportamental infantil; 2) os "porquês" desse tipo de intervenção ser desenvolvido no Laboratório de Terapia
Comportamental do IPUSP e 3) "o modus operandls' desse tipo de trabalho, tanto em termos da forma por ele suposta
quanto em tormos da avaliação da eficácia dessa forma. Para abordar o primeiro ponto, a autora mostra a época em que
o termo surgiu no cenário da intervenção clinica comportamental ( década de noventa) e as razóes históricas para que o
empréstimo do termo da psicanálise tivesse ocorrido. Na discussão do segundo ponto, uma sucinta revisão bibliográfica
sobre o trabalho comportamental com crianças agressivas é realizado. Já. na do terceiro, a autora , dopols de descrever a
ludoterapia comportamental Infantil, chama a atenção para o fato dessa forma de trabalho associada ao de orlentaçflo de
pais estar em consonância com o que tem sido encontrado ria literatura Internacional sobre o assunto como mais produtivo
em termos de roduçâo do comportamento agressivo.
Palavras chave : terapia comportamental infantil, ludoterapia, evolução histórica.

Thrne mam pointB are approached in the present work: 1) the evolution of lhe child behavloral therapy that allowod the loan
of the term play therapy from psychoanalysis to one behavloral clinicai intervention in group with aggressive children; 2)
(he“reasons ', (o develop this type of intervention at Laboratory of Behavloral Therapy at IPUSP (Psychology Instltuts at
USP) and 3) the ‘ modus operandls’ of this work In terms of what is done as well as In terms of Its effectiveness evaluation.
Approaching the first polnt the author shows the period this term appeared In the scenery of the behavioral clinicai intervention
(on nineties) and the hlstorícal reasons for that. In the discusslon of the second point, a brief literature review with aggressive
children is accompllshed and finally the author describes the intervention and gets the attention for lhe fact In the prosented
way of worklng is In consonance with what It ha9 been found, in the International literature as more productlve In terms of
reduction of the aggressive behavior
Ksy words : chlld behavior therapy, play therapy, hlstorícal evolution .

O termo-ludoterapia comportamental-utilizado de forma impressa pela primeira


vez no Brasil por Gomes (1998) é importado da Psicanálise e para os presentes fins,
expressa o mesmo que para essa autora, isto é “a inserção de atividades lúdicas nos
procedimentos terapêuticos comportamentais com crianças"(p.54).
Embora diversos autores ( brasileiros e estrangeiros), seja em comunicações em
congressos, seja na literatura escrita, viessem de longa data mostrando seu trabalho
terapêutico comportamental com crianças no qual brincavam com elas (e. g. Regra, 1997 e
Conte, 1992), foram Gomes, em 1998, no Brasil, e Knell, em 1995, nos Estados Unidos, as
primeiras psicólogas clínicas comportamentais a utilizarem o termo titulo de nosso trabalho.
Mais recentemente, a equipe de pesquisa do Laboratório de Terapia Comportamental da

’ O» «Incaro* agradecimento» è FAPESP paio» racursoa flnanoairoa à» paaquisa» que daram «ubaldioa ao pcesanta trabalho a ao CNPq pela boltfl
da produtivldada am paaquWa * autora aem oa quaia oa conhadmantoa na área nâo «ariam poaalvala

Sobrr Comportamento c CojjmvAo 189


Cllnica-Escola do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP) passou
também a utilizar o mesmo termo, tanto em trabalhos escritos (e.g. Guerrelhas, Bueno e
Silvares, 2000) quanto em comunicações orais.
O presente estudo pretende discutir as razões históricas que, no entender da
autora, moveram os clínicos comportamentais nessa direção, assim como fazer com que
os leitores possam entender porque e como ó feita a ludoterapia comportamental com
crianças agressivas na clínica-escola do IPUSP.
O objetivo deste estudo, portanto, ó discutir a evolução histórica do trabalho
terapêutico com crianças em abordagem comportamental, explicitando o que está
subentendido quando se fala em ludoterapia comportamental infantil com crianças
agressivas. Para isso, tambóm o “ com o" e “ porque” dessa ação com crianças
agressivas serão considerados. A distinção entre esse processo terapêutico e o trabalho
que envolve o brincar puro e simples sem pretensão de alteração comportamental, entretanto,
não será aqui focalizado, visto que já o foi anteriormente (Vide Guerrelhas, Bueno e Silvares,
2000).
Com esses objetivos em mente, a evolução histórica do brincar em terapia
comportamental infantil é examinada em primeiro lugar, para, em seguida, serem discutidas
as questões do "porquê e como" se processa a ludoterapia na clínica-escola do IPUSP.

1. A evolução da terapia comportamental infantil

Segundo Mash (1998), embora desde a Antigüidade pudessem ser encontrados


exemplos de aplicação de princípios comportamentais para contornar problemas
psicológicos de crianças, a utilização de procedimentos comportamentais de forma
sistemática com esta população só teve início neste século, a partir da década de 20,
inspirada nos trabalhos de Watson sobre eliminação de fobias infantis.
Ainda segundo o mesmo autor (Mash, 1998), entre a década de 30 e a de 50,
houve um período de latência na Terapia Comportamental com crianças, apesar de existirem
alguns relatos de trabalhos sobre medos específicos, gagueira e enurese noturna. Para
ele (Mash, 1998), só depois de 1950, após ter se encerrado a fase de oposição às práticas
psicodinâmicas, com os trabalhos de Wolpe e Lazarus e outros, baseados principalmente
em estudos realizados em instituições destinadas a crianças com retardo mental, é que
se pode considerar que houve um grande desenvolvimento da terapia comportamental
infantil (TCI). '
Esta visão histórico-evolutiva da terapia comportamental infantil vai ao encontro
de outras visões de estudiosos do assunto, estrangeiros e brasileiros. Assim, por exemplo,1
para Knell (1995), a TCI reconhecidamente, em seu início, tinha o objetivo de ensinará
criança comportamentos específicos mais saudáveis, via princípios de aprendizagem. Era
também intenção inicial dos clínicos já, nessa ocasião, que o processo de aprendizagem
fosse estendido à orientação de pais e professores, já que estes têm papel fundamental
na instalação, desenvolvimento e manutenção do repertório comportamental da criança
(Knell 1995).
Indo um pouco além nessa mesma linha de pensamento, Conte e Regra (2000)
afirmam que até a década de sessenta pouca ênfase foi dada às questões sociais e

190 hlw itfcs I crrflM de M iiflos Silvarf*


culturais mais amplas como determinantes do comportamento infantil. Ainda sem este
tipo de preocupação, ó que surgiu a Modificação de Comportamento infantil, que se utilizava
de conceitos de aprendizagem e achados das práticas experimentais de laboratório para
alteração de comportamentos infantis tidos como problemáticos (Conte e Regra.2000).
É a partir de meados da década de 60, porém, que se inicia o assentamento de
uma tradição operante na qual o comportamento da criança é analisado funcionalmente
em relação à sua interação, tanto com o ambiente imediato, quanto com o mais amplo, e
não somente como uma resposta especifica a estímulos antecedentes e conseqüentes
próximos a ela ( Whaler e Dumas 1989).
A justificativa para esse novo tipo de trabalho é fortalecida por premissas da
abordagem operante, segundo as quais o comportamento é resultado da interação entre
variáveis históricas e ambientais com o organismo e é mantido pelas conseqüências dessa
interseção. Como os pais dispõem dos principais reforçadores para seus filhos e têm
grande poder no manejo das contingências do seu meio, nada mais natural que eles
tenham reconhecido valor histórico no controle do comportamento infantil (Silvares e Marinho
1999). Claro também que, pelas mesmas razões, o controle ambiental no sentido mais
amplo (envolvendo as variáveis sociais e culturais mais longínquas - do macrosistema)
sobre o comportamento dos pais e filhos não pode ser desconsiderado.
O Quadro 1 (ver quadro em anexo) ó adaptado de Schaefere Connor (1983) e
mostra, no ver de diferentes autores, as diversas etapas do desenvolvimento infantil e os
múltiplos aspectos desse desenvolvimento. Esse quadro foi aqui inserido com a função
de ilustrar a tese de que a evolução da TCI tem também a ver com o estado da arte em
Psicologia do Desenvolvimento ao longo de sua história. Essa tese tem ainda mais maior
correspondência com a realidade se forem consideradas os pontos de relação entre os
diferentes aspectos (motor, psicossocial e psicossexual) do desenvolvimento infantil e as
diferentes etapas do jogar infantil forem consideradas.
Um exame, ainda que superficial desse quadro, mostra que somente a partir da
década de 60, o conhecimento na área de desenvolvimento infantil, em geral e do jogar, em
particular, poderia ter implicações sobre a terapia infantil com bases empíricas. Isto, porque
quase todos os autores incluídos nesse quadro foram nele inseridos por terem trabalhos
de peso numa dessas duas áreas, mas o período de destaque de suas obras, como o
próprio quadro mostra, foi posterior à década de 50 ou teve esta época como marco inicial
dos trabalhos. Não fossem os trabalhos de Freud sobre o desenvolvimento psicossexual,
que são anteriores à década de 50, muito pouco se sabia sobre o desenvolvimento infantil
até meados do século XX.
Ainda que vários aspectos da teoria freudiana tenham sido questionados ao longo
do tempo por não terem recebido a devida validação empírica, a ênfase específica em
termos de estímulos de interesse da criança em cada uma das três principais fases do
seu desenvolvimento psicossexual não pode ser ignorada quando se trabalha com elas
em terapia ou em outra área (Rutter, 1971).
Afirmação semelhante pode ser feita com relação aos conhecimentos relativos ao
desenvolvimento cognitivo e psicossocial, cujos nomes de Piaget e Erikson não podem
deixar de ser mencionados.
Nessa medida, então, acredita-se ter sido a falta de conhecimento teórico sobre
as diferentes fases de funcionamento infantil (tanto global como relativo ás brincadeiras

Sobre (.'omporUimcnlo c Coflniçdo 191


infantis) que contribuiu sobremaneira para que o brincar infantil fosse desconsiderado em
sua plenitude nas práticas clinicas comportamentais.
Para que se pudesse utilizar esse tipo de conhecimento numa terapia infantil que
usasse o brinquedo como veiculo de mudança comportamental, era preciso primeiramente
conhecer mais sobre o desenvolvimento infantil e saber distinguir as diferentes fases do
brincar, com suas características específicas apontadas pelos autores do Quadro I.
Não é de se estranhar, portanto, o que foi afirmado por Conte e Regra (2000) para
quem a passagem da Modificação de Comportamento para a Terapia Comportamental
Infantil se deu através da inclusão de outras variáveis importantes, além do reconhecimento
da influência do comportamento dos pais na manutenção do comportamento da criança.
Assim, para as autoras, o ambiente educacional, os eventos privados infantis e a relevância
da relação terapêutica passaram a ser reconhecidos como variáveis de peso na TCI. Seria
bastante elucidativo se acrescentássemos que essas variáveis, mencionadas pelas autoras,
só puderam ser acrescentadas à TCI na medida em que os novos conhecimentos sobre o
desenvolvimento infantil foram sendo incorporados ao conhecimento psicológico em geral.
Embora reconhecendo como verdadeiros todos esses pontos até aqui levantados,
não é demais ressaltar que apesar do nascimento da ludoterapia comportamental ter
ocorrido antes dos anos 80, esse nome ainda não tinha quase nenhuma divulgação. Ilustra
a última afirmação o fato desse termo não ter sido mencionado entre as técnicas
terapêuticas comportamentais em obras de referência sobre o assunto como o “Dictionary
of Behavior Therapy Techniques" (Bellacke Hersen 1985e 1989).
Sem medo de faltar com a verdade, portanto, pode ser afirmado que somente
depois de meados da década de 80 é que as comunicações científicas sobre o brincar
com a criança em terapia comportamental tiveram maior impacto no cenário científico,
fazendo com que a referência à ludoterapia comportamental infantil na década de 90 não
causasse estranheza aos clínicos infantis da área. É como se houvesse, por parte dos
clínicos comportamentais que brincavam com as crianças ao promover a terapia delas, na
década de 80, o receio ou a vergonha de serem mal interpretados e serem confundidos
com aqueles clínicos que no início da abordagem haviam sido os seus principais opositores
- os psicanalistas.
Hoje, quando a TCI está solidamente constituída, e seu terreno encontra-se mais
firme, esse temor já não tem sentido e a vergonha de emprestar termos de outra abordagem
quando o empréstimo é elucidativo, já não cabe m ais. Hoje, pode-se, portanto, afirmar,
sem embaraço ou temor, que a criança ao passar por um processo de terapia infantil
comportamental, no qual brinca com objetivos de alterações comportamentais, passa por
ludoterapia comportamental.
Claro que isso não fez com que os pressupostos comportamentais subjacentes à
ação terapêutica infantil fossem negados. O comportamento lúdico continuou a ter valor
em si mesmo mas houve o reconhecimento explícito de que seu uso como instrumento em
terapia infantil facilita o acesso a vários outros comportamentos da criança (especialmente
os encobertos) antes pouco considerados em terapia infantil.
Isto posto, quanto ao uso do termo ludoterapia comportamental, impõe-se então
abordar o porquê se brinca com crianças agressivas ao promover a terapia delas, para
depois considerar o como isso é feito.

192 fd w ijjes ferreira de M d lto * Silvure*


2. Por que ludoterapia com crianças agressivas?

A intenção da presente seção é, a partir do levantamento de alguns estudos,


tanto estrangeiros como brasileiros, ressaltar a importância das pesquisas nessa área,
inicialmente negligenciada na história da área.
De acordo com McFadyen-Ketchum e Dodge (1998), a psicologia tem deixado a
responsabilidade de resolver os problemas de relacionamento interpessoal (como os
enfrentados por crianças com queixa de agressividade, ou seja, com dificuldades de
interação por seus problemas comportamentais do tipo externalizante) a escritores,
educadores e vendedores ambulantes. De igual forma, o sistema educacional também
não parece preocupado com essa questão, como se estes problemas fossem irrelevantes
ou passageiros e nada houvesse para ser feito.
Há entretanto evidências de que o domínio de relações interpessoais positivas na
infância, especialmente entre pares da mesma idade, é pré-requisito necessário para a
saúde mental e o sucesso educacional futuros da pessoa humana, como também é
reconhecido que as relações infantis negativas com pares, pais e outros adultos está
associada a resultados negativos na vida adulta, inclusive ao uso de substâncias ilegais e
à violência interpessoal (McFadyen-Ketchum e Dodge, 1998). E mais, artigos de revisão,
como o de Parker e Asher (1987), claramente demonstraram a força das relações entre
rejeição social em idade tenra e os problemas sociais na vida posterior.
O reconhecimento da área de relacionamento interpessoal infantil como importante
objeto de estudo é de interesse ainda maior se for levado em consideração tambóm o que
os estudos de caracterização da clientela infantil de Clínicas-Escola de Psicologia brasileiras
(alguns desenvolvidos no Programa de Pós-Graduação, antes referido) têm mostrado. Isto
é, que a queixa de agressividade entre crianças encontra-se entre as três mais freqüentes
queixas comportamentais apresentados pela clientela infantil (e.g. Lopez, 1983; Barbosa
e Silvares, 1994, Silvares, 1991 e Silvares, 1996), sinalizando que a demanda por tal tipo
de atendimento é uma imperiosa necessidade em nossos meios.
Pode-se então dizer que, tanto do ponto de vista teórico, quanto do prático, a
questão do porquê fazer ludoterapia com crianças agressivas é uma questão que
exige atenção imediata. Esta se impõe, tanto pela falta de estudos empíricos brasileiros
voltados para o problema, quanto pela demanda crescente de atendimento psicológico por
parte da clientela infantil com dificuldades de natureza interpessoal.
Felizmente, com o advento de intervenções comportamentais em programas
delineados para melhorar as relações entre pares infantis, e um certo tipo de medicação
ter sido aconselhado para crianças hiperativas diminuírem a taxa dos seus comportamentos
que interferem com suas relações sociais, as pesquisas na área começaram a ter um
maior impacto sobre a Saúde Mental e sobre o sistema educacional. Com isso, novas
pesquisas foram estimuladas e novos conhecimentos têm sido derivados
Uma vez ressaltada a importância de se promoverem pesquisas sobre como intervir
no comportamento agressivo, resta apenas considerar de que forma é feita a ludoterapia
comportamental infantil com as crianças com dificuldades de interação.

Sobre Comportamento c CognlÇtlo 193


3. Como fazer ludoterapia com famílias de crianças agressivas?
O propósito desta seção não é detalhar o conteúdo das sessões levadas a cabo
na clínica-escola do IPUSP, uma vez que o leitor interessado neste tópico poderá se
reportar a outra publicação da autora (Vide Silvares,2000). A intenção dessa seção ó
tentar relacionar os objetivos das sessões de ludoterapia com o conteúdo do Quadro I,
antes apresentado, reafirmando a tese da primeira seção.
Durante aproximadamente 60 minutos, uma vez por semana, por um período pré-
determinado (15 sessões), um grupo de crianças agressivas (com não mais que seis
componentes), com idades variando entre 7 e 10 anos, vêm à clínica-escola, acompanhadas
pelos seus pais. Em suas vindas à clínica, essas crianças porém, reúnem-se apenas com
outras crianças, também agressivas, para brincar e conversar sobre seu cotidiano com
uma ou duas pessoas, apresentadas como psicólogas. Seus pais portanto não estão
presentes nas suas sessões de ludoterapia.
Todos os atendimentos do grupo infantil - de ludoterapia comportamental - são
realizados no Laboratório de Terapia Comportamental da Clínica-Escola do Instituto de
Psicologia da USP. A sala utilizada é equipada com livros, material de desenho, casinha
de boneca, brinquedos e jogos destinados a diferentes faixas etárias. Também possui
câmera para filmagem e análise posterior das interações interpessoais que ali são
promovidas.
Depois do atendimento ao grupo infantil é a vez dos pais serem atendidos, também
em grupo, para receberem a orientação sobre como agir com seus filhos de modo a
auxiliá-los no processo de mudança. Durante o período em que as crianças esperam os
pais, elas interagem entre si, brincando de forma não terapêutica.
(O leitor, interessado em maiores informações sobre esses dois processos, bem
como sobre o atendimento terapêutico em grupo (dos pais e das crianças), deve se reportar
a Silvares (2000) e Guerrelhas, Bueno e Silvares (2000)).
Entre os objetivos da ludoterapia comportamental encontra-se o favorecer um
bom andamento do grupo e a resolução de situações de conflito como, por exemplo,
brigas entre as crianças ou oposição ao cumprimento de regras.
Não é demais lembrar no momento o que foi afirmado por Skinner com relação ao
brincar:
“As regras dos jogos descrevem contingências de reforçamento inventadas. Existem
(no b rin c a rf contingências naturais segundo as quais correr mais depressa do que o outro è
reforçado mas as contingências de uma maratona sâo planejadas. Brigar na rua tem conseqüências
naturais mas brigar no ringue acarreta conseqüências planejadas adicionais“. (Skinner 1991 p.
62)

e mais adiante:
“Existe uma distinção entre brincar e jogar que vaie a pena ser preservada. Os jogos sâo
competitivos. O lance do jogador de estratégia ou de xadrez que num dado momento está falando
é reforçado por qualquer sinal de que o lance serviu para fortalecer sua posição... Diz-se que
pequenos animais estão brincando quando se comportam de maneiras que nâo acarretam quaisquer
conseqüências sérias." (Skinner 1991, p. 63)

1O * • *ncontra *nlr« p«r*ntMto trata*» ó* »cfé*cimo d* autora para m«lhor oont*xluaN/ar o cH»tío

194 hdwitffs ferreira Jr Mittlos SiJv.jrrs


Transpondo essas palavras para as sessões de ludoterapia, pode ser afirmado
que os jogos nelas realizados não são desenvolvidos com o objetivo de recreação, sem
conseqüências mais sórias, pois são planejados e levados a termo com o objetivo de
alterações comportamentais voltadas para a diminuição das interações sociais negativas
das crianças e aumento das positivas.
De acordo com Bomtempo (1986 e 1987) e Landreth (1991), a brincadeira por si
só tem um papel fundamental na aprendizagem infantil, visto possibilitar o treino de
habilidades, ensaio de papéis, exploração do ambiente e desenvolvimento do repertório e
da capacidade de comunicação.
Partindo de uma perspectiva comportamental, entretanto, pode-se dizer que através
dos jogos levados a cabo pelo grupo de ludoterapia comportamental, novas relações estão
sendo construídas pelo grupo. Ou seja, as crianças estão em contato com novos modelos
de relação, nos quais novas habilidades estão sendo reforçadas e conseqüentemente
aprendidas. E mais, o próprio “estar em grupo para jogar" favorece o aparecimento das
dificuldades interpessoais das crianças e facilita a promoção da orientação psicológica
pertinente sobre o como proceder na interação social. Ou seja, as crianças, jogando,
podem aprender novos comportamentos que estão ausentes de seu repertório, como por
exemplo: a) perceber e dar dicas para entrada em grupos; b) perguntar e responder questões;
c) cumprimentar amigos; d) participar em tarefas e seguir instruções; e) cooperar e dividir;
f) elogiar colegas. Todas as oportunidades presentes nos jogos e que facilitam o
desenvolvimento desses comportamentos são aproveitadas pelas psicólogas e o grupo ó
acionado para apresentar conseqüências de forma pertinente.
Claro que o estágio evolutivo, em geral e do brincar, em particular, alcançado
pelas crianças participantes (Vide Quadro I), já lhes permite o envolvimento completo e
efetivo com as atividades ludoterapêuticas levadas a cabo no Laboratório de Terapia
Comportamental e fora dele. Assim, por exemplo, as crianças ao longo do processo
terapêutico, já são capazes de demonstrar o entendimento das regras definidas pelo
grupo que são escritas em um painel, logo ao início desse processo. Embora quase
todas elas tenham que aprender a se comportar de acordo com estas regras, pois este é
um dos principais comportamentos ausentes em seu repertório, o desenvolvimento cognitivo
delas lhes permite compreender o que é esperado de sua parte. Quando uma delas,
durante o processo em andamento, viola uma das regras, isto é sinalizado pelo grupo
que discute as conseqüências plausíveis decorrentes dessa violação, bem como as
implementa de forma concreta , com auxílio das psicólogas.
Como as crianças se encontram no estágio operacional concreto do desenvolvimento
cognitivo, podem entender e participar das estórias que são lidas pelas psicólogas, relativas
a situações de conflitos vivenciadas pelos personagens dessas estórias. O envolvimento
com jogo dramático envolvido na representação das histórias também é possível, tendo em
vista que já superaram a fase do jogo puro e simples e do uso rudimentar do corpo. Como
se encontram na fase do jogo social recíproco, podem discutir o que o grupo representou,
trazendo as situações de brincadeira para o seu dia-a-dia fora da clínica (Vide o Quadro I).
Além disso e como já foi antes mencionado, a situação lúdica por si só promove o
treino de habilidades. Segundo Hops (1983) e Hops e Greenwod(1988), a competência
social de uma criança é um termo que agrupa a qualidade geral do desempenho dela numa
dada situação e é avaliada pelos agentes sociais que a circundam. O desenvolvimento da

3
Sobre Comportamento c Co#mv o 195
competência social envolve a aprendizagem de várias habilidades sociais e é favorecido
pelos encontros das crianças em ludoterapia comportamental, pois o jogo em grupo ó
tambóm um excelente veículo para a aprendizagem de diversas habilidades sociais, entre
elas:
1) Conhecer estratégias comportamentais específicas aos contextos nos quais
estas estratégias devem ser usadas;
2)lnterpretar acuradamente os comportamentos envolvidos em situações sociais
e intenções dos pares nessas situações;
3)Selecionar e orientar apropriadamente os objetivos a ser alcançados nas
atividades;
4)Antecipar os resultados de um dado comportamento seu ou do colega;
5)Monitorar e ajustar o próprio comportamento de acordo com as demandas;
6)Converter o conhecimento de estratégias sociais em comportamentos adequado
de interação com os pares.
Estudos empíricos têm demonstrado que as crianças agressivas, em geral,
demonstram déficits exatamente nessas habilidades que os jogos da ludoterapia lhes
permite desenvolver.

3.1 O “ com o” na avaliação da eficácia da ludoterapia comportamental


De modo a poder avaliar a eficácia do trabalho de intervenção, levado a cabo com
os pais e crianças com dificuldades de interação, medidas diversificadas e sucessivas
são tomadas, antes, durante e depois da intervenção psicológica, tanto do comportamento
da criança como dos pais dela, em terapia e em interação na própria casa dela. Esta
última forma de interação é gravada em fita cassete pela própria família, durante uma
semana, em períodos diários de 30 minutos, e as das sessões terapêuticas são gravadas
em videocassete no Laboratório de Terapia Comportamental. Ambos os tipos de fita são
transcritos, analisados em termos de freqüência de categorias comportamentais positivas
e negativas da criança e de seus familiares. Também são tomadas medidas de percepção I
dos pais das crianças sobre o comportamentos delas (pela resposta deles, ao CBCL -
Achenbach, 1991), bem como da rejeição da criança pelos seus colegas, através da j
aplicação de escala sociométrica neles (Hops e Greenwood, 1988). 1
A maioria das medidas tomadas durante o desenvolvimento da ludoterapia
comportamental, sejam as de percepção, sejam as de comportamento em casa e na
clínica mostram uma diminuição nas taxas de interação negativa, isto é, mostram que os
objetivos definidos para os grupo são alcançados. i
Para finalizar, podemos concluir que a análise dos resultados do processo de'!
ludoterapia comportamental no IPUSP veio confirmar o sugerido por Marinho e Silvares!
(1998) em seu artigo de revisão sobre terapia infantil. Isto é, que o trabalho psicológico]
com crianças agressivas vai cada vez mais na direção de um atendimento psicológico
conjugado, no qual a família e a criança recebem orientação psicológica visando melhoria3
no relacionamento interpessoal infantil. Esse é um trabalho conjugado e efetivo (criança e
pais recebem orientação psicológica), de modo a que déficits em habilidades cognitivas:
motoras e emocionais sejam trabalhadas com a criança, ao mesmo tempo em que os

196 hlw iflc s Ferreira de M a llo t Silvarei


déficits nas práticas parentais de manejo familiar sejam abordadas com os pais. Essa é a
forma de trabalho que as mais recentes pesquisas de orientação de pais em nosso programa
tem assumido com resultados promissores (Baraldi.2000).

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1 9 0 U w I rcs Ferreira de M attos Silvares


Quadro I Fases do Desenvolvimento humano para diferentes autores* (Adaptado de Schaffere 0*Connor, 1983)
Anexo

Sobre Comportamento e CotfniyJo


1W
(As datas na linha 2 referem-se às principais épocas de atuação dos autores nela referidos.)
Capítulo 27
Terapia C de família: uma
o m p o r t a m e n t a l

experiência de ensino e aprendizagem


Roberto Alves Hanaco
Ricardo Corrêa Martone
Pontifícia ( /niversidade Cafo/ica de SJo Paulo

O presente artigo visa apresentar um modelo de trabalho terapêutico com famílias partindo de propostas que analisam ossa
instituição como uma agência controladora Visa também apresentar um modelo do ensino de habilidades a psicólogos Iniciantes
para proceder a esse trabalho. Assume se, neste modelo, que os problemas trazidos para a terapia sejam resultado de relaçfte»
sociais punitivas que devem ser substituídas por outras relações que envolvam, o mais possível, controles positivos do*
comportamentos Para Isso, a família será analisada como um grupo social mantenedor e produtor de evolução da cultura Em
muitos casos, os familiares sâo os responsáveis por aplicar, sobre o comportamento de outros membros da família,
conseqüências reforçadores e punitivas, a partir de sistemas de valores originados de contingências sociais arranjadas pelas
agências controladoras A psicoterapia tem sido apontada como uma agêrrcia que se propõe a lidar com os produtoB originado»
pela punição, o que demandaria, do terapeuta, certas habilidades Dentre elas, destacam-se: reconhecer os comportamentos-
problema ocorridos na sessão; avaliar se vale a pena apontá-los quando ocorrem; ao apontá-los. ser firme e acolhedor com os
envolvidos; e finalmente dirigir a sessAo para a emissáo de respostas alternativas que condu/am á solução do problema.
Palavrat-chava: família, terapia comportamental, agência controladora, formação de terapeutas, behaviorismo radical.

This paper atms Io present a modof of therapeutic work with families beginning wi(h a proposai that onaly/o that institutiori as a
control agency It alto seeks to present a model of teachmg skills to beginner psychologists to proceed that work II is assumed,
In this model, that the problems brought for the therapy are resulted of punltlve social relationships that should be substltuted
by other relationships Involving. lhe most posslble, positive Controls of the behavlors. For that, the " famlly " will be analyzed
as a maintalnlng social group and producing of culture's evolution. In many cases, the relativos are the responBiblo for applying,
over lhe behavior of another mombers of the famlly, reinforcing consequences and pumtive, startlng from systems of
orlginated values of social contingencies obtalned by the control agencies. The psychotherapy has been almod as an agency
that intends to work with the produets originated by the punlshment, what would demand, of the therapist, certa In abilities.
Among thoy, stand out: to recogni/e the behavior-problem that occur In the session; to evaluate If is worthwhile to aim them
when they happen, when aim them, to be strong and homelike with the involvod people, and fmally to drive the session for the
emlssion of alternative responses that drive to the solution of the problem
Key word» family, behavior therapy, control agency, theraplsts' formation. radical behaviorism.

O comportamento social tem sido apontado por Skinner (1953/1989) "como o


comportamento de duas ou mais pessoas em relação a uma outra, ou em conjunto em
relação ao ambiente comum" (pág. 285). A partir da necessidade de viver em grupo que a
espécie humana enfrentou em sua evolução (Glenn, 1991), o ambiente social passou a
representar uma das instâncias mais importantes para o indivíduo. Na tentativa de organizar
a convivência entre indivíduos, e exercendo controle sobre os seus membros, o grupo
social tem gerado agências controladoras, “que manipulam um conjunto particular de
variáveis (...) e sâo geralmente melhor organizadas que o grupo como um todo, e
freqüentemente operam com maior sucesso" (Skinner, 1953/1989, pág. 317).
Ocorre que as agências controladoras utilizam-se, dentre as operações de controle
sobre os comportamentos dos indivíduos, de punição, que sabidamente acarreta efeitos

200 Roberto Alves ll.in.ico t Rluiulo Corr&i M«irtonc


colaterais indesejáveis. Tais efeitos têm sido descritos como contra-controle, esquiva e
fuga, desamparo, respostas incompatíveis com comportamento produtivo (Skinner, 1953/
1989; Sidman, 1989/1995).
A família tem sido o grupo social que primordialmente aplica os procedimentos de
reforço e punição sobre os comportamentos dos indivíduos, segundo critérios estabelecidos
culturalmente. Dessa forma, nas relações familiares podem ser encontrados procedimentos
coercitivos que reproduzem o padrão de controle cultural.
Dessa forma, a família (ou grupo social que cuida inicialmente do indivíduo) prepara
o indivíduo para a sua relação com um grupo social mais amplo, pela aplicação de critérios
das outras agências controladoras que estabelecerão relação com ele, no futuro. Por
exemplo, a família pode avaliar e conseqüenciar um comportamento de várias maneiras:
• bom/mau; legal/ilegal (sistema de avaliação mais comumente aplicado pelo Governo);
• bem/mal; pecado/virtude (sistema de avaliação da Religião);
• “bens” materiais; ganhos/perdas (sistema da Economia);
• certo/errado (Educação).
Devemos lembrar que o comportamento da família (por exemplo, avaliando e
conseqüenciando o comportamento de seus indivíduos) também é resultado de uma seleção
por parte da sociedade (metacontingência) que aplicou, sobre esses comportamentos,
procedimentos de reforço e punição.

Análise de grupos sociais


O comportamento observado em episódios sociais é complexo, já que envolve
pelo menos os repertórios de duas ou mais pessoas.
"Podemos analisar um episódio social considerando um organismo a um dado tempo.
Entre as variáveis a serem consideradas estão aquelas geradas p or um segundo organismo.
Consideramos então o comportamento do segundo organismo, supondo o primeiro como uma
fonte de variáveis. Colocando as análises lado a lado reconstruímos o episódio. A descrição será
completa se englobar todas as variáveis necessárias para explicar o com portam ento dos
indivíduos." (Skinner, 1953/1989, pâg. 291).

A formulação da análise de um episódio social simples (que envolvesse apenas


duas pessoas em interação), portanto, teria a seguinte forma:

Indivíduo A: S1 R., S3 R4 SB RH

Indivíduo B:

Sobre Comportamento e CogniÇilo 201


Esse diagrama deve ser lido da seguinte maneira: S representa o evento que tem
função de estímulo e R, o evento que tem função de resposta e os índices indicam a
ordem de ocorrência. Se formos analisar o comportamento do Indivíduo A, a resposta 1 do
indivíduo B (R,) teve função de estímulo antecedente (S,) para a emissão de sua resposta
2 (R.,), enquanto que a resposta 3 do indivíduo B (R3) foi a conseqüência para sua resposta
2 (R2). Se formos analisar o comportamento do Indivíduo B, sua resposta 1 (R,) foi seguida
pela resposta 2 do Indivíduo A (R,) e tem, nesta análise, o papel de conseqüência (S2) para
a resposta 1.
Isto demonstra a complexidade encontrada ao analisar os comportamentos de
um grupo social tal qual uma família, na qual todos os eventos estão interligados
funcionalmente.

Uma nova agência controladora: a psicoterapia

Para lidar com os efeitos nocivos que a punição exerce sobre os indivíduos, a
cultura ocidental desenvolveu uma outra agência controladora: a psicoterapia. Seu objetivo
é desfazer as relações que provocam os efeitos indesejáveis citados acima, ajudando
“pais a lidar com seus filhos ou cônjuges a lidar com o parceiro; aconselham professores;
recomendam novas práticas em hospitais e prisões".(Skinner, 1989/1995, pág. 109).
No entanto, ao analisar os efeitos dessa agência controladora sobre os indivíduos,
depara-se com as mesmas características apontadas até aqui para o relacionamento
entre os grupos sociais. O próprio terapeuta ó um dos indivíduos em relação com os
outros indivíduos da família, precisando, por essa razão, conhecer e reconhecer suas
próprias respostas que poderiam influenciar as relações.
Da mesma forma apontada acima, o terapeuta deveria ter, como habilidade, o
conhecimento dos reforçadores que detém para cada membro da família; o quanto o uso
desses reforçadores influencia a relação terapêutica com os outros membros da família;
e, além disso, evitar que o reforço liberado pelo terapeuta para as respostas de um indivíduo
seja punitivo para as respostas de outro.
Para conduzir o processo terapêutico, o analista deveria desenvolver algumas
habilidades aqui chamadas de "terapêuticas". Entre elas, estão: o reconhecimento dos
episódios que ocorrem na sessão, ou seja, quais respostas emitidas pelos indivíduos são
reconhecidas como problemas por eles e pelo analista; avaliar se vale a pena apontá-las
no momento em que ocorrem ou são relatadas na sessão; se resolver apontá-las, ser
claro na descrição da resposta em análise e em suas conseqüências (ser firme) e ao
mesmo tempo ser acolhedor (procurar uma forma de proceder à analise que seja mais
educativa do que corretiva) com todos os envolvidos; dirigir a sessão para a emissão de
respostas alternativas que conduzam á solução dos problemas levantados.
Um outro conjunto de habilidades seria estabelecer vínculo com cada membro da
família, mas promover a integração entre eles; retirar-se da relação gradativãmente a ponto
de não ser mais necessário; fazer com que os membros da família relacionem-se através
de reforçamento positivo (o mais possível)

202 Roberto Alve * Itanaco l Ricardo Corrêa M arlonc


Como controlar os efeitos da punição e prevenir o seu uso?
Várias questões podem ser levantadas perante as afirmativas feitas até aqui.
Como proceder para evitar que a punição seja um método presente nas relações
estabelecidas, tanto entre os membros da família, quanto entre terapeuta e família? Como
ensinar o controle sem coerçâo?
Utilizando conceitos oriundos da Análise Experimental do Comportamento, é
possível que se chegue a uma proposta que leve em consideração os seguintes passos:
• Observação do repertório de entrada: para se proceder a uma boa análise de
contingências, a primeira tarefa do analista do comportamento ó observar e identificar
as relações estabelecidas quando do inicio do trabalho. Neste momento, também
costuma ser importante levantar a história do problema apresentado.
• Identificação de estímulos reforçadores: uma resposta, ainda que "problemática",
se estiver presente deve estar sendo mantida por alguma operação reforçadora
(positiva ou negativa). A identificação dos estímulos que sustentam esse tipo de
resposta é primordial para o planejamento de alteração de contingências, pois esses
estímulos podem ser utilizados para reforçarem respostas diferentes e incompatíveis
com aquelas, e/ou serem retirados quando as respostas indesejáveis forem emitidas.
• Estabelecer objetivos terapêuticos (repertório final): à medida em que as relações
entre respostas e conseqüências vão se tornando gradativamente mais claras, é
possível delinear as mudanças que levariam (pelo menos em tese inicial) à solução
do problema relatado.
• Analisar repertório final (cadeia de respostas): o repertório final pretendido pode
ser decomposto em pequenas respostas que devem ser encadeadas das mais
complexas para as mais simples (partindo do repertório final pretendido e chegando
ao repertório de entrada observado), sendo possível, dessa maneira, esboçar através
de quais respostas o repertório final seria atingido.
• Modelagem por reforçamento positivo: tendo claro, através da análise do repertório
final, quais respostas devem ser selecionadas a cada momento para atingir o objetivo
terapêutico, passar a utilizar os reforçadores positivos detectados anteriormente
como conseqüência para essas respostas.
• Prevenção da emissão da resposta inadequada: neste ponto, o terapeuta também
já terá conhecimento suficiente de quais situações sinalizam a ocorrência da
resposta-problema. Seu planejamento deve levarem consideração essas situações,
evitando-as quando indesejáveis, ou planejando seu acontecimento, quando
necessário.
■ Prevenção do uso da punição: sabendo-se dos efeitos da punição sobre os
repertórios dos indivíduos, seria incongruente a sua utilização como controle do
comportamento dentro da sessão. Por esta razão, seu uso deve ser evitado nas
sessões terapêuticas, caracterizando o terapeuta enquanto uma "audiência não-
punitiva" (Skinner, 1953/1989).
• Uso de extinção: muito bem planejado: foi explicitado até o momento que o indivíduo
que venha a ser exposto a um procedimento terapêutico deve apresentar baixa
probabilidade de emitir respostas passíveis de reforçamento e muitas respostas

Sobre Comportamento e C ognitfo 203


passíveis de punição. Se não se pode reforçar estas últimas, nem se deve puni-las,
resta, enquanto procedimento, a extinção. No entanto, é fartamente demonstrado
pela literatura que sua aplicação pura e simples tem como efeito imediato o aumento
na freqüência da resposta (no caso, a inadequada). A utilização deste procedimento,
portanto deve ter estreita ligação com a utilização do procedimento de reforçar
respostas adequadas já instaladas no repertório do indivíduo que estejam na linha
da solução do problema.
Tais passos devem ser observados pelo terapeuta durante todo o processo de
análise, enquanto devem ser ensinados a todos os membros da famdia. Esse procedimento
retirará gradativamente a aversividade encontrada nas relações familiares observadas no
repertório de entrada.
Além disso, mais alguns procedimentos auxiliarão o controle da aversividade inicial
já instalada na relação familiar. São eles:
■ Estabelecer objetivos razoavelmente comuns aos membros da família (Wodarski
eThyer, 1989);
• Ouvir todos os membros da família, observando, também suas relações na clínica;
• Descrever as relações observadas e não juígá*las;
■ Ter o cuidado de apontar a parcela de cada um na manutenção do problema (o
problema não se encontra no indivíduo, mas nas relações estabelecidas);
• Propor novas respostas passíveis de reforçamento dentro das relações familiares;
• Promover, constantemente, a avaliação de resultados.

Conclusão

A análise apresentada neste artigo sobre problemas trazidos para a terapia tem
como decorrência a recomendação de alguns procedimentos terapêuticos. A terapia
comportamental de famílias tem se mostrado um procedimento eficaz para o enfrentamento
desses problemas (Sanders e Dadds, 1993), mas exigem do terapeuta certas habilidades
que devem ser desenvolvidas. Tais habilidades não são, no entanto, diferentes das que
devem ser ensinadas aos membros da família para que o controle dos comportamentos
ocorra o mais possível sem a utilização de punição. Se o terapeuta for capaz de propiciar
aos membros da família a oportunidade de aprenderem a estabelecer relações mala
reforçadoras entre si, seu trabalho terá êxito. Constituir-se em uma audiência não punitiva
pode ser considerado o início desse processo; o conhecimento, a discriminação e a
utilização adequada dos procedimentos de reforço, extinção e punição são a continuidade
dele.
O terapeuta deve, portanto, acolher as queixas, sem deixar de se preocupar em
promover relações mais reforçadoras para o grupo e, em conseqüência, para a própria
cultura.

204 Roberto A lvo s B.in,uo i Rmirtio C orrPii M jr t o n r


Referências
Glenn, S. S. (1991) Contingencies and Metacontingencies: Relations Among Behavioral, Cultural,
and Biological Evolution. Em: P. A. LAMAL (org.) Behavioral Analysis of Societies and
Cultural Practices. New York: Hemisphere Publishing Corporation, pp. 39-73.
Sanders, M.R. e Dadds, M.R. (1993). Behavioral family intervention. Needham Heights: Allyn
and Bacon.
Sidman, M. (1995) Coerçâo e suas implicações. (M.A. Andery e T.M. Sério, Trads.). Campinas:
Editorial Psy. (trabalho original publicado em 1989).
Skinner, B.F. (1989). Ciência e Comportamento Humano. (J.C. Todorov e R. Azzi, Trad.). Sâo
Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1953).
Skinner, B.F. (1995) Questões recentes na análise comportamental. (A.L.Néri, Trad.). Campinas:
Papirus Editora, (trabalho originalmente publicado em 1989).
Wodarski, J.S. e Thyers, B.A. (1989). Behavioral perspectives on the family: an overview. Em B.A.
Thyers (org.), Behavioral Family Therapy, (pp. 3-30). Springfield: Charles C. Thomas
Publisher.

Sobre Comportamento c Cotinifdo 205


Capítulo 28
Eventos privados em uma Psicoterapia
Externalista: causa, efeito ou nenhuma das
alternativas?
lose/e Abreu-Rodrigues
Universidade de Hrasilia
tUsa Tavares Sanabio
Universidade Católica de C/onís

D« acordo com a abordagam analltlco-comportamental, eventos privados psicológico* (pensamentos e emoções) sflo
comportamentos o, da mesma forma como ocorre com os comportamentos públicos, resultam da história genética e
ambiental dos Indivíduos Comportamentos privados, embora nflo sejam causas primárias de outros comportamentos,
podem assumir diversas funções do estimulo e, assim, exercer influância sobre a emissão de comportamentos subsequentes
Muitos comportamentos públicos ocorrem sem a participação funcional de eventos privados; outros sâo influenciados por
oventos privados enquanto estímulos antecedentes (eliciadores. motlvacionai», discriminativos e alteradores da função de
outros estímulos) o conseqüentes (reforçadores e punitivos) Os terapeutas analltico-comportamentais devem considerar
que: (a) embora a ocorrência do evento privado nâo seja condição necessária, e nem suficiente, para a emlssflo de um
determinado comportamento público, a possibilidade de relações funcionais entre ambos comportamentos existe, (b) o papel
funcional dos eventos privados deve ser identificado uma vez que funções controladoras diversas podem requerer
intervenções clinicas especificas, e (c) mesmo quando relações funcionais entre os comportamentos privado e público sâo
observadas, è necessária a identificação adicional das contingências de reforço responsáveis pela origem e manutenção de
tais relações, de modo que o foco da análise o da Intervenção é o ambiente externo
Palavras-chave: eventos privados, causalidade, relação comportamento-comportamento, terapia analitico-comportamontal,

Frorn u behavloral-analytic approach, psychological prlvate events (thoughts and emotions) are behavior and, similarly to
what happens with public behavior, result from the environmental and genetic hlstory of the individuais. Private bohavlors,
although may not be consldered prlmary causes of other behavlors, may assume diverse stimulus functlons and, consequently,
influence the omlssion of subsequent behaviors. Several public behavior* occur without the functlonal particlpation of private
events, others are influenced by private events functioning as antecedent (elicitor, motivational, discriminative and function-
altering) and conaaquant (rainforcing and punitiva) atimuli Behavinral-analyllc theraplsts must consider Ihal: (a) although lhe
occurrence of private behaviors Is not necessary, or even sufficient, to the emisaion of a particular public behavior, the
posslblllty of functlonal relatlons between both types of behavior» exists; (b) the functlonal role of prlvate events must be
identlfied since each controlling functlon may requlre a specific clinicai intervention, and (c) even when functional relatlons
between public and prlvate behaviors are obterved, it Is necessary the addltlonal Identification of tho contingencies of
relnforcement rosponslble for the ongin and maintenance of those relatlons, *uch that the focus of analysls and intervention
is the extornal envlronment.
K#y words: private events, causality, behavlor-behavior relations, behavloral-analytic thorapy

A análise do comportamento tem sido alvo de inúmeras criticas, muitas delas


relacionadas ao papel dos eventos privados na determinação do comportamento humano.
Alguns críticos afirmam que os analistas do comportamento desconsideram os eventos
privados, enquanto outros, mais familiarizados com o behaviorismo radical, argumentam
que, embora Skinner tenha defendido a legitimidade do estudo dos eventos privados em

206 losclc A b rru-R oilnfluei 1 Hisa Tavares Sanabio


uma ciôncia do comportamento, a contribuição dos analistas do comportamento tem se
limitado a incursões filosóficas sobre o tema, sendo ainda bastante obscura a aplicação
da abordagem analítico-comportamental dos eventos privados no contexto clinico. A primeira
critica é comum entre profissionais comprometidos com abordagens mentalistas, revela
desconhecimento da história do behaviorismo e ó facilmente refutável tendo em vista a
proposta do behaviorismo radical. A segunda, por outro lado, ó freqüentemente feita por
profissionais da área (e.g., Anderson, Hawkins, & Scotti, 1997; Dougher & Hackbert,
2000; Wilson & Hayes, 2000) e sugere que os terapeutas analltico-comportamentais ainda
se sentem confusos sobre o que fazer a respeito das emoções e pensamentos de seus
clientes, mesmo 56 anos após Skinner (1945) ter oferecido uma análise extensa sobre o
papel dos eventos privados. Embora seja pertinente afirmar que a área não tem investido
substancialmente no estudo empírico dos eventos privados, de modo que pouco tem sido
acrescentado à proposta inicial de Skinner (na verdade, os trabalhos sobre o tema têm se
restringido a esclarecer a abordagem skinneriana), e que a análise aplicada do
comportamento (em particular, a clinica) continua com dificuldades em descrever relações
entre os comportamentos privado e público, bem como em elaborar intervenções que
incluam eventos privados (Anderson, Hawkins, Freeman, & Scotti, 2000), é também viável
afirmar que esse quadro tem mudado nos últimos 10 anos. O nosso objetivo no presente
trabalho consiste em sistematizar algumas discussões recentes sobre o papel dos eventos
privados na prática clinica. Para tanto, primeiro apresentaremos a proposta do behaviorismo
radical acerca dos eventos privados e, em seguida, discutiremos algumas relações entre
ambiente, eventos privados e comportamento público, bem como algumas possíveis funções
controladoras dos eventos privados e sua relevância para a intervenção clínica.

A abordagem Analítico-Comportamental dos eventos Privados

A expressão "eventos privados" refere-se a eventos tais como pensamentos (verbais


e não verbais), emoções e condições corporais (interoceptivas e proprioceptivas). Esses
eventos são tido como privados porque são acessíveis apenas ao indivíduo que os
experiencia. Entretanto, enquanto fenômenos psicológicos, eventos privados correspondem
apenas aos pensamentos e emoções, sendo esses os eventos que serão aqui discutidos.
As condições corporais, por outro lado, consistem em fenômenos biológicos, tornando-se
relevante para o psicólogo à medida em que participam do controle do comportamento e,
nesse caso, o interesse não ó na condição corporal em si, mas na reação do indivíduo a
tal condição corporal (Tourinho, 1997).
O behaviorismo radical define os eventos privados como eventos físicos, naturais,
tais como os eventos públicos, e não como estruturas hipotéticas, o que ó característico
das posições mentalistas. Eventos privados são comportamentos e, como os demais
(públicos), resultam da história genética e ambiental dos indivíduos (Skinner, 1974). Isto ó,
comportamentos privados são variáveis dependentes e, enquanto tais, não podem ser
considerados causas primárias (iniciadoras) de outros comportamentos (público ou privado,
verbal ou não verbal). Isto não implica em dizer que os eventos privados não influenciam
comportamento. É possível que sim. Comportamentos privados, como os comportamentos
públicos, podem assumir funções de estímulo e, dessa forma, participar da determinação
do comportamento subseqüente (Skinner, 1969; Matos, 1997). Entretanto, a descrição

Sobre Comportamento e CoflnlçJo 207


de relações comportamento-comportamento exige a identificação adicional das
contingências de reforço que deram origem a tais relações (Hayes & Brownstein, 1986;
Skinner, 1989). Por exemplo, se uma pessoa diz (pública ou privadamente) “Eu sou um
fracasso totaf’, é possível que esse ‘dizer’ influencie a maneira como essa pessoa enfrenta
desafios profissionais. Mas, para ser possível intervir na situação, é necessário identificar
as condições ambientais externas responsáveis pelo ‘dizer’ e pela relação entre o ‘dizer’ e
0 'fazer’.
A ênfase na explicação externalista do comportamento resulta de uma tradição
filosófica pragmática, a qual estabelece que os objetivos da análise do comportamento são
a predição e o controle do comportamento. Explicações do comportamento baseadas em
eventos privados podem permitir a predição do comportamento, mas não permitem o controle
do mesmo, uma vez que os eventos privados não podem ser diretamente manipulados. Já
que a única forma de modificar os eventos privados ó por meio da manipulação de variáveis
ambientais externas, o status de variável independente (ou de causa primária) deve ser
atribuído ao ambiente externo, e não ao ambiente interno (Dougher, 1995). Além disso, é
preciso considerar que comportamentos públicos nem sempre são acompanhados por
comportamentos privados e, mesmo quando isso ocorre, comportamentos públicos não sáo,
necessariamente influenciados por comportamentos privados. Nessas duas últimas situações, j
explicações internalistas impossibilitariam até mesmo a predição do comportamento. '

Relações entre Ambiente, Eventos Privados e Comportamento Público |


Forsyth, Lejuez, Hawkins, & Eifert (1996) e Kohlenberg & Tsai (1991)
sugerem diversos tipos de relação entre eventos ambientais antecedentes (A),j
comportamentos privados (PR) e comportamentos públicos (PB), as quais serãoj
apresentadas a seguir:

1. A - ► PB
Nesse tipo de relação, o evento ambiental observável produz diretamente o
comportamento público. Um exemplo seria ir jantar em um restaurante após ter ouvido
comentários favoráveis sobre o mesmo.

2. A - ► PR - ► PB
Aqui, o evento ambiental produz o comportamento privado e este, por meio de
suas funções de estímulo, influencia o comportamento público. Essa relação refere-
se à situação em que uma pessoa ouve comentários favoráveis sobre um restaurante"
pensa “Ando mesmo merecendo um descanso" e sai para jantar.

3. A ”► PR - ► PR PB
Nessa relação, o evento ambiental gera o primeiro comportamento privado, o
qual produz o segundo comportamento privado e este, por sua vez, afeta o
comportamento público. Um exemplo seria a pessoa ouvir comentários favoráveii.

208 losclc A br< u-R oiln#u« l fcliw Idvaret Sarwbio


sobre um restaurante, pensar"Ando mesmo merecendo um descansd', mas em seguida
pensar “É melhor terminar logo meu trabalho, o Congresso está chegando" e permanecer
em casa trabalhando.

PR

PB
Nesse tipo de relação, o comportamento público é afetado diretamente pelo
evento ambiental, mas também é influenciado pelo comportamento privado produzido
pelo mesmo evento ambiental. Aqui, a pessoa ouve comentários favoráveis sobre um
restaurante e, embora esteja inclinada a sair para jantar, isso só ocorre após ter
pensado "Ando mesmo merecendo um descanso

Aqui, o evento ambiental gera tanto o comportamento privado quanto o


comportamento público, mas não há relação entre esses dois comportamentos.Um
exemplo seria a pessoa ouvir comentários favoráveis sobre um restaurante, pensar
"É melhor terminar logo meu trabalho, o Congresso está chegando", e mesmo
assim sair para jantar.

6. A PR
Nessa relação, o evento ambiental afeta o comportamento privado, mas não
há um comportamento público relevante. Aqui, a pessoa ouve comentários favoráveis
sobre um restaurante, pensa "Ando mesmo merecendo um descanso", mas não há
alteração em seu comportamento observável.

7. A - ► PB - ► PR
Nessa última relação, o evento ambiental produz o comportamento público e
este, por sua vez, gera o comportamento privado. Um exemplo seria a pessoa ouvir
comentários favoráveis sobre um restaurante, sair para jantar e esse comportamento
ocasionar o pensar "Ando mesmo merecendo um descanso".

As relações entre ambiente, comportamento privado e comportamento público


acima exemplificadas, embora não incluam todos os tipos de relações possíveis, são
suficientes para indicar que a ocorrência de eventos privados não é condição necessária,
e nem suficiente, para a emissão de um determinado comportamento público. O evento

Sobre Comportamento e Cctynlftio 209


privado pode não ocorrer (Relação 1), pode ocorrer e influenciar o comportamento público
(Relações 2,3 e 4), pode ocorrer e não influenciar comportamento público (Relações 5 e
6), e pode ocorrer e ser ele próprio influenciado pelo comportamento público (Relação 7).
É comum afirmar-se que os terapeutas analítico-comportamentais ignoram os eventos
privados e, desse modo, priorizam a Relação 1, e que os terapeutas cognitivos enfatizam
apenas as Relações 2, 3 e 4 (Forsyth e cols., 1996). Caso Isso seja verdade, pode-se
argumentar que ambos os terapeutas estão negligenciando importantes aspectos do
comportamento humano e, dessa forma, minimizando a efetividade de suas intervenções
clinicas. E se os analistas do comportamento estão ignorando os eventos privados no
diagnóstico e/ou tratamento de comportamentos disfuncionais, tal procedimento não indica
necessariamente que desconsideram a possibilidade de relações funcionais entre o evento
privado e o comportamento público, mas sugere a existência de dificuldades em intervir
terapeuticamente quando tais relações estão presentes.
Embora terapeutas cognitivos e terapeutas analítico-comportamentais argumentem
que eventos privados podem influenciar comportamentos públicos, os modelos causais
adotados por cada uma dessas abordagens estabelecem estratégias de intervenção
diferenciadas. Para os cognitivistas, os eventos privados consistem em causas do
comportamento público. Dificuldades de relacionamento interpessoal, por exemplo, são
atribuídas à baixa auto-estima, expectativas irrealistas e medo de rejeição, de modo que
o objetivo da intervenção clinica seria eliminar ou modificar tais pensamentos e sentimentos
maladaptativos (Dougher, 1993). Para os analistas do comportamento, por outro lado,
eventos privados são comportamentos e, da mesma forma como ocorre com os
comportamento públicos, são causados por variáveis do ambiente externo. Mesmo quando
relações funcionais entre os comportamentos privado e público são identificadas, o foco
da análise e da intervenção contínua sendo o ambiente externo. No exemplo acima, o
objetivo da terapia seria modificar diretamente o ambiente responsável tanto pelas
dificuldades de relacionamento interpessoal (comportamento público), quanto pela baixa
auto-estima, expectativas irrealistas e medo de rejeição (comportamentos privados).
Entretanto, afirmar que a ônfase nas contingências de reforço ó um aspecto crítico
na terapia analítico-comportamental pode não ser suficiente para a elaboração de uma
intervenção efetiva, principalmente naquelas situações em que os eventos privados
participam do controle do comportamento público. Isto porque os estímulos privados, como
os estímulos públicos, podem assumir funções controladoras diversificadas (e.g., estímulo
eliciador, operação estabelecedora, estímulo discriminativo), sendo que cada função pode
exigir alterações ambientais específicas.

Possíveis funções controladoras dos eventos privados

Eventos privados são comumente considerados apenas como produtos colaterais


(epifenômeno) de nossa história genética e ambiental, sem nenhum status funcional na
ocorrência do comportamento público. Entretanto, conforme apontado por Anderson e
cols. (2000), se eventos privados não desempenham nenhum papel importante na cadeia
comportamental, por que teriam sido selecionados por contingências filogenéticas e
ontogenéticas? Além disso, como tais eventos teriam sido mantidos uma vez que pensar

210 )o*fle A brcu-R otlrifiur* l Klisa Tavares Sanabio


envolve gasto de energia e atrasa os reforços para o comportamento público? Skinner
reconheceu a possibilidade de controle por eventos privados e, embora tenha usado o
termo "colateral" diversas vezes (1978,1980), ele o fez para indicar que o evento privado
não deve ser considerado uma causa primária ou iniciadora (esta deve ser buscada no
ambiente externo), e não para afirmar que o pensar é irrelevante da determinação do
comportamento público.
Muitos comportamentos públicos ocorrem sem a participação funcional de eventos
privados (Relações 1 e 5), como é o caso do comportamento modelado pelas contingências.
Outros são influenciados por eventos privados enquanto condições antecedentes (Relações
2,3 e 4) e conseqüentes (Relação 7). Enquanto antecedentes, os eventos privados podem
assumir diversos papéis funcionais tais como de estímulo eliciador, operação
estabelecedora, estímulo discriminativo, estímulo que altera a função de outros estímulos;
e enquanto conseqüentes, os eventos privados podem exercer o papel de estímulos
reforçadores e punitivos.

1) Estímulo eliciador (US e CS)


Estímulos eliciadores são aqueles que eliciam uma resposta em função da história
filogenética (estímulo incondicionado - US) ou da história ontogenótica (estímulo
condicionado - CS) de um organismo Nesse último caso, um estímulo previamente neutro
(NS), ao ser emparelhado com um US (ou mesmo com um CS), adquire funções eliciadoras,
ou seja, sua apresentação produz um aumento na freqüência ou magnitude (ou uma
diminuição na latência) da resposta condicionada. Em decorrência dessa história de
aprendizagem, pensamentos podem exercer funções eliciadoras. Por exemplo, Maria
apresenta dificuldades assertivas no relacionamento com um chefe autoritário e inflexível.
Após um desentendimento recente, em que o chefe lhe fez várias acusações graves diante
de seus colegas e tomou decisões arbitrárias, Maria pensa “Ele foi muito injusto, porque
eu nâo disse nada? Eu deveria ter me defendido. Parece atô que eu era culpada mesmo.
Eu sou muito boba, fraca", e esse pensamento elicia respostas emocionais (privadas e
públicas) que aprendemos a denominar de raiva, medo, frustração, etc. Ao elaborar uma
intervenção, o terapeuta deve considerar que eventos privados podem assumir tal função
eliciadora e que a mesma pode ser enfraquecida apresentando o CS na ausência do US,
ou apresentando o US sozinho. É também possível alterar a função eliciadora de um CS
por meio de contracondicionamento, isto é, emparelhando o CS com outro US (ou CS)
que elicia uma resposta diferente e incompatível (Baldwin & Baldwin, 1986).

2) Operação estabelecedora (EO)


Operações estabelecedoras são eventos, operações ou condições de estímulos
que afetam a freqüência de certos comportamentos ao alterar a efetividade reforçadora
das conseqüências desses comportamentos e a função ocasionadora dos estímulos
discriminativos relevantes. Essas operações podem ser incondicionadas (e.g., privação
de alimento, doença) ou condicionadas (e.g., instruções, presença de certa pessoa), no
caso de seus efeitos serem resultantes da história evolucionária da espécie ou da história
de aprendizagem do indivíduo (emparelhamento de um evento inicialmente neutro com
uma EO incondicionada ou mesmo com uma EO condicionada), respectivamente (Michael,

Sobre Comportamento e C o^m ^lo 211


1993). No exemplo acima, o pensamento auto-depreciativo de Maria pode não somente
exercer funções eliciadoras, mas também enfraquecer os efeitos dos estímulos
discriminativos e reforçadores presentes em seu ambiente de trabalho (enquanto potencializa
os efeitos dos estímulos discriminativos e reforçadores relacionados com comiseração,
sono, isolamento, etc.) e, assim, evocar comportamentos "depressivos" privados ("O que
meus colegas vão pensar de mim? Eu sou um fracasso. Eu vou ser despedida. Nunca
mais vou conseguir um emprego") - que tambóm podem funcionar como EOs - e públicos,
tais como chorar, queixar-se, dormir em excesso, isolar-se socialmente (ver Dougher &
Hackbert, 2000, para uma discussão mais detalhada sobre EOs e depressão). A intervenção
clínica pode incluir a minimização da ocorrência de EOs identificadas ou impedir a
apresentação do SD. É possível tambóm introduzir EOs neutralizadoras, ou seja, EOs
que reduzem o valor reforçador dos eventos produzidos pelo comportamento disfuncional
(Horner, Day, & Day, 1997).

3) Estímulo discriminativo (SD)


Estímulos discriminativos são aqueles que estabelecem ocasião para a emissão
de um comportamento porque a probabilidade do reforço é maior na presença do que na
ausência desses estímulos. É relevante, aqui, diferenciar SDs e EOs. Um SD ó uma
condição de estímulo correlacionada com a disponibilidade diferencial de um evento
reforçador efetivo dado um comportamento particular. Isto implica em dizer que, mesmo
na ausência do SD, o evento seria um reforçador efetivo se tivesse sido apresentado. Uma
EO, por outro lado, está relacionada com a efetividade diferencial de eventos conseqüentes.
Ou seja, na ausência da EO relevante, o evento não apresenta propriedades reforçadoras
(Michael, 1982). Um evento privado pode exercer controle discriminativo sobre um
comportamento (privado ou público) por meio de treino direto, em que o comportamento é
mais provavelmente reforçado na presença do que na ausência do evento privado, ou por
meio de relações de equivalência com um estímulo público com funções discriminativas
(Anderson e cols., 2000). No exemplo em questão, as respostas emocionais eliciadas
pelo pensamento auto-depreciativo de Maria poderiam funcionar como um SD, isto é,
estabelecer ocasião para a emissão do comportamento “Estou tão nervosa. Minha cabeça
parece que vai explodira qualquer momentd", o qual consistiria em um auto-tato discriminado
(Skinner, 1957). Intervenções clínicas deveriam considerar que o controle discriminativo
pode ser enfraquecido por meio de operações que diminuam a correlação entre o SD e o
SR, isto ó, apresentando o SR mesmo na ausência do SD, não apresentando o SR mesmo
na presença do SD, apresentando o SD a despeito da indisponibilidade do reforço, não
apresentando o SD mesmo quando o reforço está disponível. Além disso, ó importante
considerar o procedimento de esvanecimento, ou seja, o estabelecimento de controle de
estímulo por meio da alteração (introdução ou remoção) gradual de estímulo (Catania,
1998). O controle discriminativo tambóm pode ser alterado por meio de manipulações nas
operações estabelecedoras (Michael, 1993).

4) Operação que altera a função de outros estímulos (FAO)


No exemplo aqui discutido, o pensamento auto-depreciativo de Maria poderia evocar,
enquanto uma EO, outro comportamento privado {“Na próxima vez não vou ficar calada,
vou me defender, vou mostrar o quanto ele está sendo injusto"), o qual poderia ocasionar

212 )o*clc Abrcu-Rodri^ucs & His«i T«ivure* Sdrwibio


a emissão do comportamento público correspondente. Anderson e cols. (2000) apontam
alguns problemas na identificação desse comportamento privado como um SD. Para que
essa conceitualizaçáo fosse adequada, o reforço (atenuar ou eliminar as acusações injustas
do chefe) deveria estar disponível quando o comportamento privado ocorresse, mas não
quando ele não ocorresse. É possível que a relação entre o comportamento público e o
reforço seja mais provável após o comportamento privado "Na próxima vez...", mas a questão
é que se o comportamento privado não ocorrer, e mesmo assim Maria agir assertivamente
com o chefe, este último comportamento será reforçado. Assim sendo, "Na próxima vez..."
não estaria correlacionado com a disponibilidade diferencial do reforço e, portanto, não
seria um SD.
Com relaçáoao papel funcional da afirmativa" Na próxima vez...", Schlinger (1993)
e Schlinger & Blakely (1987, 1994) argumentam ser incorreto afirmar que esse
comportamento privado promove diretamente o comportamento público correspondente
em decorrência de uma história de treino discriminativo, e defendem uma explicação
alternativa. Esses autores sugerem que o comportamento privado funciona como uma
FAO, ou seja, uma operação que altera a função de outro estímulo, que então passa a
evocar o comportamento público. Mais especificamente, o comportamento privado altera
a função discriminativa (e, provavelmente, também a função motivacional) das acusações
do chefe, de modo que o comportamento público correspondente (assertividade) torna-se
mais provável quando o chefe faz novamente acusações injustas, produzindo assim
conseqüências mais favoráveis à Maria (supondo que o comportamento assertivo atenue
ou elimine as acusações do chefe).
Existem diversos tipos de FAOs, além daquelas relacionadas com estímulos
verbais (privados ou públicos) antecedentes (Schlinger & Blakely, 1994). Operações que
incluem correlação entre estímulos e que geram estímulos eliciadores, reforçadores e
punitivos condicionados, como também aquelas que enfraquecem tal funções, sào exemplos
de FAOs. No condicionamento operante, o reforçamento potencializa a função motivacional
e discriminativa de EOs e SDs relevantes, respectivamente, enquanto que a punição e
extinção enfraquecem tais funções. As funções de certos estímulos também podem ser
alteradas quando um indivíduo observa essas funções agindo sobre o comportamento de
outro indivíduo (aprendizagem por observação).
Procedimentos que envolvem discriminações condicionais (e.g., matching-to-
sample), em que o reforço é liberado na presença de um SD somente quando outro estimulo
também está presente (o estímulo condicional), geram aprendizagem relacionai
(e.g..equivalência de estímulos, maior do que, diferente de, oposto a) , um fenômeno
comportamental caracterizado por transferência de função entre estímulos. De acordo
com a teoria de redes relacionais, proposta por Hayes e colaboradores (e.g., Hayes &
Wilson, 1993), o comportamento pode ser estabelecido e mantido diretamente por meio
dos condicionamentos respondente e operante, ou indiretamente, por meio de estímulos
que adquiriram suas funções controladoras em decorrência de sua participação em redes
relacionais. Por exemplo, considerando o exemplo acima, Maria pode ter sido repreendida
pelo chefe exatamente no momento em que estava lendo um panfleto de um Congresso
de Astrologia. Em decorrência de sua história de condicionamento verbal, a astrologia foi
correlacionada a diversos estímulos tais como mapa astral, incenso, etc. Maria pode,
então, passar a evitar tais estímulos, não porque foram diretamente emparelhados com as
acusações do chefe e com o panfleto, mas sim porque participam de uma rede relacionai

Sobre Comportamento c Cognlçüo 213


(esse exemplo é similar aquele apresentado por Anderson et al., 1997, p. 170). O mesmo
ocorre com os eventos privados, ou seja, esses podem adquirir funções controladoras
sobre o comportamento público porque participam de redes relacionais (ver Hayes & Wilson,
1993, Hayes & Wilson, 1994, Hayes, Strosahl & Wilson, 1999, e Wilson & Hayes, 2000,
para uma discussão detalhada sobre o tema e para uma proposta de intervenção).

5) Estímulo reforçador (SR)


Estímulos reforçadores positivos aumentam a probabilidade futura da resposta
que os produzem (e diminuem a probabilidade futura da resposta que os eliminam), enquanto
que estímulos reforçadores negativos aumentam a probabilidade futura da resposta que os
eliminam (e diminuem a probabilidade futura da resposta que os produzem). No exemplo
em questão, o pensamento auto-depreciativo de Maria e as respostas emocionais por ele
eliciadas podem funcionar como reforçadores negativos para comportamentos (privados
ou públicos) que elidem respostas emocionais incompatíveis. Intervenções clinicas devem
considerar a possibilidade de eventos privados estarem funcionando como reforço positivo
ou negativo para outros comportamentos privados e para comportamentos públicos.

Conclusão

Em sua tarefa de identificar o papel funcional dos eventos privados, o terapeuta


analltico-comportamental tem lançado mão da interpretação como alternativa metodológica
(Tourinho, 1997). Uma vez que a interpretação se baseia prioritariamente no relato verbal
do cliente, o terapeuta deve considerar dois aspectos importantes (Shimoff, 1986). Primeiro,
o comportamento público nem sempre é acompanhado por comportamentos privados.
Evidências da ausência do comportamento privado, contudo, são difíceis de serem obtidas,
já que indagações sobre o comportamento público podem promover o comportamento
privado. Dessa forma, perguntas feitas durante a sessão terapêutica podem evocar o
comportamento privado naquele momento, sem que o mesmo tenha necessariamente
ocorrido quando o comportamento público foi emitido. Segundo, os relatos verbais do
cliente podem não refletir com fidedignidade seus eventos privados. A inacessibilidade
dos eventos privados à comunidade verbal não permite que esta reforce diferencialmente
tais relatos, o que compromete a acurácia dos mesmos. Dizer que os relatos do cliente
são fidedignos implica em assumir que esses relatos estão sob controle discriminativo
dos eventos privados que eles descrevem, mas não há nenhuma forma precisa de estabelecer
esse controle sem a ocorrência de reforçamento diferencial. Além disso, é possível que o
relato esteja sob o controle de outras variáveis (e.g., conteúdo da pergunta, reação do
terapeuta), que não os eventos privados.
A despeito das dificuldades relacionadas à inacessibilidade dos eventos privados,
pesquisas recentes têm indicado que esses eventos podem ser analisados cientificamente.
Por exemplo, De Grandpre, Bickel, & Higgins (1992) demonstraram que estímulos públicos
e privados podem ser membros de uma mesma classe de equivalência; Oliveto, Bickel,
Hughes, Higgins, & Fenwick (1992) indicaram que eventos privados podem adquirir
propriedades discriminativas; e Taylor & 0 ’Reilly (1997) apresentaram evidências de que
auto-instruções, públicas e privadas, podem influenciar o comportamento público.

214 loscle Abrcu-Rodrifluet t Elisa Tavares Sanabio


A análise dos eventos privados, por meio de interpretação ou experimentação,
apresenta uma característica central: a noção de causalidade. Toda e qualquer causa
comportamental refere-se a eventos ambientais externos, os quais podem ser diretamente
manipulados. Tal afirmação não exclui a possibilidade de que eventos privados possam
funcionar como variáveis de controle numa cadeia comportamental, assumindo funções
respondentes, motivacionais, discriminativas, ou reforçadoras. Entretanto, explicações do
comportamento baseadas somente em eventos privados são incompletas. É necessário
também descrever as variáveis ambientais históricas e atuais responsáveis pelo
estabelecimento e manutenção dessas funções controladoras.

Referências

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Sobre Comportamento e Coflnifüo 215


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216 Joselc Abrcu-Rodrljiucs t Fllsa Tavares Sanubio


Capítulo 29
A partir da queixa, o que fazer?
Correspondência verbal-não-verbal: um
desafio para o terapeuta1
Marcelo F. fíeckcrt
Universidade dc Brasttid

0 comportamento verbal (dizer) do Client» é o recurso mam importante no contato com a rotina desta pessoa lora do ambiente
do consultório, sendo m principal ferramenta para análise e intervenção terapêutica. A função da terapia, entretanto, nAo è
apenas a de aumentar a freqüência do dizer, que pode estar sob controle de variáveis estranhas à correspondência com o
comportamento nAo-verbal (fazer) O cliente pode dizer que fará algo,* nAo fazer e ainda relatar que fez. Assim, o dizer e o
fazer devem ser tratados como classes de respostas distintas, e a correspondência entre os dois, como requisito ao sucesso
da terapia O papel do terapeuta, entáo, è criar con tin g ê n c ia » de reforçamento que estabeleçam e mantenham as
correspondências fazor-dlzer e di/er-fazer Embora seja esta uma divisão apenas didática, pode servir como norte para o
torapeuta orientar sua atuaçAo. Uma dificuldade na implementaçAo è garantir que a correspondência este|a de fato ocorrendo,
sem o contato com o mundo externo do cliente. O uso concomitante de outras técnicas, como registro de emissão do fazer
(pelo próprio cliente ou por terceiros), ou uso de co-terapeutas sAo boas alternativas. Um caso clinico à apresentado como
ilustração do treino de correspondência como prática clinica.
Palavras-chave: correspondência, controle verbal e psicoterapia.

The cliont'* verbal behavior, the main instrument for analysis and therapeutic Intervention, is the theraplst s primary resource
for underatandlng the persorVs routlne outside the office envlronment. Unfortunately, succeasful Ueutment cannot rely
solely on verbal commltments. The Client may say he will do something, not follow through, and report that ho did indeed
perform the speclfíed action Hence, a spoken commitment and the following action should be treated as different response
classes, with the correspondente between them necessary for therapeutic success. The therapisfs role Is therefore to create
patterns of reinforcement which establish and malntain the correlation between verbal commitment and resultant action.
Regardless o( the fact that this is only a dldactlc dlvtslon, such an approach may serve as a foundation for therapy. One
potential compllcatlon therapists face with such an approach is the inability to assure that the client has actually performed
the modified behavior or action, very difficult in the absence of contact with the clienfs externai world. Tlte simultaneous use
of other techniques, such as reglstration of nonverbal behavior emlsslon or the use of cotherapists, may provide good
alternatives. A clinicai case Is presented as an illustration of correspondence training as clinicai practice.
K«y w o rd t: correspondence, verbal control and psychotherapy.

Muitas respostas podem ser dadas para a pergunta do titulo deste trabalho. Afinal,
a complexidade do processo terapêutico não pode ser reduzida a apenas uma
recomendação. O objetivo deste texto é discorrer sobre uma das orientações que norteiam
o terapeuta na sua prática clinica. Assim, ao questionar-se como deverá o terapeuta agir,
após a queixa inicial, uma boa resposta poderia ser 'atuar sobre o comportamento verbal
do cliente’. De fato, trabalhar o que o cliente diz parece ser uma unanimidade entre os
terapeutas e coerente com a maioria das abordagens, inclusive com o Behaviorismo Radical
(Catania, 1999; de Rose, 1997; Kohlenberg e Tsai, 1991; Skinner 1978,1994).
' O autor agradaoa n profMtora JomI* Abrau RodnguM p«lm sugmtOM na elaboração deal* trabalho

Sobre Comportamento e Coflniçüo 217


Vários trabalhos da literatura comportamental buscaram analisar como a conversa
que acontece no consultório pode afetar a vida do cliente fora dali (Ferster, 1972, 1979;
Hamilton, 1988; Hübner, 1999; Kohlenberg, Tsai e Dougher, 1993; Wilson e Blackledge,
2000). Em termos práticos, como atuar sobre a falta de assertividade de um jovem com
seu chefe, a "frigidez" de uma mulher com o marido, mas não com o amante, ou a fobia de
um homem, sem estar em contato direto com esses comportamentos e o ambiente onde
ocorrem? O terapeuta, em seu consultório, atua sobre o comportamento verbal e não-
verbal de seu cliente fora do consultório, e a interação verbal entre os dois ó a causa
primária da mudança terapêutica (e.g., de Rose, 1997; Ferster, 1972,1979; Glenn, 1983;
Hamilton, 1988; Rosenfarb, 1992). Mas como se dá essa atuação?
Uma conversa informal com aqueles que fazem atendimento clínico, do estagiário
ao profissional já não tão iniciante, mostra que aspectos subjetivos, místicos, metafísicos
e ató mesmo pessoais são citados nas respostas de alguns. Infelizmente, nesses casos,
pouco pode ser observado que demonstre uma forma coerente e coesa de atendimento.
Isso pode levar a uma questão preocupante. Alguns terapeutas, ou futuros terapeutas,
não sabem como e por que a interação verbal ocorrida durante a sessão pode controlar
o comportamento verbal e/ou não verbal de seu cliente, em seu ambiente natural. Será
que apenas conversar basta? Seria a terapia realmente a "cura pela fala"?

Verbalização: armadilha montada


! Alguns defendem que, na análise do episódio verbal e na sua intervenção, se dá e
se esgota parte da psicoterapia (Sanfanna, 1992). Entretanto, a função da terapia não é
apenas funcionar como ‘treino de verbalização’. Ainda que fosse, ela não seria efetiva.
Essa idéia é reforçada pela literatura da análise comportamental na clínica, que mostra
que a verbalização do cliente durante a sessão, na interação direta com o terapeuta, pode
estar sob controle de variáveis estranhas à correspondência com o comportamento não*
verbal fora do consultório. Apenas o reforçamento da verbalização específica do cliente,
posterior e/ou anterior à oportunidade de emissão do comportamento não-verbal, não
aumenta a freqüência deste último comportamento. Muitas vezes, essa verbalização
consiste em uma resposta de fuga de uma situação constrangedora, como revelar uma
dificuldade que impeça a emissão do comportamento desejado. Então, nessa situação, o
cliente diz 'o que o terapeuta gostaria de ouvit*’ e recebe o reforço social deste (ver, entre
outros, Ferster, 1972, 1979; Glenn, 1983; Hamilton, 1988; Kohlenberg e Tsai, 1991;
Rosenfarb, 1992).
Uma armadilha a ser evitada é justamente a falta de correspondência entre o que
o cliente diz que fez ou fará (comportamento verbal) e o que realmente fez ou fará
(comportamento não verbal). Quando isso ocorre, estamos diante de um problema clínico,
que, muito provavelmente, pode colocar em jogo o sucesso da terapia. Cabe ao terapeuta
não ficar sob controle apenas da verbalização de seu cliente. A forma do comportamento
verbal não diz muita coisa. O que o cliente diz não é o fundamental e, sim, por que ele diz
(Glenn, 1983); o ponto crítico é função, e não estrutura (Skinner, 1978).
Destaca-se, então, a verbalização como condição necessária, mas não suficiente,
para as mudanças desejadas pelo cliente. Cumpre repetir que a verbalização do cliente
durante a sessão pode estar sob controle de variáveis estranhas à correspondência com o
comportamento não-verbal fora do consultório. O cliente pode dizer que fará algo, não

218 M«»rcelo fc. Heckcrt


fazer e ainda relatar que o fez. Nesse caso, o dizer e o fazer estarão sendo mantidos por
diferentes contingências. Assim, o comportamento verbal e o comportamento não-verbal
devem ser tratados como classes de respostas distintas, e a correspondência entre os
dois como principal requisito ao sucesso da terapia.

Correspondência e Terapia

Catania (1999) define a palavra como "um meio de levar as pessoas a fazerem
coisas" (p. 272). Segundo Catania e colaboradores, a mudança no comportamento verbal
de um indivíduo pode facilitar a mudança no comportamento não-verbal correspondente.
Com apoio empírico, esses autores indicam também ser mais fácil mudar o comportamento
humano modelando aquilo que alguém diz do que modelando diretamente aquilo que alguém
faz (Catania, Matthews, e Shimoff, 1982; Catania, Matthews, e Shimoff, 1990).
Entretanto, ditos populares presentes na linguagem cotidiana, refletem que essa
correspondência entre o dizer e o fazer nem sempre ocorre (e.g., "faça o que eu digo, mas
não o que eu faço”, ou "falar é uma coisa, fazer é outra"). Na clínica, a falta de
correspondência pode ser observada na forma de tatos inadequados - mentira, observação
pobre ou negação - e talvez seja uma das classes de resposta mais comuns no início da
terapia (Glenn, 1983).
Dessa forma, o papel do terapeuta - e talvez seu maior desafio - é criar contingências
de reforçamento que estabeleçam e mantenham a correspondência. Ferster (1979) ressaltou
esse papel do terapeuta, afirmando que a correspondência entre comportamento verbal e
eventos externos pode ser "alvo de uma análise comportamental, sendo esta uma das
incumbências mais importantes da terapia" (p. 30).
Ao buscar desenvolver a correspondência, o terapeuta deverá focalizar dois
repertórios importantes de seu cliente: autoconhecimento e autocontrole.
Freqüentemente, em um primeiro momento, o cliente verbaliza sobre seu mundo,
sua história e seus problemas, fazendo com que o terapeuta identifique as variáveis que
controlam seus comportamentos, principalmente os mal-adaptados. Assim, é possível
planejar estratégias para a aprendizagem de novos comportamentos (Ferster, 1979; Guedes,
1997). Neste momento, um objetivo importante para o terapeuta é modelar tatos fidedignos
acerca do 'mundo' interno e externo do cliente, ampliando seu comportamento de auto-
observação (Ferster, 1972; Glenn, 1983) e promovendo a correspondência fazer-dizer.
Fazendo uso da sua interpretação, o terapeuta funciona como um observador que verifica
possíveis discrepâncias entre comportamento verbal e não-verbal do cliente. Com a ajuda
do terapeuta, o comportamento do cliente de descrever as contingências das quais seu
comportamento é função passa a ficar mais preciso, apresentando melhor autoconhecimento
(Tourinho, 1995). de Rose (1997) vê na psicoterapia uma metodologia para refinar o
autoconhecimento, especialmente no que diz respeito ao controle discriminativo exercido
pelo mundo privado do indivíduo. Segundo este autor, o argumento que ampara a importância
do investimento no autoconhecimento está na verificação de que o conhecimento que a
pessoa tem de si mesma tende a ser menos preciso do que o conhecimento do mundo
externo, já que a comunidade não tem acesso ao estado de coisas privado que deveria

Sobre Comportamento e C ognitfo 219


exercer controle sobre esse tipo de tato. Essa falta de contato da comunidade com o
ambiente interno do falante dificulta que se reforcem apenas tatos fidedignos. Sendo a
resposta verbal emitida na ausência de um estimulo aberto, ao ouvinte resta confiar em
suas inferências e em possíveis correlatos públicos.
O terapeuta poderá, então, fazer uso de estratégias que possibilitem averiguar a
correlação entre eventos privados e comportamentos manifestos. Pode, por exemplo, instruir
o cliente a definir operacionalmente respostas como raiva, medo ou depressão - “você
disse que estava deprimido; o que você fez nesse momento?"- e verificar se a descrição do
cliente sobre seu estado interno é coerente com os comportamentos públicos.
Em um segundo momento, buscam-se mudanças comportamentais. Nesse caso,
a tarefa consistiria em ajudar o cliente a identificar formas alternativas de comportamento
e suas possíveis conseqüências reforçadoras, de modo a incentivá-lo a implementar esses
comportamentos. Aqui, enfatiza-se a correspondência dizer-fazer. Quando um sujeito diz
que irá fazer X e depois cumpre sua previsão, fazendo X, ele estará demonstrando
autocontrole. Essa idéia ó compatível com a conceituação de Skinner (1994) para
autocontrole - duas respostas diferentes emitidas pelo mesmo sujeito: a que controla e a
que é controlada. A primeira afeta variáveis ambientais de forma a alterar a probabilidade
da segunda. O dizer anterior pode exercer controle discriminativo sobre o comportamento
não-verbal, aumentando a probabilidade de sua emissão.
Uma intervenção possível no treino da correspondência dizer-fazer é tornar mais
explícito o dizer do cliente. Pode-se definir, por exemplo, o que fazer para “facilitar a
conversa com a mãe". O terapeuta poderá, então, intervir para tornar a promessa a mais
objetiva possível. 'Perguntar como foi seu dia de trabalho' é diferente de ‘tentar falar mais
com ela'. A primeira é uma promessa mais fácil de ser checada e, portanto, passível de
ser usada no treino da correspondência dizer-fazer.
Ferster (1979) provê uma interessante anaíogía do papel do terapeuta - "um
observador treinado" (p.34) - com um professor de violino (veja Figura 1). Em um primeiro
instante, o professor ajuda seu aluno a observar nuanças no som que é primeiramente
percebido apenas por ele, e não pelo aluno. Inexperiente e sem muita história de interação
com essa nova estimulação, o aluno novo não sabe discriminar as diferenças entre as
notas executadas. O aluno deverá aprender a observar; diferenciar uma nota da outra e as
certas das erradas. Observar mais e melhor é o pré-requisito necessário’ para a melhor
descrição, um passo posterior.

> CONHECER CO NT R OE A R

Figura 1. Repertórios comportamentais comuns na terapia


Observar e descrever são dois repertórios distintos, embora complementares. A
descrição é uma forma de tornar pública uma observação e uma boa alternativa para que
o professor avalie a habilidade de seu aluno em diferenciar o certo do errado. O conhecimento

220 Marcelo F. Beckert


sobre como executar determinada nota aumenta à medida em que o aluno também passe
a descrever corretamente a topografia do movimento necessário para esse som. Quando
o aluno de música conhece as notas musicais e sabe dizer quando erra ou acerta, ele
aumenta as chances de saber a razão do erro, e o professor poderá ficar mais tranqüilo:
seu aluno apresenta as condições para controlar melhor suas respostas. O próprio som
de seu violino servirá de conseqüência para que o movimento correto seja mantido e o
errado evitado.
O papel do terapeuta ó semelhante. Observar seu comportamento e descrevê-lo
fidedignamente - correspondência fazer-dizer- são condições para que o cliente conheça
melhor este comportamento. O repertório verbal descritivo desenvolvido na terapia aumenta
a observação em outros ambientes, porque a habilidade de observar eventos na vida está
intimamente ligada à habilidade de falar sobre eles. Ao distinguir as ocasiões em que um
comportamento ó emitido ou não, o cliente terá melhores condições para descrever seu
comportamento, enfatizando as variáveis que o mantêm. O cliente apresenta autoconhecimento
quando é capaz de fazer análises funcionais sobre seus próprios comportamentos (Guillardi,
1995).
Semelhante à situação do aluno de música, ao conhecer melhor sua interação
com o ambiente e as conseqüências dessa interação, o cliente terá também melhores
condições de controlar esse ambiente e, assim, controlar suas respostas. Poderá antecipar-
se e verbalizar, prevendo quais respostas deverão ser emitidas - correspondência dizer-
fazer.
Cabe ressaltar que observar, descrever, conhecer e controlar são quatro repertórios
independentes. Uma pessoa poderá fazer algo sem saber dizer como o fez, efeito comum
naqueles comportamentos modelados por suas conseqüências. Esse, porém, não deve
ser o objetivo da terapia. Não basta que o cliente faça. A habilidade em descrever o que
fez e/ou o que fará é importante para que o cliente possa elaborar suas auto-regras,
facilitando a generalização para outros ambientes e outras interações. Conforme Beck
(1967), o contraste entre uma vida acompanhada pelo comportamento verbal e a ausência
de tal acompanhamento verbal é similar à diferença entre um mundo ordenado e previsível
e outro que é mudado pelo capricho.
Em suma, é importante que o terapeuta ressalte a relação da cadeia fazer-dizer
com autoconhecimento e da relação dizer-fazer com autocontrole. Afinal, conhecer e
controlar melhor a própria vida sáo, quase sempre, importantes objetivos escolhidos pelos
clientes para suas terapias. Entretanto, seria uma ilusão tentar entender a complexidade
da relação terapeuta-cliente dividindo o processo terapêutico nesses dois momentos (ou
duas ‘seqüências’) estanques: cliente relata o ocorrido (‘fazer-dizer’) e cliente se propõe a
implementar certos comportamentos (‘dizer-fazer’). Atentando para os riscos da super-
simplificaçâo, trata-se de uma divisão didática, mas que serve de norte para o terapeuta
orientar sua atuação.

Tatos imprecisos: dificuldade na implementação do Treino de Correspondência

Não há dúvida de que a maior limitação do treino de correspondência na clínica é


quanto á fidedignidade do relato verbal do cliente. Nesse ponto, toma-se importante recorrer

Sobre (.'omport.imenfo c Coflniçilo 221


à diferenciação entre reforçamento natural e arbitrário, proposta por Ferster (1967). No
reforçamento natural, considera-se o que o cliente já possui como repertório
comportamental, começando com desempenhos que já existam, algo que não seja uma
resposta inteiramente nova para ele. Uma resposta reforçada naturalmente está mais de
acordo com o ambiente do cliente e faz parte de uma classe mais ampla de respostas. O
reforçamento natural, no processo terapêutico, beneficia mais quem recebe o reforço-o
cliente - do que quem libera - o terapeuta.
O reforçamento arbitrário, por sua vez, não considera tanto o repertório existente,
podendo exigir respostas estranhas, inéditas ao cliente. O desempenho especificado pelo
reforçamento arbitrário ó bem mais limitado, ou seja, é um comportamento que faz parte
de uma classe restrita de respostas. Assim como o reforçamento natural, o arbitrário
também promove mudanças na pessoa cujo comportamento ó reforçado, mas essas
mudanças beneficiam sobretudo quem está liberando o reforço.
Por exemplo, evitar dores, ter uma melhor saúde bucal, ter um belo sorriso e um hálito
agradável servem como reforçadores naturais para o comportamento de uma criança escovar
os dentes. A mesma resposta, se for emitida para que posteriormente a criança tenha o direito
de assistir ao desenho animado, estará sendo mantida por reforçamento arbitrário. A relação
entre dentes escovados e assistir à televisão ó artificial, arbitrariamente imposta.
O comportamento verbal do cliente pode estar sendo mantido por reforçamento
natural ou arbitrário. A descrição fiel de uma história passada, por exemplo, pode estar
sendo reforçada pelo simples fato de o ouvinte passar a conhecer o evento por meio da
verbalização do falante e, assim, poder expressar sua opinião a respeito. Nesse caso, a
fidedignidade do relato verbal ó mantida pelo reforçamento natural de relatar com precisão.
Se, por outro lado, a fala estiver sob controle do ouvinte, no caso o terapeuta, em que o
cliente fala o que ó esperado, sendo reforçado pelo terapeuta por isso, esse comportamento
verbal estará sendo mantido por reforçamento arbitrário.
O comportamento verbal do cliente reforçado arbitrariamente é estreitamente
controlado pelo terapeuta. Esse comportamento potencialmente não estará disponível ao
cliente na ausência dos objetivos especiais da psicoterapia (Ferster, 1972). Assim, ó mais
provável a correspondência estar ocorrendo se o dizer do cliente estiver sendo mantido por
reforçamento natural.
Uma forma de aumentar a probabilidade de o comportamento verbal estar sendo
reforçado naturalmente ó o terapeuta servir de audiência não-punitiva, permitindo que o cliente
relate suas interações com o mundo externo sem que esse comportamento seja punido.]
Quando o terapeuta não reage da mesma forma que os ouvintes no passado do cliente, aí
está a oportunidade de o relato ser reforçado por estar tateando algo. O cliente não corre o
risco de ser condenado ou punido por conta do conteúdoóe seu relato. O terapeuta poderá, <
assim, reforçar o simples comportamento de descrever. Agindo dessa forma, estará
favorecendo que a fala do cliente funcione como tato fidedigno, correspondente ao evento
não-verbal anterior, na seqüência fazer-dizer, ou posterior, na seqüência dizer-fazer.

Exemplo de Treino de Correspondência na clínica \

W.W., 20 anos, sexo masculino, solteiro, morava com a mãe. Cursava supletivoJ
do ensino médio. Era usuário de maconha e merla há um ano. Problema com policial

222 Marcelo K. Beckcrt


(prisão por porte de droga) gerou grande pressão da família extensa, o que motivou procurar
terapia.
Em uma primeira investigação, o cliente deixou claro que o consumo de drogas
era mantido por reforçamento negativo. Muito tímido, com repertórios de comunicação e
assertividade pouco elaborados, o uso da droga funcionava como fuga/esquiva de ansiedade
relacionada a situações sociais em que essas habilidades eram mais exigidas: festas,
finais de semana, exigências da mãe, quanto a procurar trabalho, ou do pai, quanto a
arrumar namorada. A linha de atuação terapêutica focalizou observação e discriminação
de situações antecedentes e conseqüentes, treino de habilidades sociais (empatia,
assertividade, comunicação) e, paralelamente, reforçamento de comportamentos escolhidos
pelo cliente como concorrentes ao uso da droga, sobretudo á “fissura" sentida após alguns
dias de abstinência.
Com uma história desportiva, o cliente escolheu a corrida de longas distâncias
como comportamento concorrente. Achou a escolha importante porque ele já praticava
atletismo e sentia-se mal por tê-lo abandonado: “É uma turma muito sadia, e queria voltar
a andar com esse povo", dizia ele. A escolha desse comportamento não-verbal foi
considerado como adequada por várias razões. Primeiro, a corrida já fazia parte do repertório
do cliente. Segundo, ela estava ligada a outros reforçadores naturais (e.g., grupo social,
atividade física intensa como parte do tratamento de desintoxicação das drogas). Terceiro,
ele se dizia muito competitivo, e a própria competição inerente ao esporte ó incompatível
com uso de substância que prejudique o seu rendimento. Quarto, é um comportamento de
registro fácil, podendo ser por tempo ou distância percorrida, permitindo checar as
informações passadas verbalmente pelo cliente. A previsão da magnitude e/ou freqüência
do comportamento também ó simples e objetiva.
O treino utilizado foi da cadeia dizer-fazer-dizer, apontada por Beckert (2000) como
seqüência potencialmente poderosa na implementação e manutenção de comportamentos
não-verbais e bem adaptável ao setting da psicoterapia.
W.W. deveria correrem dias alternados, sempre no mesmo local e horário (pela
manhã). A unidade de medida do comportamento escolhida foi o tempo em minutos (mais
fácil do que distância percorrida). O objetivo a ser alcançado foi a corrida de 90 minutos,
tempo médio que o cliente corria durante a época em que treinava. A Figura 2 ilustra os
resultados.

D IA S

F ig u ra 2: ir m p o ilr c o rrid a rm caria dia. A lin h a h o r ir o n la l Indica


o o b je tiv o r illp u la d o . Sela» in dica m d la i dc a trn d lm r n lo .

Sobre C omportamento c C oflniçJo 223


Primeiro W. W. registrou sua linha-de-base, que consistiu em 15 minutos de corrida.
Em seguida, o cliente foi instruído a fazer três registros em uma tabela oferecida pelo
terapeuta: 1) durante a sessáo, ele fazia uma previsão de quanto tempo iria correr nos dias
até a próxima sessão: 2) em casa, na noite anterior, registrava o tempo que ele iria correr
na manhã seguinte; 3) em casa, após a corrida, registrava o tempo que realmente correra;
4) durante a sessão, ele relatava a cadeia dizer-fazer-dizer. No quinto dia, por exemplo, o
cliente relatou: “eu escrevi que iria correr 45 minutos, mas na verdade eu corri 60 minutos
e coloquei esses 60 minutos na minha tabela".
Sua progressão foi marcante, ultrapassando qualquer expectativa, devido ao
crescimento acelerado na magnitude de seu comportamento não-verbal. Observa-se que,
já no sexto dia de treino, ele alcançou 100 minutos e, até esse ponto, suas previsões
haviam sido sempre aquém do observado. Houve uma queda no desempenho do sétimo
para o oitavo ("acho que exagerei muito no dia passado"). Nesse dia, em terapia, foi
ressaltado o objetivo firmado, que não havia necessidade de ir além disso e que talvez ele
estivesse forçando demais. Essa Intervenção funcionou como um promptpara que ele
estabelecesse 90 minutos como comportamento verbal alvo. Essa estratégia é muito
utilizada em procedimentos empíricos com o objetivo de tornar o comportamento verbal
alvo mais rápido e mais explícito (Deacon e Konarski, 1987; Paniagua e Baer, 1982;
Whitman, Scibak, Butler, Richtere Johnson, 1982).
A partir do nono dia de corrida, terceira sessão em treino de correspondência, W. W.
passou a apresentar correspondência dizer-fazer-dizer. Os registros terminaram após 13
dias de corrida. Sete sessões de terapia ocorreram após esse momento, com W. W. afirmando
que mantinha os treinos, correndo sempre 90 minutos. Seu objetivo passou a ser correr
maior distância com o mesmo tempo, e começara a fazer o registro desses dados,
voluntariamente.
Durante as sessões, o terapeuta checava a distância que ele havia percorrido. O
terapeuta teve ainda a oportunidade de conversar com a mãe de W.W. sobre seus treinos.
Esses dois aspectos foram importantes no sentido de dar segurança quanto à fidedignidade
dos dados. Concomitante a esse processo, o cliente realizou exames toxicológicos
bimestrais. Os exames mostravam a diminuição na concentração de tetrahidrocanabinol
na urina de W.W., indicio irrefutável de que a desintoxicação estava com bom progresso.
Analisando o caso clinico de W.W. à luz da proposta apresentada, ressalta-se
que o treino de correspondência é uma prática simples de ser implementada, objetiva para
o acompanhamento em supervisão e adaptável a praticamente todas as classes de
comportamentos não-verbais.
Por fim, uma vez definida a queixa inicial, existem várias possibilidades de o
terapeuta implementar aquilo que tem como objetivo. Uma dessas possibilidades é utilizar
alguma estratégia que aumente a correspondência entre aquilo que o cliente diz na sessão
e o que ele faz em seu mundo externo ao consultório. Uma vez associado a técnicas de
registro e auto-registro, uso de co-terapeutas, principalmente no atendimento de crianças
e adolescentes, ou utilização de outros correlatos públicos, o treino de correspondência
promete ser uma boa alternativa no processo terapêutico. Quem sabe assim os clientes
possam mudar o dito popular para "faça o que eu digo e faça o que eu faço".

224 M .ircd o t . Bcrkfrt


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226 M iirc d o h Bcckort


Capítulo 30
O estudo do desamparo aprendido como
estratégia de uma ciência histórica
/
Miirid /c/cnü Leite funziker/
Universidade de SJo Paulo

A complexidade do comportamento humano ao produz na história do sujeito. O fato dos processos comportamentais
passados nâo poderem ser diretamonte observados traz dificuldades para o estudo do comportamento, da mesma maneira
que o faz pura outras clônclas históricas. Porém, assim como a biologia evolucionárla se desonvolvo a despeito de nâo ter
«cesso direto aos eventos passados que geraram a complexidade atual dos seres vivos, também o estudo do comportamento
pode ser desenvolvido apesar do dlflcil acesso A história do indivíduo que o apresenta. Essa limitação é reduzida no
laboratório animal, onde é possível criar experimentalmente diferentes histórias individuais, podendo-se analisar o comportamonto
em funçflo da interação entre as contingências atuais e as que ocorreram anteriormente. 0 estudo do "desamparo aprendido’
é citado como um exemplo dessa estratégia de investigação: tem sido observado que, frente a uma mesma contingência de
reforçamento, sujeitos apresentam comportamentos diferenciados dependendo do tipo de experiêivjíi* prévia quo tiveram
com eventos aversivos controláveis ou incontroláveis Sflo apresentados alguns dados experimentais que Ilustram a
interferência de contingências passadas no comportamento e na fisiologla atuais do organismo.
Palavras-chave: análise do comportamento, ciência histórica, desamparo aprendido, controle aversivo, comportamento
animal

The complexlty of human behavior n produced along the history of the subject Tho imposslbillty of direct access of past
behavioral processes brings dlfflculties for the ítudy of behavior. Howover, the same problem has been faced by other
historical Bciences without preventing tltelr development. Llke evolutionary Biology - that has been developed In splte of the
partial knowladge of the past origina of the present complexlty of the organisms • the behavior study has been developed In
■pite of the partial knowledge of the individual behavior history (past contingencies). In laboratory studles, uslng non-human
animais, this problem is reduced because it is possible to manipulate many different histories of relnforcement, gettlng direct
data for analysis of the tnteractions h«tween present and past contingencies. The "learned helplessness" studles are one
example of this strategy of Investigation: it has been observed that under the game relnforcement contingency, different
subjects show different behaviors as a function of their previous experlence with controllable or uncontrollable aversive
ttimult. Some learned helplessness experimental data are presentad, lllustrating the interfereoce produced by past contingencies
on the present behavior and the physiology of organisms.
Kay words: behavior analysls, historical sciences, learned helplessness. aversive control, animal behavior.

Do ponto de vista científico, procura-se compreender o comportamento humano


como um todo, desde as suas manifestações mais simples até as mais complexas, desde
as consideradas normais até as classificadas como patológicas. Ao olharmos o ser humano,
podemos nos perguntar; Porque cada indivíduo tem uma forma tão única de ser? O que nos
leva a tomar decisões ou fazer escolhas? Como solucionamos problemas? Como lembranças
do passado ou planos para o futuro nos afetam no momento presente? O que leva alguém a
ser um artista, um cientista, um atleta, um empresário, um louco ou um vagabundo? Responder
a essas, e outras perguntas, é a meta da ciência do comportamento.

Anotofi é pesquisadora do CNPq (processo 923 012/95-8)

Sobre Comportamento c CoRmvilo 227


Para tanto, o behaviorismo radical nos aponta como critica a análise da interação
constante que ocorre entre o indivíduo e o seu ambiente. Contudo, não nos basta considerar
o ambiente, ou o organismo, como entidades estáticas. A concepção de interação, que
define o comportamento, engloba a premissa de que tanto organismo como ambiente
estão em continua mutação, e que essa mutação (ou, ao menos, parte dela) decorre da
interferência mútua entre eles. Do ponto de vista comportamental, pode-se afirmar que o
organismo ó continuamente modificado na sua interação com o meio ambiente, da mesma
forma que o ambiente é modificado pela ação do organismo. Assim, quando analisamos
um processo de aprendizagem, estamos considerando que aquele organismo que aprendeu
já não ó o mesmo de antes, nem o é o ambiente no qual ele está inserido. Portanto, é a
concepção de mutação continua, tanto dos organismos como do meio ambiente, que
fundamenta a análise do comportamento.
A perspectiva de mutabilidade constante da natureza ó parte integrante também
de outras ciências. Dependendo do objeto de estudo, podem-se ter diferenças marcantes
quanto ao ritmo dessas mudanças, o que não anula o fato de que elas ocorrem em todos
os fenômenos naturais. Por exemplo, mudanças no planeta - tais como o movimento dos
continentes - só podem ser identificadas com tecnologia muito específica, sendo
perceptíveis apenas dentro de uma escala de tempo que extrapola a duração de uma vida
humana. Porém, isso não muda o fato de que o planeta está em constante mudança.
Também em relação aos seres vivos, podemos trabalhar com escalas de milhares de anos
para considerar, por exemplo, a evolução das espécies. A aparente permanência de alguns
fenômenos é apenas uma questão de inadequação da escala temporal utilizada na sua
análise.
A concepção de que mudança é o fenômeno mais constante na natureza afeta a
ciência do comportamento. Sobre essa premissa da mutabilidade (o comportamento não
“é," apenas “está"), somam-se as estratégias de investigação que buscam compreender
porque, ao longo desse processo, alguns comportamentos surgem, outros se mantém por
longos períodos, enquanto que outros desaparecem. Para responder a essas questões, a
estratégia básica da análise do comportamento se assemelha à da Biologia evolucionária
que investiga o contínuo de variação (aparecimento) e seleção (manutenção ou
desaparecimento) do seu objeto de estudo.
Sabemos que mudanças anatômico/fisiológicas, selecionadas ao longo de um
período evolucionário, caracterizam as diferenças entre-espécies, bem como as
semelhanças intra-espécie. Como o organismo é parte integrante do comportamento,
deduzimos que nosso comportamento atual sofre ainda os efeitos dessa seleção a que
foram submetidos nossos ancestrais, o que torna a genética uma ciência aliada para uma
compreensão global do comportamento. Nesse sentido, o projeto Genoma, tão em destaque
no momento, provavelmente trará informações que repercutirão na ciência do
comportamento.
As muitas semelhanças entre indivíduos da mesma espécie refletem, dentro dessa
análise, a manutenção de características que foram selecionadas e replicadas entre os
indivíduos a ela pertencentes. Saber que todos os seres humanos são descendentes de
"poucas Evas” - como apontado recentemente por estudos antropológicos - nos instiga a
olhar as enormes semelhanças entre os índívíduos, independentemente das variações
culturais que são, muitas vezes, gritantes. Contudo, se a evolução nos destaca a seleção
das semelhanças, são as diferenças, também marcantes entre os indivíduos, que apontam

228 M aria I Iclcna l.cilc I lu n /ik rr


para os processos de variação em curso. Variação e seleção constituem, portanto, a mola
básica para se compreender a complexidade dos seres, tanto ao nlvel fisiológico como
comportamental.
Dentro de uma mesma espécie, as prováveis causas da diferenciação de cada
indivíduo pode ser buscada, em grande parte, na sua ontogenia, ou seja, na sua história
particular de interação com o ambiente. Portanto, sobre uma base comum, determinada
filogenéticamente, a ontogenia constrói a singularidade de cada indivíduo. No contexto
analítico do comportamento, buscamos identificar as contingências de reforçamento em
vigor, responsáveis pela manutenção dos padrões comportamentais apresentados. Contudo,
a diferenciação gradual do comportamento que se dá no contexto ontogenético não se
processa apenas no momento presente, mas atua sobre uma base comportamental
selecionada no passado particular desse mesmo indivíduo. Em outro nível de análise,
repete-se a lógica evolucionária, que pressupõe uma base inicial comum sobre a qual as
particularidades são gradualmente selecionadas: algumas mantidas, outras extintas.
Conseqüentemente, a análise das contingências atuais, responsáveis pela
manutenção do comportamento, só se justifica se associada á análise (histórica) das
contingências que selecionaram, dentre as variações de comportamentos apresentados
pelo indivíduo, aqueles que formam hoje o seu repertório comportamental (sobre o qual
trabalham as contingências em vigor). Assim, além dos determinantes genéticos (que
forneceram a base biológica do comportamento sobre a qual a ontogenia atua) e das
contingências presentes (que selecionam ou mantém comportamentos), temos que analisar
o produto comportamental que foi selecionado pelas contingências experimentadas pelo
indivíduo ao longo do seu passado.
Considerando-se que a história individual é uma fonte considerável de determinação
do comportamento presente, podemos deduzir que, quanto mais longo o passado, maior
a possibilidade de interações entre as múltiplas contingências experimentadas pelo
indivíduo, o que pode significar comportamentos crescentemente mais complexos no
sentido de que seu controle passa por uma ampla e intricada rede de determinantes que
extrapolam as contingências às quais temos acesso no momento presente. Por esse
motivo, não é surpreendente que, comparativamente ao comportamento de uma pessoa
idosa, o comportamento de uma criança possa mais facilmente ser associado às
contingências atuais. Da mesma maneira, é inevitável que as experiências ocorridas na
infância tenham, via de regra, efeitos muito marcantes na sua vida do adulto, pois formaram
o alicerce sobre o qual se construiu seu “edifício" comportamental.
Portanto, dessa perspectiva, pode-se dizer que a psicologia é uma ciência histórica.
Ela busca leis gerais que possam explicar a grande diversidade comportamental dos
indivíduos considerando um passado que promoveu mudanças que interferem no seu
repertório comportamental, sobre o qual incidem as contingências presentes.
Comparativamente à biologia evolucionária, que lida com uma escala de milhares ou milhões
de anos para compreender a atual diversidade e complexidade anatômica/fisiológica dos
seres vivos, os analistas do comportamento lidam com processos que podem se dar em
períodos muito mais curtos, no máximo de algumas décadas, ou seja, ao longo do tempo
de vida de uma pessoa. Porém, independentemente da diferença de escala de tempo
usada nessas ciências, o conhecimento do substrato presente e dos mecanismos de
variação e seleção que atuam sobre o fenômeno em estudo permite, em ambas, a
possibilidade de previsão e modificação da sua ocorrência no futuro.

Sobre Comportamento e Cognifílo 229


Seguindo os passos dos primeiros behavioristas (Watson e Thorndike), Skinner
(1981) propôs formalmente a seleção pelas conseqüências como uma das leis gerais do
comportamento, ou seja, como um dos mecanismos críticos de seleção do repertório
comportamental do indivíduo. Segundo ele, tanto no período evolucionário como ao longo
da vida do indivíduo, seria a relação de conseqüenciação uma das principais responsáveis
pela diferenciação comportamental (Skinner, 1984).
Uma grande dificuldade nessa análise ó o fato de que as contingências evolucionárias
podem ser apenas supostas. Ao contrário de outras ciências históricas que podem contar
com fósseis ou marcas físicas deixadas por eventos passados, a análise do comportamento
não conta com esses dados, uma vez que comportamento não deixa marcas. Apenas
indiretamente pode-se considerar que os organismos, na forma como existiram ao longo da
sua evolução, tiveram características que condicionavam a probabilidade de ocorrência de
determinados comportamentos. Informações provenientes de outras ciências (biologia,
antropologia, etc) nos permitem traçar, hipoteticamente, uma análise comportamental
evolucionária. Porém, até o momento, muito pouco pudemos caminhar nessa direção além
de formular hipóteses através de evidências indiretas. Assim, pela falta do "fóssil
comportamental", a análise histórica do comportamento tem sido centrada quase que
exclusivamente sobre as contingências ontogenéticas.
E isso não tem sido pouco. É nessa ontogenia que podemos buscar as origens
dos valores morais e éticos, dos medos, desejos, projetos, lembranças, crenças, enfim,
de toda a gama de comportamentos públicos ou encobertos que compõem o indivíduo e
que interagem com as contingências presentes. Independentemente da linguagem utilizada
- mentalista, como acima, ou em termos operacionais de relações de eliciação,
reforçamento, punição, extinção, discriminação, etc - o que importa é que se estabeleça
uma precisa análise funcional do comportamento, identificando-se as relações (presentes
e passadas) entre o que o indivíduo faz (respostas) e o que ocorre no ambiente (estímulos).
Essa aparente simplicidade esbarra em uma questão metodológica: dadoqueo
passado é algo que já não existe, como podemos lidar com essa classe de eventos para
explicar o comportamento atual? Essa é a dificuldade maior de todas as ciências históricas,
e para a qual a única saída é buscar indícios indiretos desse passado. Diferentemente da
análise ao nível filogenético, a ontogenia do comportamento permite uma busca desses
indícios: relatos do próprio sujeito ou de outros indivíduos, filmes, fotos, etc, podem informar
sobre contingências passadas e auxiliar na compreensão do comportamento atual.
O laboratório de pesquisa pode ir além de uma pesquisa histórica: nele pode-se
criar história. Com humanos ou com animais, pode-se estabelecer experimentalmente
uma série de relações de contingência que se sucedem de forma a permitir uma investigação
sistemática da influência das contingências passadas sobre o comportamento atual. Por
questões éticas, nem sempre podemos construir, com humanos, histórias comportamentais
que nos esclareçam sobre determinadas associações de contingências. O laboratório
animai torna-se, em alguns momentos, especialmente crítico para o avanço do conhecimento
sobre esse tema.
Um exemplo desse tipo de investigação é o estudo do desamparo aprendido. A
estratégia básica desses estudos consiste em criar experimentalmente três diferentes histórias
de reforçamento para posteriormente avaliar como que elas podem interferir na adaptação do
indivíduo a novas contingências. São utilizados grupos de sujeitos tratados aos trios, sendo

230 M aria I Iclctm l.eitc I luruikcr


dois sujeitos expostos a uma série de estímulos aversivos e um terceiro sem receber tratamento
especifico. Dentre os animais tratados com estimulação aversiva, apenas um pode reduzira
duração desses estímulos, ou seja, exercer algum controle sobre ele. Isso se faz através da
emissão de uma resposta (fuga) previamente selecionada, a qual interrompe a apresentação
do estimulo aversivo para o sujeito que a emite e para o segundo animal, cujo comportamento
não produz nenhuma modificação no estímulo. Ou seja, esse animal não pode exercer controle
sobre esses estímulos que lhe são apresentados. Experimentalmente, esse arranjo cria histórias
comportamentais equivalentes para dois sujeitos no que diz respeito à aversividade a que
foram expostos, porém cria também histórias contrárias entre eles no que diz respeito à
experiência “psicológica" de controle sobre esse ambiente aversivo. O animal, não tratado
nessa fase, fornece uma terceira história comportamental, isenta da experiência com os
estímulos aversivos. Quando posteriormente colocados frente a uma nova contingência de
reforçamento, observa-se que tanto os sujeitos sem experiência prévia com o evento aversivo
manipulado, como os que puderam exercer controle sobre ele, se adaptam a ela, aprendendo
normalmente a resposta requerida; contrariamente, os indivíduos que foram expostos a eventos
aversivos incontroláveis apresentam dificuldade nessa aprendizagem, efeito esse chamado
“desamparo aprendido" (Maier & Seligman, 1976).
Dado o controle experimental desse tipo de estudo, pode-se afirmar que o
desempenho pouco adaptativo às contingências em vigor é função da experiência passada
individual, a qual envolveu a impossibilidade de controlar aspectos aversivos do meio
ambiente. Esse efeito tem sido replicado a diversas espécies animais, verificando-se, via
de regra, que uma história de impossibilidade de controle sobre eventos aversivos pode
tornar o indivíduo menos atuante sobre o seu meio, podendo desenvolver uma passividade
em níveis que comprometem seriamente sua adaptação e sobrevivência. Também com
humanos foram realizadas pesquisas equivalentes, limitadas, contudo, pela impossibilidade
de controle experimental sobre as variáveis em estudo, principalmente sobre as histórias
não experimentais dos sujeitos no que diz respeito ao seu grau de controle sobre eventos
aversivos. Mesmo assim, os resultados dos estudos com desamparo em humanos tem
replicado os dados obtidos com animais, o que tem justificado a sua extrapolação para
contextos clínicos com a sugestão do desamparo aprendido ser um modelo animal de
depressão (Peterson, Maier & Seligman, 1993; Seligman, 1975).
Embora essa transposição dos dados de laboratório para o estudo da depressão
clínica tenha aspectos questionáveis (Hunziker, 1993; 1997; Hunziker & Perez-Acosta, no
prelo), não se podem negar as contribuições desse modelo de investigação para o estudo
do comportamento em geral. Pelo menos duas contribuições podem ser destacadas: 1) a
demonstração da interferência da história de reforçamento sobre a má adaptação
comportamental ao contexto vigente; 2) a indicação de um tipo de relação específica -
impossibilidade de controle sobre determinados aspectos do meio - como crítica para se
compreender esses comportamentos desajustados.
Além dos efeitos comportamentais avaliados nos estudos do desamparo, o mesmo
delineamento experimental vem permitindo que se avaliem algumas alterações fisiológicas
funcionalmente relacionadas com a incontrolabilidade de estímulos aversivos, tais como a
depleção ou aumento de alguns neurotransmissores (dopamina, noradrenalina e endorfinas)
no sistema nervoso central (Weiss, Glazer, Pohorecky, Brick & Miller, 1975) e o
rebaixamento de algumas respostas imunológicas (Laudenslager, Ryan, Drugan, Hyson,
& Maier, 1983; Mormede, Dantzer, Michaud, Kelley, & Moal, 1988).

Sobre Comportamento c CoflnlfJo 231


Importante destacar que ao extrapolar para o nlvel fisiológico os efeitos da
incontrolabilidade do ambiente, essas pesquisas têm a enorme contribuição de demonstrar
que a chamada "história de vida" não ó um mero conceito abstrato, injustificado se utilizado
indiscriminadamente quando a análise das continências presentes não se mostra suficiente.
O que esses dados mostram, de forma precisa e mensurável, é que determinadas interações
organismo/ambiente transformam a fisiologia do organismo, confirmando a análise feita no
início desse trabalho.
Outros exemplos do uso do modelo do desamparo podem ser encontrados em
estudos de psicofarmacologia, demonstrando que essas alterações do organismo,
decorrentes de contingências passadas, não apenas interagem com a contingência em
vigor como interagem com drogas. Foi observado que doses crescentes de naloxona (um
bloqueador de receptor opiáceo) produziram efeito diferencial dependendo da história prévia
do sujeito, ou seja, melhoraram o desempenho dos animais expostos aos choques
incontroláveis mas prejudicaram ligeiramente a aprendizagem daqueles sem história
experimental (Hunziker, 1992).
Se agentes químicos que atuam no sistema nervoso central (drogas psicotrópicas)
revertem ou evitam um determinado comportamento, ó uma evidência que aquele
comportamento tem alguma relação com as atividades neuroquímicas afetadas pela droga.
Daí decorre que se esse efeito ó dependente da história de reforçamento do sujeito, pode-
se concluir que essa história se traduz em atividade neuroquímica. Portanto, nos estudos
sobre desamparo, a mesma experiência com incontrolabilidade que produz a dificuldade
de aprendizagem produz também essas (e possivelmente outras) alterações no nível
neuroquímico.
Esses dados concretizam a noção de que na interação organismo/ambiente ocorrem
mudanças não apenas no ambiente como tambóm no próprio organismo. Isso eqüivale a
dizer que história de vida (ou história de reforçamento) é mudança no organismo. Trabalhos
como os de Stein e colaboradores, que demonstram o condicionamento de neurônio in
vitro, nos sugerem que já chegamos ao "átomo comportamental" e na neuroquímica dos
mecanismos de reforçamento (Stein e Belluzzi, 1989; Stein, Xue & Belluzzi, 1993; 1994).
Esse tipo de pesquisa dá suporte à análise bio-comportamental que tanto expande para o
universo biológico as relações de aprendizagem, como incorpora das neurociências o
substrato orgânico do comportamento (Donahoe & Palmer, 1994).
O estudo do desamparo aprendido é um exemplo, dentre muitos, de uma estratégia
de investigação da história comportamental, demonstrando que a experiência acumulada
pelo indivíduo ao longo da sua vida produz mudanças mensuráveis tanto no seu
comportamento voltado ao ambiente externo, como nas atividades fisiológicas internas do
organismo. Na medida que tais experiências podem deixar marcas no organismo, pode-
se especular que, com o desenvolvimento tecnológico, dia virá em que será possível que
se tenha acesso direto a esses registros biológicos da história do indivíduo e - por que
não? - até a um possível "fóssil" comportamental que nos abrirá portas para a "arqueologia
comportamental" que poderá ampliar os conhecimentos sobre a filogenia do
comportamento.

232 M aria I Iclena l.cilc I lu n /ik rr


Referências

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Sobre Comportamento e Cotfnivüo 233


Capítulo 31
Internalismo e externalismo na literatura
sobre a eficácia e efetividade da
Psicoterapia*
EnimanuelZagury Tourinho
Sirnone Neno Cavalcante
Çisele Çillet Urandão
Josiane Miranda Maciel
Pejurtamento dc Psicologia Experimenta! da Universidade hederal do Pará

Estudos recentes sobre eficácia e/ou efetividade de psicoterapia e farmacoterapia têm enfatizado resultados positivos da
intervenções baseadas na interlocuçflo e no manejo de condições do vida dos sujeitos, o que de certo modo corrobora visOe*
relacionais dos fenômenos psicológicos. Posqulsas nessa área, porém, nâo se ocupam da arliculaçAo entre resultados desse
tipo e a validação de modelos Interpretativos dos probelmas tratados O presente trabalho discute possíveis contribuições
que podem ser derivadas daquela literatura para a elaboração ou corroboraçâo de modelos Interpretatlvos dos fenõmenoi
psicológicos, tendo como referência as noções de internalismo e oxtemallsmo. Dostacam-se alguns aspectos do modo como
problemas psicológicos sâo abordados' a) discussão dos efeitos dn diferentes Intervenções dissociada da referência i
otlologla dos problemas tratados, b) referências a variáveis demográficas correlacionadas com o problema estudado; c)
referências genéricas a fatores externos relacionados com o problema estudado; d) referências a aspectos do aparato
anátomo-flsiológico possivelmente explicativos dos problemas; e e) caracterização dos problemas psicológicos com base na
nosologla psiquiátrica Variáveis Institucionais sâo apontadas como possivelmente determinantes dos modelos de investigação
e da abordagem provida para os problemas psicológicos
Palavras-chave: eficácia da psicotorapla, efetividade da psicoterapia, Internalismo/externalismo, flsiologia e comportamento,

Recent research on efflcacy and/or effectlveness of psychotherapy has shown positive results of verbal interventlons, as
well as treatment hased on the management of Subjects' life condltlons. Such results glve support to relational approaches
to psychological problems. However, literature in the fleld does not link those results to the validation of interpretative model»
to problems treated The present papor discusses contrlbutions that mlght be derlved from the literature on efflcacy and
effectlveness of psychotherapy, in promoting or supporting interpretative models to psychological phenomena, using as a
referonce the concepts of internalism and externalism. Some aspects of the way psychological problems are approached are
emphaslzed: a) effects of different interventions are discussed without reference to the etlology of the problems troated; b)
reference to demographir. variables correlated to problems investigated; c) generic reference to externai events related to
problems investigated; d) reference to aspects of the anatomy and/or physiology of the organism which might explain hls
problems; o) reference to psychological problems based on psychiatric nosology Instltutional vaiiables are mentloned ai
possibly determinam of investigations designs and provlded approaches to psychological problems.
K ty worda: efflcacy of psychotherapy, effectlveness of psychotherapy, internalism/externalism, physiology and behavior.

De um ponto de vista analítico-comportamental, problemas psicológicos dizem


respeito à relação indivlduo-ambiente1. A perspectiva relacionai pode também ser designada
como externalista, para enfatizar que o tipo de relação de interesse ó uma relação do

* Trabalho parcialmente financiado pelo CNPq (Proceeao 520002/98 1). Varsôee preitmmaree (oram apresentadas no IX Encontro òa A moc IbçAo
Brasileira da Ptlcolerapia a Medicina Comportamental (Campinas, 7000) e no II Congresao Norte-Nordeete da Psicologia (Salvador, 2001)
1Embora o usual seja (azar referência ès relaçAes do organismo com o ambwnle. prelenu-se utilizar Indivíduo, para enfatizar o Interesse do estudo no
oomportamenlo humano

234 h nm an ud Z. Tourinho, Simonc N . Cavalcante, C/isele C/. Hramtóo l losiane M . Maciel


indivíduo como um todo com eventos que lhe sâo externos2. Tomando essa caracterização
como referência, os modelos concorrentes de análise dos fenômenos psicológicos são
especialmente aqueles de inclinação intemalista, isto é, aqueles que explicam os fenômenos
por meio da referência a ocorrências internas ao indivíduo3. Historicamente, duas
modalidades de internalismo têm ocupado lugares centrais na disciplina psicológica: o
mentalismo e o organicismo - ambos, contemporaneamente, baseados na investigação
científica. Pode-se dizer que o internalismo de caráter organicista representa hoje um forte
(se não o mais forte) concorrente do recorte analítico-comportamental, revelando-se,
inclusive, em algumas modalidades de cognitivismo, uma abordagem que tanto nesta
versão quanto na vertente mentalista tem ampla repercussão na cultura4. Não sem motivos,
Richelle (1990) afirma que uma avaliação contemporânea sobre o futuro do behaviorismo
pode levarem conta não a oposição comportamento-cognição, mas uma “oposição mais
clássica": comportamento versus eventos fisiológicos - uma perspectiva de discussão
sobre o futuro da análise do comportamento sugerida pelo progresso recente das
neurociências.
O avanço do internalismo de caráter organicista tem sido experimentado de modo
especial no contexto da intervenção clínica, favorecido pela especificação de aspectos da
base (neuro)fisiológica do comportamento e pela pesquisa na área farmacológica. Variáveis
sociais e institucionais respondem largamente por esse avanço, em particular aquelas
relativas aos sistemas de custeio do tratamento psicoterápico (cf. Cavalcante, 2000). O
resultado mais saliente desse movimento é o uso (ou demanda peío uso) crescente de
drogas psicoativas no tratamento de problemas psicológicos. Não raro a imprensa anuncia
a "descoberta" de uma "causa neurofisiológica" de um "transtorno" e a correspondente
novidade no arsenal das "pílulas de felicidade". O Prozac (fluoxetina), por exemplo, foi
tratado pela mídia como a "droga maravilha" (Greenberg, Bornstein, Zborowski, Fisher &
Greenberg, 1994, p.547), ainda que suas vantagens em relação a outros antidepressivos
seja discutível (Greenberg & cols., 1994). O assunto incomoda praticantes de psicologia
em diversas de suas vertentes teóricas (e.g. Gotijo, 1996; Hayes & Blackledge, 1998),
mas tem sido pouco refletido, possivelmente pela carência de elaborações que integrem o
conhecimento psicológico com a produção no campo das neurociências. Apesar disso,
os efeitos dos diferentes tipos de psicoterapia têm sido investigados e dessa pesquisa
surgem elementos relevantes para uitia discussão sobre os modelos de interpretação e
intervenção frente aos problemas psicológicos.
Estudos sobre o efeito ou resultado da psicoterapia5 são antigos e ocupam lugar
destacado na literatura da psicologia clínica (cf. Goldfried e Wolfe, 1996). Inicialmente
predominantes sob a forma de investigações da eficácia, contemporaneamente aparecem
tambóm como tentativas de aferir a efetividade da intervenção (cf. Seligman, 1995). A
diferença reside essencialmente no fato de que os primeiros são estudos controlados, nos
quais as condições de intervenção, assim como características da população alvo, são

’ Apnaftr rie nxternnlisla. a perspectiva analítico comportamentol nâo iqikxb nem se«ximed«> mmltwtr eventoe relativo» no prôpno indivíduo, que sAo releventes
(Wfl« oom(KnennAadeteucomportatmnlo Aamm m k / n io è «rjueMqu»»xdi/i* conê<famç4od»«vimto»onnnàermkm"pnvadot" frtáfora
do alcance deste artigo, porém d«correr sobra its especificidade» do externalismo Analítico comportamental na anAUse da privacidade.
' Isso nAo significa que apenas sistemas explicativos intematatiM concorrem com o modelo itxfrinatlvo analítico-comportamental FxpNcaçOes transcendentais
ou metafísicas conflitam Igualmente com uma perpectiva externallsta e relacionai Os sistemas mternalistas constituem um concorrente diferenciado,
porém na medida em que se edincam (pelo menos algumas de suas versflee) no interior de uma tradição de InvestigaçAo cientifica
4Uttal (2000), por exemplo, assinala que 'o sucesso da abordagem cognitiva como o protótipo da psicologia moderna nas últimas décadas tem sido
extraordinário" (p XIII).
‘ O termo ■patcotempta'' serAempregado aqui pera designar InlervençOes clinicas realizadas por psicólogos de diferentes onentaçOes teóricas, como ocorre
na literatura a ser examinada em seguida

Sobre Comportamento o Cotfniv«lo 235


previamente definidas e manipuladas, contrastando-se tipos de intervenção entre si, ou
com um grupo controle; nos últimos, investiga-se o que resulta da prática de profissionais
da psicologia que estão sujeitos às condições que no dia a dia regulam a busca e o
consumo de serviços psicológicos” . De acordo com Beutler (1998), a distinção entre
estudos de eficácia e efetividade foi popularizada pelo artigo de Seligman (1995), no qual
é discutida uma pesquisa da revista Consumer Reports' (Consumer Reports, 1995,
November) sobre o consumo de serviços relacionados à “saúde mental". Mas ela pode
corresponder ao que antes era tratado como validade interna e validade externa dos
tratamentos (cf. Chambless & Hollon, 1998).
Os estudos sobre eficácia e efetividade têm sido impulsionados por um conjunto
de fatores sociais e institucionais (cf. Cavalcante, 2000) que não serão aqui examinados
por fugirem ao objetivo deste trabalho. Cabe apenas destacar que a relevância atribuída
aos mesmos é tal, que a Associação Americana de Psicologia (APA) constituiu grupos de
trabalho com função específica de proceder ao estabelecimento e aplicação de critérios
para validação de modelos de psicoterapia, o que tem resultado em um debate extenso e
polêmico (cf. Beutler, 1998; Cavalcante, 2000; Chambless & Hollon, 1998; Kendall, 1998).
Na onda dos estudos sobre os resultados da psicoterapia, dois trabalhos publicados
em 1995 podem ser considerados significativos para um exame do confronto psicoterapia/
farmacologia. O primeiro ó o artigo de Seligman (1995), no qual ó relatado o estudo da
revista Consumer Reports (Consumer Reports, 1995, November) e argumentada a necessidade
e relevância dos estudos sobre efetividade. O segundo ó uma meta-análise de pesquisas
que compararam a psicoterapia com intervenções farmacdógicas no tratamento da depressão,
publicado por Antonuccio, Danton e DeNelsky (1995f . O que há de comum aos dois trabalhos
é que ambos trazem dados positivos sobre o resultado da psicoterapia.
O estudo do Consumer Reports deu origem a grande controvérsia sobre seus
aspectos metodológicos (e.g. Brock, Green, Reich & Evans, 1996; Hunt, 1996; Mintz,
Drake & Crits-Cristoph, 1996; Seligman, 1996) e seus resultados em geral (cf. American
Psychologist, Volume 51,1996 - número especialmente dedicado ao assunto). Mas o que
interessará aqui destacar são alguns resultados sumarizados na revista e também por
Seligman (1995)9:

A psicoterapia sozinha funcionou tâo bem quanto a psicoterapia combinada com


medicação, como Prozac ou Xanax. A maioria das pessoas que consumiram drogas como essas
consideraram que elas ajudaram, mas muitas relataram efeitos colaterais10.

• Sattgnwi (1005) aponta m seguintes características da psicoterapia que é praticada pato prutaMonal. equenêo M llo presentes na mlarvençAo típica do*
estudos da eficácia n) *ela nêo tem duração flx f , b) "* autocorrativa', c) "os pacientes chegam a ala através de uma busca ativa. Iniciando um tipo d*
tratamento que procuraram ativamente com um terapeuta que selecionaram e escolheram", d) ‘os paciente* geralmente lêm problemas multlplotf' a a)
"a (wicoterapla no campo ostA quase sempre voltada para a melhora no funcionamento geral do* paciente*" (p 907) Em outra dreçAo. Chambleaa e Hollon
(1OOfl) salientam que eatudos conduzKJo* em ambientes clínicos aplicados podem Incorporar aspedoa de delmeamenloa experimentais tlplooa da pesquisa
de eflcAcla e concluem que *oa deimeamento* mais informativos para os noaaoa propósitos atuais s*o aatudos nos quala aspedoa de eftcAcia e de efelividad*
convergem" (p 14) i
' Ue acordo com Cavalcante (2000), loi o artigo de Seligman que também impuMonou a repercusséo do trabalho publicado pela Consumar Waports (1996, (
November)
• Sobre a validade de eatudos baseados em meta anélwes. ver também Lipsy e Wilson (1003) Neste anigo, também os autores concluem pela existência 1
de lorte evidência dos efeitos positivos da psicoterapia ,
• Martin E P Seligman aluou como consultor na reali*açêo da pesquisa relatada pela Consumar Ra/xxti (cf Consumar Reports, 1006, November). ;
,uUe acordo oom Kotkin, Daviet & Gurin (1006), oa problemas experimentados com maior freqüência pelos informantes foram, pela ordem depresato, j
problemas conjugais ou sexuais, ansiedade geral, mau humor freqüente, problemas com crianças ou outros membros da família e problemas no trabalho. ]

236 Fmmiinuc! Z. Tourlnho, Slmonc N . C ivaluintc, C/isclc Q. Hr.mdAo i losumc M . M.tcicl


Quanto maior a duração da terapia, mais as pessoas melhoraram. Isso sugere que a
cobertura limitada por seguros de saúde mental e a nova tendência nos planos de saúde - que
enfatiza a terapia breve - pode estar equivocada (Consumer Reports, 1995, November, p. 734).
O tratamento por profissionais de saúde mental geralmente funcionou. (...)
A terapia de longa duraçáo produziu melhora maior do que a terapia de curla duração.
(...)

Não houve nenhuma diferença entre a psicoterapia sozinha e a psicoterapia associada


a medicação, para nenhum transtorno (muito poucos informantes relataram que consumiam
medicação sem nenhuma psicoterapia)... (Seiigman, 1995, p. 968).

Kriegman (1996) discute três possíveis explicações para a ausência de diferenças


entre o grupo de psicoterapia e o grupo psicoterapia mais medicação:
a) a medicação nâo ó, na verdade, efetiva; b) a medicação pode ser efetiva em alguns
casos, mas então deve produzir a mesma proporção de danos em outros casos, de modo que a
média do grupo de medicação é a mesma do grupo de psicoterapia apenas; ou c) pacientes que
consumiram medicação sâo de algum modo Influenciados para subestimar subjetivamente o
valor do tratamento que receberam (p. 1086).

Na ausência de argumentos consistentes em favor da terceita hipótese e


considerando que a medicação de fato funciona para algumas pessoas (o que invalida a
primeira hipótese), Kriegman (1996) conclui que “a medicação causa tanta interferência e
dano a alguns indivíduos quanto ajuda e auxilia outros" (p.1086).
O trabalho de Antonuccio e cols. (1995), uma revisão de ampla literatura sobre a
eficácia de tratamentos psicológicos e farmacológicos (baseados na administração de
tricíclicos)11 para a depressão, tambôm conclui pela superioridade da psicoterapia. Os
autores citam as orientações para tratamento da depresssão providas pela Agência (Norte-
Americana) Reguladora de Pesquisa e Políticas de Cuidado à Saúde (Agency for Health
Care Policy and Research - AHCPR), assinalando que “parecem confiar demasiadamente
no modelo biológico, sobreenfatizar os benefícios de medicações antidepressivas,
subenfatizar os riscos e efeitos colaterais dessas drogas e subenfatizar a eficácia da
psicoterapia” (p.581). Alternativamente, com base em sua meta-análise, Antonuccio e
cols. oferecem as seguintes orientações:
1. A psicoterapia, em particular a intervenção cognitivo-comportamental ou a
psicoterapia interpessoal, deve ser considerada a primeira alternativa de tratamento da
depressão, primariamente em razão do resultado superior a longo prazo e menos riscos
médicos do que drogas ou tratamentos combinados; medicações, tratamentos combinados,
ou outro tipo de psicoterapia podem ser considerados [como alternativas] para pacientes
que não respondem [à psicoterapia cognitivo-comportamental ou interpessoal], depois
que os custos e benefícios tiverem sido cuidadosamente ponderados.
2. Os clínicos devem ser cautelosos ao intervir somente com a psicoterapia
orientada para a auto-observação porque as evidências sugerem que este tipo de terapia
pode produzir resultados relativamente mais pobres.

” Segundo Antonuccio n ool» (1W6), "nâo hé ainda dados sultaent«e «cumulado» para saber como (at onenü»çO««| m apltcam noa novo# ISRSs |lnibtdor«s
Salelivos da RecaptatAo da Serotonma] Na vardada, nAo «atamos a par da nenhum astudo que compare diretamente a eflcAcia de SSRIs e psicoterapia"
(p 982) Portanto as conclusões de Antonuccio e cola nAo se «atendem para tratamento» baseados na administração de ISRSs, como é o caso da íhioxetlna
(tubetAncia bnae do Prozac) No entanto, Oreenberg ecols (1004) relatam um estudo que alenu reauNadoa de tralamento com fluoxelina contrastando-os
com mala anáiwes d« eetudoe que avaliaram oa reaultadoa de antidepreasivoe tridcllcos e afirmam, "nossas descobertas atuais moslram oa resultados
da fluoxelma oomo. no míximo. nlo melhores do qu« aquelee obtidoe com outros tipos de anUdepressivos" (p.549).

Sobre Comportamento c Co#nlv'3o 237


3. Se antidepressivos forem usados, a psicoterapia deve ser incluída devido
aos riscos maiores de recaída com a medicação sozinha.
4. Sempre que possível, uma única medicação dever ser usada, até que
pesquisas controladas tenham avaliado adequadamente os riscos de segurança e eficácia
de medicações combinadas.
5. Se a medicação antidepressiva for usada, os clínicos devem usar a dose
terapêutica mais baixa e mais segura, pelo período mais curto possível, em razão dos
efeitos colaterais, riscos cardiotóxicos, risco de suicídio, taxas de evasão possivelmente
mais altas e escassez de resultados a longo prazo ou de risco.
6. Os clínicos devem ser cautelosos em prescrever antidepressivos
(especialmente os tricíclicos) para pacientes hospitalizados, especialmente aqueles
diagnosticados com doenças cardíacas, devido às taxas altas de não reponsividade,
intolerância a efeitos colaterais e risco de morte súbita.
7. Os clínicos devem ser cautelosos em prescrever antidepressivos
(especialmente tricíclicos) para pacientes suicidas graves, por causa do perigo de overdose.
8. Os clínicos não devem prescrever antidepressivos para crianças ou
adolescentes, uma vez que não há evidência de que esta medicação seja efetiva com
crianças ou adolescentes, além de que pouco se sabe sobre os riscos para a saúde de
pessoas jovens,
9. Deve-se ter cautela ao prescrever antidepressivos para pessoas idosas, em
razão dos riscos maiores de efeitos colaterais anticolinérgicos e hipotensão.
10. Os clínicos devem evitar o uso sozinho de tranqüilizantes regulares menores,
que têm produzido piores resultados do que [a opção por] nenhum tratamento para a
depressão... (pp.581-582).
Assim como é possível falar de uma aproximação entre farmacoterapia e
internalismo (neste caso, organicista), faz sentido aproximar a psicoterapia de uma
interpretação externalista para os problemas psicológicos, considerando que ela
essencialmente uma intervenção baseada na interlocução. Na prática, porém, essa lógicai
não funciona; de um lado, o uso de fármacos pode ocorrer no contexto de (ou associado
a) uma intervenção comportamental (ou, pelo menos, psicoterápica); de outro, as
psicoterapias acontecem, em sua maioria, apoiadas em sistemas interpretativos de caráter
internalista (mais freqüentemente, mentalista), mesmo quando não envolvem prescrição
de drogas psicoativas. Como assinalado por Kriegman (1996), também, é inegável que em
algumas circunstâncias a medicação representa uma intervenção com resultados positivos.
Assim, de uma ótica externalista, uma análise mais conseqüente da problemática
demandaria modelos interpretativos dos dados existentes, capazes de equacionar a
referência á base neurofisiológica dos fenômenos comportamentais e sinalizar os limites
dentro dos quais uma intervenção neste níveí torna-se pertinente. Na medida em que a!
literatura sobre eficácia e efetividade da psicoterapia têm endereçado questões dessa j
ordem, cabe examinar que suporte ela provê para uma reflexão de caráter externalista, j
além de simplesmente indicar o sucesso de intervenções baseadas na interlocução.
O presente estudo buscou examinar que contribuições a literatura que avalia o
efeito de intervenções psicoterápicas e farmacoterápicas pode prover para a elaboração

238 hmmanud Z. lourinho, Simonc N . Cavalcantc, C/itcIr Q. Brandão t Josianc M . M a ticl


ou corroboração de modelos interpretativos dos fenômenos psicológicos, tendo como
referência as noções de internalismo/externalismo. Os textos examinados foram
selecionados com base nas referências dos artigos de Seligman (1995) e Antonuccio e
cols. (1995). Foram analisados 7 das 11 referências citadas por Seligman (incluindo o
artigo do Consumer Reppoiis) e 34 das 112 referências que constam do artigo de Antonuccio
e cols. Embora o texto de Seligman aborde a efetividade da psicoterapia, suas referências
são basicamente estudos de eficácia - a única exceção seria o artigo do Consumer
Reports, o que se justifica pelo caráter inovador do trabalho. Os estudos de eficácia relatados
por Antonuccio e cols. diferenciam-se pelo fato de que em grande parte comparam efeitos
de psicoterapia e farmacoterapia.
A literatura selecionada foi inicialmente examinada com vistas à identificação e
transcrição de trechos cujo conteúdo remetesse às seguintes categorias de registro:
referências a fatores determinantes internos/externos na caracterização do problema;
referências ao nlvel/tipo de intervenção; relação nlvel de intervenção/caracterização dos
fatores determinantes; referências a fatores determinantes internos/externos na manutenção
dos resultados da intervenção; referências à possibilidade de melhor compreensão do
problema com o conhecimento produzido pela análise comportamental; referências à
possibilidade de melhor compreensão do problema com o conhecimento produzido pela
análise fisiológica/bioquímica.
Os trechos reproduzidos e classificados com base nas categorias de registro
foram submetidos a análise. Os seguintes temas resumem posições relevantes encontradas
na literatura estudada: a) discussão dos efeitos de diferentes intervenções dissociada da
referência à etiologia dos problemas tratados; b) referências a variáveis demográficas
correlacionadas com o problema estudado; c) referências genéricas a fatores externos
relacionados com o problema estudado; d) referências a aspectos do aparato anátomo-
fisiolôgico possivelmente explicativos dos problemas; e) caracterização dos problemas
psicológicos com base na nosologia psiquiátrica. Alguns aspectos da ocorrência dos
temas nos textos examinados são apontados nas seções seguintes. Tendo em vista o
problema de interesse deste trabalho, a análise não se deteve em enumerar evidências ou
argumentos de eficácia da psicoterapia ou da farmacoterapia, mas basicamente na
identificação do que os trabalhos veiculam sobre perspectivas de interpretação de problemas
psicológicos.
a)discussão dos efeitos de diferentes intervenções dissociada da referência à
etiologia dos problemas tratados.
A expectativa de que estudos sobre eficácia e efetividade da psicoterapia e da
farmacoterapia possam promover um conhecimento mais completo da natureza e/ou origem
dos problemas psicológicos, ou mesmo apenas veicular algum modelo interpretativo a
respeito, não encontra resposta na literatura analisada. Curiosamente, diferentes alternativas
de tratamento são avaliadas e discutidas sem que a etiologia dos problemas aos quais se
dirigem seja objeto de um exame sistemático. A principio, pode-se interpretar este dado
como indicador de que os textos examinados não favorecem uma interpretação internalista
ou externalista para os problemas psicológicos. Assim, o uso dos dados relacionados
nas pesquisas na sustentação de uma tese externalista pode ser coerente, mas não
reproduz uma elaboração própria da área de pesquisa sobre os resultados da intervenção
clinica. Adiante, esse problema será melhor analisado, confrontando-se a ausência de
análises etiológicas com outras características dos estudos desenvolvidos e das análises

Sobrr Comportamento c Cotfniçdo 239


apresentadas. Antes disso, algumas referências ao modo como as intervenções são
apresentadas podem ser úteis.
As poucas referências à etiologia dos problemas aparecem na justificação de
algumas modalidades de terapia. Assim,
a principal premissa da terapia interpessoal é a de que a depressão ... ocorre em um
contexto interpessoal e o esclarecimento e rearranjo do contexto associado com o Inicio dos
sintomas é Importante para a recuperação e possivelmente para [evitar] novos episódios de
depressão (Welssman, Klerman, Prusoff, Sholomskas A Padian, 1981).

Alternativas terapêuticas são apresentadas em algumas circunstâncias como


baseadas em suas interpretações etiológicas:
“os anos 70 testemunharam o desenvolvimento de diversas novas abordagens
terapêuticas, cada uma postulando um modelo etiológico diferente para a depressão. Por exemplo,
partidários das abordagens comportamentais tratam a depressão como conseqüência da baixa
taxa de reforçamento positivo contingente à resposta. O objetivo dessa terapia, então, ô aumentar
o reforçamento encorajando a participação em atividades prazerosas.... ou construindo habilidades
assertivas necessárias para eliciar recompensas sociais ... Uma segunda abordagem para o
tratamento [da depressão], a terapia cognitiva, é derivada da visão de Beck .. da depressão como
resposta afetiva a crenças negativas. A modificação dessas crenças Improdutivas è o foco primário
da terapia cognitiva" (Robinson, Berman & Neimeyer, 1990, p. 30).

A consistência das raras interpretações etiológicas, bem como suas relações


com os tratamentos correspondentes nem sempre são consideradas suficientemente
estabelecidas. Por exemplo, Dobson (1989) questiona a terapia cognitiva de Beck afirmando
que

"vários aspectos da terapia cognitiva não estão bem pesquisados ou compreendidos.


Por exemplo, o modelo cognitivo da depressão ... implica tanto distorções cognitivas especificas
de situações, quanto suposições “depressogênicas" mais permanentes. Não está claro, porém,
em que medida o processo da terapia cognitiva alcança a mudança em qualquer desses tipos de
pensamento depressivo, ou em que medida a terapia cognitiva alcança seus resultados terapêuticos
por meio da modificação especifica de distorções cognitivas ou suposições depressogênicas"
(P.417).

Um exemplo destacado de limitação na abordagem etiológica é encontrado no


artigo de Elkin e cols. (1989), que apresenta os resultados do programa amplo de pesquisa
sobre a depressão, coordenado pelo Instituto Nacional de Saúde Mental [NIMH - National
Institute of Mental Health] (EUA). Neste artigo, encontram-se indicações da eficácia relativa
de tratamentos estritamente psicoterápicos e associados a fármaco (imipramina), sem
que sejam discutidas as possíveis relações entre natureza do problema e aspectos
definidores da intervenção. Na análise dos resultados diferenciados, a severidade inicial
da depressão ó abordada como variável a demandar exame adicional.
O tratamento combinado ou alternado com drogas e psicoterapia é referido em
alguns estudos de modo tambóm ilustrativo do afastamento em relação a discussões
etiológicas. Friedman (1975), por exemplo, salienta que “a interação da terapia por drogas
com psicoterapia no tratamento da depressão necessita de estudo sistemático". Um pouco
depois, Weissman e cols. (1979) chegam a abordar drogas e psicoterapia como tratamentos
intercambiáveis:

240 Fmmdnucl Z. Tourinho, Slmonr N . (.'«ivtilointc, Qiscle Q. RrandJo 1 losiunc M . M iitir l


"Uma vez que a eficácia da droga sozinha e da psicoterapia sozinha foi semelhante e
ambos os tratamentos foram melhores do que tratamento não programado” , o paciente que nâo
aceita a psicoterapia pode ser um bom candidato para [tratamento com] droga sozinha e vice-
versa" (p. 558).

Na ausência de especificações etiológicas, o uso de fármacos chega a ser


considerado como medida profilática pertinente. Kupfer e cols. (1992), por exemplo, relatam
o resultado de um estudo de acordo com o qual “a manutenção de medicação antidepressiva
na dosagem usada para tratar episódios agudos provê profilaxia superior àquela observada
em tentativas prévias, nas quais foram empregadas dosagens menores de manutenção"
(p.769). Kupfer e cols. acrescentam a adequação da “prevenção farmacológica” (p.769).
Na mesma direção, encontram-se as ponderações de Evans e cols. (1992), para quem a
não coincidência (em pacientes depressivos) entre suspensão de sintomas e remissão do
problema justificam uma abordagem profilática:
"Dados de estudos longitudinais conduzidos antes da Introdução de medicações
antidepressivas sugerem que o episódio típico nâo tratado de depressão dura de 5 a 12 meses. A
farmacoterapia produz tipicamente a remissão cl/nica dentro de 1 a 2 meses, de modo que o
paciente medicado típico passa vários meses assintomâtico, mas com um risco elevado de
recaída se as medicações sâo retiradas Isto é. antes da retirada dos medicamentos, o paciente
ainda está “em episódio", embora assintomâtico "(p.807).

Evans e cols. (1992) alegam, então, que o caráter profilático de um tratamento


passa a compor a referência para definir seu alcance: "uma vez que a maioria dos indivíduos
deprimidos experimentarão episódios múltiplos, a capacidade de uma intervenção prevenir
o retorno de sintomas após o tratamento pode ser pelo menos tão importante quanto sua
habilidade de tratar o episódio atuai” (p.802) (a este respeito, ver também Shea & cols.,
1992).
Diferente do que Antonuccio e cols (1995) afirmam, alguns estudos (muitos deles
anteriores à análise de Antonuccio e cols.) tendem a salientar o valor relativo de cada
tratamento (drogas, psicoterapia, combinação drogas/psicoterapia). Por exemplo,
Weissman e cols (1979) afirmam que "cada tratamento sozinho, droga ou psicoterapia, foi
semelhante e mais eficaz do que tratamento não programado" (p.557). Dobson (1989),
apesar de indicar a superioridade da terapia cognitiva no tratamento da depressão, assinala
que há variações de sua eficácia entre diferentes populações: "tem sido argumentado que
pacientes geriátricos deprimidos são melhores candidatos à farmacoterapia, uma vez que
a natureza de sua sintomatologia é freqüentemente caracterizada pelos chamados sinais
vegetativos ou físicos" (p.418). Howard e cols. (1986) também apontam que o valor de
qualquer tratamento é parcial: "nenhum tratamento é 100% efetivo para aliviar qualquer
transtorno" (p. 164). O problema colocado por estes trabalhos provavelmente relaciona-se
ao que Kriegman (1996) aborda como os possíveis efeitos da intervenção com drogas
(eficácia para alguns, danos para outros); no entanto, como uma demarcação antecipada
da eficácia relativa de cada tratamento demandaria um conhecimento etiológico que não
existe (e parece não ser sistematicamente buscado), estudos experimentais com amostras
de populações que variam em aspectos diversos (idade, gênero, grau de severidade do
problema etc.) são o processo por meio do qual a eficácia relativa vai sendo aferida e
estabelecida. Em contrapartida, a definição conceituai vai repercutindo a variabilidade
observada entre sujeitos: "o conceito, natureza e flutuação da depressão, tanto quanto

" Netla condição o pacwnta racabia a Indkaçto da um psiquiatra para o qual poónrui t*t*fon«r m M n t*M rwoMMidada da alandlmanto, que acontecia no
máximo na fraqüêncla d« uma ( M io por mta.

Sobre Comportamento e CotfmçJo 241


seus tipos heterogêneos, podem de algum modo estar relacionados à variabilidade de
resposta entre pacientes" (Morris & Beck, 1974, p.671).
Embora os estudos comparativos de resultados de farmacoterapia e psicoterapia
apresentem um refinamento baseado em preceitos científicos, alguns aspectos recomendam
cautela na análise de seus resultados. Robinson e cols. (1990), por exemplo, identificaram
uma tendência de correlação entre os resultados encontrados em um estudo e o tipo de
terapia preferido por seus autores:
“após análises mais detalhadas, descobrimos que as diferenças na eficácia dos diferentes
tratamentos pode ser um artefato dos compromissos teóricos dos pesquisadores que realizam
esses estudos. Quando um tipo particular de terapia era preferido pelo investigador, ele tendia a
produzir resultados mais favoráveis do que o tratamento com o qual estava sendo comparado"
(P -4 1 ).

No estudo de Dobson (1989), encontra-se também uma informação singular sobre


os resultados: a exclusão de dados relativos aos pacientes que não concluíram o tratamento.
Neste estudo, Dobson analisa várias pesquisas sobre a eficácia relativa da terapia cognitiva
no tratamento da depressão e conclui por sua superioridade frente à farmacoterapia e a
outras modalidades de psicoterapia. Mas salienta:
"Uma limitação importante do presente estudo ó que ele revisou seletivamente certos
dados relacionados ao resultado da terapia cognitiva. As dimensões dos efeitos relatados neste
estudo foram todas computadas usando escores de pró-teste e pôs-teste no BDI [Beck Depresslon
Inventory] para clientes que completaram a terapia. Dados dos clientes que abandonaram a
terapia náo foram Incorporados naquelas análises (esses dados freqüontemente nâo sâo relatados,
em qualquer circunstância). Essas exclusões podem ter afetado as conclusões desta meta-
análise de algum modo nâo determinado" (Dobson, 19 89 , p.4 1 8 , itálico acrescentado).

Note-se que Dobson (1989) reconhece que a medida de excluir da análise sujeitos
que não concluíram o tratamento resulta em limitações na validade das conlusões; no
entanto, salienta que essa ó uma medida usual nos estudos.
As observações de Dobson (1989) e Robinson e cols. (1990) evidenciam que
decisões não relatadas explicitamente (ou não enfatizadas) nos estudos podem regular
seu delineamento e, conseqüentemente, repercutir nos resultados. Restrições dessa ordem
(isto é, decisões metodológicas discutíveis) talvez expliquem, então, a ausência de
abordagens mais sistemáticas da etiologia dos problemas estudados. Adiante, essa
hipótese voltará a ser considerada.

b) referências a variáveis demográficas correlacionadas com o problema estudado.


É freqüente nos trabalhos examinados a tentativa de especificar variáveis
demográficas relacionadas á prevalência dos problemas. No caso especifico da depressão
(problema abordado na grande maioria dos estudos), a ênfase recai na maior incidência
entre indivíduos do sexo feminino (cf. Amenson & Lewinsohn, 1981; Muftoz, Hollon, McGrath,
Rehm & Vandenbos, 1994). A pesquisa também busca circunscrever mais precisamente
a população alvo do problema. Assim, são investigadas variáveis como renda, nível
educacional e emprego, ao final tidas como não correlacionadas com a incidência da
depressão e não explicativas da prevalência entre mulheres (cf. Amenson & Lewinsohn,
1981). Uma vez identificada a prevalência entre indivíduos do sexo feminino, a responsividade
a tratamentos para depressão chega a ser referida como função daquela variável: "Também

242 hm nitinurl 7 . Tourinho, Slmonc N . Cdv<iic<intr, C/Uclr C/. Brandão l loswnc M . M .u ir l


existem diferenças na expressão da depressão e em sua resposta ao tratamento como
função de gênero" (Mufioz & cols., p.53, itálico acrescentado). O sentido com que o
conceito de função é aqui empregado, deve-se notar, não coincide com a identificação de
relações causais.
Variáveis étnicas e raciais são também investigadas na tentativa de especificar
respostas diferenciadas a tratamentos. Como exemplo, o uso de drogas com a população
de "americanos africanos" (African Americans) recomenda cuidados diferenciados em razão
de apresentarem maior nível de concentração plasmática (Munoz & cols., 1994). Novamente,
a sugestão de uma função está presente: “Claramente, é necessário saber mais sobre as
diferenças na utilização e resposta ao tratamento como função de etnicidade (Mufioz &
cols., p.53, itálico acrescentado). A responsividade ao tratamento pode, em outras
circunstâncias, levar a uma análise das variáveis demográficas como fatores que interagem
com variáveis do tratamento: "Por exemplo, parece haver alguma evidência de que certas
características do paciente (e.g. idade, sexo, diagnóstico) podem interagir fortemente
com o efeito do tratamento" (Morris & Beck, 1974, p.670).
O interesse na identificação de variáveis demográficas não assume a forma de
investigação de variáveis que produzem e/ou mantêm um dado problema; ele revela-se
mais regulado pelo objetivo de identificar eventos que, mostrando-se correlacionados com
a ocorrência do problema e/ou com tipos de resposta a diferentes tratamentos, possam
servir de base para a tomada de decisão do terapeuta sobre quando e como intervir. Nessa
direção, Friedman (1975), comentando resultados de um estudo na área farmacológica,
menciona “variáveis demográficas e de antecedentes pró-tratamento que ‘anteciparam’
significativamente um resultado melhor” (p.624). Possivelmente, por essa mesma razão,
ora a variável investigada ó de natureza sócio-econômica, ora tem como referência o
diagnóstico já recebido pelo paciente. Luborsky, Singer e Luborsky (1975) citam que uma
recomendação para o "desenvolvimento de desenhos experimentais poderia levar à
confirmação de associações especiais paciente-tratamento, e á descoberta de novas
associações" (p. 1005). Em outras circunstâncias, variáveis do próprio tratamento são
investigadas, como o número de sessões necessárias para a obtenção de resultados
positivos (cf. Dobson, 1989; Howard, Kopta, Krause & Orlinsky, 1986); mesmo nesse
caso, encontra-se que "análises adicionais das características dos pacientes e dos critérios
específicos de resultados serão certamente requeridas, antes que padrões razoáveis e
firmes sejam definidos" (Howard & cols., p. 164).
As referências a variáveis demográficas buscam identificar o que pode estar
correlacionado com a incidência de um problema, ou com o tipo de resposta a um tratamento
específico. Tais correlações não são (ou são precariamente) discutidas do ponto de vista
do que possam envolver de relações causais. Nesse contexto, a idéia de que problema ou
sucesso do tratamento podem ser "função" daquelas variáveis não significa mais do que o
fato de que alguma correlação foi observada. O interesse nas características de populações,
relacionadas à prevalência de problemas psicológicos, sugere compromissos com tradições
estruturalistas em psicologia. Na medida em que as análises não evoluem para uma
busca sistemática de relações funcionais, essa hipótese se fortalece. Nâo é esse
compromisso, porém, que define centralmente a direção das investigações; elas são
pautadas pelo interesse prático em especificar indicadores de condições sob as quais
cada tipo de tratamento apresentará resultados positivos (ou resultados melhores e/ou
mais rápidos). Informações dessa ordem, nos Estados Unidos, têm importância para a

Sobre Comportamento e Cojjniçío 243


definição do reembolso dos custos de tratamentos, por companhias de seguro-saúde.
Necessidades/interesses institucionais desse tipo têm impulsionado os estudos sobre
eficácia de tratamentos na área de saúde mental e não devem ser ignorados na interpretação
da literatura da área (cf. Beutler, 1998; Goldfried & Wolfe, 1998).

c) referência limitada a fatores externos relacionados com o problema estudado.


Se a especificação da etiologia não é um objetivo e a indicação de fatores
demográficos tampouco conduz às variáveis das quais os problemas psicológicos são
função, a referência a fatores externos ou internos relacionados assume uma importância
periférica nas análises. No lugar da descrição e caracterização funcional de fatores externos,
que poderiam favorecer teses externalistas e, de algum modo, auxiliar na explicação da
eficácia de intervenções baseadas na interlocução, encontram-se apenas (e pouco
freqüentemente) menções genéricas a alguns tipos de variáveis que podem ser relevantes
e explicações dos modelos interpretativos comportamental e cognitivo-comportamental.
No campo das referências genéricas, encontra-se a sugestão de que falsas
memórias podem resultar de "escritos populares e sugestão do terapeuta” (Loftus, 1993,
p.525); episódios depressivos podem estar relacionados à personalidade dos parceiros
(um parceiro afetando o outro) - "certas tendências de personalidade de ambos os parceiros
no casamento podem combinar e reforçar uma a outra, de modo a induzir ou manter uma
reação depressiva em um dos parceiros" (Friedman, 1975, p.621), ou a outras variáveis
familiares:
“Há também evidência considerável do papel etlolôglco de fatores não genéticos de
suscetibilidade na expressão de transtornos depressivos, alguns deles de natureza familiar. São
necessárias estratégias clinicas e epidemiolôgicas, bem como o trabalho de desenvolvimento
metodológico para lidar com essas questões" (Biehar, Weissmen, Gershon & Hirschfeid, 1988,
p. 290).

A associação de fatores externos e internos pode também ser genericamente


postulada como causa (e produto) de um problema:
“Há evidência ciara de que eventos negativos na vida desempenham um papel na etiologia
e manutenção de pelo menos algumas depressões, e há razão para acreditar que processos
intrapslquicos e interpessoais influenciam e são influenciados pela presença da depressão ...
Estresses na vida potencializam, precipitam e exarcebam episódios de depressão. Um avaliador
alerta deveria ficar atento a conflito conjugal, abuso físico ou sexual, privação econômica e outras
situações problemáticas. Histórias de relações interpessoais pobres podem também ser Indicativas
de dôficlts de habilidades psicossociais. Habilidades assertivas, habilidades na resolução de
problemas, habilidades de autogoverno, ou modos dlsfunclonals de pensar ou de perceber a
própria situação são exemplos de áreas relevantes de déficits cuja avaliação pode ser Importante"
(Mufíoz & cols., 1994, p.45).

No caso das abordagens comportamental e cognitivo-comportamental, encontram-


se "modelos etiológícos diferentes para a depressão" (Robinson & cols., 1990, p.30). Na
teoria comportamental, a depressão é interpretada basicamente como função da história
ambiental:
“A abordagem comportamental para a depressão, como formulada por Ferster ... e
posteriormente desenvolvida por Lewinsohn... postula que uma taxa baixa de reforçamento positivo
contingente ò resposta constitui explicação suficiente para o comportamento depressivo. Ao que
parece, esta abordagem daria grande atenção ao ambiente no qual o comportamento depressivo
ocorre. No entanto, Ferster continua com suposições tradicionais: Não podemos assumir que a

244 f-mmanucl í . Tourlnho, Simonc N . Cavalcante, l/isclc Q- BrandAo l lo*i<inc M . Mucicl


pessoa deprimida realmente vê muitos dos aspectos do mundo social a sua votta' ... Em seus
estudos sobre comportamento de pessoas deprimidas em casa e na terapia em grupo, Lewinsohn
... tende a atribuir tanto o comportamento de pessoas deprimidas quanto as contingências que
lhes sâo providas ò sua falta de habilidades sociais. Uma explicação alternativa para os aparentes
déficits comportamentais de pessoas deprimidas é que os outros nâo desejam interagir com elas
e que pessoas deprimidas nâo contam com as habilidades especiais necessárias para superar
isso" (Coyne, 1976, p. 186).

"Os pacientes deprimidos induziram afeto negativo naqueles com quem interagiram e
foram rejeitados" (Coyne, 1976, p. 191).

Em um estudo baseado no modelo interpretativo comportamental, Youngren e


Lewinsohn (1980) abordam a relação entre "comportamentos interpessoais problemáticos"
e depressão, concluindo ser possível que alguns eventos relativos a situações de interação
social sejam relevantes em quadros de depressão. Estudos desse tipo talvez sejam os
que mais se aproximam da especificação de variáveis externas das quais comportamentos
depressivos podem ser função.
Na abordagem cognitivo-comportamental, em contraste com a interpretação
comportamental para a depressão, variáveis externas, mas também eventos internos (estes
últimos considerados os antecedentes imediatos), constituirão o foco de análise. Gatz,
Pedersen, Plomin, Nesselroade e McCIearn (1992), por exemplo, assinalam: "Com base
em nossas descobertas, encorajamos investigações sobre como a vulnerabilidade cognitiva
à depressão ó aprendida na família e um exame das ocasiões nas quais eventos traumáticos
na infância afetam irmãos de modo similar" (p.706).
Como resultado da limitação nas referências a possíveis determinantes ambientais
externos, orientações genéricas e imprecisas com respeito aos mesmos (ainda que
reconhecida sua importância) tendem a regular as intervenções na área de saúde mental.
A observação de Mufioz e cols. (1994), sobre as orientações da Agência Reguladora de
Pesquisa e Políticas de Cuidado à Saúde (AHCPR) para o atendimento inicial a pacientes
com queixas “psicológicas" ilustra o problema.
"Embora as orientações da AHCPR encorajem os médicos de primeiros socorros’3 a
avaliarem o contexto ambiental e o funcionamento psicossocial do indivíduo, pouca orientação é
dada sobre como fazer isso, ou o que fazer com aquela informação quando obtida. Os médicos de
primeiros socorros geralmente recebem pouco treinamento formal na avaliação e resolução de
questões desta ordem“ (p.45).

Note-se que esta é a instituição cujas orientações para a intervenção com pacientes
depressivos, segundo Antonuccio e cols. (1995), sobrevalorizam o tratamento farmacoterápico
e subvalorizam a psicoterapia.

d) referência a aspectos do aparato anátomo-fisiológico possivelmente explicativos


dos problemas.
Aspectos relativos ao aparato anátomo-fisiológico recebem atenção muito maior
na literatura examinada. O status desses fatores no processo de determinação de problemas
psicológicos, no entanto, não se encontra precisamente estabelecido. O tema aparece
sob a forma de pelo menos quatro tipos de referência: determinantes genéticos, variações

" No Mtam* norla amarlcano ôa atançAo è Múdfl (pradomlnantamanla pnvado), oa médico» da prímafcoa «ocorro* fprtmary cura phyaidana') »*o aguataa
qua aluam como cllnlcoa garaia. realizando uma primatra avaliação doa paoantM qua chagam * rada da alandlmanto a *n caminhando-o» a aapadalwta»
quando nacaaaéno

Sobre Comportdincnlo c CognifAo 245


na ação/efeito de drogas entre sujeitos, causas orgânicas e alterações (neuro)fisiológicas/
fisioquímicas produzidas por drogas e por psicoterapia.
Segundo Gatz, Pedersen, Plomin, Nesselroade & McCIearn (1992), estudos que
se remetem a componentes genéticos ocupam-se tanto do papei da hereditariedade quanto
da descrição de componentes genéticos de relevância especifica: "os estudos sobre a
natureza das influências genéticas nos transtornos afetivos tôm tipicamente se voltado
não apenas para a avaliação da hereditaridade, mas também para a identificação dos ‘loci’
genéticos singulares principais..." (701). Blehar, Weissman, Gershon e Hirschfeld (1988)
referem-se aos dois campos como "genética epidemiológica" e "genética molecular",
indicando que estudos nas duas áreas precisam ser desenvolvidos de forma integrada.
O texto de Blehar e cols. (1988) (uma síntese do estado da arte na área) ilustra a
extensão e refinamento dos estudos sobre fatores genéticos na análise de “transtornos
afetivos". Os resultados sumarizados mostram haver razoável controvérsia na área, mas,
ao mesmo tempo, investimento significativo na direção de prover evidência sobre a base
genética de problemas psicológicos, particularmente a depressão, abordada nesse artigo.
Sobre esse "transtorno", uma das hipóteses para a maior vulnerabilidade das mulheres é
a "hipótese biológica", que sugere uma base genética para aquela prevalência (cf. Amenson
& Lewinsohn, 1981, p.2).
No artigo de Blehar e cols. (1988) é salientado que não deve ser ignorado "o papel
de fatores não genéticos que modificam a expressão de transtornos afetivos” (p.292, itálico
acrescentado). Numa linha de maior reconhecimento do papel da história ambiental, Gatz
e cols. (1992) afirmam que a influência de fatores genéticos e ambientais (contemporâneos)
pode variar ao longo da vida dos indivíduos: "com a idade, as pessoas acumulam uma
história única de eventos de vida que se torna crescentemente importante na explicação
de seus estados afetivos" (p.707).
No que diz respeito à variabiliade do efeito de drogas, tem sido assinalado que
"fatores individuais bioquímicos e fisiológicos podem também desempenhar uma papel na
resposta á droga... De fato, muito da contradição presente na literatura sobre drogas pode
se dever a esses fatores individuais" (Morris & Beck, 1974, p.671). Uma hipótese descartada
para explicar a variabilidade da resposta à droga é a que remete à concentração plasmática:
"Correlações entre nlvel sangüíneo e grau de melhora clínica produziram apenas poucas
fracas associações entre certas medidas de resultado e certos níveis de tricíclicos. Níveis
sangüíneos da droga poderiam explicar apenas uma pequena proporção da variação totaí no
resultado clinico" (Simpson & cols., 1982, p.359).

Outra hipótese remete-se a condições orgânicas diversas, relacionadas a idade e


gênero:
‘Idade, peso e composição e eventos reprodutivos, tudo influencia os efeitos da medicação
nas mulheres. O metabolismo da droga frequentemente difere como função da idade; como há
mais mulheres idosas do que homens, ó provável que esses efeitos recaiam mais fortemente
sobre as mulheres. O tecido adiposo tem um efeito complicado no metabolismo da droga; como
è mais provável que as mulheres tenham uma proporção maior de tecido adiposo do que os
homens, è mais provável que a resposta delas á medicação seja menos previsível" (Mufloz & cols.,
1994, p. 54).

A droga pode também ser considerada, ela mesma, a origem do problema a ser
tratado: "num mundo altamente medicado, os efeitos das drogas devem constituir uma
outra área de preocupação. Muitas drogas médicas causam complicações psiquiátricas..."
(Koranyi, 1979, p. 418).

246 Kmmanucl Z. Tourinho, Slmonc N . Cdvdkdnlc, Cyiíclf C/. Hranililo l lotianc M . Maciel
Condições orgânicas (especificas ou não) são apontadas em alguns trabalhos
como determinantes de problemas psicológicos. Hall, Popkin, Devaul, Faillace e Stickney
(1978) apresentam extensas listas de "condições médicas" consideradas (a) "definitivamente
causais de sintomas psiquiátricos", ou (b) "provavelmente causais de sintomas psiquiátricos"
(p.1316), em um estudo que pretendeu “definir a significância de doença física em pacientes
psiquiátricos externos" (p. 1318). Em uma de suas conclusões, afirmam que “transtornos
cardiovasculares, endócrinos, infecciosos e pulmonares sâo as causas médicas mais
freqüentes para sintomas psiquiátricos" (p.1320). Acrescentam que "alucinações visuais,
distorções e ilusões são os sintomas psiquiátricos mais discriminativos de transtorno
módico subjacente. Sua ocorrência necessita de avaliação médica" (p. 1320).
Koranyi (1979) salienta que doenças físicas podem ser determinantes de
transtornos emocionais e muitas vezes não são diagnósticadas. A diabetes é oferecida
como exemplo:
"Estágios Iniciais da diabetes m ellitus podem facilm ente tornar-se uma causa de
problemas psiquiátricos e conjugais, uma vez que essa doença leva à Impotência erótil em 25%
de todos os homens diabéticos nas idades de 30-39 anos e em 55% daqueles que estão com 50-
59 anos de idade" (Koranyi, 1979, p.418).

Koranyi (1979) é enfático ao abordar a relação entre condições orgânicas e


problemas "psiquiátricos": “não existe um único sintoma psiquiátrico que não possa por
vezes ser causado ou agravado por várias doenças físicas" (p.414). Koranyi, entretanto,
aborda a participação da doença física na determinação de um "transtorno”, como variando
em três graus:
"Doenças físicas Inteiramente responsáveis pelos sintomas psiquiátricos são referidas
com o doenças 'causais'. A quelas que aum entam um tra n sto rn o p siq u iá tric o que existe
independentemente, sem causá-lo, sâo chamadas doenças agravantes. Condições que representam
uma doença médica maior, mas têm relativamente menos impacto na condição psiquiátrica, sâo
chamadas doenças somáticas 'co-existentes'" (p.415).

No caso da referência a alterações (neuro)fisiológicas/fisioquímicas na análise


de problemas psicológicos, o trabalho de Baxter & cols. (1992) é o mais ilustrativo e
representa um passo na direção da integração de dados fisiológicos e comportamentais.
Os autores argumentam haver grande evidência de uma mediação do Sistema Nervoso
Central nos sintomas do Transtorno Obsessivo-Compulsivo. Apontam, adicionalmente,
que essa mediação é alterada tanto por drogas (ISRSs) quanto por psicoterapias
comportamentais.
"Temos postulado que a cabeça do núcleo caudado desempenha um papel central na
mediação dos sintomas do TOC e que o tratamento bem sucedido do TOC por medicação ou por
terapia comportamental seria acompanhado por uma mudança na função do núcleo caudado que
p od e ria se r d ete cta d a com a to m o g ra fla de em issã o de p o s ltro n e com o m é tod o do
fluordesoxigllcose-18-F ... O metabolismo da glicose cerebral é um indicador sensível da função
cerebral" (Baxter & cols., 1992, p. 681).

A mediação fisio-qulmica do TOC é atribuída a um neurotransmissor, a serotonina,


apontada por Baxter e cols. (1992) como "altamente implicada na patofisiologia do TOC"
(p.687). Os autores explicam as evidências em favor da tese daquela mediação: "A ‘hipótese
da serotonina' do TOC repousa firmemente na evidência de que drogas quimicamente
diversas que são fortes inibidoras de recaptação de serotonina [ISRSs] são efetivas no
tratamento do TOC, enquanto agentes similares que afetam outros neurotransmissores
são inefetivos" (Baxter & cols., 1992, p.688).

Sobre Comportamento e Coflniíilo 247


A proposição da meótaçào neurofisiológica (ação da serotonina no sistema nervoso
central) não significa uma postulação causai: "Nossos dados não provam que a disfunção
no núcleo caudado é a ‘causa’ do TOC" (Baxter & cols., 1992, p.687). Também não implicai
a necessidade de tratamento farmacoterápico. Terapias comportamentais, tanto quanto
ISRSs são “altamente efetivas na redução dos sintomas do TOC” (Baxter & cols., p.681).i
Ambos produzem, também, mudanças na base neurofisioqulmica do transtorno. Esse
dado, segundo os autores, não deveria surpreender.
*P ode-se p e rg u n ta r com o a terap ia c o m p o rta m e n ta l pod e p ro d u z ir m udanças no
funcionamento cerebral de modo similar a drogas neuroqulmlcamente especificas. No entanto, mesmo
em animais inferiores, como a I6sma marinha, Apiysia, sâo mudanças nas sinapses que usam serotonina ]
que parecem mediar mudanças aprendidas em comportamento de estimuio-resposta ... Assim, a
possibilidade de ambos, o inibidor de recaptaçôo de serotonina e os tratamentos de modificação do
comportamento, terem os mesmos efeitos neurais nâo è tâo forçada quanto pareceria a alguns a,
primeira vista" (Baxter <S cols., 1992, p.688, itálico acrescentado).

O princípio (da relação entre história ambiental e componentes neurofisiológicos


dos “transtornos") aplica-se também a outros quadros, como pânico e depressão: "a
depressão maior unipolar e o complexo de transtorno de pânico/agorafobia também podem
ser tratados tanto com drogas quanto com terapia comportamental, embora, como no
TOC, certos sintomas possam responder melhor a uma ou outra intervenção" (Baxter &
cols., 1992, p.688).
Assim como a psicoterapia produz mudanças no aparato anátomo-fisiológico
(além de mudanças nas relações comportamentais), de acordo com Rush, Bech, Kovacs,
Weissenburgere Hollon (1982), a farmacoterapia produziria mudanças comportamentais
(além de mudanças neurofisiológicas):
“Os métodos terapêuticos derivados da teoria cognitiva parecem realmente corrigir
especificamente visões negativas. Por outro lado, melhoras menos profundas mas significativas
nas visões negativas do futuro e de si mesmo também ocorreram com a farmacoterapia. Essas
mudanças podem ser conseqüências secundárias de um equilíbrio bioquím ico restaurado no
interior do sistema nervoso central Na medida em que a base neuroquimica da disforia é corrigida,
uma correção parcial desse pensamento negativamente enviesado pode seguir-se" (p.865).

A linha de investigação sobre o papel do sistema nervoso central na mediação de


relações comportamentais, assim como os efeitos de psicoterapia e farmacoterapia sobre
repertórios e fisiologia dos organismos, revela-se mais produtiva do que outros conjuntos
de estudos examinados, na medida em que se aproxima (mais do que pesquisas
correlacionais ou epidemiológicas) de uma identificação de possíveis relações funcionais,
apropriando-se da evidência sobre a importância da história ambiental dos organismos.
Não se pode dizer que ela represente a integração do conhecimento comportamental e
neurofisiológico, mas também não está regulada por um interesse estrito na identificação
de relações populações/terapias eficazes, ou na medicalização do tratamento de problemas
psicológicos. Como no caso da referência a fatores externos, cumpre observar que, também
aqui, a via de inclusão dos fatores ambientais no escopo da análise é a das “terapias
comportamentais".

e) caracterização dos problemas psicológicos com base na nosoiogia psiquiátrica.


Em diferentes estudos, os problemas pesquisados/tratados são referidos com
base em categorias diagnósticas psiquiátricas, derivadas do Manual Diagnóstico e

248 fcmmjnucl Z. tourinho, Simonc N . Cavalcante, l/isclc Q. ItraniMo 1 losi.inc M . Maciel


Estatístico de Transtornos Mentais, DSM-IV (Associação Psiquiátrica Americana, 1995).
À parte da referência simples à "depressão", tema da maioria das pesquisas, alguns usos
da linguagem classificatória do DSM-IV encontrados são: "transtorno depressivo maior",
"depressão maior não psicótica", “depressão bipolar", "anorexia", "bulimia", "transtorno
obssessivo-compulsivo", “transtorno de pânico”, "transtornos do sono", "transtornos de
ansiedade", “agorafobia", "transtornos de personalidade", etc. Há também várias referências
a sintomas como "rituais compulsivos", “morbidade física", "memória reprimida", "anergia’,
etc.
Apesar da alta freqüência (mais de 50% dos textos) com que as categorias do
DSM-IV aparecem, ó rara a referência ao Manual. Considerando a popularidade do DSM-
IV e suas categorias, tanto na psiquiatria quanto na psicologia, este pode parecer um
aspecto de pouca importância nos estudos, mas há indícios de que aquele uso não ó tão
isento de compromissos.
Desde sua 3a edição (em 1979), o Manual da APA tenta apresentar-se como
ateorótico e meramente descritivo dos "transtornos", provendo para cada item de diagnóstico
informações topográficas. Como assinalado por Cavalcante (1999), “o caráter descritivo do
DSM é dirigido para a identificação de sinais e sintomas, visando a favorecera descoberta
da etiologia, curso e resposta ao tratamento. Mas os resultados alcançados pelo sistema
são questionáveis" (p.97, itálico acrescentado). A preocupação em servir a diferentes
orientações teóricas leva o Manual a evitar definições etiológicas. Esta e outras
características afastam o DSM-IV de uma perspectiva que favoreça uma interpretação
funcional de problemas psicológicos. A este respeito, Cavalcante e Tourinho (1998) apontam
que
"a classificação por síndrome contida no DSM seria nâo apenas uma calegorizaçâo
topograficamente orientada, mas tambóm envolveria supostos que desviam a atenção de uma
análise funcional. Um modo de explicitar as divergências entre o DSM e um eventual sistema
fun cio na l de cla ssifica ção è e specificando, em cada contexto, o que seria m descrição,
classificação, explicação e tratamento. Com respeito à descrição, o DSM apresenta especificações
topográficas, enquanto num sistema funcional deveria haver também uma Indicação de relação do
comportamento com possíveis variáveis controladoras. A classificação, no DSM, está baseada
em sinais e sintomas relatados na clínica: num sistema funcional, ela deveria estar orientada por
tipos de relações controladoras características de cada quadro. A explicação, no contexto do
DSM, deve ser buscada nâo no próprio sistema, mas no aparato teórico do usuário do sistema,
supondo-se que as categorias sâo úteis e encontram explicações em vários ambientes teóricos;
num sistema analítico-comportamental, a explicação coincide com a própria descrição, uma vez
que esta já assume a forma de especificação de uma relação funcional14. Por último, o tratamento,
no DSM, dependerá também do sistema teórico no interior do qual a classificação adquire sentido
próprio; num sistoma funcional, o tratamento diz sempre respeito à manipulação de contingências,
de acordo com as relações controladoras Identificadas" (p. 143).

Na medida em que os textos examinados não compõem a literatura analítico-


comportamental, não foram produzidos no contexto de seus princípios para a investigação e
interpretação do comportamento, não deve surpreender que adotem posições diversas. O
contraste permite, no entanto, salientar características dos trabalhos que não são usualmente
abordadas. Se os trabalhos não são “comportamentais", tambóm não revelam (ou raramente
revelam) compromissos com outras abordagens teóricas na psicologia. Isto ó, compõem
conjuntos de investigações sobre problemas psicológicos sem explicitar concepções acerca
10 acordo com Sooz (2001). me*mo mmriAMMdo comportamento, particularmente na obra de Skinner. deecnçAo • expliceçAo |>odem *er entendida* como
Atividades diversa*, no entanto, amba* envolvem a reforèncw a relaçOe* funaona*. na deecnçêo, a identidcaçAo de relaçOe* entre eventos específicos; na
explicação, a propoeiçAo de leit geral* acerca de relaçOe* funcional* entre evento*

Sobre Comportamento c Cofiniç.lo 249


da natureza dos fenômenos, ou das condições para sua instalação e manutenção. Assim,
não se pode dizer que são regulados por sistemas teóricos concorrentes à análise do
comportamento no interior da psicologia. O que os estudos sugerem ó que são regulados,
em alguma medida, pelo DSM-JV; sua lógica descritiva e não especificadora de etiologia
penetra nos estudos de modo sistemático, para alôm do uso de suas categorias diagnósticas.
Ocorre que o DSM-IV, embora busque uma isenção para ser consumido por praticantes de
diferentes "psicologias" (e por outros profissionais da área de saúde e saúde mental), encerra
em si compromissos diversos, não explicitados e não discutidos criticamente. Esse9
compromissos vão sendo reproduzidos de modo irrefletido quando “simplesmente" são
utilizadas as categorias do Manual. O problema ó detectado por Goldfried e Wolfe (1998),
em um trabalho no qual discutem estudos de validação empírica de psicoterapias:
“Como bem sabe qualquer pessoa que tenha estado envolvida com o planejamento e
Implementação da pesquisa sobre resultados da psicoterapia, há diversos constrangim entos
metodológicos, práticos e financeiros, que limitam o que pode ser feito nos nossos protocolos de
terapias. Assim, designamos randomicamente pacientes diagnosticados com o Manual Diagnóstico
e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM) para tratamentos e predeterminamos quantas sessões
serão necessárias para prom over mudança clinicamente significativa. Necessariamente, isso
tudo contribui para a lacuna entre a pesquisa e o modo como a terapia é praticada no mundo real..."
(p. 144).

Concordamos com Chambless e Hoffon (1998) de que o uso dos diagnósticos do DSM
nos nossos estudos sobre resultados [da psicoterapiaj tem a vantagem de prover ao campo uma
consistência de um estudo a outro e uma ligação com a literatura da psicopatologla. No entanto,
numa análise final, acreditamos que pode muito bem ter sido um movimento na direção errada. O
foco nos transtornos dos diagnósticos do DSM ... limita como pensamos e os tipos de perguntas
que fazemos sobre problemas clínicos (p. 145).

Assim, o que pode parecer uma característica periférica dos estudos examinados,
o uso das categorias diagnósticas do DSM-IV, na verdade é reflexo de uma interferência
significativa no delineamento das pesquisas, responsável pela reprodução de certos modos
de interpretar os problemas psicológicos e explicativa da ausência de incursões
sistemáticas no campo da etiologia. Compreender com mais clareza os compromissos al
contidos é requisito para discutir possíveis repercussões dos resultados veiculados na
elaboração e/ou corroboração de modelos intemalistas versus extemalistas de interpretação,
uma discussão que parece fazer mais sentido para as psicologias do que para a psiquiatria
e para os financiadores da pesquisa sobre eficácia da psicoterapia e farmacoterapia.

Considerações Finais

A interpretação analítico-comportamental para os produtos da história ambiental


dos indivíduos traz o reconhecimento de que alterações anátomo-fisiológicas, ao lado de
novas probabilidades de resposta, são resultados concomitantes dos processos seletivos
a que os indivíduos são expostos. Os dois tipos de produtos são interpretados como
independentes e não investidos de funções causais em relação um ao outro. A análise de
uma literatura que investiga componentes orgânicos de fenômenos comportamentais conduz,
no entanto, a atentar para o fato de que há circunstâncias nas quais as alterações anátomo-
fisiológicas passam a constituir uma restrição ao estabelecimento de novas relações
comportamentais, na medida em que alteram a sensibilidade/reatividade dos indivíduos a
propriedades relevantes de seu ambiente. Nesta circunstância, uma análise que não

250 r mnianucl Z. Tourlnho, Simone N. Cavalcante, C/isclc C/. RrandAo 1 losiane M . Maciel
considere esses novos constrangimentos orgânicos, diferenciados daqueles usuais e
comuns aos humanos, pode ter alcance mais limitado. De outro lado, o sucesso das
intervenções clínicas baseadas na interlocução pode ser considerado indicativo da
importância de fatores relacionais na definição do surgimento e curso de um problema
psicológico, e menor freqüência de ocorrência de restrições orgânicas que demandem em
princípio intervenções farmacoterápicas.
Se de um ponto de vista analltico-comportamental, reconhece-se, ainda que
timidamente, a importância do conhecimento (neuro)fisiológico e buscam-se modelos
interpretativos dos fenômenos comportamentais que dêem conta da demarcação das fronteiras
com outras ciências do organismo, não está claro que um esforço de integração também
esteja de algum modo presente nas abordagens farmacoterápicas. Estas tendem a assumir
antecipadamente posturas internalistas de caráter organicista, que passam a justificar uma
atenção periférica à história ambiental dos indivíduos e ao conhecimento que a enfatiza. No
caso dos trabalhos examinados, a literatura que direciona a atenção para eventuais
componentes orgânicos de alguns problemas “psicológicos" não promove o delineamento
de modelos interpretativos das interrelações entre história ambiental e eventos anátomo-
fisiológicos; ao contrário, tende a drenar o esforço reflexivo e investigativo para modelos
organicistas de interpretação e intervenção. A ausência, naquela literatura, de uma referência
mais sistemática à produção e manutenção dos problemas fica dificultada pela orientação
topográfica na caracterização dos "transtornos", que possibilita tratar como “iguais" problemas
que de um ponto de vista funcional são diversos. Mas essa limitação é conseqüência indireta
de outras decisões. Variáveis sociais e institucionais, por seu turno, parecem conferir maior
clareza aos compromissos acumulados naqueles estudos.
Em uma análise da produção norte-americana sobre os resultados da psicoterapia,
da qual faz parte boa parcela das pesquisas aqui citadas, Goldfried e Wolfe (1998) apontam
que nos anos 70 tornou-se necessário prover dados de eficácia da psicoterapia, seja para
basear o pagamento de tratamento por empresas provedoras de serviços de saúde, seja
porque o Congresso americano preocupava-se com os gastos crescentes na área de
saúde mental. Naquele contexto, tinha papel destacado o Instituto Nacional de Saúde
Mental (NIMH), crescentemente influenciado pela psiquiatria. Essa influência, associada
aos resultados da pesquisa sobre tratamentos farmacoterápicos, determinou os critérios
clínicos de avaliação da eficácia dos tratamentos.
“Uma decisão foi tomada pelo NIMH, a principal fonte de recursos para a pesquisa da
psicoterapia, de que os mesmos padrões usados na pesquisa da farmacoterapia seriam aplicados
na avaliação das psicoterapias. Isso significava que tratamentos psicossociais padronizados
precisavam ser avaliados em termos de sua eficácia em reduzir sintomas de um transtorno
específico definido pelo DSM" (Goldfried & Wolfe, 1998, p. 145, itálico acrescentado).

O interesse e favorecimento de abordagens organicistas para as “doenças mentais”


não ficou limitado ao que é sugerido pelos vínculos com o DSM. Goldfried e Wolfe (1998)
salientam que decisões anteriores já sinalizavam fortemente o direcionamento do
financiamento público nesta direção:
“anteriormente, uma decisão havia sido tomada pelo diretor do Programa Interno de
Pesquisa do NIMH, de direcionar-se para a perspectiva biológica da doença mental. Em uma
declaração de política oficial publicada por volta de 1970, o diretor argumentou que o futuro da
pesquisa sobre doença mental dependia da compreensão e tratamento biológico dessas desordens.
Acreditava-se que esse passo era necessário para que o campo da pesquisa sobre tratamento
atingisse a respeitabilidade cientifica e, não menos importante, persuadisse o Congresso de que

Sobre Comportamento e CojjniçJo 251


era necessário continuar destinando fundos para a pesquisa sobre doença m e n ta l... Todos esse
fatores influenciaram a medicalizaçâo crescente da pesquisa sobre resultados da psicoterapia"
(p. 145).

A importância atribuída ao DSM ó, portanto, apenas expressão de um processo


maior de regulação dos estudos sobre eficácia da psicoterapia e da farmacoterapia por
contingências sociais e institucionais comprometidas com a reprodução e difusão de
modelos internalistas organicistas de análise dos problemas psicológicos. Esse movimento
pode ser um importante fator de redução do impacto de resultados que favorecem teses
externalistas na psicologia, inclusive entre os próprios psicólogos; sua identificação
recomenda, então, um exame crítico da literatura norte-americana sobre a conveniência
ou adequação do uso de drogas psicoativas. Além disso, deve ser reconhecido que o
desenvolvimento de programas de pesquisas capazes de prover dados mais sistemáticos
sobre possíveis associações de tratamentos comportamentais e farcológicos é ainda uma
demanda não suprida.
A centralidade que abordagens internalistas organicistas assumiram nas últimas
décadas na interpretação e tratamento de problemas humanos talvez esteja começando a
perder sustentação, tanto pelo que vem sendo apontado por estudos sobre eficácia e
efetividade da psicoterapia (cf. Antonuccio e cols., 1995 e Consumer Reports, 1995,
November), quanto pelo que vem sendo produzido no próprio campo das ciências biológicas.
Os resultados recentemente divulgados do projeto genoma humano (Venter & cols., 2001)
contrariam fortemente algumas expectativas engendradas naquela tradição e é legítimo
supor que terão impacto na área. Genes de humanos e não humanos variam muito pouco
frente à diversidade comportamental das espécies. Entre humanos, "muitas fontes diversas
de dados têm mostrado que quaisquer dois indivíduos são idênticos em mais de 99,9%
em suas seqüências, o que significa que todas as gloriosas diferenças entre indivíduos
em nossa espécie que podem ser atribu Idas a genes estão em 0,1 % da seqüência" (Venter
& cols., 2001, p.1348). Do ponto de vista filogenético, o status da história ambiental parece
já estar recebendo maior reconhecimento:
“a diversidade morfológica e comportamental encontrada em mamíferos ô sustentada
por um repertório de genes similar e por neuroanatomias similares ...

Entre humanos e chipanzès, sáo quase indistinguíveis o número de genes, as estruturas


e funções dos genes, as organizações cromossòmica e genõmlca, e os tipos e neuroanatomias
das células; apesar disso, as modificações no desenvolvimento que predispuseram as linhagens
humanas à expansão cortical e ao desenvolvimento da laringe, dando origem ò linguagem,
culminaram em grande singularidade, que até pelos critérios mais simples tornaram os humanos
mais complexos num sentido comportamental" (Venter e cols., 2001, p. 1347).

Ainda que “redes complexas" estejam assumindo o lugar de genes específicos


na explicação de "perturbações" dos organismos, a mensagem parece clara: olhar apenas
para o próprio organismo humano não será suficiente para dar conta de sua singularidade
e de seus problemas.

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256 hnm anuel Z. lourinho, Simonc N . Cavalcante, Q ltelc C/. Hrandüo & losianc M . Maciel
Capítulo 32
Identificação e análise de contingências
geradoras de ansiedade: caso clínico
Patrícia Piazzon Üueiroz
Hélio José Çuilhardi
Instituto de AfhUisc de Comportamento - Campinas
0 cliente tem 23 anos, faz curto de graduação e dá aulaa para alunos do en»ino fundamental Verbalizou na primeira sessão:
"Ontem eu passei multo mal! Ando multo ansioso, mas ontem foi o ptor. Nâo conseguia fazer nada, parecia que ia ter um troço.''
A ansiedade é um estado corporal produzido por contingências de reforçamento especificas: um estimulo sinaliza a apresentação
de um estimulo averslvo e nâo há comportamento de fuga-esquiva possível. O sentimento de ansiedade apareceu u partir do
momento em que o cliente foi contratado para dar aula em uma nova escola. Os seguintes elementos aversivos para o cliente
foram Identificados: até entâo dava aulas como voluntário, agora seriam remuneradas (o que significou para ele ter que dar aulas
mala elaboradas); a escola é tradicional (nâo ter sucesso lá eqüivale a ser "medíocre" e ser reconhecido como tal); a escola é a
mesma onde o pai estudou (o pai ainda conhece algumas pessoas que trabalham lá e fracassar poderia decepcioná -lo); a escola
poBBui um sistema de avaliação do professor feita pelos alunos (uma má avaliação seria insuportável e prejudicial, pois
impossibilitaria vir a aumentar o número òe aulas). A história comportamental do cliente foi caracterizada por exigência de
desempentos elaborados e perfeitos, a fim de nâo ser criticado polo pai Assim, desenvolveu um sofisticado e eficaz repertório
do fuga-esquiva mantido por reforçamento negativo O cliente generalizou esse padrão para a situação profissional atual e passou
a preparar aulas exageradamente complexas para o nlvel doe alunos e objetivoa do curso. Como tal, sua relação com a classe
ficou aversiva para ambos os lados Diante da exposição prolongada a essa situação, o cliente começou a relatar sentimentos de
desânimo e cansaço. O procedimento terapêutico envolveu nove etapas - desde levar o cliente a compreender conceitualmente
que sentimentos e comportamentos sâo determinados por contingências (sentimentos nâo sâo causas) até identificar empiricamente
as contingências que vinham operando em sua vida e modificá-las, a ponto de alterar os sentimentos e comportamentos da
queixa O cliente ficou sob controle dos procedimentos da terapeuta e o ambiente natural conseqüenciou de forma reforçadora
positiva os novos padrões comportamentais: os alunos passaram a participar mais das aulas e a Interagir mais com ele antes e
depois da aula. Sua ansiedade ao dar aulas desapareceu, tem apresentado maior variabilidade comportamental, tem ficado mais
atento aos comportamentos dos alunos e menos ás suas auto-rogras rígida*. O processo terapêutico no momento está voltado
para programar a generalização da nova maneira do cliente se relacionar com seu ambiente em outros contextos
Palavras-chave: ansiedade, supressão de comportamento, regraa, auto-regras.

The cllent is a twenty-three-year-okJ undergraduate student who teaches elementary school In the first session, he verballzed,
“Yesterday I felt terrlbk»! I've been very anxious, but yesterday was the worst I couldn't do anything; It seemed llko I was golng
to have a fit." Anxiety is a bodity state produced by speciflc relnforcement contingencies a stimuius signals the appearance of
an aversive stlmulus and there is no escape-avoidance behavior possible. The feeling of anxiety arose when the cllent was hlred
to teach at a new school The following aversive stimuius for the cllent were Identlfled: untll then, he taught as a volunteer, and now
his work would be paid (meaning that he would have to prepare more elaborate classes); the school Is traditlonal (not belng
successlui there is the equivaient of being “mediocre" and being recognized as such); h» father studied at the sam* school (the
father still knows somo people who work there and failure could disappoint him); the school has a system of teacher evaluation by
the students (a poor evaluation would be unbearable and detnmental since it would prohibit extending the number of classes taught)
The cllent s behavioral history was characterized by the demand for elaborate and perfect performances in order to avoid critldsm
by the father He therefore developed a sophisticated and efficient repertoire of escape-avoidance strategies maintalned by
negativo relnforcement. The Client then extended this pattem to his professional situation and began to prepare overly complex
classes for ti») levol of the students and the goals of the coune. The relationship between the class and the teacher became
mutually hostile With extended exposure to this situation, the cllent began to report feeling dlscouraged and tlred. The therapeutlc
procedure involved nine phases - from leadlng the Client to understanding conceptually that feellngs and behavior are determlned
by contingencies (feelings are not causes) to identifying empincally those contlngeociés which had been operatlng in his life and
modlfylng them, to the extent that both feelings and behavior were altered. The cllent was under the control of the theraplBt's
procedures and the natural envimnment, through positive reinlotcement, aflected the new behavioral pattems: students began to
partlclpato more in class and interact more with the chent before and after class. Mis anxiety while teachlng disappeared, he lias
demonstrated greater behavioral variety, and he has been more aware of the students* behavior and less of his strlct self-imposed
rules. The therapeutic process at the moment alms at programmmg an extension of the cllenfs new way of relatlng to his
environment to other contexts
Key words: anxiety. behavior suppression, njles. setf-rules

Sobre Comporttimcnlo c CoflniçJo 257


O objetivo do presente trabalho é descrever aspectos fundamentais do processo
terapêutico realizado com um cliente que apresentava queixa de ansiedade e relacionar
os procedimentos adotados com os referenciais conceituais e experimentais do
Behaviorismo Radical e da Ciência do Comportamento.
O cliente tinha no inicio do tratamento 23 anos, solteiro, fazia curso de graduação
e dava aulas para alunos do ensino fundamental. Procurou a terapia com a seguinte queixa:
"Ontem eu passei muito mal! Ando muito ansioso, mas ontem foi o pior. Nâo conseguia
fazer nada, parecia que ia ter um troço”. Ele continuou relatando que a ansiedade tinha
começado há pouco tempo, mas vinha se repetindo com maior freqüência, intensidade
crescente e estava atrapalhando-o em todas as suas atividades.
Skinner (1991 b, p. 102) escreveu: "Comportamentos perturbados são causados
por contingências de reforçamento perturbadoras, náo por sentimentos ou estados da
mente perturbadores, e nós podemos corrigir a perturbação corrigindo as contingências."
O cliente não estava sendo capaz de discriminar e relatar as contingências em operação
que estavam produzindo tais estados corporais. Assim, em sua queixa ele explicitou:
“Ando muito ansioso..." (ontem) “Não conseguia fazer nada...", ou seja, do ponto de vista
do cliente, os sentimentos estavam causando os problemas comportamentais. Skinner
(1980) esclareceu o papel que atribui aos sentimentos: "Para a maioria das pessoas, o
comportamento seria um epifenômeno (um fenômeno secundário que acompanha um outro
e é causado por este)... Quando eu chamo os sentimentos de "subprodutos" do
comportamento parece ficar implícito que eles são epifenomenais. Uma expressão melhor
é "produtos colaterais". Os comportamentos e os sentimentos são ambos causados por
histórias genética e ambiental em conjunto com a situação presente" (itálico dos autores).
Sendo assim, os estados corporais e comportamentos ocorrem simultaneamente e são
produzidos pelas contingências vigentes. "Eis a posição comportamentalista: volte aos
eventos ambientais antecedentes para explicar o que alguém faz e, ao mesmo tempo, o
que essa pessoa sente enquanto faz alguma coisa. Para cada estado sentido e designado
pelo nome de um sentimento, presumivelmente, existe um evento ambiental anterior do
qual esse estado é produto. A terapia comportamental se interessa mais pelo evento
antecedente do que pelo sentimento." (Skinner, 1991 b, p. 103) (itálico dos autores). Entenda-
se, na frase de Skinner, que o interesse maior da terapia comportamental pelas
contingências antecedentes significa que são elas que determinam os sentimentos,
portanto, ao lidar com elas pode-se - e somente desta forma - influenciar os sentimentos.
Não significa que os sentimentos das pessoas não são de interesse do terapeuta
comportamental, já que, em última análise, o que se pretende ó produzir sentimentos de
bem-estar, de prazer, de satisfação etc. e eliminar os de sofrimento, ansiedade, angústia
etc. E ainda, Skinner (1991c, p.13): "A maneira como as pessoas se sentem é,
freqüentemente, tão importante quanto o que elas fazem.” As queixas do cliente, que
incluem seu estado corporal de ansiedade e suas dificuldades em emitir comportamentos,
são apenas um elo (o intermediário) da tríplice contingência. Faltam a identificação dos
eventos antecedentes e conseqüentes para a composição das contingências imediatas, e
a elaboração do contexto mais abrangente, que, necessariamente, inclui sua história
comportamental, que permitirão uma análise compreensiva das dificuldades do cliente.
Isto está de acordo com a proposta de Skinner (1993, p.31) que, referindo-se ao papef do
mundo interior e dos sentimentos, afirmou: “Eles são pistas (1) para o comportamento
passado e as condições que o afetaram, (2) para o comportamento atual e as condições
que o afetam, e (3) para as condições relacionadas com o comportamento futuro".

258 P tilrk id h u /7 0 » O u c ir o / í I lé lio losé C /U ilh.m li


Em suma, a terapeuta deve se preocupar com os comportamentos-problema e os
sentimentos adversos apresentados pelo cliente, mas tem que encontrar e alterar as
contingências das quais eles são função: elas, de fato, são o objeto de intervenção. Mais
apropriado seria dizer que o cliente não sofre de ansiedade, nem de dóficits de
comportamento, mas sofre sim pelas contingências que os originam. "Dizer, por exemplo,
que a doença física é devida ao estresse não explica a doença, nem explica como tratá-la,
até que o estresse seja ele próprio explicado, Para fazer algo com uma doença devida à
ansiedade, temos que mudar as circunstâncias aversivas responsáveis pelo que ó assim
sentido" (itálico dos autores) (Skinner, 1991, p. 113).
A análise experimental do comportamento descreve da seguinte forma o paradigma
da ansiedade: um estímulo sinaliza a apresentação de um estímulo aversivo e não há
comportamento de fuga-esquiva possível, produzindo, na presença do estímulo pré-aversivo,
estados corporais e supressão de comportamentos operantes vigentes. O estado corporal
sentido sob estas condições pode ser chamado de ansiedade. O cliente descreveu estados
corporais ("passei muito mal"; “ando muito ansioso") e supressão de comportamentos
(“não consegui fazer nada"), tipicamente, produzidos por esse tipo de contingência, porém
não discriminou o antecedente (estímulo que sinaliza a apresentação do estímulo aversivo)
e nem o conseqüente (estímulo aversivo). Levá-lo a compor o paradigma completo da
ansiedade em sua vida; a identificar como os eventos adquiriram - mercê de sua história
comportamental - as funções aversivas; e porque ele não apresenta um repertório eficaz
de fuga-esquiva, são tarefas da terapeuta. Caso a situação aversiva seja realmente inevitável,
não há nada a fazer. Mas, o cliente pode estar fazendo uma discriminação equivocada da
condição presente. Assim, por exemplo, o estímulo aversivo pode não ser necessariamente
aversivo ou podem existir comportamentos de fuga-esquiva adequados à situação. Nestes
casos, o terapeuta pode atuar, ajudando o cliente a melhorar sua discriminação ou modelando
a resposta de fuga-esquiva possível. A maior parte dos eventos aversivos, principalmente
os de origem social, adquiriram essa função como resultado da história comportamental
da pessoa. Uma pessoa socializada num ambiente muito crítico, exigente e punitivo pode,
por exemplo, ser muito sensível aos comentários feitos sobre seu desempenho (os
comentários têm função de censura, desaprovação, avaliação, são aversivos, enfim). Neste
caso, a terapia pode atuar para alterar a função aversiva dos comentários, já que essa
aversividade não é intrínseca ao evento social. Da mesma maneira, uma pessoa com uma
história comportamental em que os comportamentos de tomar iniciativas, apresentar
variabilidade comportamental, contestar etc foram severamente punidos, pode apresentar
um repertório de enfrentamento - classe comportamental sistematicamente punida no
passado - limitado. Nesta condição, cabe à terapeuta modelar classes comportamentais
apropriadas para lidar com a situação, como, por exemplo, comportamentos de contra-
controle.
Baseando-se no referencial teórico, empírico e experimental do Behaviorismo
Radical e da Ciência do Comportamento, a terapeuta passou a investigar os eventos
antecedentes e conseqüentes produtores dos estados corporais e dificuldades
comportamentais relatados pelo cliente. O paradigma da ansiedade orientou a investigação
da terapeuta: que eventos têm a função pré-aversiva e que eventos têm função aversiva
para o cliente? E, ainda mais, há comportamentos de fuga-esquiva possíveis? Tal
investigação se inicia com perguntas que procuram localizar os eventos componentes do
paradigma: "Relate como isso começou"; "Existe algum fator que desencadeia a ansiedade?";
"O que está acontecendo quando você se sente dessa forma?" ;‘‘0 que você pode fazer

Sobre Comportamento e CotfmçJo 259


para mudar a situação?” etc. O cliente relatou que suas “crises de ansiedade" iniciaram
quando ele foi convidado para dar aulas em uma outra escola.
A terapeuta sabia que o cliente, até então, dava aulas como voluntário numa
escola, onde tinha um bom desempenho como professor e gostava do que fazia. Nessa
escola, o cliente não relatou ter sentimentos de ansiedade e nem dificuldade»
comportamentais. Surgiu, então, a questão: que elementos aversivos o cliente identificou
na situação de dar aulas em uma nova escola? A terapeuta identificou as novas
contingências em operação com possível função aversiva para o cliente: a. ele seria
remunerado, o que para ele significava ter que dar aulas mais elaboradas: b. caso não
atingisse a expectativa dos coordenadores, poderia ser demitido; c. a escola é tradicional
e goza de muito bom renome e não ter sucesso lá eqüivaleria a ser “medíocre" e ser
reconhecido como tal; d. seu pai estudou nessa escola, conhecia algumas pessoas que
trabalhavam lá e fracassar lá poderia decepcionar o pai, o que representaria perda de
reforçadores advindos dele (admiração pelo filho etc.); e. a escola possui um sistema de
avaliação do professor feito pelos alunos: um mau desempenho mostraria sua incompetência
a todos e o prejudicaria, pois inviabilizaria aumentar o número de aulas ou até mesmo
continuar contratado; f. seu pai sempre o questionou se ele conseguirá na profissão de
professor se manter financeiramente e, neste caso, perder o emprego demonstraria sua
incapacidade para se sustentar.
A identificação das contingências atuais que produzem os sentimentos e os
comportamentos é importante para que a terapeuta possa ajudar o cliente a discriminar as
contingências das quais seu comportamento é função e, a partir de então, produzir a
alteração dos seus sentimentos e do seu padrão comportamental. Sidman (1995, p. 104 e
105) escreveu: “Esta é a essência da análise de contingências: identificar o comportamento
e as conseqüências; alterar as conseqüências; ver se o comportamento muda. Análise de
contingências é um procedimento ativo, não uma especulação intelectual. É um tipo de
experimentação que acontece não apenas no laboratório, mas, também, no mundo
cotidiano." Porém, também ó necessária a identificação da história de reforçamento à qual
o cliente foi exposto e que selecionou o seu repertório comportamental. A partir da história
comportamental de cada indivíduo, os eventos ambientais adquirem funções (aversivas,
reforçadoras etc.) particulares, idiossincráticas, que se manterão inalteradas, a menos
que novas contingências atuais alterem essas funções. Pode-se argumentar que basta
conhecer as contingências atuais para compreender a função dos eventos, sendo
dispensável conhecer a história passada do indivíduo. Embora isso seja, parcialmente,
correto, pode não ter utilidade clínica. Assim, por exemplo, o cliente pode achar “natural"
ressentir-se de uma crítica, porque "obviamente, uma crítica é um evento aversivo". Se a
terapeuta reconstituir sua história comportamental e, a partir dela, demonstrar que a crítica
adquiriu função aversiva como conseqüência das contingências passadas, então, ela terá
condições de demonstrar que não ó "natural" ressentir-se de uma crítica (esse sentimento
foi construído arbitrariamente) e, tampouco, uma crítica é “obviamente, um evento aversivo".
Em suma, conhecer a história comportamental aumenta a probabilidade do cliente reavaliar
as funções dos eventos. Muitas vezes, sem esta compreensão de como os eventos
passaram a ter determinadas funções, o cliente se recusa a testar a realidade - se esquiva
- e , assim, não avalia a real função atual daquela condição específica. Ou seja, a terapeuta
pode ter que recorrer à história do cliente para compreender o desempenho atual e, daí,
mostrar que o fato de o evento ter sido aversivo não significa que continue sendo. Há
necessidade de testá-lo agora. Há uma influência dinâmica recíproca interessante na

2Ó 0 l\itrk i.i l’ i.i//o n Q uoiro/ L


H élio )osé C/uflIuirdi
interação entre história de contingências passadas e atuais. Em função da história passada,
os eventos atuais podem ter “funções adquiridas", que não lhe são intrínsecas (a água fria
na panela não é a água quente que queimou, parafraseando um dito popular). As regras
enunciadas pela terapeuta ("Se você der aulas na nova escola e não for bem avaliado, as
conseqüências disso não serão, na prática, tão desastrosas...") podem não controlar o
cliente. O grande desafio é encontrar a estratégia adequada para levá-lo a testar a realidade.
Se o comportamento de esquiva for muito forte, então, o cliente não aceitará dar aulas
naquela instituição; com isso, a ansiedade desaparecerá, mas seu déficit comportamental
continuará. A ansiedade, nesse caso, poderá ser substituída por sentimentos de depressão
(deixou de obter reforçadores positivos com que, se comportando na situação, poderia
obter), sentimentos de culpa (deixou de cumprir uma obrigação ao renunciar a uma
oportunidade de trabalho e, como tal, pode ser criticado) etc. A terapia só terá possibilidade
de produzir algum efeito se a terapeuta tiver algum controle sobre o comportamento do
cliente e conseguir levá-lo a testar com sucesso a realidade. Há, pode-se dizer, um confronto
entre contingências: as regras descritas pela terapeuta (instruções de como agir e as
conseqüências previstas para seu comportamento) competem com as auto-regras do
cliente ("eu sei que se agir da forma sugerida, as conseqüências serão aversivas"; "eu
sinto meu estado corporal como insuportável"; “por mais que eu tente eu não consigo
atuar como deveria" etc). A única possibilidade para sair desse conflito ó se expor às reais
contingências e observar o que ocorre. Uma vez que a redução da ansiedade e o
fortalecimento dos comportamentos operantes suprimidos é um processo lento (há
necessidade de sucessivas exposições às condições geradoras de ansiedade sem a
ocorrência da conseqüência aversiva prevista pela pessoa), o cliente tem uma tendência a
se esquivar e interromper o processo de exposição, alegando que "não adianta mesmo",
"continuo me sentindo mal" etc.
Skinner (1991 b, pp. 103-104) escreveu: "Os terapeutas preocupam-se tanto com o
que as pessoas fazem quanto com o que elas sentem. Os terapeutas comportamentais
atribuem o que ó feito a dois tipos de conseqüências seletivas: comportamento inato à
seleção natural e comportamento aprendido ao reforçamento operante." E, ainda, (Skinner,
1991 b, p. 108): “A partir das respostas dos clientes (sobre seus sentimentos e pensamentos)
é possível inferir alguma coisa sobre suas histórias genética e pessoal. De fato, fazer tais
perguntas é, freqüentemente, a única forma que os terapeutas dispõem para aprender
sobre uma dada história pessoal." Assim, a terapeuta questionou o cliente sobre aspectos
da história de vida dele: "O que você se lembra da sua infância?”; “Você se lembra da sua
relação com o seu pai?"; "E com a sua mãe, como era?" O cliente relatou as seguintes
lembranças:
"Quando eu era pequeno, eu me lembro de um trenzinho elétrico que eu e meu Irmão
ganhamos do meu pai. Eu era louco pelo trem. Mas, nôs não podíamos brincar com ele sozinhos.
O meu pai tinha que estar junto e só ele podia comandar. Eu me lembro que o trem ficava guardado
no alto para a gente nâo pegar. ”

E continuou:
"Eu lembro também que tínhamos brinquedos com os quais podíamos brincar. Estes
ficavam ao nosso alcance. E que tinham os “especiais“ que ficavam no alto. O trenzinho era um
deles, mas tinha mais. Esses, sô de vez em quando.‘

“Sabe o que eu fazia quando queria brincar com o trem? Eu falava para o meu Irmâo
pedir. E ele ia numa boa. Eu morria de medo de pedir pro meu pai."

Sobre Comportamento e Coflniçilo 261


"Na & série, eu tive uma nota abaixo da média de matemática. Meu pai falou...mas nào
foi o pior. Ruim era ele chegar em casa e todo dia no mesmo horário ele ia na porta do meu quarto
e me p e rg u n ta v a :E s tu d o u matemática. ?' Ele nunca entrou para ver. Era horrível aquela pergunta.
Se pelo menos ele olhasse...''

O relato de eventos da história passada sáo importantes, porém o terapeuta deve


atentar para as contingências que modelaram e mantêm esse relato e nâo apenas aceitá-
lo como descrições corretas das contingências. O comportamento verbal de descrever
pode ser caracterizado como um tacto quando as narrações descrevem eventos e situações
que efetivamente ocorreram com o falante. O ouvinte raramente tem acesso aos eventos
passados para certificar-se de sua real ocorrência (a menos que possa se apoiar em
documentos, fotos etc, que confiram algum grau de autenticidade às narrativas). A narrativa
pode ser um tacto distorcido se não descreve as situações como ocorreram. Uma outra
possibilidade é que a narração do cliente seja um exemplo de comportamento intra-verbal:
ele descreve, como suas, as descrições feitas por outros. O interesse pela história de vida
deve incluir a investigação das contingências de reforçamento que instalaram e que mantêm
o relato sobre o passado, sem o que a informação obtida ó de valor questionável. Há, no
entanto, uma outra possibilidade: o relato do cliente permite compor as contingências de
reforçamento que operaram (e, eventualmente, ainda operam) em sua vida. As contingências
determinam comportamentos e sentimentos e a Ciência do Comportamento tem dados
bem documentados de como as contingências funcionam. Basta identificar se os padrões
comportamentais e sentimentos relatados ou observados do cliente sâo compatíveis com
os produzidos pelas contingências descritas. A compatibilidade entre os dados (da literatura
cientifica e os observados no cliente) tornam o relato confiável.
O cliente tambóm relatou várias situações mais recentes de interação com o pai:
0 meu pai queria que eu fizesse algo na área de exatas. Prestei o passei numa ótima
faculdade. Fiz um ano e melo, mas, desde a segunda semana de aula, eu sabia que nào era aquilo
que eu queria. Peguei D.P. de cálculo e estudei muito para passar. O professor deu a mesma prova
do ano anterior em que eu tinha tirado 3. Eu st) tirei 6. A l eu falei “se estudando tanto eu só tirei 6,
eu vou ser um medíocre, Isso não querol Larguei a faculdade e fui fazer cursinho. Foi difícil essa
decisão. *

"Meu pai não se conforma de eu querer ser professor. Lembro quando eu era pequeno,
ele falava que eu seria diplomata."

“Ele falou que não sabe como eu vou fazer para dar o leite das crianças com salário de
professor. Ninguém valoriza professor e eu não serei valorizado. Ele não se conforma com isso".

"O meu irmão, ele elogia. Não fez faculdade nenhuma. Não estudou. Mas, ele trabalha
numa boa empresa. Isso ele vive elogiando."

"Quando eu fiz cursinho, sô estudava. Ia no cursinho de manhã. Almoçava, descansava


meia hora e começava a estudar outra vez Sô parava depois das dez horas da noite. Sair... só
sábado. Passei nas melhores faculdades, nos primeiros lugares. Meu pai deu parabéns. Mas. eu
esperava mais dele. Para ele era obrigação."

O cliente pouco relatou sobre a mãe, descreveu a relação como “boa" e ‘‘tranqüila",
sem se estender mais. Isto pode ter um significado bastante relevante. A mãe poderia ser
uma fonte de contingências alternativas àquelas apresentadas pelo pai. Somente diante
de pelo menos dois controles de estímulos distintos ó possível ocorrer discriminação. Se
a mãe se omite, se cala etc, ela pode ser descrita como “boazinha", no sentido de que não
ó fonte de controle coercitivo e não, necessariamente, por ser fonte de controle reforçador
positivo. Desta maneira, as contingências oriundas do pai podem ter sido as únicas com
função efetiva por controlar os comportamentos do filho, que, privado de contingências que

262 1’atiici.i |*i<i7/on Q u c ir o / & I lé llo losò C/uilhtinii


pudessem levá-lo a discriminar que o pai poderia estar exagerando, ser muito radical etc
(isto é, o pai poderia estar usando excessivo controle aversivo), reagiu ao controle paterno
como se pudesse ser descrito da seguinte forma: "ó assim que tenho que me comportar,
uma vez que a única contingência existente é esta." A mãe, controlada pelo marido, não
foi uma fonte alternativa de contingências de reforçamento mais amenas ou mais favoráveis
para o desenvolvimento do cliente, pelo menos nas classes comportamentais e sentimentos
objetos dos temas nas sessões terapêuticas. Exposto, basicamente, a uma única fonte
de contingências de reforçamento, ao cliente ficou impossível um repertório comportamental
discriminativo.
A figura marcante para o cliente foi o pai, pois este exigia dele desempenhos
elaborados e perfeitos. A ameaça de críticas vinha dele e estava sempre presente. Assim,
o cliente desenvolveu um sofisticado e eficaz repertório de fuga-esquiva (estudar muito,
responder corretamente às questões de provas, por exemplo), mantido por reforçamento
negativo. Os sentimentos associados às contingências de reforçamento negativo são de
alívio, não de prazer. A história de vida do cliente dá importantes pistas para entender a
origem dos freqüentes relatos que fazia sobre seus sentimentos de baixa auto-estima e
de excesso de responsabilidade. Skinner (1991a, p. 48) escreveu: “O eu de que uma
pessoa gosta parece ser produto das práticas positivamente reforçadoras do ambiente
social, mas as culturas em geral controlam seus membros através de estímulos aversivos,
quer como reforçadores negativos que fortalecem o comportamento desejado, quer como
punições que suprimem o comportamento indesejado. Assim, as culturas asseguram que
seus membros são responsáveis pelo que fazem, e os membros "se sentem responsáveis".
Poder-se-ia trocar a palavra "cultura" por "pai", pois este foi o principal responsável pelo
desenvolvimento dos padrões comportamentais e dos sentimentos no cliente: ao empregar
basicamente contingências aversivas, produziu comportamentos e sentimentos de
responsabilidade; ao privar o filho de conseqüências reforçadoras positivas contingentes,
gerou comportamentos e sentimentos de baixa auto-estima.
Na situação profissional atual, o cliente repetia o seu padrão comportamental de
alta exigência e responsabilidade: preparava aulas exageradamente complexas para o
nível dos alunos e objetivos da aula. Ele relatou:
"Eu nâo acho que posso dar uma aula como quem tem pouco tempo de prática. Eu acho
que eu tenho que dar aula como se eu já desse há 15 anos."

"Eu acho que a aula tem que ser expositiva, nâo pode perder o ritmo Ela tem que manter
um ritmo do começo ao fim. Eu nâo me conformo porque os alunos nâo sabem a hora de perguntar,
eles interrompem a seqüência, atrapalham o ritmo.’’

"Para uma aula ser boa eu preciso ler vários livros, ver várias opiniões e pontos de vista.
Nâo posso ter só a posição de um autor. Porém, vou ficando ansioso quando vejo que nâo sei tudo
Eu deveria saber, afinal sou o professor."

"Os alunos nâo sabem pensar, querem tudo mastigado, decorado. Nâo aprendem a ter
uma posição critica. Eu nâo vou ser professor que ensina decorar. Eles precisam pensar e refletir.
Nâo existe uma posição fechada, há vários pontos de vista. Eu quero que eles aprendam a pensar.
Nâo vou dar uma aula medíocre para eles".

"Eu nâo sei o que acontece, mas eles estâo começando a bagunçar, conversar. Eu não
quero perder o controle sobre eles. Eu já dei umas duras hoje. Eu nâo estou lá para ensinar
disciplina. Isso enche porque atrapalha a minha aula."

Os relatos do cliente sobre seu desempenho como professor e as reações de


insatisfação dos alunos, quer se tornando indisciplinados, quer falando que as aulas eram

Sobre Comportamento c Cognifilo 263


muito "complicadas", “chatas", "cansam muito", evidenciaram que o comportamento do
cliente estava sendo governado por auto-regras, mais do que sendo modelado pelas
conseqüências emergentes no contexto de sala de aula. O indivíduo que tem seu
comportamento preferencialmente governado por regras e auto-regras ó pouco sensível às
contingências do ambiente; de certa maneira, ele se torna alienado.
A consciência é fruto de um processo social. O terapeuta, como comunidade
verbal do cliente, precisa descrever-lhe as contingências das quais seu comportamento ó
função. Skinner (1945/1959) escreveu: é somente porque o comportamento do indivíduo
é importante para a sociedade (para o terapeuta) que a sociedade (o terapeuta) torna-o,
então, importante para o indivíduo. Alguém se torna consciente do que está fazendo
somente após a sociedade (o terapeuta) ter reforçado respostas verbais em relação ao
seu comportamento como fonte de estímulos discriminativos." (parênteses acrescentados
pelos autores).
A partir do momento em que o cliente for capaz de descrever as contingências em
operação, ele terá a possibilidade de alterá-las. O processo de conscientização por parte
de uma pessoa inclui: descrever as contingências sob as quais se comporta, incluindo os
comportamentos e sentimentos produzidos por elas; alterar as contingências em vigor,
substituindo-as por outras mais adequadas, observando e detectando as mudanças
comportamentais e os sentimentos a elas associados, como fruto das novas contingências.
O procedimento terapêutico envolveu:
a. Descrever esquematicamente o paradigma da ansiedade, a fim de ensiná-lo que a
ansiedade é produto de contingências e não causa de comportamentos. Para tal, a descrição
foi, inicialmente, conceituai, sem fazer associação com seu dia-a-dia, dando ênfase aos
três componentes básicos:
1. identificação de um estímulo sinalizador com função pré-aversiva;
2. impossibilidade de emitir qualquer comportamento que impeça o aparecimento
do estímulo com função aversiva;
3. apresentação inevitável do estímulo com função aversiva.
Tendo como conseqüência:
1. alterações no seu estado corporal, detectados como desagradáveis (usualmente
chamados de ansiedade);
2. supressão do comportamento operante vigente.

b. Levar o cliente a identificar no seu cotidiano os estímulos com funções pró-aversivas


(em função de sua história comportamental): “Você percebe que quando vai preparar as
aulas você começa a ter as crises?"; uVocê precisa preparara aula. Isso o deixa ansioso
e não consegue fazer n a d a ."V e ja que você só entra em ansiedade quando precisa
preparar ou dar aula. Essas são as situações que geram ansiedade em você. "Aula é um
estimulo pró-aversivo: lá você pode vir a ser criticado, punido de alguma forma."

c. Levar o cliente a identificar o repertório de comportamento em que se engaja, a fim de


se esquivar da condição com função aversiva:"Quando você precisa preparara aula, você

264 Patrícia l’ id/7on Q uciror l I télio José (yuilbdrdl


entra em ansiedade, porque você acha que não vai dar conta, que a aula nào vai ficar boa
e aí você lê o texto sem entendê-lo, vira as páginas do livro em busca de algo que não
e n c o n tra “A sua ansiedade aparece porque, por melhor que a aula esteja preparada,
você ainda acredita que será alvo de críticas e aí acrescenta mais uma informação e mais
outra e a preparação nunca acaba, é uma repetição compulsiva, sem fim"; Ê como se
não houvesse comportamento eficaz o suficiente para evitar a conseqüência aversiva,
então você lê e anota sem, muitas vezes, entender o que está fazendo."

d. Levar o cliente a identificar que as funções aversivas do trabalho eram arbitrárias e


adquiriram essa função como conseqüência de sua história de vida, não eram aversivas
em si: “Você se cobra demais com as aulas. Acha que a aula tem que ser perfeita, como
se você desse aula há 15 anos."; "Você não sabe viver o processo de sua própria
aprendizagem, você já tem que saber e saber tudo. Acha que deveria ser capaz de colocar
o ponto de vista de vários autores sem hesitação."; “Você sempre foi muito exigido, não
podia falhar. Hoje você repete esse padrão nas aulas. Elas precisam ser perfeitas do
começo ao fim, no mesmo ritmo. “ O seu pai esperava atitudes perfeitas, è o que você
espera de você mesmo e dos seus alunos."; “Para você, ir aprendendo a entrar mais no
mundo dos alunos é perder a qualidade da aula. Você tem medo de ser 'medíocre' com
essa atitude. Porém você cobra muito e é pouco sensível às necessidades deles."; "Quando
você acaba de dar uma aula você sente alívio e nâo prazer. Porque dar uma boa aula é
obrigação e, caso você nâo o faça, nâo tem desculpa. Você nâo pode errar, então, acertar
significa simplesmente que você não será criticado."; "Os alunos têm a mesma função do
seu pai."; "A aula ô uma situação de teste, na qual você se sente avaliado e com muito
rigor."

e. Esclarecer que ele funciona mais sob controle de auto-regras do que sob controle das
conseqüências da realidade: "Você acredita que uma boa aula tem que ser difícil, com
várias citações e relações. Você não è sensível a outras alternativas. Só o que você
classifica como certo é que vale.n; uVocê acha que a aula expositiva precisa ser continua
e se incomoda com as perguntas dos alunos. Você nâo observa as necessidades deles,
só seus valores. ”; "Você já observou como os alunos ficam durante as aulas?"; “Já tentou
pensar em outras possibilidades para a aula?”

f. Colocar o comportamento do cliente sob controle de mandos ou regras da terapeuta


com o objetivo de produzir variabilidade comportamental como professor: "Você já tentou
fazer aula em grupo?”; "E se você valorizasse as perguntas, será que eles não iriam
perguntar mais?"; "Tente dar exercícios e fazer correções na lousa. ”; "Você brinca com
eles durante a aula?”; "Você tem tiradas'engraçadas?"; "Os alunos gostam de professores
descontraídos. E isso não o torna um professor ruim. Pelo contrário, se você conseguira
atenção deles, mesmo que brincando, é o que importa: que eles gostem e se interessem.";
"Você usa uma linguagem que eles entendem? O que importa é se eles estão interessados
e, principalmente, aprendendo. Falar mais fácil não significa ser 'medíocre'. Épreciso que
você fale a língua deles."; "Observe as reações deles quando você è exigente, rígido e
compare com a maneira que eles se portam quando você se mostra amigo e descontraído. ”

Sobre Comportamento c Coyjmç.lo 265


g. Instalar no cliente comportamentos de auto-observação e relato de variações
comportamentais durante as aulas: "Que novas atividades você introduziu nas aulas?";
"De que forma você alterou suas aulas expositivas?"; "Que novos recursos didáticos você
tem usado?"; "Em que você tem mudado durante as aulas?"; "E no seu relacionamento
com os alunos dentro e fora da classe?"

h. Instalar nele comportamentos de observação das conseqüências do seu novo padrão


comportamental em sala de aula: “O que os alunos acharam dos exercidos?"; "Como eles
se comportaram durante a atividade?";"Você observou se durante o trabalho nos grupos
os alunos estavam mais envolvidos do que nas aulas expositivas?";"Quando você usa a
lousa, como eles ficam?"; "Como os alunos se relacionam com você nos intervalos de
aulas?"

i. Observar os comportamentos de outros professores bem sucedidos na escola quanto à


forma de dar aula, de fazer avaliação e de interagir com os alunos: "Como o professor X dá
aula?; Que métodos ele usa?"; *O que os alunos acham?"; "Como ele avalia os alunos?’’

A escola tem como norma uma avaliação semestral dos professores feita pelos
alunos. No primeiro semestre, quando os procedimentos acima estavam sendo gradualmente
introduzidos, ocorreu a primeira avaliação do cliente. Ele teve uma das avaliações mais
baixas dentre os professores da série. O item 'interação com os alunos’ recebeu uma média
satisfatória, porém a sua clareza na exposição e dinâmica de aula foram bastante criticadas.
O cliente ficou frustrado com a avaliação, apesar de dizer que já esperava esses resultados.
Mas, de qualquer forma, ela foi bastante útil para as discussões em terapia e funcionou
como uma conseqüência aversiva poderosa para mudar seus padrões comportamentais. É
interessante salientar que o cliente aprendeu a responder mais prontamente ao controle
aversivo, isto é, a contingências de reforçamento negativo. A terapeuta usou a condição
aversiva (avaliação) para instalar comportamentos de fuga-esquiva adequados para a situação:
variar técnicas de dar aula, relacionar-se mais informalmente com os alunos durante as
aulas expositivas, usar linguagem mais adequada ao seu público etc. Espera-se que,
posteriormente, tais classes comportamentais evocadas sob controle aversivo passem a
ser mantidas e modeladas pelas conseqüências reforçadoras positivas naturais fornecidas
pelos alunos. Mais uma vez, foi discutido o quanto as aulas não atingiam as necessidades
dos alunos, que ele precisaria ensinar o que ele considerava importante, porém numa linguagem
mais acessível aos alunos, que a dinâmica das aulas precisaria ser alterada e para isso foi
sugerido que ele observasse os professores com maiores pontuações nesse item. De fato,
ele conversou com alguns colegas mais experientes, que lhe descreveram comportamentos
que emitiam em sala de aula. O cliente trouxe as informações dos professores para a
terapeuta e, juntos, discutiram quais comportamentos seriam adequados e que variações
deveriam ser introduzidas na sua atividade didática.
Inicialmente, o cliente ficou sob controle dos procedimentos da terapeuta: introduziu
nas aulas técnicas didáticas descritas por outros professores, adaptadas em conjunto
com a terapeuta; passou a ouvir, sem crítica, as questões dos alunos e a respondê-las;
reduziu o "nível" das aulas, mais compatível com os objetivos da disciplina e com os pró*

266 PalrlcM Plii//on Queiroz & Hdio Josc C/ullthirdi


requisitos exibidos pelos alunos, sem considerá-los, por isso, “medíocres”; passou a usar
linguagem mais acessível e mais adequada aos alunos, sem comprometer a seriedade do
conteúdo programado.
Skinner (1991 b, p. 112) escreveu: "No entanto, nem todo problema pode ser resolvido
mediante aplicação de uma regra, sendo assim, os terapeutas precisam ir um passo à
frente e ensinar seus clientes como construírem suas próprias regras. Isso significa ensinar-
lhes algo sobre a análise do comportamento, uma tarefa usualmente mais fácil do que
ensiná-los a alterar seus sentimentos ou estados da mente." Uma maneira eficaz de
ensinar o cliente é levá-lo a observar seus comportamentos e as conseqüências que eles
produzem. Com o aumento da variabilidade de comportamento, o ambiente social natural
passou a conseqüenciar de forma reforçadora positiva os novos padrões comportamentais:
os alunos participavam mais, elogiavam seus esquemas de aula e atividades, diziam que
estavam compreendendo e realizavam os exercícios solicitados pelo professor sem reclamar.
As conseqüências controlaram o cliente, que manteve seu novo padrão de comportamentos
na condução das aulas e na relação com os alunos. Assim, o cliente tem apresentado
maior variabilidade comportamental nas atividades em sala de aula, nas correções do
material dos alunos e nas interações com os estudantes. Desapareceu a ansiedade na
preparação das aulas e na sala de aula. Relatou sentimentos de bem-estar enquanto dá
as aulas e no contato com os alunos. "Uma pessoa está bem consigo mesma quando
sente um corpo reforçado positivamente. Os reforçadores positivos dão prazer... O que é
sentido dessa maneira é, aparentemente, uma forte probabilidade de ação e liberdade de
estímulos aversivos. Ficamos "ávidos" para fazer coisas que tiveram conseqüências
reforçadoras e "nos sentimos melhor" no mundo em que não "temos" que fazer coisas
desagradáveis. Dizemos que estamos aproveitando a vida ou que a vida é boa. Não temos
queixas, porque queixa é uma espécie de comportamento reforçado negativamente, e não
há reforçadores negativos." (Skinner, 1991 b, p. 114). O cliente está mais atento e fica sob
controle do que ocorre nas situações propriamente ditas, usufruindo de contingências
reforçadoras positivas naturais mais amenas, enquanto responde menos às suas auto-
regras rígidas. As mudanças observadas no cliente são compatíveis com o que escreveu
Skinner (1991b, pp. 114-115): “A terapia bem-sucedida constrói comportamentos fortes,
removendo reforçadores negativos desnecessários e multiplicando os positivos.
Independentemente de as pessoas que tiveram seus comportamentos fortalecidos dessa
maneira viverem ou não mais do que os outros, ao menos pode-se dizer que vivem bem."
O processo terapêutico instrumentou o cliente para que reduzisse grande parte
dos eventos aversivos que controlavam o seu próprio comportamento, porém, ainda a ação
terapêutica está voltada para programara generalização da nova maneira descrita do
cliente se relacionar com o ambiente escolar para outros contextos da sua vida. Segundo
Baer, Wolf e Risley (1968) não se deve esperar que a generalização ocorra espontaneamente:
“a generalização deveria ser programada e não esperada ou lamentada." Ela deve ser
ativamente programada pela terapeuta para novas classes comportamentais relacionadas,
para outros contextos e perdurar com a passagem do tempo.
Para finalizar, vale retomar Skinner (1991 b, p. 109): “O ponto básico para a terapia
comportamental é essencialmente este: o que é sentido como sentimentos ou
introspectivamente observado como estados da mente são estados do corpo, e estes são
os produtos de certas contingências de reforçamento. As contingências podem ser muito
mais facilmente identificadas e analisadas do que sentimentos e estados da mente e, ao

Sobre Comportamento e Copmv*1o 267


voltar-se para elas como as coisas a serem mudadas, a terapia comportamental alcança
uma vantagem especial." Ainda, falando sobre terapia, Skinner (1991 b, p. 115) escreveu:
"Todo o avanço em terapia comportamental vai nessa direção, porque ela começa mudando
o mundo em que as pessoas vivem e, assim, apenas indiretamente, o que elas fazem e
sentem." É necessário identificar e alterar as contingências e, desta maneira, se alterarão
os sentimentos e os comportamentos.

R e fe rê n c ia s
Baer, D. M.; Wolf, M. M. e Risley, T. R. (1968). Some current dimensions of applied behavior
analysis. Journal of Applied Behavior Analysis, 1, 91-97.
Skinner, B. F. (1945). The operational analysis of psychological terms. Em B. F. Skinner (1959).
Cumulative Record. New York: Appleton Century Crofts, Inc.
Skinner, P. F. (1980). Epiphenomenon. En R. Epstein (Ed.) Notebooks B. F. Skinner. Englewood
Cnffs, N. J.: Prentice-Hall.
Skinner, B. F. (1991a). O eu iniciador. Em B. F. Skinner, Questões Recentes na Análise
Comportamental. Campinas: Ed. Papirus. Publicação original de 1989.
Skinner, B. F. (1991b). O lado operante da terapia comportamental. Em B. F. Skinner, Questões
Recentes na Análise Comportamental. Campinas: Ed. Papirus. Publicação original de
1988.
Skinner, B. F. (1991c). O lugar do sentimento na análise do comportamento. Em B. F. Skinner.
Questões Recentes na Análise Comportamental. Campinas: Ed. Papirus. Publicação
original de 1987.
Skinner, B. F. (1993). Sobre o Behaviorismo. São Paulo: Ed. Cultrix. Publicação original de 1974.
Sidman, M. (1995). Coerçào e suas Implicações. Campinas: Editorial Psy. Publicação original
de 1989.

268 r.itríci.i Pi.ir/on Queiroz &Hélio JoséQullhjrdi


Capítulo 33
Discussão de caso clínico: a proposta da
terapia por contingências
/ M io José Quilhardi e Qiuliana Cesar
Instituto dcAniíHsc dc Comportamento - Campinas

A Terapia por Contingência* è uma proposta terapêutica fundamentada na Ciência do Comportamento o no Behaviorismo
Radical e se caracteriza por ser aplicada, comportamental, tecnológica, conceitualmente sistemática, socialmente eficaz,
habilitada para prover generalização e, eventualmente, analítica. Suas características sAo ilustradas a partir da discussAo
dos comportamentos-problema de uma cliente de 12 anos, realizada num processo de supervisAo clinica, em que, a partir de
dados verbais e de observaçAo direta dos comportamentos da cliente, a terapeuta e o supervisor descreveram as
contingências que produziram os comportamentos da queixa e os sentimentos associados, bem como criaram contingências
que levaram a cliente a ter consciência das contingências às quais respondia e a adquirir repertório para alteré-las,
substituindo as mais adversas por outras, aptas para produzir mais reforçadores positivos e reduzir reforçadores negativos.
Os comportamentos da cliente foram tendo alterados a partir de regras para açAo, Inicialmente mantidas pela terapeuta até
o controle ser transferido para o ambiente social natural, bem como pelo manejo direto das conseqüências na interaçAo
terapeuta-cliente.
Palavras-chave- Terapia por Contingências, contra-controle, autoconheclmento.

Therapy by Contingencies Is a therapeutic proposition based on the Science of Behavior and on Radical Behaviorism, with
the characterlstics of being applled, behavloral, technologic, conceptually systematlc, socially effective, capable of
provldmg generalization, and eventually analytic These characteristics are illustrated by the dlscussion of the problem
behavior» of • 12-year-old cllent, during a supervition procets tn which the theraplst and the supervisor, beglnnlng with verbal
data and direct observation of the cllenfs behavior, described the contingencies that produced the complalnt behaviors and
the related feelings. Theraplst and supervisor also created contingencies that made the cllent aware of the contingencies to
which she responded, and made her capable of acqulrlng the repertoire to alter them, substltutlng the most adverse
contingencies for ones that would produce more positive relnforcers and reduce negativo reinforcers. The cllent'8 behaviors
were altered with rules for action, maintained Initially by the therapist, until control was transferred to the natural social
envlronment, and with direct management of the consequences in the thoraplst-cllent Interaction.
Key words: therapy by contingencies, countercontrol, self-knowledge.

O presente trabalho é o relato de uma supervisão clínica, da maneira como ela


ocorre no Instituto de Análise de Comportamento. Assim, são apresentados trechos
significativos do processo terapêutico. O terapeuta relata o que ocorreu na sessão, a
partir de transcrições de trechos gravados de sessões, que são complementadas com
comentários sobre o que considerou relevante - quer sobre os comportamentos do cliente,
quer sobre seus próprios comportamentos. O supervisor apresenta seus comentários:
solicitando mais dados, esclarecendo dúvidas etc. até, finalmente, apresentar análises
de contingências (possivelmente) em operação na relação terapeuta - cliente e na relação
do cliente com seu mundo (Guilhardi, 1997; Guilhardi e Oliveira, 1997; Guilhardi e Queiroz,
1997). Os comentários do supervisor têm a função de regras, que influenciam os
comportamentos do terapeuta nas sessões seguintes. Tais regras controlam os

Sobre Comportamento e Coflnifdo 269


comportamentos do terapeuta de observar o que ocorre na sessáo, o que lhe dá acesso a
informações que complementam, confirmam ou corrigem as sistematizações dos dados
feitos, na forma de possíveis contingências, elaboradas nas sessões de supervisão. As
regras fazem mais: controlam o comportamento do terapeuta de falar com o cliente em
busca de mais dados e de propor regras, tanto para o cliente observar o que ocorre em sua
vida cotidiana, como para ele atuar de modo a alterar as contingências em funcionamento.
Há, no entanto, mais que regras, pois, tanto o terapeuta na sessáo, como o supervisor na
discussão do caso, observam comportamentos do outro que ocorrem no próprio contato
de atuação e lidam de imediato com as contingências capazes de influenciar os
comportamentos relevantes observados do cliente ou do supervisionado. Desta maneira,
referindo-se agora estritamente ao processo terapêutico que ocorre na relação terapeuta-
cliente, a Terapia por Contingências, além do espectro estritamente verbal, inclui a
observação direta de comportamentos que o cliente emite na sessão e que podem ser
conseqüenciados imediatamente pelo terapeuta. Pode-se dizer, assim, que o terapeuta,
através de atuação direta, modela, enfraquece ou fortalece comportamentos"clinicamente
relevantes", para usar uma terminologia proposta por Kohlenberg e Tsai (2001), a partir da
ocorrência espontânea de determinadas classes comportamentais, ou a partir de
procedimentos especialmente estruturados para evocar a ocorrência (ou não ocorrência)
de tais classes de comportamentos dentro do contexto da terapia. O mesmo pode-se
dizer do que ocorre na supervisão. Embora o supervisor não esteja fazendo um trabalho
clínico, no sentido em que se costuma empregar o termo, ele igualmente, através de
intervenção direta, modela, fortalece ou enfraquece comportamentos do terapeuta sob
supervisão, a partir de ocorrências espontâneas de classes comportamentais ou de
situações especialmente programadas para evocar comportamentos, com o propósito de
ampliar o repertório para ação terapêutica eficaz no seu supervisionado. A terapia e a
supervisão são processos comportamentais, fundamentalmente, idênticos. A diferença
critica entre ambas ó o objetivo da intervenção. No caso da terapia, o objetivo é ajudar o
cliente a alterar os comportamentos-problema e os sentimentos a eles associados num
nível "socialmente importante" (Baer, Wolf e Risley, 1968), isto é, até um grau em que o
cliente se sinta aliviado ou com bem-estar e exiba desempenho comportamental
funcionalmente adequado (ou seja, apresente "efeitos extensos o suficiente para ter valor
prático", Baer, Wolf e Risley, 1968) em seu contexto de vida, a ponto de dispensar ajuda
terapêutica. Na supervisão, o objetivo do supervisor é ajudar o terapeuta a desenvolver
repertório comportamental e sentimentos de alivio ou bem-estar, associado a tal repertório,
que capacitem o supervisionado a alcançar os objetivos da terapia. Observe-se que a
ênfase dos objetivos se dirige tanto aos comportamentos, como aos sentimentos. A razão
é que se pode desenvolver comportamento desejável, sob controle coercitivo, o qual produz,
simultaneamente, sentimentos indesejáveis. Há necessidade de se explicitar que, sempre
que possível, as contingências manejadas por terapeuta e supervisor devem visar instalar
comportamentos adequados e sentimentos agradáveis, de bem-estar, amenos, enfim.
A essência do funcionamento, tanto da supervisão, como da sessão terapêutica é
exatamente um processo de interação que se repete sucessivamente, como que produzindo
uma espiral crescente, cada vez mais abrangente e compreensiva, sendo que cada ciclo
da espiral envolve: 1.coletar dados comportamentais a partir de observações diretas e de
comportamento verbal; 2.organizar os dados obtidos na forma de uma ou mais contingências
de reforçamento; 3.retomar a coleta de dados, a fim de confirmar, alterar ou complementar
as sistematizações, anteriormente, feitas na forma de contingências de reforçamento;

270 I lélio loitf Q uilh.m li 1 C/luli<in.i O w r


4.colocar o comportamento do cliente ou do terapeuta (no caso da supervisão) sob controle
das regras enunciadas como contingências de reforçamento ou do manejo direto de
contingências presente na interação direta terapeuta-cliente ou supervisor-terapeuta; então,
o ciclo se reinicia.
É importante deixar claro que no processo terapêutico (a mesma análise se aplica
â supervisão), o terapeuta (supervisor) se interessa pelo comportamento verbal, bem como
pelos demais comportamentos do cliente (do supervisionado) observados na sessão (na
supervisão), mas, de fato, trabalha diretamente com as contingências de reforçamento em
operação, estas sim instrumentos capazes de produzir análise e de habilitar o terapeuta
(o supervisor) para atuar na sessão (na supervisão) e o cliente para modificar sua vida. Os
comportamentos observados (verbais ou não) são unidades importantes para compor o
emaranhado de contingências de reforçamento em funcionamento e não são, portanto, o
objeto de estudo em si, mas unidades de dados essenciais para se chegar ao objeto de
interesse fundamental. O interesse fundamental do pesquisador básico não é com a resposta
de pressão á barra do rato no ambiente experimental, mas sim com o funcionamento das
contingências de reforçamento manejadas, observado através de várias evidências fornecidas
pelo organismo, uma das quais é a freqüência de pressão à barra. O que importa nâo é
pressão à barra, nem resposta verbal, mas as contingências de reforçamento das quais
essas respostas são função.
A Terapia por Contingências reconhece duas importantes influências diretas: 1. A
Ciência do Comportamento, que provê procedimentos experimentalmente testados e dados
de pesquisa. Ela alicerça, assim, as estratégias de ação terapêutica e permite fazer
previsões sobre os comportamentos de interesse nas sessões, a partir de analogias e
generalizações com os dados experimentais disponíveis; e 2. O Behaviorismo Radical,
filosofia da Ciência do Comportamento, que sistematiza no nível conceituai as contribuições
dessa Ciência e propõe questões teóncas abrangentes sobre o comportamento humano e
a natureza do homem, constituindo-se em instrumento de extrema valia para a interação
terapeuta-cliente, supervisor-terapeuta. Todos os fenômenos humanos que ocorrem dentro
das sessões são recortados, observados, analisados, interpretados e alterados,
exclusivamente, à luz dessas duas influências explicitadas. Por sua vez, a Terapia por
Contingências contribui com ambas, oferecendo dados, procedimentos e elaborações
teóricas que podem enriquecer a Ciência do Comportamento e o Behaviorismo Radical. A
Terapia por Contingências caracteriza-se, ainda, por uma atuação que se bifurca em duas
ênfases: a. como serviço profissional oferecido á comunidade, onde a ênfase volta-se para
atender as necessidades e anseios da comunidade do cliente; b. como análise
comportamental aplicada, onde a ênfase volta-se para atender as exigências da comunidade
científica (Guilhardi, Betini e Camargo, 1977). Estas duas atuações nâo sâo muito distintas
entre si. Se for usado como critério para categorizá-las as dimensões da análise
comportamental aplicada (Baer, Wolf e Risley, 1968), concluir-se-á que a única dimensão
que falta ao trabalho eminentemente terapêutico e que, por outro lado, tem que existir
numa análise comportamental aplicada - é a analítica, ou seja, a capacidade de demonstrar
de maneira confiável os eventos que podem ser responsáveis pela ocorrência, não ocorrência
ou alteração do comportamento de interesse. Para tal demonstração se requer cuidadoso
controle de variáveis, o que, raramente, é feito num trabalho terapêutico, realizado em
condições convencionais de um serviço profissional. Todas as demais dimensões - o
estudo deve ser comportamental, aplicado, tecnológico, conceitualmente sistemático, eficaz
e promover generalidade - são comuns ás duas categorias. Decorre daí, que qualquer

Sobre Comportamento e Cotfmv.lo 271


estudo de Terapia por Contingências pode ser avaliado pelas dimensões mencionadas,
nâo devendo nenhuma delas ser excluída (exceto a analítica na condição explicitada).
Decorre, ainda mais, que a dimensão analítica deve ser almejada, sempre, e que, uma vez
conseguida, dará ao estudo de Terapia por Contingências o status de uma análise
comportamentaf apficada.

TERAPEUTA

IDENTIFICAÇÃO DA CLIENTE
Cacá1 tem 12 anos, mora com a mâe (TRitaJ e uma irmã (TitaJ de 15 anos e cursa
a 7asérie de uma escola particular. Seus pais são separados desde que a cliente tinha
três anos de idade e seus contatos com o pai são nos finais de semana a cada quinze
dias.

QUEIXA SOBRE A CLIENTE


Quem procurou a terapeuta foi a mãe. Na primeira sessão, Rita relatou os problemas
que a filha vinha apresentando nas últimas semanas:
"Estou muito preocupada com a minha filha. Ela está apresentando
alguns comportamentos estranhos
"A mãe de uma amiguinha da Cacá me procurou dizendo que a filha
dela estava achando a Cacá estranha, pois a Cacá estava contando uma
história na escola que nâo era verdade. ”
"Eu nâo sei por que ela está inventando essas histórias. Eu nâo sei
o que fazer".

A história contada por Cacá na escola era que ela (Cacá) tinha uma irmã gêmea
idêntica e que a única coisa que as diferenciava era uma marca de nascença. E, que os
pais verdadeiros haviam morrido em um acidente quando elas ainda eram bebês, sendo
que depois foram adotadas.
A mãe relatou também que a única diferença que vinha notando nos últimos meses
era que Cacá estava um pouco triste, pois o pai havia lhe prometido uma viagem de férias
que acabou por não dar certo. A mãe achava que este poderia ser um provável motivo para
Cacá estar inventando essas histórias para as amigas.

SUPERVISO R

O que mais chama a atenção nesse caso é que Cacá não elaborou essa história
para pessoas estranhas, está falando tudo isso para amigas Intimas dela. Além disso, ela

1O* nomct «fto Dctlcioa.

272 I 1611olott l/uilh<mli t C/tuliann Ctur


não é uma criancinha brincando de faz-de-conta. Então, uma questão que poderia ser
proposta é: trata-se de uma distorção de percepção, que poderia indicar o início de instalação
de um processo grave como, por exemplo, uma psicose? Estaria ela tendo, assim, algum
tipo de delírio, percepção alterada da realidade por causa de alterações bioquímicas?
Essa seria uma hipótese possível, porém, inicialmente, descartável, pois a mãe, a escola,
as amigas não observaram outras alterações da mesma classe comportamental ocorrendo
concomitantemente. Esta possibilidade deve ser mantida em segundo plano, na expectativa
de mais observações.
Um ponto importante é que o comportamento de Cacá pode estar sendo mantido
pela reação das colegas. Associada a esta possibilidade, ocorre, então, uma questão
mais básica: o que teria determinado essa variabilidade comportamentalespeclfica: porque
verbalizou esta história e não outra? Quais teriam sido os determinantes da primeira
ocorrência desse padrão verbal? A hipótese, assim, é que existem contingências ambientais
presentes que interagem com a história comportamental da cliente, produzindo tal padrão
verbal. O comportamento verbal “tenho uma irmã gêmea..." pode ser um tato distorcido:
ela estaria se referindo a uma irmã que não existe. Ou seria um tato estendido: ela estaria
falando por metáforas. Ao dizer que tem uma irmã gêmea (idêntica a ela), ela estaria
procurando alterar uma privação afetiva, reduzindo esta solidão? Ao invés de dizer "sinto-
me só e preciso de companhia que reduza essa solidão”, diz “tenho uma irmã gêmea".
Keller e Schoenfeld (1966, pp. 305-306) escreveram que privações extremas podem
distorcer a percepção: "É bem sabido que privações extremas precipitam ‘ilusões’ onde
estímulos muito fracos e que comumente não se generalizam podem ser respondidos de
maneira que parece patológica ao observador não igualmente motivado. Pode-se mesmo
alcançar um ponto em que o impulso ó tão grande que não requer SDS externos para que
a resposta requerida apareça". Assim, uma pessoa privada de água de forma extrema,
como alguém perdido no deserto, pode ter a "visão" de um oásis. Desta forma, Cacá
poderia estar apresentando um tato distorcido, em relação á realidade. Estaria descrevendo
uma situação sob controle de uma privação afetiva (operações estabelecedoras) e a solução
seria criar, não um oásis literalmente, mas um "oásis" funcional: um local de acolhimento
afetivo, que seria a convivência com a irmã gêmea. A partir da primeira ocorrência do
comportamento verbal sabe-se qual foi a reação do ambiente social: as amigas e a mãe
reagiram a ela, efetivamente, alterando o padrão de interação entre Cacá e seu mundo
social. Ela encontrou seu "oásis" afetivo (e aqui não cabe julgamento da qualidade ou tipo
da atenção recebida, mas sim que recebeu muita atenção).
Em relação á morte dos pais, ela poderia estar fazendo tambóm um tato estendido
na forma de uma metáfora. Ao dizer que os pais morreram, ela poderia no fundo, estar sob
controle de contingências que geram sentimentos muito fortes de perda (ausência prolongada
e sistemática dos pais ou indiferença por parte deles). Desta forma, ao estar se referindo
aos pais que morreram, ela poderia estar se referindo na verdade aos sentimentos que ela
tem em relação a pais que não são mortos, mas podem estar funcionalmente “mortos"
dentro da história de vida dela atual.
Nesse sentido, o trabalho a ser desenvolvido com ela deve estar voltado para a
análise de contingências, atualmente em operação, investigando como ponto de partida
alguma privação importante de afeto: extinção ou punição negativa ou esquema intermitente
com baixa densidade de conseqüência reforçadora positiva. Pode parecer estranho, à
primeira vista, falar-se em privação afetiva quando se sabe que a mãe procurou a terapeuta,

Sobre Comporl.imcnlo c CotfmçJo 273


mostrou-se preocupada com o problema da Cacá, trouxe-a para a terapia, ou seja, não se
trata de uma pessoa alheia às dificuldades da filha. Há que se tornar relativo aquilo que se
denomina “abandono" e "maus-tratos" em diferentes classes sociais. Em comunidades
carentes, "abandono" pode ter um sentido literal, ou seja, o filho ó largado pelos pais à
própria sorte, às vezes, pode nem mesmo conhecer pai e mãe. Da mesma forma, "maus-
tratos" pode significar espancamento, abuso sexual etc. Na classe média, o "abandono"
pode ser mais sutil, já que não adquire uma forma óbvia: como regra existem pai, mãe, os
membros da família convivem dentro de um espaço chamado lar. O abandono ó funcional:
as pessoas levam vidas paralelas, preocupadas com seus próprios afazeres, com interações
sociais significativas restritas a aspectos materiais ou da rotina cotidiana e pouca interação
afetiva reforçadora positiva espontânea. Os "maus-tratos”, igualmente, são funcionais:
prevalece a coerção, na forma de altas exigências de desempenho (na quantidade, rapidez
e qualidade de respostas) associada a grau elevado de intermitência para liberação das
conseqüências reforçadoras. As exigências podem ser mascaradas por frases socialmente
aceitas sem crítica: "preciso trabalhar fora, então você fica com sua irmã, com sua avó,
com a empregada: você se cuide” ou" você vai ficar sozinha com sua irmã, cuide dela, não
deixe ela se machucar" etc. Por analogia com o laboratório animal, este seria um esquema
de reforçamento intermitente com exigência de altas taxas de resposta com escasso
reforço positivo (ou poderia ser ainda um esquema permanente de reforçamento negativo-
por exemplo, esquiva não sinalizada - em que há necessidade de emitir o tempo todo
respostas de esquiva - cuidar da irmã para que nada de mal ocorra - a fim de evitar o
aparecimento do estímulo aversivo). "Que vida!" É uma forma de mau-trato, pois se trata de
uma contingência que é desfavorável ao indivíduo que se comporta: são exigidas longas
cadeias de comportamento, para a ocorrência de escassos reforços. Além disso,
acrescente-se que as conseqüências são, apenas aparentemente, reforçadoras positivas
(elogio, sorriso etc.), pois, de fato, a contingência mantenedora dos comportamentos
aparece na forma de reforçamento negativo; a pessoa se comporta para nâo perder atençào,
não para ganhar atenção. A diferença é sutil, mas drástica. As relações não geram, neste
caso, sentimentos de bem-estar (associados a reforçamento positivo), mas de alívio
(associados à eliminação de conseqüências aversivas). No caso da cliente, a mãe trabalha
fora o dia todo, chega em casa exausta, menos disposta a criar relações espontâneas de
reforçamento positivo com a filha e, provavelmente, mais responsiva a controle aversivo
(por exemplo, a uma filha que reclama, que se queixa, que exige atenção) do que a
contingências brandas (por exemplo, uma filha acomodada, quieta, pouco exigente,
"boazinha"). O pai, por sua vez, não mora na casa e se encontra com a filha em fins-de-
semana, quinzenalmente.
O abandono, assim, pode aparecer de forma sutil, pois uma mãe que chega,
alimenta o filho, veste-o, leva-o para a escola, não está, aparentemente, abandonando seu
filho. Mas, aqui se trata de relação de afeto, não de cuidados para o funcionamento normal
da rotina cotidiana, então é importante fazer uma análise extremamente cuidadosa de
onde está a perda de atenção, a perda de carinho, já que, à primeira vista, tais perdas
podem não ser captadas. Todo esse contexto descrito pode ter a função de uma complexa
operação estabelecedora, capaz de gerar uma solução extremamente criativa para resolver
o problema; a. num nlvel privado, ela pode ter gerado um "oásis" afetivo ao criar uma irmã
gêmea. Não se pôde observar diretamente esses comportamentos encobertos, mas pode-
se questionar: Ela brincava sozinha com a irmã gêmea? Conversava com ela? Se o fazia,
nunca estava só, mesmo sem ninguém por perto; b. num nível público, ao falar sobre a

274 I lólio José 1/uillhirili & C/iulMn<i Cesar


existência de uma irmã gêmea, para as pessoas que sabiam que ela nâo tinha irmã, ela
conseguiu mobilizar sua comunidade social (amigas e mãe) para lhe darem atenção de
forma diferenciada. Nas duas alternativas, a carência afetiva estaria minimizada. Todas as
análises expostas não são afirmações sobre o que ocorreu, necessariamente, não são
asserções da verdade, mas devem servir como estímulos discriminativos (SDs) para a
terapeuta continuar pesquisando e buscando, principalmente no contexto familiar, evidências
esclarecedoras.
Um outro ponto interessante, e que ó muito comum nos clientes quando trazem
um problema, ó o de sugerir possibilidades de interpretação para o que está acontecendo
ou até mesmo propor uma "causa explicativa". Em geral, essas explicações parecem ser
comportamento verbal com função de fuga-esquiva, já que ao apresentá-las, as pessoas
se excluem como fator funcionalmente relevante das dificuldades relatadas. A mãe de
Cacá atribui os problemas da filha ao fato do ex-marido não cumprir uma promessa. Na
verdade, esse tipo de atribuição de causalidade, que a mãe estabeleceu, espontaneamente,
deveria ser analisada à luz do que controla o comportamento da mãe de enunciá-la. Neste
ponto, porém, mais importante ó que não contribua para desviar a atenção da análise de
contingências mais diretas (relação cotidiana entre mãe e filha) e mais duradouras (como
tem sido ultimamente a relação entre ambas?). Além disso, essa hipótese da mãe coincide
com a visão de que os "problemas psicológicos" são desencadeados por eventos externos
bruscos e traumáticos. A presente análise supõe que a cliente já vem se frustrando pela
ausência de afeto familiar, então é pouco provável que uma frustração específica tenha
desencadeado uma perturbação tão acentuada e repentina no repertório. Desta forma, o
relato da mãe em relação ao ex-marido mais parece descrever as dificuldades da mulher
com o ex-marido do que, propriamente, do pai com a filha, embora não se possa negar a
importância desse aspecto. A tônica é não enfatizar esse determinado comportamento do
pai como o fator mais fundamental, um episódio isolado, como o desencadeador de uma
alteração tão drástica de repertório. É preferível investigar o papel funcional de um processo
lento e gradual que se foi instalando.

TERAPEUTA

Comentário feito pela terapeuta à mãe ao final da primeira sessão


(antes da supervisão)

“Precisamos tentar descobrir o que está acontecendo com a Cacá.


Em um primeiro momento, me parece que ela deve ter outras dificuldades,
pois essa história que ela inventou para as amigas da escola é um ‘sintoma’
e deve ter uma função. Ninguém inventa uma história dessas quando está
tudo bem, ela deve estar com algum problema e não está conseguindo falar
sobre isso".

SUPERVISOR

De qualquer maneira, o comentário da terapeuta para a mãe tem a ver com as


seguintes preocupações básicas:

Sobre Comportamento e Cojjniçáo 275


1. Se comportamentos aparecem tão elaborados, como a “criação” de uma irmâ
gômea, a morte dos pais e assim por diante, devem existir comportamentos pré-
correntes;
2. Cacá deve estar emitindo esses comportamentos pré-correntes já há algum tempo
e tais comportamentos se encadearam até a ocorrência dos elos terminais, sendo
que apenas estes aparecem, exclusivamente, como queixa da mãe.
3. O significado de "sintoma" empregado pela terapeuta não deve ser entendido
como indício de causas internas subjacentes, conforme modelo explicativo das
psicologias psicodinâmicas. Sintoma deve ser entendido como um comportamento
identificado pela mãe, mas que não ó exclusivo, nem único. E, mais, o que se deve
pesquisar são as contingências de reforçamento das quais o comportamento-
problema e todos os elos da cadeia que o compõe são função.
Uma vez que a mãe está ausente a maior parte do tempo, ela pode não ter
observado comportamentos mais sutis da mesma classe de respostas de contar a história
da irmã gêmea, nem identificado a instalação progressiva do encadeamento ou como o
comportamento final foi sendo modelado. Não é de se espantar que só ficasse sob controle
do elo terminal. Também não é de estranhar que Cacá tivesse apresentado o
comportamento-problema para as colegas, possivelmente, mais acessíveis e sensíveis
aos seus comportamentos que a mãe. De qualquer maneira, é necessário observar mais
interações familiares para detectar a presença e o funcionamento das contingências que
podem ser responsáveis pela instalação do comportamento terminal da cliente.

TERAPEUTA

Primeira sessão com a cliente

O primeiro encontro com Cacá na sala de espera ocorreu assim:


1. Cacá estava sentada, bem próxima à mãe e de mãos dadas com ela.
2. Quando a terapeuta a convidou para entrarem se recusou a ir sem a mãe.
3. A terapeuta concordou, sem hesitar, com que ambas entrassem na sala de
atendimento.
4. Após um contato inicial na sala com Cacá (ex: "Que bom que você veio. Eu
queria conhecer você."; "Vamos conversar um pouco?") a terapeuta sugeriu à mãe
que poderia voltar a sala de espera e esperar lá pela Cacá. Esta reagiu se aproximando
ainda mais da mãe.
5. Cacá pouco interagiu com a terapeuta: permaneceu a maior parte do tempo
calada, próxima da mãe, olhando para o chão.
6. A terapeuta não insistiu no afastamento da mãe e permaneceu na sessão
conversando com a mãe sobre generalidades (ex: "Como está seu trabalho lá na
Faculdade?"; "Você veio direto do trabalho para a clínica?”; "Como foi o final de

276 I lélio Joté C/ullhdrdi l C/iulidna Ctfcir


semana?") e interagindo intermitentemente com Cacá (ex: “Você estava na escola?";
“Você também está em semana de prova?"), sendo que esta respondeu às questões
da terapeuta laconicamente com “sim" e "não".
7. Na interação direta com Cacá, a terapeuta foi bastante diretiva, fazendo perguntas
que permitissem saber sobre o dia a dia da cliente (ex: “A que horas você se
levanta?"; “Como você vai para a escola?"); o que ela fazia além da escola (ex:
"Você gosta de TV?"; “O que você faz às tardes?"); o que fazia nos finais de semana
(ex: "Você vai ao cinema?’’; "Você gosta de ir ao shopping?"); como era na escola
(ex: "Qual disciplina você gosta mais de estudar?"; “Que série você está?") etc.
8. Ao final do tempo da sessão, levou-as para a sala de espera e se despediu de
Cacá com um beijo. Marcaram a próxima sessão com o consentimento explicito de
Cacá (ex: "Vamos conversar uma outra vez. O que você acha de quinta-feira desta
semana?").
Desta primeira conversa com Cacá e com a mãe, foi possível saber que ela não
gostava de sair de casa. "Por quê?" Apenas não gostava. Cacá preferia ficar em casa, em
seu quarto, vendo TV e ouvindo música. As atividades de Cacá resumiam-se em ir à
escola pela manhã e ficar em seu quarto o restante do dia, até a mãe chegar à noite do
trabalho. Sobre a irmã, Cacá disse que esta ficava em seu quarto lendo e que elas não
conversavam muito. Foi possível saber também, que a rotina da família se resumia em a
mãe levar cedo as filhas para o colégio e ir direto para o trabalho. Depois, buscava as filhas
e as deixava em casa para almoçarem, sem a presença dela. A mãe chegava em casa às
sete horas da noite e as três jantavam juntas. Depois do jantar cada qual ficava em um
lugar solitário da casa: as meninas em seus quartos, a mãe na sala ou pela casa.

SUPERVISO R

Uma frase que merece comentário é Cacá dizer que não gosta de sair de casa e
que prefere ficar em casa. Cabe uma análise sobre as contingências em funcionamento.
Quando uma pessoa descreve um sentimento, no caso “gosto de alguma coisa", ela pode
estar descrevendo a obtenção de reforçadores: "eu me comporto e obtenho reforço positivo"
e essa contingência produz sentimentos, que podem ser chamados de "bem-estar". Nesse
caso, o paradigma seria de reforçamento positivo, ou seja, "eu fico em casa e faço coisas
que produzem reforços para mim". Mas, há uma outra possibilidade: quando Cacá diz que
"gosta", ela pode estar se referindo a um "bem-estar" que é produzido por alívio e não por
prazer. Neste sentido, é aversivo sair de casa e envolver-se em interações sociais, já que
é possível que ela tenha um repertório social limitado. Então, ficar em casa é estar livre
dessa situação aversiva, logo o “preferir ficar em casa" pode se referir a uma sensação de
alívio. Finalmente, as duas contingências podem estar operando conjuntamente: "eu me
sinto aliviada não saindo de casa" (evito situações aversivas) e “me sinto bem ficando em
casa" (obtenho reforçadores positivos). As questões aqui propostas não são triviais. Têm
a função de colocar o comportamento da terapeuta sob controle de estímulos, de tal forma
que controla seu comportamento de investigar a cliente, a fim de detectar-lhe os déficits
comportamentais, repertórios de fuga-esquiva, as contingências às quais está respondendo
etc. O objetivo terapêutico é levá-la a sentir-se bem consigo mesma. Segundo Skinner

Sobre Comportamento e CogniçAo 277


(1991b, p. 114) "Uma pessoa está bem consigo mesma quando sente um corpo
positivamente reforçado. Os reforçadores positivos dão prazer... O que é sentido dessa
maneira ó, aparentemente, uma forte probabilidade de ação e liberdade de estímulos
aversivos. Ficamos ‘ávidos’ para fazer coisas que tiveram conseqüências reforçadoras e
nos 'sentimos melhor’ num mundo em que não ‘temos’ de fazer coisas desagradáveis...
Não temos queixas, porque queixa é uma espécie de comportamento negativamente reforçado,
e não há reforçadores negativos. A terapia bem-sucedida constrói comportamentos fortes,
removendo reforçadores negativos desnecessários e multiplicando os p o s itiv o s (grifo
dos autores)
Um segundo aspecto notado foi a dificuldade encontrada pela terapeuta ao tentar
uma abordagem verbal com a cliente. Houve muitas dificuldades para coletar informações
de autoconhecimento, tais como "eu falar a respeito de mim mesmo, de como eu me
comporto, como eu me sinto, como reajo àquilo que me cerca" etc. Diferentes níveis de
autoconhecimento envolvem diversas comunidades verbais. O autoconhecimento não ó
produzido por uma auto-análise. Ele é um produto social (Skinner, 1945/1959), ou seja, ó
necessária uma comunidade que leve a pessoa a observar o que ela está fazendo, o que
está sentindo, a que está respondendo, em suma, que disponha de contingências de
reforçamento que produzam autoconhecimento. Só assim é possível a pessoa discriminar
qual é o seu comportamento, quaí é o seu sentimento e, na mesma direção, estabelecer
relações de funcionalidade entre os eventos ambientais, as ações e os sentimentos.
Nesse sentido, é provável que a cliente nâo tivesse tido e não tenha atualmente
uma comunidade social rica para produzir autoconhecimento. Desta forma, questões diretas
da terapeuta sobre o comportamento>problema e os sentimentos envolvidos podem ser
inúteis: ela tenderá a não responder por fuga-esquiva (de uma possível punição da terapeuta)
ou por falta de autoconhecimento (menos provável no caso). É melhor utilizar uma técnica
de introdução gradual do controle de estimulo verbal da terapeuta ("fadiing in"). Já questões
mais complexas, tais como: "Por que você tem agido assim?” que buscam os determinantes
dos comportamentos, envolvem um conhecimento abrangente da atuação das contingências,
o que exigirá um cuidadoso procedimento, por parte da terapeuta, para gerar o conhecimento
das "causas" dos comportamentos da queixa. Talvez, um melhor caminho seja criar
situações de natureza lúdica, entendido aqui que o lúdico vai funcionar como um arsenal
de estímulos discriminativos (SDs) mais apropriados para evocar uma maior gama e
variabilidade de comportamentos. A partir da evocação deste repertório inicial, a terapeuta
poderá começar a fazer um trabalho de conscientização. A terapeuta vai ser a comunidade
verbal que irá produzir autoconhecimento.

TERAPEUTA

Após esse primeiro encontro com a cliente, a mãe de Cacá solicitou uma sessão
a sós com a terapeuta: *Eu estou muito nervosa. A Cacá escreveu uma carta muito
estranha para as mesmas colegas de escola, falando umas coisas estranhas, sem nexo.
A mãe de uma das meninas me ligou e me entregou a carta”.
Carta de Cacá para as colegas (transcrita literalmente):

278 I lélio Josó Ç u llharili i C/juliana C cw r


Tânia eu queria te falar que eu nâo sou a Cacá eu sou a Juliana 6 que a Cacá nâo
pode vir a escola hoje porque ela esteve mau ontem e nós levamos ela ao hospital e ela
teve de ser internada. Achamos que havia acontecido algum problema na escola então,
liguei para a Fátima e conversei com ela, ela me contou como foi o dia na escola e
aparentemente eu nâo achei nada que poderia ter acontecido. Mas hoje acho que já sei
qual è o problema que a deixou mau e mesmo que eu ache Isso inacreditável sou obrigada
a concordar com o Marcelo de que 'o problema' 6 vocó e a Fátima sâo o problema, maa
nâo quero, assim, que vocês fiquem bravas comigo nem com ele nem com ninguém sô
queria que vocês pensasem como está sendo a atitude de vocês com ela, eu espero que
consigam chegar a atitude exata e que nâo fique, como já disse antes, brava com os meus
Irmõo, comigo, com os ‘amigos de Infância' e principalmente com ela, espero que vocês
compreendam e a ajudem.

Tânia leia esta carta para a Fátima e tentem chegar a alguma conclusão.

Se quizerem falar comigo ligue na casa da môe dela mesmo e falem que vocês
querem falar com a Cacá que eu atendo.

Obrigada

Juliana

A mãe, após ler esta carta, ficou muito preocupada e resolveu olhar a agenda e o
armário da filha. Encontrou outras cartas, e em uma delas, Cacá “conta a história da vida
dela", onde ela tem mais de vinte irmãos, gêmeos e trigêmeos. O Marcelo, citado na carta
é um desses “irmãos", sendo que todos os supostos "irmãos" tinham data de aniversário
anotados na agenda de Cacá.

SUPERVISO R

Observem que esta carta é uma nova elaboraiào, mais um componente da mesma
classe de comportamentos, que começou com a “invenção" da história da irmã gêmea.
Nela, a cliente, às vezes, se coloca como sujeito e, às vezes, se coloca como um terceiro
elemento (a última frase da carta é exemplar). Basicamente, é um pedido de socorro,
alguma coisa ela está buscando, que não é capaz de pedir diretamente ("queria que vocês
pensassem como está sendo a atitude de vocês com ela, eu espero que consigam chegar
a atitude exata"). Ela revela também uma discriminação de que seu comportamento (Qual
exatamente? Escrever a carta, mentir, criar toda essa fantasia?) pode vir a ser punido e
emite um comportamento de fuga-esquiva na forma de um pedido: "não quero que vocôs
fiquem bravas comigo nem com ela nem com ninguórri' e repete o mesmo pedido, linhas
abaixo. Não ó claro o que desencadeou a redação da carta, deve ter havido algum elemento
catalisador. E, ó uma carta pedindo a iniciativa das amigas para reparar alguma coisa que
elas estão fazendo e que fere ("á você e a Fátima sâo o problema"). Ela está discriminando
algum padrão comportamental da amigas de rejeição? Ou ela está sob influência de
operações estabelecedoras potentes (por exemplo, privação afetiva intensa), que a fazem
distorcer a realidade e a levam a interpretar alguns gestos das amigas como abandono,
rejeição etc? O que parece certo ó que Cacá está emitindo comportamentos sem atentar
para as conseqüências negativas (criticas, preocupações com sua sanidade etc) que

Sobre C omportamento c CotfniçJo 279


produzem. A comunidade verbal não está preparada para elaborar contingências que a
levem a discriminar a inadequacidade de seus comportamentos, nem para manejar
contingências que produzam padrões comportamentais mais adequados para Cacá obter
as conseqüências das quais está carente. Se o ambiente dispõe pobremente as
co n tin g ê n c ia s reforçadoras p ositiva s, a pesso a p assa, in ic ia lm e n te , a e m itir
comportamentos e a aumentar a variabilidade até que as conseqüências produzidas por
tais comportamentos acabem por selecionar alguns deles, mais precisamente, uma classe
de comportamentos acaba sendo fortalecida em relação ás outras. Esta conceituaçào ó
fundamental para entender o que ocorre com Cacá: não se deve pensar que ela tem uma
intencionalidade ou finalidade quando se comporta da forma como o fez. Ela emite respostas,
apresenta variabilidade e seu meio social é que, reagindo diferencialmente aos
comportamentos dela, seleciona um determinado padrão. Se há responsabilidade, portanto,
é do ambiente social e não de Cacá. Os comportamentos (de Cacá) que são mais
reforçadores ou mais aversivos para a comunidade verbal são aqueles que têm maior
probabilidade de produzirem conseqüências imediatas do ambiente social. No caso, seus
comportamentos aversivos (para a comunidade verbal) foram mais eficazes para produzir
conseqüências selecionadoras. Nesse sentido, o que se observou não é um comportamento
consciente de Cacá. A carta (bem como, a história sobre sua irmã gêmea) é um
comportamento de fuga-esquiva, emitido como uma variante de várias possibilidades, a
ser selecionado ou não pelo meio social. De certa maneira, ela conseguiu emitir um
comportamento de tal impacto, que mobilizou as amigas a falarem com suas mães, as
mães das amigas a falarem com a mãe dela, a mãe de Cacá a falar com a terapeuta, a
terapeuta a falar com o supervisor... Ou seja, mais selecionado que isso, é impossível.
Uma outra característica interessante de Cacá é sua percepção A forma pela
qual as pessoas, que estão ao seu redor, reagirão em função de seus comportamentos
mostra que ela tem uma discriminação bastante elaborada das ações do meio social em
que atua. antecipa que poderá ser punida pelo que escreveu na carta e sugere só
queria que vocês pensassem como está sendo a atitude de vocês com ela, eu espero que
consigam chegar a atitude exata...' propõe uma maneira para as amigas entrarem em
contato com a autora da carta, que, por não existir fisicamente, seria inalcançável, ao
escrever"... se quizerem falar comigo ligue na casa da mãe dela mesmo e falem que
vocês querem falar com a Cacá ..." "Lembro-me agora", diz a terapeuta, "de um outro
exemplo: Cacá perguntou à mãe se esta tiraria uma foto dela em que aparecesse de perfil
duas vezes na mesma foto, um rosto olhando para o outro. Após a confirmação da mãe,
ela comentou com as amigas que tinha uma irmã gêmea. Quando estas riram 'dessa
bobagem’, ela prontamente reagiu dizendo que traria uma foto em que aparecia junto com
a irmã ‘só para provar’’’.0 déficit de Cacá então, não é uma dificuldade discriminativa do
seu ambiente, mas sim falta de repertório para manejar contingências que produzam
comportamentos nas outras pessoas mais favoráveis a ela (mais reforçadores e menos
aversivos). Ou, o déficit não é seu, mas do ambiente social (família) em que vive, que é
pouco sensível a controle mais ameno de comportamento.
Anteriormente, havia sido sugerido, pela análise teórica, que deveriam existir
comportamentos da mesma classe do comportamento da queixa (elos iniciais da cadeia
ou padrões menos elaborados) não observados pela mãe. Na verdade, faltava alguém para
observá-los, uma vez que vinham sendo emitidos, conforme comprova a mãe ao localizar
o conteúdo da agenda. Ela precisou ser estimulada por toda essa situação para trazer as
evidências, um conjunto de cartas e anotações ocultas (mas, nem tanto). A cliente criou,

280 I lélio Itnó C/uilhiirili 1Qiuluiriii Ccsar


na verdade, uma “grande família", talvez um grande orfanato, um bando de órfãos, todos
juntos. Houve, aparentemente, reforçamento diferencial de padrões mais explícitos dos
comportamentos da Cacá: enquanto seus comportamentos não foram observados, ficaram
em extinção de qualquer conseqüência social; variações mais conspícuas ocorreram.
Não ó assim que comportamentos complexos são modelados?
Outro aspecto interessante deste caso é que ele permite entender a gênese de
uma “dupla personalidade”, a partir da manobra das contingências de reforçamento. É
uma nova personalidade (“máscara", no sentido original do termo, ou padrão público de
comportamento, que não tem nada a ver com o constructo dualista de personalidade) que
está se instalando: notem que na redação da carta há uma mistura entre as personalidades,
ora ela é a amiga (Juliana), ora ela é ela própria (Cacá), ora o irmão (Marcelo) é dela, ora
o irmão é da amiga. Falar de dupla personalidade é recorrer a uma metáfora, pois o que
importa observar é em função de quê o comportamento (de fuga-esquiva) surge, em função
de quê aparece a variabilidade desse comportamento, ou seja, o papel de seleção que o
meio ambiente desempenha. Quando é possível captar o início do processo - a gênese da
dupla personalidade - os princípios comportamentais em jogo são claros. Pode-se supor
o que ocorreria se uma amiga de Cacá se interessasse pelo Marcelo: "Quem ó esse
irmão?" “O que ele faz?” Ou supor ainda que a comunidade de Cacá não a denunciasse,
como as amigas fizeram, e começasse a valorizar os relatos da cliente. A própria
comunidade verbal estaria selecionando uma maior precisão de descrição, uma maior
precisão de coerência, e muito provavelmente, em pouco tempo ter-se-ia um quadro instalado
de dupla, tripla personalidade, cada qual coerente e de acordo com um determinado controle
de estímulos. Determinados padrões comportamentais causam espanto apenas porque o
que se vê é o produto, mas não o processo dessa produção; nas palavras de Skinner
(1991 a, p. 43) “Vemos o mundo, mas vemos muito pouco dos processos que geraram sua
existência; vemos o produto, mas não sua produção. Talvez, seja porque vemos o
comportamento humano, mas percebemos muito pouco do processo através do qual ele
se desenvolve, que sentimos necessidade de um eu criativo", (explicaros comportamentos
da queixa de Cacá pela ação de um agente psíquico interno inventado, no caso dupla
personalidade; uma normal e a segunda - a causadora de tudo de anormal que ocorreu
com a cliente -, é um exemplo da necessidade de encontrar um agente causador). Neste
caso ocorre o oposto. O procedimento terapêutico, que ora se inicia, permite captar o
início do processo de instalação, através das contingências sociais, de um padrão que, se
não for interrompido, terá como produto uma pessoa caracterizada como tendo problemas
complexos (porex. "múltipla personalidade"). Desta maneira, manter essa menina isolada
e o ambiente social inalterado, favorecerão o crescimento de um repertório perigoso de
auto-elaboraçào. É necessário criar alguns procedimentos.

TERAPEUTA

Comentários e orientação feitos pela terapeuta à mãe

"Essa carta é um pedido de ajuda. E a Cacá não está encontrando


uma forma mais adequada para fazer isso, então escreveu esta carta. O que

Sobre Comportamento c Cotfmv<Jo 281


me chama mais a atenção, ô a necessidade da Cacá de fantasiar, criar
histórias, criar outras pessoas. Isso é preocupante. Além disso, ela apresenta
outras dificuldades, que podem estar relacionadas a tudo isso. Ela me parece
ter muitas dificuldades para se relacionar socialmente (veja como foi difícil
convencê-la a entrar na sala comigo e conversar). Com essas dificuldades
sociais, ela pode estar fugindo de um ambiente social aversivo, criando um
mundo dela, isolado, mais protegido para ela. Assim, me parece que ela fica
muito sozinha, sai pouco de casa, se relaciona pouco com outras pessoas.
Isso deve estar contribuindo mais ainda para ela fantasiar, pois ela nâo sabe
bem como se comportar nessas situações e se isola mais ainda. Seria
necessário, em um primeiro momento, tirá-la desse isolamento, colocá-la
mais em contato com a realidade, ter atividades, sair mais de casa e assim
veremos como ela reage a tudo isso. Seria possível mudar sua rotina e
engajar-se em mais atividades com ela? Precisamos introduzir essas
mudanças e continuara observá-la",

Conseqüências das orientações dadas à mãe pela terapeuta

A mãe conversou com a filha sobre interesses em fazer alguma atividade, Cacá
pediu para ter aulas de equitação e de desenho. As aulas de desenho começaram na
mesma semana.
A terapeuta disse, então, que queria ver os desenhos feitos pela cliente e pediu
que ela trouxesse alguns de seus trabalhos.
Na sessão seguinte, Cacá trouxe uma pasta com vários desenhos feitos por ela e
a terapeuta iniciou a sessão vendo os desenhos, verbalizando que eram muito bonitos,
com traços bem definidos etc. A terapeuta tambóm passou a perguntar à cliente como ela
fazia aqueles desenhos, que material usava, qual era a técnica e Cacá passou a relatar,
com bastante entusiasmo, como ela desenhava. Ao final da sessão, a terapeuta disse
que havia sido muito bom ela ter trazido os desenhos e que de certa forma ela tinha sido
muito corajosa. A cliente questionou porque a achava corajosa, a que a terapeuta respondeu:
“Quando mostramos o que fazemos, a gente mostra um pouco de
quem a gente é, de como a gente pensa, sente e assim por diante. E, desta
forma, corre-se o risco de não ser elogiada, de não ser bem sucedida por
estar se mostrando. Como tambóm, corremos o risco de sermos elogiadas,
de agradar, de nos sairmos muito bem. E hoje, Cacá, você se permitiu
arriscar".
A cliente concordou com a terapeuta e acabou relatando que ela sempre evitava
se mostrar, pois tinha muito medo e desta forma ficava quieta e não falava nada.

SUPERVISO R

A terapeuta usou uma estratégia própria para evocar mais comportamento verbal,
recorrendo a um forte controle de estímulos, que no caso ó o desenho produzido pela

282 I lélio losé C/uilhariii l (.'/juliana O s a r


cliente. Desenhar é uma atividade reforçadora para a cliente, uma vez que optou por ela
dentre outras alternativas liberadas pela mãe (de acordo com Premack, 1959, uma atividade
de maior probabilidade pode ser usada para fortalecer - tem uma função reforçadora positiva
- uma atividade de menor probabilidade, em relação à qual a mais provável seja contingente).
Os desenhos feitos pela cliente tinham a função de estímulos discriminativos (SD*)
poderosos para evocar comportamentos verbais narrativos, até então pouco freqüentes. A
terapeuta criou, assim, uma condição em que poderia conseqüenciar as verbalizações de
Cacá com eventos arbitrários, provavelmente reforçadores. Não seria, em condições naturais,
necessário dizer para uma criança que seu desenho está bonito (seria mais apropriado
alguma atenção social contingente a se manter na tarefa ou a algum desempenho especifico
que a professora queria alterar ou fortalecer), pois, de fato, a própria produção do desenho
deveria reforçar o comportamento de fazê-lo (reforçamento natural). Mas, no caso em
questão, com uma cliente, supostamente, privada social e afetivamente, é indicado usar
reforçamento arbitrário e, nesse sentido, a atividade deixa de ser lúdica e começa a ser
terapêutica. Assim, a terapeuta introduziu um estímulo discriminativo (SD) tipicamente
terapêutico:" Você è corajosa por trazer os desenhos!'. Ao dizer isso, criou uma condição
(seria uma operação estabelecedora, capaz de mudar o valor reforçador das conseqüências
sociais?) que aumentou a freqüência de a cliente falar sobre o que faz; eventualmente,
sobre o que pensa e sobre o que sente. É necessário partir de um repertório comportamental
observável e ir tentando aumentar a probabilidade da cliente emitir comportamentos de
baixa freqüência. Ao reforçar um comportamento, aumenta-se a probabilidade de outros
comportamentos da mesma classe e aumenta-se a variabilidade, isto é, novas classes
comportamentais começam a emergir. Espera-se que a conseqüência social " Você é
corajosa..." tenha dupla função: fortalecer o comportamento já emitido (mostrar o desenho,
falar sobre ele etc) e aumentar a probabilidade de comportamentos novos. A palavra
"coragem" pode ter o seguinte significado: quem tem coragem não se esquiva, nem foge
das conseqüências aversivas, enfrenta-as. Como? Comportando-se, observando as
conseqüências, novamente se comportando e assim sucessivamente. Uma vez que a
terapeuta tem evidências de que as conseqüências sociais, temidas pela cliente são
pouco prováveis, pelo contrário, são mais prováveis conseqüências gratificantes, sua
estratégia terapêutica deve ser bem sucedida. Podem-se opor duas possibilidades em
relação ao repertório social deficitário de Cacá: 1. foi determinado pela privação de
oportunidades para se expressar: neste caso a técnica exposta pela terapeuta criará
oportunidades para expressão; 2. foi determinado por punição quando tentou se expressar:
se assim foi, então, a palavra "coragem" se ajusta perfeitamente.
Outro ponto a ser detectado é a explicação da terapeuta do porquê a cliente era
corajosa. Como é mais difícil estabelecer sentimento de auto-estima, a prioridade seria
começar por desenvolver sentimento de autoconfiança. Para Skinner (1991a), a
autoconfiança é sentimento correlato ao comportamento reforçado positivamente. O indivíduo
se comporta e obtém reforçadores, esses reforçadores podem advir da própria atividade,
como por exemplo, arremessar corretamente uma bola no cesto. A bola e o cesto reforçam
o comportamento de arremessar, sem necessidade de nenhuma conseqüência social
adicional. Se houver, no entanto, conseqüência social (reforçadora positiva), tanto melhor.
O objetivo da terapeuta é conseqüenciar comportamentos adequados, ou seja, ela está
atenta às contingências em operação. No desenvolvimento de sentimentos de auto-estima
deve haver episódios em que o agente social reforça positivamente atentando para as
contingências e também deve haver episódios em que o agente social reforça positivamente

Sobrf Coniporlamcnlo c G>«nií.1o 283


sem atentar para as contingências (Skinner, 1980). Os sentimentos de auto-estima só
emergirão num contexto social em que as duas condições acima ocorram. A tarefa da
terapeuta para desenvolver auto-estima, pode-se ver, é mais complexa do que para
desenvolver autoconfiança. Desta forma, desenvolve-se um repertório comportamental mais
amplo associado a sentimentos de autoconfiança. O que se espera ó que um repertório
mais amplo inclua padrões adequados e diretos de expressão (os quais a terapeuta está
modelando) e exclua padrões inadequados, indiretos como os que compõem a queixa. O
que a terapeuta está tentando fazer é levar a cliente a exibir comportamentos e ser reforçada
por eles. Ela está na verdade, dando SDs fortes para que a cliente possa se tornar sujeito
da sua própria história: emita respostas que serão selecionadas pelo ambiente, e que, ao
serem selecionadas, aumentarão a probabilidade de gerar um padrão de comportamentos
alterados mais apropriados.
Em suma, detectados os dóficits de repertórios associados a déficits nos
sentimentos de auto-estima e autoconfiança, a terapeuta deve ter como objetivo suprir tais
limitações. As estratégias a serem empregadas pela terapeuta envolvem: reforçamento
positivo abundante sem atentar para as contingências, a fim de desenvolver variabilidade
comportamental e sentimentos de auto-estima: reforçamento (positivo de preferência)
contingente para instalar padrões comportamentais eficazes para obter reforçadores positivos
e evitar reforçadores negativos, usando sempre que necessário, técnicas de mudança
gradual (modelagem, "fading in"; intermitência progressiva de reforçadores etc) para
maximizar o sucesso e desenvolver sentimentos de autoconfiança. A preocupação da
terapeuta não deve estar voltada, exclusivamente, para a instalação de comportamentos
(o controle coercitivo, por exemplo, instala comportamentos), mas deve incluir preocupações
com os sentimentos associados aos comportamentos: os sentimentos devem ser de
satisfação, prazer, bem-estar, liberdade etc. Para produzir tais sentimentos as contingências
devem enfatizar reforçamento positivo e devem ser amenas. Nas situações em que o
reforçamento positivo está presente, surge o “sentimento de liberdade". Não só isso, no
entanto, pois segundo Skinner (1993, p. 169), “O fato importante não ó sentirmo-nos livres
quando somos positivamente reforçados, mas o de que não tendemos a escapar ou a
contra-atacar. Sentir-se livre é um importante sinal distintivo de um tipo de controle que se
singulariza pelo fato de não produzir contracontrole". O comportamento-queixa de Cacá é
uma forma de contra-controle, exatamente o oposto de onde se deseja chegar.

TERAPEUTA
3 / Sessão com a cliente

A terapeuta selecionou alguns materiais lúdicos (papel, jogos, lápis, canetas etc)
para serem usados durante a sessão.
T: O que vamos fazer hoje? O que você gostaria de fazer?
C: Eu não sei.
T: Escolha alguma atividade, que eu também participo.
C: Ah, não sei muito bem. Escolha você.

284 Hélio los£ C/uilhiirdi t t/iu lid n.i C cw r


T: Tudo bem. Vamos jogar‘‘Stop".
C: Eu conheço este jogo, já joguei.

A própria cliente tomou a iniciativa de pegar papel e canetas para começar o jogo.
T: Vamos começar. Fale, vocô, algum nome de tópico.
C: Eu não. Eu não sei fazer isso.
T: Com não sabe, vocô me disse que já jogou "Stop". Fale algum tópico, por
exemplo: nome, cidade, cep, marca de carro... escolha algum destes ou outro que vocô
ache bom.
C: Eu já joguei este jogo. Mas, eu não sei colocar estes tópicos que vocô quer. A
minha irmã disse que eu só coloco besteira, que eu não sei nada.
T: Ela não aceita as suas idéias?
C: Não. Tem sempre que ser as idéias dela, só ela sabe jogar.
T: Só jogam vocô e ela?
C: Não. Joga eu, ela, meu pai, a namorada dele e a minha avó.
T: O que seu pai, a namorada e sua avó, que estão jogando, acham disso? De sua
irmã ter sempre razão, ser sempre do jeito dela.
C: Eles deixam a minha irmã decidir porque se não, ela emburra e não deixa
ninguém jogar e acaba o jogo.
T: Nossa, mas são quatro contra um e só ela manda?
C: É, ela sempre quer que seja do jeito dela e eu nunca posso dar a minha
opinião, porque ela não aceita.

SU PERVISO R

A situação formal é lúdica, mas a partir dela pôde-se extrair importante material
clínico. Em primeiro lugar, nota-se a dificuldade de Cacá para tomar iniciativa ("Ah, não sei
muito bem. Escolha você"\ “Eu não. Eu não sei fazer isso".) Em seguida, Cacá descreve
o emaranhado de contingências em operação: 1. ela é punida pela irmã (punição positiva:
“A minha irmã disse que eu só coloco besteira, que eu não sei nada" e, como resultado
dessa consequenciação, Cacá deixa de fazer sugestões): 2. pai, namorada e avó são
punidos pela irmã (punição negativa: “ela emburra e não deixa ninguém jogar e acaba o
jogo" e, como decorrência disso, eles emitem comportamentos de fuga-esquiva, deixando-
a conduzir o jogo); 3. extinção por parte dos adultos: as propostas de Cacá sôo ignoradas
por eles. As conclusões que se pode tirar ó que a situação lúdica funciona mais como um
poderoso SD para evocar comportamentos verbais, classe funcional de tacto, a partir do
qual a cliente descreveu a interação familiar em situação análoga.

Sobre Comportdmcnlo c Cottm tfo 285


A comunidade verbal da cliente, na situação descrita, não estabelece contingências
para ela emitir um padrão de comportamento de contra-controle em relação à irmã. Ela
discrimina o que ocorre, mas não diferencia seu repertório de ação. Se uma das pessoas
dissesse "não" para a irmã, ou determinasse que parasse de criticar Cacá, ou estimulasse
a C lltín tt) a « m ltlr s u a o p lu iâ o o u u o n o o q ü o n o lu o o o p o s itiv a m o n to , CncA tn rin u m r n n ju n t o
de contingências em operação, alternativo àquele manejado pela irmã. Segundo Skinner
(1945/1959 p. 281), "estar consciente, como uma forma de alguém reagir ao seu próprio
comportamento ó um produto social". E, na relação terapêutica, o terapeuta é o agente
social habilitado a produzir contingências que propiciem o processo de conscientização.
“A psicoterapia é, freqüentemente, um esforço para aumentar a auto-observação, para
‘trazer à consciência' uma parcela maior daquilo que é feito e das razões pelas quais as
coisas são feitas" (Skinner, 1991a, pp. 46-47). "O autoconhecimento tem um valor especial
para o próprio indivíduo. Uma pessoa que se 'tornou consciente de si mesma’, por meio de
perguntas que lhe foram feitas, está em melhor posição de prever e controlar seu próprio
comportamento" (Skinner, 1993, p. 31). “Somente quando somos indagados sobre o que
fizemos, ou estamos fazendo, ou estamos prestes a fazer, ou por que, é que temos
motivos para observar ou registrar nosso comportamento ou suas variáveis controladoras"
(Skinner, 1991c, p. 88). "Todo comportamento, seja ele humano ou não humano, ó
inconsciente; ele se torna ‘consciente’ quando os ambientes verbais fornecem as
contingências necessárias à auto-observação" (Skinner, 1991c, p. 88). A família de Cacá
não provê condições apropriadas para seu autoconhecimento. Resta à terapeuta esse
papel. Manejar contingências para a pessoa descrever seu comportamento e as
contingências das quais ele é função não basta, porém... É necessário programar
contingências para a pessoa atuar de forma a experimentar as contingências em operação
e modificá-las, se necessário. O autoconhecimento, conforme proposto por Skinner (1991a
e c), eqüivale a colocar o comportamento do cliente sob controle de regras. Há necessidade
de um passo além: colocar o comportamento do cliente sob controle de contingências
com duas preocupações fundamentais. A primeira é que ele discrimine as contingências
em vigor e as classifique como adequadas ou inadequadas para ele; e, a segunda, é que
ele seja o agente da produção de contingências mais adequadas para si mesmo. Descrever
as contingências e modificá-las são os dois passos que compõem o autoconhecimento.
Não basta descrever contingências, é preciso alterá-las, pois sem este nível de intervenção,
a descrição das contingências não passa de uma hipótese sobre o que está ocorrendo.
Ao alterá-las e, conseqüentemente, influenciar comportamentos e sentimentos, demonstra-
se sua função.
A maneira como a família interage no fim de semana priva Cacá de contingências
aptas para gerar repertório adequado de contra-controle em relação ao grupo familiar
(comportamentos que gerem mais reforçadores positivos e diminuam conseqüências
aversivas) e sentimentos de auto-estima e de autoconfiança. É uma comunidade pródiga
para criar isolamento, mesmo numa pessoa cercada pelos familiares. Aqui surge um
exemplo de mau-trato sutil a que se referiu anteriormente. Um observador poderia comentar;
“Que beleza: uma família curtindo o lazer, unida num fim-de-semana". Do ponto de vista de
estrutura, é bonito, mas em termos de funcionamento, a cliente está isolada. Isso é um
exemplo de contexto que produz maus tratos e com limitada condição de gerar consciência.
Quando a terapeuta começou a questionar com a cliente o que os familiares faziam e
diziam, começou a incutir nela os primeiros passos da conscientização.

286 I lélio losé Q u ilk irili 1 C/luluinu C ewr


TERAPEUTA

Continuação da 3a sessão

T: Eu diria que a sua irmã é mimada.


C: (dá risada) Que engraçado, a minha irmã sempre diz que eu sou a mimada.
T: Bom, nessa situação que vocé está me contando,do jogo, me parece que a
mimada ó a sua irmã. Ela faz as coisas como quer, do jeito que quer, e ninguém pode
falar nada, pois caso a contrariem, ela fica brava, ameaça parar o jogo. Isso é ser mimada.
Você é assim?
C: Náo, eu nunca fui assim. Não mesmo.
T: Você, realmente, não é mimada. Você já pensou em alguma solução para este
problema?
C: Não. Acho que não tem solução.
T: Talvez, você pudesse propor, em uma próxima oportunidade, que cada um que
estivesse jogando escolhesse um tópico para o jogo, assim seria mais justo para todo
mundo, e todos teriam a chance de escolher e não só a sua irmã.
C: Parece uma boa idéia. Acho que vou tentar.
T: Ótimo, então vamos começar agora. Escolha um tópico para o jogo e depois eu
escolho.

SUPERVISOR

A terapeuta diz que a irmã da cliente é mimada. Com isto, a terapeuta está
mostrando para Cacá que o comportamento da irmã é inadequado. Chamar a irmã de
mimada ó diminuir o valor reforçador, o status da irmã, para produzir na cliente uma
discriminação. É a terapeuta atuando para aprimorar a discriminação que a cliente têm
das contingências em operação.
Quando a terapeuta passa a questioná-la sobre o que fazer com essa situação,
está passando para um outro nível, não basta só descrever o que ocorre, é necessário tentar
aprender algum repertório para influenciar as contingências. Nesse sentido, a terapeuta
começa com uma instrução verbal e tenta colocar a cliente sob controle de regra: "vá e faça",
um mando. A probabilidade de a cliente atender ao mando é relativamente baixa pela história
da cliente, pois ela teria que enfrentar uma comunidade já estruturada e controlada pela
irmã. Então, a terapeuta cria condições para a ocorrência de comportamento clinicamente
relevante (Kohlenberg e Tsai, 2001) na sua presença: dá-lhe um SD verbal forte (“Escolha
um tópico...", um mando, em suma) que evocará um comportamento inicial na cliente, que
será conseqüenciado com elogio (conseqüência arbitrária) e com o prosseguimento natural
do jogo (conseqüência natural). Em oportunidades sucessivas, espera-se que o controle da

Sobrr Comportamento c t'o#nlç<lo 287


terapeuta se esvaneça (“fading out") e que o repertório instalado e fortalecido diretamente
pela terapeuta se generalize para a situação natural. A generalização não deve ser esperada,
mas programada (Baer, Wolf e Risley, 1968). Inicialmente, a terapeuta dá uma instrução:
"Como vocé escolheu aqui, escolha na casa de seu pai. Depois, vocô me conta o que
ocorreu". Assim, a emissão do comportamento no ambiente social natural será mantida
pela terapeuta no início: quando Cacá contar o que fez, a terapeuta a conseqüenciará
socialmente ("Que legal"; Vocô é mesmo decidida" etc.), usando conseqüências arbitrárias
para mantô-la seguindo a regra ditada pela terapeuta, até o ponto em que o próprio ambiente
natural (a família no caso) a conseqüencie positivamente. Ao manter a cliente fazendo tactos
do que ocorreu na situação de jogo, a terapeuta pode, se necessário, introduzir alterações
nas instruções dadas á Cacá para gerar variações nos padrões comportamentais, a fim de
maximizar o sucesso. Desta maneira, mesmo que a família puna as primeiras emissões, a
manutenção do repertório incipiente estará sob controle da terapeuta.

TERAPEUTA
Continuação da 3a sessão

T: Então vamos lá, comece.


C: Melhor não. Eu não sei, a minha irmã falou que as minhas idéias não são boas.
T: Bom, eu não pareço com a sua irmã. Pareço? E, depois, a sua opinião é
importante para mim. Tente.
C: Mas vocô começa primeiro.
T: Tudo bem.

A terapeuta iniciou o jogo, falando o primeiro tópico e a cliente diz o seguinte e


assim, as duas foram alternando os tópicos do jogo. A cliente escolheu tópicos como
nome de música e de filme.
T: Suas sugestões são ótimas. Eu gostei muito.
C: A minha irmã acha que nome de filme e música ó uma besteira, porque ninguém
presta atenção nessas coisas.
T: Será que isso ó verdade? Eu presto atenção nessas coisas.
C: Eu também. Principalmente quando eu gosto da música ou do filme.
T: Talvez isso não seja importante para a sua irmã, mas ó importante para vocô,
para mim e talvez para muitas outras pessoas.

SUPERVISOR

Nesse outro trecho da sessão, a terapeuta continuou exercendo o papel de uma


comunidade que cria conscientização. Não gostar de filmes é a opinião da irmã, e a

288 * *í,í0 l°sí C/uilluirdi t QiuImiuí Owr


terapeuta está dizendo que há outras opiniões. Ela cria um repertório alternativo e uma
discriminação de opiniões. A terapeuta começa a criar um repertório alternativo, dando-lhe
SDS, tais como “diga o que você pensa”, "tome iniciativas", “faça alguma coisa", “atue no
seu ambiente" e a conseqüenciando positivamente com frases do tipo "isso mesmo",
“gostei do que vocô fez, ou disse...” (reforço arbitrário) e, ao mesmo tempo, conduzindo
naturalmente as atividades em que estão engajadas (reforçamento natural). Além de criar
um repertório mais amplo, a terapeuta também a ajuda a discriminar que esse mesmo
repertório produz conseqüências diferenciadas, assim, por exemplo, a irmã pune suas
ações, o pai coloca em extinção e a terapeuta reforça. O autoconhecimento evolui graças
a essas contingências diferenciadas: a cliente faz uma (auto) observação do seu
comportamento e é ensinada a discriminar duas (ou mais) classes de conseqüências, a
partir do contato com elas. As situações lúdicas (bem como quaisquer outras operações
terapêuticas, onde o cliente seja induzido a se comportarem vez de, simplesmente, dizer)
são, particularmente, propícias para a observação de classes de respostas e para o manejo
direto de conseqüências para modelar, extinguir, fortalecer etc. comportamentos. São,
possivelmente, as situações mais fidedignas e ricas para a emissão, observação e
conseqüenciação diferencial de comportamentos clinicamente relevantes tipo I e tipo II a
que se referem Kohlenberg e Tsai (2001). A Terapia por Contingências tem prestigiado,
prioritariamente, as condutas terapêuticas que lidam diretamente com a emissão do
comportamento de outras classes que não aquelas, exclusivamente, verbais.

TERAPEUTA

Relatos da mãe da cliente em uma sessão de orientação

"A Cacá está muito feliz ultimamente. Esses dias ela me disse: Que
bom mãe que agora eu tenho várias coisas para fazer. Eu adoro quando vai
chegando o fim da semana, pois na quinta feira eu tenho aula de desenho,
na Sexta, a Giuliana (terapeuta,) e no sábado equitação”.

"No final de semana, eu não sei o que aconteceu com a Cacá. Estava
tudo bem, mas ela estava um pouco emburrada. Eu perguntei várias vezes
o que ela tinha e ela dizia que não era nada. Depois eu tive que levara minha
outra filha no shopping e a Cacá não queria ir. Só que eu não podia deixá-la
sozinha em casa, fiz a Cacá ir comigo, mesmo ela dizendo que nâo queria.
Na volta para casa, ela continuava com aquela cara, quieta. Ai eu nâo agüentei
e insisti para que ela falasse. Só sei que, de repente, ela começou a chorar
e disse que tudo o que eu fazia era para a irmã, que ninguém pensava nela”.

"Eu disse para a Cacá que nâo era bem assim, que eu tinha que
levar a irmã deia ao shopping, que eu nâo podia deixá-la em casa sozinha,
pois era perigoso. Eu disse para ela que eu não era duas, nâo dá para fazer

Sobre Comportamento eCoflniçAo 289


tudo ao mesmo tempo. Só que ela não aceitou, disse que não era só essa
história, que sempre que ela queria fazer alguma coisa, a irmã não queria,
achava chato e acabavam fazendo o que a irmã queria fazer."

"Ela me contou uma história de um final de semana com o pai, que


isto aconteceu também. Eu disse para ela, que ela e a irmã precisam entrar
em um acordo. Pois, cada fim de semana, elas ficam com um de nós dois,
para que o outro possa fazer suas coisas. Quando elas estão com o pai, ele
não tem com quem deixar uma para sair com a outra. Isso acontece também
quando elas estão comigo. As duas têm que fazer os mesmos passeios. Eu
tambóm falei para a Cacá, que eu e o pai dela nâo fazemos diferença, foi
uma solução que encontramos na época da separação, quando elas ainda
eram pequenas".

"Eu acho que depois dessa conversa, ela entendeu, pois não falou
mais nada e foi para o quarto".

SUPERVISO R

A cliente já começou a fazer uma discriminação em relação ao que controla o


comportamento da mãe: parece que a irmã tem sido mais eficaz que a Cacá nessa tarefa.
Por outro lado, a cliente começou a conseqüenciar a mãe pelas suas ações. A mãe deve
estar sendo controlada por reforçamento negativo. A filha mais velha não gosta de ser
contrariada, ela pune quem não a reforça, e o controle coercitivo ó muito poderoso. Ocorre,
porém, que além de controlar a mãe para levá-la ao shopping, este comportamento da
irmã controla também o comportamento de levar Cacá ao shopping junto, que no caso é
aversivo para a cliente. Aqui, outra vez, repete-se com a mãe a mesma função básica: a
irmã estabelece controle da situação tanto com o pai, como com a mãe. E, de alguma
forma, a cliente começa a discriminar sentimentos, isto é, ao ser colocada em uma
contingência aversiva ou de extinção, ela tem sentimentos de desagrado, associado a um
estado corporal desagradável e começa a discriminar as contingências (advindas da
interação da mãe com ambas as filhas) responsáveis por isso. Cacá começa a se queixar
das contingências adversas, iniciando contra-controle em relação à mãe e, indiretamente,
à irmã.
Quando a cliente fez a solicitação para a mãe (“... disse que tudo o que eu fazia
era para a irmã, que ninguém pensava nela.”), esta teve uma reação, aparentemente,
coerente. Realmente, a mãe não é duas para levar as filhas em dois lugares diferentes. É
muito difícil para Cacá, com o repertório ainda incipiente, rebater esse argumento que tem
o charme da lógica. Ocorre que o comportamento humano ó controlado por contingências
e não pela lógica. O que falta para a mãe ó discriminar a que ela própria responde. A mãe
diz que as filhas são iguais, mas como escreveu Orwell (1984), "Todos os bichos são
iguais, mas uns são mais iguais que outros". Então, o controle aversivo que a irmã
estabelece (punição quando não é atendida e reforçamento negativo ou positivo quando

290 I Itlio losé C/uilhardi í Qluliami Ccwr


seu pedido é aceito) controla o comportamento da mãe; enquanto que o procedimento
usado pela cliente, basicamente, calar-se (extinção ou punição negativa) e obedecer à
mãe (reforçamento positivo) não é igualmente eficaz. Logo, não importa se a mãe ama ou
não as duas filhas igualmente, pois, de fato, ela responde diferencialmente às contingências
provenientes das filhas e fica sob controle de uma só. Um detalhe que deve confundir a
discriminação da mãe é que ambas as filhas obtém a mesma conseqüência (ir ao shopping),
o que lhe permite uma auto-observação de "mãe justa", exatamente porque escapa a ela
a noção de função: o mesmo evento pode ter significados diferentes para pessoas diversas,
ir ao shopping é reforçador positivo para a irmã e reforçador negativo para Cacá. Desta
forma, a mãe não percebe isso, pois fica sob controle de regras e, assim, corre o risco de
se afastar das contingências. Uma pessoa governada por regras tende a se alienar daquilo
que está ocorrendo ao seu redor; atua de maneira esteriotipada, pré-determinada, alheia
às sutilezas e variações do mundo cotidiano. No momento em que a mãe fica sob controle
da auto-regra "amo igualmente minhas filhas e, por isso, as trato da mesma forma" ela
ignora as diversidades e acaba sendo injusta. Por outro lado, tanto o pai como a mãe,
respondem a contingências que lhes sáo convenientes. Ou seja, cada qual fica um fim-de-
semana com as duas filhas, o que lhes provê um fim-de-semana livre. Ocorre que tanto o
pai como a mãe estão sob controle de suas próprias regras e não estão sensíveis às
necessidades da cliente (nem mesmo as da irmã); nada a opor, desde que, no seu esquema
de rotina, eles se habilitem para cuidar diferencialmente de cada filha.

TERAPEUTA

Outra sessão com a cliente

Em uma sessáo, a terapeuta leu, juntamente com Cacá, um livro que relatava três
histórias envolvendo adolescentes e onde se discutia o sentimento ciúmes. Uma dessas
histórias, falava sobre o sentimento de ciúmes da irmã mais velha em relação à mais nova,
já que esta havia ficado doente e, por isso, recebido muitas atenções.

T: Você já passou por alguma situação desse tipo?


C: Não, nunca.
T: A semana passada você ficou doente e sua mãe não foi trabalhar para cuidar
de você. Parece que seu pai também apareceu para visitá-la junto com a sua avó.
C: É verdade.
T: Talvez a sua irmã possa ter sentido ciúmes como a menina do livro.
C: Acho que não. A minha irmã não liga para nada, só para o namorado dela. Ela
fica o dia inteiro no telefone com ele e não vê nada o que acontece em casa. Ela nem ligou
de eu estar doente.
T: Por que você acha isso?

Sobre Comportamento c CoriiíçJo 291


C: A minha irmã não vive sem o namorado. Ela não desgruda dele nem um segundo.
0 telefone ó exclusividade dela.
T: E, o que a sua mãe acha disso?
C: A minha mãe não gosta, fala para ela desligar o telefone, mas ela faz que nâo
escuta e continua falando. Eu nem posso ligar para as minhas amigas depois do colégio
e se alguém ligar para casa, só vai dar ocupado.
T: Parece que você não concorda com o que a sua irmã faz.
C: Eu acho um absurdo. Ela tem uma obsessão pelo namorado.
T: Onde você aprendeu isso, obsessão?
C: Eu acho que uma pessoa obsessiva ó aquela que só pensa em uma coisa, só
faz uma coisa, só fala daquela coisa. Isso é a minha irmã.
T: Você está certa. Mas, me diz uma coisa, quando o namorado da sua irmã não
quer sair e, pelo o que você me contou, a sua irmã também não sai, como é que seus pais
fazem?
C: O que acontece é que sobra pra mim. Porque se o namorado não vai, a minha
irmã também não vai e, conseqüentemente, eu também não vou.
T: É, mas você não tem nada a ver com isso.
C: É, mas é sempre assim. Eu sempre acabo ficando em casa.
T: E o que você sente quando isso acontece?
C; Nada, eu não sinto nada.
T: Se eu estivesse na sua situação, eu ficaria muito chateada com tudo isso. Na
verdade, eu me sentiria injustiçada.

S UPERVISO R

O comportamento da irmã de ser "obcecada" pelo namorado pode ser um


comportamento funcionalmente equivalente ao da cliente, que inventa uma irmã gêmea, já
que ela não tem um namorado. Parece que a irmã tem uma relação mais adequada com
o ambiente para obter atenção, uma vez que querer estar ao lado do namorado (mesmo
que seja um comportamento para suprir as carências afetivas do pouco contato com a
mãe, exatamente o mesmo que sente Cacá) é considerado um padrão adequado. Mas, o
que fica claro é que diante de uma contingência de frustração, Cacá não discrimina seus
sentimentos, ou não expressa os sentimentos que tem. Dessa forma, o que a terapeuta
fez foi dar à cliente um modelo (“Eu ficaria muito chateada com tudo isso. Eu me sentiria
injustiçada.’’). Poder-se-ia questionar, se ao dar um modelo, a terapeuta não estaria impondo
um sentimento à cliente. Possivelmente sim, mas como a terapia é um processo, não há
problema em usar o modelo para produzir um primeiro passo na Cacá. Quando ela passar
a emitir respostas de nomear sentimentos diante da questão: "O que você sentiu nessa
situação?” , então, a terapeuta passará à etapa mais avançada do processo de discriminar

292 Hélio losé Quilhiirdi t C/iuIi.iriii Ccwr


sentimentos: relacionar a contingência em vigor com o sentimento que, tipicamente, tal
contingência produz. Parece que a maneira mais apropriada para ensinar uma pessoa a
nomear sentimentos é levá-la em primeiro lugar a descrever precisamente qual a contingência
presente. Este é o ponto fundamental - discriminar a contingência - a partir do qual se
pode estabelecer um vocabulário consistente para se referir aos sentimentos (Guilhardi,
2000). Assim, o estado corporal produzido por um estímulo que sinaliza o aparecimento
de um evento aversivo inescapável pode ser consistentemente chamado de ansiedade; o
estado corporal produzido pela remoção de um evento aversivo através da emissão de
uma resposta (de fuga ou esquiva) pode ser nomeado de alívio etc. Nesse sentido, a
terapeuta deu um modelo verbal (“chateada", "injustiçada") sem se preocupar ainda em
ensiná-la a descrever as contingências em operação. A forma final poderia ser parecida
com o que se segue: a irmã fica sob controle do namorado, logo está pouco disponível
para reforçar Cacá (contingência: extinção pelo impedimento de acesso a reforçadores
positivos ou punição pela remoção de reforçadores positivos), a mãe fica sob controle da
irmã e do namorado, logo está pouco disponível para reforçar Cacá (contingência: as
mesmas) e, por outro lado, cria condições para que a irmã tenha acesso a reforçadores
positivos. Assim, os sentimentos de Cacá seriam de frustração (impedimento de acesso
a reforçadores positivos), ou de raiva (apresentação de estímulos aversivos por um agente
pouco poderoso; se for poderoso pode causar medo), ou de injustiçada (o agente que
dispõe os reforçadores positivos os distribui de forma desigual) etc. Pode-se perguntar,
então, se existem tantas possibilidades de dar nomes aos sentimentos, que utilidade há
em nomeá-los? O ponto crítico é levar a cliente a identificar a contingência (não o sentimento,
já que a linguagem cotidiana ó generosa em oferecer termos, em geral de natureza dualista
e arbitrária que em nada ajudam uma compreensão precisa do ser humano), pois ela ó o
elemento chave que: 1. produz comportamentos e estados corporais (sentimentos se
assim se desejar nomear), independente do nome que se lhes dê; e, 2. pode ser alterada
(uma vez conhecida), a fim de produzir mudanças nos comportamentos e nos estados
corporais na direção desejada. Numa análise de comportamento, os nomes dos sentimentos
seriam completamente dispensáveis; não seriam, porém, na prática clínica contemporânea,
inserida numa cultura que valoriza e exige a presença de preocupação explícita e nomeação
dos sentimentos. Em suma, quando a terapeuta diz que Cacá deveria ter ficado frustrada,
ou deve ter se sentido injustiçada, não importa a palavra, mas sim que a terapeuta se
refere a sentimentos produzidos por contingências adversas. E, desta forma, oferece um
modelo para a cliente começar a discriminar sentimentos a partir das contingências. Não
há função de aprender a nomear os estados corporais sem associá-los aos fatores de que
são função: as contingências.

TERAPEUTA
Continuação da sessão

Após a terapeuta ter expressado como se sentiria naquela situação, a cliente


continuou:
C: É, eu fico triste, porque eu também quero sair.
T: Você está certa, é um direito seu.

Sobre C om porlum enlo c Coflmçtlo 293


C: Mas, eu falei para a minha mãe.
T: 0 que você falou para a sua mãe?
C: Que eu queria ir ao show.

A cliente relatou então para a terapeuta que havia pedido para a mãe para ir a um
show de música. A mãe aceitou e ficou combinado que a irmã, o namorado e mãe também
iriam. Porém, na última hora, o namorado disse que não poderia mais ir, pois a mãe dele
não poderia levá-lo. Desta forma, a irmã também não queria mais ir e a mãe decidiu então,
que ninguém mais iria ao show.

T: E o que aconteceu?
C: Eu disse para a minha mãe que não estava certo, que eu queria ir, que ela tinha
que dar um jeito.
T: Vocô falou tudo isso para a sua mãe? Você que nunca fala nada, é sempre
quietinha, que guarda tudo dentro de vocô? Eu não estou acreditando. Isso é muito bom,
muito importante.

Cliente começou a rir.

C: Eu falei, porque eu não achava justo. De novo a minha mãe faz tudo o que a
minha irmã quer.
T: Tudo isso, Cacá, é muito importante, porque você está começando a falar o que
pensa, o que sente falta e está até defendendo os seus direitos. É assim que se faz.
C: É, mas eu chorei pra falar isso.
T: Não tem problema, é que ainda é difícil para você falar sobre essas coisas. O
importante é que você falou e, quem sabe, vai conseguir ir ao show. Pelo menos você fez
a sua parte.

(A cliente foi ao show e a mãe resolveu a situação indo buscar o namorado da


irmã na casa dele.)

SUPERVISOR

A ação de Cacá alterou o quadro de contingências que controlava a mãe: agora


ela está sob dois controles de estímulos, simultâneos, produzidos pelas filhas. Por um
lado, a irmã de Cacá - sob influência dos comportamentos do namorado - explicita o que
a mãe deve fazer (anteriormente, este era o único controle funcional sobre a mãe); por
outro lado, C acá- sob influência dos comportamentos da terapeuta - pede e chora para
que a mãe atenda seu pedido, conduzindo a mãe para agir na direção antagônica ao
solicitado pela primeira filha. Este novo arranjo de contingências produziu variabilidade
comportamental na mãe que, finalmente, atuou de maneira a atender simultaneamente,

294 I M io losé C/ullhtirdi t C/iulldnd Ccwr


aos dois controles de estímulos: levou Cacá para assistir ao show (reforçador positivo) e
propiciou a presença do namorado (reforçador positivo) ao lado da outra filha. Parece óbvia
a solução avaliada após os fatos terem ocorrido. Cabe, então, a questão: por que a mãe
de Cacá não atuou rotineiramente desta mesma maneira, conciliando interesses (e
propiciando acesso aos reforçadores positivos para ambas as partes envolvidas no conflito)?
A resposta mais direta é que o comportamento humano (da mãe, no exemplo em discussão)
não ó determinado por "boa vontade”, “boas intenções”, "amor maternar (causas internas,
inventadas e fictícias, remanescentes da explicação dualista do funcionamento psicológico
humano). Ele é determinado por contingências de reforçamento. Enquanto Cacá se omitiu
de operar no seu ambiente social, ela privou o ambiente de um instrumento de controle
comportamental: a mãe respondia, exclusivamente, ao controle da outra filha. Não se
conclua, porém, que as contingências geradas por Cacá "despertaram" a “boa vontade"
materna. Unicamente, tais contingências controlaram novos padrões comportamentais da
mãe. Não tornaram-na uma mãe melhor, tornaram-na uma mãe que se comporta melhor.
O que se chama, usualmente, de uma "boa mãe" é aquela que, em função de sua história
comportamental, responde a auto-instruções que a levam a se comportar de maneira a
maximizar reforçadores positivos e a minimizar negativos para os filhos; ou que responde
a contingências extremamente sutis do ambiente, em geral, não captadas por outras
pessoas, e que são apropriadas para os filhos, como se ela “adivinhasse” as necessidades
deles. Quando o controle das contingências é explícito, público, a pessoa que se comporta
recebe menos mérito pela sua atuação. O que estes comentários querem enfatizar, em
suma, é que não cabe esperar que exista uma "boa” mãe: as contingências ó que têm que
ser "boas".
Cacá ao dizer "Ê, mas, eu chorei para falar isso.", indicou que classificou sua
reação como inadequada. Há duas considerações a serem propostas: 1. O choro foi um
comportamento operante que pertence à classe de respostas de contra-controle em relação
à mãe. Neste caso, a terapeuta deverá ter como objetivo desenvolver um repertório mais
diferenciado e apropriado para contra-controlar a mãe; 2 .0 choro foi um comportamento
respondente eliciado pelas contingências adversas (perda de reforçadores positivos). Neste
caso, a terapeuta deverá ter como objetivo instalar um repertório comportamental de contra-
controle, de tal maneira que a função das contingências adversas se tornem mais amenas
ou que Cacá seja capaz de substitui-las por contingências reforçadoras positivas.
De qualquer forma, a terapeuta procurou fortalecer o comportamento emitido pela
cliente, sem julgar se poderia ser mais adequado ou não, já que o procedimento de
reforçamento diferencial, apropriado para desenvolver repertórios mais elaborados e
complexos de contra-controle, deve ser iniciado num segundo momento, depois que Cacá
tiver a variabilidade comportamental aumentada e os componentes da classe de
comportamentos "contrapor-se á mãe" estiverem fortalecidos.
A mãe parece ter seu comportamento mais governado por regras do que modelado
pelas contingências: é uma pessoa que trabalha muito, está o tempo todo ocupada, ou
seja, provavelmente, responde melhor a controle aversivo (reforçamento negativo). Não ó
de estranhar que quando as filhas usam contingências aversivas, sejam mais eficazes no
controle da mãe. Se esta observação for confirmada, há necessidade de se iniciar uma
orientação para a mãe, sobre seu relacionamento com as filhas. Se esse padrão materno
se mantiver, a mãe poderá reforçar diferencialmente padrões comportamentais cada vez
mais inadequados nas filhas.

Sobre Comportamento e Cojjnivvlo 295


TERAPEUTA

Falas da cliente para a mãe, que evidenciam contra- controles mais adequados:

A mãe de Cacá chega em casa e participa às filhas que precisa ir a um Congresso


e que ficará uma semana fora de casa. A cliente diz para a mãe: "Mas vocô vai me
abandonar de novo, mâe, desde que eu sou pequena vocô me abandona".
A mãe tenta contra-argumentar, dizendo que nunca a abandonou e a cliente começa
a listar para a mâe Congressos e viagens a trabalho que a mãe fez.
Na volta da escola para casa, a irmã conta para a mãe que estava indignada, pois
ficara sabendo que a mãe de uma amiga, que não trabalhava, havia ganhadoum carro do
marido. Cacá fez o seguinte comentário: "Pelo menos ela cuida das filhas dela, né, mâe?
Ela nâo trabalha, mas cuida das filhasM .

O processo terapêutico continuou. O que foi apresentado neste trabalho ó uma


amostra - acredita-se, representativa - de como ocorre a interação cliente-terapeuta e
terapeuta-supervisor, de acordo com a Terapia por Contingências.

Referências
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analysis. Journal of Applied Behavior Analysis, 1, pp. 91-97.
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R. A. Banaco (org.) Sobre Comportamento e Cogniçâo, vol. 1, cap. 33, pp. 322-337,
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Guilhardi, H. J.; Betini, M. E. S.; e Camargo, M. C. dos S. (1977). Aumento de freqüência de
respostas acadêmicas para alterar a lentidão e eliminar comportamentos inadequados
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2, pp. 1-30.
Guilhardi, H. J. e Oliveira, W. (1997). Linha de base múltipla: possibilidades e limites deste
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296 I lélio Joté C/ullhttrdl l C/iull.m.i Ccwr


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Em B. F. Skinner, Questões Recentes na Análise Comportamental. Campinas: Papirus.
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Skinner, B. F. (1993). Sobre o Behaviorismo. São Paulo: Cultrix. Publicação original de 1974.

Sol>rc Comportamento c Loflnivjo 297


Capítulo 34
O que a Análise do Comportamento
fez por mim
Murniy Siiiman
N ew England C'enter for C'hihiren

Mais do que ler servtdo a Análise do Comportamento, a Análise do Comportamento me serviu. A AnáliBe do Comportamento
me deu referências para meu trabalho e minha vida pessoal, referências que me permitiram interagir construtivamente com
os outros, trabalhar produtivamente e viver com alegria Ao aceitar este prêmio, uu gostaria de descrever algumas das
características da Análise do Comportamento que me serviram

More than my being of sorvice to Behavior Analysis, Behavior Analysis has been of service to me Behavior Analysis has
provided a framework for both my work and my personal llfe, a framework within which I havo boon able to Inleract
constructlvely with others, to work productively, and to llve happily. In accepting this award. I would like to describe some
of the features of Behavior Analysis that have been of service to me

Obrigado pela honra de estar entre os demais ganhadores deste prêmio.


No entanto, nâo consigo me livrar da sensação de que estou aqui sob falso pretexto.
Parece que estou sendo honrado por me divertir mais que todo mundo. Eu sempre vi a
mim mesmo principalmente como um experimentador e foi assim que gastei a maior parte
do meu tempo - pensando sobre, fazendo, escrevendo sobre e ensinando a respeito de
experimentos. Eu sou uma daquelas poucas pessoas que tiveram a sorte suficiente de
serem pagas por aquilo que, de qualquer maneira, eu teria arranjado uma maneira de
fazer.
É por isto que quando me perguntam como preencho meu tempo, desde que
passei a receber da previdência há mais de quinze anos, respondo que, embora esteja
desempregado não estou aposentado. Aposentei-me apenas da Academia. O que me
deixou tempo para fazer ainda mais daquilo que eu queria - planejar, executar e escrever
sobre experimentos comportamentais. Obviamente, fui auxiliado por colegas que sem
egoísmo continuaram a compartilhar comigo de seus próprios pensamentos criativos e
desenvolvimentos técnicos, pelos maravilhosos estudantes que descobriram o caminho
para meu laboratório e, pelo NewEngland Center for Children, que me encorajou e forneceu
estrutura para continuar minha pesquisa.
Eu estou mais que satisfeito que a comunidade da Análise do Comportamento
considere esta pesquisa valiosa, mas o que quero fazer hoje é reconhecer a simetria de
Trudu/ldo por Marli* Amalw P» Abib Arxtory

298 M urr.iy Sulman


minha relação com a Análise do Comportamento (um exemplo, desta vez, de simetria
sem equivalência). Em vez de tentar encontrar novas palavras para dizer as mesmas
velhas coisas sobre meus experimentos, quero explicitar algumas coisas sobre as
referências produtivas para a vida e o trabalho que a Análise do Comportamento me deu.
Na verdade, no tempo que tenho, posso listar apenas parcialmente as maneiras pelas
quais estou em débito com a Análise do Comportamento. E tenho certeza de que muitos
de vocês podem dizer coisas semelhantes sobre si mesmos e a Análise do Comportamento.
Para mim, tudo começou no passado distante, quando eu era um adolescente
idealista pronto para arregaçar as mangas e mudar o mundo. A primeira coisa que a
Análise do Comportamento fez por mim foi me mostrar como seguir esta ambição, como
atingir a função que eu queria ter na vida. Este foi um serviço importante, muito maior do
que qualquer serviço que eu pudesse jamais prestar à Análise do Comportamento.
Na minha juventude, a Psicologia sequer era uma carreira reconhecida; ninguém
começava querendo ser um psicólogo. Na realidade, a maior parte dos psicólogos bem
conhecidos se descobriram no campo da Psicologia depois de terem feito alguma outra
coisa. O mesmo aconteceu comigo. Eu jamais havia ouvido falar de Psicologia. A maior
parte do que eu sabia sobre o mundo, tinha vindo de minhas leituras (naquele tempo,
adolescentes eram muito mais jovens do que são hoje). Minhas leituras eram principalmente
romances e poesia. Parecia então que uma das melhores maneiras de mudar o mundo
era escrever um grande romance.
Eu comecei a escrever minha grande obra antes de terminar a universidade. Ela
seria uma descrição dramática de como até mesmo a coisa menos importante que
acontecia a meu personagem, a começar por suas experiências no útero, desempenhava
um papel na determinação de seu caráter. No entanto, depois de apenas algumas páginas
iniciais escritas, descobri que não sabia o suficiente. Por exemplo, nada sabia a respeito
do que de fato acontece no útero. Nos meus primeiros anos de universidade, eu havia
tentado evitar de todas as maneiras qualquer contato com as disciplinas de Ciências, mas
então, com nova motivação, li meus primeiros livros de biologia, antropologia física e social,
psicologia, física, filosofia da ciência e de especialidades nestas e em outras áreas.
Rapidamente, me convenci de que a maneira de mudar o mundo não era ir diretamente
atrás das instituições que as pessoas estabelecem - governamentais, educacionais,
financeiras, religiosas e assim por diante - mas envolvia, em vez disso, mudar as próprias
pessoas. Afinal de contas, são elas que estabelecem essas instituições. Meu objetivo
mudou, de escrever um grande romance, para a busca de pistas sobre a natureza humana.
E assim, passei meu último ano de universidade e um ano de pós-graduação cursando
apenas disciplinas científicas, tentando descobrir como mudar as pessoas de modo que
elas pudessem então criar um mundo melhor para si mesmas.
Embora eu tenha ficado fascinado pelas ciências 'tradicionais', nenhuma delas
me deu uma pista sequer sobre como mudar o que as pessoas faziam. E então me vi no
novo curso de laboratório de Keller e Schoenfeld, com um rato que fazia tudo aquilo que o
manual dizia que ele deveria fazer quando arranjávamos séries de contingências de
reforçamento cada vez mais complexas. Meu Deus! Aqui estava a resposta! Exatamente
o que eu vinha procurando. Não como escrever um romance para mudar o mundo, mas
como mudar pessoas. O que se tornou importante, então, foi descobrir como mudar pessoas
de maneiras que as levariam a mudar, para melhor, suas instituições.

Sobre Comportamento e Coyniv<lo 299


Mudar pessoas - esta noção é assustadora para muitos. Controle tornou-se uma
palavra feia em nossa sociedade e aqueles que, como nós, são fascinados pela noção de
mudar o comportamento de outros são freqüentemente acusados de ser obcecados pelo
controle, com o objetivo de mudar outros em nosso próprio benefício. Mas um dos princípios
básicos que se originou daquelas experiências iniciais no laboratório na graduação - e
que se confirmou incontáveis vezes desde então - era o de que nossos sujeitos
experimentais também estavam mudando nosso comportamento. O nosso próprio
comportamento, também, é governado por suas conseqüências; o controle jamais é
unidirecional. Quando vocô muda outros, vocô muda a si mesmo.
Portanto, aprendemos rapidamente a nos perguntarmos constantemente o que
está controlando nosso comportamento, a avaliar porque estamos fazendo o que nos
descobrimos fazendo, ou, ainda melhor, porque queremos fazer algo que ainda não fizemos.
No decorrer dos anos, a prática da análise do comportamento experimental e aplicada me
confirmou - repetidamente - que a resposta a aquelas perguntas vem do exame das
conseqüências de nossas ações. Assim, a Análise do Comportamento me ensinou como
compreender a mim mesmo.
É desta descoberta que vem a resposta aos cópticos em relação ao controle. Por
que fico tão feliz de passar meu tempo controlando o comportamento de pessoas em um
laboratório? Por que fico tão encantado quando descubro que o comportamento é ordenado
e previsível e não caótico? Quais são, em última instância, meus reforçadores? As respostas
a estas perguntas me dizem o que controle realmente significa. A descoberta de variáveis,
procedimentos e técnicas para influenciar comportamentos de maneiras predizíveis me dá
- e, muito importante, nos dá a todos - a oportunidade de construir, não arranha-céus,
pontes, ou instituições sociais e culturais, mas de construir pessoas - crianças que
conseguem aprender, adultos que conseguem manejar efetivamente seus ambientes. É
isto que controle significa. Não significa ensinar as pessoas o que fazer, mas sim, ensiná-
las como fazer. Não significa ensiná-las o que queremos que elas façam, mas como fazer
o que querem fazer. Controle não significa doutrinar, significa educar. Educar pessoas é
dar a elas as ferramentas de que necessitam para avaliar opções, para criar opções e para
produzir seus próprios reforçadores.
A Análise do Comportamento, portanto, me deu os métodos para avaliar o valor da
minha existência. Quais são as conseqüências de eu ter existido? Eu não criei objetos
físicos que irão durar - não criei monumentos, edifícios, pontes, invenções - mas o que fui
capaz de fazer foi mudar o comportamento de alguns outros que, por sua vez, farão o
mesmo. Aí está porque valorizo o ensino, a pesquisa e a aplicação clínica. Todas estas
são formas de mudar o comportamento de outros de modo que eles possam, então,
mudar as instituições sociais. Se eu tiver sido capaz de ajudar a prover ferramentas para
que outros façam o mesmo, então, para mim, a vida valeu a pena.
De onde vieram estas ferramentas? Talvez algumas poucas tenham vindo de meu
próprio trabalho, mas a maioria delas veio de dados, princípios, técnicas, testes
sistemáticos e informais de laboratório e de campo e de incontáveis aplicações criativas
que incontáveis analistas do comportamento tornaram disponíveis. A Análise do
Comportamento me deu a habilidade de ter algum efeito sobre o mundo, de mudá-lo de
algumas pequenas maneiras:
• em Táticas da Pesquisa Científica, eu não criei uma metodologia científica,
simplesmente descrevi a metodologia que vi operando à minha volta;

300 M urruy Sklmiin


• em Coerçào e Suas Implicações, eu extrapolei a partir dos estudos de laboratório
de muitos pesquisadores e comparei duas maneiras poderosas de influenciar as pessoas
- reforçamento positivo versus punição; fui capaz de confirmar que os efeitos colaterais da
punição são responsáveis pela maior parte dos elementos que tornam a vida desagradável
e, às vezes, até mesmo sem valor;
• no texto programado, Neuroanatomia, simplesmente ajudei a organizar o assunto,
que meu irmão me ensinou, em um tipo efetivo de seqüência de ensino que a pesquisa
comportamental de outros havia demonstrado que produziria aprendizagem sem erro;
• em Relações de Equivalência e Comportamento eu persegui a pergunta de
como palavras e outros símbolos passam a controlar nosso comportamento, algumas
vezes, ainda mais poderosamente do que as próprias coisas e eventos que nomeiam,
descrevem, ou representam; minha principal contribuição aqui foi simplesmente de tornar
esta antiga pergunta passível de análise por outros no campo da Análise do Comportamento.
Assim, no final das contas, a relação entre mim e a Análise do Comportamento
não foi simétrica; ela pende fortemente para o meu lado como recebedor e não como
doador. Na medida em que eu tenha sido capaz de prover novos dados e técnicas analíticas,
talvez eu tenha tornado a vida mais difícil para alguns de vocês, no sentido de que minhas
contribuições tenderam a levantar mais perguntas do que fornecer respostas. Mas é dal
que muitos de meus próprios reforçadores vêm; eu sempre suspeitei de respostas óbvias.
E assim, eu não tenho prêmios para todos vocês que tanto fizeram tanto por mim. Tudo
que tenho são os meus mais profundos agradecimentos.

Sobre Comportamento e C o jjn iíio 301


— = Capítulo 35
Fala de Dra. Carolina Bori,
quando do recebimento do prêmio
concedido pela A B A na sua reunião de
2001, em N ew Orleans

A difusão da Análise do Comportamento no Brasil

É uma honra receber o Prêmio pela Difusáo Internacional da Análise do


Comportamento-2001 (2001 Awardforthe International Dissemination of Behavior Analysis),
e gostaria de agradecer à Dra. Gina Green e aos Diretores da Sociedade para o Avanço da
Análise do Comportamento (Society for the Advancement of Behavior Analysis) por sua
decisão. Estou profundamente emocionada por isto.
A descrição do crescimento da Análise do Comportamento no Brasil, que
apresentarei, reflete minha visão pessoal. É preciso manter presente que tal empreendimento
envolveu um grande conjunto de pessoas: alunos, professores, grupos de pesquisa e
profissionais. O desenvolvimento da Análise do Comportamento no Brasil é o resultado de
seu trabalho coletivo.
Em 1962, a comunidade profissional de psicólogos discutiu os requisitos
educacionais para se obter um grau em Psicologia, no nível de graduação - o que é
suficiente, no Brasil, para garantir uma licença para praticar a profissão. Naquele momento,
concordou-se com a exigência de um conjunto de disciplinas. Ao lado de outras disciplinas
eletivas, estas tornaram-se a condição legal para praticar e ensinar Psicologia no Brasil.
De acordo com esta decisão, os estudantes deveriam ser expostos a conceitos e fatos em
diferentes áreas e diferentes orientações em Psicologia. Isto tornou-se lei federal a ser
obedecida por todos os novos cursos de psicologia.
A história da Análise do Comportamento no Brasil, entretanto, remonta a 1960, no
contexto de um currículo nacional menos estruturado. A história da Análise do
Comportamento em nosso país começou com as aulas do professor Keller, na Universidade
de São Paulo.
O legado de suas inovadoras conferências foi duplo. Em primeiro lugar, os alunos
tomaram conhecimento dos princípios, conceitos e procedimentos da Análise Experimental
Tradu/ldo por Mnrin Arrmlia Pi* Abib Andery

302 C.irolin.i Rori


do Comportamento de uma maneira sistemática e cumulativa. Em segundo lugar,
aprenderam a fazer pesquisa científica. Estes efeitos foram concomitantes e interligados
e indiscutivelmente se deveram à inquestionável habilidade de ensino do Professor Keller.
Nasceu, neste momento, um forte elo entre o Professor Keller e a Psicologia
brasileira. Ele ainda permanece em nossa memória e nas marcas indeléveis que deixou
em nosso trabalho.
A partir da nova legislação, vários cursos de Psicologia foram criados no Brasil. A
maior parte deles reproduzia a estrutura e os conteúdos do curso pioneiro da Universidade
de São Paulo. Como uma conseqüência, a Análise do Comportamento foi introduzida na
maior parte dos cursos de Psicologia Experimental e rapidamente se expandiu. Esta
expansão foi fortalecida pelo uso do PSI (Personalized System of Instruction) - Sistema
de Instrução Personalizado. Eu creio que suas características (ritmo individualizado,
feedback imediato, exigência de 100% de acerto, unidades de revisão, uso de estudantes-
monitores e trabalho de laboratório, entre outras) foram importantes para o alto nível de
desempenho obtidos por esses primeiros estudantes.
Nos anos 80, houve uma considerável diminuição no número de cursos de Análise
do Comportamento no nível de graduação. Reações ao Behaviorismo Radical, expressas
por grupos que tinham pouco contato com a Análise do Comportamento, tais como
lingüistas, historiadores, filósofos (e assim por diante) levantaram obstáculos à aceitação
dos alunos em relação a esta opção. Uma conturbação política na Argentina causou o
exílio de centenas de psicanalistas que se mudaram para o Brasil e para nossos cursos
de graduação.
No entanto, já naquele momento, a Análise do Comportamento havia se voltado
para os cursos de pós-graduação. Entre 1980 e 1990, havia programas de pós graduação
com uma forte ênfase em Análise do Comportamento na Universidade de São Paulo, na
Universidade de Brasília e na Universidade Federal de São Carlos.
O estabelecimento de cursos de pós-graduação contribuiu para um significativo
crescimento da pesquisa experimental no Brasil, principalmente em Análise do
Comportamento. Também foi importante a constante troca de professores e alunos de e
para os Estados Unidos. Especialmente importantes foram os seis meses de estadia do
Professor Murray Sidman, na Universidade de São Paulo; ele nos abriu toda uma nova
área de pesquisa.
Desde os anos 90, foram criados novos cursos de pós graduação com um interesse
muito forte em Análise do Comportamento na Universidade Federal do Pará, na Universidade
Federal de Minas Gerais, na Universidade Católica de Goiás e na Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, este último exclusivamente voltado para a Análise do
Comportamento. Cursos mais curtos, voltados para praticantes em Análise do
Comportamento tambóm foram criados na Universidade Estadual de Londrina e no Instituto
de Análise do Comportamento, em Campinas.
Quando o Professor Keller nos introduziu na Análise do Comportamento, ele também
produziu em nós uma forte preferência pela experimentação versus discussões filosóficas
e conceituais. Até os anos 90, a maior parte de nossa pesquisa foi constituída de esforços
de projetos isolados, quase individuais, centrados principalmente em variáveis de
reforçamento.

**obrr Comportamento o Cotfmç<1o 303


Desde então, cresceu a pesquisa, conceituai e experimental, básica e aplicada,
sobre controle de estímulos, comportamento verbal, controle por regras, comportamentos
pró-correntes, variabilidade comportamental, toxicologia comportamental, comportamentos
acadêmicos, aprendizagem de conceitos, trabalho clínico, psicologia do desenvolvimento
etc.. Mas o mais importante é que a pesquisa hoje ó conduzida por grupos organizados,
com projetos inter-departamentais ou inter-institucionais.
Em geral, tanto o ensinar como o fazer pesquisa em Análise do Comportamento
no Brasil significam um compromisso com o estudo de processos comportamentais
básicos, assim como com sua aplicação a problemas educacionais e sociais urgentes.
Esperamos que nossos cursos e nossos laboratórios continuem a atrair estudantes
talentosos para este compromisso.
Muito obrigada a todos.

304 Carolinu Hori


Capítulo 36
Barreiras psicológicas à prevenção do
câncer: uma discussão analítico
comportamental
Patrícia Santos M artins'*

O presente trabalho aborda a temática da prevenção do câncer, discutindo sobre a representação sôclo-cultural (mitos e
estigmas) do cAncer na sociedade ocidental e os fatores psicológicos: comportamentais e emocionais, que funcionam como
barreiras h prevençAo e a detecção precoce. A partir de uma perspectiva da abordagem analítico comportamental, discute-
se o papel da Psicologia da Saúde, que adotando um modelo blo-psico-social do processo saúde-doença, visa a promoção
de açOes preventivas mais eficazes, um atendimento humanizado, holistico e integral e a qualidade de vida dos pacientes
com cAncer. A relevância da prevençAo do cAncer pode ser justificada e realizada em trás nlvels: 1) primário - promoção da
saúde — por se tratar de uma patologia cu|a etiologia é multlfatorial e a cura ainda nAo foi cientificamente encontrada e
definida; 2) secundário - diagnóstico e detecçAo precoce - pelo fato de que, segundo dados do Instituto Nacional de CAncer
- INCA e do Ministério da Saúde, 90% dos tumores podem ser curados quando diagnosticados precocemente e tratados
corretamente, 3) terciário - tratamento e reabilitação - por se tratar de uma patologia com tratamento agressivo e longo, que
causa impacto e muitas seqüelas negativas na vida do paciente e de seus familiares
Palavras-chave: cAncer, prevençAo, psicologia da saúde, abordagem analítico comportamental.

Este trabalho tem como objetivos abordar os fatores sócio-culturais e psicológicos:


comportamentais e emocionais, que se constituem em barreiras à prevenção e detecção
precoce do câncer; a partir de uma perspectiva da abordagem analítico comportamental,
discutir o papel da Psicologia da Saúde, que visa a promoção de ações preventivas mais
eficazes e a qualidade de vida dos pacientes com câncer.
A prevenção tem o seu foco de atenção à saúde e não à doença, tendo como
objetivo principal promover e proteger a saúde através do fortalecimento dos aspectos
saudáveis dos indivíduos e a mobilização de ações, tanto no nível individual quanto social,
que evitem ou impeçam o apaiecimento de focos patológicos (Caplan, apud Maldonado,
1989; Kowalski, 1997, Gimenes, 1994).
O comportamento preventivo é definido "como qualquer conduta adotada por uma
pessoa que se acredita saudável, com o propósito de prevenir doenças ou detectá-las em

1 fmcòlon* Uo Hoipilul Ofir I oynla llciòitvPA, obtriMlo deua inMiluivto o apoio financeiro para a participação no IX Incontro liiatilem> de Piivoteripia
e Medicina Comportamental, no qual uma ver»4o anterior deite trabalho foi «prc*cnmda
Pnlcòloya Clinica e Mculrc em Piicolojin leona e PrMjuiia do Comportamento<t)| PA),
e-matl, pmvunMKJlerra.coui br
1 Piicák>|ta <lo lloivpllal onr l-nvolo Helím/PA, obtendo de«a InMlIuiçào o apoio financeiro paro a parluipavâo no IX N inntni llraillelro dc Psicoterapia
e Medtcinn ( oinpoiiainenlal. no qual uma vcinAo anterior de»*e trabalho loi aprenentada Paicrtloya Clinica e Me*tre on Piicoloyla Iroria e Pcm| uím do
Comportamento (HI PAI fi-imnl paty»m*«i)terra cotn br

Sobre ComporldmcnU) c CoflniçJo 305


um estágio ainda assintomático ou precoce” (Kasl, 1974, citado em Seidl & Gimenes,
1997, p. 260).
Nesse sentido, a prevenção é coerente com a definição de saúde proposta pela
Organização Mundial de Saúde - O. M. S. enquanto "um estado de completo bem-estar
físico, mental e social, e não simplesmente a ausência de doença ou enferm id ad e".
Berlinguer (1994) discute três princípios éticos da prevenção que justificam a sua
relevância: a) virtude antecipatória - capacidade de intervir com o objetivo de evitar um
dano, assegurando o desenvolvimento pleno do ciclo vital de cada indivíduo e o valor
filogenético de sobrevivência e perpetuação da espécie humana; b) universalidade - promover
e tentar assegurar o direito que todo cidadão tem à saúde e o acesso igualitário aos
serviços diagnósticos e curativos; c) capacidade de atenuar conflitos de interesses e
valores inerentes à atividade dos profissionais e das instituições de saúde - que sobrevivem,
lucram e mantêm o seu status através da doença, privilegiando e dando um maior enfoque
ao diagnóstico e tratamento em detrimento da prevenção.
Alguns equívocos contribuem para a não adoção de um enfoque preventivo: 1) a
carência e a precariedade das campanhas e ações preventivas e de investimentos na
área, pelo fato dos resultados serem menos imediatos, visíveis e valorizados, tanto no
nível de governos e instituições de saúde quanto no nível individual; 2) o fato de contrapor
a prevenção á cura, como se prevenir não fosse curar e a dificuldade em analisar a relação
custo-benefício com relação á saúde, uma vez que um pouco de prevenção vale mais e
custa menos do que a cura, pois evita sofrimentos desnecessários e diminui os gastos
com a doença; 3) a dificuldade de compreender o caráter multifatorial do processo saúde-
doença, enquanto resultado da interação de diversos fatores biológicos, sociais e
psicológicos; 4) a prevalência de um enfoque curativo e um modelo de assistência
individualizada, que privilegia e se restringe à área de atuação módica, em detrimento do
enfoque preventivo, de promoção da saúde, que envolve diferentes profissionais, recursos,
órgãos, ações, possibilitando uma atuação mais abrangente e atingindo um maior número
de pessoas (Berlinguer, 1994).
Nas últimas décadas do século XX, constata-se uma maior ênfase e importância
atribuída à temática da prevenção pelos profissionais e pesquisadores da área de saúde.
Dentre os fatores que contribuíram para esse fato, destaca-se o declínio das causas de
morte por doenças infecto-contagiosas (viróticas ou bacterianas, como a tuberculose e
peneumonia) que estão relativamente sob controle a partir dos avanços da medicina; o
aumento na incidência de doenças crônicas (câncer, doenças cardiovasculares, diabetes,
insuficiência renal, obesidade) e a configuração destas como as principais causas de
morte (Guimarães, 1999, Seidl & Gimenes, 1997, Kerbauy, 1995)
No que se refere ao câncer, a prevenção é de suma importância, pelos altos
índices de incidência e mortalidade, caracterizando-se como a segunda causa de morte
no Brasil, sendo superada apenas pelas doenças cardiovasculares e pela violência. A
relevância da prevenção do câncer pode ser justificada e realizada em três níveis: 1)
prevenção primária - promoção da saúde - por se tratar de uma patologia cuja etiologia é
multifatorial e a cura ainda não foi cientificamente encontrada e definida; 2) prevenção
secundária - diagnóstico e detecção precoce - pelo fato de que, segundo dados do Instituto
Nacional de Câncer - INCA - e do Ministério da Saúde, 90% dos tumores podem ser
curados quando diagnosticados precocemente e tratados corretamente; 3) prevenção

306 Patrícia Santo* M artins


terciária - tratamento e reabilitação - por se tratar de uma patologia com tratamento
agressivo e longo, que causa impacto e muitas seqüelas negativas na vida do paciente e
de seus familiares.

Representação sócío-cultural do câncer na sociedade ocidental


Para uma melhor compreensão e análise de como são estruturadas as barreiras
psicológicas á prevenção do câncer no nlvel individual é necessário fazer uma
contextualização sócio-cultural da temática do câncer na sociedade ocidental, analisando
a complexa relação entre conhecimentos, representação (estigmas), crenças (mitos) e
comportamentos preventivos de saúde, uma vez que "o desenvolvimento do câncer e suas
conseqüências é resultado da origem do homem e de sua inter-relação com o meio ambiente,
modulado por fatores históricos e culturais da humanidade" (Coelho, 1996, p.1).
Tradicionalmente e atualmente, a imagem coletiva do câncer ó de uma doença
fatal, trágica, de longo sofrimento, de desenvolvimento inicial invisível e compassado e
final avassalador porque se espalha e vai debilitando e tomando todo o corpo e suas
funções vitais. A palavra câncer é assustadora, maldita, repugnante e faz com que as
pessoas a evitem, neguem, guardem segredo, pelo fato de estar associada com medo,
sofrimento, dor, mutilação e morte (Chiattone, 1992).
O câncer ainda ó considerado sinônimo de morte, pois receber um diagnóstico de
câncer ou entrar em contato com pessoas significativas ou próximas, com câncer, é o
mesmo que receber uma sentença de morte, predispondo o indivíduo a experenciar
sentimentos de angústia, sofrimento, medo, tristeza, desespero, diante da probabilidade
real ou imaginária da perda e da morte. No entanto, o câncer apenas revela que o corpo é
falível e finito e que a morte faz parte da evolução do ser humano, possibilitando ao indivíduo
conhecer, analisar e rever os seus valores de vida e morte (Chiattone, 1992).
A valorização exacerbada de uma estética corporal perfeita, jovial, saudável, bela
e da capacidade produtiva do indivíduo, vigente em nossa sociedade ocidental e difundida
principalmente através dos meios de comunicação de massa, marketing e vendas de
produtos e serviços de beleza e saúde, predispõe e expõe o indivíduo com câncer a
discriminações, desprezo, pena, humilhação, repulsa, rejeição, estigmas e abandono social,
afetando a sua auto-estima e auto-imagem, pelo fato de se diferenciar dos padrões
estabelecidos pela sociedade.
O trabalho preventivo e de intervenção é dificultado principalmente quando a doença
atinge partes do corpo relacionada as áreas da estética e sexualidade (pele, rosto, mama,
útero, ovários, ânus, pônis, próstata) e quando existe a necessidade de mutilações,
propiciando o surgimento e o agravamento de questões referentes à identidade e tabus
sexuais e de problemas de relacionamentos afetivos e familiares.
Outra concepção muito vigente em nossa cultura é a de que o câncer é a doença
dos resignados, dos sofredores, dos fracassados, dos perdedores, em contraposição às
doenças cardiovasculares que estão associadas a pessoas extremamente produtivas,
eficientes e de sucesso.
Ainda é muito presente a concepção de que o câncer é incurável, que o tratamento
é agressivo e tem efeitos colaterais insuportáveis, que não existe mais nada a se fazer por

Sobre Comportamento e Cogniçâo 307


um paciente com câncer, pois este é considerado fora de possibilidades terapêuticas
(FPT) ou paciente terminal, mas ó preciso ressaltar que a maioria dos exames e
procedimentos clínicos e cirúrgicos relacionados com outras patologias tambóm são
invasíveis e possuem efeitos danosos, Essas concepções evidenciam como as pessoas
e os profissionais de saúde lidam com a questão da impotência, da cura, da adversidade,
da utilização de outros recursos terapêuticos e da postura diante da morte.
As informações prestadas à população através dos serviços de saúde pública e
das campanhas de prevenção ainda são escassas e ineficientes; a informação veiculada
pelos meios de comunicação de massa, na maioria das vezes contribui para reforçar
ainda mais alguns mitos, associando o câncer com guerra, morte, sofrimento, dor e incentiva
comportamentos prejudiciais à saúde como o consumo de cigarros e bebidas, alimentação
rica em gordura e açúcares (fast-food) (De Carvalho, M., 1997).

Barreiras psicológicas à prevenção do câncer


A representação sócio-cultural do câncer em nossa sociedade ocidental repleta
de mitos e estigmas, acrescida da falta de informações e controle com relação aos fatores
de risco e das dificuldades no modo de enfrentamento psicológico que cada indivíduo
possui, a partir da sua história de vida, para lidar com a exposição a estimulações e
conseqüências aversivas (doença, estresse, dificuldades psicossociais, perdas de
referências e de reforçadores positivos), propicia o surgimento de barreiras psicológicas
que comprometem a adesão às campanhas preventivas e a detecção precoce do câncer.
Dentre essas barreiras psicológicas destaca-se a cancerofobia, enquanto um
padrão comportamental complexo de respostas não preventivas com suas respectivas
variáveis antecedentes e conseqüentes e variáveis contextuais, que fazem parte da história
de vida passada e de reforçamento de cada indivíduo, tais como: atitudes pessimistas e
fatalistas diante da vida; auto-conhecimento deficitário; padrão de comportamentos não
assertivos e estilo passivo de enfrentamento de situações aversivas; dificuldades de
relacionamentos interpessoais; distúrbios ou transtornos psiquiátricos e emocionais pré-
existentes (depressão, ansiedade, fobias, etc.); ausência de estrutura emocional e espiritual
para lidar com o tabu da morte; deficiência de estrutura emocional e de repertório
comportamental para lidar com frustrações, dor, sofrimento e estresse, que estão
relacionados com um provável diagnóstico de câncer (De Carvalho, M., 1997).
Uma proposta de análise funcional da cancerofobia aponta, como respostas não
preventivas, os comportamentos de fuga e esquiva, as reaçõos emocionais e as autoregras
inadequadas. Esses eventos privados, por sua vez, podem ocorrer simultaneamente às
respostas públicas não preventivas ou fazerem parte da contingência, funcionando como
estímulo discriminativo para essas respostas no futuro, a partir de uma história passada
de associação com contingências sócio-culturais ou com a história ontogenética de cada
indivíduo. Funcionando como estímulos discriminativos para as respostas não preventivas
estão a representação sócio-cultural negativa do câncer, história familiar, desinformação,
perdas ou sofrimento na convivência com pessoas significativas com câncer, experenciação
de situações aversivas associadas à doença, (ver quadro 1) (Skinner, 1953/1994)3.
As conseqüências às respostas não preventivas podem ser imediatas, funcionando
como reforçador negativo para essas respostas, no sentido de adiar ou evitar estimulação
aversiva (possível diagnóstico de câncer) ou como reforçador positivo, pelo reforçamento
1A primeira d*t» rafara-M no uno da publicação origtnal. a Mgunda, ao ano da adlçAo contuKada

308 [\itrfcid Santos M artins


social (aprovação) ou auto-reforçamento (prazer) imediato e certo da conduta de risco em
contraposição à probabilidade de adquirir uma doença no futuro. A longo prazo, essas
respostas não preventivas se mantêm porque são reforçadas positivamente diante da
conseqüência de um diagnóstico negativo de câncer; entretanto, diante da conseqüência
de um diagnóstico positivo de câncer, essas respostas sâo punidas através da exposição
à estimulação aversiva ou com a retirada de reforçador positivo - a saúde, (ver quadro 1)
(Skinner, 1953/1994).
Com base na experiência de atendimento ambulatorial e hospitalar (atuando no
hospital Ofir Loyola - referência em câncer no Estado do Pará), pode-se observar que a
cancerofobia ocorre mais freqüentemente em pacientes com história familiar de câncer,
que experenciaram situações de perdas ou sofrimento de pessoas significativas com câncer
e que já tiveram a doença, com remissão total ou parcial.
Esses pacientes costumam apresentar ansiedade intensa diante de qualquer
sintoma físico ou procedimento clinico, medo do tratamento, de seus efeitos e da morte,
baixa tolerância a dor, choro freqüente, manifestações psicossomáticas ou hipocondríacas,
comportamentos de fuga-esquiva: não conseguem ir até o hospital para consultas de
rotina ou para realizar exames preventivos e falar ou ouvir a palavra “câncer". A cancerofobia
manifesta-se de forma mais intensa nos casos de recidiva da doença ou metástase (quando
o tumor de base se espalha e atinge outros órgãos), dificultando o retorno e a adesão ao
tratamento.

RKSPOSTASNÂO (O N S K /lÊ N C IA S
SI)
PRKVKNTIVAS

Representação FUGA-ESQUIVA Diagnóstico negativo de


sócio-cultural Adiamento ou nfco realiíaçfto d« Cflncer
negativa do cAncer exames preventivos Reforçamento negativo
Adiamento ou nAo procura de médicos - adiar ou evitar estimulos
A ausência de repertórios de auto-observaçAo aversivos

Negligência, negaçAo ou nào discriminação


História familiar
dos sintomas das doenças Auto-reforçamento
de câncer
NegaçAo da realidade e das contingências
Ausência ou déficit de repertórios de auto-
DesinformaçAo cuidados, saúde, alimentação, higiene) Reforçamento positivo social
sobre o câncer Ausência de autocontrole (vícios, hábitos
inadequados de saúde, estilo de vida)
A busca por tratamentos alternativos
Perdas ou sofrim ento na A prática da auto-medicaçAo
convivência com pessoas Diagnóstico positivo do
significativas com câncerna RESPOSTAS EMOCIONAIS CAncer
convivência com pessoas Modo da morte, dor, sofrimento, mutilaçAo; PuniçAo
significativas com câncer Ansiedade e medo Estimulação aversiva
Fobia (hospital médico, cirurgia,
procedimentos clínicos)
ExperenciaçAo de sltuaçóes Desesperança com relaçAo a cura
aversivas associadas a V ergonha e culpa de rea liza r exames
doença relacionados as áreas da sexualidade

AUTOREGRAS INADEQUADAS
"0 tratamento acelera a morto"
"pensamento mágico de que comigo nAo vai
acontecer"
"fazar exames atrai ou provoca a doença"
"nAo precisa fa/er exames na ausência de
sintomas, porque nâo sente nada"

Sobre Comportamento e Coflniftlo 3 0 9


0 Modelo de Crenças de Saúde (MCS) tem sido um instrumento muito utilizado
para investigar as variáveis que se configuram como barreiras psicológicas à prevenção.
Criado na década de 50, tem como objetivo explicar e predizer os comportamentos
preventivos ou de saúde. Este modelo possui trôs dimensões: 1) percepção de
susceptibilidade a uma determinada doença - avaliaçAo do risco de se contrair uma
enfermidade; 2) percepção da severidade ou gravidade da doença - avaliação das
conseqüências clínicas (morte, incapacidade, dor) ou implicações psicossociais da doença;
3) percepção dos benefícios e das barreiras à ação de saúde recomendada-avaliação de
custo-benefício da efetividade das ações para a redução da ameaça à saúde e dos aspectos
negativos das mesmas: dolorosa, desconfortável, perigosa, inconveniente, dispendiosa de
tempo e dinheiro e geradora de ansiedade (Seidl & Gimenes, 1997).
Uma revisão crítica de estudos que utilizaram o MCS realizada por Janz e Becker
(1984, citado em Seidl & Gimenes, 1997) aponta que a dimensão de benefícios/barreiras
foi considerada um dos melhores e mais fortes preditores de comportamentos de saúde e
que os aspectos considerados negativos desses comportamentos funcionam como barreiras
que podem gerar comportamentos de fuga-esquiva. Daí a necessidade de ressaltar e
reforçar positivamente os benefícios e minimizar a percepção de barreiras a essas práticas.
A dimensão de severidade ou gravidade da doença foi considerada um fraco preditor
para os comportamentos preventivos, principalmente em se tratando de uma doença cuja
gravidade já ó amplamente reconhecida e temida, como o câncer. Ressalta-se a
necessidade de não enfatizar muito os aspectos relacionados à susceptibilidade e severidade
da doença, que podem gerar reações emocionais de medo e ansiedade, que por sua vez
propiciam bloqueio ou diminuição na adesão a essas práticas (Janz e Becker, 1984, citado
em Seidl & Gimenes, 1997).
O estudo tambóm levanta críticas ao enfoque cognitivista do modelo e a necessidade
de investigar outras variáveis psicossociais relevantes para os comportamentos preventivos,
tais como: idade, nível de escolaridade, nível sócio-econômico, situação conjugal, suporte
familiar, avaliação da própria pessoa sobre o seu estado de saúde, motivação para a
saúde e informações sobre fatores de risco (Janz e Becker, 1984, citado em Seidl &
Gimenes, 1997).
Em se tratando da prevenção do câncer, é preciso levar em conta um conjunto
complexo de variáveis contextuais - políticas de saúde, culturais, sóciodemográficas e
fatores de risco - psicossociais, biológicos e ambientais, que dificultam a adoção de
comportamentos preventivos e a detecção precoce do câncer, tais como:
• Políticas de saúde - ineficiência ou escassez dos serviços de saúde e das
campanhas preventivas, falta de conscientização e/ou relação entre profissionais de saúde
-paciente ineficiente, ausência ou precariedade de investimentos na área;
• Culturais - desinformação, reforçamento social para comportamentos de risco,
crenças normativas, estigmas e mitos sobre o câncer;
• Sóciodemográficas - idade avançada, níveis educacional e sócio-econômicos
baixos, condições e local de moradia com acesso dificultado aos centros especializados
de diagnóstico e tratamento;
• Biológicos - infecções ou imunodepressão, história familiar de câncer;

310 Patrícia Santos M artin *


• Ambientais - exposição excessiva ao sol, radiações, exposição ocupacional a
substâncias cancerígenas;
• Psicossociais-alimentação inadequada, tabagismo, alcoolismo, comportamento
sexual ( promiscuidade, não utilização de preservativos), estresse e outras causas.
O fornecimento de informações adequadas sobre os fatores de risco e subsídios
para o diagnóstico e tratamento precoce são fundamentais e o primeiro passo para superar
a cancerofobia e favorecer ações preventivas mais efetivas. Entretanto, é preciso analisar
o tipo e a forma como a informação está sendo repassada.
Embora a informação veiculada nas campanhas e programas preventivos seja
relevante para que a população de risco ou não tenha conhecimento sobre a etiologia,
detecção e diagnóstico precoce, tratamento e prognóstico do câncer, somente essas
informações não são suficiente para garantir que ocorram mudanças comportamentais.
Estar informado que fumar, comer alimentos gordurosos e com açúcar e o bronzeamento
excessivo são prejudiciais à saúde e podem provocar câncer não faz com que o indivíduo
pare de fumar, faça uma dieta e respeite os horários para pegar sol, assim como saber
sobre a importância de fazer os exames preventivos (papanicolau, toque retal, auto-exame
das mamas) e de rotina não assegurará que as pessoas os façam.
Para que a informação seja efetiva é preciso que esteja atrelada direta ou
indiretamente à experiência de vida do indivíduo, possibilitando modificação de hábitos,
crenças, emoções, aquisição de novos comportamentos e aprimoramento do processo de
auto-conhecimento (auto-observaçáo, discriminação de sentimentos, reações fisiológicas,
pensamentos e comportamentos). Contudo, nem sempre a informação, o autoconhecimento
e as mudanças ocorrem simultaneamente e de forma relacionada, não implicando
necessariamente em autocontrole.
Para que ocorra o autocontrole, é necessário analisar e manipular as condições
ambientais (físico e sociais) antecedentes e conseqüentes dos comportamentos preventivos,
que segundo Taylor (1986, citado em Seidl & Gimenes, 1997) podem ser de dois tipos: a)
comportamentos voltados para a promoção da saúde e que caracterizam o estilo e os
hábitos de vida da pessoa (fazer uma dieta equilibrada, praticar exercícios físicos), que
são instalados e mantidos através de reforçamento positivo; b) comportamentos voltados
para a redução do risco, visando minimizar ou eliminar os fatores que se constituem em
ameaças à saúde (vacinar-se, usar preservativos, auto-exame da mama), que são instalados
e mantidos através de reforçamento negativo.
É necessário substituir os padrões comportamentais não preventivos, que ocorrem
em alta freqüência e são prejudiciais aos indivíduos, por comportamentos preventivos que
têm uma baixa probabilidade de ocorrência, identificar as regras e auto-regras que estão
controlando os comportamentos de risco, desenvolver técnicas que possam instalar regras
mais adequadas, verificar o controle efetivo dessas novas regras sobre os comportamentos
alvos e assegurar a manutenção desses repertórios, ató que o próprio indivíduo possa ter
autocontrole sobre a situação e seus comportamentos.
A área de autocontrole ainda está sendo alvo de muitos estudos que não estão
totalmente consolidados, dada a sua complexidade. Um dos aspectos relevantes que
devem ser levados em conta na área de pesquisa e programas de autocontrole refere-se
ao fato de que as conseqüências positivas, por exemplo no caso do tabagismo (reforço

Sobre Comporldmcnlo e l'onniç*lo 311


social de fumar, incentivo da midia, redução das tensões e alívio da ansiedade), ocorrem
em maior freqüência e são mais imediatas do que as conseqüências negativas (ter câncer),
que são a longo prazo. Desse modo, controlam mais eficazmente a manutenção do
comportamento de risco do tabagismo e a não adesão às campanhas de prevenção.

O papel da psicologia da saúde na prevenção do câncer


A psicologia da saúde adota um modelo biopsicossocial para a compreensão do
processo saúde-doença e um enfoque essencialmente preventivo e educativo, tendo como
objetivos “contribuir diretamente com as especialidades médicas para modificar e desenvolver
comportamentos de saúde; prevenir e tratar doenças; e melhorar o bem-estar e qualidade
de vida do ser humano antes, durante e depois da enfermidade" (Guimarães, 1999, p. 25-
26).
Muitos estudos (Chiattone, 1992, De Carvalho, M. 1997; De Carvalho, V. 1996;
Gimenes, 1994, Guimarães, 1999) têm apontado a relação entre variáveis psicossociais e
a predisposição a doenças orgânicas, especificamente o câncer, e discutido a interação
de fatores biopsicossociais no processo saúde-doença. Segundo Guimarães (1999):
"A relação entre saúde, doença e variáveis psicológicas ó bidirecional, na qual
a saúde pode ser afetada por variáveis psico-comporiamentais e, da mesma forma, os
processos psicológicos e sociais podem ser afetados pelas condições de saúde do
organismo" (p. 26).

Esses estudos têm identificado alguns fatores psicossociais de risco que


influenciam na incidência, etiologia, evolução e remissão da maioria dos tipos de câncer,
tais como: estilo de vida nocivo, padrões comportamentais (preocupação e doação
excessiva aos outros em detrimento de si mesmo, falta de assertividade, timidez,
dificuldades de relacionamento interpessoal e de expressar sentimentos), histórias de
vida marcadas por fracassos, desesperança, desânimo, desamparo aprendido, vivência
de situações traumáticas e de perdas e estresse, que, por sua vez, propiciam o surgimento
ou agravamento de doenças orgânicas e a situação da doença e hospitalização funcionam
como fatores estressantes. Segundo Gimenes (1994, p. 50)
“eventos estressantes semelhantes podem acarretar resultados emocionais,
físicos e sociais diferentes, dependendo de como o indivíduo lida com eles. Por essa
razão, o enfoque em modos de enfrentar problemas (coplng), nos últimos anos. tem sido
considerado mais importante do que o estresse em s i”.

A temática da prevenção do câncer está intrinsicamente relacionada com o aspecto


psicológico, pois os estudos destacam a importância dos fatores de risco psicossociais,
do aspecto emocional e dos mediadores comportamentais relacionados ao "estilo de vida"
para ofavorecimento dos comportamentos preventivos (Guimarães, 1999, Gimenes, 1994,
Kerbauy, 1995).
Outros aspectos que reforçam essa relação é o fato de que, atualmente, o aumento
da sobrevida dos pacientes e a cura da maioria dos cânceres tem sido atribuídos mais
freqüentemente à detecção precoce da doença do que aos avanços nos tratamentos clínicos,
farmacológicos e cirúrgicos, e a importância que o comportamento do indivíduo tem para
a prevenção, uma vez que "a detecção precoce do câncer não depende apenas dos avanços
nos métodos diagnósticos, mas também do comportamento do indivíduo que busca
precocemente a detecção da doença" (Gimenes, 1994, p. 38)

312 Patrícia Santos Martins


Dal a necessidade de uma atuação mais efetiva por parte dos profissionais de
saúde, em especial do psicólogo, que estuda e lida com o comportamento humano, intervindo
junto ao paciente, sua família e à equipe de saúde, para auxiliá-los a lidarem com as
respostas comportamentais e emocionais à doença e à hospitalização. O psicólogo tem
um papel fundamental no desenvolvimento de um trabalho preventivo, principalmente no
que se refere ao câncer, pois assim como outras doenças crônicas, afeta profundamente
o funcionamento dos indivíduos em diversos níveis: físico, social, emocional, profissional,
sexual, para atuar nas modificações de padrões comportamentais, regras e auto-regras
prejudiciais à saúde, e favorecer comportamentos preventivos, de auto-controle e melhoria
da qualidade de vida desses pacientes.
A atuação do psicólogo com relação à prevenção do câncer pode se dar nos três
níveis de prevenção: primária, secundária e terciária, que estão divididos didaticamente,
mas que na prática se mesclam nas diferentes dimensões do atendimento:
Prevenção primária - promoção e proteção à saúde - tentativa de evitar ou impedir o
surgimento das doenças, especificamente o câncer, reduzindo ou evitando a exposição a
fatores de risco conhecidos, através de ações de educação em saúde, desenvolvimento
de habilidades e aconselhamentos específicos (Caplan, apud Maldonado, 1989, Zeferino,
1996, Gimenes, 1994).
• Comportamentos de risco - evitando, controlando ou modificando os hábitos
tais como: tabagismo, alcoolismo, consumo de drogas, alimentação inadequada,
promiscuidade sexual, exposição excessiva ao sol;
• Estilos de vida saudáveis - fornecer informações e subsídios para a ocorrência
de comportamentos e hábitos que favorecem uma melhor qualidade de vida: prática de
exercícios físicos, realização de exames preventivos ou de rotina, adoção de uma dieta
rica em fibras, verduras e frutas, cuidados com a higiene e saúde;
• Estresse cotidiano - orientar e instrumentalizar as pessoas para identificarem e
lidarem com a sobrecarga física e emocional, com o estresse do ciclo vital (gravidez,
velhice, morte) e de situações de crises existenciais (separação conjugal, desemprego,
hospitalização, morte, acidentes, mudanças, violência, etc.), minimizando seus efeitos;
• Desenvolver campanhas preventivas intervindo nos níveis nível político, social e
educacional, através dos meios de comunicação de massa, campanhas de conscientização
da população, serviços comunitários e assistenciais;
• Desenvolver pesquisas que possam investigar os aspectos psicológicos do câncer,
as relações entre comportamentos de risco e câncer, os fatores psicológicos e sociais
responsáveis pela não-adesão ao tratamento e aos programas preventivos.
Prevenção secundária - refere-se à tentativa de deter, reverter, retardar a duração ou abreviar
a intensidade da neoplasia por meio do diagnóstico precoce, em um estágio que seja
possível a intervenção terapêutica e tratamentos eficazes (Maldonado, 1989, Gimenes,
1994, Zeferino, 1996);
• Desenvolver programas preventivos e trabalhos educativos e informativos á
população em geral e a de alto risco sobre os procedimentos preventivos aos diversos
tipos de câncer;
• Orientar e promover a aquisição de hábitos periódicos e sistemáticos de detecção
precoce e de auto-monitoramento (auto-exame de mama, exame preventivo, exame de
PSA e toque retal para os homens);

Sobre Comport<imcnlo c toflniçdo 313


• Realizar interconsultas; considerando o tripé equipe de saúde, paciente/família
e instituição, para incentivar o paciente a aderir e participar ativamente do tratamento,
monitorando os aspectos comportamentais e emocionais;
• Intervenção no pró e pós-operatório e preparação para procedimentos e
tratamentos clínicos;
• Realizar grupos de sala de espera para atender a população enquanto aguardam
a consulta e grupos durante a hospitalização.
Prevenção terciária - ações a serem oferecidas direta ou indiretamente ás pessoas que já
desenvolveram o câncer, tendo por finalidade reduzir as seqüelas e os efeitos adversos da
doença durante o processo de tratamento:
• Tratamento e Reabilitação social e emocional a nlvel individual ou grupai;
• Promover o conhecimento e a adoção de técnicas de enfrentamento psicológico
diante da hospitalização, tratamentos e da doença em seus diferentes estágios;
• Favorecer a adesão ao tratamento;
• Fornecer apoio psicológico ao paciente e seus familiares, contribuir para a melhora
da qualidade de vida do paciente antes, durante e depois da enfermidade;
• Contribuir para a solução dos problemas relevantes relacionados ao contexto de
tratamento do câncer (comunicação do diagnóstico, pré-operatório, manejo da dor e do
estresse inerentes á doença e à hospitalização)
• Intervenção na fase terminal - suporte familiar no luto e preparação para a morte.
Evidencia*se a relevância do papel do psicólogo atuando nos três níveis de
prevenção e em equipes interdisciplinares para a implementação de programas preventivos
para o câncer e promoção de um atendimento integral, humanizado, holístico e eficaz aos
pacientes e seus familiares.
É preciso que a população e principalmente os profissionais de saúde consigam
adotar e promover uma postura mais positiva, realista e efetiva com relação ao câncer,
reconhecendo a importância da prevenção para uma melhor qualidade de vida e saúde
das pessoas.

Referências

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Chiattone, H. B. (1992) Uma vida para o câncer. In: Angeraml-Camon, V. (Org.), O doente, a
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Guimarães, S. (1999) Psicologia da Saúde e doenças crônicas. In: Kerbauy, R. R. (Org.),
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Sobre Comportamento e CotfniçJo 315


Capítulo 37
Ensino programado: requisito para
educação de qualidade
AdS/ia Maria Santos Teixeira
Universidade Federal de Minas L/erais

Este trabalho pretende apontar a Análise Experimental do Comportamento como uma abordagem promissora no campo da
educação. Inicialmente, a evolução das propostas de «usino programado è recuperada. A seguir, algumas modalidades
rocentes da utilização de tecnologia Informática na educação são apresentadas. Finalmente, o material contido nas duas
primeiras parles é discutido com o objetivo de estabelecer uma conexão entre ensino programado e qualidade de educação
A análise circunscreve-s* no nivel de contingências tríplice*. A aprendizagem constitui o processo psicológico básico
focalizado Os termos ensino e educação são intercambiáveis. A efetividade constitui a noção norteadorn da análise na
discussão e na avaliaçAo das relaçóes ensino/aprendizagem
Palavras-chave: ensino programado, qualidade de ensino, tecnologia de ensino.

This study Intends to point out the Experimental Behavior Analysis as a promising approach In the fleld of tuachmg At flrst.
the evolution of the programmed learning proposals is recovered Next, some recont forms of Information Technology
applied in education are presented FinaKy, (he material in (he firs< two sections of (he article is discussed This Intond to se(
up a connectlon between programmed learning and education quality. Tfie analysis Is contalned wlthin the triple contingencies'
levei Learning is the psychological basic process emphasized. The terms teachmg and education ate Interchangeable. The
effectlveness is the guidmg notlon of the analysis during the dlscussion process and evaluation of tuaching/lernlng
relationships
Key words: programmed-teaching, teachlng quality, teachmg technology

A Terapia Comportamental, ao afirmar-se como prática clinica no nosso pais, e a


Associação Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental, ao instituir-se como
um espaço de agrupamento e identificação para os analistas do comportamento,
estabeleceram condições indispensáveis para a própria sobrevivência da análise do
comportamento no Brasil.
O poder de aglutinação e de atração desse campo de ação é admirável.
A produção literária desse segmento de pesquisadores e profissionais expandiu-
se num ritmo surpreendente.
Tudo isso desperta o orgulho e a esperança de todos aqueles que desde os anos
60 vêm dedicando-se ao estudo da Análise Experimental do Comportamento, tentando
firmá-la como uma abordagem promissora na área de conhecimento da Psicologia neste
pais.
Urge fazer o mesmo no campo da educação. Os obstáculos, as dificuldades e os
desafios a serem enfrentados serão imensos. Também o foram no caso da Terapia

316 Adólia M iirl.i Stinlos Tcixcir.i


Comportamental. Aqueles que transitam na área há, pelo menos, três décadas partilharam
uma história que lhes permite identificar a complexidade, a relutância e especialmente as
complicações e objeções envolvidas nos investimentos correspondentes.
A Análise Experimental do Comportamento, firmada em evidências empíricas,
projeta-se como quadro conceituai, de alcance ainda não delimitado, que permite descrever,
explicar, predizer e controlar uma diversidade de eventos comportamentais individuais,
sociais e culturais. Sua aplicação na educação ó tão óbvia e direta que seu proponente e
maior representante, até o momento, B.F. Skinner, analisando a ineficiência do sistema
educacional, vislumbrou, em 1958, dois produtos para torná*lo eficiente: Instrução
Programada e Máquina de Ensinar. Posteriormente, além de muitos artigos sobre educação,
legou-nos o livro Tecnologia de Ensino, no qual descreve procedimentos para a construção
de programas de ensino, sinaliza os requisitos e as possibilidades do uso de máquinas na
educação e discute a repercussão derivada da inserção desses instrumentais no sistema
educacional de um modo geral (SKINNER, 1958; 1968/1972).
Desde então, a grande demanda da educação focaliza a busca de sua efetividade.
Historicamente, esta demanda retroage às décadas de 20 e 30. S.L. Pressey
(1926/1960; 1927/1960; 1932/1960), discutindo o mesmo problema, pressentiu uma
"Revolução Industrial" na educação através da utilização de máquinas especiais que
permitiriam testar e avaliar desempenhos, ensinar e automatizar o ensino. No Brasil, nos
anos 30 e 40, intelectuais "escolanovistas" e “católicos” ocuparam-se da mesma questão
ao discutirem as relações entre Pedagogia e Psicologia Experimental. Neste caso,
estabeleceram um confronto entre as teorias pragmatistas americanas e os postulados
de ideal filosófico acerca do homem e da sociedade (Massimi, 1999).
O projeto de Pressey sucumbiu em parte devido à inércia cultural. O ambiente
educacional não se encontrava preparado para sua incorporação. Faltava-lhe também um
quadro conceituai compatível com os requisitos envolvidos no processo de aprendizado e
com as exigências impostas na composição de programas de ensino. As discussões no
Brasil fomentaram sempre o debate dos anos 30 e 40, apesar da diversificação dos
protagonistas envolvidos. As propostas de Skinner prosperaram de maneira significativa,
nos anos 60 e 70, em diversos países, incluindo o Brasil, em vários níveis de ensino, em
diferentes campos de conhecimento e em inúmeras instituições, sugerindo a iminência de
uma verdadeira Revolução Educacional. A construção de programas de ensino
diversificou-se em vários formatos de ensino programado. O PSI - Sistema de Instrução
Personalizada - desenvolvido por F.S. Keller, C.M. Bori, J.G. Sherman e R. Azzi difundiu-
se tanto quanto a Instrução Programada (Keller, 1968; Sherman, 1974 e Bori, 1974).
Todavia, a suposta Revolução Educacional não se consolidou nem mesmo nos Estados
Unidos. Em seu último livro, Questões Recentes na Análise Comportamental, Skinner
reconhece que a instrução programada não encontrou seu lugar nas escolas, encontrando-
o, no entanto, nas indústrias que continuaram investindo em programas instrucionais de
maneira significativa (Skinner, 1989/1991).
Esse fracasso do ensino programado causa perplexidade especialmente porque
sua efetividade jamais foi posta em dúvida (Silverman, 1978). Os programas funcionam de
fato, porque mostram os efeitos do ensino. Essa efetividade é tão reconhecida e comprovada
em tantos trabalhos que, de acordo com o autor, dificulta sua documentação. Os críticos
da instrução programada nunca argumentam que ela não ensine. No entanto, o volume de

Sobre Conipoiltim rnlo t Cotfnivtlo 317


críticas sugere que a pesquisa sobre eía náo é extensiva e conclusiva o suficiente para
falar por si mesma.
O advento do computador introduziu um novo ritmo nas questões referentes ao
ensino mecanizado (viabilizado através de máquina), à construção de programas de ensino
(sottwares educacionais) e à efetividade da relação ensino/aprendizado (efeitos do ensino
proposto).
Skinner (1989/1991) reconhece que o computador constitui a máquina ideal para
o ensino. Sherman (1992) concorda com a introdução e recomendação de uso de CBI
(Computer-Based Instruction) nas escolas americanas para enfrentar o reconhecimento
quase unânime do fracasso do ensino naquele país. Sherman considera que esse sistema
focaliza diretamente a instrução, num modelo mais adaptativo do que linear; é interativo e
contempla as condições de contingência de três termos. No entanto, alerta que o CBI
poderá tornar-se apenas um recurso adicional da situação de ensino, se utilizado somente
na realização de algumas tarefas ou exercícios específicos. Isso permitiria aos professores
continuarem fazendo o que sempre fizeram no seu trabalho. Assinala que o PSI requer
uma drástica mudança no papel do instrutor. O professor faz as perguntas, os alunos
respondem e o professor conseqüencia o desempenho dos estudantes. A ausência destas
características afastaria o CBI das propostas de ensino programado.
Além disso, computadores deverão ser especialmente planejados para fins
educacionais, contendo dispositivos indispensáveis para a relação que deverá ser
estabelecida entre o aprendiz e o professor através da máquina, de acordo com o quadro
conceituai da análise do comportamento.
M. Dertouzos (1997/1998), diretor do Laboratório de Ciência da Computação do
MIT (Massachusetts Institute of Technology), discute a crescente utilização de computadores
na educação. Diversos projetos de pesquisas em curso nos Estados Unidos tentam
aproveitar a tecnologia informática para aperfeiçoar o ensino desde 1960.
Vários programas visam as atividades escolares realizadas em casa. Através do
computador, os professores podem distribuir tarefas, registrar notas e receber trabalhos
de alunos. Através da Internet, os pais têm acesso às obrigações de seus filhos. Um
serviço de “hipe rdocu m en tos” - “ Homework Helper” - disponibiliza material
diversificado, especializado e organizado para o aluno. Numa abordagem do tipo "aponte-
e-clique", o estudante ordena seu aprendizado. Isso representa “uma mudança significativa,
em relação à organização linear do conhecimento, usada há séculos nos livros”{p. 230).
Os programas “ Instrumento de Análise” auxiliam na busca de soluções de problemas
numa abordagem do tipo “funciona assim". Apesar de tudo isso, os educadores não
reconhecem benefícios para a educação, além das vantagens operacionais desses
sistemas. Acessar o que desejar, conviver com múltiplas informações, encontrar respostas
para desafios escolares não garantem a aquisição, a compreensão nem a utilização futura
das informações obtidas. O autor pondera sobre a importância de um professor dedicado
para suprir tais deficiências.
Existem também os "Simuladores", usados em treinamentos mais sofisticados,
que colocam aprendizes em contato com situações "realísticas”, através de equipamentos
conectados em computador. A simulação vem sendo considerada um dos melhores
recursos informatizados para a educação, porque reforça, de fato, o treinamento das
pessoas. No entanto, há limitações nesses programas. O autor se indaga se essa proposta

318 A d élia M .iri.i Siinlos Teixeira


ultrapassaria o componente mecânico do treinamento. Situações simuladas não podem
contemplar a diversidade de possibilidades da situação natural, especialmente no que se
refere à variação dos ingredientes de relações interpessoais. O computador apresenta
limitações. Não dispõe da versatilidade necessária para reproduzir as sinalizações
necessárias para preparar um treinando para reagir de modo eficaz em qualquer situação.
O autor sugere que o aprendizado proposto na simulação pode ser efetivado com o
envolvimento de um professor, uma pessoa ou mais, numa ponta, e o aprendiz, na outra.
Reconhece, no entanto, que além de encarecer muito o programa, não garante ainda
todas as possibilidades.
Os “ Instrumentos de Síntese" ou "Instrum entos de Design” orientados para
a criatividade podem ajudar a projetar objetos reais e virtuais. Os programas fornecem
sugestões proveitosas e relevantes para a solução de problemas em atividades produtivas.
Tarefas simples como montar currículo, escrever cartas, montar aparelhos de rotina já
dispõem de programas que realizam todas as tarefas. No futuro, a "criatividade assistida
pelo computador” será tão aceita quanto o "design assistido pelo computador'’. No entanto,
o autor afirma que
"Isso não ajuda o desenvolvimento da criatividade ou da capacidade de aprender
[...] Esses instrumentos de síntese mecaniclstas não sâo multo úteis para o ensino, e
devem servir basicamente como auxiliares subordinados, apoiando instrum entos de
aprendizado melhores e nossa atividade criativa, realizando apenas o trabalho de rotina
necessário antes de saírem do caminho." (p. 235)

Existem ainda os "Orientadores Autom áticos” . Esses programas constituem


uma extensão dos "Instrumentos de Síntese" e sua contribuição pode ser personalizada,
atendendo necessidades individuais. Estabelecem uma relaçáo com o usuário, através de
perguntas e interações, a partir das quais podem formar um “mapa" de suas forças e
fraquezas. Apresentam, então, problemas específicos que exercitam os aprendizes e
permitem a superação de suas dificuldades.
Há também os Professores Automáticos. A implementação desses programas
é mais difícil, pois precisam de inteligência para serem eficazes. O aluno aprenderá sozinho
em contato com o computador. Algumas versões simplificadas podem ser úteis do ponto
de vista pedagógico e psicológico. Projetos orientados para alfabetização (Touch'n Tutor)
têm logrado êxitos. De acordo com o autor, instrumentos informatizados de alfabetização
terão sucesso garantido no futuro.
Uma variante simplificada desse tipo de programa - "Assistente de Ensino on
Line” - arquiva respostas prontas para perguntas freqüentemente formuladas em diferentes
disciplinas. Quando não dispõe de resposta para alguma questão dos usuários, aciona
um assistente de ensino humano que pode estar em qualquer lugar. Uma vez resolvido o
problema, a nova resposta é arquivada no programa para uso futuro. Há muitas variantes
nesse tipo de projeto: algumas podem sugerir opções quando o aluno se vê sem saída ou
toma uma direção equivocada; outras utilizam personagens virtuais que permitem interações
variadas e inesperadas. Neste caso, o elemento surpresa e o cenário realista reforçam o
aprendizado. Embora eficiente, é um projeto de alto custo financeiro. Outros programas
dispensam aulas. Os alunos trabalham num estúdio de computação, interagindo entre si
e com o software.
De acordo com o autor, a aplicação mais promissora é a do "Aprendizado
Automático” . O aprendiz trabalha sob a orientação de grandes conhecedores do assunto,

Sobre Compor liimenlo c Coflniyilo 319


vivos ou mortos. Estes personagens virtuais, sintetizados no computador, apontam pontos
fortes e fracos dos projetos dos usuários, recomendando-lhes aperfeiçoamentos e opções.
Esses programas exigem uma compreensão quase humana por parte do computador, o
que os torna muito difíceis para serem desenvolvidos. Apesar das limitações dos
conhecimentos sobre a cogniçào humana, o programação está avançando lontamente o
os pesquisadores estão conseguindo criar modelos de raciocínio simples para situações
específicas. Tudo isso pode manter a esperança na efetivação do "Aprendizado
Autom ático” que estimulará grandes mestres a deixarem grandes registros de suas
experiências contribuindo para a “ imortalidade virtual" e para o surgimento, talvez, de
um novo conhecimento capaz de codificar e descrever "eventos de um modo que nem a
linguagem falada nem a científica conseguem"(p. 238).
Dertouzos (1997/1998), após anos de convivência com resultados contraditórios,
considera que os programas pautados na tecnologia informática devem contribuir mais
para a saúde do que para a educação, devido á escassez de verbas, à flexibilidade social
e às pesquisas não conclusivas. Sustenta, no entanto, sua esperança na tecnologia
informática, considerando-a como primeira Revolução Sócio-Econômica da história a
oferecer tecnologias diretamente ligadas ao processo de aprendizado. O novo mundo da
informação
“está diretamente vinculado às questões centrais da educação, na aquisição,
organização e transmissão de informações, bem como na simulação de processos que
representam o conhecimento e na utilização de instrumentos [...] para mediar as relações
entre alunos e professores, e dos alunos entre si." (p. 239)

O mercado da informação mudará completamente o papel das escolas,


universidades e da comunidade educacional. Ocorrerá uma expansão simultânea do
mercado de ensino para as escolas e do mercado escolar para os estudantes. 0
ensino á distância já é realidade e a escola virtual já se insinua como possibilidade.
De acordo com o autor,
"no grosso da educação, poróm, abordagens de aprendizagem à distância não
funcionam tão bem como nos sistemas tradicionais. A educação ó muito mais do que a
transferência de conhecimento dos professores para os alunos. " (p. 240)

Despertar a vontade de aprender, dar exemplo e criar vínculos são fatores


fundamentais para o sucesso do aprendizado. A tecnologia informática não satisfaz estas
necessidades básicas. Dessa forma, a dedicação e a capacidade dos professores
permanecerão como os instrumentos pedagógicos mais importantes. O reconhecimento
social da capacidade que o mercado da informação tem para aprimorar o ensino não
abalará esse julgamento.
A discussão, a seguir, terá como objetivo estabelecer uma relação entre ensino
programado e qualidade de educação.
O material de sustentação selecionado para este trabalho sugere que tudo continua
como sempre esteve. O problema da inefetividade da educação permanece no banco do9
réus. O corpo de jurados, composto de educadores e cientistas, em romarias sem rumo,
ignora ou desqualifica a programação de ensino proposta por Skinner. Enquanto isso, a
inefetividade do ensino circula livremente.
As sugestões de solução para a produção de um ensino efetivo são sempre as
mesmas. Há necessidade de mais verba para a educação e para a pesquisa correspondente.

320 A iic lid M a riti Stinlos TeixciM


Há necessidade de construção de mais escolas para absorção da demanda por educação.
Há necessidade de treinamento dos professores. Há necessidade de aquisição de
equipamentos. Há necessidade de material instrucional diversificado e atraente. Há
necessidade de mais estudo por parte do aluno.
Tudo isso ó importante. Todavia, contemplar essas sugestões não constitui garantia
de melhoria do ensino. Tudo isso pode acontecer sem qualquer alteração na efetividade e
qualidade do modelo educacional vigente.
A introdução de recursos áudio-visuais nas escolas foi recebida como um adjutório
que tonaria o ensino mais efetivo e irresistível para o aluno. Isso não se confirmou. Os
resultados do ensino não se alteraram de maneira satisfatória. O advento do computador,
aplaudido e venerado por todos, poderá reproduzir a mesma trajetória.
Efetividade e qualidade de ensino, embora relacionadas, se distinguem. A primeira
refere-se á produção de resultados previstos. A segunda refere-se à natureza dos resultados
produzidos. Ambas fazem sentido apenas quando garantidas para toda a população de
alunos. Dessa forma, a educação demanda efetividade e qualidade e sua avaliação deve
pautar-se em ambas.
Skinner (1958) foi muito claro ao afirmar que a solução do ensino inefetivo localiza-
se na questão de método, ou seja, o foco do problema ó a situação envolvida no ensinar
que terá de ser reformulada. Apoiado em evidências de pesquisas sobre a aprendizagem,
desenvolvidas na Análise Experimental do Comportamento, propôs a programação do
ensino a partir dos princípios derivados dela.
Desde então, e especialmente após o surgimento da Psicologia Cognitiva nos
anos 60, iniciou-se um grande debate, que ainda perdura, sobre o quadro conceituai,
sobre a mecanização introduzida na educação e sobre a linearidade prevista no planejamento
do ensino, subjacentes à sua proposta.
Pode-se notar que as pesquisas recentes de aplicação da tecnologia informática
na educação reproduzem as mesmas discussões. Privilegiam o quadro conceituai da
Psicologia Cognitiva e a não linearidade dos programas. Destacam a relevância da figura
humana do professor na situação de ensino. Conforme Dertouzos (1997/1998), seus dados
são contraditórios e inconsistentes e os programas de ensino desenvolvidos apresentam
limitações e não atingiram patamares de efetividade satisfatórios.
Dentro deste cenário, é natural que o autor declare que tecnologia informática
"talvez nâo contribua tanto para o ensino quanto para a saúde..." (p. 238).
Essas discussões parecem-me desprovidas de utilidade.
Em p rim e iro lugar, a aprendizagem constitui o tema central da educação e do
ensino. Por conseguinte, as descobertas científicas, a respeito, estão envolvidas nos
problemas correspondentes. Descartá-las comprometerá os resultados do ensino proposto.
Em três décadas de trabalho, Skinner descobriu tudo o que podia e estabeleceu a Análise
Experimental do Comportamento. É claro que contou com muitos colaboradores nesse
empreendimento.
Pode-se perguntar: em quarenta anos de produção, que produto da Psicologia
Cognitiva se compara à Análise Experimental do Comportamento? A Teoria da Informação?
A Inteligência Artificial? A Ciência Cognitiva?

Nobie C om portam ento e Coflniv.lo 321


Skinner (1975, 1989/1991 e 1990) analisa, discute e avalia essas vertentes da
psicologia cognitiva.
A teoria da informação não pode prescindir dos princípios de aprendizagem
derivados da A n álise E xperim enlal d o Comportamento. D e acordo com Skinner (1990), os
m odelos cie processam ento de inform açã o fazem nítida d iferença entre sensa ção e açâo.
No entanto, "sensação é tão produto de variação e seleção quanto a ação. Ela é uma
parte da açâo"(p. 1207). A lém disso, a conexão entre informação e ação requer história
passada de reforçamento (1989/1991).

Não existem evidências de correspondência entre inteligências artificiais e


humanas. Os estudos sobre computadores pretenderam equiparar sua forma de operação
à do pensamento humano. Presumia-se uma analogia entre o programa interno do
computador e o patrimônio genético de um organismo pensante. A esse respeito, Skinner
(1975) comenta que nada do que uma pessoa faz ocorre na mente e declara que nada se
demonstrou ainda quanto à possibilidade de uma realização exclusivamente subjetiva.
No campo da inteligência artificial, máquinas inteligentes (organismos artificiais)
seguem regras, inclusive novas regras derivadas de outras. Skinner (1989/1991) ressalta
que esses organismos fazem somente aquilo que são ensinados a fazer. Existem alguns
modelos que permitem o controle do desempenho da máquina por conseqüências, A
psicologia cognitiva, no entanto, prefere os estudos de máquinas inteligentes que operam
seguindo regras.
Conforme Skinner (1990):
"Simulações nâo sâo de interesse particular para os analistas do comportamento.
As coisas Interessantes da vida vêm da casualidade da variação e seleçõo ‘e isto nâo
ocorre' na construção da máquina.'' (p. 1208)

Além disso, convém lembrar que seguir regras é comportamento, e regras


descrevem contingências de reforçamento.
A ciência cognitiva é um produto da união de psicólogos cognitivistas e cientistas
do cérebro.
De acordo com Skinner (1989/1990), os psicólogos cognitivistas dessa vertente
procuram, no cérebro, respostas para sua questão básica: o que são os processos mentais?
Parecem querer dizer que "a mente é o que o cérebro faz"(p. 94)
No entanto, "o cérebro inicia comportamento como se diz que a mente e o e u o
fazem?"O cérebro, como parte do corpo, é parte do que o corpo faz e, como tal, é parte
do que deve ser explicado. As questões sobre a origem do corpo-com-cérebro e sobre
suas alterações a todo momento não poderão ser respondidas focalizando-se apenas o
próprio corpo-com-cérebro, quer através de observações introspectivas, quer através de
metodologias fisiológicas (Skinner, 1990:1206).
Skinner (1990) declara ainda:
"Quanto mais sabemos sobre o corpo-com-cérebro como máquina bioquímica,
tanto menos interessante torna-se sua posição no comportamento. Se existe liberdade,
ela deve ser encontrada na casualidade das variações. Se novas formas de comportamento
sâo criadas, elas o sâo pela seleção." (p. 1208)

322 A dóliii M ana Santos Teixeira


Apesar de tantas limitações, a psicologia cognitiva impregnou a área de
conhecimento da Psicologia. Tornou-se a base científica de seus vários campos de estudo
e de atuação profissional. Da mesma forma, incorporou e apropriou-se da pesquisa e do
trabalho em educação.
Skinner (1989/1991) reconhece um certo brilho nas realizações experimentais da
psicologia cognitiva. Coloca em dúvida o cumprimento de suas promessas originais e não
considera suas contribuições notáveis. Registra que a Psicologia não desenvolveu uma
tecnologia forte nem foi capaz “de oferecer uma concepção útil de seu objeto de estudo".
Afirma que "determinantes internos atravancam o caminho da ação efetiva"{p. 96).
Diante disso, considera-se conveniente aventar a possibilidade de uma opção
pragmática entre paradigmas disponíveis na Psicologia, como usualmente ocorre em outros
campos da ciência.
Em se gu n d o lugar, todos já sabem que a mecanização chegou na educação.
As questões que se colocam são: até que ponto o ensino poderá ser mecanizado e até
que ponto poderá prescindir da figura humana do professor? Os limites da mecanização
do ensino não estão estabelecidos ainda. No entanto, pode-se admitir que terão uma
amplitude muito menor do que a vislumbrada hoje. O professor não será afastado do
ensino. Sem a sua participação, psicólogos, pedagogos, físicos, matemáticos e
profissionais de computação não serão capazes de produzir programas efetivos de ensino.
Suas atividades, no entanto, serão alteradas. Participarão ativamente da construção de
programas de ensino, da análise de desempenho dos alunos nos mesmos e do processo
de reformulação contínua que esses programas demandarão. Com isso, sua formação
profissional será modificada. Ressalta*se ainda que habilidades sócio-emocionais não
poderão prescindir de interações humanas reais para sua aquisição. O ambiente sócio-
emocional natural não pode ser reproduzido, na sua diversidade, em simulações virtuais
ou em programas interativos de qualquer tipo. O professor, portanto, sempre terá seu lugar
na educação e no ensino.
Em terceiro lugar, a linearidade na construção de programas de ensino, sugerida
por Skinner (1958), tem provocado muito debate entre pesquisadores e educadores. A não
linearidade está em moda. A história, no entanto, tem mostrado que ciência e moda não
se correlacionam necessariamente. Conforme já citado, Dertouzos (1997/1998) exalta
programas informatizados que "representam uma mudança significativa, em relação à
organização linear do conhecimento, usada há séculos nos livros"(p. 230). A linearidade,
constatada há séculos no material instrucional, sugere que essa prática foi selecionada
socialmente por educadores e, como tal, deve embutir alguma funcionalidade. Os programas
lineares de ensino, sugeridos por Skinner (1958), derivam de requisitos do próprio processo
do aprender. Isso não impede, todavia, o uso de ramificações, quando necessárias, nos
mesmos, conforme declarado pelo mesmo autor. A questão crítica é estabelecer um alvo
de ensino e percorrer um caminho que possibilite seu atingimento. Ao ramificar um programa,
o programador não poderá perder de vista o percurso necessário para o cumprimento de
seu objetivo de ensino. Percurso e efetividade se relacionam. Desconsiderá-lo impede o
entendimento dos resultados derivados do programa e desqualifica a pesquisa a respeito.
A linearidade contempla procedimentos mecanicistas e muitos estudiosos se
melindram com isso.

Sobre Comporl.imenlo c C\>umv*lo 323


Entretanto, parafraseando Skinner (1971), o educando não funciona linearmente ou
se transforma num autômato porque submeteu-se a programas de ensino lineares como "o
homem nâo se transforma numa máquina porque analisa seu comportamento em termos
mecânicos” (p. 202).
Vale lem brar, ainda, que os brilhan tes c rític o s da line arid ade sâ o produtos de
ensinos norteados por ela.
Finalizando este trabalho, destaco o aspecto que, na minha avaliação, constitui a
contribuição crítica do ensino programado. O produto final, ou seja, os resultados deste tipo
de ensino, não se distribuem numa curva de Gauss (Keller, 1968; Teixeira, 1983,1987). Os
requisitos para avançar nos programas, pautados na demonstração de padrões de excelência
de desempenho nas aquisições anteriores, garantem o cumprimento pleno dos objetivos do
ensino em toda a população de aprendizes. Os resultados nas avaliações de aquisições
neste tipo de ensino projetam-se numa curva em Jota (J). Todos aprendem o que se pretende
ensinar. Isso corresponde à efetividade do ensino programado e, por si só, já embute um
componente de qualidade. Todavia, o tempo requerido para tanto pode se distribuir numa
curva de Gauss. Conforme declarado por Dertouzos (1997/1998), essa efetividade não está
identificada, até gora, nos programas de ensino desenvolvidos pela tecnologia informática.
Convém ressaltar o equivoco contido na tentativa de ajustar a aprendizagem à
tecnologia informática. Esta ó que deverá ajustar-se às imposições da primeira. A demanda
de inteligência não se dirige ao computador. Dirige-se ao programador.
Perdura a questão da qualidade do que é ensinado. Naturalmente, todos os
programas embutem os padrões de qualidade perseguidos por seus autores.
No entanto, a solução desta questão, ainda muito obscura, remete à necessidade
de pesquisas a respeito. Torna-se necessário o desenvolvimento de metodologias e
procedimentos que permitam análises comparativas entre programas. A natureza do que
ó ensinado precisa ser avaliada de maneira extensa e conclusiva. Os objetivos visados e
as atividades envolvidas nos programas precisam ser analisados qualitativamente.
Estabelecidos os padrões de qualidade, o ensino programado dispõe dos recursos
necessários para sua efetivação.
Sua implementação envolve o planejamento do ambiente educativo. Como tal,
responde às demandas tradicionais da educação relativas a instalações físicas, treinamento
de professores, aquisição de equipamentos e material instrucional adequado. Além disso,
estimulará a pesquisa concernente.
Considero, portanto, este tipo de ensino - ensino programado - uma contribuição
notável da Análise Experimental do Comportamento para o atendimento das demandas da
educação. Estas demandas e esta abordagem conceituai estão intimamente relacionadas.
Considero ainda o ensino programado como um requisito para a qualidade da educação e
do ensino, já que dispõe dos recursos para a consecução de propósitos de qualidade que
não estão disponíveis em outros quadros conceituais da Psicologia.
Os analistas do comportamento são os profissionais de Psicologia mais bem
preparados para promover uma educação efetiva e de qualidade. A tarefa será árdua, com
bloqueios e dificuldades já descritos por Skinner (1989/1991) e Sherman (1992).
No entanto, este ó o desafio que deverá ser enfrentado por aqueles que pretendam
fazer sua inserção no campo da educação e do ensino.
Urge que o enfrentemos.

324 Adclia M .iria Santos Teixeir.i


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Sobic Comporliimenlo c CojjniVilo 325


Capítulo 38
Reintegração social do dependente de
drogas pós-tratamento em ambiente
protegido
José Antônio Zago
Psicólogo do Instituto liairraldc Psiquiatria - Itapira-SP

Sâoapresentadasediscutidasascondiçõesnecessáriasparaareintegraçãosocial dodependentedeálcool edecocaína


crack após ti«lamentoemambienteprotegido(comunidade terapêutica). Essas condiçóes foramlevantadas apartir de
estudos de pacientes quefalharamnatentativadereintegraçãosocial. Pacientescommais de uma Internaçãonavida
representaram53,04%deumaamostraobtidanumacomunidadeterapêuticaparadependentesdesubstânciaspslcoativas.
Nessescasos, crençaserrôneasouesquemascognitivossolidamenteconstruídosnodecorrerdouso, abusoedependência
dedrogasimpedemquetentativasdemudançatenhamêxito.
A conscientizaçãodessascrençasrequerquesejamrespeitadasascondiçóescognitivasdopaciente, geralm enteprejudicadas
pelaintoxicaçãodasubstênciapsicoativa As mudançascomportamentaissfloresultantesentAodaconsclentl/açAodessai
crenças paraatomadadedecisAovisandoà abstinênciatotal. A abstinênciatotal eoseguimentodotratamentoambulatorial
sAoascondiçóesnecessáriasparaareintegraçAosocial dodependentededrogas.
Palavras-chave: alcoolismo, dependênciadecocaínacrack, comunidadeterapêutica, abstinência, reintegraçAosocial.
Theyarepresentedanddlscussedthenecessarycondltionsforthedependenfsofalcohol social reintegrationandofcocaine
crack after treatment Inprotected envlronment (therapeullc communlty). Thosecondltions were llftod up startlng from
patients' studles that failed Inthe attempt of social reintegration Patient with more than an Internment Inthe llfe they
represonted53,94%of asampleobtainedInatherapeuticcommunityfor depondentsof psychoativesubstances. Inthose
casos, erroneous falths or cognitive schemes solldly built inelapsmgof the use, abuse anddependortce of drugs they
impedethat changeattempts havesuccess.
Theunderstandlngof thosefalthsrequests that thepatient scognitivecondltions arereapected, generally harmedbythe
Intoxicatlonof thepsychoativesubstance. Thebehavior changes isthenresultingof theunderstandingof thosefalthsfor
thetakingof declslonseeklngtothetotal abstinence. Thetotal abstinenceandthofollowlngof thetreatment asoutpatient
arethenecessaryconditionsfor the social reintegrationof drugdependem*.
Keywords: alcoholism, cocainecrackdependence, therapeuticcommunity, abstinence, social reintegration.

O objetivo deste texto é apresentar e discutir sobre as condições antecedentes e


fundamentais da reintegração social do dependente de substâncias psicoativas após o
tratamento em ambiente protegido, especialmente do dependente de álcool, cocaína, ou
a cocaína na forma fumada, o crack.
O tratamento em ambiente protegido (comunidade terapêutica) para dependentes
de drogas, voluntariamente internados, desenvolve-se nos planos individual, socioterápico
e sôciocomunitário visando três objetivos: a recuperação corporal, a conscientização e as
mudanças comportamentais.
Para atingir esses objetivos são utilizados recursos como avaliação diagnóstica,
reuniões comunitárias diárias, grupos terapêuticos, terapia ocupacional, psicoeducação,
atividades culturais e recreativas, entrevistas individuais, entrevistas com famílias e tarefas
e comissões comunitárias.

326 losí Antônio A itfo


Por meio desses recursos, a equipe técnica multidisciplinar estimula o paciente a
compromissar-se com sua proposta de mudança, ou seja, uma tomada de decisão para
transformar seu projeto suicida em projeto de vida.

O C o n c e ito d e c o n s c ie n tiz a ç ã o

A recuperação física ou desintoxicação, que se inicia com a interrupção do consumo


da substância, é um processo gradativo para eliminar os efeitos da intoxicação da substância
psicoativa do organismo. Um conjunto de estratégias terapêuticas, a partir de avaliações
criteriosas (clinica, psicológica, psiquiátrica e neurológica), visa acelerar esse processo
suprindo ou trabalhando as necessidades biológicas, psicológicas, comportamentais e
neurológicas do paciente, tais como o controle e a remissão da síndrome de abstinência,
a melhoria do quadro geral como a desnutrição, a melhoria do padrão de sono, a redução
da ansiedade, entre outros.
Destaca-se que não é rara a comorbidade, ou seja, a associação de outro transtorno
com o quadro de dependência que evidentemente deve ser cuidado. A dependência de
álcool pode estar muitas vezes associada com a depressão maior, a esquizofrenia ou
transtornos ansiosos, tornando^e muitas vezes difícil, se tais transtornos precedem ou
precipitam o consumo de alcoólicos (Swift,1999). Já a dependência de cocaína pode estar
associada com transtornos do humor, alcoolismo e transtorno de personalidade anti-social,
tanto como transtorno atual, quanto durante a vida (Francês e Franklin Jr., 1992).
A conscientização do paciente deve ser iniciada simultaneamente com a
desintoxicação. Por conscientização, entendemos a mudança de um esquema cognitivo
para um outro que produza mudanças na visão de mundo do sujeito e, conseqüentemente,
no seu comportamento.
O próprio fato de o paciente internar-se voluntariamente, já significa que ele tem
alguma aceitação de seu problema. Entretanto, a tarefa da equipe multidisciplinar é
aprofundar esse nível de entendimento do paciente, encorajando-o a repensar sobre sua
vida e planejar mudanças em seu comportamento.
Para isso, ó necessária a utilização dos recursos terapêuticos disponíveis que
objetivam despertar no paciente a prontidão para reconhecer suas dificuldades e perdas
decorrentes da dependência e de encorajá-lo à abstinência definitiva ou total. No entanto,
alguns cuidados devem ser observados no processo de conscientização.
Estudos têm demonstrado a presença de vasculites, hemorragias subaracnóides,
enfartos cerebrais e alterações no fluxo sangüíneo cerebral em abusadores e dependentes
de cocaína (Volkow, Mullani, Gould, Adler e Krajewski, 1988; Kaye e Fainstad, 1987).
Cerca de 50% a 60% de alcoolistas apresentam déficits cognitivos decorrentes
do alcoolismo, com resultado em testes cognitivos pior do que o esperado, e para o qual
foram excluídas todas as outras causas de demência, podendo esse estado persistir por
três a quatro semanas após a interrupção do uso crônico do álcool. Esses prejuízos,
constatados em testagens neuropsicológicas, são mais intensos nas funções cognitivas
de memória, forma de pensamento e alterações perceptivas (Scivoletto e Andrade, 1997).
De acordo com Lishman e cols. (1980), a atrofia cortical foi constatada por tomografia
computadorizada em 60% dos alcoolistas crônicos, apesar das correlações entre o grau
de atrofia e déficit cognitivo serem limitadas (conforme citado por Scivoletto e Andrade, 1997).

Sobre Comportamento e Co^Dição 327


Em uma pesquisa com dependentes de cocaína-crack em tratamento na Clinica
Mirante do Instituto Bairral de Psiquiatria, Itapira - SP, ambiente protegido que funciona
nos moldes de comunidade terapêutica, com 53 leitos, dos quais 50%, em média, são
ocupados por dependentes de substâncias psicoativas, foi comparado o desempenho de
30 voluntários no teste G-36 de inteligência não-verbal de Bocallandro (1966). Para Tyler
(1971), embora os testes de inteligência sejam passíveis de várias criticas, eles podem
fornecer subsídios quando utilizados como instrumento auxiliar de trabalho.
Quinze pacientes foram submetidos ao teste na primeira semana de internação,
supondo que esses sujeitos estavam intoxicados (grupo experimental); e 15 foram
submetidos ao teste com quatro semanas de abstinência, portanto desintoxicados (grupo
controle). Conforme apresentado na figura 1, os sujeitos do grupo controle tiveram melhor
desempenho do que o grupo experimental. Comparando os resultados de cada sujeito de
cada grupo, é verificado que no grupo controle três sujeitos apresentaram escores abaixo
do percentil médio (50), enquanto que no grupo experimental, oito sujeitos não atingiram o
referido percentil. Um sujeito de cada grupo obteve o percentil máximo (95).
95
90
86
80
75
70
65
00
, 55 grupo controle
grupo experim ental
S. 40
35
30
25
20
15
10
5
0
0 1 2 3 4 5 8 7 8 9 10 11 12 13 14 15
• upito*

Figura 1: Resultado comparativo do percentil de cada sujeito em ordem


crescente de desempenho no teste de Inteligência não-verbal (G 36).
Konle Autor/Instituto Bairral ám Psiquiatria

Num estudo de seis casos de alcoolismo crônico com atrofia cortical ou sub-
cortical decorrente, após quatro semanas de tratamento em ambiente protegido, apesar
da boa evolução aparente de cinco casos, quatro casos obtiveram escores abaixo da
média em um teste de inteligência não-verbal e num teste de memória retentiva, em
comparação com a população normativa de cada teste. Um achado foi a relação entre o
tempo de uso de álcool e o desempenho nos testes, ou seja, os sujeitos de mais idade e
com mais tempo de história de alcoolismo apresentaram resultados mais baixos do que
aqueles mais jovens e com menor tempo de alcoolismo, os quais obtiveram resultados
acima da média. Entretanto, com exceção de um caso, não se observou uma relação
direta entre o grau ou extensão da atrofia com os desempenhos nos referidos testes
(Zago, Salzani e Santos, 1999).
Pacientes que estavam em acompanhamento psicoterápico ou psiquiátrico
ambulatorial antes da admissão em ambiente protegido relataram a dificuldade de
elaboração dos temas tratados nas sessões de terapia. Alguns desses pacientes revelaram

32 8 losí A n tôn io Z j^ o
que consumiam a droga antes das sessóes ou depois delas. Outros, ainda, consumiam
a substância psicoativa com a medicação prescrita.Uma queixa muito comum de
dependentes de álcool e de cocaína-crack é a dificuldade de reter novas informações, isto
ô, um prejuízo da memória de fixação.
Aliado a isso, há de se considerar que tanto o alcoolismo quanto a dependência
de cocaína ou crack provocam inapetência e, conseqüentemente, na maioria dos casos,
perda de peso e desnutrição. Becker, Grinspoon e Herzog (1999) argumentaram que a
terapia individual ficaria prejudicada na anorexia por causa dos déficits cognitivos decorrentes
da perda de peso, sendo portanto contra-indicada até a recuperação significativa do peso.
Embora na dependência dessas substâncias a perda de peso e a desnutrição não atinjam
níveis iguais a um quadro de anorexia, contudo, agregadas ao uso da substância psicoativa,
devem ser consideradas como variáveis importantes quanto ao prejuízo da capacidade
cognitiva do paciente para receber, reter e elaborar as informações e orientações. Em
relação ao álcool, Francês e Franklin (1992) destacaram que as pesquisas não são
conclusivas se esses déficits se devem á ação direta da substância ou se resultantes da
desnutrição por ela provocada.
No entanto, esse prejuízo da cogniçâo, de modo geral, ó temporário. Carlen,
Wortzman, Holgate, Wilkinson e Rankin (1978) identificaram que a atrofia cortical é reversível
em alcoolistas crônicos que interromperam o uso do álcool e Volkow e cols.(1988)
constataram por tomografia computadorizada uma relativa melhora do fluxo sangüíneo
cerebral no córtex pré-frontal em usuários de cocaína após dez dias de interrupção do uso
da substância. Portanto, resultados baixos em testagens psicológicas nesse período de
recuperação não devem ser conclusivos.
Isso significa que o trabalho de conscientização deve respeitar as condições
cognitivas de cada paciente. Além do trabalho grupai na comunidade terapêutica, o contato
individual e diário com cada paciente possibilita um monitoramento de sua evolução e uma
abordagem gradativa conforme suas condições psicológicas, psiquiátricas e biológicas.
Para Miller e Sanchez-Craig (1996), essa diferenciação ou pareamento pode contribuir
com resultados mais satisfatórios da intervenção.
Outros fatores importantes de conscientização no processo de tratamento na
comunidade terapêutica são os contatos periódicos do paciente com familiares por meio
de visitas, saídas terapêuticas e reuniões conjuntas com a equipe multidisciplinar e os
contatos do serviço social com setores de recursos humanos do empregador.
Essas reuniões da equipe com os familiares e pacientes permitem trabalhar
aspectos relacionados à reintegração familiar e social, orientando sobre formas mais
saudáveis de relacionamento, de expectativas e de cooperação entre eles, enfatizando
que a responsabilidade maior de manter-se abstêmio é do paciente.
Temos também constatado que muitas empresas mantêm convênios de saúde e
adotaram a política de recuperação de seu empregado, quando da dependência de
substância psicoativa, ao invés da sumária demissão. Várias delas se mantêm informadas
da evolução do tratamento do paciente e também dispõem de serviços especializados
para o acompanhamento após a saída do ambiente protegido, propiciando que o retorno
ao trabalho ocorra sem maiores problemas de reintegração.
A conscientização é o primeiro passo para aceitar a existência de um problema
cuja solução depende da decisão do indivíduo manter-se abstêmio para rever aspectos de
sua vida, planejar mudanças no estilo de vida no sentido de provocar mudanças

Soürc Com|x>rltimi'i)lo c Counifdo 329


comportamentais concretas e identificar os desencadeadores ou estímulos-sinais
("gatilhos”) de possíveis recorrências. Aqui cabe um parênteses:
Os termos recaída, recidiva e reincidente são amplamente utilizados para sintetizar
o reaparecimento dos sintomas ou sinais de um transtorno depois de um período de
evolução favorável. Quando o transtorno é de predominância orgânica, a utilização desses
termos é correta. Entretanto, quando utilizados em referência a um transtorno como
dependência de substância psicoativa, esses termos podem aparentar uma visão
preconceituosa, contribuindo para manter a idóia de que a dependência estaria ligada a
uma falha do caráter no sentido moral. O termo recorrência parece mais fidedigno e não
impregnado de juízo de valor: ação de recorrer à substância frente a uma situação de crise
(Zago e Santos, 1997).
A recuperação não termina com o desligamento do ambiente protegido. 0
desligamento da comunidade terapêutica significa apenas que o indivíduo não necessita
mais de um ambiente protegido para se tratar, mas que o tratamento pode e deve ter
continuidade em seu ambiente normal, convivendo com a família, com a sociedade e
cuidando de seus afazeres. Essa continuidade se refere ao acompanhamento ambulatorial
de uma ou mais modalidades de tratamento, dependendo de cada caso, tais como: clinico,
psiquiátrico, psicológico, neurológico ou até a participação em grupos de auto-ajuda.

A s cre nças errône as


O problema da re-hospitalização vem se mostrando de difícil solução, mesmo em
países de Primeiro Mundo. Taxas de re-internação atingem de 55% a 75% do total de
admissões em alguns desses países. Por outro lado, pesquisas demonstraram que a
adesão ao tratamento após a alta hospitalar ó um fator importante para diminuir as re-
internações. Pacientes egressos de hospital psiquiátrico que receberam apenas placebo
apresentaram taxa de re-internação de 80%. A taxa caiu para 48% para os que receberam
tratamento medicamentoso e diminuiu para 35% quando a psicoterapia foi associada ao
medicamento (Bandeira, 1993).
Um levantamento realizado, tambóm na Clínica Mirante, teve como objetivo detectar
os pacientes de primeira internação e aqueles com mais de uma internação psiquiátrica
na vida. A amostra foi obtida utilizando a população de dependentes de substâncias
psicoativas da comunidade em três ocasiões aleatórias, num período de 12 meses. Os
dados foram obtidos por entrevistas individuais e pelos prontuários clínicos, quando do
livre consentimento de cada paciente depois de devidamente informados.
Foi obtida uma amostra de 76 pacientes, dos quais 40 (52,63%) estavam internados
por dependência de álcool e 36 (47,36%) por dependência de substâncias ilícitas. A droga
de uso da maioria dos dependentes de substâncias ilícitas foi a cocaína aspirada e/ou
crack (n=13; 36,11 %), ou associados com outras substâncias como o álcool, cannabis e
benzodiazeplnicos (n=21; 58,32%). Outras substâncias: uma freqüência para
anfetamina+álcool e uma freqüência para opiáceo (injetável)+cannabis+álcool. Apenas
um caso de droga injetável confirmou a diminuição dessa forma de padrão de uso a partir
do final dos anos oitenta e início dos anos noventa com o advento da Aids (Dunn e Laranjeira,
1996; Dunn, Laranjeira, Da Silveira, Formigoni e Ferri, 1996).
Conforme apresentado na tabela 1,14 (18,42%) dependentes de álcool estavam
internados pela primeira vez e 26 (34,21 %) já haviam sido internados mais de uma vez na

330 losé A nlôm o


vida. Dos dependentes de substâncias ilícitas, 21 (27,63%) estavam internados pela primeira
vez e 15 (19,73%) mais de uma vez na vida.
A somatória dos que estavam internados pela primeira vez (n=35) representou
46,05% da amostra, enquanto a dos pacientes com mais de uma internação na vida
(n=41) correspondeu a 53,94%. Quanto às variáveis sócio-demográficas dos pacientes
com mais de uma internação na vida, a sua maioria foi constituída por sujeitos do sexo
masculino (n=35 ; 46,05); faixa etária de 41 a 50 anos (n=17; 22,36%); solteiros (n=20;
26,31%); de ensino médio (n=26; 34,21%); empregados (n=25; 32,89%) e de religião
católica (n=31; 40,78%). É importante apontar a freqüência de mais de uma internação na
vida na maioria das categorias sócio-demográficas, com exceção de duas (< de 20 anos
(faixa etária) e Do lar (situação profissional).

Internações Total
1*. > de 1 (n * 76)
Variável Categorias n % n % n %

Droga de uso
Álcool 14 (18.42) 26 (34,21) 40 (52,63)
Drogas ilicitas 21 (27.63) 15 (19.73) 36 (47,36)

Sexo
Masculino 26 (34.21) 35 (46,05) 61 (80,26)
Feminino 9 (11.84) 6 (7.89) 15 (19,73)

Faixa etária
< de 20 anos 1 (1.31) 0 (0,0) 1 (1.31)
de 21 a 30 anos 11 (14.47) 7 (9,21) 18 (23,68)
de 31 a 40 anos 6 (7.89) 14 (18,42) 20 (26.31)
do 41 a 50 anos 13 (17.10) 17 (22,36) 30 (39.47)
> de 50 anos 4 (5.26) 3 (3,44) 7 (9.21)

Estado civil
Solteiro 19 (25.0) 20 (26,31) 39 (51,31)
Casado 11 (14,47) 14 (18,42) 25 (32,89)
Separado 5 (6.57) 7 (9.21) 12 (15.78)

Ensino
Fundamental 4 (5.26) 7 (9.21) 11 (14,47)
Médio 19 (25,0) 26 (34,21) 45 (59.21)
Superior 12 (15.78) 8 (10,52) 20 (26,31)

Situação profissional
Empregado 22 (28.94) 25 (32,89) 47 (61,84)
Desempregado 3 (3.94) 11 (14,47) 14 (18.42)
Do lar 2 (2.63) 0 (0.0) 2 (2.63)
Estudante 5 (6.57) 3 (3.94) 8 (10.52)
Aposentado 3 (3.94) 2 (2,63) 5 (6,57)

ReligiAo
Católica 31 (40,78) 31 (40,78) 62 (81,57)
Evangélica 1 (1.31) 5 (6.57) 6 (7,89)
Espirita 2 (2,63) 3 (3.94) 5 (6.57)
Outras 0 (.0.0) 1 (1.31) 1 (1.31)
Sem religiAo 1 (1.31) 1 (1.31) 2 (2.63)

"unir ÃiioiTiutííuiofUírtnl Jr Mc|ui»ÍiTi ---------


--------- ....
Tabela. 1: Análise descritiva e comparativa em freqüências absoluta* e relativas de primeira
Internação e de mais de uma na vida por droga de uso e variáveis sócio-demográficas.

Sobri1 Com|H>r1<iim*Mlo c CojjniçAo 331


Se esses dados abrangeram pessoas que até a hospitalização estavam inseridas
no mercado de trabalho, com nível médio ou superior de ensino e com família de origem
ou constituída preservada, sem entrar na questão da qualidade de vida familiar, entâo
fatores como trabalho, escolaridade e família nâo são, a rigor, determinantes da reintegração
social. Se de um lado, a re-internação pode ser entendida como nova tentativa que o
dependente fez para superar seu problema, portanto um aspecto positivo, por outro, ela
não deixou de ser um fracasso na tentativa de reintegrar-se socialmente.
Assim, trabalhando com pacientes re-hospitalizados, quer em entrevistas
individuais, quer nos grupos terapêuticos, onde o tema sobre a recorrência ó freqüente, foi
possível identificar como esses pacientes pensavam a respeito do fracasso da reintegração
social.
Constatamos que certas formas de pensar eram comuns entre eles. Essas formas
de pensar foram identificadas como sólidos esquemas cognitivos aprendidos por eles no
processo de uso, abuso e dependência, ou seja, crenças errôneas que mantinham uma
visão estreita de mundo, inviabilizando a mudança ou a superação da dependência.
Esquema cognitivo A:
O paciente aceita ficar no ambiente protegido, mas não aceita o tratamento. Fica
na comunidade sem compromisso com a mudança. Geralmente, a permanência num
ambiente protegido é uma forma de amenizar ou contornar um problema decorrente do
uso da substância, por exemplo, processo judicial por porte ou uso de droga, envolvimento
em acidentes ou agressão, melhorar a imagem com a família e com o trabalho, porque
“fazendo o tratamento irá ganhar algo em troca, prometido pelos familiares”.
Esse paciente acredita, e não aceita argumentos lógicos contrários, que as drogas
não trazem prejuízos e que os problemas decorrentes de seu uso são meros "acidentes
de percurso". Faz apologias às drogas no ambiente comunitário e tem a crença que
poderá parar seu uso quando quiser. Tem um posicionamento onipotente e não consegue
ouvir outras informações e orientações, pois simplesmente considera que não tem
problemas. O núcleo deste esquema cognitivo pode ser assim expresso: "Eu quero usar
drogas."
Isso não é detectado na admissão do paciente, onde há dissimulação tanto por
parte do paciente quanto da família, mas no decorrer do período de tempo de internação,
pois não se observam mudanças de comportamento. O paciente é alheio ao tratamento e
interfere negativamente no tratamento dos outros.
Quando a equipe percebe essa situação e, depois de várias tentativas, não
consegue motivá-lo para o tratamento, estando o paciente desintoxicado, decide por seu
desligamento do programa. Muitas vezes, o próprio paciente não conclui o programa
terapêutico.
Esquema cognitivo B:
O paciente aceita ficar no ambiente protegido e aceita parcialmente o tratamento,
isto é, admite que tem o problema, entretanto considera que pode contorná-lo sem
abandonar o uso da droga. Não é compromissado, portanto, com a mudança, mas apenas
envolvido, e cumpre as atividades do programa terapêutico. Escuta os argumentos e as
orientações, porém segue sua própria crença.

332 losé Anlônu) /d # o


Diversas crenças errôneas caracterizam esse esquema cognitivo:
a) tentativa de fazer uso controlado da substância:
b) determina um tempo para ficar em abstinência para depois voltar ao uso;
c) substituição da droga "pesada" por uma "leve", por exempio crack por cannabis; ou
d) substituição da droga ilícita pela lícita, por exemplo cocaína por álcool ou algum
medicamento que cause dependência, por exemplo benzodiazeplnicos.
Aqui o dependente de álcool tem a crença de que para ser "normal", ou seja, igual
aquele indivíduo que bebe e não tem problemas com a bebida, é preciso saber beber,
porque crê que "todo indivíduo ‘normal’ bebe alcoólicos." Muitas vezes essa crença torna-
se difícil de ser mudada por causa do comprometimento da crítica pelo uso crônico do
álcool
Neste esquema, consegue identificar desencadeadores, porém expõe-se
freqüentemente em situações de risco de recorrência numa tentativa de fazer um teste
para demonstrar que está bem. Poderá permanecer algum tempo abstêmio, mas no seu
íntimo sabe que um dia voltará a fazer uso da substância. Nesse caso, ocorrem algumas
mudanças de comportamento, contudo temporárias, porque o paciente ainda mantém a
crença errônea sobre o problema. É o paciente que mais busca justificativas para a sua
recorrência em problemas ou situações familiares, de trabalho, de vida social, etc.
Esse período de abstinência é vivenciado como demorado e custoso. A recorrência,
quase sempre, ocorre em situações de crises, tais como em momentos de triunfo ou de
fracasso. A recorrência poderá ocorrer também quando tudo estiver bem, ao sentir-se
seguro de que pode voltar a usar a substância sem problemas, causando decepção aos
que o cercam.
O núcleo deste esquema cognitivo pode ser assim expresso: "Eu posso controlar
o uso da droga."
Esquema cognitivo C:
O paciente envolve-se de maneira “obsessiva" com o programa terapêutico. É
rígido para consigo e para com os outros Identifica desencadeadores e tenta cumpri-los à
risca quando deixa a comunidade terapêutica. Segue o tratamento ambulatorial ou freqüenta
"religiosamente” grupos de auto-ajuda.
A droga é substituída de forma "obsessiva" ou compensatória por um outro
comportamento ou outra atividade, por exemplo, atividade esportiva, religiosa, partidária,
profissional, etc. Não é comum o aparecimento de um transtorno da alimentação, por
exemplo, bulimia.
No período de abstinência, que pode demorar meses ou anos, tem uma vida
insatisfeita. Essa insatisfação é devida ao fato de não aceitar em seu esquema cognitivo
que sua decisão de não usar a substância seja definitiva. Parece que ficar sem a substância
é um difícil empreendimento, pois "falta alguma coisa" e, ao mesmo tempo, tem vontade
de usá-la, mas se impede porque teme decepcionar familiares, pessoas do ambiente de
trabalho ou o próprio terapeuta. O esforço é para manter a imagem de abstêmio.
A recorrência pode ocorrer quando o paciente nào consegue mais sustentar com
a mesma ênfase inicial a atividade substituta, sentindo-se "intoxicada" por ela.

Solvc lomportrfnicMlo c C otffiitfo 333


O núcleo deste esquema cognitivo pode ser expresso dessa maneira: "Eu não
posso usar drogas”, porém como se impedido de fazer não por uma decisão própria.
O denominador comum desses esquemas é que o paradigma ou a visão de mundo
do paciente continua sendo a droga, quer pelo seu uso (esquemas A e B), quer pelo nâo-
uoo (oaquornu C).
Enquanto mantidas essas crenças errôneas, o paciente apresenta um
comportamento semelhante ao de Slsifo, rei lendário de Corinto, filho de Éolo. Nos infernos,
Slsífo foi condenado a empurrar eternamente uma pesada pedra pela encosta da montanha
que rolava sempre antes de atingir o cume.
A figura 2 sintetiza esses esquemas cognitivos ou crenças errôneas.
Cronça ErrAnaa Nuclao Paradigma Comportamento Risco da
Racorréncia

* Usar droga 6 * "Eu quero..." * A vida è 'Alheio ao tratamento na * Imediato


visto como centrada na comunidade terupâutica
natural, sobre a substância. *Nfto há mudanças de
qual se tem comportamento pôs-
A controle tratamento em ambiente
protegido. °NAo dá
seguimento a tratamento
ambulatarifll.

* "Eu posso..." * A vida é * Envolvido com o 0 Variável


* Tentativa de
centrada na tratamento na Podurâ
usar de formo
substância comunidade demorar dias,
controlada a
terapêutica, mas semanas ou
substância
dissimula que deseja inoses Mas o
continuar usando a rico de
substância pelo recorrer á
controlo, apôs um certo substância è
período do abstinência alto.
B ou substituindo por
outra
*Atê a recorrência
expõe-se a
(leaencaiiefítíoros como
forma de demonstrar
aos outros que o
problema ostá
superado.
* Nâo dê seguimento a
tratamento
ambulatorial.
0 A substância ô ' “Eu nâo * A vida è * Envolvido com o • Variável.
aubititulda do posso,.,’ centrada na tratamento, mas de Poderá
forma ausência da forma rígida A demorar
“obsessiva" por substância. atividade substituta é semanas ou
uma atividade realizada de forma menos 0 risco
(religiosa, deponderite no lugar da maior 6 quando
esportiva. substância. fica
C profissional, ‘ Comportamento de "intoxlcado"
partidária, e tc ) insatisfação porque pela atividade.
ou por "falta algo".
comportamento “Goralmente dá
(.ompentMtúrio, seguimento a
por nxomplo tratamento ambulatorial.
bi/lltnifi

Flg. 2: Esquemas cognitivo* ou crenças errônea» determinantes do recorrências o ro-hospltall/ações

334 losé A n tôn io Aitfo


Tomada de decisão e mudanças comportamentais
É consenso que a reintegração social de um paciente que deixa o ambiente
protegido depende de variáveis como seguimento do tratamento ambulatorial, re-inserçáo
na família, inclusão no mercado de trabalho, retorno à vida escolar, entre outros.
Sem minimizar a importância desses fatores, a constatação na experiência clinica
com pacientes dependentes de drogas pós-tratamento em ambiente protegido ó que,
nesses casos, há um determinante que antecede os fatores acima: a abstinência total.
Sobretudo, esse determinante viabiliza a melhoria do ambiente para o qual o paciente
retorna. A abstinência total é a condição por excelência para a reintegração na sociedade.
Para atingir a abstinência total é necessária uma mudança que requer que sejam
superarados os esquemas cognitivos ou as crenças errôneas já expostas.
Muitos que se encontram hoje em abstinência total tiveram várias re-internações.
Entretanto, puderam aprender com o fracasso e superaram essas crenças. Dal, a
importância do trabalho da equipe motivar e conscientizar sempre o paciente para a
mudança. Isso não significa necessariamente que um paciente tenha que superar uma a
uma as crenças errôneas, necessitando de várias re-hospitalizações. Há casos em que a
mudança ocorre na primeira internação, o que é o ideal.
Para a mudança ou superação da crença errônea, há necessidade de uma tomada
de decisão, a qual implica numa mudança de paradigma ou de visão de mundo. Portanto,
não se refere aqui a decisões triviais que as pessoas tomam diariamente, muitas delas
não apoiadas em um pensamento racional.
A tomada de decisão foi estudada por matemáticos e denominada como teoria
dos jogos. Há uma probabilidade calculada para cada possível conseqüência da decisão.
E a cada conseqüência é atribuído um pressuposto valor conforme seu efeito para quem
decide e para os outros, supondo que as probabilidades da decisão receberão valores que
irão fornecer subsídios para a decisão correta, a qual leva o máximo de valor ponderado a
todos os envolvidos. Então, dadas duas alternativas, para que a decisão tomada seja a
correta, é necessário que se conheça racionalmente as variáveis possíveis, entre as quais
os ganhos ou perdas, inclusive as das pessoas que serão afetadas pela decisão (Wallace,
1972).
A tomada de decisão ocorre quando o paciente compreende racionalmente sua
crença errônea ao perceber de fato que ela afeta a si e ao em ambiente que vive. Isso
implica superar o conflito entre recompensas e perdas, pois, embora o consumo de drogas
ocasione inúmeros problemas, ao mesmo tempo, elas são reforçadoras, quer por sua
ação direta no sistema nervoso central, quer pelos arranjos com o ambiente, como os
reforços secundários. A cocaína bloqueia a receptação de monoaminas, norepinefrina,
dopamina e serotonina, resultando na acumulação dessas aminas biogênicas nas fendas
sinápticas, caracterizando os efeitos reforçadores. O álcool tem seu efeito reforçador
porque atua também nos neurotransmissores como a dopamina, serotonina, receptores
morfínicos e também sobre a transmissão GABA-érgica, glutamatérgica e os canais
iônicos (Francês e Franklin, 1992; Hunt, 1993; Swift, 1999).
A figura 5 exemplifica o seguinte raciocínio de um hipotético sujeito em tratamento
avaliando as variáveis envolvidas para tomar a decisão mais correta ou racional:

Sobro Compoilamenlo c CofliliçAo 335


a). "Se usar drogas (Sim), só terei recompensas e serei feíiz com minha maneira
de ser..." (Sim). É atribuído a essa combinação o valor 100;
b). “Se usar drogas (Sim), poderei ter muitos problemas e com isso não ser
recompensado..." (Não). É atribuído a essa combinação o valor 0;
c). “Se não usar drogas (Não), somente terei recompensas ou ganhos..." (Sim).
Para essa relação ó atribuído o valor 100;
d). “Se não usar drogas (Não), poderei ter ou não ter recompensas ou ganhos,
mas evitarei para mim uma série de problemas.." (Não). É atribuído a essa combinação
intermediária um valor correspondente ao significado "evitarei uma série de problemas"
(que de certa forma ó um ganho) de acordo com o referencial de vida do sujeito. O valor
aleatório atribuído ó 30.
O processo final de tomada de decisão é a avaliação da probabilidade das
recompensas e das perdas. Se, por o exemplo, o sujeito concluir que os ganhos ou as
perdas da decisão serào equivalentes, isto é, poderá ganhar de um lado e, na mesma
proporção, perderá de outro, a probabilidade de ganho ou perda será de 50% (peso =
0,50). O peso será multiplicado pelos valores das combinações, cujas somas dos produtos
respectivos indicarão a decisão mais correta ou racional. No exemplo, o resultado 65 é a
decisão mais correta ou racional, ou seja, não usar a droga.

Usar a substância
Peso
Sím Nôo

100 100
Recompensas? Sim 0,50
O.fiOxIOO'*) o.aoxioíHso

0 30
Não 0,50
O.&OxOO 0.50x20*15

Soma 50+0=50 50+15=65*

Figura 3: Exemplo de tomada de decisão pela teoria dos jogos.


* Decisão mais correta ou racional.

Ao tomar sua decisão, depois de momentos de ambivalência, conflitos, reflexões


e contatos com a equipe, o paciente se toma comprometido com a sua mudança; diferente
então do paciente que está alheio ou apenas envolvido no tratamento. Utilizando uma
metáfora, para se fazer uma omelete, a galinha, ao fornecer os ovos, está apenas envolvida;
mas o porco, ao fornecer o bacon, está comprometido. Ao tomar sua decisão, o paciente
assume um compromisso para consigo mesmo, mudando portanto a visão de mundo: não
é mais a droga o centro de sua vida,mas a vida mesmo, a vida nova. Trata-se agora de um
novo núcleo cognitivo que pode ser assim expresso: "Eu não quero usar drogas."
A tomada de decisão e a mudança de paradigma implicam que o tratamento não
é somente parar de consumir drogas. É preciso buscar um novo sentido para a vida. A
mudança de visão de mundo também estimula o paciente a recolocar o semelhante no
centro de sua relação (não mais as drogas), a fim de resgatar ou dar nova feição a si como
eu responsável, crítico e capaz de participar do nós-social, exercendo plenamente a

336 Josí Antônio /ti# o


cidadania. Conforme constrói seu projeto de vida, vai exercendo sua intersubjetividade de
forma mais autêntica e em direção ao próximo, agregando-se ao tecido social saudável e
forte (Zago, 1999).
Desse modo, o comportamento do paciente passa a ser compromissado também
com a comunidade, estabelecendo relações mais construtivas e solidárias. Isso significa
que sua convivência comunitária não é um preparar para a vida, mas já, no ambiente
protegido, uma nova forma de viver social.
As saldas terapêuticas com os familiares não são mais vistas como testes, porém
oportunidades de convivência familiar mesmo. E nessa convivência torna-se capaz de ser
mais tolerante para com os momentos de desconfiança da família.
O paciente passa a aceitar que seu tratamento não termina com a sua salda da
comunidade, mas que deve ter uma continuidade, e admite que esse seguimento é tão
prioritário quantas outras atribuições de sua vida. Ou seja, o seguimento não é visto como
obrigação ou dever, e sim como meio de mudança e crescimento pessoal. Assim, é
receptivo às orientações sobre as modalidades de terapia que deve buscar e mostra-se
disposto a identificar os desencadeadores e as estratégias para superá-los, bem como as
prováveis situações de "craving”.
Basicamente, o sistema nervoso é dividido em dois sistemas: o sistema nervoso
central e o sistema nervoso autônomo. Muitos pesquisadores vêm se dedicando ao estudo
das ações das substâncias psicoativas no sistema nervoso central, bem como de
medicamentos capazes de atuar nas células nervosas para solucionar o problema da
dependência de substâncias psicoativas.
Alguns medicamentos têm sido utilizados para o controle da dependência do
álcool, tais como o disulfiram (aversão ao álcool), tranqüilizantes (substituição do álcool),
naltrexone (inibição dos efeitos reforçadores do álcool) e o acamprosato (“anti-craving").
Em relação á cocaína, têm sido utilizados tranqüilizantes, antidepressivos e até
neurolépticos. Entretanto, esses medicamentos são indicados como coadjuvantes no
tratamento dessas dependências (0 ’Malley e cols., 1992; Littleton, 1995; Swift, 1999).
Embora esses esforços sejam de grande importância para o avanço da terapêutica
das dependências, muitas vezes um aspecto tem sido esquecido. A rigor, não se pode
minimizar a existência de um "terceiro sistema nervoso", evidentemente não dentro do
organismo, mas à sua volta e essencialmente ligado aos sistemas nervoso central e
autônomo: o ambiente. Por exemplo, a privação de estímulos sensoriais impede o cérebro
de funcionar adequadamente, causando problemas de comportamento (Heron, 1977).
Daí a importância de identificar no ambiente os desencadeadores, isto é,
condicionamentos operantes, respondentos ou esquemas de comportamento associados
ao uso das drogas que podem eliciar situações de "craving”, podendo com isso estabelecer
estratégias para superar essas situações e contribuir para a manutenção da abstinência.

Conclusão
A reintegração social do paciente dependente de drogas após o tratamento no
ambiente protegido não se efetiva somente com a re-inserção na vida familiar, ocupacional
ou escolar, mas sobretudo com a manutenção da abstinência e com o seguimento do

Sobre Comportamento e Cojjnívão 337


tratamento ambulatorial, pois a exclusão resulta não da carência ou da impossibilidade
dessas re-inserções, mas da quebra da abstinência

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Sobre Comportiimcnlo c Cotimv«lo 339


Capítulo 39
Terapia analítico-comportamental infantil:
alguns pontos para reflexão
Laórcia Abreu Vasconcelos
Universidade de Hrasília

A literatura nas duas últimas décadas tem indicado uma rotativa escasae/ de trabalhos de terapia infantil que sAo desenvolvidos
a partir dos princípios da análise do comportamento Dois extremos parecem ainda conviver no campo da terapia comportamental
infantil: de um lado tem-se uma abordagem baseada em um conjunto de técnicas para problemas específicos e, de outro
lado, tem-se uma abordagem baseada na incorporaçAo de conceitos e pressupostos de diferentes áreas tais como a
psicopatologia e a psicologia do desenvolvimento Princípios operantes têm sido, em geral, negligenciados na terapia
comportamental infantil voltada para a prevençflo e tratamento nas Areas de habilidades acadêmicas, atençflo, transtornos
alimentarea, transtornos de ansiedade e comportamentos depressivos. A partir desse contexto, nota-se a inconsistência
entre a Area aplicada, especificamente os trabalhos desenvolvidos na área clinica denominados de terapia comportamental
infantil, e os pressupostos teóricos e metodológicos da Análise do Comportamento. Uma inteyraçAo entre a pesquisa e a
aplicaçAo ou, entro trabalhos conceituais, trabalhos empíricos e aplicações da análise do comportamento é essencial para o
desenvolvimento da terapia analítico-comportamental infantil Da mesma forma, a preocupação com a linyuagom utill*ada
nos trabalhos práticos é fundamental para promover ciare/a das investigações e sustentação das conclusões
Palavrat-chava: behaviorismo radical, terapia comportamental infantil, terapia analitico-comportamental Infantil

The literatura in the last two decades has indicated a relativo lack of child behavior therapy works that are based upon
behavior analysis principies Two extremes seem to coexist in the field of child behavior thorapy on one hand thefe is an
approach based on lechmquos lor specifíc problama and, on the olhar hand, then» ia an approach based on itw incorporation
of concepts and assumptlons from different areas such as psychopathology and child development Operant principies have
been, in general, neglected in behavior therapies devoted to the prevention and treatment of academlc abilitles, attentlon
déficits, eatlng problems, anxiety and depression. In this context, there is an Inconslstency between the applied area,
speclflcally the one denominated child behavior therapy, and the theoretical and methodological assumptlons of behavior
analysis. Integration between research and application or, between conceptual, empirical and applied work In bohavloral
analysis is essential for the development of child behavior analytic therapy. Concern with the used terms In practical works
is also fundamental to promote clarity of the investigations and support for their conclusions
Key worda: radical behaviorism, child behavior therapy, child behavior analytic therapy.

A terapia comportamental infantil tem mostrado significativos avanços nas últimas


quatro décadas (Lima, 1988; Watson & Gresham, 1998). Entretanto, novos enfoques
orientados pelos trabalhos de Hayes, Strosahl & Wilson (2000) e Kohlenberg e Tsai (1991)
convivem com enfoques terapêuticos tecnicistas ou com enfoques que se definem como
ecléticos e refletem uma proposta de combinação de diferentes pressupostos teóricos e
metodológicos (e.g., Chorpita, 1997). Considerando a ausência de um paradigma
consistente na terapia comportamental infantil torna-se imprescindível a especificação do
enfoque que está sendo considerado pelo terapeuta comportamental. Assim, a
denominação terapia analítico-comportamental infantiUem sido utilizada por muitos autores
para especificar a terapia infantil orientada pelos pressupostos do behaviorismo radical e
da análise do comportamento (e.g., Watson & Gresham, 1998).

340
A terapia analítico-comportamental infantil dedica-se à promoção de construção
de repertório comportamental na criança possibilitando, entre alguns potenciais benefícios,
uma maior adaptação social e rendimento acadêmico. Comportamentos considerados
dosadaptativos, já instalados no repertório da criança, passam a concorrer com outros
comportamentos adaptativos que sâo modelados e fortalecidos no transcorrer de uma
intervenção terapêutica e que passam a fornecer uma fonte significativa de reforçamento
concorrente (C. Skinner, 1998). A prevenção também deveria ser uma ênfase central na
terapia analítico-comportamental infantil. O terapeuta deveria atuar em questões tais como
a entrada na escola ou a transição da escola elementar, em geral, contendo um único
professor para a exposição a muitos professores em sala; mudanças de escola ou de
cidades são algumas questões onde se observa a subutilização de princípios da análise
do comportamento na intervenção clínica com crianças (Peterson, 1997). Terapeuta e os
responsáveis pela criança selecionam procedimentos e arranjos a ser implementados no
ambiente da criança que favorecem a aquisição e manutenção de comportamentos, os
quais possibilitam maior sucesso adaptativo, importante nas interações da criança a curto
e a longo prazo. Esse tipo de interação, por sua vez, em geral, resulta em crianças mais
participativas e assertivas.
Um dos pontos principais para a intervenção terapêutica é a preservação dos
direitos da criança. Ao discutir os direitos da criança formalizados no Estatuto da Criança
e do Adolescente, Mello (1999) enfatiza uma postura contemporânea, ainda não adotada
por todos os profissionais que lidam com a criança, de não se culparem as famílias de
baixa renda pelo trabalho infantil e pela falta de escolaridade da criança. Ao contrário, ao
recuperar a história dessas famílias, observa-se que o trabalho infantil está presente em
várias gerações, especialmente no meio rural e, quanto à falta escolaridade, há, sim, falta
de amparo das escolas públicas às famílias de baixa renda, as quais, em geral, são
desqualificadas por não possuirem elementos próprios da educação formal, não se
observando a inserção dessas famílias na escola (Mello, 1999). Alguns modelos teóricos
normativos e suas concepções da criança desqualificam-ria como um sujeito que tenha
seus próprios direitos independente de seus genitores. O processo de infantilização da
criança a apresenta para a sociedade como alguém que se tornará sujeito, como uma
mera extensão dos pais. Ademais, algumas teorias psicológicas e pedagógicas contribuem
para uma análise unidirecional da influência da família e da escola sobre a criança (Andrade,
1998).
A Terapia Comportamental mostra um distanciamento dos princípios da Análise
do Comportamento (Anderson, Hawkins & Scotti, 1997; Kohlenberg, Tsai & Dougher, 1993).
A ênfase estruturalista, projetos nomotéticos de avaliação e diagnóstico afastam-se do
modelo selecionista skinneriano (Cavalcante, 1999; Gresham, 1998a). Delineamentos
experimentais de caso único são subutilizados na prática clinica. Muitos clínicos ignoram
o paradigma do sujeito como seu próprio controle como uma alternativa de pesquisa, o
que segundo Hayes (1981) pode ser atribuído ao ensino dessa metodologia por estatísticos
ou psicólogos experimentais que não têm familiaridade com problemas clínicos. A pesquisa
tradicional em psicologia utiliza o modelo nomotético, o qual parte de um planejamento de
grupo e utiliza recursos estatísticos para determinar a "verdade" dos resultados obtidos.
Por outro lado, a natureza idiográfica da abordagem analítico-comportamental parte da
metodologia do sujeito como seu próprio controle, o que implica na obtenção de medida
repetida, na análise da variabilidade comportamental, em mudanças experimentais entre

Sobre Comporltimcnlo c 1'otfmvdo 341


as condições baseadas no comportamento dos sujeitos, e não definidas a priori para todo
o estudo, e na replicação como uma estratégia de obtenção de generalização dos dados
obtidos (Gresham, 1998; Matos, 1990). Tal distanciamento dos princípios da Análise do
Comportamento tem sido observado também na Terapia Comportamental Infantil a plicada
« rlifor«*ntn«t p r o h ln m r m Fm tn n rtiçjo n p r n * « n t n r r t u m n d iftc.im n A n d « n lc iu n * p r o b lo m w » dn
clínica infantil sob a ótica da Análise do Comportamento na Terapia Comportamental Infantil.

H abilid ade s aca dêm icas re la cio n a d a s à esco la

Ao considerar os problemas acadêmicos, observa-se a importância da mudança


de um modelo educacional de grupo para um modelo individual onde se possa enfatizar
não somente a precisão das respostas acadêmicas, mas também a fluência, manutenção
e generalização de respostas e estímulos, a partir de uma história individual da criança (C.
Skinner, 1998). Assim, é possível avaliar o contexto acadêmico, variáveis relacionadas á
escola, o engajamento acadêmico, os comportamentos acadêmicos do estudante, e propor
estratégias curriculares que possam promover um bom rendimento em diferentes áreas.
O tempo instrucional é uma variável crítica que deveria ser considerada na análise
das dificuldades de aprendizagem. O problema não é de nível de processamento de
informação mas de taxa de aquisição de novas informações. Em outras palavras, em
geral, a criança não mostra falha em aprender, mas falha em aprender em uma determinada
taxa. A combinação de informações obtidas sobre a rotina da criança em casa, isto é, a
existência ou não de orientação, em casa, dos trabalhos escolares, e informações sobre
a escola, obtidas por diferentes agentes nesse contexto, oferecerão um quadro completo
sobre as rotinas acadêmicas da criança tais como os comportamentos de anotar pontos
de uma aula, de estudar para um teste e de estudar em casa. Dados obtidos na avaliação
descritiva, por meio de medidas diretas e indiretas do comportamento da criança, levarão
à identificação de variáveis contextuais, dos estímulos antecedentes, do comportamento
do estudante e das variáveis conseqüentes, permitindo uma avaliação funcional do problema
apresentado (Belfiore & Hutchinson, 1998). A subutilização dos princípios da Análise do
Comportamento em ambientes de sala de aula poderá ser minimizada com investimentos
em pesquisas que desenvolvam procedimentos que possam ser utilizados nesses contextos
sem exigir recursos extras do professor tais como tempo, recursos materiais e humanos
(C. Skinner, 1998).
DuPaul & Hoff (1998) analisam um outro problema comum entre crianças
apresentado especialmente no contexto escolar, o qual refere-se a dificuldades de atenção,
concentração, freqüentemente associado também a altas taxas de atividade física. Em
geral, dificuldades de atenção, impulsividade e hiperatividade têm sido classificadas a
partir do diagnóstico psiquiátrico de transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (Attention-
Deficit/Hyperactivity Disorder, ADHD) (American Psychiatric Association, 1994). Embora
não se tenha dados conclusivos sobre a etiologia dessa desordem ela tem sido atribuída
a fatores genéticos, á fisiologia do cérebro o que tem resultado em intervenções
medicamentosas que utilizam psico-estimulantes para alterar o funcionamento do cérebro
de crianças que se caracterizam pela busca de estimulação por razões biológicas. Por
outro lado, observa-se escassez de estudos que mostrem a eficácia de tratamentos não
farmacológicos para essa desordem.

342 I aém .i A b reu V .m o m c lo s


A abordagem analítico-comportamental propõe estratégias de intervenção baseadas
em eventos antecedentes, por exemplo, a alteração das instruções apresentadas pelo
professor, a apresentação de alternativas de escolha de tarefas, a diminuição da quantidade
de tempo dedicado a tarefas a serem feitas individualmente em sala ou em casa, o ensino
de estratégias de tomar notas em sala, a utilização dos pares num processo de
monitoração, dentre outras. Entretanto, poucos estudos têm se dedicado à manipulação
de eventos antecedentes para aumentar o comportamento de atenção, concentração.
Intervenções também têm utilizado, em geral, reforçamento positivo a partir do sistema de
fichas combinado ou não com técnicas aversivas como a manipulação do custo da resposta.
Todas essas intervenções são propostas a partir do processo idiográfico de identificação
das funções dos comportamentos problemáticos ou dos comportamentos denominados
de comportamentos relacionados à ADHD. Tais funções podem relacionar-se à fuga de
uma tarefa trabalhosa, obtenção de atenção dos pares professor, obtenção de estimulação
sensorial, etc. A integridade da variável independente ou o grau no qual o tratamento é
implementado como planejado tem sido negligenciada, assim como a avaliação e
programação da generalização. Ademais, parece existir, por parte dos profissionais que
atuam na prática clínica, uma busca por um procedimento empírico efetivo a longo prazo,
com um plano de intervenção com múltiplas intervenções em diferentes contextos de
interação da criança (DuPaul & Hoff, 1998), o que denuncia a busca por um tratamento
específico a um problema, o emparelhamento de técnicas de tratamento a distúrbios
clínicos.
É crescente o número de terapeutas comportamentais que defendem a classificação
nosológica na avaliação ou diagnóstico comportamental, o que segundo Silvares (1991)
facilita a comunicação multidisciplinar. Porém, formas tradicionais de analisar o
comportamento com referência a um sistema de classificação por síndrome refletem o
distanciamento da terapia comportamental infantil dos princípios analítico-comportamentais.
O sistema de classificação por síndrome enfatiza a topografia comportamental e um modelo
médico de doença e tratamento que não se baseia na análise da função comportamental.
A utilização do DSM também não tem mostrado resultados bem sucedidos quanto aos
seus objetivos de facilitar a identificação da etiologia, curso e resposta ao tratamento de
uma síndrome (Cavalcante & Tourinho, 1998). Por exemplo, Watson & Gresham (1998)
relatam que a maioria das crianças diagnosticadas com ADHD, que receberam apenas
tratamento medicamentoso, freqüentemente retornam com a queixa de déficit de habilidade
acadêmica. Bellack (1986) também mostra a inexistência de dados conclusivos sobre a
etiologia da esquizofrenia. Em um período de dois anos, há um índice de 50% de reincidência
de pacientes diagnosticados como esquizofrênicos nos Estados Unidos. Não é claro se
as inúmeras dificuldades apresentadas por esses pacientes têm base principalmente
biológica ou se são subproduto de uma história de falhas e rejeição, de hospitalização
repetidas e excessiva medicação com sérios efeitos colaterais (Bellack, 1986).
Assim, ao justificar a utilidade do uso do DSM na terapia comportamental infantil
ou, um sistema de diagnóstico uniforme na terapia comportamental infantil, Kazdin, em
1983, refere-se a um modelo de terapia comportamental, a Modificação do Comportamento.
Mas, da perspectiva analítico-comportamental não é defensável o argumento de padronização
de procedimentos de avaliação e intervenção, seja a partir de sistemas baseados em
slndromes, seja a partir de sistemas funcionais como proposto por Hayes e Follette em
1992 (Cavalcante, 1999; Cavalcante & Tourinho, 1998; Guilhardi, 1988). Tal padronização

Nobre 1'om porliim cnlo c CouiiHtlo 343


refletiria alguns mitos existentes na terapia comportamental, tais como o mito da
uniformidade do cliente, da uniformidade da queixa, da uniformidade do procedimento e da
uniformidade do terapeuta (Guilhardi, 1988).

T ra n sto rn o s de alim e n ta çã o em c ria n ç a s


Outro problema tratado pela terapia comportamental infantil tem sido os problemas
comportamentais de alimentação.
“Os problemas de alimentação variam entre birras durante as refeições, restrições
a vários alimentos, prolongado consumo de alimentos de fina consistência, atraso no uso
da mastigação e da ingestão, atraso na auto-alimentação, pica, excessivo consumo de
alimento, acentuado baixo consumo de alimento e ruminação" (Linscheid, 1992, citado
por Linscheid, 1998, p. 361).
A não ingestão de uma dieta nutricional apropriada é um problema comum entre
crianças de 6 meses a 5 anos, especialmente em crianças com história de problemas de
saúde, que não tiveram acesso a práticas de alimentação normais. Portanto, o histórico
de saúde da criança, fatores familiares e culturais podem estar relacionados com a aquisição
e manutenção de desordens de alimentação em crianças. Problemas comportamentais
de alimentação podem levar a déficit nutricional e a problemas sociais, quando outras
crianças podem ridicularizar uma criança com uma lista limitada de alimentos aceitáveis
(Linscheid, 1998).
É comum observar mudanças de comportamento nos pais ocasionadas por
mudanças no apetite da criança, comum entre o primeiro e o quinto ano de vida. No
primeiro ano, a criança mostra um apetite consistente e triplica seu peso do nascimento
o que não ocorre do segundo ao quinto ano, quando o ganho de peso ó menor e a criança
mostra variações em seu apetite e em suas preferências por alimentos. Os pais, diante
dessas mudanças, em geral, passam a oferecer mais lanches entre as refeições (Smith,
1977, citado por Linscheid, 1998).
A avaliação nutricional da criança é importante no processo de identificação do
problema. Entretanto, instrumentos de avaliação comportamental padronizados não têm
se mostrado úteis no tratamento de problemas comportamentais de alimentação, ao não
produzirem informações sobre as causas ou manutenção do problema. A abordagem
analftico-comportamental investiga as funções dos problemas comportamentais de
alimentação a partir da contingência de três termos: eventos antecedentes, comportamento
e conseqüências. Linscheid (1998) destaca um plano de intervenção pouco utilizado, os
procedimentos de manipulação do apetite, chamando atenção para algumas variáveis que
podem ameaçar a integridade do programa, como as condições de saúde da criança, os
diferentes ambientes onde o programa será desenvolvido, a disposição dos adultos para
seguir o programa, a compreensão destes quanto aos princípios comportamentais envolvidos
e a presença de outras pessoas na situação de alimentação. A ênfase do terapeuta analltico-
comportamental no tratamento de desordens de alimentação não é em problemas motores
ou sensoriais, mas nos comportamentos que possam explicar a resistência ao consumo
do alimento (Linscheid, 1998). Portanto, mais uma vez, argumenta-se a favor de um processo
de tratamento que envolve a metodologia da análise funcional, contra uma abordagem
não-funcional ou o método tradicional de intervenção que caracterizou durante décadas a
terapia comportamental infantil.

344 Ldérviu Abreu V.istoruclos


O campo da avaliação comportamental é relativamente recente na avaliação
psicológica. Os últimos 14 anos têm marcado a mudança de um enfoque tradicional na
terapia comportamental infantil para o enfoque na avaliação e análise funcional na terapia
analítico-comportamental infantil (Watson & Gresham, 1998). “A avaliação comportamental
enfatiza unidades de respostas significantes e suas variáveis de controle com o objetivo
de compreender e alterar o comportamento humano” (Nelson & Hayes, 1979, citado por
Gresham & Lambros, 1998, p. 3), preocupando-se com a responsividade a estratégias de
intervenção. A avaliação funcional descreve inúmeros procedimentos, por meio de medidas
diretas e indiretas, que podem auxiliar na identificação de eventos antecedentes e
conseqüentes, enquanto que a análise funcional refere-se à manipulação experimental de
eventos ambientais para avaliar seus impactos sobre a ocorrência do comportamento do
individuo. Portanto, a análise funcional é um tipo de avaliação funcional (Gresham & Lambros,
1998). Assim, a abordagem analítico-comportamental da consulta é caracterizada pela
identificação do problema, análise e avaliação do problema (avaliação e análise funcional),
plano de implementação do tratamento e avaliação do tratamento (Gresham & Watson,
1998). A integridade do tratamento é especialmente considerada na fase de implementação
da intervenção (Noell & Witt, 1998).
O grau no qual uma variável independente é implementada como planejada, isto é
a integridade do tratamento, é uma condição necessária, mas não suficiente para a
demonstração de relações funcionais entre variáveis independentes e variáveis dependentes.
A integridade do tratamento está ligada à validade interna da intervenção, o quanto se
pode atribuir às mudanças observadas no comportamento à intervenção implementada, e
à validade externa, à possibilidade de replicações com outros clientes e por outros
terapeutas. Infelizmente, a integridade do tratamento tem sido negligenciada. Uma revisão
feita entre as décadas de 80 e 90 no Journal of Applied Behavior Analysis (JABA) mostra
que apenas 16% dos 158 estudos mediram sistematicamente osnlveisde integridade do
tratamento para as variáveis independentes. Definições operacionais mais claras dos
tratamentos e medidas da integridade facilitam a história replicativa e devem ser buscadas
em trabalhos futuros da análise comportamental aplicada (Gresham, Gansle e Noell, 1993).

T ra n sto rn o s de an sie dade e de pressã o


As questões relativas aos transtornos de ansiedade e depressão ou o estudo dos
comportamentos encobertos apresentados por crianças representam significativas lacunas
existentes na terapia analítico-comportamental infantil (Watson & Robinson, 1998). Há
uma clara escassez de trabalhos empíricos que utilizam a análise funcional do
comportamento. O maior número de estudos publicados nessas áreas volta-se para o
diagnóstico baseado na classificação por síndrome e utiliza a abordagem cogntitiva-
comportamental (Laurent & Potter, 1998; Watson & Robinson, 1998).
Segundo Laurent & Potter (1998), um sistema de classificação comum,
especificado, por exemplo, pelo DSM tem facilitado pesquisas e a compreensão dos
transtornos de ansiedade em crianças, na última década. Os avanços do DSM têm
possibilitado uma melhor distinção entre transtornos de ansiedade, fobias e depressão,
por exemplo Diferentes abordagens em psicologia têm tentado explicar a natureza da
ansiedade. A ansiedade é considerada por alguns autores de natureza antecipatória em
reação a um sinal de perigo (Mowrer, 1939), o que leva o indivíduo a evitar estímulos ou

Sol>rr Comportamento o Co^nivílo 345


situações percebidas como ameaçadoras e que eliciam ansiedade. Por outro lado, de
acordo com a psicologia cognitiva, é a interpretação dos eventos, não os eventos que são
responsáveis pelas emoções negativas. Um grande número de instrumentos padronizados
para identificação e avaliação do problema têm sido empregados: entre eles, estão as
a n tre v in tftn d o d in g n ó s tic o , o s c n ln a d e n v n lin ç ã o o tin ta » d n s in t o m a s , n lò m d o o b s o r v a ç â o
direta do comportamento e avaliação fisiológica. Essa área de estudos caracteriza-se por
uma abordagem eclética de intervenção, com poucos estudos publicados sobre a avaliação
dos tratamentos de ansiedade infantil (Laurent & Potter, 1998).
A partir desses estudos, o sintoma central que caracteriza a ansiedade infantil é
um sintoma cognitivo, a preocupação da criança, observado por meio de verbalizações
que mostram preocupação com potenciais ameaças e eventos futuros, (Laurent & Potter,
1998) e, em geral, as crianças também apresentam déficit em habilidades sociais com os
pares, dificuldades de atenção, déficit em habilidades acadêmicas e são mais depressivas
(Strauss, Frame & Forehand, 1987). Portanto, observa-se a sobreposição de categorias
ou de transtornos definidos pelo DSM, os quais poderiam ser melhor compreendidos a
partir de uma investigação da função dos comportamentos identificados como problemas.
O diagnóstico da depressão na infância também tem sido orientado, em geral,
pelos critérios do DSM. A partir de uma abordagem analítico-comportamental, a depressão
é um construto hipotético; o alvo da intervenção são comportamentos depressivos que ao
serem modificados poderão ter efeitos positivos em outros comportamentos da mesma
classe de respostas (e.g., Regra, 1997). Portanto, não se trata de um sintoma de alguma
patologia com eventos internos, fisiológicos e bioquímicos, trata-se de manifestações
comportamentais, recuperando-se a história de vida da criança (e.g., a história familiar,
módica, acadêmica), as contingências ambientais potencialmente importantes para a
análise de um comportamento problema. Os componentes bioquímicos podem coexistir,
porém, não se constituem causas do comportamento depressivo. Crianças com a idade
entre 9 e 12 anos representam o maior número de encaminhamentos clínicos, sem diferença
entre o sexo feminino e masculino. A depressão infantil tem sido acompanhada por
diminuição de atividade e verbalizações de perdas ou falhas pela criança (Watson &
Robinson, 1998).
Novamente, como mencionado nos transtornos de ansiedade, ocdéficit em
habilidade social, que leva a uma redução nas taxas de reforçamento e impede a criança
de investir em novas estratégias para lidar com o problema, tem estreita relação com a
depressão infantil. Comportamentos depressivos de crianças mostram uma relação
consistente com a competência social. As crianças deprimidas são avaliadas pelos seus
pares e professores com mais baixas taxas de aceitação, como menos populares, mostram
menos assertividade, são mais agressivas e permanecem mais tempo sozinhas do que
em interação com os pares. É difícil diferenciar comportamentos depressivos de outras
dificuldades que, em geral, estão presentes, tais como dificuldades de concentração,
déficit no desempenho acadêmico e pobre habilidade social (Watson & Robinson, 1998).
A escola é a maior instituição de socialização em nossa sociedade, com importantes
interações sociais entre criança-criança e criança-professor. O que torna importante a
consideração desse ambiente nas avaliações da competência social da criança (Gresham,
1998b).
Uma pobre interação familiar é apontada como o mais forte preditor de
comportamentos depressivos em crianças. Isto é, a modelação que pode ocorrer com a

346 L itrvia Abreu Vdsconcrlos


existência de depressão parental ou o reforçamento de afeto negativo na criança, o
desinteresse, a alta freqüência de punição e a baixa freqüência de reforçamento parental
são eventos importantes a ser considerados. Pais inadvertidamente reforçam verbalizações
negativas ou queixas somáticas da criança e a resposta da criança pode generalizar-se
em topografia e a novos estímulos. Crianças depressivas apresentam verbalizações
negativas (e.g., "eu sou triste, eu sou chata, eu sou burra"), queixas somáticas (e.g.,
"tenho dor de cabeça, tenho dor de estômago"), diminuição de atividade e apetite aumentado
ou diminuído (Watson & Robinson, 1998). Portanto, o rótulo de depressão não se mostra
útil no processo de intervenção uma vez que pode estar relacionado a uma variedade de
comportamentos problema com diferentes funções,
Na identificação do problema, é importante que o terapeuta descarte o risco de
suicídio em crianças mais velhas, que pode ser demonstrado com a preocupação com a
morte, planos de suicídio, doação de bens e súbitas mudanças no desempenho acadêmico.
Na avaliação do problema, conta-se com uma avaliação funcional descritiva desenvolvida a
partir de observações direta, auto-registro e entrevistas (e.g., com pais, criança e
professores) para avaliar a função dos comportamentos problema. A escassez de pesquisas
e as limitações metodológicas das pesquisas existentes sobre os tratamentos mais comuns,
farmacológicos e/ou cognitivo-comportamentais, são algumas das dificuldades encontradas
nessa área de estudo (Watson & Robinson, 1998).

C o n clu sã o
O distanciamento observado da Terapia Comportamental Infantil dos princípios do
behaviorismo radical e da análise do comportamento tem sido apontado por muitos
terapeutas analítico-comportamentais. Investimentos na promoção de maior clareza da
linguagem utilizada, dos conceitos e da metodologia empregada possibilitará o
desenvolvimento dessa área, favorecendo um maior intercâmbio pesquisa-aplicação
(Todorov, 1982). M.M. Silva (2000) discute, por exemplo, o uso do termo desenvolvimento,
o qual denota uma abrangência que leva a confusões conceituais e compromete sua
utilidade. O termo tem sido empregado para referir-se a um processo, um produto, uma
causa e uma conseqüência. Segundo o Ministério da Saúde (1995, citado por M.M. Silva,
2000), crescimento é estabelecido como desenvolvimento físico e desenvolvimento como
desenvolvimento psíquico. O crescimento seria medido a partir de curvas de peso/altura/
idade, estabelecendo um padrão de normalidade, enquanto que o desenvolvimento seria
medido a partir de comportamentos esperados para uma determinada idade da criança. O
termo crescimento, utilizado pelos médicos, é mais delimitado do que o termo
desenvolvimento, quando utilizado por psicólogos (M.M. Silva, 2000).
O argumento a favor de uma abordagem eclética de intervenção que insira projetos
nomotéticos de avaliação e intervenção, a utilização de um sistema de classificação
diagnóstico por síndromes e a inserção de teorias psicológicas do desenvolvimento na
terapia comportamental infantil não representam a abordagem analltico-comportamental.
Embora, como discutido anteriormente, essa abordagem tenha sido subutilizada, existe
um crescente número de publicações que têm mostrado a recuperação dos laços com a
análise do comportamento na terapia comportamental infantil (e.g., Watson & Gresham,
1998; Conte, 1997; Conte & Brandão, 1999; Rocha & Brandão, 1997; Regra, 1997).
A terapia analítico-comportamental infantil evidencia uma marcante diferença da
terapia comportamental infantil, qual seja, a mudança da ênfase tradicional da eficácia do

Sobre C om poria menlo e C o^m v^o 347


tratamento independente da função, um enfoque não-funcional para um enfoque funcional.
Uma prática clínica fundamentada no princípio da análise funcional que representa um
modelo de interpretação e investigação dos fenômenos naturais (Watson & Gresham,
1998). Entretanto, trabalhos futuros na terapia analítico-comportamental deverão considerar
o e studo c once itua i do te rm o aná lise funciona l, c o n s id e ra n d o que d ife re n te s term os tAm
sido utilizados como equivalentes, ou um termo genérico com diferentes conotações
(Cavalcante, 1999; Sturmey, 1996). O desenvolvimento da área aplicada da análise do
comportamento depende do desenvolvimento e da integração de outras áreas importantes
de produção de conhecimento como os trabalhos conceituais e os trabalhos empíricos
(Tourinho, 1999).

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350 I «uSviii Abreu Vasconcelos


Capítulo 40
A Psicoterapia Analítica Funcional (FAP) e
um sonho de criança

l á ti ma Cristina th’ Souza Conte


P S K - Instituto de Psicoterapia e Análise do Comportamento - Londrina - PR
A FAP - ( Functional Analitlc Psychotherapy), proposta por Kohlenberg e Tsai (1991) para a Intervenção pslcoterápica com
adultos, onde a análise da relação cliente-torapeuta junto ao cliente é a estratégia principal da psicoterapia, tem sido
extrapolada para criança* e adolescentes e se mostrado útil e enriquecedora ((Conte, F.C. e Brandão, 1999; Conte,F.C. e
Regra,J 2000)). O presente trabalho ó um estudo nesta mesma dlreçAo e associa a FAP á análise funcional do comportamento
de sonhar, do conteúdo e de seu relato ao terapeuta As principais características da FAP sAo rapidamente apresentadas e
mais uma ve/ ó demonstrada a sua adequação ao processo psicoterápico infantil. Da mesma forma, é apresentada a
compreensão betmvtorlsUi radical do comportamento d« sonhar e sâo destacados os ganhos que podem advir da análise
funcional do sonho e do comportamento do cliente de relatar o sonho ao seu terapeuta. SAo apresentados oxnmplos que
ilustram as posslbllldndes mencionadas e os efeitos positivos do uso desta combinaçAo de estratégias junto à população
mais jovem
Palavras-chave: psicoterapia analítica funcional, análise de sonhos, psicoterapia Infantil, comporlamento de sonhar, análise
da relaçAo terapêutica

The FAP - (Functional Analytic Psychotherapy), proposed by Kohlenberg and Tsai (1991) for the psychottwapeutic
Intervention In adults, where tho client-therapist relatton analysis together with the client is the main psychotherapy strategy,
has benn used In children and teenagers e has been revealing to be useful and worthy (Conte, F.C. e BrandAo, 1999; Conte,
F.C. e Rogra, J 2000). The present paper is a research In the sarna dlrectlon and assoclates the FAP to the functional
analysis of the dreaming behavior, of the dream's content and of the dream's report to the therapist. The main FAP
characteristics are briofly presented and It is lllustrated, and once again, its adequacy to the children psychotherapeutic
process. It Is presented as well, the radical behavlorlst comprehension of the dreaming behavior and aro detached the galn
that can come from the functional analysis of the dream and of the cllenfs behavior of reportlng their dream to the therapist.
Examples that illustrate the mentioned possibilities and the positive effects of the use of this combination of strategies In the
young population are presented as well.
Key w ords: functional analytic therapy, dream analysis. children psychotherapy, dreaming behavior, analysis of lhe
therapeutic relation.

A FAP (Functional Analitic Psychotherapy) ó uma proposta de intervenção terapêutica


onde a análise funcional da relação estabelecida entre o terapeuta e o cliente é o aspecto
central do processo psicoterápico. Tal análise é sustentada pelos princípios teóricos e filosóficos
do Behaviorismo Radical e foi proposta para o atendimento de adultos por Kohlenberg e Tsai
(1987 e 1991), sendo que a sua extrapolação para o universo infantil e adolescente tem se
mostrado útil e enriquecedora (Conte e Brandão, 1999; Conte e Regra, 2000).
Este pequeno estudo ó o relato de mais uma tentativa, nesta direção, enfocando
agora a exploração do comportamento de sonhar da criança, a análise funcional do conteúdo
do sonho e do seu comportamento de relatá-lo ao terapeuta.
Com o objetivo de situar a questão principal deste estudo, serão rapidamente
relem bradas as principais caracte rísticas da FAP e a visão com portam ental do
comportamento de sonhar e relatar os sonhos ao terapeuta.

Sobre C o m p o rl.im c nlo c Cojjntvilo 351


A FAP e a relação terapêutica

A FAP considera que os problemas que os clientes têm em sua vida diária ocorrem
ou podem ocorrer na relação terapeuta - cliente, se houver similaridade funcional entre os
dois am bientes (clin ico e do dia a dia do clien te). Assim, o c o n te x to c lin ic o pod eria conter
cla sse s de e stím u lo s d iscrim in a tivo s ou e licia d o re s de im p o rta n te s am ostras
comportamentais dos clientes, mais amplas, relacionadas aos problemas queixados,
muitos deles, comportamentos de esquiva desadaptativos e seus correlatos emocionais,
gerados basicamente por exposição a contingências aversivas e acesso a poucas fontes
de reforçamento positivo.
Uma vez que o ambiente terapêutico pode evocar ou eliciar respostas clinicamente
relevantes do cliente, as reações do terapeuta às mesmas podem afetá-las, favorecendo
tanto a auto-observação das mesmas por parte do cliente, como a promoção das mudanças
terapeuticamente desejáveis, no momento em que tais comportamentos ocorrem. Dada a
similaridade ambiental, os novos comportamentos do cliente que ocorrem no contexto
clinico, modelado pela interação terapeuta cliente podem generalizar-se (enquanto parte
de uma classe funcional) para outros contextos e relações sociais extra clinica (Kohlenberg
eTsai, 1991).
Para que isso ocorra, a relação terapêutica, principal instrumento de mudança,
deve ser verdadeira, genuína, transparente, de cuidado com o cliente e minimamente
aversiva.
Tal contexto, de aceitação do cliente, de empatia, de riqueza emocional, de
esperança de obter o "alivio" ou o prazer desejado, com apoio do conhecimento da pessoa
do terapeuta, funcionaria como estabelecedora para a apresentação, por parte do cliente,
de operantes e respondentes, que fazem parte das classes socialmente punidas ou passíveis
de punição, na sua interação com o terapeuta; ao mesmo tempo em que favoreceria a
aceitação pelo cliente das explicações, instruções e interpretações do terapeuta, para
que se arriscasse a aumentar sua tolerância a emoções aversivas, através de exposição
e enfrentamento.
Em conseqüência, o cliente poderia apresentar novos operantes e respondentes
no ambiente externo ao clínico e colocar-se mais sob o controle de reforçamento positivo.

V antagens esp e cia is da an álise da re la ção ju n to ao c lie n te

Alguns aspectos mais específicos, associados às vantagens de usar a FAP com


crianças e adolescentes, são mencionados a seguir e ilustrados através de um relato de
interação do terapeuta com um cliente de 10 anos de idade.

1. Acesso indireto à história de reforçamento do cliente

Geralmente o relato da história de vida do cliente ó feito pelos pais e, como em


todo relato, foi e é modelado tanto pelos fatos, como peía percepção inicial do observador

352 hilmni Cnsliitd de Sou/u C o n lr


e os efeitos que o relato tem na audiência. O comportamento da criança na interação com
o terapeuta pode ajudá-lo a formular hipóteses ou suposições, tanto sobre o relato dos
pais da criança, como sobre as contingências de sua história de vida.
Por exemplo, um menino, cliente, que não queria vir a uma sessão naquele dia
fala mal de qualquer coisa que a T lhe propunha ou fazia, acusa-a de burlar o jogo
injustamente, chama de burro um outro menino que fez anotações diferentes na ficha do
jogo ("quem foi o cliente burro que preencheu isso assim?"), enfim, agride a T de várias
maneiras e a faz sentir-se irritada e com vontade de encerrar o encontro.
A análise permitiu a T levantar a seguinte hipótese sobre a história de reforçamento
para o comportamento apresentado, enquanto parte do seu padrão comportamental: provável
história de vida em que a frustração/ punição gerou respostas coercitivas e a fuga da
situação aversiva (reforço negativo pela remoção dos sentimentos de frustração e ou retirada
do impedimento, com a volta à situação reforçadora interrompida ou impedida).

2. Clarificação das classes de respostas adequadas e inadequadas do cliente e os


estímulos que as controlam.

No exemplo, o cliente parece estar apresentando uma resposta à frustração,


gerada pela retirada de estimulação positiva. Uma vez que a criança não ó resistente à
terapia, à terapeuta e nem às atividades apresentadas, as frustrações e as respostas
agressivas apresentadas à pessoa da terapeuta provavelmente não sáo decorrentes do
contexto clinico. A criança responde agressiva e generalizadamente em situações de
frustração por impedimento?

3. Evocação de resposta emocional do cliente dentro da sessão com um significativo


aumento das oportunidades para expandir o seu repertório de expressividade emocional e
habilidades interpessoais.
A T vai descrevendo o comportamento da criança, confrontando-a e buscando
com ela as respostas às suas suposições, passo a passo (e: V. está diferente. Você está
bastante irritado hoje. Teve que vir na marra? Estou sentindo que está bravo comigo,
está? O que você perdeu? Você tem que fazer muitas coisas que não quer? Aqui ó muito
chato? Etc.), aumentando a consciência da criança, de seu comportamento naquele
momento e do impacto do mesmo sobre a terapeuta.
C- "Tô de férias, pô!"E então conta à terapeuta que tem que "se interessar" em
trabalhar com o pai nas férias (tem 10 anos), a família nunca está satisfeita! Mostra a sua
raiva e tristeza por estar impedido de ter acesso a atividades reforçadoras esperadas nas
férias, por exigência dos pais de que ele "goste de trabalhar".
Ao invés de continuar simplesmente agredindo, a criança pode então formular o
problema e expressá-lo mais apropriadamente à terapeuta. Assim esta pode entender
melhor quais são os estímulos antecedentes do seu comportamento agressivo.

Sobre Comporl.imcnlo e CoflniçAo 353


4. Oportunidade de modelar respostas operantes adequadas.

A seguinte interação pode ajudar a demonstrar o processo de modelagem.


T-Eu ficaria mais feliz se vocô tivesse me dito isso diretamente, nâo sei se deixaria
você ir embora ou nâo (para brincar), ou se isso resolveria o problema, mas poderíamos
fazer um acordo, tentar resolver o problema. Perdemos tempo, mas ainda podemos fazer...
V. acha que comigo nunca adianta falar? (isso ê, a T, quer avaliar se ela ô Sd de "Nâo" à
sua assertividade tanto quanto seus pais, se ali estaria ocorrendo a mesma coisa que
ocorre em sua casa. Há frustração por impedimento de acesso a reforçadores positivos
na sessão?).
E assim caminham, procurando discriminar a diferença de estimulação na sessão
e fora dela e os comportamentos que seriam bem vindos ali. Além disto, naturalmente,
pode-se observar se o garoto tinha as habilidades de identificar e expressar adequadamente
seus desejos aos demais.

5. Clarificação sobre metas adequadas de terapia.

Neste caso, pode-se perceber que a criança precisaria aprender a colocar a


agressividade sob controle de estímulos mais apropriados; modelar respostas mais
assertivas; alterar seu padrão de relação coercitiva com os pais e os pais, por outro lado,
precisariam desenvolver expectativas mais realistas quanto ao filho; pennitiroseu acesso
a atividades reforçadoras e o desenvolvimento da assertividade. Assim, a análise ajudou
a T a perceber quais comportamentos-alvo podem ser interessantes tanto para os pais
quanto para a criança e tem, então, mais chance de modelá-los, diretamente ou
indiretamente, na sua interação com eles.

6. Favorecimento da generalização dos resultados terapêuticos pelo uso do reforçamento


natural de classes comportamentais relevantes, apresentadas em sessão (isso é,
apresentação de estimulação reforçadora mais natural e mais próxima temporal e
espacialmente possível da resposta apresentada). Neste caso, a T mostra ao cliente o
impacto de seu comportamento sobre ela e o quanto se sente melhor quando ele é mais
assertivo que agressivo, frente às exigências que lhe faz e aos "impedimentos"necessários
que ocorrem e que a sua assertividade lhe permite resolver o problema, mais do que gerar
outro e assim sucessivamente. Tais reações positivas, naturais e pessoais do terapeuta e
as demais conseqüências apetitivas diretas, decorrentes do novo comportamento
apresentado em sessão, podem ser semelhantes às que tenderão a ocorrer quando o
cliente apresentar comportamentos da mesma classe fora da clinica, o que deve favorecer
a generalização. O propósito deste tipo de conseqüenciação de resposta é dar ao cliente
um "feedback" direto sobre o impacto que seu comportamento tem para a outra pessoa e
criar uma oportunidade para que outra resposta mais adequada se desenvolva. O "feedback"
que o terapeuta dispõe ao cliente depende do tipo de relacionamento que ele tem com o
mesmo, naquele estágio do processo e deve estar relacionado com as dificuldades pelas
quais o cliente está passando.

354 M hm a Cristina dc Sou /a C onte


7. Observação de que os problemas mais freqüentes sáo conseqüência de fuga e esquiva
de situações aversivas.

Neste caso, a fuga e esquiva seriam decorrentes de exigência comportamental


imprópria dos pais ao garoto e/ou do mal estar causado por frustrações devido ao
impedimento de acesso a contingências positivas e a resposta apresentada ao que ele
responderia com agressividade generalizada e imprópria.

8. Bloqueio das esquivas e aceitação das reações emocionais decorrentes do


enfrentamento, na relação com o próprio terapeuta.

No exemplo, a interação bloqueia a tentativa de fuga da sessão e das emoções


associadas à frustração e ajuda o garoto a apresentar respostas emocionais e operantes
mais apropriadas para lidar com a frustração por impedimento. Além disso, a T pode
demonstrar ao cliente que ela não tem como propósito invalidar os seus sentimentos ou
aumentar o controle dos pais sobre ele. Isso ajuda no processo de discriminação, reduz
a possibilidade de oposição da criança à psicoterapia e intensificação de comportamentos
agressivos e de oposições generalizadas. Por outro lado, vivenciaras reações emocionais
decorrentes da frustração, aumentando a tolerância e aceitação emocional, ajuda a clarificar
e solucionar o problema em foco e a diminuir a chance de apresentação de respostas
agressivas impulsivas.
Como em todo o processo psicoterápico comportamental, a observação é preciosa.
Segundo Kohlenberg e Tsai (1991), após o terapeuta construir um ambiente propício, deve
observar que comportamentos clinicamente relevantes (os CRBs) ocorrem em sessão,
partindo da observação daqueles que tem a ver com o problema ( CRBs 1) e procurando
evocar os comportamentos clinicamente relevantes para a superação do mesmo, sejam
eles comportamentos diretamente concorrentes (CRBs2) ou comportamentos de analisar
o próprio comportamento (CRBs3). Por outro lado, o terapeuta deve também observar seu
próprio comportamento e o efeito que ele tem sobre o cliente e seu comportamento, isto é,
não adianta ter a intenção de reforçar, o terapeuta precisa verificar se de fato suas reações
aumentam a freqüência, a intensidade e a força dos comportamentos de interesse do
cliente. Isso vale também para clientes jovens.

A FAP, os sonhos e a sua exploração com crianças

Segundo Skinner (1993) os sonhos sáo comportamentos perceptivos, o “ver na


ausência com a coisa vista", que ocorrem "quando estimulação atual exerce então controle
mínimo e a história da pessoa e os estados resultantes de privação e emoção têm sua
oportunidade" (pg. 75)."... O sonhador não sabe que aquilo que vê, não está realmente ali,
e responde com toda a intensidade de que ó capaz uma pessoa adormecida" (pg. 77).
Ainda segundo o autor acima mencionado, a evolução da espécie deu ao homem
as condições necessárias para ser um "ser que sonha" e desenvolver autoconhecimento.

Sobre Comportamento c CotfmçJo 355


Contudo, o conteúdo dos sonhos, as condições sob as quais sonhará, lembrará, relatará
e relacionará seu sonho com as experiências que tem quando acordado, dependerão de
contingências de sua vida, atuais, passadas e do seu próprio corpo. "O conhecimento
introspectivo do sonho ó fraco ou deficiente porque também o sâo as condições necessárias
para a auto-observaçfto o quando tnl autoconhocimento sobrovive no estado de vigília, seu
desaparecimento no geral ó tão rápido quanto o esquecimento do sonho..." (p. 77). Assim,
os sonhos trazem informações relevantes sobre a história passada e as contingências de
reforçamento atuais. Uma vez que eles não estão sob controle da vontade de cada um, o
acesso a ele pode dar informações sobre o que o cliente “omite, não discrimina, desvaloriza,
nega ou esquece". Tais informações podem ser importantes agora para compreensão e a
superação do problema. Provavelmente, tais informações “omitidas" estão relacionadas
com experiências aversivas quanto ao fato em si mesmo ou ao seu relato.
Sonhar e falar sobre os sonhos são operantes diferentes. Na verdade, sonhos
seriam eventos privados, verbais, operantes. O relato, evento verbal público. O relato não
é o evento e segundo Skinner é apenas metade da história, ou mais do que isso, é uma
outra história!
Kohlenberg e Tsai (1991) destacam que todo o evento verbal em que o cliente se
engaja na sessão é um operante ao qual o terapeuta deve estar atento. Dado que muitos
clientes têm déficits em assertividade e de pedirem diretamente o que necessitam ao
terapeuta, muito do que os clientes falam na terapia pode ser examinado como mandos1.
Clientes podem também emitir tatos sobre o que consideram comportamentos razoáveis
em seus relacionamentos, inclusive terapêuticos. É tarefa do terapeuta discriminar estas
respostas ineficazes e indiretas e modelar habilidades interpessoais mais efetivas no
decorrer das sessões.
O relato dos sonhos, além de uma importante via de acesso á história de
reforçamento do cliente, favorece a evocação de respostas emocionais em sessão, uma
vez que estes freqüentemente trazem respostas afetivas intensas. Isso dá ao terapeuta
uma oportunidade especial de observação e avaliação da relação entre o relato dos sonhos
e o contato do cliente com emoções que ele evoca. Por exemplo, ao emocionar-se com
seu próprio relato, o cliente pode tentar distrair-se e, ao terapeuta, negar vigorosamente
qualquer resposta afetiva que ocorra, chorar durante a sessão e assim sucessivamente. A
forma como o terapeuta vai responder a qualquer um destes comportamentos do cliente e
relacioná-lo com as questões relevantes de tratamento depende diretamente da
compreensão que o terapeuta tem do caso (Callaghan, 2000).
Mas os ganhos não param por ai. Callaghan (2000) coloca que, como os sonhos
são abstratos e culturalmente vistos como tendo "significados profundos", os clientes
tornam-se às vezes mais dispostos a explorar interpretações alternativas do terapeuta
sobre seus sonhos, mais do que sobre os comportamentos que ocorrem em vigília. Então,
0 terapeuta fica mais livre para promover a relação entre o comportamento do sonho, o
comportamento de vigília fora da clínica e o comportamento do cliente em sessão, o que
pode ajudar o cliente a focalizar e analisar a relação entre eles e, a partir disso, modelar
comportamentos alternativos do cliente de falar abertamente sobre o que está difícil, mesmo
que ao terapeuta, se for o caso (mando direto).
1 Relembrando, o* luto» sAo re*po*ta* que ealAo sob controla m*t» preciso de e*tlmulos discuminalivo* fireciso* • (Ao mantidos por estímulos reforçadores
amplo* e geral*, apresentado* pela «udténcM Já. o* mando* aatAo sob o controle das conseqüências posteriores especificas, cuja força depende da prlvaçAo
ou da pre*ença de estimulação aversiva relevante e está sob controle de uma grande variedade de estimulo* discriminativo* (Skinner. 1957).

356 Fiilima Cristina do Souzii Conlc


Neste caso, o terapeuta poderia olhar para o relato como uma oportunidade para
evocar reações emocionais do cliente durante a terapia. Questionando um sonho e
clarificando o que o cliente sente durante ou após o sonho, o terapeuta pode ajudá-lo a
reconstruir sua experiência emocional, promovendo uma oportunidade para que ele se
engaje em comportamentos que podem ser de difícil ocorrência fora da sessão ou em
outros relacionamentos (por exemplo, expressar fraqueza ou afeto) e pode reforçar a sua
ocorrência em um contexto de apoio e proteção. Novamente, focalizar o comportamento
do cliente dentro da sessão permite ao terapeuta produzir as melhoras que o cliente
necessita e trazer a terapia para o aqui e o agora.
Em resumo, o relato pode ser explorado em si mesmo, durante a sessão e ajudar
a evocar uma série de emoções e comportamentos operantes, dando oportunidade para
que o cliente e terapeuta encontrem as semelhanças entre comportamentos do cliente na
sessão e fora dela. Além disso, o relato do sonho também pode ser analisado quanto à
sua função na relação. Isso é, o relato poderia ser visto como um mando e/ou tato
(Callaghan, 2000). O terapeuta poderia questionar-se sobre a função do relato do sonho
naquele momento e naquele contexto. A questão é: o que de fato o cliente está querendo
comunicar? Sua fala é um mando ou um tato? Isso tem implicações importantes.
O sonho de uma menina de nove anos, filha caçula de três irmãos, com queixa de
enurese, pode ilustrar o alcance de tal análise com a criança, bem como demonstrar o
papel desta última etapa: a análise funcional do comportamento de relatar o sonho.
”... Eu tinha ido viajar para Los Angeles com meu pai... Mas lá fomos para uma
fazenda... Uma espécie de casa... Meu pai foi pagar umas contas e eu fiquei lá esperando...
A casa era suja. Os porcos andavam por ela. Entravam e saiam animais. Eu fui ao portão,
queria ir embora, mas nâo podia. Eu precisava que meu pai viesse para me ajudar, me tirar
dali... Eu tentava ter uma idéia de como ir para minha casa. mas não conseguia. Eu
dependia do meu pai. Acordei".

Análise anterior mostrava:


a) Problemas conjugais dos pais intensificando as dificuldades da mãe em manter
um padrão de disciplina consistente (faltava monitoria, supervisão e reforçamento de
condutas adequadas da criança, relacionadas inclusive com a enurese);
b) Valorização pela mãe, das dificuldades da filha, como motivo para evitar a
separação conjugal;
c) Pai, que sempre fora muito envolvido em seu trabalho, neste momento tentando
ajudar a filha a superar a enurese (o pai estava fazendo todo o treino sem ajuda da mãe);
d) Momento em que a criança apresentava melhora e os pais estavam piorando
o relacionamento entre si;
e) A criança bastante inassertiva e que se sentia responsável pela disputa dos
pais.

Neste contexto, a criança contou espontaneamente o seu sonho, com ansiedade


e emoção e conseguiu relacionar o seu sonho com a sua vida atual, com ajuda da terapeuta.
Na medida em que ocorreu a análise, a cliente foi sendo estimulada a falar a T seus

Sobre Comportamento c CotfniçJo 357


desejos, necessidades atuais e inclusive o que gostaria que T fizesse quanto aos mesmos.
Assim, tatos mais precisos e mandos mais diretos foram modelados, quebrando as esquivas
e modelando respostas mais assertivas e a realização da análise funcional pela própria
criança. Em resumo, a criança verbalizou que:
O pai é quem a ajudava e queria a sua melhora, contudo, sua melhora poderia
liberar o pai e eles se separariam, o que faria sua mãe ficar triste. Ela também não queria
a separação dos pais, uma vez que o pai abandonaria a mãe e a ela (a fala da mãe era de
que "ele vai nos abandonar”).
Ela sentia-se unida ao pai, a partir do seu interesse em ajudá-la a superar a
enurese ("o problema nos uniu"). Um conflito aproximação/esquiva se definia da seguinte
forma:
- Se meu pai “nos" abandonar, eu não ficarei bem, pois tenho problemas e preciso
da ajuda dele;
- Eu quero melhorar;
- Se eu ficar bem, posso perder o amor do meu pai e da minha mãe;
- Eu estou com medo;
- Eu não sei o que fazer.
Esta descrição do conflito levou ao seguinte mando direto da cliente à terapeuta:
- "Eu preciso de sua ajuda. Se eu falar isso para meu pai ou minha mãe, não vai
adiantar nada; eles não vão ligar". A percepção da criança era baseada em experiências
anteriores de invalidação das suas respostas aos estados internos por parte dos pais, o
que mostrava que mesmo o novo comportamento do pai ainda não sinalizava suficientemente
a ela que seria ouvida.
Na verdade, o pai havia se mostrado capaz de manter uma boa relação, afetiva e
de supervisão com os filhos, mas havia evitado assumir tal papel durante muito tempo,
acreditando ser este o papel da mãe, que não poderia ser realizado por ele, sem que
houvesse prejuízo ao desenvolvimento das crianças. Suas condutas eram então de tentar
fazer a mãe assumir “seu papel".
A cliente também disse à T que não saberia como falar a eles sobre o que sentia e
pensava assim, também com relação aos seus amigos. "Eu só sei falar para você". Informou
que gostaria que a T falasse com seu pai, pois ela "saberia" como fazê-lo. Sua crença era
baseada na constatação de que a terapia teria ajudado o pai a cuidar de suas necessidades.
Desta forma, a análise que decorreu do relato do sonho, das reações emocionais
apresentadas pela cliente enquanto contava o sonho a T, e da análise dos determinantes do
reíato naquele momento, fez o processo avançar com o aparecimento dos seguintes CRBs:
CRBsl - Déficit em identificar e relatar o conflito diretamente e solicitar assertivamente a
participação da terapeuta na solução;
CRBs2 - Discriminar a diferença entre o comportamento provável da terapeuta e dos pais
frente à expressão de seus conflitos, sentimentos e necessidades; apresentar seus desejos
e necessidades á terapeuta, de forma mais direta.

358 f Atimu Cristina dc Soum Conte


CRBs3 - Analisar mais apropriadamente o problema e mesmo a adequação de sua
percepção sobre o comportamento provável dos pais, isso é, de que uma vez que ela
ainda não tinha se arriscado a expressar tão claramente suas necessidades e medos aos
pais, mesmo no caso do pai, era natural que não se sentisse confiante; analisar o seu
sonho e usá-lo como fonte de autoconhecimento.

Desta forma, a cliente teve sua percepção explicitada, melhorada e validada e


pôde apresentar diretamente à terapeuta seus limites e suas necessidades. Na seqüência,
a T propôs a ela que “treinassem" (modelassem a habilidade) e falassem juntas com o pai,
tentando diminuir a esquiva, o que a criança recusou e então apresentou uma contra
proposta: "treinarem e a T falar com o pai na clínica e pedir a ele para que falasse com ela
em casa". Frente a resposta tão assertiva e que não era de simples esquiva, mas de
modelagem, a T não poderia se recusar! O trabalho então foi feito desta forma e o pai
mostrou-se sensível e expôs a ela que:
a) A decisão sobre a separação não estava em seu controle: "Era coisa decidida".
b) Não a abandonaria ao separar-se da mãe;
c) Esperaria um bom momento (para todos) para finalizar a relação com a mãe;
d) Estava disposto a lutar para que ela e os irmãos tivessem boas condições de
vida e nunca os abandonaria;
e) Queria que ela melhorasse e que fosse mais feliz assim, e que isso, ao invós
de afastá-los, tornaria a relação entre eles mais gostosa.

A criança relatou à terapeuta, posteriormente, como foi o seu diálogo com o pai
através de um teatro de fantoches, o que favoreceu a formulação de uma nova auto-regra:
eu posso sempre tentar expressar o que desejo e sinto; nem sempre dará certo; se eu
nunca fizer, nunca dará certo e nunca saberei o que aconteceria se eu tentasse. Se eu
tentar, estarei fazendo a minha parte (auto tato e auto mando mais realistas).
A criança melhorou sensivelmente, após esta etapa, e ampliou a sua assertividade
com outras pessoas. Sentia-se mais “corajosa” e superou a enurese noturna. A mãe teve
poucas mudanças no decorrer do processo e o pai continuou melhorando em sua interação
com os filhos. Ocorreu a separação dos pais posteriormente, a criança já havia encerrado
o processo e não teve recaídas. Suas relações com os amigos melhoraram e sua segurança
pessoal também.
O processo psicoterápico é um conjunto de intervenções, planejadas ou não,
realizadas conscientemente ou não pelo terapeuta, mais ou menos embasadas em
conhecimentos, estratégias, princípios e técnicas previamente estabelecidos, que se
combinam num contexto e num tempo, em processos únicos. Tudo isso torna difícil saber
o que funciona na psicoterapia, de fato. Porém, os terapeutas observam os resultados de
suas intervenções junto aos clientes e a riqueza de efeitos comportamentais que ocorrem
em um dado momento. Isso os faz analisar e repetir relações entre os eventos. A repetição
do estilo de interação e da seqüência aqui apresentada, em momentos oportunos, tem
mostrado resultados bastante positivos. A exploração da FAP com crianças, da análise

Sobre Comportamento e Cognifílo 3 5 9


dos seus sonhos e do comportamento de relatar merece e precisa ser mais investigada.
Há muito mais entre a psicoterapia da criança e o Behaviorismo Radical do que possa
imaginar a nossa vã filosofia!

Referências

Callaghan, G. M,(2000) - The Clinicai Utiiity Of Client Dream Reports From A Radical Behavioral
Perspective - The Behavior Therapist -19(4),
Conte, F.C.S & Brandão, M. Z. S. (1999) - Psicoterapia Analítico Funcional: A Relação Terapêutica
E A Análise Comportamental Clínica - em R. Kerbauy, e R. Wielenska (Orgs.), Sobre
Comportamento e Cogniçâo Vol. 4 - S. Andró: Arbytes Editora.
Conte, F.C.S. & Regra, J. A.G. (2000) - Psicoterapia Comportamental Infantil: Novos Aspectos.
Em E.F.M. Silvares (Org.), Estudos de Caso em Psicologia Clínica Comportamental Infantil
- Vol. 1 - Campinas: Papirus Editora.
Kohlenberg, R.J. & Tsai, M (1991) - Functional Analytic Psychotherapy - Creating Intense and
Curative Therapeutic Relationships. Plenum Press: Now York.
Kohlenberg, R.J. & Tsai, M(1987) - Functional Analytic Psychotherapy .In N. S. Jacobson (Ed.)
Psychotherapists in Clinicai Practice: Cognitive and Behavioral Perspectives. New York:
Guilford Press.
Skinner, F.B.(1957) - Verbal Behavior - Now York: Appleton Century Grofts, Inc.
Skinner, B.F. (1993) - Sobre o Behaviorismo.(M. P. Villalobos, Trad.) São Paulo: Editora Cultrix.
(trabalho original publicado em 1974).

360 hW nw Cnslin,» <Jf Sou/<> Conte


Capítulo 41
Sobre a relevância do estudo experimental
do comportamento complexo com animais 1

Paula Dehert
PUC SP

A relevância do estudo experimental com Infra-humanos para o entendimento do qualquer comportamento humano parece
ser consolidada na análise experimental do comportamento. Entretanto, multoa ainda te moutram cèticoa quanto a importância
de se estudar, com sujeitos infra-humanos, comportamentos complexos, tais como aqueles que envolveriam o quo é
comumente chamado de ‘ aprendizagem complexa* ou ‘ cogniçào*. Tal resistência geralmente tem como base o argumento de
que estes estudos envolveriam tamanha simplificação que justamente eliminaria a complexidade característica de tais
comportamentos, no caso, o próprio objeto de estudo em questflo. A partir da descrição de como alguns autores, que
estudaram comportamento complexo com sujeitos infra-humanos, discutem a relevância destes Irabalhos, o presente texto
teve por objetivo reunir e Ira/er novos dados para responder a seguinte questão: quais seriam os argumentos que
contribuiriam para destacar a relevância do estudo experimental do comportamento complexo com sujeitos infra-humanos?
Para tanto, primeiramente foram apontadas as dificuldades encontradas no estudo direto desses comportamentos com
sujeitos humanos devido a sua complexidade, Inacessibilidade e a considerações éticas. Em um segundo momento, a
relevância do estudo do comportamento complexo com infra-humanos foi apontada tendo em vista os dados disponíveis
com os quais, especificamente, poder-se-la contribuir para avançar em discussões teóricas e metodológicas que dizem
respeito ao comportamento complexo humano. Tais discussões envolvem questões que se referam, principalmente, à
delimitação daquilo que é característico do ser humano como também as interpretação a respeito do tipo de diferença
(qualitativa ou quantitativa) que sa supõe existir entre humanos e Infra-humanos. Uma vez que uma interpretação analítico-
comportamental parte da noção de que tais comportamentos são produtos de uma história de refoçamento passível de ser
descrita e analisada, questões metodológicas a ser respondidas a partir destes estudos, e não dlvagações a respeito da
natureza humana, passam a ser de maior Importância.
Palavras-chave: comportamento complexo, cogniçào, sujeitos infra-humanos.

The relevance of the experimental study with infra-humans for the understandmg of any human behavior seems to be
Consolidated in the Fxperimental Analysis Behavior. However, many authors are stlll skeptics about such relevance where
complex behavior, such as what is usually called "complex learning" or “cognition", Is concerned. Such resistance generally
is based on the argument that experimental studies with infra-humans necessarily involve simpllflcation, which elimlnates the
very definlng characteristlc of complexlty, the feature of behavior that should be at issue. The present artlcle aimed at
gatherlng some data to answer the following question: what would be the arguments that would contnbute to highlight the
rolevance of the experimental study of the complex behavior with infra-humans subjects? This Is done from the perspective
of some authors that studled complex behavior with Infra-humans subjects. First, the dlfficulties found in the direct study of
these so-called cognitive behaviors with human subjects due to complexlty, Inaccessibility, and the ethlcal conslderatlons are
dlscussed. Second, the relevance of the study of the so-called complex behavior with infra-humans Is pointed out by argulng
with some avallable 'animal' data that have contrlbuted to the development of theoretlcal and methodological issues related
to human complex behavior, Such dlscusslons involve matters tlvat refer, mostly. to the delimitation of what is characteristic
of the human being as well as interpretations concemlng the kind of difference (qualitative or quantitativo) which we suppose
to exlst between human» and infra-humans. Conslderlng that from a behavior analytic perspective complex behavior, as any
other behavior, is the product of a history of relnforcement that can be described and analyzed, the methodological issues
that will be pomted out by these studles are much more Important than dlgressions conceming human nature
Key words: complex behavior, cognition, Infra-human subject.

' A autora agradaca i i augcatOM a a culdadoaa raviaSo Anui d* Mana Amalia Pta Abib Andery
A praparaçío Inicial daal* trabalho contou com o auxilio da FAPESP (Prooaaao 04/04121-6).
Taxlo apraaantado oralmanta (palaalra) na IX Rauniâo Anual da AaaodaçAo Braanwra da Httcolerapw a Madona Comportamantal

Sobre Comportamento e Co#myJo 361


A partir da descrição de como alguns autores discutiram a relevância de seus
estudos sobre comportamento complexo com sujeitos infra-humanos, o presente texto
pretende reunir e trazer alguns dados para responder a seguinte questão: quais seriam os
argumentos que contribuiriam para destacar a relevância do estudo experimental do
comportamento complexo com sujeitos infra-humanos?
No que se refere ao entendimento de grande parte dos comportamentos humanos,
a relevância do estudo experimental com sujeitos infra-humanos parece ser
reconhecidamente consolidada na Análise Experimental do Comportamento, mostrando
implicações inquestionáveis para a atuação prática de muitos profissionais.
Um possível indicativo da consolidação e pervasividade destes estudos talvez
tenha sido o fato de, em alguns momentos, o foco da atenção dos analistas do
comportamento ter se deslocado das áreas de pesquisa e atuação com sujeitos humanos
e passado a incidir preponderantemente sobre estudos com infra-humanos. Tal
deslocamento tomou dimensões exageradas e, conseqüentemente, tornou-se alvo de crítica
por parte daqueles que defendiam a necessidade de mais pesquisas com sujeitos humanos,
uma vez que já dispúnhamos de uma imensa produção experimental com animais (Hake,
1982).
Por outro lado, embora a destacada ônfase nos estudos com sujeitos infra-humanos
tenha permanecido ao longo de muitos anos, ainda hoje, se pode constatar certo
estranhamento quando se trata de estudar comportamentos complexos2 com estes sujeitos.
Geralmente, a resistência a esse tipo de estudo tem como base o argumento de que ele
envolveria tamanha simplificação que eliminaria a complexidade característica de tais
comportamentos que, no caso em questão, é o próprio objeto a ser investigado.
No caso do estudo do comportamento verbal com animais, por exemplo, Michael
(1998), ao comentar o status atual e as futuras direções da análise do comportamento
verbal, destaca que muitos ainda se mostram céticos quanto ao valor de continuá-lo. Isto
em razão de que estudos sobre comportamento complexo em condições simplificadas
envolveriam tamanha artificialidade que dados assim produzidos não teriam valor no que
se refere ao esclarecimento de questões sobre comportamento verbal.
De qualquer forma, tanto aqueles que criticaram a exagerada ênfase nos estudos
com sujeitos infra-humanos quanto aqueles que criticaram o fato destes estudos serem
por demais simplificados enfrentam algumas dificuldades para estudar diretamente (com
humanos) comportamentos complexos.
Para Epstein (1984), estas dificuldades se devem, principalmente, a uma série de
características próprias dos comportamentos complexos que o possibilitaram chamá-los
de "comportamentos recalcitrantes”, ou seja, "resistentes", "desobedientes". A seguir
algumas dessas características e dificuldades de se estudar diretamente comportamentos
complexos com humanos são sucintamente apresentadas.

1. Multideterminação
Segundo Skinner (1953), o fato de todo comportamento ser função de múltiplos
determinantes é justamente o que lhe confere complexidade. No caso do comportamento

1Como Mrá viito a seguir noa «xampto* d* peaqulaa deetacadoe, a literatura tem atribuído, am grande parta da* vttzet, o rótulo de 'comportamento
complexo" a comportamento* que envolvem o que è comumente chamado de ‘ aprendl/agem complexa', 'memória", 'linguagem ', 'cogniçâo'. ‘ toluçAo
tle problema»-, "criatividade", "pentamento produtivo", auto consciência’ , etc

362 Paulu IM iert


complexo, a multiplicidade de variáveis mutuamente envolvidas em sua determinação deve
ser ainda maior, considerando-se, por exemplo, que muitos anos são necessários para
que seu desenvolvimento seja possível. Tal característica implica uma maior dificuldade de
analisar, decompor as variáveis envolvidas em sua determinação. Torna-se, portanto, mais
difícil obter uma descrição precisa, confiável dos comportamentos complexos.

2. Eventos importantes em um passado distante

As contingências de reforçamento que produziram esses comportamentos, na


maioria dos casos, estavam em vigor em um passado distante, no inicio do desenvolvimento
do indivíduo como, por exemplo, na infância, no caso do comportamento de falar. Nesse
sentido, é praticamente impossível o acesso a estas contingências, o que dificulta a
possibilidade de manipulá-las.

3. Considerações éticas

Por fim, uma das maiores dificuldades do estudo direto do comportamento


complexo com humanos diz respeito ao fato da experimentação, da manipulação de variáveis,
de uma forma ideal poder envolver problemas óticos. Se pudéssemos manipular e controlar
todas as condições que acreditássemos serem essenciais para o estabelecimento de
determinados comportamentos - por exemplo, um ambiente verbal, experiências de
aprendizagem etc. - uma descrição completa de tais comportamentos complexos seria
fornecida com maior confiança. Entretanto, obviamente não podemos privar um ser humano
de tais experiências para que seja realizada uma manipulação adequada.
Quanto a esta última característica, Epstein (1984), em um artigo em que reúne
argumentos a favor de estudos sobre comportamentos complexos a partir de simulações
com animais, descreve experimentos em que se procurou privar seres humanos das
experiências destacadas. Nestes casos, tinha-se por objetivo fornecer respostas definitivas
a questões importantíssimas sobre o comportamento humano que permanecem sem
respostas como, por exemplo, a questão a respeito da origem da linguagem oral. De
acordo com uma concepção extrema que atribui o comportamento complexo à capacidades
cognitivas inatas, pode-se supor que independentemente de um ambiente verbal, mesmo
que uma criança nunca fosse a ele exposta, a linguagem iria emergir. Se uma criança
fosse criada desde o seu nascimento sem contato com um ambiente verbal, um resultado
positivo (ou seja, ela passar a falar) seria muito informativo. Um resultado negativo, pelo
menos, forneceria dados indicativos de que é inadequada a visão de que determinado
aparato cognitivo inato é responsável por tal comportamento complexo. Mas, como testar
uma afirmação como essa, sendo que isto implicaria colocar um ser humano em uma
condição que o privaria daquilo que ó essencial para a sobrevivência?
Como um exemplo da brutalidade dos experimentos desenvolvidos há muitos
anos atrás, Epstein (1984), por meio de um relato anedótico, conta que a privação do
convívio social, desde muito cedo, além de ter privado o indivíduo de adquirir linguagem,

"Inlaraaaadoam daauobnr o d » da Ma ou ■ manata qua n U m daaanvofcana am uma cnança *am •q j*n *o n prftvw da uonvwwr oom alguém,(■'rndanuo II ordenou
qua mâaa, «mm ato. tomacaaaam lodo* o* cuidado* nacaaaArio* ao* m u i IHhoaa cnançaa, ma* d* torma alguma podariam falar com «In O Imparador daaajava
vartflcar qual danlra aa NnguaaawatanlM Mria apraaantada por aataa crianças. Elaa hlanam habraloo. a Hngua malaantiga anlro Ioda*, grego, Mm, Araba ou a língua
do *aua pa«? Como |Afai dito. Ioda* as criança* n*o «obrevlveram, o qua tol aWbuldo ao lalo d* taram *ldo prtvadaa da* palavra* da aua* mia* doada o naadmanto.

Sobro Comporliimcnlo c CouniçJo 363


causou outros danos. No relato discutido por Epstein (1984), um historiador medieval
(Salimbene) conta que Frederico II, imperador de Roma, tentou fazer um experimento
desse tipo que culminou com a morte de seus sujeitos3.
Sem se d e te r às p o ssíve is c ritic a s m e to d o ló g ic a s que p od eria m ser dirigida s a
expe riên cias com o as suge rida s por F re d e ric o II, da m esm a fo rm a que E p stein (1984),
con sid e ro que fica m o s m elhor sem s a b e r as re s p o s ta s para e sse tipo de q u e s tã o na
m edida que, a p a ren tem ente, ela e v e n tu a lm e n te seria re spond ida a p e n a s p o r m eio de
m étodos altam ente inaceitáveis.

Por questões óticas e até metodológicas, portanto, nunca teremos descrições


definitivas de certos comportamentos humanos complexos a partir de estudos diretos e
talvez por isso seja importante desenvolvermos outras metodologias.
Sendo assim, a partir dessas características recalcitrantes do comportamento
complexo, onde a análise objetiva, direta, é complicada, o estudo indireto deve tomar
lugar. Nas situações em que um ataque direto ó impossível, nós podemos construir
descrições plausíveis da emergência de certos comportamentos complexos a partir de
simulações cuidadosas com sujeitos infra-humanos. Nesse sentido, a simulação desses
comportamentos em laboratório com animais configura uma alternativa viável para se
contornar todas as dificuldades ora apontadas. Onde a análise direta é complicada, a
ficção pode tomar lugar e, ainda assim, podemos tratar da emergência de comportamentos
humanos complexos considerados misteriosos.
Uma enorme produção de estudos sobre comportamento complexo com animais
bem como uma diversidade de análises a respeito de sua relevância vêm desvelando
formas de se contornar as dificuldades do acesso direto ao comportamento complexo,
fornecendo dados para a sua compreensão e, portanto, consolidando sua relevância. Apesar
de grande parte das interpretações decorrentes destes estudos terem recorrido a estruturas
cognitivas ao elaborarem explicações cognitivistas a respeito do surgimento de
comportamentos complexos em animais, elas não foram aqui consideradas, priorizando-
se descrições de interpretações coerentes com os pressupostos da Análise Experimental
do Comportamento. Além disso, foram principalmente considerados os artigos
desenvolvidos pelos autores do Projeto Columban - do qual Skinner fez parte - uma vez
que este projeto pareceu ter se constituído como uma das primeiras tentativas de
sistematizar simulações de diversos comportamentos complexos com animais e discutir
sua relevância de forma coerente com os fundamentos da Análise Experimental do
Comportamento.

Alguns dos estudos do “Projeto Columban”

Um estudo sobre comunicação simbólica, com pombos, foi desenvolvido em um


projeto chamado "Projeto Columban" do qual, entre outros, B. F. Skinner e Robert Epstein
faziam parte4. Em uma primeira descrição geral dos estudos do projeto Columban, Epstein

*0 projeto Columban envolveu uma %érmde estudos publicados em diferentns luoares e por diferentes grupo» de mrioret Oa autores citados no longo do
presente texto referem-se eaper.rflcamente Aquele* cujos nome* foram apresentado* nas publicações referida*, dando se preterénda As publicações que
envolveram descrições e anAlises do conjunto de eetudo que compuseram o Projeto Columban

364 IM>erl
(1981) relata um estudo conduzido por Savage-Rumbaugh, Rumbaugh e Boysen (1978),
em que dois chimpanzés parecem ter apresentado "comunicação simbólica". Entretanto,
estes autores não atribuíram tais desempenhos a uma história ambiental e sim a intenções,
a aspectos cognitivos, usualmente atribuídos a humanos.
Segundo Epstein (1981), no estudo com os chimpanzés de Savage-Rumbaugh,
Rumbaugh e Boysen, um dos chimpanzés assistia o experimentador esconder alguma
comida e, na presença de um outro chimpanzé, pressionava botões de um teclado com os
quais iluminava um símbolo correspondente à comida escondida. Se o outro chimpanzé,
então, pedisse a comida utilizando este símbolo, ambos eram reforçados com comida. De
acordo com Epstein (1981), este procedimento apresentou uma série de falhas como, por
exemplo, o fato de talvez os símbolos estarem funcionando como demandas para comida,
mais do que nomes (seriam "mandos", mais do que "tato"). Para eliminar estes problemas,
Epstein, Lanza e Skinner (1980) conduziram algumas alterações no procedimento descrito,
visando replicar os dados de Savage-Rumbaugh, Rumbaugh e Boysen (1978) com pombos.
Mais especificamente, esse experimento, descrito a seguir*, teve por objetivo estabelecer
um repertório similar àquele produzido com macacos, chamado de comunicação
simbólica.
A caixa experimental empregada no estudo conduzido por Epstein, Lanza e Skinner
(1980) era dividida em dois compartimentos por um vidro. Em cada um deles era colocado
um de dois pombos que poderiam se ver através do vidro. Apenas respostas específicas
foram diretamente ensinadas pelo experimentador no treino. Em um primeiro momento,
cada um dos dois pombos foi ensinado separadamente a relacionar cada uma das 3 letras
com suas cores correspondentes (por meio do procedimento matching to sample). Em
um segundo momento, o ouvinte foi apenas ensinado (pelo experimentador) especificamente
a pressionar a chave em que estava escrito “QUE COR?". O informante, por sua vez, foi
ensinado, também diretamente pelo experimentador, a olhar atrás de uma cortina onde se
encontrava uma das três cores visualmente inacessíveis ao ouvinte e a bicar uma das 3
letras que correspondia a essa cor. Em um terceiro momento, os dois pombos foram
colocados, ao mesmo tempo, na caixa experimental, cada um de um lado da caixa,
separados pelo vidro. O ouvinte foi, então, ensinado diretamente a bicar uma chave escrito
"OBRIGADO", depois que visse o informante bicando a letra correspondente à cor que
encontrou acesa atrás da cortina. Além disso, o informante, depois de bicar a chave
“OBRIGADO", foi ensinado, também diretamente e especificamente, a bicar a cor
correspondente a letra que o falante bicou.
Em um primeiro momento, os pombos apresentaram um desempenho um pouco
acima do nível do acaso, mas, no decorrer da sessão, os desempenhos foram melhorando
e, nas últimas sessões, 90% das respostas emitidas foram corretas. Depois que os pombos
apresentaram esta alta porcentagem de acertos, durante algumas sessões, foram
conduzidos testes em que o experimentador não mais controlava manualmente a liberação
de reforço contigente a cada uma das tarefas especificamente ensinadas; a liberação de
reforço passou a ser automatizada.
O desempenho final apresentado foi chamado por Epstein, Lanza e Skinner (1980)
de uma conversação "substancial" e "natural". Um dos pombos, que era o "ouvinte",

" A da*crlçâo do Mtudo da tp*tain, Lanza • Sklnnar (1980) nâo con»t«r* da algumas informaçOa* importam*» a ratpaito do método ampragado a do*
rmultado* obtido*, poato qua M ta* nAo foram dlaponiteHzada* na pubkcAÇAo rafaranta ao aatudo

Sobro C om purlum cnlo e C ojj/)ií*lo 365


pressionava uma chave onde estava escrito "QUE COR?”. O outro pombo, o “falante",
olhava a cor que estava escondida do ouvinte atrás de uma cortina e bicava uma das letras
disponíveis que correspondia à cor escondida (verde - “G", vermelho - "R” ou amarelo -
"V”). Esta resposta do falante podia ser vista pelo ouvinte que, logo em seguida, pressionava
a chavo "OBRIGADO", o quo fazia com quo a comida (reforço) fosso liborada ao falante e,
então, escolhia a chave com a cor correspondente à letra selecionada pelo falante, o que
liberava reforço a ele próprio (ouvinte). Uma sessão controle foi conduzida para garantir
que a comunicação dependia de símbolos. Nessa sessão, as chaves de resposta com as
letras do falante foram cobertas, de forma que o ouvinte não as veria. Isto que piorou o
desempenho do ouvinte.
O desempenho final descrito emergiu, não sendo diretamente ensinado. A troca
foi iniciada por um dos pombos, e não pelo experimentador, por meio de um equipamento
automatizado que liberava reforço. Além disso, diferentemente do estudo com chimpanzés,
como as letras correspondiam a cores e não à comida, estas não estavam sendo bicadas
como “requerimento por comida" (“mando"). De acordo com Epstein, Lanza e Skinner
(1980), uma descrição parcimoniosa dos desempenhos dos pombos neste estudo seria:
"o falante bica em direção do ouvinte porque o comportamento do ouvinte de fato precede
à liberação de comida".
Segundo Epstein (1981), apesar da troca estabelecida entre os pombos ser mais
uma demonstração do que um experimento, esse estudo tornou possível pesquisas
substantivas em uma série de outros tópicos. Um deles foi a tentativa de se estabelecer
em pombos uma cadeia de comportamentos em que se utilizava chaves símbolos de uma
forma similar ao uso de lembretes por humanos. Ainda outro tópico envolveu o
estabelecimento de comportamentos de “auto-consciôncia" nos pombos. Neste caso, ao
final de determinado treino em que repertórios específicos foram instalados (bicar pontos
azuis em seus corpos e bicar certas posições na parede e no chão de suas caixas
experimentais a partir de pontos azuis no espelho), os pombos passaram a apresentar
comportamentos novos em testes sem reforçamento. Dito de outra maneira, os pombos
foram capazes de localizar (bicar) 3 pontos azuis projetados em seus corpos, identificando-
os por meio de um espelho. Isto foi possível sem que os pombos pudessem ver os pontos
diretamente (sem o espelho) já que, em seus peitos e ao redor de seus pescoços, foi
colocado um objeto que os impedia de ver os pontos a não ser enquanto ficassem
completamente eretos.
Já neste tópico, Epstein (1981), em seu artigo tratando de um grupo de estudos
do Projeto Columban, apresenta uma discussão interessante sobre a relevância desses
estudos. Apesar das discussões a respeito desses repertórios adquiridos serem ou não
auto-consciência ou auto-conceito e se, de fato, esses conceitos são científicos ou não,
foi possível a identificação de um conjunto de algumas variáveis de controle que são vistas
como responsáveis pela produção do repertório de auto-consciôncia. Portanto, foi dado
um passo na direção de se descobrir essas variáveis, de reinterpretar estes fenômenos
em termos comportamentais. Além disso, aquilo que é geralmente chamado de auto-
consciôncia e que se supunha ser produto de uma maturação física ou de uma entidade
cognitiva que só poderia ser identificada em humanos ou primatas mais evoluídos, pôde
ser estabelecido/simulado om pombos. Dessa forma, apenas com este tópico, já se forneceu
uma demonstração de que os fenômenos simulados não estão restritos apenas ao caso
humano.

366 n*«uiii pcbcti


Um outro tópico estudado foi a simulação de "insight' nos pombos a partir da
emergência de um repertório, não diretamente ensinado, de pegar uma banana por meio
de um anteparo. Dois repertórios foram inferidos como necessários para quo o
comportamento final pudesse emergir: subir em objetos para alcançar outros e puxar
coisas por perto. A cadeia final do respostas obtida a partir do treino destes dois repertórios
necessários foi: olhar a banana pendurada na lateral esquerda do teto da caixa experimental
fora do alcance do pombo, olhar o anteparo no canto direito da caixa experimental, empurrar
a caixa posicionando-a do lado esquerdo exatamente em baixo da banana, subir na caixa
e alcançar a banana.
De acordo com Epstein (1981), essa seria uma forma de construir “uma descrição
plausível da emergência de um comportamento de "insighf no sentido de conhecer a
história ambiental deste comportamento complexo”.
Epstein (1981) aponta que especialmente dois aspectos permitem destacar a
relevância deste conjunto de estudos que cumpriram o objetivo de simular uma série de
comportamentos humanos complexos, utilizando-se de pombos como sujeitos. O primeiro
deles, já apontado, envolve a plausibilidade da recriação de alguns processos complexos
com infra-humanos a partir, especificamente, do arranjo de determinadas contingências.
Com esses estudos, trabalha-se a partir do conhecimento de princípios gerais, a partir do
mais simples, em uma situação com maior controle de forma que se possa, assim, ter
uma noção mais clara do processo pelo qual esses complexos repertórios foram
estabelecidos. A partir do momento que se tem uma noção mais clara deste processo,
têm-se também a possibilidade de obtenção de descrições de como tais comportamentos
surgem no ser humano.
Para Epstein (1981), apesar do questionamento quanto ao fato desses repertórios
adquiridos representarem, de fato, comunicação simbólica, auto-consciência e etc., o
quão plausível essa descrição é depende de quão similar é a correspondência topográfica
e funcional ao caso humano e do quão planejada é a situação de treino.
Vale ressaltar que se a simulação é bem sucedida, não se provou que a conjectura
era correta - que a história ambiental identificada é responsável pela emergência desse
comportamento em humanos: preferivelmente, foi produzida "uma descrição plausível” do
comportamento - tem-se o que é chamado de "evidência plausível”.
Um segundo aspecto que confere relevância a estes estudos envolve o fato de tais
simulações possibilitarem a recriação de processos comportamentais complexos a partir
de um detalhamento de certas histórias ambientais que contribuíram para a sua emergência,
contrapondo a visão recorrente de que estes processos são obscuros, misteriosos etc. A
partir dessas simulações, pode-se, então, revelar e realçar o papel de certas histórias
ambientais na emergência de alguns comportamentos humanos vistos como enigmáticos.
Além disso, de acordo com Epstein (1981), apesar das simulações anteriormente
descritas não responderem às dúvidas existentes a respeito da origem de comportamentos
complexos no caso humano, cada uma delas dá maior credibifidade ao tipo de especulação
que busca a origem dos fenômenos complexos estudados na história de reforçamento do
indivíduo. Logo, o estabelecimento destes comportamentos complexos com sujeitos infra-
humanos provê uma plataforma para comentar as concepções não behavioristas sobre o
comportamento humano. Isto é, a partir da reprodução desses processos complexos com
sujeitos infra-humanos, tem-se finalmente dados para contra argumentar interpretações

Sobre C\>m(K)rl.imcnlo c Co^invilo 367


que tratam das capacidades cognitivas humanas como tipicamente humanas e auto-
iniciadoras.
Até aqui temos, então, alguns argumentos e dados que nos permitem vislumbrar
a relevância dos experimentos sobre comportamento complexo com animais, apesar de
ainda outros poderem ser destacados (por exemplo, um estudo sobre comunicação de
eventos privados conduzido com pombos de Lubinski e Thompson, 1987 e um estudo
sobre agressão simbólica também conduzido com pombos de Andronis, Layng e
Goldiamond, 1997). Skinner (1984), de uma forma mais contundente, descreveu a relevância
desses estudos, mostrando que apenas estudos com infra-humanos sobre comportamento
complexo nos permitem responder a determinadas questões:

“Apesar de às vezes dizerem que a pesquisa em animais inferiores torna impossível descobrir
o que ó caracteristicamente humano, é só estudando o comportamento dos animais inferiores que podemos
dizer o que ô caracteristicamente humano. As dimensões daquilo que parece ser humano foram sendo
progressivamente reduzidas quando começamos a entender melhor os organismos inferiores." (Skinner,
1984, p. 259)

Avançando um pouco mais na descrição da relevância dos estudos sobre


comportamento complexo com sujeitos infra-humanos, a partir dos dados obtidos nos
estudos anteriormente citados, já podemos destacar uma questão pertinente não apenas
a Psicologia, mas a outras áreas do conhecimento. Essa questão refere-se ao tipo de
diferença que se supõe existir entre humanos e animais e mais especificamente gira em
torno de duas posições divergentes a respeito destas diferenças. Em linhas gerais, a base
de sustentação desta divergência seria o apontamento de diferenças qualitativas ou
quantitativas entre humanos e infra-humanos.
A suposição de uma diferença qualitativa parte da idéia de que haveria processos
comportamentais fundamentalmente diferentes entre humanos e animais. Em decorrência
disso, os desempenhos apenas observados em humanos seriam atribuídos a sistemas
neurais associativos e a redes que se desenvolvem apenas no sistema nervoso central do
ser humano (Dube, Mcllvane, Callahan & Stoddard, 1993).
Já a suposição de que a diferença é quantitativa parte da idéia de que a complexa
experiência encontrada apenas no caso dos seres humanos é a responsável pelos
comportamentos complexos observados apenas em humanos. Em decorrência disso, os
desempenhos obtidos exclusivamente com sujeitos humanos em experimentos sobre
comportamentos complexos seriam atribuídos a experiências pré-experimentais; e são
tais experiências pré-experimentais que faltariam quando não se obtém tais desempenhos
com sujeitos infra-humanos.
Se na prática de pesquisa, a partir de arranjos experimentais adequados,
comportamentos complexos podem ser estabelecidos em experimentos com sujeitos
não humanos, tem-se, portanto, dados que corroboram a interpretação de que as
contingências de reforço arranjadas são as responsáveis pela produção de comportamentos
complexos. Estruturas neurais ou cognitivas que não foram e nem podem ser manipuladas
nesses estudos experimentais não podem ser indicadas como responsáveis pelo
comportamento complexo produzido na simulação. Neste sentido, a hipótese de que a
diferença entre homens e animais é quantitativa ganha maior viabilidade.

368 l\iu lti Pebcrl


Procurou-se até aqui apontar a relevância dos estudos com sujeitos infra-humanos
sobre comportamentos complexos no que se refere ao combate às teorias cognitivistas, à
identificação das variáveis das quais determinado comportamento complexo é função e à
possibilidade de, com esses estudos, entrarmos em uma discussão pertinente a diversas
áreas de conhecimento. O interesse agora ó analisar como especificamente esse tipo de
estudo favorece a criação de novas metodologias para se tratar do caso humano.
A partir de experimentos com infra-humanos que tém por objetivo avaliar
procedimentos que eventualmente supririam os pré-requisitos necessários para o
estabelecimento de comportamentos complexos, pode-se descobrir procedimentos
alternativos que nos permitam suprir também déficits comportamentais humanos no caso
de comportamentos complexos (Hixson, 1998).
Por exemplo, na área de equivalência de estímulos é recorrente a obtenção de
resultados negativos com infra-humanos quando se procura estabelecer classes de
equivalência. Tais resultados têm gerado novos estudos em que determinados parâmetros
dos procedimento comumente empregados são alterados.
O estudo de Sidman, Rauzin, Lazar, Cunningham, Tailby e Carrigan (1982)
apresentou uma série de experimentos cujo objetivo central foi favorecer a formação de
classes de estímulos equivalentes em infra-humanos a partir de sucessivas alterações de
determinados parâmetros do matching to sample. Desta forma, ao contrário de atribuir os
resultados negativos recorrentemente obtidos em seus estudos a uma inabilidade da
espécie utilizada de formar classes de estímulos equivalentes, estes autores preocuparam-
se em explicar tais resultados a partir da identificação de especificidades inadequadas
dos procedimentos empregados - o que estaria mais próximo de uma concepção que
pressupõe uma diferença quantitativa entre humanos e infra-humanos.
Nota-se que a direção de pesquisa sugerida pela explicação anteriormente
caracterizada envolveu a proposta de se avaliarem os parâmetros dos procedimentos
comumente empregados, visando possíveis alterações metodológicas que poderiam vir a
produzir resultados positivos com animais no que se refere ao estabelecimento de
comportamentos complexos. A eventual obtenção de resultados positivos a partir destas
alterações, por sua vez, forneceria dicas de procedimentos alternativos que poderiam ser
empregados quando há alguma dificuldade de se estabelecer determinados
comportamentos complexos em seres humanos.
Sendo assim, tais estudos procuraram e procuram fornecer primeiramente uma
avaliação, passo a passo, dos parâmetros que supostamente seriam responsáveis pelo
insucesso de estabelecer comportamentos complexos. Em um segundo momento, tais
parâmetros são alterados, reavaliados e realterados até que resultados positivos possam
ser algum dia vislumbrados com sujeitos infra-humanos. A futura obtenção de resultados
positivos com sujeitos infra-humanos traria à tona novas metodologias possíveis para se
tratar do caso humano quando as tradicionais se mostram inefetivas.
É, portanto, nessa atividade extensa e minuciosa de avaliação, alteração,
reavaliação, alteração etc., presente em estudos sobre comportamento complexo com
infra-humanos, que poderemos encontrar alternativas interessantes para tratar de
comportamentos complexos humanos.

Sobic Cumporliimcnlo c C o ^m ^o 369


Este é certamente um trabalho difícil que envolve uma atitude diante do pesquisar
essencial e muito bem caracterizada por Skinner nos seguintes termos:
“A análise experimental do comportamento em geral também caracteriza-se por uma
atitude tranqüila diante do ainda-nâo-analisado ou do ainda-nâo-explicado. /\s criticas
freqüentem ente sugerem que a a nálise è s iip e rsim p li ficada, que ela negligencia fatos im portantoa,
q ue algumas exceções óbvias demonstram q ue as formulações não podem s e r adequadas, e
assim por diante.(...)
A paciência diante das parles inexploradas de um campo é particularmente importante
numa ciência do comportamento porque, por fazermos parte da própria matéria de estudo, podemos
sentir-nos esmagados pelos fatos que ainda precisam de explicação. Ilusões sutis, truques da
memória, o estalo que resolve problemas - “estes' são fenômenos fascinantes, mas é possível
que explicações genuínas no âmbito da ciência do comportamento, diferentes de princípios
verbais ou “lels“, ou hipóteses neurológicas, estejam atualmente fora do nosso alcance. (...) Por
isso, explicitamente ele (o analista do comportamento) deve colocar as primeiras coisas em
primeiro lugar, avançando para as coisas mais difíceis só quando o poder de sua análise o
permitir." (Skinner, 1984, pp. 237-238).

Vale a pena apostar nessa paciência diante dos aspectos relevantes dos estudos
sobre comportamento complexo com sujeitos infra-humanos aqui apontados.

Referências

Andronis, P.T., Layng, T.V.J. & Goldiamond, I. (1997). Contingency Adduction of "Symbolic
Agression" by Pigeons. The Analysis of Verbal Behavior, 14, 5-17.

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equivalence in nonverbal organisms. Psychological Record, 43. 761-778.
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Lubinski, D. & Thompson, T. (1987). An animal model of communication of interoceptive (private)
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M ichael, J. (1998). The current status and future dire ctio n s of the ana lysis of verbal
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Savage-Rumbaugh, S.; Rumbaugh, D. M. & Boysen, S. (1978). Em: Epstein, R. (1981) On


pigeon and people: a preliminary look at the Columban Simulation Project. The Behavior
Analyst, 4.43-55. Sidman, M., Rauzin, R., Lazar, R., Cunningham, S., Tailby, W & Carrigan,
P. (1982). A search for symmetry in the conditional discriminations of rhesus monkeys,
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370 Ptiulii I M h t I
Skinner, B. F. (1953). Science and human behavior. New York: Macmillan.
Skinner, B. F. (1984). Contingências do reforço: uma análise teórica. São Paulo: Abril cultural,
Coleção Os Pensadores.

Sobre Comporliimenlo c 371


Capítulo 42
Notas para uma revisão sobre
comportamento verbal

Maria Amalia Pie AhihAndery


PUC SP

O presenteartigopretendefazer um* bravacaracteruaçéodapesquisanaáreadecomportamentoverbal apartirdeuma


revisfiodeliteratura. Paratanto, apresentam-seoscritériosparaarevisãodeliteraturarealizada: umaanáliseinicial das
publicaçOessobrecomportamentovertoal no The Journal of the Experimental Analysls of Behavior (JEAB), noJournal of
Applied Behavior Analysis (JABA)enoThe Analysis of Verbal Behavior (TAVB). Umaanálisedaovoluçâodonúmorodoartigos
publicadossobrecomportamentoverbal nestesveiculosmostraque,emboraliajaregularidadenaspublicações, seunúmero
ébaixosecomparadocomoutrasAreasdeinteressedoanalistadocomportamento Umaanâllsedostemasquevômsendo
Investigados e debatidos mostra que bà hoje bastante diversidade de problemas sendo investigados e que a produçio
cientifica(empíricaeconceituai) daprópriaAreajáéobjetodediscussão
Palavras-chave: comportamentoverbal, linguagem,análisedocomportamento, B F Skinner

Thispaper oimedat brioflycharacterizlngthedevelopment of theresearchonverbal behavior. Thiswasdonethrougha


reviowof tholiteratureonthreebehavior analysisjournals The Journal of the Experimental Analysls of Behavior (JEAB),
(JABA), and The Analysis of Verbal Behavior (TAVB) Theanalysisof thenutnber of
Journal of Applied Behavior Analysis
artldesonverbal behavior publishedovertheyearsshow*that thenumbersarelowifcomparedtootherareas. Onthoother
hand, theanalysisshowsthat thereIsafaiiiyregular andstablestreamof publlcationsonverbal behavior lhe analysisof
theproblomsandissuesreferredshowsthat different aspectsInvolvedInthestudyof verbal behaviorareboingstudiedand
that thoareaitself Istakenasasubject matter.
Key words: verbal behavior, language, behavior analysis, B F. Skinner.

Quando se fala em comportamento verbal, o livro de Skinner de mesmo titulo,


publicado em 1957, ó talvez o primeiro marco a se considerar. Deste ponto de vista,
parece quase óbvio que uma revisão da área devesse começar por aí.

P or onde c o m e ç a r um a re v is ã o so b re c o m p o rta m e n to verbal

No entanto, mesmo que se considere Skinner como o autor que delimitou e


estabeleceu a área, a questão não é tão simples. O próprio Skinner publicou inúmeros
artigos sobre comportamento verbal antes de 1957 e se tomarmos, então, a ele, autor,
como marco, teríamos que começar esta revisão em 1934, quando publicou seu primeiro
artigo sobre o tema, discutindo a produção literária de Gertrude Stein (Skinner, 1934).
Esta possibilidade se fortalece se considerarmos que este não foi um caso isolado e que
Skinner publicou vários outros artigos entre 1934 e 1957 sobre comportamento verbal1.

' L m Irubelho nnlerior dtoculimo* * prodiivAo de SKIniief *otx» compon»m#nlo verbal »n|*r iom>*nle * 1057 Ver Sério, Andery * Michalatto (199U)

372 M .in .i A m .iliii Pio Al>il> Am lory


Mas sempre se pode argumentar que nos artigos anteriores a 1957, Skinner ainda
nâo tratava do tema da maneira como propôs que se o fizesse em 1957 e por isto ainda
deveríamos tomar como marco para uma revisão esta última data. Mas este argumento
poderia ser discutido com outra informação importante: a de que já em 1938 (Skinner,
1938) e novamente em 1953 (Skinner, 1953), há passagens em que o autor define e até
mesmo caracteriza alguns operantes verbais do mesmo modo que o fará em 1957. Deste
ponto de vista, poderíamos começar uma revisão da literatura sobre comportamento verbal
em qualquer destas duas outras datas.
Apesar destas outras possibilidades, a maior parte dos autores que discutem a
história ou o desenvolvimento da área de comportamento verbal estabelecem 1957 como
data de início de sua análise. O argumento aqui ó de que este ó o marco a partir do qual
Skinner lança, para a análise do comportamento, o desafio de estudar, como uma área, o
comportamento verbal, afirmando que sem o desenvolvimento de um programa de pesquisas
sobre comportamento verbal, muito do comportamento humano deixará de ser abordado.
Considerando-se que o próprio termo 'comportamento verbal’ (em oposição ao termo
‘linguagem’) foi cunhado e defendido por Skinner neste mesmo livro, aí parece estar mais
uma razão para considerar 1957 como marco inicial na análise do comportamento, para o
estudo do comportamento verbal.
Estabelecida uma data em que começar uma revisão sobre a área, ainda teremos
que lidar com alguns outros problemas. O primeiro deles: o que define a área? Falar de
comportamento verbal, na análise do comportamento, envolve o tratamento de um fenômeno
definido de maneira razoavelmente precisa por Skinner, em 1957. No entanto, tal fenômeno
é tão abrangente e está envolvido em tantos outros quando lidamos com comportamento
humano, que a delimitação de quais são e quais não são os trabalhos que tratam de
comportamento verbal ó muitas vezes difícil.
Além disso, outras abordagens em psicologia e mesmo outras áreas de estudo -
como a lingüística, por exemplo - tratam do mesmo fenômeno, e ainda que pudéssemos
quase que de principio descartar estudos sobre comportamento verbal em outras
abordagens da psicologia com o argumento de que tratarão de maneira completamente
distinta do fenômeno, não é tão claro que podemos fazê-lo com relação a outras ciências,
ou áreas de estudo, que poderiam, com outro ou o mesmo vocabulário, tratar de temas de
nosso interesse e apresentar resultados que melhorariam nosso conhecimento da área.
Isto significa que uma revisão sobre estudos de comportamento verbal poderia envolver
uma revisão de outras abordagens ou mesmo áreas de conhecimento.
Para efeitos de uma primeira revisão, no entanto, valeria a pena concentrarmos
nossa atenção naqueles autores e naqueles estudos e publicações que trataram de
comportamento verbal numa perspectiva compatível com a análise do comportamento, ou
seja, em uma perspectiva decorrente daquela proposta por Skinner, em 1957
Delimitada uma data a partir da qual rever os estudos e uma abordagem ao
problema, ainda teríamos que delimitar que tipo de trabalho analisaríamos e que veículos
usaríamos como fontes para busca e análise. Há, na área de comportamento verbal,
artigos, livros, dissertações e teses2 e certamente a produção sobre comportamento verbal
3 HA no Bmsil. em «no* recenla*. vAckm mterwMante* trabalho* da te*e / diwerlaçâo que envolveram diretamente a ârea de comportamento vartml, como
o trabalho de peaqulaa aplicada de Hubner (1902), ou oa trabalhoa experimental» de Am m (1996), Albuquerque (1998), Haracampo (1DBS) e de Amorlm
(2001), ou ainda trabalho» que envolveram a dl»cu»»*o da» propoatçOe» d» Skinner aobre oomportantenlo verbal, como o» trabalho» da Pereira (1999),
Rubano (1990) a Pa»»o» (1909)

Sobre C om porlam cnlo e Conniç.lo 373


não mais respeita as fronteiras geográficas de sua origem. No entanto, mais uma vez,
uma revisão completa destes veículos parece impossível. Mais uma vez é necessário
estabelecer limites a partir dos quais propor uma revisão. No caso presente, optou-se por
escolher como veículo para análise revistas (ou periódicos) de análise do comportamento,
na suposição de que estas são publicações que por serem sistemáticas são de fácil
acesso e acabariam por reproduzir melhor o desenvolvimento da área.
Levando-se em consideração que só a partir de 1982 publica-se uma revista de
análise do comportamento específica da área de comportamento verbal, The Analysis of
Verbal Behavior (TAVB), decidimos analisar também as duas mais importantes e antigas
revistas de pesquisa de análise do comportamento: The Journal of Experimental Analysis
of Behavior (JEAB) e Journal of Applied Behavior Analysis (JABA). Estas revistas, tendo
em vista sua história e seu compromisso com a ênfase na publicação de relatos de
pesquisas empíricas, parecem ser especialmente adequadas para a revisão proposta,
especialmente se considerarmos que, em 1957, Skinner propõe um programa de pesquisa3
para o estudo do comportamento verbaí. Especialmente adequado, pareceu ser a ênfase
em relatos de pesquisa básica, por parte do JEAB, e de pesquisa aplicada, por parte do
JABA, compondo duas vertentes de trabalho empírico que parecem estar incluídas no
programa de pesquisa proposto por Skinner em 1957.
Esta revisão inicial da área de comportamento verbal, portanto, assume como
marco da área, 1957, e a publicação de Verbal Behavior (Skinner, 1957) e , embora
restringindo sua análise á publicação de três periódicos (JEAB, JABA e TAVB), pretende
indicar algumas das características que compõem o que hoje poderia ser considerado
como a área de pesquisa sobre comportamento verbal em uma perspectiva da análise do
comportamento4.
Para a realização desta revisão foram identificados, listados e organizados os
artigos publicados no JEAB, desde 1958, e JABA, desde 1968, com as paíavras-chave
'comportamento verbal’ e / ou ‘linguagem’, bem como todos os artigos publicados no
TAVB, desde 1982.

A lguns núm eros sobre a publicação de pesquisas sobre com portam ento verbal
Uma análise meramente quantitativa do número de artigos publicados em cada
uma destas revistas, que poderiam ser classificados como tendo como tema
comportamento verbal, ou linguagem - ou algum sub-tema na área - ó reveladora.
A Figura 1 apresenta uma curva acumulada, por ano, do número de artigos
categorizados com a palavra chave 'comportamento verbal’ (CV) ou ‘linguagem’ (LG), no
JEAB e JABA, desde os seus primeiros anos até 1999. No JABA, 38 artigos foram
classificados apenas com a palavra chave ‘linguagem’, enquanto que no JEAB, 08 foram
assim classificados, o que poderia mostrar que, mesmo nestas revistas, parte dos artigos
empíricos sobre comportamento verbal utilizam, pelo menos enquanto vocabulário, um
vocabulário que foi recusado, por razões conceituais e metodológicas por Skinner. Isto

*Ver Michael (1908) e Andery, Micbeletto e Sério (1989)

4 Melo meno* dom outro* periódico* merecem *er av*l«do* em relação a e*le lema 1h» tímtmvtor Anulytt e tHriMionam (que »e tornou Holwvior and
PhkMOfjhti Me*ta primeira tenUMlva de revwio nAo foram *wtema<icnmen(e avaliado* por te caracterizarem como revlela* cu|a ênfase nâo é a publlcaçAo
de relato* de peequlM empírica, que era noeeo wtereeee primeiro

374 M tirid A nitiliu l’ ic A b ib A ruleiy


poderia mostrar que parte dos artigos não tratariam de comportamento verbal com uma
concepção behaviorista radical. Por outro lado, estes números poderiam mostrar também
o interesse por dialogar com outras abordagens ou áreas de conhecimento.

Percebe-se ainda que os artigos com palavra chave ‘linguagem’ não aparecem
nos primeiros anos do JEAB (o primeiro deles é de 1971) e estão bastante espalhados
entre o inicio dos anos 70 e o final dos anos 90; no caso do JABA, esta palavra chave
aparece com alguma regularidade - ainda que não seja muito freqüente - praticamente
durante toda a vida de publicação da revista, sugerindo, sim, diferentes controles no caso
de cada revista, em relação a esta palavra chave: tratar-se-ia, no caso do JEAB, mais de
publicações de autores que por razões muito particulares utilizariam em seus artigos esta
palavra. Já, no caso do JABA, é possível que se trate de marcar como área de investigação
algo que receberia o nome de linguagem em lugar de comportamento verbal.
A Figura 2 mostra, por ano, o número de artigos publicados em cada uma das trôs
revistas, que foram categorizados como de comportamento verbal (incluindo-se os artigos
categorizados como ‘linguagem’):

Sobre Comporlumcnlo e C'onniç«lo 375


No JEAB, notamos uma tendência de publicação sobre comportamento verbal
bastante tímida: são 72 artigos em mais de 40 anos de publicações (trimestrais). Por
outro lado, esta parece ser também uma tendência bastante estável, indicando algum
interesse e alguma possibilidade de publicação sobre o tema desde os primórdios da
revista (o primeiro artigo é de 1958), ainda que o tema comportamento verbal jamais tenha
estado entre os temas mais valorizados da pesquisa básica, pelo menos do ponto de
vista da política editorial do JEAB.
No JABA, foram publicados 132 artigos em 30 anos (4 por ano em média), 32 dos
quais são aqueles categorizados como de linguagem. No entanto, como no caso do
JEAB, estamos longe de poder considerar os artigos cujo tema central gira em torno de
comportamento verbal como área de pesquisa privilegiada na revista.
O aparecimento, em 1982, da revista The Analysis of Verbal Behavior e seu
desenvolvimento em lermos do número de artigos publicados por ano parece indicar, pelo
menos, que havia ainda campo para a publicação de artigos sobre comportamento verbal
entre os analistas do comportamento, uma vez que em 17 anos foram publicados 145
artigos. É também importante ressaltar que estas publicações não parecem ter tido como
efeito um desaceleramento de publicações no JABA e JEAB, sugerindo mais fortemente
que realmente parecia haver campo para publicações mais especificamente voltadas para
comportamento verbal..
Tomados em conjunto, estes resultados parecem indicar que comportamento
verbal parece vir se constituindo como uma tema de pesquisa entre analistas do
comportamento, ainda que de maneira que pode ser considerada tímida.

A lg u n s tem as d is c u tid o s nas p u b lic a ç õ e s

Muitos e variados temas aparecem como recorrentes nas publicações sobre


comportamento verbal. Uma categorização destes temas é quase impossível, uma vez
que diferentes critérios originariam distintas classificações. A categorização a seguir é
apenas uma tentativa de mostrar que nestes quase cinqüenta anos de pesquisa, diferentes
problemas foram alvo de interesse dos analistas do comportamento.5
O primeiro tema recorrente sobre comportamento verbal é o do controle operante
deste comportamento: artigos que mostram os efeitos de manipulações ambientais sobre
respostas verbais. Trabalhos como estes tornam-se menos freqüentes com o passar do
tempo, mas certamente tiveram importância e foram produzidos sob o impacto da definição
de comportamento verbal como comportamento operante, o que exigiu como uma primeira
tarefa dos pesquisadores mostrar esta característica do comportamento verbal, até então
tomado, muitas vezes, como manifestação de alguma estrutura e, portanto, como pouco
ou nada passível de mudança por mera manipulação ambiental.
A aquisição e as interações entre operantes verbais são outro tema de pesquisa
recorrente na área. A aquisição de mandos, tatos, comportamento intraverbal, comportamento
textual, comportamento de transcrição e comportamento ecóico vem sendo investigada,

* Ao final, am anexo, u g ue uma lista da alguma* referências d* artigos de pesquisa que podem sar classificado* oorno fa/emo* nesle tópico

376 M .iriii Am alid l’ ie A b ib A m lcry


tanto em trabalhos de pesquisa básica, como em trabalhos que se ocupam de responder
questões que sào tipicamente de pesquisa aplicada. Temas como (a) procedimentos distintos
para desenvolver estes operantes verbais, (b) interações entre estes operantes, (c) a
independência entre respostas verbais de mesma topografia quando participam de mais de
um operante, aparecem como tema9 de pesquisa, no decorrer dos anos.
É importante notar que, mesmo em uma revista como o JABA, títulos de artigos e
palavras-chave “tradicionais" algumas vezes substituem a nomenclatura proposta por
Skinner. Assim, artigos que tratam de pedidos, nomeação, formas gramaticais, leitura, ou
imitação verbal, por exemplo, muitas vezes poderiam ser re-classificados como relatos de
pesquisa sobre comportamento verbal.
A ‘aquisição de linguagem’ , enquanto um repertório mais amplo que a aquisição
de operantes verbais isolados, é também tema que reaparece algumas vezes na literatura.
De uma maneira geral, entretanto, trata-se, nestes casos, de trabalhos de pesquisa que
têm como sujeitos indivíduos com deficiências de desenvolvimento ou que são portadores
de danos cerebrais. Assim, mais freqüentemente, estes são trabalhos cuja preocupação
central é a de definir seqüências e procedimentos de treino para indivíduos que necessitam
de condições especiais para o desenvolvimento de um repertório verbal satisfatório.
Especialmente a partir dos anos 70, com o rótulo de ‘correspondência entre dizer
e fazer’, no JABA, e a partir dos anos 80, com rótulos que se referem a ‘comportamento
governado por regras’ ou ‘relato verbal’, um outro tema torna-se recorrente nas publicações
analisadas: as relações entre comportamento verbal e não verbal.
Procedimentos para investigação de aspectos específicos relativos a comportamento
verbal também aparecem como tema importante na área. Alguns estudos abordam problemas
mais gerais como as possíveis alternativas para o estudo de relatos verbais, ou de interações
verbais complexas, ou problemas que envolvem a discussão da possibilidade de estudos
sobre comportamento verbal com outras espécies. Outros estudos enfocam a discussão e
avaliação de procedimentos específicos voltados para a solução de problemas também
mais específicos como, por exemplo, procedimentos para a aquisição de mandos em crianças
com repertório verbal reduzido, ou procedimentos para a aquisição de comportamento textual
em crianças com história de problemas de leitura.®
Alguns dos artigos sobre comportamento verbal, publicados no JEAB, JABA e
TAVB, são artigos que podem ser melhor classificados como conceituais, uma vez que
sua análise não se baseia em resultados empíricos (obtidos pelos próprios autores ou por
terceiros). São artigos que discutem temas como a própria definição de comportamento
verbal e a classificação de operantes verbais proposta por Skinner, que discutem a relação
entre uma análise funcional e uma análise estrutural do comportamento verbal, ou que
discutem, por exemplo, as possíveis interações entre comportamento verbal e não verbal
sob distintas perspectivas. São também artigos que abordam questões metodológicas
importantes para a área como, por exemplo, o problema de qual ou quais seriam as
melhores medidas de comportamento verbal (uma vez que nem sempre medidas de
freqüência parecem adequadas), qual os quais seriam os procedimentos mais adequados
para o estudo do comportamento verbal enquanto comportamento continuado, ou quais

" NtMlH n «rn outras anâllMt pod«r-M-ia Incluir polo rmno* parle do literatura «obre equivalência de eatlmuloe No enlanlo. optou-te por nâo fazê-lo.

Sobre Comporlttmcnlo e Conniv»lo 377


seriam os critérios para a classificação do comportamento verbal que envolve
necessariamente a determinação por múltiplas variáveis.
Finalmente, entre os artigos sobre comportamento verbal, já se encontram artigos
de revisão e avaliação da área, revelando que já há acúmulo suficiente para a proposta de
sínteses, de criticas e de discussão do próprio futuro da pesquisa sobre comportamento
verbal. Dentre estes artigos, destacam-se aqueles que analisam a área a partir do próprio
livro Verbal Behaviore de como suas características e sua recepção teriam influenciado o
desenvolvimento posterior da pesquisa: tanto os efeitos do livro sobre a própria comunidade
de analistas do comportamento, tendo em vista suas próprias características (poucos
dados empíricos, dificuldade do tema que aborda, por exemplo), como os efeitos devidos
à resenha ao livro feita por Chosmky (que teria impedido a penetração do livro em outras
áreas de conhecimento e vertentes em psicologia), têm sido destacados nestes trabalhos.
Mas há tambóm artigos de revisão da área que tomam como tema a produção de pesquisa
sobre comportamento verbal, analisando, por exemplo, tendências de publicação, referências
ao Verba/ Behavior(1957), ou, mesmo, a própria produção de pesquisa empírica por parte
dos analistas do comportamento. E, finalmente, há artigos de revisão sobre sub-áreas
específicas como, por exemplo, procedimentos para ensino de mandos, resultados de
pesquisa com animais

C o n c lu in d o
Falando exatamente sobe o tema e a história de pesquisa sobre comportamento
verbal, Knapp (1998) afirma:
"Ver o futuro exige que se estabeleça uma linha de base... Já houve um sentido
no qual saber sobre comportamento verbal era saber Comportamento Verbal7 ... Isto não
foi fácil. A análise funcional que Skinner apresentou era impressionante por seu desafio a
antigas visões epistemológicas do ocidente e a descrições predominantes da aquisição e
uso da linguagem ... mesmo na comunidade operante Comportamento Verbal produziu
opiniões distintas em relação a seu valor ...Por volta do final dos anos 70 a tarefa era
caminhar para além do estudo de Comportamento Verbal para o estudo de comportamento
verbal... Sob certos aspectos, foi isto que ocorreu ...Um conjunto de problemas [de
pesquisa] emergiu‘...Assim, hoje, o estudioso que deseja rever a pesquisa sobre
comportamento verbal não se defronta com uma tarefa simples ... Mas, a despeito do
progresso das últimas duas décadas muitos problemas ainda permanecem. Há, ainda,
desacordos básicos em relação á adequação da proposta de Comportamento Verbal...
Há, aindfc, muitos campos com os quais uma análise operante precisa entrar em contato
... O movimento para além de Comportamento Verbalé o futuro de uma abordagem operante
ao comportamento verbal, mas só poderá ser reconhecido em relação à linha de base que
Skinner de maneira eloqüente e duradoura nos ofereceu". (Knapp, 1998, p. 123)
Uma revisão, ainda que inicial, da área de comportamento verbal revela, por um
lado, que os analistas do comportamento vêm enfrentando o desafio proposto por Skinner
em 1957 e, por outro, algumas das dificuldades de tal desafio; parte delas entrevista
desde 1957, outra parte, produto do próprio trabalho daí originado. A complexidade que a

' Quando • «xprantAo MIA «m itáNco n h n - tu no livro Vtrbal R»h*vtor

378 M dtui Am .ili.i Pic A b ib A m lcry


área assumiu parece ter produzido mais perguntas que respostas: perguntas sobre a
delimitação da área; perguntas sobre o quanto e sobre o que se acumulou de conhecimento;
perguntas sobre o quanto, enquanto analistas do comportamento, fomos capazes de dar
andamento ao programa proposto por Skinner; perguntas sobre quais são hoje os grandes
desafios a responder. No entanto, esta não ó necessariamente uma característica negativa:
tantas perguntas revelam exatamente a riqueza de uma área e as imensas possibilidades
ainda em aberto.

R e fe rê n c ia s

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386 M .iriii Am dli.i Pie A b ib A m lcry


Capítulo 43
Aspectos cognitivos do transtorno
obsessivo-compulsivo1

Albina Rodrigues Torres


F a c u ld a d e d e M e d ic in a d e tío tu c a tu - U N liS I’

O artigo descreve os modelos cognitivos mais importantes para o transtorno obsessivo-compulsivo, ou seja, os processos
do inferência (pensamentos e crenças) subjacentes aos sentimentos e comportamentos dos pacientes. Os principais
modelos desenvolvidos nessa Area destacam os seguintes aspectos: percepção exagerada do perigo (avaliação de riscos),
hipervalorizaçâo dos pensamentos Intrusivos, senso de responsabilidade pessoal excessivo (culpa por possíveis prejuízos
a sl e aos outros), perfeccionismo, fusão psicológica entre pensamento e ação, e processos inferenciais ilógicos onvolvendo
confusão entre Imaginação e realidade O conhecimento de aspectos cognitivos traz novas perspectivas para o tratamento
psicológico deste transtorno.
Palavras-chave: transtorno obsessivo-compulsivo, aspectos cognitivos, terapia cognitiva

This paper descnbes the most Important cognitive models for obsessive-compulsive disorder, I. o., the inference piocesses
(thoughts and believes) underlying the patients' feelings and behaviors The major models formulatod in this area emphaslze
the following aspects. exacerbated perception of danger (risk evaluation), ovenmportance of intrusive thoughts, excesslve
sense of personal responsabllity (blame for harm self and others), perfectionlsm, psychological ftision of thought and actlon,
and illogical inference processei Involving confusion between imaglnation and reality The knowledge of cognitive aspects
brings new perspectives for the psychological treatment of this disorder.
Key words: obsessive-compulsive disorder, cognitive aspects, cognitive thorapy.

Ao longo da história, os quadros obsessivo-compulsivos já foram objeto de várias


e distintas abordagens etiopatogênicas, destacando-se entre elas a volitiva, a emocional e
a intelectual. A primeira teve como interlocutores principais Janet e Esquirol na França,
enquanto nomes como Morei, Taylor, Johnson, Maudsley, Schneider e Kraepelin defendiam
a idéia de serem básicos nesses pacientes problemas de susceptibilidade emocional,
enfatizando aspectos de angústia, insegurança e culpa. Tais concepções representaram
uma alternativa à visão predominante na Alemanha, pautada nas idéias de Westphal, que
considerava as alterações do pensamento nesses indivíduos como primárias, à semelhança
da paranóia. Explicações de linha emocional tornaram-se gradualmente mais populares,
pela importância de seus defensores e pelo ressurgimento do interesse por aspectos
afetivos e sua relação com o sistema nervoso autônomo, na metade do século XIX (1,2).
Ató os dias de hoje, não sem contestações, o sistema americano de classificação (DSM)
mantém o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) na categoria dos transtornos de ansiedade
(3).

1 r«xto. oítgw«!m#íit«, publicado noJom *IB rM t*m d* Pmqumtn» 47 (8) 401 408 1998 A ABPMC agradece ao Editor • p«rmi»iAo |» r* publicaçAo no
presanln volum#

Sobn- Compoilaim-nto e C o n flito 387


Note-se que a Organização Mundial da Saúde classifica o TOC na CID-10 (4) à
parte dos transtornos ansiosos e fóbicos, mas ainda na categoria mais geral e comum de
"transtornos neuróticos, relacionados ao estresse e somatoformes”. No entanto, a natureza
bizarra e mágica do pensamento dos obsessivos nunca passou despercebida, e diversos
autores já se debruçaram sobre ela.
Em trabalho recente, Tallis (5) afirma que o TOC detém um "status especial” entre
os transtornos de ansiedade, exatamente em função de uma de suas características
proeminentes, que ó a fusão psicológica entre pensamento e ação, ou seja, o prejuízo dos
limites entre mundo mental e mundo real, semelhante ao que ocorre nos delirantes. Como
esses indivíduos acreditam que pensar algo ruim poderá resultar de fato nesse acontecimento,
o próprio sentimento de raiva ou sua expressão tenderiam a ser suprimidos, para evitar
‘"fatalidades". Tal aspecto foi muito bem descrito em obsessivos, por Freud, como onipotência
do pensamento.
Sabe-se que em alguns casos, ou no mesmo indivíduo em diferentes fases, as
idéias obsessivas (tipicamente ego-distônicas) podem apresentar-se com prejuízo importante
da crítica ( “poor insight'), ou seja, como idéias prevalentes e mesmo delirantes (6). Em
1994, Okasha et ai. (7J avaliaram 90 pacientes com TOC, constatando que nenhum deles
apresentava crítica perfeita em relação aos sintomas, estando o "insight" comprometido
levemente em 26% dos casos, moderadamente, em 50% e gravemente, em 14,4%. Assim,
atualmente é mais aceita a concepção dimensional de “continuum" de graus de “insight"no
TOC, em contraposição à abordagem categorial ‘tom ou sem insight". Mesmo em casos
mais típicos, quando a capacidade de julgamento não apresenta comprometimento particular,
tais indivíduos agem para aliviar um intolerável desconforto (“distress'), nomeado em geral
de ansiedade, mas que é, na maioria das vezes, mediado por cognições específicas.
Em artigo de 1985, Salkovskis (8) ressaltou que, até aquele momento, abordagens
cognitivas não tinham qualquer impacto em pesquisa ou tratamento do TOC, apesar das
óbvias ligações entre o pensar e a psicopatologia característica do quadro. Para esse autor,
isto seria de certa forma surpreeendente, uma vez que o pensamento obsessivo poderia ser
considerado o "exemplo arquetípico" de distúrbio cognitivo dentre as neuroses. Segundo
Reed (apud 9), o TOC deveria ser visto mais como um transtorno da cogniçâo do que dos
afetos.
De fato, apenas nos últimos anos, pesquisadores têm procurado formular, através
do modelo cognitivo, abordagens compreensivas do TOC. Tal desenvolvimento busca
preencher essa lacuna teórica no entendimento dos processos inferenciais dos obsessivos,
e conseqüentemente, na sua terapêutica. Ressalte-se que tais formulações sucedem os
avanços já obtidos nessa área com outros quadros. O modelo cognitivo de Aaron Beck, que
data de 1967 e 1976, forneceu explicações teóricas coerentes e contribuiu de forma
significativa para o desenvolvimento de terapias psicológicas com base empírica para várias
condições clínicas e estados normais de humor, com importantes implicações terapêuticas,
particularmente na depressão e na ansiedade (8).
Em relação ao TOC, inicialmente os modelos cognitivos só destacavam pensamentos
de perigo na forma de dúvida ou apreensão muito pouco específicos, indistinguíveis das
avaliações de risco exageradas e cognitivamente mediadas de outros pacientes. As
intervenções cognitivas baseavam-se em técnicas ateóricas como a “parada de pensamento",
em geral, com maus resultados (8).

388 A lb ina Rodrigues Toircí


Para Rachman (10), o treino de habituação (também chamado de saciação), que
constitui em provocar repetidamente as obsessões, produz, quando muito, pequenas e
fugazes mudanças nos sintomas pois, assim como a parada de pensamento, não altera
as distorções interpretativas.
James e Blackburn (9) consideram que o modelo cognitivo de Beck não diferencia
claramente obsessivos de fóbicos. Estes autores compilaram as técnicas de terapia cognitiva
descritas na literatura até 1995 e preconizadas no TOC: a) desafiar os pensamentos
obsessivos, b) parada do pensamento, c) desafiar os pensamentos negativos automáticos.
Na verdade, consideram que, além de ter eficácia questionável, a "parada de pensamento"
pode ser considerada um método comportamental e não propriamente cognitivo. Para
eles, com as evidências disponíveis até recentemente, ainda seria prematuro tirar conclusões
otimistas sobre o valor das terapias cognitivas para pacientes obsessivos, em função da
escassez de pesquisas empíricas e dos inúmeros problemas metodológicos da área.
Se, por outro lado, a eficácia de abordagens comportamentais (particularmente a
exposição com prevenção de resposta) está bem estabelecida no TOC, os resultados
ficam comprometidos em algumas situações, tais como: presença de depressão associada,
prejuízo da crítica (ex.: idéias prevalentes) e ausência de rituais, ou seja, em obsessivos
puros (8,11,12).
Conforme ressaltaram 0 ’Connor e Robillard (13), a exposição diminui o impacto
dos pensamentos secundários, mas não afeta crenças primárias, isto é, objetiva diminuir
a ansiedade associada com as conseqüências da idéia obsessiva, sem se preocupar em
modificá-la. Assim, teríamos como exemplo de resultado dessa técnica terapêutica, ao
nível cognitivo: "acho que a mesa está suja, mas se tiver que tocá*la, consigo". Já as
técnicas de terapia cognitiva propõem que se avaliem e se busquem modificar de várias
formas os pensamentos distorcidos ou dísfuncionais dos pacientes, para produzir melhora
duradoura no humor e no comportamento destes (14).
O presente trabalho visa fazer uma revisão dos modelos cognitivos existentes
para o TOC, por ser uma área relativamente nova e pouco conhecida mesmo para clínicos
e psicoterapeutas experientes, e por suas possivelmente promissoras implicações
terapêuticas. Assim, não estaremos enfocando alterações psicopatológicas cognitivas
estritas (alterações da atenção, orientação, memória e inteligência), mas sim aspectos
cognitivos no sentido mais amplo, que envolve pensamentos e crenças subjacentes aos
comportamentos dos pacientes obsessivos.

A lg u n s m o d e lo s c o g n itiv o s para o TOC


Avaliação exagerada de riscos
Em 1974, Carr (15) apontou como central no TOC a avaliação de riscos
irrealísticamente alta, pautada em dois aspectos: superestimação da probabilidade de
ocorrência de eventos negativos e superestimação das conseqüências ou custos associados.
Os pacientes tenderiam não apenas a considerar como provável uma possibilidade apenas
remotamente possível de ocorrência de algo indesejável, como também superdimensionariam
os desdobramentos negativos desse acontecimento. O risco seria, portanto, cumulativo,
resultante da interação multiplicativa entre chance ou probabilidade de ocorrência e
conseqüências ou implicações desta, gerando comportamentos para reduzir a sensação

Sobre Compoilumcnlo e C o ^m ^o 389


intolerável de risco/ameaça. Como a equação envolve os dois aspectos, mesmo a chance
sendo considerada pequena, o risco continua sendo avaliado como grande se as
conseqüências forem altamente inaceitáveis (12). Nesse trabalho (15), Carr já apontava a
necessidade do desenvolvimento de técnicas que favorecessem a aquisição, por parte desses
indivíduos, de novas e adequadamente redimensionadas estimativas subjetivas de risco.
De fato, os resultados esperados de um erro ou descuido pessoal por esses pacientes
são assustadores: um arroz mal lavado pode causar a morte de toda a família, um ferro
ligado pode provocar um incêndio de enormes proporções, com muitos mortos, e assim por
diante.
McFall e Wollersheim, em 1979 (apud 12), descreveram algumas crenças ou
cognições que mediariam essa estimativa de resultados catastróficos. Seriam elas: a) deve*
se ser perfeito; b) errar resulta em condenação e punição; c) as pessoas têm poder para
causar ou prevenir “desastres" e d) certos pensamentos e sentimentos são inaceitáveis e
podem causar “catástrofes". As compulsões seriam preferíveis ao medo ou culpa pelas
conseqüências.
Fear e Healy (16) estudaram comparativamente o raciocínio probabilístico de
pacientes com TOC e com transtornos delirantes. Enquanto os últimos tenderam a apresentar
um estilo do tipo "saltar para conclusões” (“jump to conclusions") diante de evidências, os
obsessivos se mostraram muito mais indecisos, requerendo sempre mais tempo e informações
e se tornando tanto mais vacilantes quanto maior a percepção de risco envolvido.
Obsessivos tendem a considerar as situações como perigosas até prova em contrário,
enquanto a maioria das pessoas avalia de forma oposta. Essa sensação de vulnerabilidade
ou fragilidade incluiria não apenas ameaças externas (acidentes, doenças), como também
internas, ou seja, pensamentos e sentimentos (17).

M ipervalorização do s p e nsam e nto s in tru s iv o s e p re o c u p a ç ã o exce ssiva


com o co n tro le dos pensam entos
Para Salkovskis (8), pensamentos intrusivos são melhor definidos como estímulos
e não respostas cognitivas. Pensamentos negativos automáticos (PNA) são respostas
cognitivas a tais estímulos, relacionadas a crenças sobre responsabilidade ou culpa por
prejuízos a si mesmo ou a outras pessoas. Destacou a importância dessa distinção, por
algumas razões:
há evidências de que pensamentos intrusivos (obsessões) são fenômenos
universais que fazem parte da experiência normal, da mesma forma que estados de humor,
como ansiedade e depressão.
a piora das obsessões em estados depressivos pode estar relacionada a um
maior acesso a cognições negativamente balanceadas.
técnicas cognitivas específicas poderiam melhorar os resultados das abordagens
comportamentais e, talvez, constituir uma alternativa para pacientes que não respondem a
elas (ex.: obsessivos deprimidos ou com idéias prevalentes).
O autor descreve a comparação entre os dois fenômenos (intrusões e PNA) elaborada
por Rachman e Hodgson, em 1980 (vide tabela 1), destacando como semelhanças entre
eles: relação apenas parcial com estímulos externos, origem internamente atribuída e
conteúdo indesejável. Quanto às diferenças, as obsessões seriam muito intrusivas, invasoras

390 A lbm u RodrinucsTorrcs


da consciência, facilmente acessíveis, irracionais, ego-distônicas, envolvendo as modalidades
lingüística, de imagens e impulsos. Por outro lado, os PNA correriam paralelamente ao
curso da consciência, seriam dificilmente acessíveis, pouco intrusivos, racionais, ego-
sintônicos, afetando apenas aspectos lingüísticos e de imagens. Teriam natureza mais
plausível e realística, sendo mais aceitos pelo indivíduo que os vivência, pela congruência
com seu sistema de crenças.
Tabela 1 - Comparação entre pensamentos obsessivos e pensamentos automáticos negativos,
proposta por Beck em 1976 e elaborada por Rachman e Hodgson em 1980 (apud Salkovskls, 1985).

Característica Pens. obsessivos Pens. negativos automáticos

Relação d curso da consciência Intrusivos Paralelos

Acessibilidade Muito fácil Pode ser difícil

Intrusividade percebida Alta Baixa

Racionalidade percebida Irracionais Racionais

Relação d sistema de crença Inconsistentes (ego-distônicos) Consistentes (ego-sintônlcos)

Modalidades afetadas Lingüística, Imagens, Impulsos Lingüística e imagens

Conteúdo Idiossincrásico Idiossincrásico

Origem atribuída Interna interna

Relação d estímulos externos Parcial Pardal

Pensamentos automáticos seriam pensamentos avaliativos rápidos, não


decorrentes de deliberação ou raciocínio, dos quais o indivíduo pode estar pouco ciente, e
que operam simultaneamente com o nível mais óbvio, manifesto e superficial, de fluxo de
pensamento. Costumam ser aceitos como verdadeiros sem reflexão ou avaliação. Reações
emocionais, fisiológicas e comportamentais freqüentemente se associam a esses
pensamentos subjacentes que, por sua vez, relacionam-se a fenômenos cognitivos mais
duradouros, que são as crenças centrais (ex.: “sou incapaz”, “os outros não são confiáveis")
e crenças intermediárias (regras, atitudes, suposições). Através da lente dessas crenças
é que o sujeito avalia e interpreta todas as situações e percebe os diferentes
acontecimentos, muitas vezes desconsiderando informações contrárias (14).
Segundo Salkovskis (8, 18), o paciente obsessivo teria um tipo particular de
pensamento automático relacionado às intrusões, consideradas inaceitáveis pelo indivíduo,
com significado idiossincrásico ("que coisa terrível eu pensei, sou uma má pessoa" ou
"tais idéias podem significar que eu quero ferir meu filho, preciso evitar perder o controle"),
assim adquirindo preponderância vivencial e gerando muito desconforto.
As dúvidas seriam características da intrusão inicial, assim como os impulsos só
perturbariam quando houvesse alguma crença na possibilidade de serem executados, ou
seja, de não serem controlados. Isso explicaria a ocorrência de intrusões sem o conseqüente
desconforto (não eliciam pensamentos negativos automáticos de culpa, nem necessidade

Sobre Comportamento c (."otfniçio 391


de neutralização) e o fato de haver piora das obsessões quando há aumento de tais
preocupações, como em situações de mais ansiedade ou depressão. Possivelmente, na
ansiedade, haveria mais intrusões, enquanto, na depressão, o que aumentaria ó a ocorrência
de PNA.
Nos poucos casos em que os sintomas obsessivo-compulsivos (OC) diminuem
durante as fases depressivas (particularmente nas depressões com lentificação), isso
poderia ser explicado pelo conteúdo do pensamento depressivo estar relacionado a
sentimentos de desesperança e desamparo (ex.: "nada que eu possa fazer fará qualquer
diferença"), mais do que auto-acusação e culpa. Segundo Gittelson (apud 19), 25% dos
pacientes com obsessões prévias a episódios depressivos perdem-nas durante a depressão,
possivelmente em função do retardo psicomotor.
Rachman (10) também destaca que em geral há aumento da freqüência das
obsessões em fases de mais disforia ou estresse, gerando um circulo vicioso, como
ocorre na síndrome do pânico. Esse autor considera que é exatamente a má interpretação
das intrusões como sendo importantes, significativas, reveladoras, ameaçadoras ou mesmo
catastróficas, que tem o efeito de transformar algo comum num tormento. Os pensamentos
obsessivos são considerados horríveis, repugnantes, perigosos, imorais, criminosos,
pecadores, loucos. Interpretações freqüentemente vistas em obsessivos são: “sou um
assassino em potencial", "sou uma pessoa má e sem valor", “não sou confiável", “sou um
psicopata perigoso e incontrolável", "vou ser preso", "sou uma pessoa incapaz de amare
se preocupar com os outros", "sou imoral e pecador, vou para o inferno", “sou estranho",
"vou ficar louco e perder o controle", e assim por diante.
De modo geral, portanto, pessoas que atribuem maior significado moral aos
pensamentos seriam mais vulneráveis a obsessões. A busca da virtude (perfeccionismo
moral) predisporia aos sintomas, pois pensamentos imorais eqüivaleriam a atos imorais.
Evidentemente, fatores adicionais seriam necessários, tais como responsabilidade
exacerbada e fusão de pensamento e ação. Na verdade, para Rachman (10), pelo menos
quatro fatores de vulnerabilidade podem ser postulados: padrões morais elevados, vióses
cognitivos particulares, depressão e ansiedade.
Em termos de abordagem terapêutica, seria fundamental informar aos pacientes
que intrusões indesejáveis são fenômenos universais, e deixar claro que elas dizem muito
menos a respeito do indivíduo do que sua história de vida, seus valores, condutas e
realizações. Deve-se ainda: minimizar os vieses cognitivos, construir interpretações
alternativas, evitar julgamentos dicotômicos, estimular a exposição a situações
ansiogênicas e considerar a não-ocorrência de eventos temidos.
Os pressupostos básicos adotados na formulação cognitivo-comportamental do
TOC por teóricos como Beck, Lang, Rachman e Teasdale são: a) emoções resultam da
avaliação dos eventos (incluindo pensamentos) mais do que destes diretamente, b)
processos cognitivos precedentes (crenças, atitudes, estilo) influenciam essa avaliação;
c) avaliação e respostas emocionais têm relações recíprocas e d) o comportamento afeta
a avaliação e vice-versa (18).
Assim, a resposta emocional específica dependeria da interpretação do evento e
da preponderância vivoncial quo adquire para o indivíduo, e não do evento em si. Portanto,
processos cognitivos patológicos seriam elementos chave intermediando a relação entre
intrusões e compulsões no TOC (8,14,18).

392 A lbm .i Rodrigues forre*


England e Dickerson (20), em dois estudos sobre pensamentos intrusivos em
pessoas normais, concluíram que, de fato, o conteúdo desagradável dos pensamentos
não é fator fundamental para sua incontrolabilidade, mas sim a atenção e a emoção que
acarretam, ou seja, o quanto se tornam proeminentes no processamento de informações.
Rachman (21) também considera a noção de que temos total controle sobre nossos
pensamentos dificilmente defensável, mas o significado pessoal dos pensamentos seria
critico. Haveria em obsessivos uma super-interpretação do significado das obsessões,
que se tornariam estressantes e repetitivas, uma vez que pensamentos significativos são
menos controláveis do que os não-significativos. Se uma pessoa acredita que pensar algo
ó quase tão ruim quanto fazer aquilo (fusão pensamento/ação), um pensamento intrusivo
inaceitável causará culpa (22).
Beck, já em 1976 (apudS), descreveu alguns pressupostos disfuncionais presentes
em obsessivos: a) pensar sobre um ato é como fazê-lo; b) não conseguir evitar é o mesmo
que causar algum mal; c) a responsabilidade não é atenuada por outros fatores (ex.: baixa
probabilidade de ocorrência); d) não neutralizar significa desejar que aquilo ocorra e e)
pode-se e deve-se ter controle sobre os próprios pensamentos. Os elementos básicos
envolvidos seriam responsabilidade, culpa e controle, além de risco e perda, com
características ego-sintônicas de pensamentos automáticos.

R esp o n sa b ilid a d e pe ssoal exacerbada


No TOC, as idéias seriam especificamente relacionadas à responsabilidade por
prejudicar ou ferir a si ou aos outros, levando à auto-condenação, a menos que atitudes
sejam tomadas para garantir a não-culpabilidade. Para Salkovskis (8), a neutralização,
seja na forma de comportamentos compulsivos ou estratégias cognitivas (ex.: pensar um
"bom pensamento" após um “mau pensamento”) seria uma tentativa de colocar as coisas
de volta no lugar certo e fugir da culpa, ou seja, evitar a possibilidade de ser responsabilizado
por algum mal. A crença inflacionada sobre a probabilidade de causar (ou não conseguir
evitar) algo muito ruim seria uma distorção cognitiva até mais importante no TOC do que
a maior probabilidade de perigo em si. Caso os pensamentos automáticos suscitados
pela intrusão não incluam aspectos de responsabilidade pessoal, será improvável a
ocorrência de neutralizações e o resultado esperado é aumento de ansiedade ou depressão,
e não sintomas OC.
As obsessões ou pensamentos intrusivos normais difeririam dos anormais, na
medida em que os primeiros têm conteúdo mais variável, são muito menos associados a
idéias de culpa e, portanto, sem necessidade de neutralizações ativas. Além disso, no
TOC, a neutralização resulta em diminuição do desconforto e é consistentemente seguida
pela não-punição, outro poderoso reforçador desta (associação com forte sinal de
segurança), que tende a se tornar consideravelmente estereotipada. Nos fóbicos, conforme
observado por Beck em 1976 (apud8), a esquiva não é mediada por pensamentos negativos
automáticos de culpa ou responsabilidade, mas sim por pensamentos de risco ou perda.
Para Rachman (21), as solicitações de reasseguramento dos obsessivos seriam
uma forma de "diluir" a responsabilidade por seus atos, assim como a procrastinação seria
uma forma de adiá-la, muitas vezes deixando a tarefa incompleta (evitar responsabilidade
evitando completar a atividade). Ressalta também este autor a existência de uma curiosa

Sobre Comportamento e Cognivâo 393


assimetria entre o alto senso de responsabilidade dos pacientes em relação a eventos
negativos, oposto ao que vivenciam com fatos positivos. A responsabilidade pessoal seria
ainda inversamente proporcional ao sentimento de raiva, este só surgindo quando a
responsabilidade recair sobre outra pessoa. Esta questão da divisão ou transferência de
responsabilidade ajuda a compreender as cognições que guiam, estimulam e limitam os
comportamentos relacionados, uma vez que seria possível obter substancial e prolongado
alivio através da redução desse senso infíacionado de responsabilidade.
Rhéaume et al. (23), também estudando esta questão da responsabilidade no TOC,
concluíram que os componentes mais relevantes para uma definição operacional do conceito
são, em ordem decrescente de importância: a) poder decisivo (“pivotal powef) de prevenir
ou provocar eventos negativos; b) gravidade percebida das conseqüências negativas e c)
probabilidade de ocorrência do evento. Os dois últimos componentes representariam ameaças
ansiosas gerais, inespecíficas do TOC; condições necessárias mas insuficientes para o
desenvolvimento do quadro. Já a primeira crença seria o melhor fator preditivo do transtorno,
confirmando os achados de Salkovskis e outros autores.
Essa questão do "poder decisivo" do indivíduo envolveria dois componentes de
distorção cognitiva: influência pessoal e conseqüências negativas potenciais, sendo o primeiro
mais associado à distorção da responsabilidade subjetivamente percebida, segundo Ladoucer
et al. (24). Nesse estudo, foram manipulados esses dois aspectos numa população não-
clínica, orientada a separar pílulas de diferentes cores, mas cada grupo recebendo informações
diferentes sobre os objetivos dessa tarefa. Mesmo a probabilidade e gravidade das
conseqüências tendo impacto menos intenso na avaliação da responsabilidade, só a
combinação desses dois fatores (influência e conseqüências) produziu realmente efeito,
modificando preocupações (dúvidas, medo de errar) e comportamentos (verificações).
Provocaram-se hesitações apenas aumentando a idéia das conseqüências negativas de
algum erro, mas verificações só ocorreram quando se associaram informações sobre influência
pessoal de cada indivíduo.
Ròper e Rachman, em 1976 (25), estudando obsessivos com rituais de verificação
em seu ambiente natural, constataram que os níveis de ansiedade ou desconforto dos
pacientes eram muito pronunciados quando estavam sozinhos e menores na presença de
outra(s) pessoa(s), possivelmente pela transferência de parte da responsabilidade para
esta(s).
Em 1980, Rachman e Hodgson (apud 21) também constataram que a presença de
mais alguém, particularmente em posição de responsabilidade, inibe o desconforto e a
necessidade de rituais de verificação. Assim, pacientes tendiam a sentir pouca ou nenhuma
responsabilidade em casas ou locais de trabalho de outros, e muita responsabilidade em
seu próprio território. Observaram os autores que, quando tais indivíduos estavam
hospitalizados ou de férias, nos primeiros dias as compulsões de verificação não ocorriam,
tendendo a ressurgir á medida em que se sentiam mais “afiliados" - ou seja, mais
responsáveis - no novo ambiente.
Em trabalho experimental posterior, de manipulação da responsabilidade através de
técnicas puramente cognitivas, Lopatka e Rachman (26) confirmaram que a diminuição
desta leva a significativa redução do desconforto, da necessidade e do tempo despendido
em verificações, assim como da antecipação do perigo e das críticas. Da mesma forma,
Ladoucer etal. (27) constataram que, alterando as cognições relacionadas à responsabilidade

394 AH)in.i RmlfiHucsTorrcs


inflacionada, ocorre significativa melhora clinica das compulsões de verificação. Para Van
Oppen et al. (28), abordagens cognitivas podem ser até mais eficazes no TOC do que a
exposição "in vivo”.
Frost et ai (29), em estudo sobre rituais de colecionamento, também encontraram
um papel importante do senso elevado de responsabilidade, pois muitos pacientes relataram
manter a posse dos objetos para estarem preparados em caso de necessidade futura,
evitando com isso a responsabilidade por possíveis conseqüências negativas de jogarem
fora coisas "úteis". Além disso, preocupavam-se em tomar conta adequadamente dos objetos
colecionados, sentindo-se muito responsáveis pela preservação destes.
Para Lima (30), haveria dois subgrupos principais de pacientes OC: alguns com
mais sentimentos de culpa pelo passado e temor de responsabilidade (dúvidas, medo de
prejudicar ou mesmo matar alguém) e outros com predomínio da sensação de fragilidade ou
vulnerabilidade em relação a um futuro ameaçador, com mais fobias, idéias de contaminação
e temor da própria morte. Enquanto os últimos se sentem mais ameaçados, os primeiros
consideram-se uma ameaça constante para o próximo.
Avaliando especificamente os possíveis fatores cognitivos mediadores dos rituais
de Javagem de mãos, Jones e Menzies (31) concluíram pela maior importância da grande
estimativa de perigo (crenças relacionadas a doenças), não tendo um papel significativo
outros aspectos, como: responsabilidade, perfeccionismo e auto-suficiência. Tais resultados
vão ao encontro dos de Lopatka e Rachman (26), para quem as distorções sobre
responsabilidade pessoal têm papel menos relevante nos comportamentos de limpeza, em
relação aos de verificação.
Segundo Steketee etal. (32), os rituais de verificação seriam mais preventivos, por
se relacionarem à culpa e responsabilidade, enquanto os rituais de lavagem visariam restaurar
um estado de segurança para si, uma vez que a fragilidade e o medo diante do mundo
predominariam. É importante lembrar, no entanto, que muitos pacientes apresentam esses
dois tipos de rituais simultaneamente ou de forma sucessiva, em meio a diversas outras
compulsões. Muitas vezes, também, os rituais de lavagem visam prevenir problemas futuros
(doenças, contaminação e morte de familiares) e aliviar sentimentos de culpa, sendo difícil
separar claramente aspectos de fragilidade e responsabilidade pela simples observação
sintomatológica (33).
Para Van Oppen e Amtz (12), o debate a respeito de qual categoria classificatória é
mais adequada para a aftliação do TOC é compreensível, na medida em que o quadro tem
similaridades tanto com transtornos ansiosos (avaliação exagerada de riscos) quanto
depressivos (responsabilidade pessoal exacerbada). Tais aspectos poderiam se combinar
de quatro maneiras: 1) depressão com baixa auto-estima e culpa, pela percepção de
responsabilidade por algo ruim ocorrido no passado (ex • “eu arruinei minha vida”); 2)
ressentimento resultaria quando eventos negativos do passado fossem vivenciados com
pouca responsabilidade pessoal (ex.: "se o motorista não estivesse bêbado, não teria
atropelado minha filha"); 3) fobias e outros quadros ansiosos ocorreriam quando houvessem
expectativas catastróficas no futuro, mas com pouca responsabilidade pelo evento (ex.:
"estou com palpitações, acho que vou ter um ataque cardíaco") e 4) TOC se definiria quando
a sensação fosse de muita responsabilidade pessoal por um acontecimento catastrófico no
futuro (ex.: "se eu não lavar essa calça separadamente, minha filha vai ter câncer").

Sobre Compotljrm vilo c CotfmvJo 395


Desta forma, a responsabilidade pessoal diferenciaria o TOC dos outros transtornos
ansiosos, tambóm envolvendo ruminações sobre catástrofes futuras. Já a depressão se
assemelharia ao TOC no aspecto de responsabilidade, diferindo na dimensão temporal. A
execução dos rituais seria uma tentativa de evitar a posição depressiva de culpa, desvalia
e fracasso (12).
Por outro lado, Rachman et aí. (22) destacam que o medo de assumir
responsabilidades no TOC não seria generalizado, mas especifico de cada indivíduo em
determinadas situações. Descrevem casos de pacientes graves que procuram e aceitam
bem certas tarefas de muita responsabilidade (ex.: um professor que gostava de cuidar de
uma classe de crianças). Para os autores, a responsabilidade inflacionada estaria associada
às compulsões, especialmente aos rituais de verificação, sendo em geral as idéias de
responsabilidade bastante específicas e ídíossincrásicas e não amplas e universais.
Possivelmente, aspectos de fusão pensamento/ação e de considerar ter “poder decisivo"
sobre possíveis conseqüências negativas seriam fatores fundamentais no quadro.

Perfeccionismo e intolerância à incerteza


Para Rhéaume etal. (34) há, além da responsabilidade e da superestimação de
risco, um outro aspecto muito comum e importante no TOC, cujo papel vem sendo
subestimado, que é o perfeccionismo. Através de análise estatística de regressão logística,
concluíram que a responsabilidade ainda é o melhor fator preditivo do quadro, mas o
perfeccionismo patológico se associou a uma significativa variação dos sintomas. Seria
um fator de predisposição não específico, mas necessário, mesmo que insuficiente na
determinação do TOC. Envolveria a simples crença de que existe um estado perfeito,
crença que se refletiria em todas as áreas, tais como aparência, moralidade, certeza,
desempenho, etc. O paciente costuma pretender atingir certeza absoluta em tudo (de ter
entendido o que leu, de ter realizado tal ato, de estar feliz, de estar sem ansiedade) e,
como isto não existe na realidade, o desconforto é uma constante. As relações entre
perfeccionismo e responsabilidade continuariam, entretanto, necessitando mais estudos.
Constans etal. (35) exploraram três possibilidades relacionadas à ocorrência de
rituais de verificação: prejuízo da memória sobre fatos com maior peso emocional,
comprometimento da habilidade de distinguir entre fatos reais e imaginários, e insatisfação
com a capacidade de relembrar (sem déficit mnemônico real). Constataram que o último
fenômeno ocorria em obsessivos, ou seja, mostravam-se insatisfeitos com sua vivacidade
de memória, desejando níveis melhores.
MacDonald et al. (36), estudando três grupos de indivíduos (obsessivos
“verificadores", “não-verificadores" e controles normais), concluíram que as compulsões de
verificação no TOC não estão relacionadas a um prejuízo da memória em si, mas sim à
diminuição da confiança desses pacientes nesta, pois subestimam sua capacidade de
recordar. O medo de errar dos obsessivos, a dificuldade de tomar decisões, de lidar com
situações novas, inesperadas ou ambíguas são bastante conhecidos.
Em trabalho bem recente (17), um grupo de experts na área-Obsessive Compulsive
Cognitions Working Group, 1997- compilou o que consideraram os seis principais domínios
de crenças disfuncionais no TOC: 1) responsabilidade inflacionada; 2) hipervalorização
dos pensamentos; 3) preocupação excessiva com a importância de controlar os próprios

396 A lb irid RodriHucsTorrcs


pensamentos; 4) superestimaçào de riscos; 5) intolerância com a incerteza; e 6)
perfeccionismo. Tais aspectos se interrelacionariam e envolveriam aspectos de fusão de
pensamento e ação. O objetivo principal desse grupo de estudos é tentar determinar
quais dessas crenças discriminariam o TOC de outros transtornos psiquiátricos.

Fusão pensamento / ação (confusão entre imaginação e realidade)


A fusão de pensamento e ação, segundo Rachman (10), seria um viés cognitivo
específico do TOC, que pode assumir duas formas: a crença de que ter um pensamento
ruim pode de fato influenciar a probabilidade de ocorrência desse evento negativo, ou que
ter o pensamento é moralmente equivalente a praticar o ato. O senso exagerado de
responsabilidade poderia ser causa ou conseqüência desse viés cognitivo (ex.: "quando
eu sou responsável é maior a chance de as coisas darem errado”). Ressalta que a idéia
de responsabilidade ocorre mesmo na ausência de controle, como pacientes que tentam
garantir, por exemplo, a segurança dos pais que moram em outra cidade através de rituais
de lavagem de mãos.
Em um trabalho muito interessante de 1995,0'Connor e Robbilard (13) descrevem
uma série de processos inferenciais particulares do TOC, diferentes dos que produzem as
crenças distorcidas na ansiedade ou na depressão. O problema básico desses pacientes
seria a confusão entre realidade e imaginação, ou seja, o fato de serem guiados por uma
narrativa imaginária ou ficcional. Assim, destacam quatro erros principais de inferência
lógica no TOC, que vão além da crença desproporcional em perigos e do maior senso de
responsabilidade:
1- Inferência inversa do normal sobre a realidade: Os obsessivos não agem em função
do que constatam, mas baseados em suas próprias hipóteses. Assim, lavam as
mãos nâo por estarem sujas, mas porque "devem estar" sujas, uma vez que tocaram
em determinado objeto (partem da hipótese verdadeira e concluem pela sujeira).
Mesmo que apenas muito remotamente possível, haveria lógica se o problema fosse
real, como ocorre com os fóbicos (perigo real, mesmo que bastante remoto). Desta
forma, não é apenas aquele 1% de incerteza contra 99% de certeza de que o medo
é infundado que causa todo o problema no TOC. É preciso diferenciar o que de fato
está lá (certeza), do que pode estar lá (probabilidade remota genuína), do que é
puramente imaginário (entidade fictícia). O paciente não reavalia sua hipótese diante
das evidências, mas reavalia a evidência para reforçar sua hipótese. Curiosamente,
isto ocorre apenas em relação à idéia obsessiva, regras normais de inferência sendo
seguidas em todas as outras atividades do indivíduo (ex.: o mesmo indivíduo que
não consegue se certificar de que trancou a porta do carro dirigiu até ali acreditando
em seus sentidos durante todo o percurso).
2- Ir além da realidade mesma para uma outra “mais profunda". Pacientes com TOC
costumam fazer afirmações "pseudo-científicas" em relação à realidade, ou seja,
desconsideram as leis da ciência para reafirmarem suas hipóteses.Temem, por
exemplo, formas de engravidar ou de se contagiar que jamais foram descobertas ou
descritas pela ciência. Na verdade, como os rituais e o teste de realidade são
antagônicos, quando ritualiza, o indivíduo não acrescentaria dados objetivos ou
informações para raciocinar, mas se afastaria cada vez mais da realidade, apenas
reforçando a narrativa imaginária e a dúvida.

Sobre Comportamento e Cotfni(<lo 397


3- Feedback baseado em modalidades não-pertinentes: Fontes irrelevantes de
informação são utilizadas para o reasseguramento. Assim, a porta é considerada
fechada pelo barulho que fez ou pela quantidade de força usada no movimento do
braço; a mão está limpa pelo número de vezes que foi lavada ou pela quantidade de
espuma, e não pela simples constatação do fato.
4- Associações irrelevantes: O paciente faz fusões ilógicas, baseadas em
generalizações idiossincrásicas, muitas vezes simbólicas e/ou relacionadas a
eventos passados totalmente independentes. Assim, a mesa "deve estar suja" porque
tem o mesmo formato de uma mesa da casa dos pais que sempre parecia suja;
esta madeira não pode ser tocada porque uma vez o indivíduo viu uma barata num
pedaço de madeira. A plausibilidade dos eventos é baseada em associações
irrelevantes, onde a narrativa ficcional é confundida com uma probabilidade rara,
mas real. Para categorizar um estimulo como aversivo, as associações com outros
temas são bastante variáveis, envolvendo muitas vezes valores morais subjacentes.
Para alguns pacientes, por exemplo, só gordura é seletivamente considerada "sujeira",
enquanto fezes, poeira e lixo podem não ser, e assim por diante. Sabe-se, por
exemplo, que muitos indivíduos com rituais de limpeza e ordenação costumam ter
determinados objetos impecáveis, enquanto o restante da casa está imundo e
caótico.
Em suma, paradoxalmente, o indivíduo com TOC teme o que não pode ver, sendo
em geral incapaz sequer de distinguir ou descrever detalhadamente o objeto ou animal
temido (13). Uma das pacientes de nosso serviço (FMB-UNESP), por exemplo, temia que
sua casa fosse infestada por carrapatos trazidos pelos cachorros, e passava o dia lavando
os animais, o quintal, a calçada e a casa, sem nunca ter visto um único carrapato.
Rachman, em trabalho de 1994 denominado "Poluição da mente" (33), destaca
exatamente essa questão do pensamento mágico em relação á contaminação e seus
aspectos simbólicos de culpa, tão bem descritos por Shaekespeare na personagem de
Lady Macbeth. O autor destaca trés tipos distintos de compulsões de limpeza, associados
ao medo de doenças (especialmente por contaminação), à sensação de sujeira física e à
sensação de "poluição mental". Todas envolveriam crenças mágicas como: uma vez em
contato, sempre em contato; a parte eqüivale ao todo; resíduos pessoais podem ser veículos
de contágio e contaminação negativa sobrepuja contaminação positiva. Enquanto estímulos
externos costumam desencadear idéias de sujeira (urina, fezes, lixo, animais, etc.) e de
doença (contato com doentes, hospitais, certos alimentos, atividade sexual), a "poluição
mental" ocorreria a partir de eventos mentais (ex.: pensamentos/impulsos agressivos ou
sexuais), mesmo na ausência de estímulos externos.
Segundo 0 ’Connor e Robbilard (13), os obsessivos tentam modificar o imaginário
atuando sobre a realidade, de forma tão improdutiva quanto tentar modificar uma imagem
cinematográfica mexendo diretamente na tela, em vez de manipular o projetor (uma tarefa
impossível, que é dada por concluída apenas pela exaustão ou por razões supersticiosas,
como um certo número de vezes). Os rituais, portanto, só reforçariam a dúvida imaginária.
Diferentemente dos fóbicos, o medo dos obsessivos não seria definido por critérios
objetivos (ex.: sujeira real), mas por certo conceito subjetivamente definido de sujeira ou
contaminação. Uma seqüência imaginária de eventos é imposta á realidade e os indivíduos
agem como se fossem verdadeiros: o que imaginam se torna uma realidade, não usam

398 A lbin a RodrigucsTorm


critérios objetivos para decidir se o que procuram está lá e não confiam nos sentidos que
poderiam produzir tais critérios. Na falta de critérios genuínos para tomar decisões, pautam-
se em fatores irrelevantes. Têm a tarefa impossível de procurar algo sem saber quando o
terão encontrado, discrepância que gera a dúvida perpétua.
Para esses autores (13), é preciso, portanto, convencê-los de que o risco que
consideram não é nem uma probabilidade remota, que pode ocorrer de fato, pois esta
seria identificável por critérios objetivos; mas um problema imaginário, uma vez que sua
hipótese é que está alterando a realidade. Assim, o tratamento deve buscar modificar os
processos cognitivos de inferência sobre a realidade, pois enquanto tais pessoas tratarem
imaginação como realidade, ou procurarem critérios imaginários no aqui-e-agora, estarão
permanentemente incertas.

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400 A lbin a RodriguesTorrei


Capítulo 44
Aprendizagem e emergência de relações
condicionais com estímulos modelos
complexos1

Jair Lopes Junior


Giovana Galvanin Costa
Lia Fernanda Sorri/ha Gonsales
Raquel Melo Golfeto
Universidade Estadual Paulista/Bauru

O presente estudo apresenta uma anAlise experimental do comportamento de atentar Crianças, entre 8 a 12 anoa,
matriculadas na rede pública de ensino especial e de ensino fundamental, participaram nos dois experimentou efntundos.
Nos experlmentOB procurou-se avaliar se relações sustentadas entre os componentes do estimulo modelo complexo
(relações modelo-comparação corrota e modelo-comparação Incorreta, nos Experimentos 1 n 2; relações de identidade física
e de nâo-ldentidade física, no Experimento 2) exerceriam controla condicional sobre a seleção de estímulos de escolha. Trés
dontre nove crianças demonstraram a aquisição e a extensão desta modalidade de controle condicional envolvendo
estímulos modelos complexos. Argumenta-se, para as demais crianças, que os procedimentos de treino parecem ter
estabelecido topografias de controle de estimulo incompatíveis com as previstas Discute-se a relevância dos fenômenos
«Mudados para uma melhor compreensão das habilidades comportamentais exigidas no ensino de conteúdos que envolvam
aprendizagem de relações entre eventos.
Palavras-chave: atenção, rrwtchlng-to-sample, aprendizagem relacionai.

This study shows an experimental analysis of attending behavior. Nine children ranged from 8 to 12 years old, in public
fundamental teaching schools and with handicapped developmental repertorles, were exposed to two oxperlments These
experiments examined if relations between elemonts of complex sample stimuli (relations sample-correct comparlson and
sample-lncorrect comparlson. in Experimenta 1 and 2; relations of physlcal and non-physical identity, in Experiment 2) had
acquired condltional control over selection of comparison stimuli Three children showed acquisition of that cunditional control
by complex sample stimuli For other children the results suggest that training procedure may have establlsh stimulus control
topographies different from those experimentally expected This paper discusses the importance of phenomenon investlgated
to onlargo our undorstanding about discriminative skills requlred In relational loarning tasks.
Key words: attentton, ma tchtng-ta-sample, relational learning.

Na perspectiva da Análise Experimental do Comportamento, o estudo dos


processos de atenção impõe, a despeito de divergências conceituais (Dinsmoor, 1995;
Terrace, 1966), a identificação e a descrição de relações funcionais entre o comportamento
de atentar e suas possíveis variáveis controladoras. Assim, em detrimento ao difundido e
coloquial emprego do substantivo atenção, mostra-se mais condizente com os
pressupostos e com a linguagem da Análise Experimental do Comportamento, abordar
este tópico em termos do estabelecimento e da emergência de relações de controle de
estímulo (Mcllvane, Dube & Callahan, 1996).

'Eatt projeto contou oom UnandamarHo pardal, na modalidada d« Auxilio à Paaqulsa, da FAPFSP (Proc 07/114024)

Sobrr Coinport<imcnlo e Cotfnivüo 401


A literatura em Análise Experimental do Comportamento registra um expressivo
acervo de investigações sobre processos comportamentais básicos envolvidos na
aprendizagem de relações entre estímulos, fundamentado na utilização do procedimento
de matching-to-sample, nas modalidades simultâneo e com atraso. Em parcela deste
acervo, as contingências experimentais estabelecem que o controle condicional deve ser
exercido por estímulos modelos complexos compostos por dois elementos (two-element
complex sample stimuli', cf. Stromer, Mcllvane, Dube & Mackay, 1993), de uma mesma
modalidade sensorial (usualmente visual), apresentados simultaneamente (Markham &
Dougher, 1993; Stromer, Mcllvane & Sema, 1993; Stromer & Stromer, 1990a, 1990b, 1992;
Schenk, 1993; Smeets, Schenk & Barnes, 1994; Smeets & Striefel, 1994).
Dentre as questões ou problemas de pesquisa socialmente relevantes (cf. Baer,
Wolf & Risley, 1968; Dube & Mcllvane, 1999) e passíveis de investigação a partir da utilização
do procedimento de matching-to-sample com estímulos modelos complexos, destaca-se
o controle restrito de estímulos ou seletividade perceptual (atenção seletiva).
Este fenômeno consiste numa limitação no controle exercido pelos aspectos,
traços, dimensões constituintes de um evento ou situação estimuladora sobre a emissão
de determinado operante. Num clássico exemplo (Reynolds, 1961), após o treino
discriminativo no qual respostas produziam reforço positivo, apenas se emitidas diante de
uma forma triangular sobre um fundo vermelho, mas não diante de uma forma circular
sobre um fundo verde, testes na ausência de conseqüências diferenciais programadas e
com desmembramento das duas dimensões (forma e cor) evidenciaram uma concentração
de respostas apenas diante do triângulo para um participante, e da cor vermelha para
outro participante, sugerindo que, na fase de treino, a função discriminativa (S°) foi exercida
por uma "parte” do estímulo complexo.
Na abordagem do controle restrito de estímulos ó comum a utilização do matching-
to-sample (simultâneo ou com atraso) de identidade no qual os estímulos modelo e de
comparação são compostos por dois elementos, além de delineamentos nos quais há o
matching-to-sample de identidade “parcial": o estímulo modelo complexo é composto por
dois elementos e os estímulos de comparação são unitários (apenas um elemento), sendo
que o estímulo correto (S+) é idêntico a um dos elementos do estímulo modelo complexo.
Na avaliação de Stromer e cols. (1993), a despeito dos vários estudos sobre
controle restrito de estímulo (Burke, 1991; Huguenin & Touchette, 1980; Koegel &
Schreibman, 1977; Litrownik, Mclnnis, Wetzel-Pritchard & Filipelli, 1978; Lovaas, Koegel
& Schreibman, 1979; Lovaas, Schreibman, Koegel e rehm, 1971; Schroibman, Charlop &
Koegel, 1982), ainda constata-se uma nítida necessidade de investigações que objetivem
uma caracterização da natureza do controle de estímulo quando se diz que tal controle é
restrito. Com o intuito de enfocar esta necessidade ou lacuna, cabe destacar importantes
contribuições derivadas de análises conceituais e experimentais recentes sobre topografia
de controle de estímulo. Segundo Mcllvane, Sema, Dube e Stromer (2000), parece razoável
supor que contingências de treino constituídas por sucessivas exposições às tentativas
de matching-to-sample podem estabelecer múltiplas topografias de controle de estímulo
sobre o responder. Em outros termos, no treino das discriminações condicionais de linha
de base, propriedades, traços, a disposição das características físicas dos estímulos,

402 Jair Lopes lumor, Cylovdrw Qdlvdmn Cosia, I i.i f-cinamiti Sorrilhd C/onsales l Raquel M elo C/olíelo
tanto quanto das configurações nas quais os estímulos são exibidos, podem estabelecer
relações de controle de estímulo distintas que se manifestam durante as contingências de
teste. Dificuldades notórias na aquisição de relações condicionais diretamente ensinadas,
índices intermediários de acerto em tentativas de teste, ou mesmo a emergência gradual
(delayed emergence) das relações condicionais testadas poderiam estar funcionalmente
relacionados com a insuficiência das contingências de treino para estabelecer as topografias
de controle que são exigidas pelas contingências de teste. Nestes termos, a variabilidade
comportamental registrada principalmente na avaliação da emergência de relações
condicionais, indicaria ausência de coerência entre: 1) as topografias de controle de estímulo
experimentalmente previstas; e 2) as topografias de controle de estímulo efetivamente
geradas por um dado conjunto de contingências. Segundo Mcllvane e cols. (2000), quando
as tarefas experimentais tornam-se mais complexas, como no caso das habilidades
discriminativas e da aprendizagem relacionai envolvidas nos procedimentos de matching-
to-sample, tornam-se também mais evidentes as dificuldades com o estabelecimento de
coerência entre as topografias de controle de estimulo.
Em acréscimo às pesquisas nas quais o procedimento de matching-to-sample de
identidade é utilizado na identificação de propriedades funcionais do controle restrito de
estímulos destacam-se, também, trabalhos nos quais processos de atenção são
investigados a partir da utilização do procedimento de matching-to-sample envolvendo
relações arbitrárias entre estímulos modelos complexos e estímulos de comparação
unitários.
De particular importância para o presente estudo, insere-se o trabalho de Pérez-
González (1994). Em termos genéricos, este autor investigou o estabelecimento e a
extensão do controle condicional definido pelas relações entre os componentes do estímulo
modelo complexo. À título de exemplo, considere, no contexto dos estágios iniciais da
alfabetização matemática, o tópico das transformações aditivas. Supondo, numa tarefa de
matching-to-sample, dois estímulos de escolha (por exemplo, SIM e NÃO; ou duas cores,
como verde e vermelho; ou ainda, dois desenhos arbitrários não representacionais
designados por X1 e X2), um deles (SIM, ou verde, ou X1) será correto diante das seguintes
combinações de verbos ou ações: (comprar-ganhar), (dar-tirar); por outro lado, combinações
como comprar-tirar e dar-ganhar tornam incorreta a seleção deste mesmo estímulo de
comparação. Assim, a função discriminativa dos estímulos de comparação (S+ ou S-) é
definida (no sentido de "está condicionada à") pela natureza das relações entre os
componentes do estímulo condicional complexo.
Pérez-González (1994), numa seqüência de três experimentos efetuados com
sujeitos adultos e um adolescente, todos alfabetizados, forneceu demonstrações sobre a
aprendizagem relacionai a partir da utilização do matching-to-sample arbitrário com
estímulos modelos complexos. No Experimento 01, Pérez-González (1994) delineou um
procedimento de matching-to-sample, com desenhos arbitrários, no qual a seleção do
estímulo de escolha deveria estar sob controle de uma relação estabelecida previamente
entre os dois componentes do estímulo modelo. Numa fase inicial, foram treinadas as
relações AB (A1B1, A2B2, A3B3); em seguida, foram treinadas as relações PQ (P1Q1,
P2Q2 e P3Q3). Na seqüência, no treino das relações ABX, as possíveis combinações dos

Sobre Com p o rtam e nto e Cotfnivilo 403


estímulos A e B (por exemplo, A1B1, A1B2, A1B3, A2B1,...) foram apresentadas como
estímulo modelo e os estímulos X1 e X2, como estímulos de escolha. A seleção do estímulo
X1 era reforçada apenas diante de um estímulo modelo definido pela relação modelo-
escolha correta (ou seja: A1B1, A2B2 ou A3B3), enquanto que a seleção do estímulo X2
era reforçada apenas diante do estímulo modelo definido pela relação modelo-escolha
incorreta (ou seja: A1B2, A2B3, A3B1, A1B3, A2B1, A3B2). Em seguida, os testes das
relações PQX avaliavam a transferência das funções de controle das relações modelo-
escolha correta e modelo-escolha incorreta sobre a seleção dos estímulos X1 e X2. Dois
dentre os quatro adultos obtiveram resultados positivos sem a necessidade da exposição
a procedimentos de treino adicionais (EF e EFX) e aos testes das relações simétricas BA
e QP. No Experimento 02, os testes das relações simétricas BA e QP foram efetuados
imediatamente após o treino das relações AB e PQ, respectivamente, e precederam aos
testes das relações PQX. Desta feita, todos os sujeitos (três adultos e um adolescente)
atestaram a transferência das funções de controle avaliadas. No Experimento 03, os dois
sujeitos do Experimento 1 que obtiveram resultados positivos nos testes de extensão do
controle condicional para as relações PQX e o adolescente do Experimento 02 foram os
sujeitos experimentais. De início, houve o treino das relações EFX: a seleção do estímulo
X1 foi reforçada diante dos estímulos E1F1, E2F2 e E3F3; diante das demais combinações
entre os estímulos E e F, a seleção do estímulo X2 foi reforçada. Em seguida, houve o
teste das relações EF: os estímulos E1, E2 e E3 foram exibidos, sucessivamente, como
estímulos modelo diante da apresentação simultânea dos estímulos de escolha F1, F2 e
F3. Todos os sujeitos obtiveram resultados positivos nos testes, ou seja, estabeleceram
relação de condicionalidade entre os estímulos diante dos quais a seleção do estímulo X1
fora previamente reforçada.
Reconhecendo a importância dos processos comportamentais envolvidos nos
experimentos de Pérez-González (1994) para o desenvolvimento de habilidades
discriminativas (perceptuais e de atenção) usualmente exigidas em contextos de
alfabetização, no presente estudo procurou-se verificar se as demonstrações empíricas
fornecidas por Pérez-González seriam igualmente registradas com participantes com graus
menores de escolaridade e de desenvolvimento verbal. A literatura registra que, diante da
utilização do procedimento de matching-to-sample com estímulos complexos,
principalmente com indivíduos com restrições de desenvolvimento verbal e cognitivo, é
muito provável a ocorrência do controle restrito de estímulo (atenção seletiva). Contudo,
diferentemente de parte da literatura que investiga o controle restrito de estímulo, Pérez-
González (1994) utilizou o procedimento de matching-to-sample arbitrário (e não de
identidade "parcial"). Portanto, questões adicionais abordadas nos dois experimentos
relatados a seguir consistiram em investigar se a utilização do matching-to-sample arbitrário
com estímulos complexo9 no estudo da aquisição e da extensão do controle condicional
estaria também funcionalmente relacionada com a possível ocorrência do controle restrito
de estímulo e em que medida as análises em termos de topografia de controle de estímulo,
ausente nas discussões em Pérez-González (1994), auxiliariam na compreensão dos
resultados obtidos.

404 lalr Lopes Junior, Qiovdini C/alvanin Cosia, l ia fernanda Sorrillia C/ontalcs t Raquel M elo Qolfeto
E xp erim ento 1 - M étodo - P articip a n te s

Participaram do primeiro experimento cinco crianças, com faixa etária entre 12


anos e nove meses e oito anos e sete meses, regularmente matriculadas em sala de
ensino especial da rede pública estadual. Os participantes não possuíam experiência
anterior de participação em estudos experimentais sobre controle de estímulos. A escolha
destes participantes coube à professora dos mesmos e à coordenação pedagógica da
escola. Estas, a partir de uma análise do desempenho escolar dos alunos, fundamentaram
a seleção numa estimativa de quais poderiam ser aqueles mais beneficiados pela
participação no experimento, em termos da obtenção de um treino em habilidades de
percepção e de memória visuais, bem como de raciocínio. As participações na pesquisa
foram autorizadas pelos pais e responsáveis mediante convite formulado pela direção da
escola.

Precedendo ao início do experimento, os participantes foram expostos à Escala


Wechsler de Inteligência para crianças, com o objetivo de fornecer medidas comportamentais
para efeito de informação diagnóstica. Os resultados obtidos nesta avaliação são descritos
na Tabela 1.

Tabela 1
Características dos participantes

Participante Idade Informação Diagnóstica


(ano/mês)
C.1 12/9 Inteligência limítrofe

C.2 8/7 Médio

C.3 9/8 Médio

C.4 11/3 Inteligência limítrofe

C.5 10/8 Deficiência mental

M a terial
Todas as sessões experimentais foram efetuadas na própria escola das crianças,
numa sala reservada para execução do projeto. A sala (4,0 m x 5,0 m) possuía condições
adequadas de isolamento sonoro, bem como de iluminação. Na sala foi instalado um
computador com monitor LG ®/MicroTouch, 14 polegadas, equipado com tela sensível ao
toque. Um software especialmente desenvolvido para este projeto exibiu os estímulos
(desenhos arbitrários não-representacionais, cf. Figura 1) na tela do monitor, sinais coloridos
de positivo e negativo como telas de feedback nas sessões de treino com reforçamento
diferencial, bem como registrou e gravou as respostas de seleção dos estímulos na tela.

Sobrr Comportamento e CotfnivJo 405


A1 A2

B1

Figura 1. Estímulos arbitrários nâo-representaclonais utilizados no Experimento 1. A designação


alfanumérica é utilizada para facilitar a referência aos mesmos no texto. Aos participantes foram
exibidos apenas os respectivos desenhos.

4 0 6 Kilr Lopes lunioi, C/iovana C/alv.imn Cosia, l ia femamla Sorrilh.i Qonsalcs L Raquel M elo C/olfrto
Atendendo à solicitação da escola e, principalmente, em razão da participação
no experimento ficar restrita a algumas crianças de uma mesma classe, os reforços
contingentes à participação nas sessões ficaram restritos ao acesso a jogos e a programas
de desenho, ambos no computador, após cada sessão.

P ro ce d im e n to geral
Foram realizadas trôs sessões por semana, com duração de, no máximo, trinta
minutos cada sessão. Nas sessões permaneciam na sala apenas o participante -
interagindo com as tarefas dispostas no computador- e o experimentador, sentado ao
seu lado.
Nas sessões, aos participantes foi exibida uma sucessão de tentativas definidas
pelas fases do procedimento adotado. Dois tipos de tentativas foram utilizadas (Figura 2).

2b

Figura 2. Tipos de tentativas utilizadas no Experimento 1. As tentativas do Tipo 1 (2a) foram utilizadas nos
treinos e nos testes das relações condicionais (de Identidade e arbitrárias) com estímulos simples, descritas
sob a forma de AB, BA. PQ e QP. As tentativas do Tipo 2 (2b) foram utilizadas nos treinos e nos testes de
relações condicionais com estimulo modelo complexo, descritas sob a forma ABX e PQX.

Sobre Comporitim rnlo e Cogniido 407


Nas tentativas do Tipo 1 (Figura 2a), a tela foi iniciada com um estimulo (em preto)
exibido num retângulo (em branco), com 2,5 cm x 3,0 cm, no centro da tela, com fundo
cinza claro. Uma resposta de pressionar o estimulo do centro produzia quatro retângulos
brancos, um em cada vértice da tela, com as mesmas dimensões do retângulo do centro,
com manutenção do estimulo central (matching-to-sample simultâneo). Desta feita,
respostas de pressionar o estimulo do centro não produziam alterações na tela. Em
contraposição, respostas de pressionar um estímulo do vórtice produziam as seguintes
conseqüências (mutuamente excludentes): a) uma tela de feedback (sinal de positivo ou
de negativo), por 1,5 segundos, nas fases em que era prevista a adoção do reforçamento
diferencial; b) uma tela escura, também por 1,5 segundos, nas fases em que foi adotada
a ausência de reforçamento diferencial. A exibição da tela de feedback, ou da tela escura
finalizava a tentativa. Nas duas situações, após a exibição destas telas (de feedback ou
escura), uma nova tentativa foi iniciada com exibição do estímulo na posição central. As
tentativas do Tipo 1 foram utilizadas nos treinos e nos testes de relações condicionais
com estímulos simples (por exemplo, AB, BA, PQ e QP).
Nas tentativas do Tipo 2 (Figura 2b), a tela inicial exibia um estímulo num retângulo
na posição central superior (inferior ou superior). As dimensões dos retângulos, bem como
as cores dos mesmos, dos estímulos e do fundo de tela, foram as mesmas do Tipo 1.
Uma resposta de pressionar sobre estímulo nesta posição central produzia um segundo
estímulo, exibido, desta feita, na posição central inferior, no caso do estímulo anterior
encontrar-se na central superior, ou na posição central superior, quando o primeiro estímulo
estivesse presente na posição central inferior. A resposta de pressionar o primeiro estímulo
exibido na posição central (superior ou inferior) não produzia alteração na tela. Por sua
vez, a resposta de pressionar o segundo estímulo exibido na posição central produzia o
aparecimento simultâneo de quatro retângulos nos vértices do monitor. Deste ponto em
diante, as tentativas do Tipo 2 obedeciam o mesmo funcionamento das tentativas do Tipo
1. As tentativas do Tipo 2 foram utilizadas nos treinos e nos testes de relações condicionais
com estímulos modelos complexos (por exemplo, ABX e PQX).
Abaixo são descritas as fases do procedimento adotado.
Fase 1. Treino das relações condicionais AB e testes das relações simétricas BA. Na Fase 1
ocorreu o treino de duas relações condicionais AB (A1B1, A2B2) e, em seguida, o teste das
respectivas relações simétricas BA. O experimentador limitou-se a solicitar da criança muita
atenção no início das tentativas iniciais, repetindo que o seu objetivo deveria ser fazer o maior
número possível de acertos. Nas tentativas iniciais, imediatamente após a exibição da tela de
feedback o experimentador indagava à criança sobre o significado dessa tela, com a questão:
"Vocô acertou ou errou? Como vocô sabe?"
O treino das relações condicionais AB foi efetuado em três etapas, todas com
reforçamento diferencial em CRF. Na primeira etapa, ocorreu a exposição consecutiva de
blocos de seis tentativas nas quais o estímulo A1 foi exibido no centro da tela e os
estímulos B1 e B2 nas janelas periféricas. A diferença entre os blocos residiu na seqüência
com as quais as tentativas foram exibidas. A não obtenção de 100% de acerto (critério de
aprendizagem) no bloco acarretava em nova exposição ao bloco seguinte, até o limite
máximo de três exposições. Caso neste limite não fosse registrado o critério de
aprendizagem, a sessão era encerrada. Com a obtenção deste critério, ocorreu a exposição
consecutiva a blocos de seis tentativas com o estímulo A2 na janela central (Etapa 2).

408 Kiir l.opes lunioi, Qiovdii.t C/iilv.imn Cosia, I.1.1K-rintndi Sorrillni Qonsales 1 Ruqud M elo C/ollelo
Com a obtenção do critério, a criança foi exposta a blocos com 12 tentativas (seis A1B1
e seis A2B2), ordenadas por sorteio dentro do bloco (Etapa 3). A não obtenção do critério
de aprendizagem acarretava em nova exposição a blocos com a mesma composição, até
o limite de três exposições. Diferentemente, com 100% de acerto no bloco, foi finalizado
o treino das relações condicionais AB. Com o propósito de avaliar um aspecto salientado
nos experimentos de Pérez-González (1994) sobre possíveis efeitos facilitadores da
exposição (e eventual emergência) às relações condicionais simétricas antes dos treinos
com estímulos modelos complexos, três crianças (C.1, C.2 e C.3) foram expostas, na
seqüência, aos testes das relações BA. Para as demais crianças (C.4 e C.5), após a
finalização do treino das relações condicionais AB, as mesmas foram expostas à fase
seguinte. Nos testes das relações simétricas, de início, blocos com 12 tentativas, em
CRF, avaliavam a manutenção das relações condicionais A1B1 (seis tentativas) e A2B2
(seis tentativas). O critério de 100% de acerto deveria ser registrado no máximo na exposição
ao terceiro bloco com tal composição. Uma vez registrado o critério, ocorreu a exposição
consecutiva a três blocos com seis tentativas, sendo três B1A1 e três B2A2, intercalada
com exposições a blocos de revisão das relações AB com 12 tentativas. Independente do
número de acertos nos blocos das relações BA, ocorreu a exposição aos blocos de
revisão das relações AB. Diferentemente, o novo acesso aos blocos de teste das relações
BA era contingente à obtenção de 100% de acerto nos blocos de revisão da linha de base.
Fase 2. Treino das relações condicionais com estímulos complexos ABX. Após o teste das
relações simétricas BA, ocorreu o treino das relações condicionais ABX. No treino das
quatro relações condicionais ABX, a exemplo do procedimento adotado por Pérez-González
(1994), a seleção do estímulo de escolha (X1 ou X2) deveria estar sob controle de uma
relação estabelecida previamente (Fase 1) entre os dois componentes do estímulo modelo
(estímulos A e B). As combinações dos estímulos A e B (A1B1, A1B2, A2B1 e A2B2) foram
apresentadas como estímulo modelo. A seleção do estímulo X1 foi reforçada apenas diante
de um estímulo modelo definido pela relação modelo-escolha cometa (ou seja, A1B1 e A2B2),
enquanto que a seleção do estímulo X2 foi reforçada apenas diante do estímulo modelo
definido pela relação modelo-escolha incorreta (ou seja, A1B2 e A2B1).
A Tabela 2 descreve as relações treinadas em cada uma das etapas adotadas, a
quantidade mínima de tentativas por etapa e o critério de aprendizagem exigido, ou seja,
o número de acertos no último bloco de treino de cada etapa. Os valores indicados para as
Etapas 2,4 e 6.2 correspondem, assim como para as demais etapas, com a obtenção de
100% de acerto nos respectivos blocos.

Tabela 2 - Descrição da composição das etapas desenvolvidas para o treino das relações ABX.

Etapa Relações Exibidas üuanüdade d« Tentativas nu Etapa Critírio dê Aprendizagam

1 A1B1.A2B2 10
2 A1B1, A1B1X1, A2B1X2 33 10
3 A1B1X1, A2B1X2 20 12
4 A2B2, A2B2X1, A1B2X2 33 20
5 A2B2X1. A1B2X2 20 12
6.1 A1B1, A2B2 10 20
6.2 A 1 B t, A2B2, A1B1X1. A2B1X2. A2B2X1, A102X2 28 10

Sobre Compofldnienlo e Co#mv<lo 409


Fase 3. Treino das relações condicionais PQ e testes das relações simétricas QP. Após
o treino das relações condicionais ABX, as crianças foram expostas ao treino de duas
relações condicionais PQ (P1Q1 e P2Q2) e, em seguida, aos testes das respectivas
relações simétricas. O procedimento adotado nestes treinos e testes foram os mesmos
previamente descritos nos treinos e testes da Fase 1.
Fase 4. Teste das relações condicionais com estímulos complexos PQX. O objetivo principal
desta última fase consistiu em avaliar se as relações de controle condicional previamente
estabelecidas no treino com estímulos modelos complexos (modelo-escolha correta e
modelo-escolha incorreta) seriam igualmente registradas na seleção dos mesmos estímulos
de escolha utilizados no treino anterior (Fase 2; X1 e X2), diante dos estímulos P e Q. De
acordo com a indicação da Tabela 3, a Fase 4 foi iniciada com uma revisão de todas as
relações condicionais treinadas nas fases anteriores (Etapa 1). Com a manutenção do
percentual máximo de acerto nos blocos de revisão da linha de base, ocorreu a exposição
aos blocos de teste das relações PQX. Esta exposição foi intercalada com exposições
aos blocos de revisão da linha de base, sendo que o registro de 100% de acerto nestes
blocos de revisão permaneceu como critério de acesso aos blocos de teste subseqüentes.

Tabola 3 • Descrição da composição das etapas previstas no teste das relaçOes PQX.

Ew* R elaç ões E xibidas Q uantidade M I nim a C r itér io de


de T entativas A prendizagem

1 A1B1, A2B2, A1B1X1,


A2B2X1, A1B2X2, A2B1X2, 24 24
P1Q1, P2Q2
P1Q1X1, P2Q2X1, P1Q2X2, 12
P2Q1X2
2 A1B1, A2B2, A1B1X1, 16 16
A2B2X1, A1B2X2, A2B1X2,
P1Q1, P2Q2
P1Q1X1, P2Q2X1, P1Q2X2, 12
P2Q1X2
3 A1B1.A2B2, A1B1X1, 16 16
A2B2X1, A1B2X2, A2B1X2,
P1Q1, P2Q2
P1Q1X1,P2Q2X1,P1Q2X2, 12 Final
4 P2Q1X2

O ucesso ao bloco seguinte, dc rcvinào da linha dc b*»c previamente treina da , ocorreu


independente do número dc acertos no bloco dc teste das relaçòCH 1’y X .

410 kiir l.op « lunior, C/iov<ind Q.ilv.inin Costa, l i.i f crn.ind.i S orrilki C/onstilcs & Raquel M elo C/olído
Resultados e Discussão

Fase 1. Todas as crianças registraram a obtenção do critério de aprendizagem nas etapas


do treino das relações condicionais AB, com variações quanto ao número mínimo de
exposições ató a obtenção deste critério. As maiores dificuldades foram registradas na
Etapa 3, por ocasião das apresentações mescladas de tentativas referentes às duas
relações treinadas.
Imediatamente após a finalização do treino das relações condicionais AB, de
acordo com indicação da Figura 3, constata-se que, dentre as três crianças expostas aos
testes das relações simétricas (C.1, C.2 e C.3), duas (C.1 e C.2) atestaram a emergência
das relações previstas.

100
90
o 80
■ C.1
S 70
*6 0
I C.2
□ C.3
j 50
D C .4
| 40
□ C.5
8 30
í 20
10
0
ABX QP
Ralações treinada» • testadas

Figura 3. Percentuais de acerto obtidos pelas crianças do Experimento 1 nos testes


das relações simótricas BA (Fase 1), no treino das relações ABX (Fase 2), nos (estes
das relações simótricas QP (Fase 3) e nos testes das relações PQX (Fase 4).

Fase 2. Nesta fase, o treino das quatro relações condicionais ABX foi subdividido
em etapas. Após a revisão das relações AB (Etapa 1), as relações A1B1X1 e A2B1X2
foram expostas, ora na presença das relações AB (Etapa 2), ora na ausência destas
(Etapa 3). Na seqüência, as relações A2B2X1 e A1B2X2, de modo similar, foram exibidas,
ora em blocos de tentativas juntamente com as relações AB (Etapa 4), ora na ausência
destas relações condicionais (Etapa 5). As quatro relações condicionais ABX foram exibidas
conjuntamente na Etapa 6, ora com as relações condicionais AB (Etapa 6.2), ora na
ausência destas relações (Etapa 6.3). O percentual de acerto registrado pelas cinco crianças
nesta última etapa do treino das quatro relações ABX é indicada na Figura 3. Constata-se
que apenas C.1 registrou o critério de aprendizagem nesta etapa. Para as demais crianças,
o registro de pareamentos distintos dos previstos no treino em conjunto das quatro relações
ABX foi verificado, independente da emergência ou não das reversões funcionais entre os
estímulos A e B - avaliada nos testes de simetria - e mesmo com a obtenção do critério
de aprendizagem no treino em separado, duas a duas, das relações ABX.

Sobre Comporl.imcnlo r C ounitfo 411


Fase 3. Em função dos resultados obtidos na fase anterior, apenas a criança C.1 foi
exposta ao treino das relações PQ. Nos testes de simetria efetuados a seguir, conforme
indicação da Figura 3, constatou-se a emergência das relações previstas.
Fase 4. Os resultados apresentados na Figura 3 informam que, nos testes da Fase 4, a
criança C.1 selecionou o estimulo X1 quando o estimulo condicional foi composto por
estímulos P e Q que sustentavam relações de condicionalidade previamente treinada
(modelo-escolha correta, P1Q1 e P2Q2); já a seleção do estímulo X2 foi registrada quando
os estímulos P e Q sustentavam a relação modelo-escolha incorreta correta, ou seja,
P1Q2 e P2Q1.
A questão básica abordada no Experimento 1 consistiu em investigar se, do ponto de
vista do controle de estímulos, quando crianças com necessidades especiais de ensino
aprendem relações condicionais com estímulos modelos complexos, elas igualmente
evidenciariam um controle condicional definido pela natureza das relações entre os componentes
destes estímulos. Assim, os pareamentos estabelecidos nos testes das relações PQX
permitiriam identificar a extensão das relações de controle de estímulo estabelecidas no treino
das relações ABX. Em outros termos, quando as crianças passam a selecionar X1 e X2
condicionalmente à presença dos estímulos A (A1 e A2) e B (B1 e B2), este desempenho
seria, efetivamente, função do controle exercido pelas relações modek>escolha cometa e modelo-
escolha incorreta?
Dentre as cinco crianças com necessidades especiais de ensino participantes do
Experimento 1, apenas a C.1 demonstrou a extensão do controle condicional definido pela
natureza das relações entre os componentes do estímulo modelo complexo (modelo-
escolha correta e modelo-escolha incorreta), sugerindo a generalidade do fenômeno
comportamental previamente demonstrado por Pérez-González (1994) com adultos e com
um adolescente com desenvolvimento típico. Para as demais crianças, pareamentos
distintos dos previstos foram registrados quando, no treino das relações condicionais
ABX, as quatro relações foram exibidas conjuntamente. Os dados destas quatro crianças
sinalizam um aspecto básico: para elas, independente da emergência ou não da reversão
funcional entre os estímulos A e B, avaliada nos testes das relações simétricas BA, a
obtenção do critério de aprendizagem no treino, em separado, das relações ABX não se
constituiu em condição suficiente para estabelecimento das relações de controle previstas.
As dificuldades registradas no estabelecimento das quatro relações ABX poderiam
estar funcionalmente relacionadas com algumas variáveis de procedimento. Poder-se-ia
admitir que, possivelmente, topografias de controle de estímulo estabelecidas nos treinos
em separado das relações ABX, mostraram-se incompatíveis com o desenvolvimento das
topografias de controle previstas por ocasião do treino em conjunto das quatro relações
condicionais ABX. Uma análise mais detalhada das contingências de reforçamento em
ação, durante o treino das relações ABX, aponta que, na realidade, precedendo á última
etapa deste treino, a obtenção do critério de aprendizagem não era, necessariamente,
função do estabelecimento do controle condicional pela natureza das relações entre os
componentes do estímulo complexo. Nas Etapas 2 e 3, por exemplo, diante do treino das
relações A1B1X1 e A2B1X2, pode-se notar que o critério de aprendizagem seria igualmente
obtido, produzindo o acesso às demais etapas dessa fase, na hipótese do estabelecimento
das seguintes relações de controle: a seleção do estímulo X1 diante de A1 e a seleção do

412 i.h. Lopei Junioi, C/iovuiid C/dlvtimn Costu, l ia f crnanJci Sorrilh.i t/onw lcs 1 Raquel M elo Qolíclo
estimulo X2 diante do estímulo A2, sendo B1 um estímulo redundante, sem função
discriminativa definida. Nas etapas seguintes (Etapas 4 e 5), no treino das relações A2B2X1
e A1B2X2, desta feita, ocorreria uma reversão: as seleções dos estímulos X1 e X2 seriam
reforçadas diante dos estímulos A2 e A1, respectivamente, com o estímulo B2 sem qualquer
função discriminativa independente. Deste modo, as contingência de treino poderiam
estabelecer o controle seletivo de estímulos: nas etapas 2 e 3 diante dos estímulos A1B1
e A2B1, na realidade, apenas os estímulos A1 e A2 exerceram funções discriminativas
(condicionais): de modo similar, nas etapas 4 e 5. Com isso, pode-se prever que o critério
de aprendizagem na Etapa 6 seria função da eliminação destas topografias de controle de
estímulo incompatíveis com o controle relacionai previsto.
As análises em termos de topografia de controle de estímulo sugerem que as
contingências de treino, na Fase 2, não foram suficientemente instrucionais (ou instrutivas)
quanto à especificação das relações de controle de estímulo previstas. Essas restrições
instrucionais seriam derivadas do arranjo do treino que especificou, inicialmente, o treino
em separado de duas relações ABX e, posteriormente, das duas relações ABX restantes,
sendo que, por fim, ocorreu o agrupamento das quatro relações? Ou, independente desse
arranjo, será que para as crianças participantes, essas restrições instrucionais não teriam
sido produzidas pela utilização, logo de inicio, de relações condicionais arbitrárias
previamente treinadas (AB) para o estabelecimento do controle pelas relações modelo-
escolha correta e modelo-escolha incorreta?
Com o propósito de melhor explorar estas hipóteses, no Experimento 2, para
quatro novas crianças, a exposição às fases do procedimento do Experimento 1 foi
precedida pelo treino e pelo teste nos quais o que definia uma relação modelo-escolha
correta e modelo-escolha incorreta era a existência ou não de relações de identidade
entre os elementos do estímulo modelo complexo. Em síntese, o Experimento 2 procurou
avaliar se o estabelecimento do controle condicional definido pelas relações modelo-escolha
correta e modelo-escolha incorreta a partir da existência ou não de relações de identidade
entre os componentes do estímulo modelo complexo constituir-se-ia em condição
suficientemente instrutiva para o estabelecimento posterior destas relações de controle,
envolvendo, desta feita, relações condicionais arbitrárias.

E xp e rim e n to 2 - P artic ip a n te s
O segundo experimento contou com a participação de quatro crianças, também
matriculadas na mesma escola das crianças do experimento anterior. A faixa etária
comprrendida foi entre nove anos e dez meses e 11 anos. Duas crianças (C.6 e C.8)
estavam regularmente matriculadas em sala de ensino especial, enquanto as demais (C.7
e C.9) eram alunas do ensino fundamental. Os critérios de encaminhamento dessas
crianças, definidos pela direção da escola, foram os mesmos adotados no experimento
anterior.
Antes do início das sessões experimentais, as crianças foram expostas à Escala
Wechsler de Inteligência para crianças, sendo que as informações diagnósticas obtidas
são descritas na Tabela 4.

Sobrr Comporlamrnlo e Cognifiio 413


Tabela 4
Características dos participantes

Participante Idade Informação


(ano/més) Diagnóstica

C.6 9/10 Médio inferior

C.7 10/3 Muito superior

C.8 10/11 Médio inferior

C.9 11/0 Médio

Material

As sessões de coleta de dados do Experimento 2 foram realizadas com as


mesmas condições físicas do experimento anterior, em termos do local e do equipamento
utilizado. Foram adotados também os mesmos eventos reforçadores contingentes à
participação nas sessões integralmente e não ao desempenho. Uma única diferença reside
na inclusão de quatro novos estímulos (F1, F2, Z1 e Z2; cf. Figura 4) àqueles já utilizados
no experimento anterior.

Figura 4. Estímulos arbitrários nâo-representaclonais utilizados no Experimento 2, em acréscimo àqueles


utilizados no experimento anterior e ilustrados na Figura 1.

414 lair Lopes lunior, C/iovana C/alvanin Cosia, l i.i fernamla Sornllia C/onsales 1 Raquel M elo C/olíelo
P ro ce d im e n to geral

Foram realizadas três sessões por semana, na própria escola das crianças
participantes, na mesma sala previamente utilizada no Experimento 1.
Os mesmos tipos de tentativas já descritos no experimento anterior foram também
utilizados no Experimento 2.
Segue abaixo uma descrição do procedimento adotado.
Fase 1. Treino das relações condicionais de identidade FF (F1F1 e F2F2). O procedimento
adotado no treino das relações condicionais de identidade foi o mesmo previamente descrito
nas Fases 1 e 3 do experimento anterior, ou seja, nas fases nas quais ocorreu o treino de
relações condicionais arbitrárias AB (A1B1 e A2B2) e PQ (P1Q1 e P2Q2), respectivamente.
Em síntese, o procedimento foi subdividido em trés etapas: a exposição à etapa final
(Etapa 3), composta por blocos que mesclaram tentativas referentes às duas relações FF,
foi precedida pelo treino, em separado, das relações F1F1 (Etapa 1) e F2F2 (Etapa 2),
obedecendo as mesmas condições (instruções iniciais, número de blocos de tentativas e
critérios de aprendizagem) já descritos no Experimento 1 (Fases 1 e 3).
Fase 2. Treino das relações condicionais com estímulos complexos FFX. Nesta fase,
foram treinadas as relações condicionais de identidade FFX: F1F1X1, F1F2X2' e F2F2X1.
Deste modo, a seleção do estimulo X1 foi reforçada quando os dois elementos do estimulo
modelo (condicional) complexo sustentavam relações de identidade previamente treinadas;
diferentemente, a seleção do estímulo X2 foi reforçada quando os componentes do estímulo
modelo (condicional) complexo eram diferentes (sem relação de identidade física). Com o
propósito de garantir maior uniformidade nas condições de treino e de teste entre os dois
experimentos, o treino das relações FFX seguiu o mesmo procedimento já adotado no
treino das relações ABX, no Experimento 1. O procedimento consistiu, portanto, de seis
etapas, que incluíram a revisão das relações FF (Etapa 1), o treino em separado das
relações F1F1X1 e F2F1X2 (Etapas 2 e 3) e, em seguida, das relações F2F2X1 e F1F2X2
(Etapas 4 e 5), sendo que, por fim, ocorreu o treino em conjunto das quatro relações FFX
(Etapa 6). Foram adotados os mesmos critérios de aprendizagem para finalização das
etapas já descritos na Tabela 2.
Fase 3. Treino das relações condicionais de identidade ZZ (Z1Z1 e Z2Z2). A exemplo do
treino das relações condicionais de identidade FF (Fase 1), adotou-se no treino das duas
relações condicionais de identidade ZZ o mesmo procedimento do treino das relações
condicionais arbitrárias AB e PQ do experimento anterior.
Fase 4. Teste das relações condicionais com estímulos complexos ZZX. O objetivo desta
fase foi avaliar se, em contingências de teste, portanto, sem reforçamento diferencial, as
crianças selecionariam o estímulo X1 diante de estímulos modelos complexos que
sustentassem relação de identidade (Z1Z1 e Z2Z2) e, diferentemente, a seleção do estímulo
X2 ocorreria diante das demais combinações entre os dois estímulos Z. Em acréscimo, os

' No caso da rnlaçAo F1F2X2, a londtlivN (oi iniciada com a exibtçAo do esllmulo F1 numa das posiçAaa cantrals da laia, Mndo que um loque sobre aata
Htillmulo produ/la a exIblçAo do Mllmulo F2 O experimento previu também o treino, com um número mlnlmo Idénlico da apresentações, da tentativas
Iniciadas com o estimulo F2 numa das posiçOee centrais da tela. desta feita, um loque sobre este estimulo produzia a exibição do estimulo F1 Em termos
seqüenciais, teríamos, portanto, a ‘relação" F2F1X2

Sobre C\>mporl«imeijlo c Cojjniv«lo 415


testes da Fase 4 também forneceriam medidas da eficiência das condições de treino das
fases anteriores em especificar a natureza do controle de estimulo previsto para a esta
fase. O procedimento adotado foi o mesmo verificado nos testes PQX, do experimento
anterior (número de etapas e critérios de aprendizagem). De início, houve uma avaliação
da manutenção das relações condicionais previamente treinadas (FF, FFX e ZZ) para, em
seguida, ocorrer a exposição aos blocos de teste das relações ZZX. A exemplo do
procedimento adotado no teste das relações PQX (Experimento 1; Tabela 3), a exposição
aos testes das relações ZZX foi intercalada com revisões da manutenção da linha de base
previamente treinada.
Após o término da Fase 4, as crianças foram expostas, sucessivamente, ao
treino das relações condicionais AB (A1B1, A2B2) e ao teste das respectivas relações
simétricas (Fase 5), ao treino das quatro relações ABX (A1B1X1, A1B2X2, A2B1X2, A2B2X1
- Fase 6), ao treino das relações condicionais PQ (P1Q1, P2Q2) e aos testes das relações
simétricas QP (Etapa 7) e, por fim, ao teste das relações PQX (Etapa 8). Nestas quatro
últimas fases, o procedimento adotado foi exatamente o mesmo descrito previamente no
Experimento 1.

Resultados e Discussão

Fases 1 e 2. As quatro crianças registraram a obtenção do critério de aprendizagem nos


treinos das relações condicionais de identidade FF (Fase 1), bem como a manutenção
destas relações no treino posterior na Fase 2. Nesta fase, de acordo com os dados
expressos na Figura 5, pode-se constatar que todas as crinaças finalizaram a Etapa 6.3,
ou seja, aquela na qual os blocos de tentativas exibiam sucessivamente tentativas referentes
às quatro relações ABX.

Fases 3e4. Na seqüência, o critério de aprendizagem foi igualmente registrado


no treino das relações condicionais de identidade ZZ (Fase 3). Nos testes posteriores das
relações ZZX, constatou-se (Figura 5) que, de modo consistente, todas as crianças
selecionaram o estímulo X1 quando os componentes do estímulo condicional complexo
sustentavam relações de identidade (Z1Z1 e Z2Z2) e, diferentemente, selecionaram o

416 l.iir l.opcs lunior, t)iovdH«i C/.ilv<imn Cosl«i, h a f i-mamla Sorrilh.i Oonsales & R<iqud M elo C/olíclo
estimulo X2, quando as combinações entre os estímulos Z nào satisfaziam a propriedade
da identidade (Z1Z2 e Z2Z1, ou seja, independente do estímulo exibido inicialmente na
composição da tentativa).
Fase 5. Para as quatro crianças, a aquisição do critério de aprendizagem foi
tambóm verificada nos treinos das relações condicionais arbitrárias AB. No entanto, nos
testes posteriores das respectivas relações simétricas BA, apenas a C.9 exibiu resultados
distintos daqueles experimentalmente previstos. Com o intuito de melhor avaliar se a
emergência destas relações simétricas constituir-se-ia em condição necessária para a
obtenção dos critérios de aprendizagem nas fases posteriores do estudo, C.9 (a exemplo
de C.3, no Experimento 1) tambóm foi exposta à Fase 6.
Fase 6, O critério de aprendizagem foi registrado, por todas as crianças, nas
etapas nas quais ocorreu o treino em separado das relações ABX: nas Etapas 2 e 3
(relações A1B1X1 e A2B1X2) e, na seqüência, nas Etapas 4 e 5 (relações A1B2X2 e
A2B2X1). Na última etapa, contudo, por ocasião da apresentação conjunta das quatro
relações ABX, esta homogeneidade de resultados esteve restrita às Etapas 6.1 (revisão
das relações AB) e 6.2 (uma revisão em separado das quatro relações ABX, juntamente
com as relações AB). Mais precisamente, a Figura 5 indica que C.6 e C.7 registraram a
obtenção do critério de aprendizagem na última etapa (Etapa 6.3) deste treino.
Diferentemente, C.8 e C.9, na exposição ao bloco de tentativas da Etapa 6.3, que exibia
sucessivamente as quatro relações ABX, registraram percentuais de acerto muito abaixo
do critério de aprendizagem, com pareamentos distintos dos previstos. Em função destes
resultados, apenas as crianças C 6 e C.7 foram expostas às fases subseqüentes do
procedimento.
Fase 7. Nos treinos das relações condicionais PQ, ambas registraram o critério
de aprendizagem. Na seqüência, como indicado na Figura 5, verificou-se, tambóm para as
duas crianças, a emergência das relações simétricas QP.
Fase 8. Nos testes da Fase 8 verificou-se que C.6 e C.7 selecionaram, com 100%
de acerto, o estímulo X1 diante dos estímulos modelos complexos cujos elementos
sustentavam a relação modelo-comparação correto (A1B1 e A2B2) e, diferentemente, o
estímulo X2 diante das demais combinações entre os estímulos A e B que descreviam a
relação modelo-comparação incorreto (A1B2 e A2B1).
No Experimento 2, a avaliação da extensão do controle condicional exercido pelas
relações entre os componentes do estímulo modelo complexo foi efetuada em dois
momentos. De início, relações de identidade entre tais componentes definiam um estímulo
de comparação (X1) como escolha correta (S+); em oposição, a ausência de relações de
identidade entre tais componentes estabelecia como S+ o outro estimulo de comparação
(X2). Quatro crianças demonstraram a aprendizagem das relações condicionais assim
definidas (relações FFX), tanto quanto a emergência de novas relações condicionais (ZZX)
testadas imediatamente após o treino de novas relações condicionais de identidade (ZZ).
As fases seguintes do Experimento 2 foram idênticas ao procedimento do
experimento anterior. A questão básica, portanto, consistiu em verificar se a exposição a
essa condição antecedente mostrar-se-ia efetiva no estabelecimento do controle condicional
por duas modalidades de relação: modelo-comparação correta e modelo-comparaçáo
incorreta, envolvendo, desta feita, relações condicionais arbitrárias. Duas (C.6 e C.7),
dentre as quatro crianças, replicaram os dados previamente registrados por C.1, bem

Sobre Com portam ento e Coitniv<)o 4 17


como pelos adultos e pelo adolescente em Pérez-González (1994). As outras duas crianças,
a exemplo das demais do experimento anterior, tambóm registraram pareamentos distintos
do previsto quando da exibição conjunta das quatro relações ABX (Etapa 6.3).
Deste modo, a demonstração dos resultados previstos nos treinos e testes das
relações FFX e ZZX, respectivamente, não asseguraram o desenvolvimento das topografias
de controle de estimulo previstas no treino das relações ABX. As crianças C.8 e C.9
registraram pareamentos distintos dos previstos por ocasião da exibição conjunta das
quatro relações ABX, ou seja, justamente na etapa na qual os desempenhos de quatro
crianças do experimento anterior, sem essa história antecedente de exposição às relações
FFX e ZZX, também evidenciaram resultados distintos daqueles previstos.
Parece-nos, assim, que a manifestação de topografias de controle de estimulo
inconsistentes com aquelas experimentalmente programadas no treino das relações ABX
não foi eliminada pelo estabelecimento, através de contingências de treino e de teste, do
controle condicional definido por relações de identidade e de não identidade entre os
componentes do estimulo modelo complexo.
Deste modo, os dados ora considerados parecem reforçar a hipótese de que as
topografias de controle de estímulo inconsistentes com as previstas parecem funcionalmente
relacionadas com as características das contingências de treino das relações ABX, em
particular, com o treino em separado destas relações.

Discussão geral
A aprendizagem relacionai ou o responder sob controle de relações entre eventos
reveste-se, enquanto fenômeno comportamental, em tópico de suma relevância para as
investigações sobre processos de atenção.
No presente estudo, no âmbito da análise experimenta) de processos de atenção,
procurou-se replicar a demonstração do responder condicional definido pela natureza das
relações entre os elementos do estímulo condicional complexo com crianças com
necessidades especiais de ensino, bem como aquelas matriculadas no ensino fundamental.
Anteriormente, Pérez-González (1994) demonstrou a ocorrência deste responder condicional
por adultos e um adolescente com desenvolvimento típico.
A replicação foi demonstrada por três dentre as nove crianças que participaram
deste estudo. Essas três crianças - duas matriculadas em sala de ensino especial (C. 1 e
C.6) e uma cursando a terceira série do ensino público fundamental (C.7) - evidenciaram
que a aquisição do controle condicional definido por relações entre os componentes do
estímulo modelo complexo não esteve restrita às relações diretamente ensinadas através
de reforçamento diferencial. Após o treino desta modalidade de controle condicional (relações
ABX), constatou-se igualmente a emergência do mesmo envolvendo novas relações
condicionais (relações PQX).
Não obstante o desempenho destas três crianças, os dados deste estudo, em
seu conjunto, reiteram a necessidade de investigações adicionais sobre variáveis que
poderiam estar funcionalmente relacionadas com a aquisição e a emergência da
aprendizagem relacionai definida pela modalidade de controle condicional ora considerada.
O estabelecimento do controle condicional definido por relações de identidade e de náo-

418 lolr Lopes lunior, C/iovana C/alvanm Costa, I ia f crnam la Somllia C/onw lcs & Raquel M e lo C/olíelo
identidade entre os componentes do estímulo modelo complexo (Sujeitos C.8 e C.9), bem
como a emergência (C.2 e C.8) ou não (C.3 e C.9) das reversões funcionais das relações
condicionais diretamente treinadas, previamente ao treino das relações ABX, não impediram
o possível desenvolvimento de topografias de controle de estímulo incompatíveis com as
previstas para este treino. Na realidade, os dados das outras seis crianças sinalizam que
topografias de controle de estímulo funcionalmente relacionadas com a aquisição do critério
de aprendizagem no treino em separado das relações ABX não são consistentes com as
topografias de controle definidas ou previstas experimentalmente.
Precedendo a exposição conjunta às quatro relações condicionais ABX, o critério
de aprendizagem poderia ser obtido mediante o estabelecimento de relações condicionais
entre parte do estímulo condicional complexo e os estímulos de escolha, caracterizando,
portanto, um controle restrito de estímulo (seletividade perceptual ou atenção seletiva). As
topografias assim constituídas, no entanto, mostrar-se-iam inoperantes por ocasião da
exibição conjunta das quatro relações ABX, sendo que a própria exposição aos blocos
com tal composição não se mostrou com função instrucional o suficiente para estabelecer
as topografias de controle de estímulo consistentes e eliminar as anteriores.
Em que extensão o estabelecimento destas divergências entre topografias de
controle de estímulo foi função exclusiva dos procedimentos adotados no presente estudo,
em particular, no treino em separado das relações com estímulo modelo complexo,
constitui-se em questão que, em nossa apreciação, justifica a continuidade das
investigações.
Em acréscimo, os resultados anteriormente descritos igualmente apontam para
uma importante convergência metodológica. Procedimentos e técnicas experimentais
desenvolvidas e implementadas com o propósito de minimizar a ocorrência do controle
restrito de estímulo por indivíduos com necessidades especiais de ensino (Dube & Mcllvane,
1999; Geren, Stromer & Mackay, 1997), como por exemplo, a adoção de respostas de
observação não-verbais diferenciais ao modelo, isto é, de contingências que estabeleçam
a necessidade da emissão de respostas diferenciais constituindo-se em medidas
comportamentais da observação (ou do controle) de todos os componentes do estímulo
modelo complexo, deverão fornecer importante contribuição metodológica no delineamento
de procedimentos voltados para a aprendizagem de importantes habilidades perceptuais
comumerite exigidas por contingências do ensino, em particular, o responder sob controle
condicional não da presença ou da ausência de um dado evento, mas antes, de relações
arbitrárias estabelecidas ou não entre tais eventos.

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Sobre Comportum onlo c Cojimt«lo 419


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Nobre Comporl.imculo c Copniçilo 421


Capítulo 45
Análise funcional das dependências de
drogas

Maria Teresa Araújo Silva*


Luiz Guilherme domes ( arilim (iuerra*
Fábio Leyser Gonçalves
Míriam Garcia-Mijares **
usr

A dependência, como uso compulsivo d« drogas, é analisada sob o prisma da análise funcional do comportamento Na
abordagem comportamental, a adcçâo e a dependência geram um comportamento inadequado ou lesivo, mas que obedece
As mesmas leis que governam outros comportamentos Sâo considerados como fatores críticos na gênese da dependência:
a aprendizagem que emerge da relação entre o indivíduo e seu ambiente, os fatores genéticos e ontogenêticos que
contribuem para a vulnerabilidade, e os fatores neurofarmacolôgicos que determinam a tolerância ou a sensibilização
Palavras-chave: dependência de drogas - valor reforçador - sensibilização - tolerância - vulnerabilidade

Drug addlction Is discussed under a behavioral functional analysis perspective In a behavioral analysis, abuse and Hddiction
may load to Inadequate or nocive behavior However, such behavior follows the same principies that control other klnds of
behavior. Criticai factors in producing dependence come from learning relations that emerbe from the Intoraction between
Individual and environment, from genetic and ontogenetic factors contributlng to vulnerabllity, and from nHiiropharmacological
factors determlnlng toleranoe and sensitization
Kay-words: drug addiction - reinforcmy value - sensibilization - tolerance - vulnerabllity

A dependência, como uso compulsivo de drogas, é matéria de discussão entre


diferentes visões que explicariam o comportamento de procura e de consumo de certas
substâncias de abuso. Segundo o modelo moral, a dependência seria explicada por uma
suposta falta de força de vontade ou fraqueza de caráter, segundo um julgamento que se
faz da moral do indivíduo, com categorizações como, por exemplo, fraco/forte, preguiçoso/
esforçado, correto/imoral. Esse foi o modelo dominante até sobretudo meados do século
passado, quando começaram a adquirir maior importância as considerações de verdade
supostamente mais neutras da ciência. No modelo moral, o problema da drogadicção é
matéria da religião (drogadictos como pecadores) e da justiça (como criminosos), e ainda
hoje ele assume papel importante nas inferências causais internas e de apelo subjetivo
para a adicção.
Já o modelo da dependência como doença, considera o comportamento do indivíduo
dependente como desviante em relação ao comportamento normal, na medida que o aspecto

Apoio financalro. *CNPq " FAPFSP

422 M.iri«i lcrcs«i A . Stlva, l.ui/ C/uilhcrrm* C/. C . C/ucrr<«, KUjio l.eytcr C/onv»ilvos * M ln .im C/dcviii-Mi|.iu*s
compulsivo implicaria uma falta de controle voluntário do drogadicto, e levaria à
autodestruição do organismo. Um indivíduo saudável, por sua vez, mesmo se exposto a
uma droga de potencial adictivo, exibiria atividades voltadas para a busca de seu prazer e
segurança.
Segundo Brown (1985) e Edwards (1996), a compulsão, junto com a autodestruição
e prejuízo de uma ampla gama de relações sociais, levou a que os alcoolistas, na última
metade do século passado, fossem comumente internados por longo período em asilos,
como se fazia com psicóticos. Longe de significar um paralelo entre doença e instituição
asilar, esse fato de interesse histórico apenas mostra que as categorias de doença mental,
segundo a prática módica, já se mostravam bastante inclusivas, abrangentes, para diversos
comportamentos hoje considerados distintos. Essa característica inclusiva também se
faz notar atualmente na consideração do comportamento do dependente como síndrome
com diversas etiologias possíveis, segundo classificação diagnóstica de manuais de
distúrbios mentais. Segundo McKim (2000) e Barrett e Witkin (1986), um dos problemas
do modelo de dependência como doença é que, para drogas de propriedades tão distintas
como opióides e estimulantes, o modelo deveria elucidar um mecanismo comum de adicção,
explicar que tipo de doença é a dependência, e explicar como uma doença é capaz de
fazer com que um indivíduo auto-administre uma droga, ou mais de uma droga, com
propriedades bastante distintas. Se por um lado, o modelo avança a questão ao aproximar
a dependência (uso compulsivo) do âmbito científico (agora uma matéria médica), por
outro, não explica a natureza, o mecanismo que leva à compulsão pela droga (o DSM-IV
e o CID-10, por exemplo, categorizam os diferentes transtornos mentais segundo uma
descrição de sua sintomatologia, ao invés de se basearem na etiologia dos variados
transtornos).
Buscando fornecer uma explicação do mecanismo da drogadicção, o modelo da
dependência física (antes falamos do modelo moral e do modelo como doença) trata a
dependência como função da síndrome de abstinência que comumente acomete aqueles
que abusam do uso de drogas. A síndrome de abstinência se refere a respostas fisiológicas
de grande magnitude, sentidas como desagradáveis, que surgem com a retirada da droga.
Uma doença tornaria a pessoa vulnerável à síndrome de abstinência, e para livrar-se das
sensações desagradáveis da síndrome, a droga seria novamente auto-administrada. Seria
a fuga dos sintomas de abstinência ou do que a sinaliza (como por exemplo, a fuga do
medo da abstinência) que explicaria a adicção, no modelo da dependência física. No
entanto, percebeu-se que algumas drogas, como a cocaína e a maconha, não produziam
sintomas clínicos que pudessem caracterizar uma síndrome de abstinência específica e
no entanto apresentavam padrões de uso abusivo. A fim de aumentar a abrangência desse
modelo, foi desenvolvido o conceito de dependência psicológica; no entanto, segundo
McKim (2000), como explicação da drogadicção, o conceito apresenta um sério problema:
é circular. Dizemos que uma pessoa apresenta dependência psicológica porque observamos
a freqüência em que faz uso de droga e, ao mesmo tempo, não observamos sintomas de
abstinência, portanto não podemos utilizar essa observação do comportamento como
explicação para o próprio comportamento.
Alguns fatores levaram a um enfraquecimento do modelo de dependência física,
indicando que a aversão à abstinência não seria, só ela, um determinante suficiente para
explicar a adicção. Nesse sentido, 1) como vimos anteriormente, há drogas de elevado
poder adictivo que não produzem comumente a síndrome de abstinência, e 2) drogas que
normalmente geram fortes sintomas de abstinência, como a heroína, podem deixar de ser

Sobrr Comporl«irm-nlo c 1'ognicüo 423


consumidas com relativamente poucos sintomas de abstinência quando se abandona o
ambiente em que houve a adicçâo - por exemplo, um grande número de militares norte-
americanos tornaram-se adictos durante sua permanência no Vietnã, mas a volta ao seu
domicilio atenuou os efeitos de abstinência.
O m o d o lo c o m p o r ta m e n ta l tra ta a d e p e n d A n c ia corw > d e te r m in a d a p e la o p r o n d ir a g o m
que surge das relações entre o indivíduo e seu ambiente. Na abordagem comportamental,
diferente dos modelos de doença, não se concebe a adicçáo e a dependência como uma
patologia, pois os comportamentos associados ao consumo de drogas seguem os mesmos
princípios gerais dos comportamentos ditos normais— e o termo patológico refere-se a uma
suposta doença, ou seja, a um desvio do estado normal. O comportamento do drogadicto
obedece às mesmas leis do comportamento "normal” de todos os animais, leis de controle
se aplicam a comportamentos "normais" em indivíduos "sadios". São os eventos ambientais
que determinam o comportamento, e não a consciência ou o autocontrole; assim, aqui não
tem sentido a consideração sobre a falta de controle voluntário do drogadicto sobre seu
comportamento compulsivo, ou de características morais de sua personalidade. Na abordagem
comportamental, a adicçáo e a dependência geram um comportamento inadequado e lesivo,
mas nâo desviante. Esta abordagem traz a vantagem de buscar oferecer explicações para o
fenômeno da dependência baseadas numa etiologia que se pretende conhecer e controlar,
ao se observarem padrões de resposta para situações particulares, e interferir sobre as
contingências envolvidas.
Uma das primeiras conseqüências do estabelecimento do paradigma comportamental
como uma ferramenta útil para compreender o uso abusivo de drogas ô justamente colocar
o fenômeno da auto-administraçâo de drogas como um comportamento decorrente da relação
de um organismo com seu ambiente e, portanto, passível de uma análise funcional. Para
tanto, é necessário termos claro que qualquer substância nada mais é do que um evento
ambiental, ou seja, um estímulo. Como tal é capaz de exercer qualquer função que um
estímulo potencialmente poderia exercer.
Nesse modelo, a elevada auto-administração poderia ser explicada por funções
de estímulo exercidas pela droga ou pelo que a ela foi pareado, além do efeito de reforço
(positivo ou negativo) direto por outros estímulos presentes no ambiente daquele determinado
indivíduo (este último tópico, embora deva ser levado em conta no contexto clínico, é
bastante extenso, fugindo, portanto, do objetivo deste trabalho). No modelo comportamental,
uma droga poderia (1) ter função de estímulo reforçador (como no exemplo anterior com
opióides), que seria por sua vez responsável pela geração da função discriminativa de
outros estímulos que alterassem a probabilidade de auto-administração da droga; (2) a
droga poderia ter função de estímulo discriminativo para diferentes probabilidades de
obtenção de outro reforçador; (3) ter função induzida por esquema de reforço (comportamento
adjunto); ou (4) a droga poderia ser responsável pela criação e manutenção da função
eliciadora de outros estímulos. Na verdade, todas essas funções exerceriam controle em
conjunto sobre o comportamento compulsivo do drogadicto (compulsivo como significando
elevada freqüência de respostas), e o consumo abusivo teria a probabilidade aumentada
em função do reforçador "droga", do contexto em que ocorre a auto-administração, e de
respostas eliciadas por estímulos pareados com a droga (como, por exemplo, respostas
compensatórias do efeito incondicionado da droga), ou de respostas eliciadas pela retirada
da droga.
Citando a função reforçadora, ela pode envolver reforço positivo ou negativo - nesse
último caso, a auto-administração seria reforçada pela retirada do estimulo aversivo "sintomas

424 M a n a Ictvsa A . Silva, Luiz C/uilhermc C/. C . C/ucrra, Kábio I eyscr l/im valves l M íriam l/a m a -M ija ic *
de abstinência". Os efeitos induzidos pelas drogas reforçam o comportamento de consumi-
las, e também os elos comportamentais que levam a uma maior probabilidade de consumo.
A função discriminativa pode ser a de, por exemplo, sinalizar que, sob efeito de
cocaína, eu conseguirei varar uma noite e estudar toda a matéria de um prova, e então
conseguirei tirar uma boa nota. A alternativa a essa situação ó não utilizar a cocaína e
dormir durante o estudo, tendo como conseqüência final uma nota ruim na prova. Há
portanto o desenvolvimento de um repertório vinculado ao abuso da substância. Esse
abuso de cocaína poderia, por sua vez, gerar insônia, e assim eu poderia ingerir álcool
para dormir mais facilmente. Assim, a depender da vida que eu leve, posso abusar das
duas drogas, em função das conseqüências que elas sinalizam.
Posso fumar tabaco excessivamente em função do ritmo de trabalho (comportamento
adjunto), além de fumar para baixar a ansiedade provocada pela visão do chefe ou pela voz
de um concorrente no trabalho, ou para aumentar o relaxamento num momento de descanso
ou de alívio. E posso ter sensações fisiológicas eliciadas (comportamento respondente)
cada vez que ouço alguém falar de cigarro (nome pareado com o objeto). A situação vai se
tornando mais complexa, efica difícil sustentar que uma doença (ou várias doenças) possa
explicar todos os comportamentos, incluindo aqueles comportamentos não citados, de busca
pela droga.
Um outro fator que deve ser levado em conta em uma análise funcional é a ocorrência
de outros reforçadores no ambiente do indivíduo. Comumente encontramos indivíduos que
desenvolvem um padrão de uso adictivo por possuírem poucas fontes de reforçadores
alternativas á droga. De fato, o modelo comportamental se mostra incompleto quando não
leva em conta o que se convencionou chamar de escolha, ou seja, a distribuição das
variadas respostas de um indivíduo em função dos estímulos reforçadores presentes em
seu ambiente. De uma maneira simplificada, podemos dizer que, segundo um princípio
conhecido por Lei da Igualação, um organismo emite uma taxa maior de respostas para
um estimulo com maior valor reforçador do que para um de menor valor (para uma revisão,
ver Garcia-Mijares e Silva, 1999). Assim, se existem poucas fontes de reforçadores no
ambiente de um indivíduo, é bastante provável que a presença de um reforçador de valor
alto (como de fato são muitas drogas de abuso) controle a maior parte das respostas
daquele organismo. Assim, a intervenção clínica precisa ir além do estabelecimento de
uma meta (diminuir a freqüência de consumo de uma substância), devendo estabelecer
um ambiente rico em fontes de reforçadores que não estejam relacionados, ou até mesmo
sejam incompatíveis, com o abuso de drogas (Petry, 2000).
Igualmente importante na intervenção clínica é sopesar os fatores que tornam o
indivíduo mais propenso a desenvolver a adicção a drogas. Sobre esses fatores nos detemos
a seguir.

Fatores de vulnerabilidade à dependência de drogas


Passamos a discutir um aspecto específico da dependência: a susceptibilidade
individual aos efeitos reforçadores da droga. A vulnerabilidade diferencial à dependência é
um fato que o senso comum pode atestar: há diferenças individuais na propensão a criar
uma relação de dependência com drogas psicoativas. O álcool é um caso emblemático.
Todos, ou quase todos, experimentamos alguma vez na vida uma bebida alcoólica. Todos,
ou quase todos, somos dados ao uso "recreativo" do álcool. E no entanto, nem todos
somos dependentes do álcool. Também temos o exemplo de pessoas que usam cocaína

Sobre C om portam ento e CognivJo 425


ou heroína por anos a fio somente em fins de semana, podendo ou náo depois se tornarem
usuários diários; já, outras pessoas relatam que ficaram dependentes na primeira dose,
como se fora um amor à primeira vista. A seguir são analisados alguns fatores biológicos
e ambientais que tornam as pessoas mais vulneráveis à dependência de drogas.
Nem sempre é admitido explicitamente que a droga que gera dependência ô um
reforçador. Isto ó, dentre várias atividades possíveis, a relação com a droga torna-se cada
vez mais forte devido aos efeitos positivos que produziu no passado, como acabamos de
ver. Negar esse poder reforçador é se ludibriar. Diferentemente do alimento ou da água, a
droga é um reforçador que não afeta a sobrevivência, mas é peculiar porque atua diretamente
sobre o substrato central de reforço que foi selecionado por contingências de sobrevivência
- o mesmo mecanismo que tornou o organismo sensível ao reforço por alimento ou água.
Por isso, concentrar-nos-emos agora nos fatores que afetam o poder reforçador
de drogas de abuso e que, por decorrência, afetam a vulnerabilidade à dependência. Mais
do que buscar correlações entre risco e fatores como idade ou sexo, selecionamos
pesquisas que controlam fatores de risco independentes, relevantes e consolidados do
ponto de vista científico. O modelo mais utilizado nessas pesquisas ô o consumo "voluntário"
de determinada droga. Chamado de auto-administração é uma forma de conhecer o valor
reforçador de uma droga, verificando quanto o animal trabalha para obter ou evitar essa
droga.
Primeiramente, é preciso deixar assinalado que o reforço tem uma codificação
neural conhecida como “circuito do reforço" que, simplificadamente, se concentra na porção
mesollmbica do cérebro mediada por dopamina. Por exemplo, o esvaziamento de dopamina
nessa região faz diminuir o consumo de alimento em animais (Roberts e Koob, 1982);
manipulações experimentais que aumentam a transmissão dopaminórgica nessa estrutura
facilitam a auto-administração de estimulantes (Wise e Rompre, 1989); ratos predispostos
a consumir anfetamina têm taxa de renovação de dopamina mais rápida no accumbens
(Piazza, Maccari, Deminiére, Le Moal, Mormède e Símon, 1989); e a maior parte das
drogas de abuso ativam o sistema dopaminérgico (Wise e Rompre, 1989, Gonçalves e
Silva, 1999, Koob, 2000). Ora, se há uma mediação bioquímica que sinaliza a conseqüência
do comportamento, é de se esperar que ela tenha origem genética. De fato, usando a
estratégia de auto-administração, demonstrou-se por exemplo que cepas de camundongos
geneticamente idênticas exceto pela densidade de certo receptor de serotonina apresentam
nível diferente de auto-administração de álcool (George, 1994). Observou-se também que
o valor reforçador de álcool, opiáceos e cocaína em ratos e camundongos é equivalente
para as três classes de substâncias, e é definido pela constituição genética: alto para
ratos da cepa LEW e camundongos C57BL/6J, baixo para ratos F344 e camundongos
DBA/2J (George, 1994). Importante é que parece haver uma relação não apenas entre
genótipo e valor reforçador de uma determinada droga, mas entre genótipo e auto-
administração de drogas de diferentes classes: álcool, opiáceos e cocaína. Ou seja,
parece haver uma relação genérica e não específica entre genótipo e valor reforçador de
drogas.
As diferenças genéticas observadas em modelos animais sugerem a existência
de diferentes graus de risco biológico em diferentes populações humanas. É de se supor,
portanto, que a constituição genética do indivíduo poderá ser um fator de vulnerabilidade
na aquisição de uma dependência. Porém, sobre esta constituição não há, pelo menos
até o momento, intervenção viável. É sobre os fatores ambientais que podemos atuar, e é
sobre esses fatores e sua interação com a dotação genética que nos concentraremos.

426 Icn*s«i A . Silva, I m C/uill>eimc C/. C . C/ucrra, KU>io l.e ysn C/on\«ilvi's & M í ii a m C / a n ia -M ija rcs
Há fatores ambientais que aumentam o valor reforçador da droga - aqueles que a
tornam mais desejável. Podem aumentar esse valor por amenizar um estado subjetivo
desagradável, como acontece quando a pessoa se automedica. Tomemos por exemplo a
relação entre ansiedade e álcool. Ratos identificados como "ansiosos” no teste do labirinto
elevado mostram maior preferência e consumo de álcool comparados a ratos "não-ansiosos”
(Spanagel, 1995). A mesma relação é observada em um estudo clinico que comparou o
uso voluntário de diazepam por pacientes ansiosos e seus controles (Chutuape, 1995).
Muitos outros estados subjetivos certamente servem de base para que a droga atue como
reforço negativo - um reforço pelo avesso, quando a conseqüência da droga não é o que
ela traz, mas o que ela afasta. Dentre esses, é importante notar o estado que a abstinência
de uma droga pode gerar no dependente: o alívio dos sintomas desagradáveis faz da droga
um reforçador ainda mais poderoso.
Mas há também condições que aumentam o valor reforçador da droga por aumentar
a conseqüência positiva que por si ela já produz. Como já foi dito, talvez a mais importante
dessas condições seja a carência de reforçadores alternativos à droga na vida do indivíduo.
Um dado básico de comportamento é que a escolha de determinada atividade depende
das outras atividades possíveis na situação. Quando um animal tem a opção de escolher
entre duas respostas, coloca mais empenho naquela que oferece o maior reforço. Ou
seja, quanto mais os reforçadores são parcos ou negativos, mais o comportamento se
desloca para outras alternativas. É a já mencionada Lei da Igualação, que explica porque
falta de escola, falta de amor, pobreza, falta de oportunidades de trabalho, e outras carências
são conhecidos fatores de risco na dependência. O laboratório coloca essa variável sob
controle experimental, mostrando por exemplo que a privação de alimento facilita a auto-
administração de cocaína, e que esse efeito perdura por meses após o retorno à alimentação
normal. Inversamente, a adição de sacarina à comida insossa retarda a aquisição da auto-
administração, e a disponibilidade de sacarina no ambiente reduz a auto-administração de
fenciclidina (pó-de-anjo) (Carroll, 1994)..Em dependentes humanos, a disponibilidade
concorrente de reforço monetário reduz a auto-administração de heroina (Comer, Collins,
Wilson, Donovan, Foltin e Fischman, 1998).
É da interação desses fatores ambientais com fatores orgânicos que resulta a
variação na sensibilidade individual a estímulos reforçadores, sejam eles positivos ou
aversivos. Quais seriam os indivíduos mais sensíveis, e por que razões? Supõe-se que a
interação passe pelos mesmos mecanismos dopaminérgicos que acompanham o reforço.
Por exemplo, a reação a estímulos gustativos palatáveis e a sensibilidade ao reforço têm
em comum a capacidade de ativar o sistema dopaminérgico mesolímbico. Ora, ratos que
apreciam o gosto doce da sacarina são também os que têm maior tendência a auto-
administrar morfina (Gosnell, Lane, Bell e Krahn, 1995). Seria um dos indícios de que a
atividade dopaminérgica no sistema mesolímbico pode ser determinante na predisposição
à dependência.
Assim como a sensibilidade a estímulos palatáveis, a sensibilidade a estímulos
novos é importante. Tem relação com o conjunto de comportamentos condensados no
rótulo de sensation-seeking ou busca de sensações em seres humanos, e que é
correlacionado com o gosto pela experiência da droga. Os chamados sensation-seekers
seriam pessoas mais sensíveis ao reforço, ou seja, teriam limiar mais baixo para o valor
reforçador dos estímulos. Em animais, a resposta ao novo foi bastante estudada: a atividade
locomotora de ratos em um ambiente novo é um modelo de interesse pelo ambiente, de
curiosidade pelo novo, seja em função do medo ou da necessidade. Quanto maior for essa
atividade, maior será a susceptibilidade do animal aos efeitos estimulantes da anfetamina,

Sobre Compor lamento e Cotfnivcio 427


e à aquisição de auto-administraçâo dessa droga (Piazza, Deminiére, Le Moal e Simon,
1989). O contrário também ocorre: ratos selecionados geneticamente por alta sensibilidade
ao reforço por cocaína são também os que mais mostram seus efeitos estimulantes motores
(Schechter, 1992). Mas nâo é só a maior reatividade a estímulos novos que se relaciona
com maior susceptibilidade aos efeitos da droga. Ratos submetidos á estimulação dolorosa
de pinçamento de cauda também são mais afetados por anfetamina, tanto do ponto de
vista de seus efeitos motores como do ponto de vista de “desejar" a droga, consumindo-a
voluntariamente em maior quantidade (Piazza e Le Moal, 1998). Um dos efeitos do estresse
de pinçamento é o aumento de liberação de dopamina no accumbens, região mediadora
dos efeitos reforçadores da anfetamina (Piazza, Deminiére, Le Moal e Simon, 1990). Supõe-
se que o aumento de valor reforçador da anfetamina pelo estresse seja devido a uma
interação do fator farmacológico com o fator ambiental, ambos atuando no sistema
dopaminérgico. Outras situações aversivas - aplicação de choque elétrico imprevisível,
observação do sofrimento do animal que levou choque, estresse pré-natal, agressão social
- têm o mesmo efeito (Deminiére, Piazza e Guegan, 1992, Ramsey e Van Ree, 1993,
Goeders e Guerin, 1991). O caráter aversivo da situação torna a droga mais reforçadora,
em um processo semelhante ao que se chamaria, em outro contexto, de “gratificação".
Chega-se assim a um aparente paradoxo: tanto a estimulação positiva do novo, da sensação
excitante, como a estimulação aversiva do doloroso, causam ambas um aumento do
poder reforçador da droga e, por conseqüência, aumentam a vulnerabilidade à dependência.
O paradoxo se desfaz quando se analisam esses dados à luz da teoria de Selye,
o pesquisador que concebeu o conceito de estresse. Essa reação global do organismo
tentando preservara homeostase ocorre em resposta a um contínuo de estimulação, que
vai de um extremo positivo a um extremo negativo; no ponto neutro o sistema neuroendócrino
mantém seu nível basal. Selye dá o exemplo da tristeza da mãe do soldado que recebe a
notícia da morte do filho e sua alegria, mais tarde, ao saber que era engano, mostrando
que "os resultados específicos dos dois eventos, tristeza e alegria, são completamente
diferentes, na verdade opostos, mas seu efeito estressor- a demanda não específica de
reajustamento a uma nova situação - pode ser o mesmo" (Selye, 1974, p.29). O hormônio
típico da resposta a estímulos estressores é a corticosterona. Ora, verificou-se que a
corticosterona se encontra elevada naqueles ratos referidos acima, que respondem a
estímulos novos com alta locomoção (Piazza e cols., 1989), bem como naqueles que são
submetidos a diversas situações de dor física ou psicológica e que acabam consumindo
maior quantidade de drogas. Mais ainda, o bloqueio farmacológico da corticosterona
bloqueia a auto-administração de cocaína (Piazza, Marinelli e Jodogne, 1994). Supõe-se,
então, que a corticosterona seja um mediador do efeito reforçador das drogas, agindo em
interação com a dopamina (Piazza e Le Moal, 1998). De fato, a concentração de DA no
núcleo accumbens é mais elevada em animais que mostram maior atividade e maior auto-
administração de drogas (Rougé-Pont e Piazza,Kharouby, Le Moal e Simon, 1993), enquanto
que a resposta locomotora a injeções centrais de cocaína e morfina é eliminada quando
se elimina a corticosterona pela remoção das adrenais (Marinelli, Piazza, Deroche, Maccari,
Le Moal e Simon, 1994).
Há portanto uma correlação entre auto-administração de drogas e resposta a
estímulos ambientais, atividade motora, ativação do eixo hipófise-adrenal, e atividade
dopaminérgica no accumbens. O estresse libera corticosterona, que sensibiliza o mecanismo
de reforço mediado pela dopamina, aumentando o valor reforçador da droga e portanto a
vulnerabilidade à auto-administraçâo.

428 M aiia íeivsa A . SíIvü, Luiz Qullhcrme Q. C. C/uma, fib io l.cyscr Cyonvalvcs l M in am C/ama-Mijarcs
A flexibilidade do valor reforçador da droga nos leva de volta à importância do
contexto de reforçadores que atuam no mundo da pessoa. Do ponto de vista psicológico,
a lei da igualação nos diz que o comportamento ó função do reforço conseqüente a ele,
mas não função absoluta. O equilíbrio na distribuição do comportamento pode ser rompido
pela escassez de outros reforçadores que concorrem com a droga, ou pela amplificação
do valor da droga por fatores como os discutidos acima. Quanto mais a balança pende
para o lado da droga, mais débil se torna o poder dos outros estímulos, e mais difícil fica
restabelecer o equilíbrio (Heyman, 1996).
Chega-se assim á conclusão de que o poder reforçador da droga ó muito maior
quando ela preenche um vazio ou amortece um pesar. A vulnerabilidade a seus efeitos
corrosivos é tanto menor quanto maior for a oportunidade de viver em um ambiente de
muitas contingências positivas e poucas aversivas. Não se trata de uma utopia, mas de
um mundo em que microambientes podem ser pensados com vistas a mudar o equilíbrio
entre tipos de reforçadores, de forma que o excesso de punição e a escassez de alternativas
reforçadoras não se aliem para aumentar o risco de dependência.
Finalmente, ó imprescindível mencionar a importância da experiência passada
com a droga na predisposição a sua administração. A exposição anterior à droga leva à
sensibilização, fenômeno em que seus efeitos se tornam mais acentuados. A sensibilização
é o reverso da tolerância, e ocorre com freqüência com drogas de abuso. Ao magnificar
seu efeitos, a sensibilização aumenta o valor reforçador da droga e predispõe à sua
administração (Piazza e cols., 1989). Para ela nos voltamos agora, analisando seu papel
em um modelo de dependência de drogas.

Tolerância e sensibilização: um modelo de dependência de drogas.


O estudo dos efeitos de drogas administradas ou auto-administradas repetidamente
é relevante na área aplicada, pois o comportamento de abuso de drogas diz respeito ao
uso repetido das mesmas. Falar que uma pessoa é dependente de uma droga supõe que
o consumo da substância é crônico em vez de agudo. Nas palavras de Robinson (1993):
"A maior parte do que se sabe sobre o efeito das drogas de abuso vem de estudos nos
quais anim ais (ou tecido biológico) são expostos à droga apenas uma vez. Se as pessoas
tomassem uma droga apenas uma vez, nâo encontraríamos o enorme problema de abuso de
drogas. Infelizmente, dada a oportunidade, algumas pessoas, como também alguns animais, têm
a tendência de auto-administrar certas drogas repetida e compulsivamente, levando à dependência
e ao abuso. Ê esse uso repetido e compulsivo de drogas que origina o problema de abuso.
Portanto, ô importante entender as mudanças que acontecem quando as drogas psicoatlvas são
administradas repetidamente'' (p.373).

Quando uma dose de droga é administrada repetidamente e seu efeito diminui


com cada administração, ou quando a dose necessária para produzir o mesmo efeito deve
ser aumentada em administrações subseqüentes, diz-se que o indivíduo desenvolveu
tolerância à droga (Figura 1). A tolerância é um fenômeno bem conhecido na
psicofarmacologia e foi descrito para um amplo grupo de substâncias como álcool,
alucinógenos, barbitúricos, cafeína, canabinóides, estimulantes e opióides (McKim, 2000).
Usa-se o termo "tolerância condicionada" quando o condicionamento, operante ou
respondente, modula o desenvolvimento e expressão da tolerância. Um exemplo clássico
é o trabalho de Chen (1968), no qual ratos só desenvolviam tolerância ao álcool se a
administração da droga fosse associada ao contexto ambiental do teste comportamental.

Sobre Comporl.imo/ilo c Co^nivAo 429


A tolerância a uma droga pode se generalizar para outras drogas, especialmente em
relação a outras drogas de uma mesma classe. Esse fenômeno ó conhecido como
"tolerância cruzada".
Outro fenômeno resultante da administração repetida de uma droga, porém menos
conhecido, ó a sensibilização, também chamada de tolerância reversa. A sensibilização,
ao contrário da tolerância, caracteriza-se por um aumento progressivo na magnitude da
resposta em função da administração repetida de uma mesma dose de droga (Figura 1).
Igualmente se fala de sensibilização quando a dose de droga, para produzir o mesmo
efeito, deve ser diminuída em administrações subseqüentes. De forma similar ao que se
observa na tolerância, a sensibilização pode ser modulada por processos de aprendizagem,
caso no qual se fala de "sensibilização condicionada". E pode ser generalizada para outras
drogas, isto ó, mostrar “sensibilização cruzada". Por outro lado, se a tolerância tende a
desaparecer na medida que a droga não é mais administrada, a sensibilização ó bem
resistente a desaparecer com a suspensão da droga e inclusive pode persistir
indefinidamente (Robinson, 1993).

Figura 1. Tolerância e sensibilização quando uma mesma dose de droga é administrada repetidamente.
No exemplo, as primeiras administrações da droga tôm o efeito de aumentar a resposta; â medida que a
droga continua sendo administrada, o organismo pode desenvolver tolerância (linha cinza) ou
sensibilização (linha preta). A linha pontilhada indica o momento em que a droga começou a ser administrada.

Ainda que o fenômeno de sensibilização seja freqüentemente observado com


estimulantes como anfetamina, cocaína, metilfenidato, fencamfamina e feniletilamina
(Aizenstein, Segai, e Kuczenski, 1990; Akiyama, Kanzaki, Tsuchida, e Ujike, 1994; Kalivas,
1995; Karler, Calder, e Bedingfield, 1994; Wolf, 1998), sabe-se que outras drogas de
abuso produzem sensibilização do organismo a seus efeitos estimulantes (ver Wise e
Bozarth, (1987), para uma revisão dos dados que indicam que drogas de várias classes,
incluindo opióides, barbitúricos, álcool, etc. possuem propriedades estimulantes em certas
doses). Por exemplo, doses baixas de morfina aumentam a atividade locomotora, e quando
essa droga é administrada repetida e intermitentemente, seu efeito sobre esse
comportamento aumenta; tal efeito pode persistir até 8 meses após a retirada da droga
(Babbini, Gaiardi, e Bartoletti, 1975; Shuster, Webster, e Yu, 1975; Vanderschuren cols..,
^1997). Tambóm existe evidência de que o etanol, administrado intermitente e repetidamente
em doses baixas, gera sensibilização a seus efeitos estimulantes (Lessov e Phillips,
1998). Outras drogas que não são estimulantes clássicos, mas que tôm propriedades
estimulantes, também podem produzir sensibilização, como por exemplo o êcstase
(metilenedioximetanfetamina), a cafeína e a nicotina (Kita, Okamoto, e Nakashima, 1992;
Meliska, Landrum, e Landrum, 1990; Robinson, 1993).

430 M aria Teresa A . Silva, Luiz Q u ilh crm c Q . C. C/uerra, Fábio l.cy*et Q onçalve» l M lri.im C /au ia-M ijarcs
A tolerância e sensibilização são definidas operacionalmente como o deslocamento
da curva dose-resposta resultante do tratamento crônico com uma droga, sendo que a
tolerância seria observada pelo deslocamento à direita da curva e a sensibilização pelo
deslocamento à esquerda da curva (Figura 2) (Goudie e Emmett-Oglesby, 1989). As
definições de tolerância e sensibilização até agora aqui consideradas são as freqüentemente
usadas na literatura. Tais definições supõem que a tolerância ou a sensibilização só podem
ser induzidas por tratamento farmacológico; entretanto, ó comum encontrar na literatura
termos como "tolerância ou sensibilização simulada" ou "pseudo-tolerância/sensibilização",
quando o deslocamento da curva dose-resposta ó o resultado de procedimentos não
farmacológicos tais como manipulação de privação, do ambiente, stress, etc. Como
apontam Blackman (1989) e Goudie (1989), a distinção entre tolerância ou sensibilização
"verdadeira” e "simulada" é difícil de ser sustentada, em parte porque até agora não se
provou que os mecanismos que as induzem sejam diferentes, em parte porque essa
denominação sugere que as causas farmacológicas da tolerância/sensibilização sejam
mais importantes do que as não farmacológicas.

m g/kg

Figura 2. Tolerância e sensibilização quando diferentes doses de droga são administradas repetidamente.
A linha continua preta representa a curva dose-resposta do efeito agudo da droga. A tolerância é
definida oomo o desvio para a dtreita da curva dose-resposta (linha pontilhada). A sensibilização está
representada como o desvio da curva dose-resposta para a esquerda (linha continua cinza).

Nesta discussão será usada a definição de tolerância usada por Goudie (1989):
“...considera-se que se desenvolveu tolerância quando qualquer efeito da droga sobre o
comportamento 6 reduzido em magnitude, independentemente de se a tolerância foi Induzida por
fatores farmacológicos ou nâo farmacológicos" (p.612)

Da mesma forma, a sensibilização será definida como o aumento em magnitude


de qualquer efeito da droga sobre o comportamento, sem considerar se esse aumento foi
induzido por fatores farmacológicos ou não farmacológicos.
Outro ponto relativamente confuso no estudo da tolerância e da sensibilização é
precisamente a identificação dos determinantes de um ou outro fenômeno: se uma droga
é administrada repetidamente, o que determina que se desenvolva tolerância em vez de
sensibilização ou vice-versa? O fato de que a tolerância ou a sensibilização são observadas
em alguns dos efeitos da droga e não em todos [por exemplo, a náusea produzida pela
morfina é reduzida após varias administrações da droga, porém a constrição da pupila
resultante da administração dessa droga não mostra tolerância (McKim, 2000)], tem levado
alguns autores a sugerir que o desenvolvimento de tolerância ou sensibilização depende

Sobre Comportamento c CoflniçJa 431


do tipo de efeito que se esteja medindo (McKim, 2000). Por exemplo, Eichler, Antelman,
e Black (1980) observaram que, com a administração crônica de anfetamina, o
comportamento estereotipado de cheirar mostrava sensibilização, enquanto que o de lamber
mostrava tolerância. Porém, já foi observado que um mesmo efeito da droga pode sofrer,
ou tolerância ou sensibilização, dependendo principalmente do regime de administração
da droga, como foi demonstrado por Martin-lverson e Burger (1995), que administraram
cocaína a animais sob dois regimes diferentes: intermitente (injeções i.p.) e continuo
(infusões i.v. por mini-bombas). Observaram então que nos animais em regime de
administração continua, a atividade locomotora sofria tolerância ao efeito da droga, enquanto
que nos animais submetidos ao regime intermitente, a atividade locomotora sofria
sensibilização. De fato, segundo Robinson (1993), uma das condições mais importantes
para que a sensibilização seja desenvolvida é a de que a droga seja administrada
intermitentemente. Um trabalho muito interessante foi desenvolvido por Wolgin (1995),
que conseguiu sensibilização da hipofagia causada por anfetamina sob um regime de
administração intermitente (36 injeções, uma a cada três dias) e posteriormente aboliu a
sensibilização administrando a droga cronicamente. Portanto, pelo menos para alguns
dos efeitos da droga, o regime de administração parece ser um dos determinantes principais
no desenvolvimento de tolerância ou sensibilização.
Alguns autores sugerem que o desenvolvimento de tolerância ou sensibilização ó
também dependente do esquema de aprendizagem a que está submetido o sujeito. Assim,
em um experimento clássico da literatura, Schuster, Dockens e Woods (1966) treinaram
ratos em dois esquemas de reforço, DRL e Fl, que eram alternados em cada sessão
experimental. Posteriormente administraram anfetamina e observaram o efeito dessa droga
sobre a execução nos esquemas. Inicialmente o efeito da anfetamina foi de aumentar a
taxa de respostas em ambos os esquemas. Após administrações repetidas da droga, os
sujeitos desenvolveram tolerância à droga no esquema DRL, mas não no Fl.
Segundo os autores, esse fenômeno poderia estar associado à quantidade de
reforço obtido, ou seja, o aumento inicial de resposta produzido pela anfetamina causaria
perda de reforço no esquema de DRL, enquanto que esse aumento não afetaria a quantidade
de reforço obtida no esquema de Fl. Dessa forma, se o efeito da droga sobre a resposta
tem como conseqüência a perda de reforço, o sujeito desenvolverá tolerância a esse
efeito. Essa predição é o que tem sido chamado de “hipótese da densidade de reforço" e
várias pesquisas com estimulante e álcool, usando ratos e humano como sujeitos, têm
mostrado resultados que apóiam a associação entre o desenvolvimento de tolerância e o
efeito da droga sobre a quantidade de reforço obtido (Demellweek e Goudie, 1983; Kalant,
1989)\ Contudo, resultados obtidos em experimentos mais recentes em sensibilização
parecem mostrar limitações da generalidade dessa hipótese. Por exemplo, Balcells-Olivero,
Richards, e Seiden (1997) obtiveram sensibilização no comportamento de pressão de
barra quando administraram repetida e intermitentemente uma mesma dose de anfetamina
a ratos treinados em um esquema de DRL 72-s. Similarmente, Lobarinas, Lau e Falk
(1999) mostraram em diferentes procedimentos de administração intermitente de cocaína
(aumento progressivo da dose e repetida administração da mesma dose) sensibilização
da resposta em um esquema DRL 45-s. Portanto, ainda que o esquema de reforço seja
um fator importante no desenvolvimento da tolerância, o regime de administração da droga
parêce ser um dos principais fatores no desenvolvimento de tolerância ou sensibilização.
Por outro lado, seria interessante saber se, em esquemas aonde o efeito da droga seja de

1Unia rsvMo exaustiva da literatura em ralaçAo ao papal do oondtaonamento oparanta no deaenvolvlmonto da lotar*neta pode ser encontrada em Wolgin (1969)

432 M aria Irrviki A . Silvu, l.ui/ Q u iIIh -im ic CJ. C. Kibio l.cyser Qonvalvcs í M íii.im C/arcia-Mijaros
aumentar a quantidade de reforço obtida, o organismo desenvolveria sensibilização para
esse efeito. Infelizmente não existem experimentos que testem essa possibilidade.

Mudanças no sistema nervoso central associadas a tolerância e sensibilização


Várias mudanças acontecem no sistema nervoso em decorrência do uso repetido
de drogas. De especial interesse para a presente análise são aquelas do sistema
dopaminérgico mesollmbico, já que, como foi mencionado, esse sistema acha-se associado
ao reforço (Bozarth, 1991; Lippa, Antelman, Fisher, e Canfield, 1973; Schultz, 1997; Wise
e Rompre, 1989). Também, como já foi mencionado, a maioria das drogas auto-
administradas (opióides, estimulantes, álcool, canabinóides) aumentam a transmissão
sináptica de dopamina no VTA e no núcleo accumbens (Hyman e Nestler, 1993). A
administração repetida de uma droga, quando intermitente, causa mudanças a longo prazo
na síntese de proteínas nos corpos celulares, e conseqüentemente, nos terminais pré-
sinápticos dopaminérgicos dessas áreas (Pierce e Kalivas, 1997). Mudanças na liberação
do neurotransmissor causam também mudanças nos terminais pós-sinápticos, como por
exemplo aumento de receptores de DA. A demonstração de que inibidores de síntese de
proteínas impedem o desenvolvimento de sensibilização apóiam a hipótese de que o efeito
a longo prazo da administração repetida da droga está relacionado à síntese protéica
celular (Robinson, 1993). Por outro lado, quando a droga é administrada cronicamente,
também são observadas mudanças na expressão gênica das células, o que provavelmente
está associado à diminuição do número ou sensibilidade de receptores dopaminérgico.
Contudo, tal como aponta Kalant (1989), as pesquisas que visam estudar as mudanças
neurais associadas, seja à sensibilização, seja à tolerância apresentam vários problemas
como: a) a maioria dos procedimentos estudam células únicas ou preparações subcelulares
que precisam de altas concentrações de droga para produzir efeito, doses que no organismo
inteiro seriam tóxicas; b) a maioria das pesquisas são correlacionais e não funcionais,
assim fica impossível saber se as mudanças observadas são mecanismos ou manifestações
da tolerância/sensibilização, ou simples coincidência; c) o terceiro, e quiçá maior problema,
é que existem muitas inconsistências nos resultados, o que impede de se tirarem
conclusões confiáveis. Contudo, parece existir bastante consenso em que tanto a tolerância
como a sensibilização estão associadas a mudanças no sistema dopaminérgico
mesolímbico.

Tolerância e sensibilização condicionada


Como já foi explicitado em parágrafos anteriores, o termo tolerância/sensibilização
condicionada alude á diminuição/aumento do efeito de uma droga sobre o comportamento
quando essa diminuição/aumento é mediada por processos de condicionamento.
Tal como apontam Badianni, Camp, e Robinson (1997), as evidências obtidas em
quase 30 anos de pesquisa em relação às mudanças no sistema nervoso resultantes da
administração repetida de estimulantes poderia levara pensar que a resposta psicomotora
a tais drogas é apenas conseqüência dos seus efeitos neurofarmacológicos em substratos
nervosos específicos, e a conceber a tolerância/sensibilização como resultado de
adaptações desses substratos neurais resultantes de sua contínua ativação. Porém, a
farmacologia comportamental tem demonstrado que o comportamento resultante da

Sobre Comportamento e Cogniçào 433


administração de drogas é função da interação entre o efeito da droga sobre o sistema
nervoso e o meio ambiente.
Pavlov foi o primeiro a colocar que a administração de uma droga envolvia sempre
um processo de condicionamento clássico (Siegel, 1979). Posteriormente, Siegel (1975)
elaborou um modelo de tolerância baseado nos princípios do condicionamento clássico,
em que o estimulo incondicionado (US) seria o efeito químico da droga e o estimulo
condicionado (CS) seria o procedimento ou estímulos ambientais sob os quais a droga é
administrada. Nesse modelo, a resposta incondicionada (UR) seria a resposta ao efeito
químico da droga e a resposta condicionada (CR) seria uma resposta ao ambiente que foi
associado à administração da droga. Essa resposta usualmente é oposta à UR. Esse tipo
de CR tem sido denominada "resposta condicionada compensatória ao efeito da droga".
Por exempío, se a UR á droga é aumento de batidas cardíacas (taquicardia), a CR é
diminuição de batidas cardíacas (bradicardia). Na Figura 3 pode ser observada uma ilustração
do modelo. Na Figura 3a, é apresentada a curva dose-resposta do efeito de uma droga
qualquer, quando administrada pela primeira vez; tais respostas são respostas
incondicionadas à droga. Quando a droga é administrada repetidamente no mesmo
ambiente, tal administração não ó apenas seguida da UR à droga, mas também da CR
compensatória. Como conseqüência, o efeito líquido da droga é diminuição do efeito da
droga (Figura 3b). Segundo Siegel (1979), isso acontece porque a UR é de alguma forma
atenuada pela CR. Após muitas exposições á droga, a CR está muito mais forte e o efeito
líquido da droga resulta marcadamente diminuído: é quando o sujeito está altamente
tolerante à droga (Figura 3c). Nota-se tambóm na mesma figura que o efeito liquido da
droga ó bifásico, ou seja, existe um pequeno efeito da droga na direção da UR, mas ó
seguida de um maior efeito oposto. Siegel (1979) afirma que esse padrão é característico
de sujeitos com história longa de administração de opiáceos.

^ D R U U UCR

DHUOCH

Figura 3. Modelo de tolerância condicionada segundo


- d ru o u c r Siegel (1979). A resposta Incondicionada á droga
(DRUG UCR) é representada como um aumento da
linha de base de uma resposta arbitrária (mudança +)
P e a resposta condicionada compensatória (DRUG CR),
como uma dimlnulçflo da linha de base (mudança -). O
efeito liquido da droga (área escura) ó o resultado da
DR UQ CR Interação entre essas duas respostas opostas,
(extraído de Siegel. 1979).

434 M d fiii Teresa A . Silva, Lui/ C/utllicrrnc Q, C. C/ucrra, fábio Leyscr C/onvalvc» 1 M in am C/arcla Mijares
Posteriormente Siegel mudou a definição da UR dentro do modelo, considerando
como UR as respostas fisiológicas incondicionadas de compensação ao efeito da droga
(Larson e Siegel, 1998). Ou seja, a administração da maioria das drogas teria pelo menos
dois efeitos incondicionados no organismo: um seria o efeito direto e outro a reação de
compensação do organismo a esse efeito. Por exemplo, a administração de estimulantes
como anfetamina ou cocaína têm como efeito o aumento de dopamina na fenda sináptica
que ó seguido tipicamente de mecanismos compensatórios ativados por retroalimentação
negativa que "tentam" diminuir a quantidade de dopamina na fenda. Essa resposta
compensatória do organismo seria a UR que ficaria condicionada após várias
administrações da droga. Dessa forma, a CR não seria oposta, mas similar a UR
compensatória conseqüente do efeito da droga.
A tolerância condicionada tem uma estreita relação com os sintomas de
abstinência conseqüentes à retirada da droga. Como já foi colocado, o uso prolongado de
drogas psicoativas causa mudanças de médio e longo prazo no organismo. Tais mudanças
são respostas compensatórias à presença constante da droga no corpo. No caso de
desenvolvimento de tolerância, essas mudanças encontram-se associadas aos sintomas
de retirada da droga e, de fato, é porque essas mudanças aconteceram que o sujeito
apresenta sintomas de abstinência. Assim, em sujeitos tolerantes, a ausência de droga
no corpo se caracteriza pela manifestação de sintomas de abstinência. Contudo, mesmo
que o sujeito não seja mais biologicamente tolerante à droga, como por exemplo, em
casos de abstinência muito prolongada, os sintomas de abstinência podem aparecer
quando o sujeito é exposto ao mesmo ambiente em que habitualmente se auto-adminístrava
a droga, já que, como foi explicado, as respostas compensatórias à droga são
condicionadas ao ambiente. Na figura 3b e 3c, observa-se que o efeito líquido da droga é
diminuído pela CR compensatória, mas também que a CR é diminuída pelo efeito direto
da droga. Na ausência da droga, a CR se expressaria em toda sua magnitude, o que se
traduziria na aparição de sintomas de abstinência.
A tolerância condicionada foi amplamente demonstrada em animais e humanos
[uma revisão pode ser encontrada em Siegel (1989)]. A sensibilização condicionada, por
outro lado, não tem sido tão amplamente pesquisada, mas existem evidências que indicam
que o grau de sensibilização ó aumentado quando dicas ambientais são associadas à
administração da droga. Por exemplo, em um experimento que envolveu medidas
comportamentais e neurofisiológicas (DA extracelular no estriado), Lienau e Kuschinsky
(1997) observaram que, quando a administração de anfetamina ou cocaína era pareada
com um ambiente novo e um som, a sensibilização obtida era significativamente maior do
que quando não se fazia tal pareamento, e que os níveis de DA extracelular estavam
correlacionados com o grau de sensibilização dos animais tratados com anfetamina. Ou
seja, encontrou-se maior sensibilização na situação de administração pareada que também
estava associada a uma maior quantidade de DA extracelular. Resultados semelhantes
com nicotina foram relatados por Reid, Ho e Berger (1998).
Seguindo o modelo do Siegel para a tolerância, parece que, na sensibilização, é
o efeito primário da droga (UR) que é condicionado após a sua associação com o ambiente.
O porquê das URs compensatórias serem condicionadas, no caso da tolerância, e as
URs do efeito primário da droga, na sensibilização, é uma questão importante a ser resolvida
e seguramente associada às mudanças no SNC que acompanham esses fenômenos.

Sobre Comporl.imcnli» e C*ORr)l(jo 435


Papel da tolerância e sensibilização no abuso de drogas
Schenk e Davidson (1998) sugeriram que tanto a tolerância como a sensibilização
são fenômenos que estariam associados à manutenção da auto-administração de drogas.
Na Figura 4 é ilustrado um modelo de abuso de drogas elaborado por nós que integra a
proposta desses autores com o modelo de dependência de drogas da análise experimental
do comportamento.
Na Figura 4, a primeira administração da droga é seguida de efeitos que aumentam
a probabilidade de que esse comportamento se repita. Dessa forma a droga é
funcionalmente conceituada como reforçador positivo. Inicialmente o consumo repetido da
droga ó intermitente, o que causaria mudanças de curto e longo prazo no sistema
dopaminérgico mesolímbico e em outros sistemas de neurotransmissão relacionados com
o reforço (como por exemplo o glutamatérgico). Tais mudanças redundariam em um aumento
de sensibilidade desses sistemas ao efeito da mesma droga ou de drogas similares. Se o
efeito focalizado ó a eficácia da droga como estimulo reforçador, o resultado seria um
aumento do valor reforçador dessa droga. Estudos de laboratório mostram que a exposição
intermitente a uma determinada droga facilita a aquisição do comportamento de auto-
administração da mesma, ou seja, o sujeito é sensibilizado aos efeitos reforçadores da
droga. Por exemplo, Horger, Shelton, e Schenk (1990) injetaram 10 mg/kg de cocaína em
um grupo de ratos, e salina em outro grupo, por 12 dias consecutivos, sob um regime
intermitente de administração. Posteriormente, os animais foram treinados em uma caixa
de Skinner de duas barras, sendo que em uma delas operava um esquema CRF em que
uma infusão de cocaína (0,225 e 0,45 mg/kg) era contingente à resposta. A pressão da
outra barra não tinha conseqüência programada. As respostas foram medidas em ambas
as barras. Os animais não pré-expostos (salina) não mostraram preferência significativa
pela barra associada à infusão de cocaína; em contraste, os animais pró-expostos à
droga mostraram preferência pela barra associada e uma taxa de respostas superior à do
grupo não pró-exposto. Foi descartada a possibilidade de que o aumento da taxa na barra
associada fosse devido a um efeito geral de ativação motora, dado que a freqüência de
respostas na barra não associada á droga manteve-se baixa e relativamente estável ao
longo dos dias de teste. Os autores sugerem que a pré-exposição á cocaína aumentou
sua eficácia reforçadora sobre o comportamento; em outras palavras, o comportamento foi
sensibilizado ao efeito reforçador da droga.
Como mostra a Figura 4, o aumento na eficácia reforçadora da droga teria como
conseqüência o aumento na freqüência da auto-administração da droga, até o ponto em
que essa auto-administração seria muito freqüente (quase crônico). Com esse uso da
droga, aconteceriam novas mudanças no sistema nervoso associadas ao aparecimento
de tolerância. À medida que a tolerância vai se desenvolvendo, os sintomas de abstinência
vão aparecendo nos momentos em que a droga não está presente no organismo do sujeito.
Os sintomas de abstinência agiriam como estímulos aversivos que a auto-administração
da droga eliminaria, sendo portanto um comportamento de fuga. Com o tempo, o sujeito
evitaria a aparição desses sintomas consumindo a droga constantemente ou antes que
seu efeito se dissipasse, exibindo portanto um comportamento de esquiva. Em ambos os
casos, seja fuga ou esquiva, a droga adquire valor como reforçador negativo. Na medida
em que o consumo é crônico, a tolerância aumenta, o que explicaria a escalada na dose
de droga freqüentemente observado em pessoas dependentes (McKim, 2000). É importante
notar que o valor da droga como reforçador positivo é diminuído com o aparecimento da

436 M ana lervsa A , Silva, Lui/ C/uiIlicrmr O/. C. C/urrra, Fábio l.eywr C/onvalvcs t M liia m C/aaia-Mijarcti
tolerância, porém essa diminuição estaria balanceada pelo aumento do seu valor reforçador
negativo. A dificuldade em extinguir o comportamento de auto-administração de drogas e
sua alta freqüência em relação a outros comportamentos, características típicas de sujeitos
dependentes, permite inferir que o valor da droga como reforçador negativo é muito poderoso,
quiçá maior do que como reforçador positivo.

1a. A uto-ttckn htetraçâo

(R')

FiequénckdeAuto-flrtn h istaçâo
(Ihtemi itHitt)

Mudanças SNC Longo Prazo |

Sensibilização I +> Valor reforçador da droga

F ®quêrx 'ia de A ulD-actri in isttaçAo


(J r f n io o )

Mudanças SNC Médio Prazo


(K -)
1
Tolerância L~ -~) Valor reforçador da droga

1 Sintomas de Abstinência

Figura 4 Modelo de abuso de drogas. O modelo integra a proposta de Schenk & Davldson (1998)
em relação ao papel da tolerância e sensibilização no abuso de drogas com o modelo da análise do
comportamento. Flechas com "+" representam aumento, flechas com diminuição. A direção das
flochas indica sucossão de eventos. Uma flecha acompanhada de R+ ou R- Indica reforço positivo
ou negativo, respectivamente.

No modelo apresentado, ainda que não ilustrado, também é considerado o caso


de reincidência do consumo de droga depois que o sujeito passou por um tratamento de
desintoxicação ou por períodos prolongados sem a droga e em que os sintomas de
abstinência desapareceram. Tanto a tolerância condicionada como a sensibilização
condicionada são importantes nesses casos, embora seu papel seja um pouco menos
claro.A re-exposição ao ambiente em que a droga era consumida evoca sintomas de
abstinência associados a essa droga, o que levaria o sujeito a auto-administrar a droga
para aliviar tais sintomas (Siegel, 1979). Porém, dado que as mudanças fisiológicas
associadas à tolerância foram revertidas, o valor da droga como reforço positivo não vai
estar diminuído. Em vez disso, é provável que esteja aumentado, já que a diferença do que
se observa com a tolerância é que o organismo pode ficar sensibilizado durante anos
após o último consumo da droga (Robinson, 1993; Schenk e Partridge, 1997). Dessa
forma, a primeira administração de uma droga após períodos sem consumo é reforçada

Sobre Compoilamcnlo c Cotinifílo 437


poderosamente, já que a droga age tanto como reforçador positivo como negativo. Várias
pesquisas mostram que de fato apenas uma administração da droga pode instalar o
comportamento de auto-administraçáo, fenômeno que tem sido denominado de “priming”
(de Wit, 1996),e o que ó mais, experiência com drogas da mesma classe pode promover
o consumo de novas drogas. Por exemplo, (Horger, Wellman, Morien, Davies, e cola..,
1991) obtiveram resultados que indicam que a pré-exposiçâo a estimulantes como a cafeína
sensibiliza animais ao efeito reforçador da cocaína. Um estudo anterior feito por Woolverton,
Cervo, e Johanson (1984) já havia mostrado que a auto-administraçâo de baixas doses de
metanfetamina em macacos é adquirida apenas quando foram dadas administrações prévias
não contingentes da droga. Há ainda vários outros estudos na mesma linha que mostram
resultados similares, seja com cocaína, seja com outros estimulantes. (Schenk e Davidson,
1998; Schenk e Partridge, 1997; Valadez e Schenk, 1994). Em seres humanos, uma
pesquisa retrospectiva com crianças hiperativas com história de medicação com
metilfenidato mostrou que essas crianças apresentam maior tendência a auto-administrar
cocaína quando adultas (Davidson, Lambert, Hartsough e Shenck, in press c.p. Schenk e
Davidson, 1998).
Em conclusão, o modelo aqui apresentado é uma tentativa de integrar de forma
coerente os dados provenientes das neurociências e da análise experimental do
comportamento em relação ao abuso de drogas, enfatizando o aparecimento de
sensibilização e tolerância como mudanças relativamente permanentes no sistema nervoso
central, decorrentes do consumo repetido de drogas. É claro que o modelo ainda é
incompleto, já que não abrange totalmente alguns aspectos do abuso de drogas, como
por exemplo os fatores sociais e emocionais associados a esse comportamento. Isso se
deve em parte à dificuldade de identificar e medir de forma confiável o efeito desses fatores
no comportamento de abuso de drogas.

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442 M .iiu i li-ivw A. Silva, l.ui/ l/uilitnmc C/. C. t/uma, fábio Lcysn C/onvalvc» l Míiiam C/arvia-Mijaies
Capítulo 46
O repertório do terapeuta sob ótica do
supervisor e da prática clínica

Rache/ Rodrigues Kerhauy


IPUSP

Considero que o repertório do terapeuta é formado peto estudo, obsorvaçAo clinica, reftexAo e análise da sua prática clinica,
dlscussAo com colegas e palestras sobre os temas relevantes para seu trabalho No caso do terapeuta comportamental ó
necessário salientar a observação da cultura e as mudanças rápidas das contingências sociais que influenciaram h formaçAo de
regras e a liberação de conseqüências para o cliente. Essa rede Intrincada de eventos ambientais e ações constróem a pessoa que
atua como clinico e faz a diferença encontrada entre os profissionais. Ao supervisor cabe analisar se o terapeuta tèm habilidade
para avaliar os problemas comportamentais do cliente e especialmente se os apresenta de uma maneira empática. O supervisor
fica atento a interação terapeuta-cliente, e manifesta-se claramente diante do comporlarnento adaptatlvos ou mal adaptados.
Olhará especialmente as reações emocionais do terapeuta-supervlsando diante dos comportamentos emitidos pek) cliente na
sessAo e fora dela. Esse ponto é primordial na anAllso, pois esclarece os problomas pessoais do terapeuta que podem ostar
interferindo nas escollias terapêuticas. O repertório terapêutico em formaçAo dá condições para avaliaçAo da clareza dos motivos
do cliente, para estar em terapia. Com essa análise o supervisor avalia e ensina o controle discriminativo existente na IntoraçAo
terapeuta-cllente e investiga a mudança de temas, a seqüência e conteúdo dessa mudança de temas, a seqüência e conteúdo
dessa mudança, se existem padrões de comportamentos semeüiantes em várias situações. A perspicácia e a sensibilidade do
terapeuta fundamentada em conhecimentos de psicologia ê que faz a diferença entre "auxiliar a resolver problemas" e ser
terapeuta que investe na meihora de vida, resoluçAo de problemas a... felicidade. O terapeuta auxilia o cliente A melhorar a
qualidado do repertório, que é observado pelos outros e reconhecer seus sentimentos. O repertório do terapeuta do observar,
escutar as experiências do cliente, verbalizar experiências emocionais, pensamentos e validá-las em funçAo das condições
existentes esclarece a respeito de padrões do cliente. Concomitantemente promove uma anAlise reflexiva e busca de alternativas,
ensaiando comportamentos para lidar com os problemas cotidianos, pela apurada descriçAo das contingências da sltuaçAo. O
terapeuta comportamental é assim um agente de mudança que constrói sua prática clinica, através dos anos, casos atendidos,
refloxAo sobro eles, estudo e pelo desenvolvimento de um repertório pessoal de coragem para desvendar o mundo que vivemos,
e, inspirar o cliente a como fazer para mudar o seu ou aceitá-lo, se imprescindível Provavelmente é esse desempenho que
distingue profissionais na prática clinica: o terapeuta capaz de descrever contingências de reforçamento ou punitivas, de tomar
o cliente capaz de construir suas próprias regras e aprender como e quando alterá-las, conhecendo-so, lembrando-se de cjue só há
a vida da pessoa e nela períodos críticos, determinados biologicamente e pelo ambiente.
Palavras-chave: Terapeuta; Supervisor, Terapeuta-cliente.

A UierapisVs repertotre depends upon yeara o< study, clinicai practice observation, a reflextve attitvide and üw self-arwlysis of
clinicai practice. The behavior therapist is supposed to highlight the cultural aspects and the dynBmic social contingencies that
have Influenced rule forming behaviors and the delivery of consequences to the cllent s behavior. This complex interaction
between envlronamental events and actions are responslble for the diversity found among thorapists. The supervisor should
analyse how skilled the therapist Is to be empathic to the cllnt and to perform an appropriate conceptualization of the case. The
cllent-therapist interaction should be carefully scrutinized, In search for adaptatlve or problem behaviors, as well as the
emotioruil reactions prosented by tho therapist, Inside and outstde sessions, towards tho dtenVsaúdo reports. This spectflc pomt
would reveal the negative interference exerted upon the cllent by any personnal problem of tho theraplst, which would affect
clinicai judgement, A solld therapeutic behavior may allow the understanding of the clienfs motives to look for profossional care.
By tha ineans of such analysis, Mie supervisor will teach the therapist how to identify tho discrimlnative control that operates
in the therapeutic relationship and how to analyso tho whole process based upon the sequential analysis of the themes
dlscussed nlong sessions, behavioral patterns presented in several contexts, etc Being sensltlve to such subtlo events,
supporled by hoIk) knowledge makes tlie difference l>elween a helping professional and another one who does somelhing else,
who stronyly Invests In belter living standards. problem solvirtg strategies and the soarch for happiness A good therapist helps
the cllent to recognlze his/her own emotlons and to obtaln signlficant repertolre changes, also observed by others As the
therapist observes the cllent. Ilsten to his messages, offers better verbal descriptions of emotlonal experlences and of
thouyhts, validatlng them, he/she glves the Client a better understanding of what constitutes the clienfs problems and the
posslble solutlon for them. Behavloral rehearsal produces changes because Is based upon a detailed descrlptlon of the

Sobu* Comporl.imcnlo c C ondido 443


oontingenck»* involved in the problematic behaviors. The behavior therapist promotes better changes as he becomes more
experlenced in behavior analysis, accumulates a larger number of cases and increases hls courage to expiore the world around
him/her Therapists may inspire the clients to change the world, or accept it In a more confortable way, if that is the only
possibility Distinguished clinicians are able to describe reinforcing or punishing contingencies, holp the client to formulate
adaptative rules and modlfy thom if necessary, promote client'* self-knowledge and the recogm/ement of life criticai periods,
htologk;ally or «tnvironamsntally dat«rm!n*ri

Considero que o terapeuta busca maneiras de propiciar o desenvolvimento humano


e, especialmente, auxiliar a pessoa a empregar seus recursos pessoais e ambientais e
conseguir, na medida do possível, ser feliz. O local de atuação do terapeuta pode variar de
grupos sociais específicos a instituições, mas essa diversidade não delimita as habilidades
do terapeuta comportamental.
De fato, está inserido na revolução comportamental que se caracteriza por: 1)
considerar importante o conhecimento de princípios básicos do comportamento e a
habilidade de aplicá-los para entender e alterar as ações das pessoas ou o ambiente que
desencadeia essas ações, 2) conhecimento e o saber fazer análise funcional, para poder
adequar o emprego de técnicas que possibilitem mudanças comportamentais ou aceitação.
Portanto, não é somente a acuidade de sentir e entender pessoas, mas conhecimento e
habilidade, que podem ser ensinados formalmente e aprimorados no decorrer dos anos.
Esses dois pontos auxiliam para que se comece a analisar o repertório do
terapeuta comportamental. Como especificado, os diversos locais de atuação e a revolução
comportamental poderiam fazer com que se denominasse esse profissional de analista do
comportamento ou ,como há anos passados, modificador de comportamento. Prefiro, no
entanto, chamá-lo de terapeuta e dessa forma assumir o trabalho clínico e me incluir entre
os terapeutas comportamentais. Essa revolução comportamental, seguida da frase "aprender
não ó fazer", que parece um paradoxo, na realidade expressa ser possível não carregar a
história de vida, ininterruptamente, por anos, pois existem graus de liberdade. A frase de
Skinner (I987) que repito há anos, em diversos locais "apesar das minhas deficiências, eu
construí um mundo no qual posso me comportar bem", aponta um caminho de
autoconhecimento, sim, mas também de planejamentos e atuações, diversos daquilo que
foi aprendido, e especialmente treino de novas habilidades.
Considero que destacar em ordem hierárquica pontos do repertório do terapeuta
é difícil e pouco exato. Prefiro descrever ,sem colocar prioridades, alguns conceitos e
comportamentos, embora, muitas considerações possam parecer óbvias para alguns
terapeutas experientes . No entanto, são fundamentais para todos nós e em especial
precisam ser pensados na formação do terapeuta.

1. A aprendizagem de conhecimentos teóricos. Esses conceitos, muitas vezes


pejorativamente denominados de “livrescos” ou “acadêmicos”, são fundamentais?. Por
quê?. Porque o comportamento da pessoa precisa ser descrito em termos funcionais
com detalhes topográficos, de freqüência, de local e de função. Se a cliente, uma moça
,chora, emagrece por deixar de alimentar-se .invade o e-mail do namorado após ter
descoberto o código, telefona inúmeras vezes para esse namorado, o qual terminou a
relação ,mas que ainda fornece algumas dicas espaçadas de aproximação, de ter algum
interesse, esse caso exige do psicólogo algumas análises. Uma delas é a de que todos
esses comportamentos têm a função de evitar o rompimento, ou obter informações para
reatar a relação, ou ainda prolongar o período de tempo até o rompimento definitivo ou o
reatar da relação, por parte da namorada, o que demonstra seu comportamento , seu
pesar pela perda do reforçador: o namorado. Esta análise que pode parecer completa ó

444 Riithel Rodrigues KcrUiuy


insuficiente. O comportamento tem múltiplas causas e, portanto, novas questões e dados
precisam ser obtidos para que sejam esclarecidos e analisados, com ênfase na história
de sua construção, ou seja, a aprendizagem e a averiguação dos comportamentos novos
a serem ensinados. Inclue*se até mesmo o autoconhecimento de como se comporta
diante da perda de reforçadores e a discussão sobro privacidade, no caso do exemplo de
invasão do e-mail.
Quais conceitos ou leituras poderiam fundamentar essas discussões?.
Evidentemente leitura de livros teóricos e princípios básicos, e também de manuais que
descrevem as técnicas e sua fundamentação além de no caso específico, ótica referente
a respeitar o outro.
Querem ver a pertinência? Geralmente, na primeira sessão ou nas sessões iniciais
ó explicado ao cliente o tratamento comportamental e cognitivo. O terapeuta precisa
saber explicar e responder as questões possíveis . Se o cliente vem ao consultório com
diagnóstico, que poderá ou náo ser confirmado posteriormente, cabe ao terapeuta conhecer
a descrição da síndrome e durante a terapia analisar com o cliente o custo-beneficio de
seguir o tratamento, mesmo quando parece fugir a uma análise de senso-comum.
Como conseqüência teórica, resultante de estudo ,é possível analisar e
compreender como o cliente aprendeu a se livrar de seus problemas de formas, muitas
vezes progressivamente ineficazes. Para ilustrar, outros exemplos podem ser casos de
ansiedade social, o fugir de situações, sair em momentos inconvenientes ou comportar-se
agressivamente. Destacando a agressividade, em um conjunto de condições, ela pode ser
mantida por reforçamento positivo como atenção social, aquiescência do outro e, em
outras, por reforçamento negativo, fugindo de uma tarefa desagradável. As funções múltiplas
de certo comportamento explicam porque muitas vezes as intervenções parecem produzir
resultados parciais ou não produzir resultados.
Evidentemente entre esses conhecimentos, além dos princípios de análise do
comportamento, que permitem compreender quais as variáveis das quais o comportamento
é função e, portanto, parte da história de aprendizagem, existem técnicas a ser empregadas
que estão descritas em detalhe na literatura e precisam ser adequadas ao ambiente e
repertório da pessoa ou ser apresentadas como soluções novas para resolver o problema.
No curso sobre psicologia do esporte de Gary Martin, neste Encontro, vocês puderam ver
a demonstração de técnicas de ensino de habilidades a atletas, após análise
comportamental, e verificar a análise pormenorizada dos comportamentos e o ensinar a
emitir essa cadeia comportamental, para um melhor desempenho. Assistimos à
demonstração do professor e o vídeo de treinamento.
Outro exemplo possível, válido para todos, e que demonstra bem que aprender
não ó fazer, é o andar. Aprendemos a andar aproximadamente com um ano. Aprendemos
também que vida sedentária é prejudicial à saúde. Quantos de nôs andamos ou fizemos
exercício hoje? Portanto, quais variáveis analisar, como analisá-las e quais técnicas
empregar que sejam adequadas à pessoa, adaptada a situações e que ensinem realmente
a emitir comportamentos e garantam a generalização ou manutenção. Essas questões
nos remetem ao estudo da aprendizagem e de conhecimentos teóricos que sustentem o
trabalho.
Sem pretender esgotar o tema, sugiro que leituras essenciais seriam livros de
textos básicos. Para mim, eles foram de Keller e Schoenfeld (1950); Ferster, Culbertson e

Sobre Compoft.imcnlo c Co^nivilo 445


Boren(l968); para aprender análise comportamental, e a obra de Skinner, sendo meus
favoritos: Ciência e Comportamento Humano, (1963); Contingências de Reforçamento,(1969);
Walden Two (1948); O Mito da Liberdade (1971) e Questões Recentes da Análise do
Comportamento(l989). Vários desses livros estão esgotados, mas hoje existem
Catania(l998) e Baum (I994) que desempenham a mesma função, para alunos e estudiosos
e estão em português. Existe também a coleção Comportamento e Cogniçâo, que está
em seu sexto volume e compreende a produção apresentada nos Encontros da ABPMC,
de autores nacionais, com textos teóricos de pesquisa básica e em terapia comportamental
e cognitiva. Há também inúmeras traduções de livros sobre técnicas comportamentais e
cognitivas e seu emprego, como o livro organizado por Caballo(1996), os vários livros de
Beck e seus colaboradores e o livro de Kohlenberg e Tsai (1991), terapeutas comportamentais
de orientação behaviorista radical. Não podemos esquecer aqui a Revista Brasileira de
Terapia Comportamental e Cognitiva, da ABPMC.
Há também leituras novas , frutos de anos de pesquisa, ou elaboração teórica,
baseados em experiência clinica, e que salientam conceitos como o de escolha (Glasser,
I998), aceitação, (Hayes, Jacobson.FolItte e Dougher; I994), mas estão em inglês.

2- M anutenção do e stu d ar e atualizar-se. Estudar em ou para cursos é bom ,mas


insuficiente. Adquirir o hábito de estudar diariamente é mais difícil. Muitas pessoas ficam
na fase de pré-contemplação descrita por Prochaska, Norcross e Di Clemente(l994), ou
contemplação, admitindo a necessidade de fazer, mas sem especificar local, horário, o
que e como gostaria de estudar, e poucos irão para a fase de execução ou manutnção.
Cabe a cada um descobrir a maneira de iniciar o estudar sistematicamente.
Pessoalmente, tenho diversas maneiras para me divertir com estudar: a)formular questões
ao texto a ser lido e procurar respondê-las durante a leitura; b)verificar a maneira com que
o autor discorre sobre seus pensamentos e verificar se estes já me ocorreram, sem que
eu os tivesse escrito; c)analisar a clareza e dessa forma me reforçar por pensar atualizado;
d) descobrir formas de relatar assuntos complicados; e) examinar quanto aquela leitura
contribui para solucionar problemas encontrados na terapia ou quais novas opções se
abrem Na realidade, o texto é controlado pelos objetivos do autor, mas também pelos do
leitor. Há ainda o recurso de conversar com colegas ou amigos interessados no assunto
estudado ( sem ser pedante e deixar de perceber se o outro realmente está curioso),
trocar idéias etc.
Essa necessidade de atualizar-se, ler, pensar, observar é compartilhada por
inúmeros autores. Ellis (2000), analisando a característica da aceitação do terapeuta ,
relata que a dele foi conseguida "sendo um terapeuta por 56 anos, fazendo REBT(terapia
comportamental racional emotiva) por 44anos, assistindo palestras e workshops e lendo
escritos teóricos e de pesquisa"(p.291). .Além disso, estudar é bom exemplo para se viver
bem a velhice.

3- O b se rva r o clien te e a si p ró p rio . Neste item, está um tema fundamental para a


terapia e salientado por Ferster(l978) como o ponto principal de pesquisa e análise para a
compreensão do trabalho clinico. É um texto exigente e ató mesmo duro pois considera
ser necessário descobrir o que se faz nas sessões terapêuticas , pois alterar um só
comportamento em uma situação controlada não eqüivale a aquilo que é conhecido por
terapia. Um exemplo de como ele seguiu suas recomendações à risca é a descrição do
trabalho de Miss Simmons durante uma sessão de ludoterapia (I972). Após a leitura desses
textos e de discuti-los em aula, pois quase todos os anos os coloco como leitura obrigatória

446 Ktirhcl Rodrigues KcrUiuy


nos cursos de pós graduação, procurei modificar meu trabalho. Observo cuidadosamente
os mínimos detalhes de expressões do cliente, posição corporal, humor, meu tom de voz,
minhas palavras e o efeito delas no comportamento do cliente. Pergunto inúmeras vezes
quais seriam as alternativas para o comportamento descrito e os sentimentos provocados,
o assim por dianlo.
A contribuição de Kohlenberg e Tsai (1991), com a explicação detalhada dos
comportamentos clínicos relevantes (CRB) que esclarece como o terapeuta, na sessão,
pode reforçar, eliciar e discriminar certos comportamentos, e que permitiu a proposta da
FAP, psicoterapia funcional analítica, foi importante. Enfatizaram o estudo da relação
terapeuta cliente na sessão e a busca de técnicas possíveis para bloquear esquivas ou
expressar sentimento. Mesmo não concordando com a intensidade da expressão de
sentimentos para mostrar a aceitação do cliente, o respeito e o acolher são importantes
para a formação de um vinculo terapêutico que propicia mudanças. A pergunta de pesquisa
que colocaria ó como o cliente brasileiro ,que vive em uma cultura em que expressar
sentimentos efusivamente é bastante aceito, e muitas vezes desejado, espera receber o
afeto do terapeuta? Como ele se sente na sessões terapêuticas e se há generalização
dessa aprendizagem. Evidentemente não vale responder que depende da história pessoal.
Espero a resposta através da análise de sessões terapêuticas, como explicitarei adiante.

4- A p re n d e r a não p u n ir as ve rba liza çõe s d o clie n te . Ao comparecer à sessão


terapêutica, a pessoa está sofrendo, questionando seu desempenho, não compreendendo
o contexto em que vive ou precisando esclarecer para ela própria os fatos ou mudanças
que a cercam. Não punir suas falas, quer com ironia ou ridicularização de seus problemas,
quer com incompreensão da queixa como problema ,pode ser um ponto de partida para o
início de um trabalho terapêutico gratificante. Esse cuidado de não punir as falas pode ser
fundamental nas primeiras sessões, especialmente se o cliente vive em um ambiente
punitivo e é desacreditado. Provavelmente ele veio à terapia buscar cousas novas para
fazer e pensar, ou pelo menos, uma interação gratificante.
No decorrer da terapia, o próprio cliente pode esperar questionamento de suas
afirmações. As tarefas de casa podem auxiliar o início das questões e a experiência
emocional resultante mostraria maneiras de mudar ou aceitar os fatos cotidianos. Portanto,
barreiras verbais vão se desmoronando e permitindo experimentar e viver a vida,
compreendendo as variáveis daquele contexto. Educada em uma tradição comportamental,
considero que o reforçamento de comportamentos novos ou mesmo de antigos ,que
permitem visualizar outros ambientes, e portanto .condições para novos comportamentos,
ó melhor que punições de verbalizações ou ações.
Parece sermão? Não ó. É preocupação com a formação do repertório do terapeuta
comportamental.

5- Ter cla ro o que é d ire tivid a d e e co m o em pregá-la. Talvez uma das críticas mais
contundentes que se fez à terapia comportamental é sua diretividade. É bastante próximo
da discussão dos limites em educação. Nos anos 60, a diretividade e a permissividade
compreendidas mais como aceitação incondicional do outro, estavam na moda.Com a
preocupação de se definirem objetivos claramente para poder planejar, estabelecer os
pontos intermediários, e realizar o esperado, a visão que se tinha do terapeuta
comportamental era quase equivalente à do feitor ou mágico, pois parecia ser possível
dizer faça e as cousas se realizariam e rapidamente.

Sobre Comportamento ç Co^nivilo 447


Atualmente, encontramos diferenças nessa atuação , mas parece que saiu de
moda discutir diretividade. No curso de pós graduação la to sensu" que ministramos, da
psicologia experimental USP, no ano de 2000, foi possível verificar, sem discutir diretividade,
como os terapeutas vôem a interação terapeuta cliente e mostram variáveis que controlam
o comportamento do cliente e ensinaram a ele a fazer o que fazem. Hélio Guilhardi
demonstrou, em um caso, como o comportamento dos pais foi ocasião para a filha
aprender a discriminar padrões de comportamento do casal e responder a eles mentindo.
As cartas na mesa são diretividade do terapeuta e, como fazer? Roberto Banco, em outra
aula, deixou claro que somos pagos para dar condições para que o cliente emita
comportamentos e extinga alguns na própria sessão terapêutica. É diretividade? Eu
especifiquei novamente os textos para leitura e a necessidade de formação continuada
para um terapeuta. Como essas falas funcionaram? Foram simplesmente mandos
especificando reforçadores para o trabalho do terapeuta ou foram tatos descrevendo fatos
e propondo reflexão sobre eles? Portanto, discutir diretividade hoje está fora de moda, pois
a pergunta mudou para: o que faz um tratamento psicoterápico eficaz e como se obtêm
mudanças quando necessárias?

6- E scla re ce r os va lo re s p e sso a is e o papel da te ra p ia . Os exemplos acima já


demonstram uma escolha de valores. Até a forma de trabalhar do terapeuta, em certo
sentido, demonstra essa escolha. A discussão atual sobre o comportamento de escolher
e sobre regras é outro exemplo de um problema recorrente e com roupagem nova. Simplificar
uma literatura utópica ou ató dados da ciência ó difícil nessa questão de ótica pessoal.
Por exemplo: assumido um compromisso, em condições diversas da atual, quanto e
como discutirei com o cliente se o caso ó manter ou desligar-se? E se prejudica terceiros
ou implica em um comprometimento de vida que não sei como será? Como tenho certeza
que aquele valor ó do cliente e não o meu reformulado? A terapeuta, que se separou do
marido e está sofrendo com essa decisão, influenciará o cliente a ficar na relação ou a se
separar? O terapeuta que tratou de um cliente com pânico e mantém esse cliente como
seu auxiliar ou empregado , tratou mesmo dele , ató que ponto? Existem contingências
codificadas, mesmo para os especialistas em análise de comportamento?
Não existem regras claras. Na maior parte das vezes, ó vantajoso enfatizar as
contingências de reforçamento e punição e até mesmo o terapeuta expressar que
pessoalmente tem valores diferentes, mas que trabalharão em conjunto, terapeuta e cliente,
para realizar os objetivos do cliente, esclarecendo-se as limitações de ambos os pontos
de vista e a aceitação dos valores do cliente, que na realidade regem sua vida. Às vezes,
é possível ao terapeuta solicitar reencaminhamento do cliente para outro terapeuta, pois
não tem condições de trabalhar com aqueles valores. Num artigo de um jornal de domingo,
hoje, março ,um intelectual brasileiro, professor de ética e filosofia política .discute a
repercussão da novela "Os Maias", baseada na obra de Eça de Queiroz, com um título
polêmico: "Incesto ainda assusta?" Mostra a ótica e suas mudanças no tempo. As
perguntas que formula são duas: v. contaria a verdade dolorosa que descobriu, que os
amantes são irmãos? A outra pergunta ó: sabendo que são irmãos, os amantes deveriam
continuar juntos ou separar-se? Apresenta argumentação e conclui com uma afirmação
instigante. É novela? Melodrama? Vemos episódios semelhantes a esses no consultório
e programas de televisão.
7- Ter s id o su b m e tid o à terapia e cu id a r da reciclagem . Não é usual exigir que o
terapeuta comportamental tenha se submetido á terapia antes de se tornar terapeuta.

448 KjcIic: Rtulri^uc* K ciU iuy


Atualmente, com a ênfase em eventos privados e relação terapêutica, considero um "must".
Alguns problemas discutidos nos tópicos anteriores encaminhariam para essa afirmação.
Conhecer-se auxilia no processo de aceitação do outro, e o trabalhar em beneficio
do cliente, e não para resolver problemas pessoais ou obter aprovação e agradecimentos,
ou outros reforçadores. Um dos problemas sérios que percebo em alguns profissionais é
transformar a relação de terapia em amizade pessoal .Evidentemente, o emprego de
recursos áudio-visuais para avaliar o próprio trabalho pode demonstrar em falas específicas
a necessidade do terapeuta conhecer-se para evitar certas alocuções ou expressão de
sentimentos. Ou seja, para v. saber o que o cliente provoca em você e expressar a emoção
sentida é necessário autoconhecimento.

8- Estagiar ou ter supervisão, preferencialm ente com sessões gravadas com recursos
au d io v is u a is. Esse item inclui um trabalho à parte, em detalhes ,sobre supervisão, que
não está incluído neste estudo. Vou me ater mais á análise da sessão e sua gravação em
recursos audiovisuais para torná-la permanente e permitir uma análise minuciosa e o
crescimento do terapeuta pela objetividade ao examinar seu próprio trabalho.
Após a autorização do cliente, que costumo solicitar por escrito, na primeira
sessão de terapia, ao fazer o contrato, o material para registro é acionado em todas as
sessões. Emprego esse procedimento em pesquisa e para treinamento de alunos em
formação. O ideal são as salas já construídas com a fiação que permite fazer o vídeo da
sessão e o encaminhamento, ao mesmo tempo, para uma sala de observação Como
várias linhas teóricas de psicologia utilizam o mesmo espaço nas clínicas escola , nem
sempre ó possível dispor desses recursos em todas as salas de atendimento.
O que a análise da sessão permite averiguar? Especialmente, a seqüência de
interações e como terapeuta e cliente estabelecem a forma de trabalhar e se ela produz
realmente os resultados esperados na terapia, É uma situação de aprendizagem em que
o terapeuta percebe como e a que está respondendo na sessão. Mostra claramente a
mudança de verbalizações do cliente. Para alguns deles é benéfico mostrar como mudaram
durante a terapia, especialmente quando as falas eram rudes ou agressivas ou as
reivindicações manipuladoras ou muito lacrimosas e queixosas e transformaram-se em
maneiras de viver produtivas e agradáveis .Nem todos os clientes gostam de ver e, para
alguns,seria punição em demasia ,e não convém mostrar. O critério é do terapeuta, após
estabelecer claramente a função do cliente ouvir ou ver a fita.
O terapeuta se beneficia ao verificar se escuta os relatos de emoção, especialmente
de emoções negativas, se ouve com serenidade, se não simplifica demais , invalidando
a experiência dolorosa, se compreende ser hora de escutar e não invalidar a experiência
emocional, procurando soluções muitas vezes racionais demais para o momento . É
possível, também, o terapeuta analisar se ele está fornecendo reforçadores positivos para
relatos privados e fornecendo estímulos para relatos que mostrem a história de aprendizagem
de comportamentos bem como de busca de alternativas para mudança de comportamentos
e contexto. Concluindo, assistir ao próprio trabalho, como se fosse de um outro terapeuta,
permite diversas análises, pois estas estão controladas pela pergunta que se faz ao dado.
A supervisão clínica é fundamental no decorrer da vida. Mudarão, mas um outro
ponto de vista em certos casos é...ético e demonstra sabedoria, a meu ver. Wielenska
(2000), em sua dissertação de mestrado ,há anos, analisou sessões de supervisão e
estabeleceu seqüências de interação supervisor-supervisando. Com uma análise
comportamental micro, verificou mudanças de comportamento e demonstrou a importância

Sobre Comportamento c Cotfnivilo 449


da supervisão quando os interessados estão sob controle do que é relevante para o cliente.
Na realidade, o objetivo do trabalho foi identificar os controles existentes da atividade do
supervisor e de seu supervisando na interação com o cliente. Alguns dos controles atuando
sobre o supervisor derivavam-se de sua experiôncia profissional, formação e relatos do
supervisionando.
Observo que atualmente a supervisão pode auxiliar ató na leitura compreensiva e
escolha de texto que permitam ao terapeuta melhorar seu repertório e aprender a aprender
com seu cliente.
Uma análise detalhada do processo de supervisão, e quando em grupo, o que
considero mais eficaz, permite ver ocorrências variadas em casos diferentes , mas da
mesma forma, amplia o repertório do terapeuta. Ató a seleção do que relatar na supervisão
é importante, pois muitas vezes detalhes irrelevantes são relatados. Investigar o porquê da
ênfase nas irrelevâncias pode conduzir muitas vezes a perceber que o comportamento do
cliente é estimulo discriminativo para raiva no terapeuta. Discutir a função do choro na
sessão e o comportamento do terapeuta parece um assunto que retorna, todos os anos.
Outros comportamentos como esse necessitam ser investigados.

9- D esenvolver re pe rtó rio afetivo e de aceitação. Muitas vezes, o esforço do terapeuta


em obter mudanças em seu cliente pode conduzir a uma distorção e parece que dificulta
a aceitação. Pode evocar também um efeito oposto, o cliente relatando as tentativas que
fez, exemplificando com pessoas que tentaram mudar ou mudá-lo, sem obter sucesso.
Portanto, a aceitação incondicional e o medir as palavras, muitas vezes ressaltando os
ganhos que o cliente está obtendo, portanto, a compreensão da dificuldade em mudar e a
necessidade de esclarecer antes de mudar, ó uma estratégia que pode ter a longo prazo
melhor resultado. No entanto, o terapeuta expressar realmente sua compreensão e
aceitação, ó difícil? Pode ser aprendido? Acredito que sim e confirmo esse pensamento
sendo professora além de terapeuta.
Para essa aceitação incondicional ó necessário conhecimento e aceitação irrestrita
de pessoas e aprender a divertir-se ao observá-las. A palavra empatia é utilizada nesses
casos. É bonita, mas não se limita ao antipático hum...hum...Ser empático pode mesmo
ser silencio acompanhado de expressão facial, de compreensão e algumas questões
pertinentes ao problema.

10- Além da psicologia: inform ações e conhecim entos. O repertório de viver no mundo
atual ó complexo e as mudanças bruscas das instituições e valores amedrontam. Aqui no
Brasil, a ambigüidade e pouca clareza das relações de amizade e parentesco, em um
país que parece valorizá-las , mas que demonstra transformação com o modelo da
impessoalidade que o mercado exige, merece estudo acurado: de fato, investigações
partilhadas com outras áreas do conhecimento. Um exemplo dessa ambigüidade ó que se
sabe que no Brasil há leis que “pegam" e as que não, que fazer leis para resolver questões
de valores ó um passo arriscado e de resultado comprometido. A ostentação das elites
brasileiras ó cruel e parece demonstrar que a mobilidade social não existe. O livro de
DaMatta (I987) "A Casa e a Rua", lida com a dicotomia entre os sentimentos e práticas,
para uso doméstico e imagem pública, e mostra uma distância que permanece.
Com isso, quero exemplificar a necessidade do psicólogo recorrer a outras
informações, fora de sua área, para que entre em sessão de terapia sem preconceitos, e
compreendendo os problemas e o contexto dos problemas sociais. É possivel observar

450 Küdtd Rotln^ucs Kcrbduy


hoje a indignação da opinião pública com a corrupção pública , a falta de segurança. É
quase uma tentativa de unir a casa e a rua. Compreender esses movimentos e suas
origens e implicações é o que denomino 'além da psicologia’.
Os psicólogos que trabalham em áreas de atuação , com diversos profissionais,
parece que, além de informações, precisam apurar o seu pensamento critico para poder
propor medidas que beneficiem o serviço ou a instituição. Um exemplo ó a avaliação dos
problemas que um grupo encontra em sua rotina diária e soluções possíveis. Outro, ó
redefinir a maneira de se comunicar, para poder ser compreendido pelos diversos
profissionais, como médicos de várias especialidades, enfermeiras, fisioterapeutas, juizes
e também esclarecer a opinião publica. A função desse item é salientar a necessidade de
receber uma pessoa sem julgamento, sem certos e errados, e aprender a aprender com
os outros.Com isto, não abdicaremos de nossa função de psicólogos, mas a fortaleceremos.
Uma conclusão e um começo. Deixei de explicitar aqui a necessidade do terapeuta
falar com clareza ,vestir-se adequadamente, lembrar dos fatos relevantes para o cliente,
antecipar, em situações especificas, sentimentos e pensamentos, dar tarefas que se
encaixem na rotina do cliente e que sejam de acordo com seu repertório, entre outros
detalhes importantes. Salientei mais a ótica e a aceitação do outro, talvez controlada por
uma sociedade com tendências individualistas.
Não gostaria de concluir sem pensar em como desenvolver dados sobre a
psicoterapia comportamental e cognitiva que se exerce no Brasil. A ABPMC tem dado
oportunidade em posters para relatos de trabalhos e até mesmo estudos de caso. Esses,
para serem relatados, precisam ser raros, apresentar algo atípico, ou sugerir pontos para
investigação. No caso de desenvolver um tratamento, é necessário também um teste ou
controles do tratamento e muito mais, se pensarmos em generalização. Considero que
analisar as peculiaridades da terapia comportamental no Brasil e a reação de clientes a
formas propostas é fundamental. No entanto, a análise desse destaque das sessões
deve ser de modo a esclarecer a relação entre o que se afirma e o que aconteceu na
sessão. No caso de interpretações ou inferências , estas necessitam ser explicadas e
descritas as informações sobre a história da pessoa, desvendada em sessões terapêuticas,
ou a cultura em que está inserida e que permitiu as afirmações. Não menos importante é
a análise de contingências demonstrada. Em grupos de pesquisa e estudos poderemos
fazer.

R e fe r ê n c ia s
Da Matta.R. (1987) A casa e rua. Rio de Janeiro: Editora Guanabara.
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Sobre Comportamrnlo e CojjniçJo 451


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Hayes,S.C.,Jacobson,N.S;.Follette,V.M e Dougher,.J.^994) Acceptance andchange.content and
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452 R.ul)cl Rodrigues Kcrtwuy


Capítulo 47
Integração de contingências em ambientes
clínico e natural para desenvolvimento de
repertório de comportamentos e
discriminação de sentimentos

Patrícia Piazzon Queiroz


/ hUio fasé ÇuiHnmH
In s titu to d e A n á lis e d e C o m p o rta m e n to - C a m p in a s

0 presente relato descreve aspectos fundamontals de um estudo de cato tratado pela Terapia por Contingências. Um
menino de 7 anos que vivia com a mâe. sob contingência* aversivas, apresentava dificuldades escolares, fala exagarada
(tatos distorcidos) e dificuldades no relacionamento social A terapeuta usando, basicamente, procedimentos envolvendo
técnicas de mudança gradual e contingência» reforçadora» positivas conseguiu produzir mudança» soclalnwmte significativas
no desempenho acadêmico, colocou as verbalizações do cliente, tatos e tatos distorcidos, sob controle de estímulos
adequados e desenvolveu comportamentos sociais adequados. Assim, o cliente alterou seus comportamentos, de modo a
produzir reforços generalizados 0 reduziu seu repertório de fuga-esquiva. A terapeuta colocou 0 comportamento do cliente
sob controle de regras e de conseqüências diretamente aplicadas aos comportamentos que ocorriam nas sessões,
espontaneamente, ou evocados por procedimentos por e)a programados (encenações com animais de pelúcia e bnncadeiras
com cachorros) para essa finalidade Discute-se a Importância do vinculo terapêutico.
Palavras-chave; tato, tato distorcido, vinculo terapêutico, DRO, autoconhecimento.

This Is a descriptlon of the basic features of a case study conducted In accordance with the Therapy by Contingencies
approach. The cllent was a 7-year-old boy, living with hls mother who used to control hls behavior managing coercitiva
contlngewies He liad shown academic diflicvilUes. unuaual verbal behavior (distorted tacts) and lack of social skitls. The
therapist used procedures involvmg gradual changing techniques, such as shaping and fading; she also strongly avoided any
Kmd of aversive control. The results showed that the Client improved his academic behavior, hls distorted tacts came to be
under appropriate stimulus control, as they were named “fantasies* Also, hls social abilitles improved and hls escape-
fjvoidance behavlors In relation to adults were dramatlcally reduced. The behavior of the Client was governed by rules from
the therapist and shaped in the therapeutic settlng by consequences managed by her. The therapist evoked adequale and
inadequate behavlors to occur in her presence by programming speclal activities to be performed with the Client (games
employlng atuffod toys and playing with real dogs) This study allowed a discussion of the determinants of cllent-therapist
relatiormhlp.
Key words: tacts. distorted tacts. therapist relationship, DRO, self-knowledge.

O objetivo do presente trabalho ó apresentar aspectos fundamentais de um estudo


de caso clínico tratado de acordo com a Terapia por Contingências (Guilhardi, 1997; Guilhardi
e Oliveira, 1997; Guilhardi e Queiroz, 1997; Guilhardi e César, 2001). O processo terapêutico
foi desenvolvido com Pedro1, um menino de 7 anos, no início do tratamento, cursando a 1a
série de uma escola particular. Morava com a mãe separada e tinha encontros raros e
breves com pai, quando ia visitar a avó paterna. Freqüentava a escola à tarde. Durante a
1 Nom« fldlclo

Sobre ComporliiiTUMilo c Cojjmvilo 453


manhã e noite, ficava em casa sob as atenções de uma babá, que compartilhava com a
empregada as responsabilidades de cuidar dele. A mãe pouco ficava em casa com ele: à
noite estudava, de manhã dormia. Eventualmente, ela poderia estar em casa, mas trancada
no quarto, isolada, com queixa de depressão. A interação mãe-filho era bastante restrita
e, acentuadamente, caracterizada peio controle aversivo que a mãe empregava com ele.
A mãe, na consulta inicial, não apresentou nenhuma queixa dela própria sobre
Pedro. Apenas procurou a terapeuta porque, na reunião com a professora, esta descreveu
algumas dificuldades que ele vinha apresentando na alfabetização. O mau desempenho
acadêmico do filho teve função aversiva para a mãe que, após o encontro com a professora,
passou a acompanhar as lições de casa, tarefa anteriormente conduzida pela babá. Porém,
a mãe, até então ausente, adotou critérios de desempenho muito altos para o repertório
acadêmico esperado numa criança de 1* série. Por exemplo, ele não podia colocar s no
lugar de dois ss ou ç. E, quando ele errava, ou a letra estava “feia", ela apagava tudo,
obrigava-o a refazer a lição e ainda brigava com ele em altos brados. Tal "batalha” acadêmica
se estendia por até duas horas diárias e o menino passou a se queixar de dores de
cabeça e na mão, durante o período das lições. Aparentemente, era uma tentativa para se
esquivar dos comportamentos da mãe em relação à tarefa escolar.
Nos contatos que teve com Pedro, a terapeuta identificou algumas dificuldades
acadêmicas, porém o desempenho nas sessões com as lições era muito melhor do que
se podia esperar a partir do relato da mãe. Por outro lado, embora não fosse queixa da
mãe, a terapeuta observou déficits importantes no repertório social e afetivo do cliente. As
interações de Pedro com a terapeuta se caracterizavam por uma fala exagerada, ininterrupta,
com vocabulário rico para a idade, mas com frases estereotipadas, enunciadas quase
sem parar, sempre pedindo opiniões, aprovações etc. dela. Solicitava com gestos e olhares
a atenção contínua da terapeuta. O paradigma comportamental que melhor descreveria a
interação seria: alta freqüência de respostas verbais conseqüenciadas por atenção da
terapeuta, na forma de olhar, sorrir e dar eventuais carinhos físicos, ou seja, reforçamento
positivo contínuo contingente a comportamentos verbais.
Em casa, a relação da mãe com Pedro se resumia à realização das tarefas. Ela
não suportava participar dessa atividade: era exigente, agressiva e não reforçava
diferencialmente os comportamentos do filho, ou seja, não valorizava pequenos acertos,
de maneira a modelar a ocorrência da resposta final desejada. Assim, ele não conseguia
diferenciar pequenos acertos e acabava reclamando de que não era capaz de fazer nada
"direito", que não sabia "nada”. A mãe, diante das dificuldades do filho, o criticava e gritava
com ele (punição positiva) e se afastava fisicamente (“Assim não dá. Se vire que vou pro
meu quarto...") (punição negativa). De resto, ela tinha raras interações afetivas com Pedro:
“Eu não estou agüentando ele; ele está muito grudento. Nós estamos assistindo a um
filme - que agora eu tenho tentado ficar um pouco com ele - ele me abraça, me aperta e
eu falo: - Não estou agüentando, chega um pouquinho mais prá lá. Aí ele vai, dá dois
segundos, ele volta e está me abraçando e apertando.”
Diante de tais relatos da mãe, a terapeuta propôs-lhe os seguintes procedimentos:
a mãe não faria mais a lição com o cliente e a babá voltaria a acompanhar a atividade.
Porém, como era aversivo para a mãe não ter acesso ao desempenho do filho, a terapeuta
combinou que ela apenas verificaria se a tarefa havia sido completada, mas nâo poderia
conferir o conteúdo, pois isso seria feito pela professora. O comportamento de verificar a
tarefa emitido pela mãe tinha duas funções básicas: a. para o filho: garantir que ele faria

4 5 4 Patrícia Pid//on O uciro/ 1 H élio José (./uillnmli


as lições, mesmo que esse fosse um comportamento de fuga-esquiva das reações
fortemente aversivas da mãe; b. para a mãe: reforçá-la negativamente, ao constatar que
seu filho, por ter feito a tarefa escolar, não era um aluno vagabundo e irresponsável.
A babá se mostrou uma pessoa bastante contingente e habilidosa com o cliente:
reforçava os comportamentos acadêmicos adequados dele, mesmo os pequenos acertos,
antecipava-se e o ajudava nas dificuldades que encontrava nas lições e dava limites às
inadequações do cliente de maneira afetiva.
Com a introdução destes procedimentos, as dores na mão e na cabeça
desaparecem e o tempo da lição foi reduzido para durações razoáveis pelos critérios da
escola.
A terapeuta realizava orientações quinzenais com a mãe, discutindo quais eram
as funções do comportamento do filho e como ela poderia conseqüenciá-lo mais
apropriadamente. Nessas orientações, a terapeuta dava-lhe modelos e tambóm solicitava
que ela relatasse como havia lidado com as situações que ocorriam entre ela e o filho em
casa, conseqüenciando-a diferencialmente. A mãe em geral tinha poucas coisas a dizer
sobre o filho (exceto queixas genéricas: “ele não estuda mesmo”; “está mal na escola") e
reclamava que era muito difícil lidar com ele, que estava cansada dessa vida etc. Após
umas poucas sessões, abandonou a orientação, alegando problemas pessoais. A mãe já
fazia terapia e continuou esse processo. A terapeuta, com a autorização da mãe, passou
a realizar as sessões de orientação com a babá. As observações da babá eram bastante
informativas e ela era eficiente na condução dos procedimentos propostos pela terapeuta.
A partir da observação direta da terapeuta e do relato da babá, ficava claro que o
cliente tinha comportamentos distintos quando a mãe estava presente ou ausente: perto
dela, era tenso, agitado e o desempenho acadêmico piorava; longe dela, falava muito,
gesticulava, representava algumas cenas que narrava; apesar de algumas dificuldades,
fazia as lições e não reclamava de dores (observações feitas nas sessões). Nas refeições,
na presença dela, derrubava comida para fora do prato, na roupa, no chão; longe dela,
comia sem derrubar nada, ria, contava casos (relato da babá, confirmado pela mãe). A
terapeuta observou, numa ocasião em que Pedro derrubou água no chão da sala de espera,
que o cliente ficou "paralisado", com cara "assustada" e, imediatamente, a mãe gritou com
ele de maneira desproporcional ao incidente. Estes episódios permitem uma formulação
conceituai: a presença da mãe funcionava como estímulo pró-aversivo, diante do qual
qualquer comportamento considerado inadequado por ela era conseqüenciado com críticas,
gritos, afastamento físico etc. (eventos aversivos). O paradigma ó de esquiva sinalizada,
em que poucos comportamentos (aqueles que a mãe considera adequados) evitam a
conseqüência aversiva. O controle exercido pela mãe ó do tipo coercitivo. As contingências
geram comportamentos e estados corporais, aos quais se denomina de sentimentos (ou
emoções). Skinner (1980, p.25) escreveu “Quando eu chamo os sentimentos de "sub­
produtos" de comportamento, parece ficar implícito que eles são epifenomenais (um
epifenômeno ó um fenômeno secundário que acompanha um outro e ó considerado como
sendo causado por este). Uma expressão melhor é "produtos colaterais". Os sentimentos
e o comportamento sâo ambos causados por história genética e ambiental em conjunto
com a situação presente." (itálico dos autores). Ainda mais explicitamente: “Volte aos
eventos ambientais antecedentes para explicar o que alguém faz e, ao mesmo tempo, o
que essa pessoa sente enquanto faz alguma coisa. Para cada estado (corporal) sentido e

Sobre (.'ompoiltimcnlo e Cogniv<lo 455


designado pelo nome de um sentimento, presumivelmente, existe um evento ambiental
anterior do qual esse estado é produto." (Skinner, 1991 b, p. 103).
Contingências aversivas produzem comportamentos de fuga-esquiva e sentimentos
de ansiedade, mal-estar, medo etc. O estado corporal eliciado por condições aversivas
dificulta a ocorrência de determinadas classes de operantes, tais como: fazer movimentos
coordenados, solucionar problemas, prestar atenção para aspectos sutis do ambiente.
Esta é uma possivel explicação para os comportamentos de derrubar comida, água, não
fazer letra legível, não raciocinar para resolver um problema de matemática etc. na presença
da mãe. Ficava evidente que a relação de Pedro com a mãe envolvia as seguintes
contingências: punição positiva, punição negativa, extinção e reforçamento negativo. Apenas
contingências aversivas. Era de se esperar que Pedro fosse uma criança muito carente de
atenção, carinho, amor: seu mundo era desprovido de reforços positivos generalizados
advindos da mãe. A proposta terapêutica era que tanto a babá, como a própria terapeuta
suprissem essa carência. Na ausência da mãe, então, a babá e a terapeuta poderiam
assumir a função de estímulos discriminativos, na presença dos quais os comportamentos
emitidos seriam reforçados. Havia algo a mais: em situação de privação afetiva acentuada,
o afeto deve ser dado de maneira abundante, não necessariamente contingente a
comportamentos adequados. Skinner (1980, p. 132) deixa claro este ponto ao falar de
"Amor como um estado é uma disposição para agir em relação ao outro de maneiras que
sejam reforçadoras, mas sem atentar para nenhuma contingência. No amor agimos para
agradar e não para ferir, para ser genuíno e não para ser sedutor, mas não agimos para
mudar comportamento". A carência afetiva de Pedro era um aspecto fundamental a ser
trabalhado. Atendendo a essa necessidade, a terapeuta conseqüenciava positivamente
(com aprovação, carinho, sorriso) praticamente qualquer comportamento do cliente (mesmo
aqueles que a mãe considerava inadequados) com os seguintes objetivos: a. fortalecer a
emissão de comportamentos acadêmicos e de interação social; b. aumentar variabilidade
comportamental; c. produzir estados corporais que poderiam ser chamados de bem-estar,
satisfação, prazer; d. desenvolver sentimentos de autoconfiança e auto-estima. Skinner
(1991 a, p.48) descreveu as contingências necessárias para o desenvolvimento da auto-
estima: "o eu de que uma pessoa gosta parece ser produto das práticas positivamente
reforçadoras do ambiente social..." Ele também descreveu as contingências que produzem
a autoconfiança (1991a, pp.48-49): "Pessoas que não são bem sucedidas naquilo que
fazem podem perder a fé em si mesmas, mas um conselheiro pode restaurá-la, fazendo
com que se lembrem de sucessos anteriores, restabelecendo assim, pelo menos em
parte, o estado corporal que sentiram naquelas situações. O modo mais efetivo de restaurar
a crença em si mesmo ó, com certeza, restabelecer os sucessos, talvez simplificando as
contingências de reforçamento. O efeito mais imediato do sucesso é freqüentemente
chamado de autoconfiança.”
No desenvolvimento da autoconfiança, o indivíduo se comporta e obtém
reforçadores: esses reforçadores podem advir da própria atividade, como por exemplo,
rebater corretamente uma bola de tênis. A bola, a rede, os limites da quadra etc. reforçam
o comportamento de rebater a bola, sem necessidade de nenhuma conseqüência social
adicional. Se houver, no entanto, conseqüência social (reforçadora positiva) tanto melhor.
Quando a preocupação básica da terapeuta é fortalecer comportamento e desenvolver
sentimentos de autoconfiança, ela deve conseqüenciar de forma contingente
comportamentos adequados, ou seja, ela deve estar atenta às contingências em operação.

456 P dlrluu Pii»//on Q u ciro / & I lélio José C/uillnirdi


Quando o objetivo básico da terapeuta náo é com o desenvolvimento de repertório,
mas com a reparação dos estragos emocionais produzidos por uma história comportamental
muito adversa (como é o caso de Pedro), então as conseqüências reforçadoras positivas,
os reforços generalizados, devem ser liberados com o minimo de obstáculo, inclusive
devem ser dados livremente, exceto se forem contingentes a comportamentos fortomente
inadequados (reforçamento diferencial de outros comportamentos, dro). O procedimento
de dro é, aliás, um dos mais eficazes e mais utilizados para fortalecer comportamentos
adequados e enfraquecer inadequados sem a utilização de punição.
Assim, "no desenvolvimento de sentimentos de auto-estima deve haver episódios
em que o agente social reforça positivamente atentando para as contingências e também
deve haver episódios em que o agente social reforça positivamente sem atentar para as
contingências. Os sentimentos de auto-estima só emergirão num contexto social em que
as duas condições acima ocorrerem” (Guilhardi e César, 2001). Os estímulos discriminativos
e as conseqüências reforçadoras produzem estados corporais que, provavelmente, facilitam
a ocorrência de determinadas classes de operantes, tais como fazer movimentos
coordenados, solucionar problemas, prestar atenção para aspectos sutis do ambiente.
Esta é uma possível explicação para a ocorrência dos comportamentos de comer e beber
sem derrubar, fazer mais adequadamente as tarefas, rir, brincar etc., na presença da
terapeuta e da babá.
Nas situações em que a mãe punia o cliente na frente da terapeuta, esta tinha
reações bastante contrastantes com as da mãe. Quando a mãe brigava ou o criticava por
derrubar coisas ou ser estabanado na presença da terapeuta, esta reagia de forma tranqüila,
dizia que não havia problema e que eles ou a secretária dariam um jeito na bagunça ou na
sujeira. Nesse momento, a terapeuta se aproximava dele e lhe dizia que assim que
terminassem a limpeza, iniciariam alguma atividade da qual ele gostava. Dessa maneira,
sinalizava que não haveria punições futuras. Ela fazia a limpeza com o cliente tendo como
objetivos: dar modelos de como atuar em situações análogas e desenvolver comportamentos
de cooperação, que eram conseqüenciados socialmente (conversa e contato físico com a
terapeuta, enquanto realizava a tarefa) e reforçados pela introdução de brincadeiras
contingentes a ter completado a limpeza. Outras vezes, a terapeuta solicitou a ajuda da
secretária que, previamente orientada, conseqüenciava o cliente com frases tais como
"Não se preocupe, eu cuido disso"; dando a ele a oportunidade de observar que um
comportamento - mesmo considerado inadequado - náo tinha, necessariamente, que ser
punido. Desta maneira, foi um procedimento para levá-lo a discriminar que, na presença
de diferentes adultos, o mesmo comportamento pode ser conseqüenciado de forma diferente
(mãe o punia; terapeuta o reforçava, por exemplo). Além disso, tal procedimento foi
programado para desenvolver sentimentos de auto-estima (a conseqüência social
reforçadora positiva era apresentada sem se atentar para as contingências: seguia-se a
qualquer comportamento). Os procedimentos da terapeuta e da secretária ocorriam na
presença ou ausência da mãe. Quando a mãe estava presente, esperava-se que pudessem
servir de modelos para ela imitar na sua relação com Pedro. Os exemplos eram retomados
e discutidos com a mãe nas sessões de orientação, enquanto ela compareceu.
Uma característica do Pedro que chamou a atenção da terapeuta, e foi,
posteriormente, confirmada pela mãe, babá e professora, era seu comportamento verbal:
seus relatos eram exagerados e levavam a crer que ele inventava os fatos narrados. Ora,
"relatar é um comportamento verbal. Este comportamento verbal é emitido supostamente,

Sobrr (.'omporliimenlo o 457


sob controle de um estado de coisas, que funciona como um estímulo discriminativo.
Tipicamente, o pesquisador está interessado em conhecer algo sobre este estado de
coisas, mas não tem acesso direto a ele. O relato verbal inclui-se, portanto, na categoria
de operante verbal que Skinner denomina tato" (de Rose, 1997, p. 151). O que exatamente
ó um tato? Para Skinner (1957, pp.81-82): “Um tato pode ser definido como um operante
verbal no qual uma resposta de uma dada forma é evocada (ou pelo menos fortalecida) por
um objeto ou evento particular, ou por uma propriedade de um objeto ou evento". Por
exemplo, diante de um determinado objeto, que a comunidade verbal, arbitrariamente,
chama de "cadeira", o indivíduo verbaliza “cadeira". Se diante do mesmo objeto, a pessoa
verbaliza outra coisa, pode-se dizer que trata-se de uma "tato distorcido". "A propriedade
característica do tato é, portanto, o controle singular que algum aspecto do ambiente
exerce sobre a forma da resposta. Neste sentido, o tato é o operante verbal que tem uma
relação de correspondência (referência) com o mundo externo e, por esta razão, “emerge
como o mais importante dos operantes verbais" (Skinner, 1957, p.83). A correspondência
da forma da resposta com o ambiente é uma relação de controle de estímulo, e a precisão
deste controle é um resultado da maneira pela qual a comunidade verbal estabelece em
cada indivíduo um repertório de tatos." (de Rose, 1997, p. 151) (itálico dos autores). Ou
seja, tatos adequados ou distorcidos nâo qualificam o falante, mas a comunidade em que
o falante está inserido, uma vez que é ela que consequencia o comportamento verbal.
Assim, se Pedro apresenta um repertório verbal rico em tatos distorcidos, a atenção da
terapeuta não deve estar primeiramente voltada para ele e sim para as características da
comunidade que instalou e mantém tal repertório. E, a própria terapeuta pode ser uma
parte relevante dessa comunidade, apta para corrigir as distorções verbais do cliente,
substituindo-as por tatos adequados.
“No tato... nós enfraquecemos a relaçáo com qualquer privação ou estimulação aversiva
e estabelecemos uma relação singular com um estimulo discriminativo. Fazemos Isto reforçando
a resposta, tão consistentemente quanto possível, em presença de um estimulo com muitos
reforçadores diferentes ou com um reforçador generalizado. O controle è através do estimulo:
uma dada resposta 'especifica‘ uma dada propriedade do estimulo" (Skinner, 1957, p.83).

"Por esta razão, o tato permite ao ouvinte... "inferir algo a respeito das circunstâncias,
independentemente das condições do falante". Poderíamos, portanto, dizer que o tato é
um operante verbal que “beneficia" o ouvinte, e é precisamente por esta razão que a
comunidade verbal estabelece e mantém desempenhos verbais com função de tato. Skinner
observa que o tato tem particular importância para o ouvinte quando o falante está em
contato com um estado de coisas que não é conhecido pelo ouvinte." (de Rose, 1997,
p. 152). Nestas condições, "o comportamento na forma de tato opera em benefício do
ouvinte, estendendo seu contato com o ambiente, e tal comportamento é estabelecido
pela comunidade verbal por esta razão." (Skinner, 1957, p.85)
Skinner (1957, p. 149) aponta para a ocorrência de tatos distorcidos “quantidades
especiais de reforço generalizado são mais claramente eficazes quando levam a uma
distorção real do controle de estímulos. Como um exemplo, o falante simplesmente "exagera
os fatos". Ele superestima o tamanho de um peixe que fisgou ou minimiza o perigo de um
ataque pelo inimigo. Uma quantidade especial de reforço generalizado pode levá-lo a
interpretar erradamente um ponto na escala de mensuração.
O controle de estímulos não é apenas "exagerado", mas "inventado". Uma resposta

458 Patrícia Pi.i//on O uciro/ i I tého José C/uillnmli


que tenha recebido uma dose especial de reforço ô emitida na ausência de circunstâncias
sob as quais ela é tipicamente reforçada. Vemos isso no comportamento de crianças:
uma resposta que tenha sido entusiasticamente acolhida em uma ocasião é repetida em
outra diferente e inapropriada. Sm uma distorção ainda maior, uma resposta é emitida sob
circunstâncias que normalmente controlam uma resposta incompatível. Chamamos a essa
resposta de mentira." (itálico dos autores). Nos relatos de Pedro ele, sistematicamente,
aparecia como "o melhor", "o mais forte", "o mais competente" etc. As suas verbalizações
incluiam exageros, mentiras e fantasias e eram, provavelmente, fruto de privações afetivas
e de déficits comportamentais - que aumentavam a probabilidade de variabilidade dos
operantes verbais, - que eram, por sua vez, consequenciados positivamente pelos ouvintes.
Eram comuns relatos como: “Ontem na aula de Educação Física eu fiz três gols, fui
artilheiro” (na verdade nem jogava futebol); “Eu passei para a fase final das olimpíadas da
tabuada” (na verdade tinha dificuldades com matemática); "Eu fiz o melhor trabalho de
artes" (na verdade suas pinturas eram borrões mal elaborados); “Eu salvei uma pombinha
ferida e estou com ela em casa" (na verdade a pombinha nunca existiu); etc. As histórias
eram bastante freqüentes, elaboradas e ricas em detalhes, o que demonstra como a
comunidade instalou um repertório verbal (inadequado) forte e sofisticado. Esses relatos
tinham a função de obter mais reforçadores dos seus ouvintes por “ser bom”, "fazer direito”,
"ser o melhor” e também para se esquivar de conseqüências aversivas por ser “mau"
aluno, “errar" etc. Assim, o cliente era reforçado por relatar bom desempenho e não por
emiti-los. Ele usou uma falha da cultura no terceiro nível de variação e seleção (Skinner,
1990): a comunidade reforçava aquilo a que ela tinha acesso, no caso, o relato verbal dele,
e não o comportamento ao qual o relato verbal se referia. Assim, a comunidade verbal
instalou e manteve um repertório elaborado de relatar desempenhos que não ocorreram
(tato distorcido) e não se preocupou em instalar e manter os próprios comportamentos
operantes sobre os quais Pedro falava.
Pode-se concluir, então, que enquanto o tato é, basicamente, importante para o
ouvinte, o tato distorcido é, basicamente, importante para o próprio falante. Esta é uma
distinção funcional essencial para distinguir entre um tato e um tato distorcido. Mas, por
que, então, o ouvinte reforça o tato distorcido? Uma possibilidade é que a conseqüência
reforçadora fornecida ao falante pelo ouvinte seja uma resposta generalizada do ouvinte:
diante do SD "verbalização do falante" (qualquer que seja ela: um tato ou um tato distorcido),
o ouvinte emite, como conseqüência, uma mesma classe de respostas, um reforço
generalizado (sorriso, atenção etc.). O ganho do falante é, exatamente, o reforço
generalizado. Uma segunda possibilidade é que o ouvinte é reforçado (positiva ou
negativamente) pelo tato distorcido do falante (“Mente que eu gosto"). Assim, pode ser
reforçador para o pai ouvir de seu filho "marquei três gols", ou "já estudei toda a lição"
(quando lhe pergunta "já estudou?"), quando tais respostas verbais poupam o pai de emitir
comportamentos que lhe são aversivos, tais como ir até o campo ver o filho jogar, ou
verificar objetivamente se o filho estudou (fazendo-lhe perguntas sobre o texto de estudo,
por exemplo). O ganho do falante é, exatamente, o reforço generalizado propiciado pelo
ouvinte ou a eliminação de uma crítica ou castigo contingente a não ter emitido o
comportamento que ele relatou (de forma distorcida). Uma terceira possibilidade é que
tatos adequados podem não funcionar como controle de estímulos suficiente para produzir
conseqüências numa determinada comunidade verbal, enquanto que tatos distorcidos
têm função de controlar o ouvinte, que, por sua vez, conseqüencia com reforços
generalizados o tato distorcido. O comportamento do ouvinte de prestar atenção ao falante

Sobre Comportamento e Co#nit.lo 459


ó reforçado por um tato distorcido, mas nâo por um tato adequado. O falante, por sua vez,
é conseqüenciado diferencialmente: certas classes de operantes verbais (tatos) são
ignoradas, enquanto outras classes (tatos distorcidos) são reforçadas. Outras possibilidades
poderiam ser sugeridas, mas bastam estas três para enfatizar um aspecto fundamental: a
comunidade verbal do falante (os ouvintes) conseqüencia, usualmente com reforços
generalizados, de forma inadequada, os relatos verbais dele, que com isso tem ganhos.
Como tal, é a comunidade composta pelos ouvintes que precisa ter seus comportamentos,
em relação ao falante, alterados.
A fim de evitar dar atenção aos relatos distorcidos (para não repetir o mesmo
• procedimento inadequado da comunidade de ouvintes de Pedro) e colocar o comportamento
verbal do cliente sob controle de estímulos adequado, a terapeuta usou os seguintes
procedimentos:
a. Pediu ao cliente que relatasse o que estava fazendo ou tinha acabado de fazer na
presença dela. Quando a descrição era adequada, ela o conseqüenciava com atenção,
elogio e lhe dizia “Isso é realidade". Em seguida, então, pedia que ele relatasse "uma
fantasia" e conseqüenciava com frases como “Muito bem"; “Isso mesmo: é uma fantasia".
Quando Pedro relatava um episódio que havia ocorrido na presença da terapeuta de
forma exagerada (tato distorcido) ela o conseqüenciava com frases: "Nossa! Calma lá.
Assim tá demais. Estou pedindo "realidade"; agora não é hora da "fantasia". Conte outra
vez."; “Espera aí, não precisa tanto...". Sempre brincando, rindo com ele. A terapeuta ia
reforçando diferencialmente as respostas do cliente, modelando assim suas verbalizações.
A terapeuta procurou não punir o cliente, pois ele tinha uma história de muita
punição, crítica e afastamento por parte da mãe. A terapeuta tinha como objetivo que ele
diferenciasse os comportamentos verbais adequados dos inadequados e alterasse estes
últimos, porém a partir de conseqüências diferenciadas, mas não necessariamente da
classe punitiva. A punição suprime comportamento (enfraquecendo a força de padrões
instalados) ou fortalece novos padrões de fuga-esquiva, não necessariamente desejáveis.
O que se pretendia não era enfraquecer comportamento verbal, mas colocá-lo sob controle
de estímulos adequado. Outro objetivo era levá-lo a discriminar entre a mãe (punitiva) e
outros membros da comunidade verbal (não punitivos), emitindo comportamentos
discriminados em relação aos ouvintes.
As contingências manejadas pela terapeuta permitem importantes considerações.
Ela, habilmente, lidou com uma classe abrangente de operantes verbais, levando Pedro a
diferenciar seus relatos, colocando-os em duas classes comportamentais distintas,
separadas pelas conseqüências que cada qual produzia. Os tatos distorcidos -
primeiramente, considerados inadequados - passaram a compor uma classe de operante
verbal chamada de "fantasia", tornando-se, assim adequados, desde que sob controle de
estímulos próprio: diante do SD verbal "Relate-rne uma fantasia", os tatos distorcidos são
conseqüenciados com reforços sociais generalizados. Desta forma, o tato distorcido ó
enfraquecido diante de um controle de estímulos ("Relate-me o que você fez, o que
ocorreu...") e fortalecido diante de outro controle de estímulo (“Relate-me uma fantasia").
Além de produzir tal padrão discriminado de comportamento, as contingências reforçadoras
positivas produzem sentimentos de bem-estar, satisfação etc. na pessoa reforçada. Não
teria a terapeuta, ao usar o procedimento de reforçamento diferencial discriminado,
contribuído para desenvolverem Pedro autoconfiança? Repetindo mais uma vez Skinner
(1991a, p.49) “O modo mais eficaz de restaurar a crença em si mesmo é, com certeza,

460 Pdliliiti l’ la//on Q uciio / l I lélio Jim- C/uillwrdi


restabelecer os sucessos, talvez à custa de simplificar as contingências." O que ela fez
não foi exatamente "simplificar as contingências", mas rearranjá-las de forma criativa e
apropriada. O ponto crítico, no entanto, foi que o cliente, com o mesmo padrão verbal,
poróm sob novo controle de estímulos, deixou de ser inadequado e, desta forma, a terapeuta
contribuiu para "restabelecer os sucessos" dele. Mas, quando uma pessoa é positivamente
reforçada, contingentemente ao seu comportamento adequado, ela pode se questionar:
fui valorizado, recebi esse gesto de carinho pelo meu comportamento ou pelo que significo
para a pessoa que me reforça? Ainda Skinner (1991a) escreveu: "Uma cultura valoriza e
recompensa os seus membros que fazem coisas úteis ou interessantes, em parte
chamando-os, e àquilo que fazem, de bom ou correto. No processo, o comportamento é
positivamente reforçado e são geradas condições corporais que podem ser observadas e
valorizadas pela pessoa cujo eu foi observado e valorizado."(p.47). "O eu de que gostamos
-auto-estima - é uma condição corporal resultado do reconhecimento alheio (produto das
práticas positivamente reforçadoras do ambiente) ou de auto-reconhecimento aprendido
com os outros" (p.51). A terapeuta nâo puniu os tatos distorcidos - avaliados pela
comunidade e pelo próprio cliente como inadequados - mas os reforçou (sob apropriado
controle de estímulos). É um procedimento engenhoso para propiciar a discriminação,
que permite ao cliente encontrar a resposta à questão que, supostamente, poderia ter-se
feito: independente do padrão comportamental emitido por ele ser adequado ou inadequado
ocorreu reforçamento positivo (e nunca punição), sem se perder o objetivo, qual seja o
desenvolvimento de padrões comportamentais adequados socialmente Parafraseando
Skinner (1980, p.132), pode-se escrever: a terapeuta usou reforçadores positivos atenta,
sim, às contingências, mas muito mais atenta à pessoa com quem estava lidando. Se a
terapeuta estivesse, exclusivamente, sob controle do padrão comportamental a ser
instalado, outras combinações de contingências, inclusive coercitivas, poderiam alcançar
o mesmo objetivo. Se ela estivesse (como de fato estava), poróm, sob controle do padrão
comportamental e também sob controle dos sentimentos que iria gerar no seu cliente,
não serviriam quaisquer contingências: as coercitivas seriam, sumariamente, excluídas.
b. A terapeuta pediu que ele relatasse um fato da sessão para a mãe na presença da
terapeuta. Baer, Wolf e Risley (1968) escreveram que não se deve esperara generalização
e sim programá-la. Assim, a terapeuta estava colocando o comportamento de relatar
adequadamente sob controle de novos estímulos (no caso a mãe). Ainda, Pedro estava
sob uma "liberdade vigiada", na qual a terapeuta teria acesso às respostas e poderia
conseqüênciá-lo. A mãe - anteriormente orientada pela terapeuta para dar atenção aos
relatos - conseqüenciava as descrições adequadas com perguntas: “E daí?"; “Que mais?",
ou fazendo comentários, elogios: "Que legal!"; “Vocês dois são de morte..." Caso Pedro
fizesse alguma descrição inadequada, a terapeuta o corrigia: “Lembra que aconteceu tal
coisa?', "Nessa hora não foi de tal jeito?" Sempre em forma de lembretes e nunca como
correções explícitas (“Não foi assim"). Dessa maneira, a terapeuta também dava modelos
para a mãe de como lidar com os relatos do cliente. Esses exemplos eram depois
analisados com a mãe nas sessões de orientação, até o momento em que deixou de vir.
c. Numa sessão, ele começou a relatar um desenho no qual os personagens tinham
nomes estranhos para a terapeuta (Pokemòn). A terapeuta disse "Lá vem você com
outra história". "Não, Pati, é verdade." ele respondeu. Então, a terapeuta perguntou qual
o canal, dia e horário em que passava o programa e combinou que iria assistir ao
desenho. O cliente, então, relatou nomes de mais personagens e explicou a dinâmica
do desenho para que a terapeuta o entendesse. Ele também pediu para ela decorar os

Sobre Comportamento e Cottnifílo 461


nomes. A terapeuta decorou alguns e ele disse: “A minha mãe não guarda nenhum." O
desenho era exatamente como ele havia descrito. Foi, então, introduzida, como atividade
para desenvolver comportamentos de descrição adequados, assistir aos capítulos dos
desenhos e narrá-los. Sempre que possível, a terapeuta também assistia aos programas
para poder conseqüenciar adequadamente as verbalizações coerentes do cliente.
O procedimento envolveu um “fading out” da presença da terapeuta, uma vez que,
nesta etapa dos procedimentos, ele narrava eventos sem saber quais a terapeuta havia
observado diretamente. Todas as vezes que a terapeuta assistiu aos programas, pôde
constatar que os tatos de Pedro eram adequados. Quando ela não havia visto o programa,
lidava com os relatos do cliente como se fossem tatos adequados: fazia perguntas sobre
a história, desempenho dos personagens, por quem ele havia torcido etc.
d. A babá foi orientada a conseqüenciar apenas tatos adequados de Pedro. Se ela havia
observado o contexto dos seus relatos, ela lhe dava atenção e, eventualmente, corrigia
seus exageros com frases, tais como “O que eu vi não foi bem isso, não..." Quando ele
falava sobre eventos aos quais ela não tinha acesso, a reação dela era cautelosa. Assim,
aos relatos sobre a escola, por exemplo, ela respondia “Vamos festejar só quando
chegar o boletim..."; "Pode ser (sem entusiasmo), mas meu santo de devoção ó São
Tomó...”
O cliente tambóm tinha comportamentos não verbais exagerados em algumas
situações. A professora relatou: "Um dia eu o encontrei no corredor, encostado na parede
de braços e pernas abertas e olhos arregalados. Eu levei o maior susto, achei que ele
estava passando mal. Quando fui ver, tudo isso era porque ele tinha perdido o jogo. Eu dei
uma dura nele." Tais comportamentos tinham,provavelmente, a mesma função dos tatos
distorcidos: tentar obter mais atenção. Os comportamentos náo verbais exagerados, de
modo geral, tinham função aversiva para o observador (note-se a reação da professora) e,
como tal, sua freqüência não era alta. O que preocupava, porém, era a dramaticidade dos
atos: pouco freqüentes, porém notáveis. Quando tais comportamentos ocorriam na presença
da terapeuta, ela usava o seguinte procedimento:
a “Pedro, descreva para mim com detalhes o que você acabou de fazer” (emita um tato
sobre seu comportamento)
b."Você faz coisas como esta na escola?"; “E na sua casa?"; “Dê-me um exemplo?”
c.“Conte-me como as pessoas reagem quando você age dessa forma (se necessário a
terapeuta dava-lhe algumas deixas: “Riem de você?”; "Falam alguma coisa?" etc.
d.“O que você esperava que eu fizesse aqui, agora quando agiu assim?"
e.“Que outro comportamento você poderia fazer para ganhar minha atenção?” (se necessário
dava-lhe alguma dica)
O objetivo deste procedimento era levar o cliente a observar seu próprio
comportamento e as conseqüências sociais que produzia. Além disso, programar outros
comportamentos (mais adequados) com maior probabilidade de produzirem conseqüências
sociais reforçadoras.
“As pessoas são solicitadas a relatar o que estão fazendo ou porque o estão
fazendo e, ao responderem, podem tanto falar a si próprias como aos outros. A psicoterapia
é, freqüentemente, um esforço para aumentar a auto-observação, para “trazer à consciência"

462 Pdlrkiii h d //o ii O u riro / & f lélio lote C/uilli.inli


uma parcela maior daquilo que ó feito e das razões pelas quais as coisas são feitas."
(Skinner, 1991a, pp.46-47). A terapeuta estava, exatamente, voltada para tais preocupações
com seu cliente. E, ainda mais: "Podemos tomar o sentimento como simples resposta a
estímulos, mas seu relato ó o produto de contingências verbais especiais, organizadas
por uma comunidade. Há uma diferença semelhante entre o comportamento e o relato do
comportamento ou das suas causas. Ao organizar as condições em que uma pessoa
descreve o mundo público ou privado onde vive, uma comunidade gera aquela forma muito
especial de comportamento chamada conhecimento." (Skinner, 1983, p.30) (itálico dos
autores).
Não se deve esperar que o cliente por si mesmo tome consciência de suas
dificuldades e altere seus padrões de comportamentos. A terapeuta deve assumir um
papel ativo, criando contingências que produzem auto-observação. “O autoconhecimento
é de origem social. Só quando o mundo privado de uma pessoa se torna importante para
as demais pessoas é que ele se torna importante para ela própria. Ele então ingressa no
controle de comportamento chamado conhecimento. Mas, o auto-conhecimento tem um
valor especial para o próprio indivíduo. Uma pessoa que se "tornou consciente de si mesma"
por meio de perguntas que lhe foram feitas está em melhor posição de prever e controlar
seu próprio comportamento." (Skinner, 1983, p.31). Pois, “Apesar da aparente intimidade
do mundo dentro da pele, e apesar da vantagem de que a pessoa goza como observador
de sua história pessoal, outra pessoa poderá saber melhor por que a primeira se comporta
de determinada forma. O psicoterapeuta que tenta levar seu paciente a compreender-se
está presumivelmente salientando relações causais de que este ainda não havia tomado
consciência." (Skinner, 1983, p.30). Vejam-se alguns exemplos, do papel da terapeuta,
compativel com os conceitos acima:
T: Você já percebeu que em algumas coisas você dá uma exagerada? (SDpara o
C observar o próprio comportamento).
C: (ri) É.
T: E por que será que você faz isso? (SDpara C discriminar o que mantêm essa
resposta: qual a conseqüência?).
C: (ri) Ganho mais atenção, né?
T: Então, o que nós podemos fazer para ganhar atenção sem ser exagerado? (SD
para C emitir repostas alternativas mais adequadas).
C: Posso contar alguma coisa que aconteceu, sentar no colo. (C descreve novas
respostas). (Terapeuta e cliente propõem outras opções.)
Este exemplo mostra um processo de conscientização. O cliente discriminou a
contingência: descreveu a resposta e a conseqüência que controlou ou selecionou a
resposta. Ele se tornou consciente do que controlou o seu comportamento.
Além das orientações para a mãe e para a babá, a terapeuta foi á escola, falar
com a professora, a fim de propor-lhe como lidar com os relatos distorcidos e as dificuldades
sociais e acadêmicas de Pedro. A professora foi orientada para conseqüenciá-lo com
atenção e afago físico contingente a comportamentos adequados, mesmo que mínimos
(manter-se sentado, fazer alguma atividade acadêmica, interagir de forma cooperativa com
colegas etc.). A terapeuta, cuidadosamente, a treinou para usar o procedimento de

Nobrr Comporl.imenlo e C oh»iv<1o 463


reforçamento diferencial por aproximações sucessivas (modelagem). Ao mesmo tempo,
foi orientada a ignorar os relatos exagerados e outras respostas da mesma classe (extinção),
e a propor ao Pedro a execução de alguma tarefa ou atividade com alta probabilidade de
ser reforçado ("Hora de fazer cópia”; “Vá buscar mais giz para mim" etc.), como forma de
fortalecer comportamentos incompatíveis com os inadequados.
A professora relatou várias situações nas quais o cliente apresentava problemas de
interação com os colegas: ele pegava ou escondia o material dos outros, batia, criticava,
provocava com frases desafiadoras, xingava etc. E, sempre que ela apontava as inadequações
dele nas situações, ele negava o que tinha feito, culpando os amigos, tentando, assim, se
esquivar das conseqüências aversivas da professora. A partir dos dados da professora, a
terapeuta optou por criar uma situação lúdica na clinica, com função análoga à descrita pela
professora, com o objetivo de evocar os comportamentos de Pedro e, desta forma, lidar
diretamente com a sua ocorrência na sessão.
Kohlenberg e Tsai (2001) propuseram que os comportamentos clinicamente
relevantes, tanto aqueles que o terapeuta deseja fortalecer, como aqueles que deseja
enfraquecer, quando ocorrem na sessão, devem ser diretamente conseqüenciados pelo
terapeuta. O manejo das conseqüências, diretamente contingente ao comportamento
observado, aumenta o grau de eficiência do processo terapêutico. Por acreditar que a
terapia envolve tanto o controle do comportamento por regras, como pelas conseqüências
diretas que determinado comportamento produz, o terapeuta pode planejar condições que
propiciem o aparecimento, na sua presença, dos comportamentos clinicamente relevantes;
não, simplesmente, esperar que ocorram. No processo terapêutico desenvolvido com Pedro,
a terapeuta esteve atenta para criar ou aproveitar os comportamentos emitidos em sua
presença para conseqüênciá-los diretamente. Segue-se um exemplo representativo.
Nas sessões foram utilizados bichos de pelúcia que - sob controle da terapeuta -
interagiam entre si como Pedro e seus colegas na escola. A terapeuta descrevia uma
situação ocorrida na escola, tendo os bichos espalhados pelo chão da sala de atendimento
como personagens (“Sumiu a lapiseira de um bicho. Foi um bicho que pegou e se recusa
a entregá-la. Mesmo pressionado pelos demais bichos, ele diz que não foi ele quem
pegou"). Nas primeiras vezes, a descrição era completa; aos poucos, a terapeuta iniciava
o relato e o próprio cliente ia completando a narrativa (se ele propunha um enredo diferente,
a terapeuta dava dicas verbais para reconduzi-lo a um relato mais semelhante ao ocorrido
na sala de aula: "Assim fica sem graça..."; "Vamos tentar outra maneira..."). Após a narrativa,
a terapeuta solicitava que Pedro: a. escolhesse os bichos que iriam participar da história,
começando pelo bicho que daria início á confusão na sala (“Quem escondeu a lapiseira?"
"O macaco", disse ele.); b. descrevesse comportamentos e sentimentos do personagem
escolhido (“O macaco escondeu a lapiseira do elefante, quando ele foi escrever na lousa e
se divertia com a sua esperteza"); c. nomeasse comportamentos e sentimentos dos outros
bichos, em função dos comportamentos do macaco ("O elefante perguntou onde estava a
lapiseira e, como não a achou, ficou bravo e começou a chorar; a onça, com pena dele,
começou a ajudá-lo a procurar a lapiseira"); d. sugerisse para os bichos comportamentos
alternativos de enfrentamento do bicho que criou os problemas ("Ninguém mais conversa
com o macaco"); e. nomeasse os sentimentos que os comportamentos dos bichos
produziam no macaco ("O macaco ficou sozinho num galho da árvore, muito triste"); f.
propusesse para o personagem escolhido algum comportamento de reparação ("O macaco
resolveu pedir desculpas para os bichos, entregou a lapiseira, contou para a professora o

464 l\iliía ,t 1’ l.u/O!) Q ucnu/ 1 I léllo losé C/uill>.udi


que tinha feito e que estava triste por perder os amigos"). Cada etapa do procedimento era
verbalizada, ao mesmo tempo que o cliente e a terapeuta movimentavam os bichos,
encenando a narrativa. Sempre que necessário, a terapeuta fazia perguntas para evocar
verbalizações ou lhe dava modelos do que dizer. O tempo todo ia reforçando diferencialmente,
com reforços generalizados, as respostas desejáveis do cliente (no caso, relatos que
mais se assemelhavam com o ocorrido em classe, discriminação dos prováveis sentimentos
que seu comportamento despertava nos outros, comportamentos de reparação eficazes
etc.)
Outros exemplos desse tipo de intervenção terapêutica
T: Hoje na nossa turma da escola, vai acontecer o seguinte: É aula de Educação
Fisica e dois times vão jogar. Na hora de separar os times, algum bichinho vai
chamar o outro de "ruim". Quem vai escolher o time?
C: O pandinha e o gambá. Eu sou o gambá.
T: Cada um escolhe um. Quem você quer, gambá?
C: Eu quero a onça.
T: Eu quero o leão porque ele ó bom. (Modelo de valorização do outro.)
C: Eu quero o tigre que ó forte. (Imita aT.)
C: Eu não quero o elefante porque ele é ruim.
T: Como você se sente, gambá, falando assim? (SD para C discriminar o próprio
sentimento.)
C: É verdade. Eu não quero ele. (Descreve possíveis sentimentos.)
T: Olha lá, o que acontece com o elefante? (SD para C discriminar o comportamento
do outro.)
C: Ele está chorando. (Observa o comportamento do outro.)
T: Então, o que ele deve ter sentido com o que você falou, gambá? (SD para
discriminar o sentimento do outro.)
C: Ele ficou triste. (Infere o possível sentimento do outro.)
T: O que você acha que os outros acharam do que o gambá fez? (SDpara observar
o comportamento dos outros bichos.)
C: "Nós não achamos isso certo" (verbaliza, segurando o leão e a onça nas mãos).
“Coitado do elefante.” (Houve uma conseqüência sobre o comportamento do
gambá.)
T: Ih, agora? Como você está se sentindo, gambá? (SD para discriminar seus
sentimentos na nova situação.)
C: Eu fiquei chateado e com vergonha. (Descreve possíveis sentimentos.)
T: Gambá, o que você pode fazer para resolver isso? (SDpara emissão de novos
comportamentos de reparação.)
C: Eu posso pedir desculpas para o elefante. (Emite uma resposta alternativa.)

Sobre ComporlrtmeHlo c CoftnivJo 465


T: É, essa ó uma boa idéia. E se vocô também chamasse ele para o seu time?
(Conseqüencia a resposta adequada de Ce sugere comportamentos alternativos,
aumentando o repertório de C.)
C: É, acho que ele vai gostar.
T: E vocô? (SDparaauto-observaçâo.)
C: Quero que o elefante jogue. Eu gosto dele. (Descreve possfveis auto-
observações.)
Foram criadas várias outras situações com os bichos. Assim, um time ganhava
de outro; um bicho batia no outro; um bicho quebrava as coisas do outro etc.
No início dessas situações o cliente, através do bicho, negava que ele tivesse
feito qualquer coisa errada, sempre eram os outros, do mesmo modo que ocorria na
escola. Então, a terapeuta criava situações nas quais um bicho (que representava a
professora) dizia que sabia que era ele sim quem havia emitido o comportamento
inadequado, evitando dessa maneira a resposta de fuga-esquiva. No entanto, não bastava
apenas bloquear a esquiva do cliente, mas também desenvolver um repertório alternativo
adequado. Para isso, a terapeuta dava modelos do que poderia ser feito para se desculpar
com os bichos. O cliente emitia as respostas alternativas e a terapeuta, através dos
bichos, o elogiava por estar assumindo o erro e se desculpando com os demais. Aos
poucos, as fugas-esquivas foram desaparecendo e o cliente imediatamente admitia seus
comportamentos inadequados e apresentava as alternativas de reparação. Numa das
atividades de educação física, a terapeuta e cliente jogavam futebol com os bichos. A
terapeuta parou e disse: "Vou respirar um pouco, estou cansada!". O cliente se aproximou,
abraçou-a e disse: “Nós estamos tão cansados, nó?" A terapeuta falou: "Nossa, que
abraço gostoso!" E ele a apertou mais.
O procedimento seguinte foi levá-lo para brincar com duas cachorras (Dita e Benê).
O procedimento avançou uma etapa (fading in) em direção ao controle de estímulo, sob o
qual se espera que venham a ocorrer os comportamentos de interação social adequada,
que estão sendo instalados. Na primeira etapa, os comportamentos sociais deveriam ser
emitidos diante dos bichos de pelúcia; nesta segunda etapa, diante de animais reais; ató,
finalmente, virem a ocorrer sob controle da presença de pessoas.
A situação terapêutica se transferiu para o ambiente natural, onde viviam as
cachorras, numa casa próxima à clínica (residência de dois outros profissionais do Instituto).
Pedro, no início, brincava livremente com as cachorras no quintal da casa delas. Numa
das brincadeiras, ele jogava uma bolinha para que fossem buscá-la e a trouxessem para
ele. A Dita apresentou um padrão de comportamento interessante: ela trazia a bolinha,
mas não a soltava, exigia algum esforço de Pedro. A terapeuta pediu a ele que descrevesse
o que estava acontecendo entre ele e a Dita. Ele relatou a cena de tentar tirar a bola da
boca da cachorra e completou: "Estou percebendo que a Dita é egoísta como eu." Essa
frase foi surpreendente, pois pela primeira vez o cliente falava sobre uma dificuldade sua.
A terapeuta, entào, prosseguiu o diálogo:
T; Por que você está percebendo que ela é egoísta como você? (SDpara C descrever
o comportamento da Dita.)
C: Ah, ela não gosta de dividir o brinquedo dela: eu puxo pra brincar e ela não dá.
(Descreve a situação.)

466 Ptilrfda l\ i/ / o n G uciro/ & H élio Josó C/uilli.mli


T: Então, é uma emoção negativa. Você tem ou não tem uma razão pra sentir
isso? Você tem; você quis brincar com ela e ela não quis e por isso você pode
estar sentindo ódio, raiva e não ter gostado dela. Uma emoção negativa não significa
que é ruim. Pode ser uma reação normal, diante da situação que provoca essa
reação.
C: É.
T: E positiva?
C: Positiva é quando faz alguma coisa que eu gosto.
T: Ah, então o que a Benê fez pra você?
C: Ela me lambeu.

Carta escrita pelo cliente para W (dono das cachorras):

“ l/V, gostamos muito da Benê.


E também da Dita.
Senti uma emoção positiva e a Dita ficou com suimes da Benê
porque eu fiz mas carinho na Benê do que na Dita.
E fiquei com ódio quando tive que puxar a bola da boca dela e eu
lembro que eu era egoísta que nem ela quando não gosto de emprestar
meus brinquedos. Eu fiquei maguado quando percebi que ela não queria me
dar a bolinha." (sic).
Pedro
(Pedro também desenhou as duas cachorras conversando, focinho com focinho:
"Au, Au, Au" “Ua, Ua, Ua.H)
Neste procedimento, a terapeuta procurou auxiliar o cliente a discriminar seus
sentimentos pelas cachorras e admitiu que as cachorras poderiam ter sentimentos
(humanos) por ele, pois o objetivo terapêutico era levá-lo a discriminar que o outro emite
comportamentos e tem sentimentos em relação a ele, e que tais comportamentos e
sentimentos são fortemente influenciados pelo que ele faz com o outro. A terapeuta tinha
também o objetivo de levá-lo a emitir tatos adequados dos seus comportamentos e
sentimentos, bem como tatos sobre os comportamentos das cachorras e (por
generalização) sobre os ‘‘sentimentos" delas, sem criar uma categorização de “certo -
errado". A terapeuta, enquanto comunidade verbal, modelou a nomeação de sentimentos
e a descrição dos comportamentos. A terapeuta, inicialmente, optou por não punir a
nomeação do cliente do sentimento de “ódio" (à primeira vista, exagerado para a situação
vivenciada): era desejável que o comportamento de relatar seus sentimentos estivesse
fortalecido, para então ser conseqüenciado diferencialmente.
Outro exemplo mostrou a atuação da terapeuta para levá-lo ás discriminações e
descrições dos comportamentos e sentimentos.

468 Palrkiu Pi.i//on Queiroz & I Ic lio )osé C /uiIIm kIi


C: A Benê não pára de me lamber.
T: O que você acha que a Benê sente por você?
C: Acho que ela gosta porque ela não pára de me lamber.
T: Eu também acho que ela gosta de você. E a Dita.
C: Ah eu acho que ela gosta tambóm.
T. Como você percebe que ela gosta de você?
C: Ah, ela não pára de mexer o rabo e quando a raça canina mexe o rabo é um
jeito de mostrar que eles gostam; e ela pula.
T: E quando a gente chega, o que ela faz quando escuta nossa voz no portão?
C: Ah, ela fica pulando, pulando e quando a gente entra, ela fica correndo.
T: Ah, e o que ó isso?
C: Alegria.
T: Então a Dita fica alegre quando a gente chega?

Exemplo de repertório de fuga diante de uma possivei punição.


Numa das sessões, G, dona das cachorras estava presente. Ele arremessou a bolinha,
que caiu no quintal do vizinho. Ele ficou rígido e rapidamente disse para ela: "Isso já aconteceu
antes. A gente fala com a vizinha e ela devolve.” A terapeuta disse que da outra vez eles tinham
conseguido, porém não sabia se dessa vez iriam ter o mesmo sucesso. O cliente insistiu em
dizer para G que encontrariam a bola. A terapeuta discriminou que o cliente estava numa
situação aversiva e “garantir" que achariam a bola era um comportamento de fuga-esquiva dele
para evitar possível punição de G. A terapeuta não fez nenhum comentário e deixou que as
conseqüências naturais assumissem o controle. A terapeuta e o cliente foram buscara bola e
a encontraram. Porém, logo depois, o cliente jogou a bola no outro vizinho. Mais uma vez ele
se justificou para Ge foi buscar a bola. Entretanto, na outra casa ela não foi encontrada. O
cliente ficou bastante agitado. A terapeuta falou que não havia problema, que poderiam comprar
outra bola. Solicitou, porém, que ele fosse falar com G sobre isso (a terapeuta impediu o
comportamento de fuga-esquiva e deu instrução para ele emitir um comportamento com alta
probabilidade de ser conseqüenciado positivamente). A tensão do cliente aumentou, ele falou,
já se justificando, que traria outra bola no mesmo dia. A terapeuta o corrigiu, dizendo que
trariam a bola "assim que possível". Saindo de lá, houve o seguinte diálogo:
T: Diga uma coisa, o que você sentiu quando eu falei que você ia ter que contar
para a Gque perdeu a bolinha. (SDpara discriminar e relatar seu sentimento.)
C: Medo.
T: Ah, eu também observei que você ficou meio assustado; mas, medo do quê?
(SD para identificara conseqüência aversiva.)
C: De levar bronca.
T: Ah, e em que outras horas você também sentiu medo?...(pausa) E, a hora que
você jogou a bolinha no vizinho? (SDpara discriminar e relatar comportamento
que considera inadequado e que pode produzir conseqüência aversiva.)

Sobre Compoildmcnlo e L'o#niviU> 469


C: Ah, ó, eu também senti medo.
T: Qual foi a reaçào da mãe da Dita quando vocô falou que fez uma coisa errada?
(SDpara discriminara conseqüência real.)
C: Ela até riu e me abraçou.
T: Quando a gente tem medo, é porque alguma coisa de ruim pode acontecer. E
aconteceu? (SD para discriminar que as conseqüências nem sempre sâo as
mesmas.)
C: É, as vezes não acontece, nó? Mas nem sempre... (SDpara a Tdas contingências
em que ele está inserido.)
T: É, nem sempre. Vocô tem toda razão. Quando acontece?
C: Com a minha mãe, né.

A terapeuta, novamente, solicitou que Pedro escrevesse uma carta para W.

Carta escrita pelo cliente para W.

" W, conhecemos a mãe da Dita e da Benê. Estava brincando quando


derrepente eu joguei a bola com muita forssa e caiu no visinho senti medo de
levar bronca, da mãe da Dita e da Benê da primera ves agente achou a bola
mas na Segunda a bola ecalho no telhado senti mais medo de contá pra ela
que perdi a bola. Mas não levei broca nenhuma ves mas tem gente que da
bronca como minha mae voce pode melhorar essa parte da minha mae?" (sic).
Pedro.

Numa outra sessão, o cliente “fingia" que jogava futebol fazendo os movimentos
de chute, embaixada etc. A terapeuta perguntou:
T: O que você está fazendo?
C: Estou fingindo que estou jogando futebol. Na verdade, Pati, só assim eu sou
bom. (deu uma risadinha). A terapeuta o abraçou.
Nessa situação, o cliente descreveu, adequadamente, seus comportamentos:
estando consciente de seu déficit de repertório (enquanto jogador) e generalizou o repertório
de relatar suas dificuldades. Mereceu o abraço.
Durante essa fase da terapia, a mãe do cliente estava morando com uma tia para
se tratar do uma crise depressiva. Não telefonava para o filho, nem se preocupava com ele.
O cliente ficou na sua casa sozinho com a babá, que solicitou a ajuda da terapeuta para
conversar com a irmã da mãe: precisava que esta assumisse os cuidados com o sobrinho
e a casa dele. A relação entre as irmãs era delicada (a mãe não aceitava a interferência da
irmã em sua vida); porém, diante da situação, a tia assumiu alguns cuidados com o
menino: levava-o para a terapia, matriculou-o na natação, fazia supermercado, pagava
algumas contas. Enquanto a mãe esteve ausente de casa, a terapeuta permitiu que Pedro

470 Pulriiia Piu/zon Q u c iio / i I lélio Josò C /u íIIk ih Ii


ligasse para a clínica, diariamente, com o objetivo de observar suas reações na situação
e para manter uma relação que pudesse propiciar-lhe afeto. Ele nunca fez nenhum
comentário sobre a doença da mãe, nem sobre a ausência dela. A terapeuta optou por
não falar diretamente sobre o assunto naquele momento. Também, a babá, quando
necessário, falava com a terapeuta. Ela relatou que ele estava mais calmo, obediente e
(aparentemente) feliz: ria e brincava descontraidamente.
A professora procurou a terapeuta porque o cliente não tinha participado de um
estudo do meio muito importante para o encadeamento das atividades acadêmicas a ser
realizadas até o final do ano. Além de ele estar correndo o risco de reprovação, a professora
também estava preocupada porque seria mais uma situação na qual ele estaria “fora” do
grupo durante as aulas, já que estas estavam baseadas na atividade do meio. A mãe,
como não pretendia levá-lo para a atividade, simplesmente, não o autorizou a participar. A
terapeuta avaliou a relevância da atividade, solicitou a autorização da tia e realizou a
atividade com ele. Quando ele se encontrou com a terapeuta no local do estudo disse:
"Graças a Deus eu tenho uma terapeuta”, segurando forte na sua mão. Era um dia chuvoso
e cada qual estava com um guarda-chuva. O cliente comentou: "Tal terapeuta, tal cliente."
Num dos contatos com a terapeuta, o cliente estava muito chateado porque haveria
apresentação de seus trabalhos na escola e ninguém iria vê-lo. A terapeuta, junto com
ele, pensou em pessoas que ele poderia convidar, fizeram uma lista - que incluiu a terapeuta
- e foi combinado com a babá que ela e o cliente ligariam para todos. Praticamente, todos
os convidados, exceto a mãe, foram ao evento. Nesse período também foi o aniversário do
cliente. A mãe disse que iria se encontrar com ele numa lanchonete, onde iriam estar
também a babá e a avó paterna. Só foram as duas, ela não apareceu. Quando Pedro
relatou para a professora e para a terapeuta como havia sido seu aniversário, disse a elas
que a mãe esteve presente: um tato distorcido com clara função de fuga-esquiva. Ao
mesmo tempo, a babá, preocupada, comunicou a ausência da mãe. A tia, a professora e
a terapeuta decidiram, então, realizar uma festa na escola. O cliente ficou muito contente
e ajudou, ativamente, na organização da festa.
Depois de dois meses, a mãe voltou para casa e o cliente veio para a sessão no
dia seguinte: estava bastante agitado, não se mantinha em nenhuma atividade e falava
pouco. Nesse mesmo dia, a professora telefonou preocupada porque ele tinha mudado
bruscamente seus comportamentos: estava muito “ansioso”, “nervoso", "quieto". As
mesmas queixas foram feitas pela babá. A terapeuta levou o cliente a discriminar as
diferenças entre seus comportamentos e sentimentos na ausência da mãe e na presença
dela. Espontaneamente, ele relatou:
C: Quando estou comendo com ela dá tudo errado: derrubo tudo.
T: Por que você acha que fica mais estabanado quando ela está junto?
C: Eu tenho medo de levar bronca e faço tudo errado.

Um determinado dia, ao chegar na clínica, a terapeuta recebeu um recado da


secretária: "A mãe do Pedro ligou, avisando que ele não vai mais continuar a terapia e que
não é para a senhora ligar para ele."

Sobrr (.'omporldiuenlo c Cotfniyfio 471


A questão do vínculo

Um aspecto que merece especial atenção, ao se analisar o processo terapêutico


aqui descrito, ó o da comovente relação que se estabeleceu entre a terapeuta e o cliente.
Duas palavras cabem para caracterizá-la: construtiva e terna. Justifica-se um breve ensaio
sobre vinculo na relação terapêutica, do ponto de vista comportamental.
O que se chama de vinculo é uma classe de comportamentos e sentimentos e, como
tal, todos são produzidos por contingências sociais, operando na relação entre as partes
envolvidas. O vinculo não emerge espontaneamente na relação terapeuta-diente; ele é ativamente
construído. O terapeuta, enquanto não identifica as contingências das quais as dificuldades
("Os terapeutas preocupam-se tanto com o que as pessoas fazem, quanto com o que elas
sentem." Skinner, 1991 b, p, 103) (itálico dos autores) do cliente são função, encontra-se numa
situação aversiva. Detectar as contingências relevantes em operação, que vêm produzindo as
queixas ou dificuldades comportamentais do cliente: depois, alterar tais contingências, a fim
de verificar, se com tais mudanças, o comportamento de interesse muda; e, finalmente, introduzir
novas contingências aptas para instalar e manter novos padrões comportamentais e sentimentos
desejados pelo cliente, constituem três classes relevantes de comportamento de fuga-esquiva
do terapeuta. (Ao salientar que o controle que a queixa do cliente tem sobre o terapeuta
produz comportamentos de fuga-esquiva, não se exclui que os comportamentos de fuga-
esquiva venham também a produzir conseqüências reforçadoras positivas. O controle essencial,
porém, é aversivo e envolve reforçamento negativo). Desta maneira, ampla gama de
comportamentos do terapeuta é mantida por reforçamento negativo. Paralelamente, ocorrem
para o terapeuta conseqüências reforçadoras positivas, em geral reforço generalizado. Esta
rede de contingências contribui para estabelecer um bom vínculo: há no terapeuta fortalecimento
e aumento de variabilidade dos operantes da classe de "respostas de atuação clínica" e
sentimentos de alívio, bem-estar, prazer etc., padrões (tanto de comportamento, como de
sentimentos) produzidos pelas contingências de reforçamento (negativo e positivo), que estão
ocorrendo nas sessões. Quando o terapeuta apresenta um repertório de comportamentos
ineficientes para detectar o que controla as dificuldades do cliente, bem como inaptos para
alterá-las, tais comportamentos são punidos. O vínculo é ruim: há supressão de operantes da
classe de "respostas de atuação clínica", aumenta a esteriotipia comportamental, podem
surgir comportamentos punitivos em relação ao cliente e emergem alguns sentimentos de
ansiedade, frustração, agressividade etc., padrões (de comportamentos e sentimentos)
produzidos por contingências coercitivas (punição positiva ou negativa) e extinção, que estão
ocorrendo nas sessões. A mesma análise se aplica ao cliente. Quando este diz que seu
terapeuta o "entende" e o “ajuda", numa linguagem coloquial, quer dizer que o terapeuta descreve
contingências que se aplicam a sua realidade e que ele propõe contingências que instalam
comportamentos que aumentam o acesso do cliente a reforçadores positivos e que o livram de
reforçadores negativos, gerando sentimentos de bem-estar, alívio, liberdade etc. "A terapia
bem sucedida constrói comportamentos fortes removendo reforçadores negativos
desnecessários e multiplicando os positivos... as pessoas que tiveram seus comportamentos
fortalecidos dessa maneira, pode-se dizer, que vivem bem" (Skinner, 1991 b, p. 114). O vínculo
é função da habilidade do terapeuta de atuar de acordo com a concepção que “comportamentos
perturbados são causados por contingências de reforçamento perturbadoras, não por
sentimentos ou estados de mente perturbadores e nós podemos corrigir a perturbação corrigindo
as contingências" (Skinner, 1991b, p.102).
O processo pelo qual são introduzidas as contingências e a natureza das
contingências são também importantes variáveis que influenciam o vínculo. Assim, sempre

472 l\ilr k i.i Piu//on Qunru? & I lélio José C/uilh.irdi


que possível deve-se optar por técnicas de mudança gradual: "fading", modelagem, remoçáo
gradual da freqüência de reforços etc, A pessoa que tem seu comportamento reforçado
diferencialmente por aproximações sucessivas discrimina que é capaz de atuar e, como
conseqüência, que sua ação produz reforçamento positivo. Tal contingência instala e fortalece
comportamento e, ao mesmo tempo, produz sentimentos de autoconfiança. "Levam
vantagens os terapeutas que se assemelham a pessoas cujos conselhos se mostraram,
em geral, úteis. Os que não o fazem precisaram trabalhar em outras bases. Em termos
tradicionais, eles devem construir "confiança’’ ou "credibilidade”. Isso, às vezes, pode ser
feito dando-se conselhos em pequenas doses, os quais não só são fáceis de serem
seguidos como também, quase com certeza, têm conseqüências reforçadoras." (Skinner,
1991 b, p. 111-112) . O terapeuta pode manejar contingências aversivas para instalar e manter
comportamentos, mas não deve. A natureza das contingências manejadas faz a grande
diferença: “o fato importante não é sentirmo-nos livres quando somos positivamente
reforçados, mas o de que não tendemos a escapar ou contra-controlar. Sentir-se livre é um
importante sinal distintivo de um tipo de controle que se singulariza pelo fato de não
produzir contra-controle" (Skinner, 1993, p.169). A relação terapeuta-cliente demonstrará
melhor vinculo se não produzir contra-controle. E, neste tipo de relacionamento, os
comportamentos que produzem reforçadores positivos se fortalecem e, se os reforçadores
forem generalizados, de natureza social, emergem sentimentos de auto-estima. Relações
entre pessoas, caracterizadas por contingências reforçadoras positivas, além de
fortalecerem comportamentos, também favorecem a variabilidade comportamental. Pessoas
com comportamentos fortes e ampla variabilidade atuam mais eficazmente no meio:
produzem uma gama maior de conseqüências, são modificados por essas conseqüências
e possuem repertório comportamental rico para ser selecionado pelas mais favoráveis e,
ainda, variabilidade para se exporem a outras conseqüências, quando estas forem adversas.
Como resultado, surgem sentimentos de segurança, autoconfiança, proteção etc.
Finalmente, a relação terapeuta-cliente deve ser libertadora: o terapeuta deve
preparar o cliente para viver no seu mundo cotidiano, independente do terapeuta. "Aquilo
que o cliente faz na clínica não é a preocupação básica. O que lá acontece é uma preparação
para um mundo que não está sob controle do terapeuta" (Skinner, 1991 b, p. 111). O terapeuta
pode manejar nas sessões conseqüências diretamente contingentes ao comportamento
corrente ou empregar regras para influenciar o comportamento do cliente. "Existe uma
distinção útil entre conhecer por vivência e conhecer por descrição. Conhecer porque
alguma coisa que fez teve conseqüências reforçadoras é muito diferente de conhecer
porque lhe disseram o que fazer: é a diferença entre comportamento modelado pelas
contingências e comportamento governado por regras."... "No entanto, nem todo problema
pode ser resolvido mediante uma regra, sendo assim os terapeutas precisam ir um passo
à frente e ensinar seus clientes como construir suas próprias regras. Isso significa ensinar-
lhes algo sobre a análise do comportamento." (Skinner, 1991b, p. 112). O cliente, ao se
tornar capaz de descrever - a partir das interações com o terapeuta - as contingências
das quais seu comportamento e sentimento são função e, ao se tornar capaz de alterá-las
em seu beneficio, atinge um grau de conhecimento e controle a respeito do seu
comportamento, ao qual se pode chamar de auto-conhecimento. A partir dal, está preparado
para se desligar do terapeuta: o desligamento por esta via fortalece o vínculo (mais que a
permanência na sessão).
A concepção tradicional de vínculo é mentalista e propõe que ele emerge a partir
do mundo interno de uma pessoa, gerado por um eu interno, que se manifesta ou não em

Sobre Compoiliim enio c O'ottnii'<lo 473


favor do outro. Contrariamente, a concepção behaviorista propõe que o vínculo de uma
pessoa é produzido pelas contingências externas a ela oriundas do outro. Assim, pela
concepção tradicional, o vinculo depende de características e qualidades psíquicas da
pessoa, já, pela concepção behaviorista, o vínculo ó produto social das características e
qualidades das contingências em funcionamento na interação entre (duas) pessoas.

Vinculo ó o nome que se dá aos comportamentos e sentimentos que


emergem numa relação (terapêutica) entre (duas) pessoas e que são produzidos,
quase exclusivamente, por contlngôncias reforçadoras e, eventualmente, por
contingências aversivas minimas, manejadas por um em favor do outro, gerando
pouco ou nenhum comportamento de contra-controle. Os comportamentos, assim
instalados a partir do outro, produzem, principalmente, conseqüências reforçadoras,
propiciando sentimentos a elas relacionados como: bem-estar, alívio, liberdade,
segurança, etc.; eles também reduzem, ao minimo, conseqüências aversivas,
diminuindo sentimentos relacionados com contingências coercitivas como: medo,
ansiedade, culpa etc. Ambas as pessoas na interação se beneficiam pelo repertório
comportamental e pelos sentimentos produzidos pelas contingências apresentadas
pelo outro. Além disso, tal repertório comportamental deve ser forte o suficiente, a
fim de se generalizar para as relações destas pessoas com o mundo externo a elas.
Trata-se de uma relação comportamental instalada, de acordo com o terceiro nivel
de variação e seleção proposto por Skinner (1990), em que o comportamento de um
é selecionado e mantido pelas conseqüências reforçadoras que ele produz para o
outro.

REFERÊNCIAS

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Comportamento e Cogniçào, vol. 7, Santo André: ESETec.
Kohlenborg, R. J. e Tsai, M. (2001). Psicoterapia Analítica Funcional. Santo André: ESEToc.
Publicação original de 1991.

474 Piiírkw t \ u / o n Guetro/ & l lèlio lo só Qullfutuli


Skinner, B. F. (1957). Verbal Behavior. New York: Appleton Century-Crofts.
Skinner, B. F. (1980). Noncontingent Reinforcers. Em R. Epstein (Ed.). Notebooks B. F. Skinner,
p. 132, New Jersey: Prentice-Hall.
Skinner, B. F. (1980). Epiphenomenon. Em R. Epstein (Ed.). Notobooks B. F. Skinner, p. 25, Now
Jersey: Prentice-Hall.
Skinner, B. F. (1990). Can Psychology be a science of mind? American Psychologist, 45(11):
1206-1210.
Skinner, B. F. (1991a). O eu iniciador. Em B. F. Skinner, Questões Recentes na Análise
Comportamental. Campinas: Papirus. Publicação original de 1989.
Skinner, B. F. (1991b). O lado operante da terapia comportamental. Em B. F. Skinner, Questões
Recentes na Análise Comportamental. Campinas: Papirus. Publicação original de 1989.
Skinner, B. F. (1993). Sobre o Behaviorismo. São Paulo: Cultrix. Publicação original 1974.

Sobre Compoil.imcnlo c (.'o^ni^lo 475


Os volumes 7 e 8 da coleção Sobre Comportamento e
Cogniçâo organizam uma amostra extensa e representativa do
que ocorreu no IX Encontro Anual da Associação no ano 2000.

É um privilégio ter acesso à publicação do que foi apre­


sentado naquele Encontro, realmente memorável em vários
aspectos: qualidade das apresentações, diversidade dos temas
tratados, quantidade de diferentes profissionais e estudantes
que trouxeram suas contribuições, o que permitiu uma oferta de
textos diversificados quanto a temas e estilos de apresentação.

Os trabalhos conceituais, de pesquisa experimental, de


integração entre Medicina e Psicologia, de aplicação em diversos
contextos oferecem uma variedade de alternativas capaz de
atender desde as expectativas do leitor familiarizado com os
tópicos contemplados, até as daqueles que iniciam suas pri­
meiras aproximações. Ambos os volumes são essenciais para os
estudiosos da Psicologia Comportamental.

ESETec
Editores Associados

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