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Descrição de Fonte:
(página de título) Biografia de Mahommah Gardo Baquaqua, um Nativo de Zugu, no interior da África. Descrição Daquela Parte
do Mundo; Incluindo as Maneiras e Costumes dos Habitantes, as Suas Noções Religiosas, Forma de Governo, Leis, Aparência do
País, Edificações, Agricultura, Manufaturas, Pastores e Vaqueiros, Animais Domésticos, Cerimoniais de Casamento e Funerais,
Estilos de Vestimentas, Negócios e Comércio, Modos de Batalha, Sistema de Escravidão, etc, etc. O Incio da Vida de Mahommah,
a Sua Educação, a Sua Captura e Escravidão na África Ocidental e no Brasil, a Sua Fuga para os Estados Unidos, de lá para o Haiti
(para a Cidade de Porto Príncipe), a Sua Recepção Pelo Missionário Batista, Rev. W. L. Judd Ali; a Sua Conversão ao Cristianismo,
o Seu Batismo e Retorno ao Seu País, as Suas Visões, Objetivos e Meta. Escrito e Revisado a partir das Suas Próprias Palavras, por
Samuel Moore, Esq., ex-publicador da "North of England Shipping Gazette," Autor de Várias Obras Populares, e Editor do Sundry
Reform Papers
(capa) Uma Narrativa Interessante. Biografia de Mahommah Gardo Baquaqua, um Nativo de Zugu, no interior da África (Um
Convertido ao Cristianismo) Com uma Descrição Daquela Parte do Mundo; Incluindo as Maneiras e Costumes dos Habitantes, as
Suas Noções Religiosas, Forma de Governo, Leis, Aparência do País, Edificações, Agricultura, Manufaturas, Pastores e Vaqueiros,
Animais Domésticos, Cerimoniais de Casamento e Funerais, Estilos de Vestimentas, Negócios e Comércio, Modos de Batalha,
Sistema de Escravidão, etc, etc. O Incio da Vida de Mahommah, a Sua Educação, a Sua Captura e Escravidão na África Ocidental e
no Brasil, a Sua Fuga para os Estados Unidos, de lá para o Haiti (para a Cidade de Porto Príncipe), a Sua Recepção Pelo Missionário
Batista, Rev. W. L. Judd Ali; a Sua Conversão ao Cristianismo, o Seu Batismo e Retorno ao Seu País, as Suas Visões, Objetivos e
Meta. Escrito e Revisado a partir das Suas Próprias Palavras, por Samuel Moore, Esq., ex-publicador da "North of England Shipping
Gazette," Autor de Várias Obras Populares, e Editor do Sundry Reform Papers Mahommah G. Baquaqua Samuel Moore 65, [1] p.
Detroit
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Negros -- Biografia.
Escravos fugitivos -- Biografia.
Mercado escravocrata -- África.
Escravidão -- África.
Escravidão -- Brasil.
Escravos -- Biografia.
História Revisionista:
2001-10-09,
Celine Noel e Wanda Gunther
cabeçalho revisado e registro catalográfico criado para a edição eletrônica.
2001-05-04,
Natalia Smith, gerente de projeto
Finalizadora TEI e revisora final
2001-03-27, Elizabeth S.
Wright
2001-03-23,
Apex Data Services, Inc.
concluiu o escaneamento (OCR) e a revisão final do texto.
[Imagem de Capa]
BIOGRAFIA
DE
MAHOMMAH G. BAQUAQUA,
INCLUINDO AS
Maneiras e Costumes dos Habitantes,
DETROIT
Verso da página
DE
CAPÍTULO 1
O sujeito desta memória nasceu na cidade de Zugu, na África Central, cujo rei era
vassalo do rei de Bergu. A sua idade não é conhecida com exatidão, já que os
africanos têm, em geral, um modo diferente de dividir o tempo e calcular a idade, mas
se supõe que ele tenha cerca de 30 anos de idade, pela lembrança de certos eventos
que ocorreram, e a partir do conhecimento que ele adquiriu dos números, nos últimos
tempos. Porém, como isto não é uma questão muito importante na sua história,
deixamo-la aqui na sua própria obscuridade sem crermos, nem por um momento
sequer, terá o seu interesse diminuído por causa da falta deste número específico.
Ele afirma que os seus pais eram de países diferentes, o seu pai um nativo de
Bergu (de origem árabe) e de pele não muito escura. A sua mãe era uma nativa de
Kashna e de pele muito escura, era completamente negra. Os costumes do seu pai
eram rígidos e quietos; a sua religião, o Maometanismo.
Uma vez por ano é feito um grande jejum, que dura um mês, durante este tempo
não se come nada durante o dia, mas à noite, depois da realização de algumas
cerimônias, é permitido comer; depois de se comer, a adoração é permitida nas suas
próprias casas e, então, assembleias para culto público são feitas. O lugar de
adoração era um pátio amplo e agradável pertencente ao meu avô, o meu tio era o
sacerdote oficiante. As pessoas mais velhas se colocam em fileiras com o sacerdote de
pé diante delas, os mais velhos próximos a ele, e assim por diante, organizando-se em
ordem, de acordo com a idade.
O Governo na África
Os soldados são uma classe privilegiada, e o que quer que precisem, seja na
aldeia ou na cidade, eles tem a permissão de levar, e não há reparação nenhuma, de
nenhuma queixa feita contra eles. Se um escravo fica insatisfeito, ele deixa o seu
senhor e vai até o rei, e se torna um soldado e, desse modo, obtém a sua liberdade
do seu senhor. Nenhuma "lei do escravo fugitivo" poderá apanhá-lo. Estas são
algumas das principais questões que são trazidas diante do rei para harmonização,
as quais ele resolve, segundo as leis da terra.
CAPÍTULO 3
A cidade de Zugu fica no meio de uma região mui fértil e aprazível; o clima,
embora excessivamente quente, é bastante saudável. Há colinas e montanhas,
planícies e vales, e a água há em fartura. A cerca de um quilômetro e meio da cidade
existe um riacho, tão branco quanto o leite e de águas bem frescas, e não longe dali
existe uma fonte de água muito fresca, também muito branca. Os moradores
costumam ir da cidade para lá atrás de água.
Ela não fica no meio do deserto, como supõem alguns, mas existem algumas
planícies bastante extensas, cobertas com um capim grosso e muito alto que é usado
pelas pessoas para cobrir as suas casas, segundo o costume de se cobrir as casas com
palha. Nestas planícies não há muitas árvores, mas as que existem são de grande
porte. E aqui também, vagueiam o elefante, o leão e outros animais selvagens,
comuns à zona tórrida. Existem dois tipos de elefantes, um muito grande, chamado
Yah-quin-ta-ca-ri, o outro pequeno, chamado Yah-quin-ta-cha-na. Os dentes dos
elefantes estão espalhados em fartura ao longo de todas as planícies, e podem ser
recolhidos em qualquer quantidade. Os nativos usam os dentes paa fazer
instrumentos musicais, os quais eles chamam de Ka-fa.
A seguinte descrição de uma das habitações dará uma ideia bastante exata
acerca da generalidade das casas da cidade. Uma moradia é composta por um
número de cômodos separados construídos em um círcul o, com um certo espaço
entre eles; na parte interna do círculo exterior existe outro círculo de cômodos, de
acordo com o tamanho da família que os ocupa. Estes cômodos são todos ligados por
uma parede; existe uma entrada grande ou principal na frente das outras, na qual se
recebe visita. Cada família é rodeada por sua própria moradia, de modo que quando
eles estão em qualquer compartimento, eles não conseguem enxergar nenhuma outra
moradia, nem qualquer outra pessoa andando para lá ou para cá. Em consequência
desta forma de construção, a cidade ocupa um espaço muito grande no terreno.
Existe uma vigilância regularmente designada para a cidade, que é paga pelo
rei, ele também atua como o Principal Magistrado sobre a guarda que faz a vigília.
CAPÍTULO 4
As mulheres fiam por meio de um processo muito lento, tendo que retorcer o fio
com os seus dedos; os homens fazem a trama; eles entrelaçam o tecido em tiras finas
e, depois, costuram-nas umas às outras. As mulheres também moem o milho. O
processo de moagem é este: Eles tomam uma grande pedra e a fixam no solo, então,
tomam uma pedra menor preparada, de modo que ela possa ser facilmente
manuseada; ela é perfurada em um dos lados tal como as nossas pedras de moer; as
mulheres, então, colocam os grãos, ou qualquer coisa que queiram moer, sobre a
pedra maior, pegam a outra e esfregam o grão até que ele fique fino; se eles desejam
torná-lo muito fino, elas tomam outra pedra preparada para o propósito, e por
trabalho paciente elas conseguem torná-lo tão fino quanto a mais fina das farinhas
americanas. Elas moem inhames secos ao socá-los em um pilão junto com um tipo
fine de grão chamado Har-ni, que já mencionamos, misturados; desta mistura elas
fazem uma espécie de pudim grosso, e comem com molo de carne feito com verduras
e uma variedade de vegetais, temperados com pimenta e cebolas. Nenhum tipo de
comida é consumido sem as cebolas.
CAPÍTULO 5
Grande respeito é prestado aos idosos; eles jamais usam o prefixo "senhor" ou
"senhora," mas sempre algum termo carinhoso, tal como, quando falam com uma
pessoa idosa, eles dizem Pai ou Mãe, e a um igual eles chamam de "irmão" ou "irmã".
As crianças são criadas para serem obedientes e educadas; elas nunca têm permissão
para contradizer, ou se assentar na presença de uma pessoa idosa, e quando eles
veem uma pessoa mais velha chegando elas, imediantamente, descobrem-se e, se
estão usando calçados nos pés, elas imediatamente os removem. Elas curvam os
joelhos diante dos idosos, e os idosos, por sua vez, curvam os seus joelhos diante
deles, e pedem que eles prontamente se ergam; e, em todos os aspectos uma
deferência é prestada à idade. O melhor assento é reservado a eles e, nos lugares de
adoração, o lugar próximo ao sacerdote é reservado a eles. Estes fatos não
envergonhariam os modos dos filhos dese país em relação aos idosos? Como é
doloroso testemunhar o desrespeito demonstrado para com as pessoas mais velhas
pela geração em formação neste país e, em muitos casos, até mesmo do
comportamento vergonhoso dos filhos diante dos próprios pais, tudo isso sem um
único sinal de censura ou repreensão!
O leitor perdoará esta digressão; ela foi feita com o objetivo de chamar a
atenção, de forma mais contundente, para o tema, por ser ele de vital importância
para o bem-estar de qualquer comunidade, para que os jovens sejam
adequadamente preparados "no caminho em que devem seguir," para que quando
crescerem eles "dele não se desviem". E se este contraste do comportamento das
crianças africanas pobres, com o daquelas da nossa própria nação iluminada puder
ser o meio de, pelo menos, um passo na marcha pela melhoria e pela reforma neste
respeito, o compilador destas páginas se sentirá amplamente recompensado pelo
pequeno esforço feito nestas poucas linhas adicionais. Esta é uma boa, talvez uma
das melhores características da África; outra é a lei da gentileza, a qual em todos os
lugares prevalece nas relações mútuas entre as pessoas da mesma classe; tudo o que
a pessoa possui, ela divide graciosamente com o seu próximo, e ninguém jamais
entra em uma casa sem ser convidado para comer.
Porém, assim como nos países mais civilizados: se uma pessoa se eleva à riqueza
e honra, ela certamente será invejada, se não for odiada; eles não gostam de ver um
dentre os seus se elevar acima deles. Uma pessoa que sempre foi rica é tida em mais
alta estima. Isto parece ser muito bem o caso em todas as partes do mundo, vá você
onde desejar, semelhanças parecem produzir (em casos com este) semelhanças.
Observamos exatamente a mesma coisa manifesta entre nós todos os dias das nossas
vidas, bem aqui no nosso meio, de modo que não parece que estamos muito distantes
do african obscurecido, com toda a nossa sabedoria e ciência, com todas as nossas
instituições vangloriosas; verdadeiramente o mundo inteiro é um composto estranho
de "preto, branco e cinza, e os caminhos de toda a humanidade são, de todo modo,
turtuosos".
CAPÍTULO 6
Quando um moço deseja se casar, ele escolhe um fruto predileto chamado Gan-
ran, e o envia por intermédio da sua irmã, ou alguma amiga, para a moça escolhida;
se o fruto for aceito, ele entende que ele será favoravelmente recebido, e permanece
em casa por cerca de uma semana antes de fazer outra visita. Depois de passado um
certo tempo visitando e recebendo visitas, os preparativos são feitos para a cerimônia
de casamento. Eles não marcam uma data específica, nem uma cerimônia de
casamento na casa do pai da noiva, mas ela fica sem saber a data; os preparativos
são feitos pelo noivo e pelos seus pais. Na data marcada, o noivo envia um número de
moços para a casa do pai dela à noite; eles ficam do lado de fora bem quietos e
enviam uma criança para dentro da casa para dizê-la que uma pessoa deseja falar
com ela. Ela vai até a porta e é, imediatamente, cercada e levada para fora pelos
moços, até um lugar chamado Nya-wa-qua-fu, onde ela é mantida durante seis dias;
durante este tempo ela permanece com véu e tem um número de outras moças
amigas ao seu lado, que passam tempo com ela brincando e se divertindo. O noivo,
neste ínterim, confina-se em casa e é atendido pelos seus amigos moços, que também
passam o seu tempo em festejos e celebrações até o sétimo dia.
Enquanto eles estão assim confinados, um convite geral é feito aos amigos das
duas partes. O convite é feito dessa forma: Comunica-se que My-ach-i e Ah-di-za-in-
qua-hu-nu-yo-haw-cu-ná --, o que significa que "o noivo e a noiva estão saindo [do
confinamento] hoje. Todos se encontram em algum lugar conveniente designado
para este propósito. Os amigos do noivo o conduzem até lá, e as amigas da noiva a
conduzem também; tanto a noiva como o noivo têm as suas cabeças cobertas com
panos brancos. Um tapete é preparado para que eles fiquem sentados; os amigos
chegam e saúdam o noivo, ao mesmo tempo em que lhe entregam um pouco de
dinheiro. O dinheiro é, então, colocado diante do casal que é, assim, considerado
marido e mulher. O dinheiro é, de modo semelhante, espalhado diante do rei dos
atabaques e seus companheiros; também para que as crianças do povo em geral
possa apanhá-lo. Depos disso, eles são conduzidos para a casa do noivo. As
cerimônias são, assim, encerradas. Caberia afirmar que o favor do pai da moça é
obtido por meio de presentes.
1
Dez ou doze pés, considerando-se cada pé como sendo de 12 polegadas ou 0,3048 m. (N. do T.)
Grandes lamentações são feitas pelos mortos, por choros e prantos e altos e
amargos, que perduram por seis dias. Os amigos do falecido se trancam por este
período de tempo, fazendo reuniões de oração toda noite. No sétimo dia, uma
grande festa é feita e o tempo de lamúrias termina, quando a família aparece de
forma normal.
Quando eles supõem que uma pessoa está enfeitiçada, eles consultam o seu
astrólogo, que consulta as estrelas, que, dessa forma, descobre a suposta bruxa, a
qual, geralmente, vem a ser uma pobre velha caduca, a qual eles tomam e levam à
morte. Esta prática parece ser muito similar ao que era anteriormente praticado nos
estados da costa leste [dos Estados Unidos], na maior parte da velha Inglaterra e, na
verdade, ao longo de toda a Europa em geral "em dias que se foram". Na verdade, em
muitas partes da velha Inglaterra, em pequenas vilas e aldeias isoladas, o mesmo é
feito ainda nos dias de hoje. Obviamente, todas estas noções têm a sua origem na
mais grosseira ignorância, daí a necessidade de se educar as massas dos povos em
todas as partes do mundo.
Eles têm noções estranhas sobre o homem branco. As suas noções a respeito
deles são muito vagas e sonhadoras. Eles supõem que eles vivem no oceano e que
quando o sol se põe, ele aquece a água, de forma que o povo branco cozinha a sua
comida com ela. Eles consideram o povo branco superior a eles mesmos em todos os
aspectos, e temem confeccionar agulhas, pois imaginam que o homem branco tem a
capacidade de olhar através de um instrumento e observar tudo o que está
acontecendo; e eles acreditam que o homem branco fica muito irado com eles
quando eles confeccionam agulhas; eles temem muitíssimo ocupar-se dessa forma, e
não gostariam de ser vistos nem pelo homem branco nestas horas, e se pudessem
evitar, nem pelo mundo inteiro. Quando eles estão ocupados confeccionando agulhas
eles, obviamente, imaginam que estão sendo observados; isto, é claro, surge da
crença de que estão engajados em uma atividade errada, e o mesmo se dá com todo
o resto da raça humana, quando um suposto erro está sendo perpetrado, o temor
toma conta da mente. Isto não passa de coisa natural para toda a humanidade; eles
imaginam que, por causa da confecção das agulhas, os brancos têm o poder de lhes
seguirem com os olhos. Em razão da predominância de tais noções, obviamente, as
agulhas não são feitas em grande quantidade, porém, alguns são achados corajosos e
persistentes o suficiente para confecioná-las. De onde estas noções surgiram, não
sabemos explicar muito bem, porém o instrumento que a tudo vê, sem dúvida é o
nosso telescópio, o qual, em algum momento ou outro foi exibido, provavelmente por
marinheiros, que viajaram por algumas partes da África, e a história circulou pelos
caixeiros-viajantes da tribo de cor negra.
Quando um rei morre, não existe um sucessor regular, mas surgem muitos rivais
para o reino, e aquele que consegue alcançar este objetivo pelo poder, torna-se o rei
sucessor, assim a guerra resolve a questão.
Esta desgraça, com muita frequência, é consequência da guerra, onde quer que
ela seja praticada, não somente na África, mas em todas as partes onde o conflito
sangrento é deflagrado. Quando o Evangelho, com as suas belas verdades, for
plenamente compreendido e apreciado pelo povo em geral, a paz e o bem reinarão
supremos e as "guerras e os rumores de guerras," cessarão para sempre.
A família consistia de dois filhos e três filhas, além de gêmeos que morreram na
infância. Os africanos são muito supersticiosos com gêmeos; eles imaginam que todos
os gêmeos são mais inteligentes que todos os outros filhos, e também com relação ao
filho que nasce depois dos gêmeos. Eles são considerados conhecedores de quase
tudo, e são tidos em alta estima. Se os gêmeos sobrevivem, uma imagem deles é feita
a partir de uma madeira específica, uma de cada um deles, e eles são ensinados a dar
comida para elas, ou ofertar comida toda vez que têm alimento; se eles morrem, o
filho que nasceu depois deles passa a tomar conta da imagem feita deles, e é sua
obrigação alimentá-las, ou ofertar comida para elas. Mahommah era o filho que
nasceu depois dos gêmeos, e estas pequenas obrigações ele executava com fidelidade.
Supunha-se que as imagens os guardavam do mal e os protegiam na guerra. Ele era,
consequentemente, altamente estimado por conta do seu nascimento; supunha-se
que ele jamais dissera nada errado, e tudo o que ele desejava era feito para ele no
instante. Esta, sem dúvida, era a razão porque a sua mãe o amava tão
afetuosamente, e era a causa da sua imprudência juvenil. Eles jamais o barraram ou o
controlaram, a sua mãe era a única pessoa que ousava confrontá-lo; o seu amor pela
sua mãe era muitissimo grande. O seu tio era um homem muito rico, ele era ferreiro
do rei, e desejava que Mahommah aprendesse aquele ofício, mas o seu pai o destinou
para a mesquita, na intenção de criá-lo com um dos fieis seguidores do profeta. Com
este propósito ele foi enviado à escola, mas por não gostar muito da escola, ele foi
morar com o seu tio e aprendeu a arte de fazer agulhas, facas e toda a sorte destas
coisas. O seu pai, mais tarde, voltou a colocá-lo na escola, mas ele logo fugiu de lá; ele
não gostava da restrição que o seu irmão (o professor) impunha sobre ele. O seu
irmão era um leal maometano e bem instruído na língua árabe.
Mahommah não progredia muito bem no aprendizado, tendo um receio natural
a ele. A forma de ensino é bem diferente de outros países: os africanos não possuem
livros, nem papeis, mas um quadro chamado Wal-la, no qual é escrita uma lição que o
aluno deve aprender a ler e escrever antes de outra ser passada; quando essa lição é
aprendida, o quadro é apagado e uma nova lição é escrita.
O tio de Mahommah tinha propriedade em Sal-gar, para onde ele seguia para
comprar ouro, prata, bronze e ferro para os propósitos do seu negócio. O ouro e a
prata ele transformava em braceletes, para os braços, e brincos e anéis: os africanos
são muito afeitos a este tipo de ornamento.
Enquanto o seu tio estava em Sal-gar para negócios, ele morreu, e deixou a sua
propriedade para a mãe de Mahommah. Ele, então, trabalhou por um curto período
com outro parente.
É trabalho árduo a manufatura de implementos e ferramentas agrícolas.
Maquinário é muitíssimo necessário na África, a falta dele é uma grande
desvantagem para as manufaturas daquela região. O ferro é de primeira qualidade,
muitissimo superior ao ferro da América. O ferro, o cobre e o bronze são
transformados em anéis, que são usados como ornamentos nos tornozelos e braços.
O irmão de Mahommah era uma espécie de sortista que, quando o rei estava
prestes a sair para a guerra, era consultado por ele, para saber se a questão da
guerra seria a seu favor ou não; isto era feito por sinais e figuras feitas na areia, e
tudo o que ele predizia era totalmente crido como algo que ocorreria, de modo que
pelo seu próprio poder misterioso ele era capaz, tanto de fazer com que o rei fosse à
guerra, quanto de colocar um fim à questão.
Ele, certa vez, foi a Bergu, que ficava a leste de nós, a uma certa distância, onde
permaneceu por dois anos. Uma grande guerra foi travada durante aquele tempo e
ele foi tomado como prisioneiro, mas foi liberto pela sua mãe, a qual pagou uma
redenção, quando ele retornou de volta para casa. Ele, então, foi para Da-boy-ya, que
ficava bem longe, na direção sudoeste de Zugu, do outro lado de um rio muito grande.
Naquele lugar, uma grande quantidade de artigos de manufatura europeia poderiam
ser encontrados, tais como garrafas de vidro, copos, pentes, calicôs, etc., porém as
construções eram, na sua maioria, semelhantes às de Zugu, mas a cidade não era
rodeada por muralhas, como esta última. Aqui também o rei estava em guerra e
convidou o meu irmão. A causa dessa guerra era que o rei havia morrido, e uma
disputa havia surgido (como costuma ser o caso) entre dois irmãos, [sobre] qual
deveria ser o rei; eles adotaram tais meios para dedicir quem deveria suceder, e
aquele que conseguisse reunir as maiores forças seria o sucessor. O candidado mal-
sucedido se colocaria dabaixo da proteção de um rei vizinho, até que conseguisse
reunir forças suficientes para poder vir exitosamente à guerra e, desse modo, arrancar
o reino do seu irmão.
Enquanto viajava pelo bosque, nós encontramos o meu irmão, mas nenhum de
nós falou ou pareceu conhecer um ao outro; ele se virou para outro caminho sem
levantar qualquer suspeita; e, então, seguiu para um lugar e conseguiu uma pessoa
para me comprar. Caso se soubesse quem ele era, eles teriam insistido num grande
preço pela minha redenção, mas foi necessária somente uma pequena soma para a
minha soltura. Deveria ser mencionado que a cidade foi destruída, as mulheres e
crianças expulsas. - Quando as guerras irrompem subitamente, as mulheres e crianças
não têm meios de escapar, mas são tomadas como prisioneiras e vendidas à
escravidão.
Depois da minha compra e soltura, o meu irmão me enviou de volta para casa
com alguns amigos, na minha volta para casa, eu fiz uma vista ao nosso rei. Ele era
parente da minha mãe. Alguns dias depois, enquanto estava em casa, o rei mandou
me chamar e disse que queria que eu morasse sempre com ele, assim, eu permaneci
na sua casa, e ele me designou como um Che-re-coo, isto é, uma espécie de guarda-
costas do rei. Eu era somente o terceiro a partir do rei, Ma-ga-zee e Wa-roo, estando
somente os dois acima de mim em patente, depois do próprio rei. Ma-ga-zee era um
homem velho, e Wa-roo, um jovem. Eu ficava com o rei dia e noite, comia e bebia com
ele, e era o seu mensageiro dentro e fora da cidade.
O rei não residia na cidade, mas a alguns quilômetros dela. (Os africanos têm
uma forma curiosa de calcular as distâncias, eles levam as cargas sobre a cabeça e
seguem até cansar, que é chamado Loch-a-fau, e em inglês, significa uma milha!) O rei
(continua Mahommah) não guardava nada de mim mas, às vezes, quando ele tinha
assuntos muito importantes em mãos, ele consultava Ma-ga-zee, que era mais
experiente.
Os reis são chamados Massa-sa-ba, e governam vários lugares, e, a exemplo dos
Faraós da antiguidade, todos são chamados de Massa-sa-ba. Quando o rei da cidade
morre, os Massa-sa-bas são convocados a decidirem quem os sucederá. Se a guerra
se-lhes sobrevém, ele é encontrado, antes de tudo, entre os bravos; a sua residência é,
geralmente, em um denso matagal, edificada segundo o costume do país, mas
guarnecida na parte externa com mármore. Há dois tipos de mármores lá, um muito
branco, e o outro vermelho; estes mármores são triturados até virarem um pó fino,
apesar da argamassa que é usada na construção de casas ser macia, pedaços de
mármore são retirados e prensados nela, em todos os formatos e figuras fantásticas
que se possa imaginar, o que torna a parede mais firme e proporciona à construção,
depois de terminada, uma aparência bela e ornamental.
Mahommah não consegue afirmar distintamente quanto tempo ele viveu com o
rei, mas foi um período considerável de tempo; enquanto ali esteve ele se tornou
muito ímpio. Porém — afirma ele — naquela época, eu pouco sabia o que era a
impiedade; as práticas dos soldados e guardas, hoje estou convencido, eram,
verdadeiramente, muito más, pois tinham plenos poderes e autoridade da parte do rei
para cometer toda sorte de depredação que desejassem sobre o povo sem temer a sua
desaprovação, ou punição. Todas as vezes, quando eles estavam curvados à maldade,
ou imaginavam que precisavam de alguma coisa, eles se lançavam sobre o povo e
tomavam deles tudo o que escolhiam, já que a resistência estava totalmente foram de
questão e era inútil, sendo conhecido o decreto do rei ao longo de todo o país. Estes
privilégios eram concedidos às tropas militares em lugar de pagamento, de modo que
saqueávamos para fins de sobrevivência.
O rei bebia na presença das suas esposas, mas não comia. Toda vez que ele
bebia, uma das suas esposas ou favoritas se ajoelhava diante dele e colocava as suas
mãos debaixo do seu queixo, de modo a impedir que qualquer sobra de bebida
pudesse pingar sobre a sua pessoa. Na ausência delas, essa obrigação recaía sobre
mim. Toda vez que o rei precisava de mim para alguma coisa, ele dizia: "Gar-do-wa".
Eu respondia: "Sa-bee" (um termo usado somente diante do rei) e imediatamente
corria em direção a ele, caindo com o rosto em terra diante dele, em uma atitude que
demonstrava o máximo da atenção respeitosa. Ele, então, declarava o que ele
precisava, e eu saía a toda velocidade para obedecer as suas ordens, o caminhar não
era permitido quando se tratava dos negócios do rei. -- Quando ele desejava alguma
coisa de Ma-ga-zee, ele me chamava, para comunicar a ele a sua vontade. Assim, eu
era mantido correndo da manhã até a noite, enquanto os seus banquetes seguiam.
Era um trabalho muito árduo atender aquele rei, posso assegurar a vocês, caros
leitores.
Como já foi dito, quando qualquer pessoa apresenta evidência de ter conquistado
uma posição de eminência no país, ela é imediatamente invejada, e são tomadas
medidas para removê-la do caminho; assim, quando foi visto que a minha situação
era de lealdade e confiança diante do rei, eu fui, obviamente, logo, separado como
objeto adequado de vingança por uma classe invejosa dos meus compatriotas, atraído
para uma cilada e vendido para a escravidão. Eu fui à cidade um dia para visitar a
minha mãe, quando fui seguido por um músico (tocador de atabaques) e chamado
pelo meu nome. O atabaque batia ao ritmo de uma música que havia sido composta,
aparentemente, em honra a mim, supunha eu, por causa da minha posição elevada
diante do rei. Isto muito me agradou, e eu me senti altamente lisonjeado, ficando
muito generoso, dei ao povo dinheiro e vinho, [enquanto] eles cantavam e
gesticulavam o tempo todo. A cerca de um quilômetro e meio da casa da minha mãe,
onde uma bebida forte chamada Bah-gee, era feita de um grão chamado Har-nee;
para lá fomos, e quando eu havia bebido quantidade excessiva de Bah-gee, fiquei
muito intoxicado, e me persuadiram a ir com eles até Zar-ach-o, a cerca de um
quilômetro e meio de Zugu, para visitar um rei estranho, o qual eu jamais havia
encontrado anteriormente. Quando nós chegamos lá, o rei nos exaltou a todos, e um
grande banquete foi preparadoo, e muito bebida me foi dada, na verdade todos
pareciam beber muito livremente.
Confinado, assim, fui levado em marcha até o litoral, a um lugar chamado Ar-u-
zo, que era uma grande aldeia; ali encontrei alguns amigos, que muito lamentaram a
minha situação, mas não tinham meios para me ajudar. Nós somente ficamos ali
somente por uma noite, já que o meu senhor queria apressar as coisas, pois eu lhe
havia dito que fugiria e iria para casa. Ele, então, levou-me para um lugar chamado
Chir-a-chur-i, ali eu também tinha amigos, mas não pude encontrá-los, pois ele
mantinha vigilância muito atenta sobre mim, e sempre em lugares preparados para o
propósito de manter os escravos em segurança; havia furos nos muros nos quais os
meus pés foram colocados (uma espécie de armazém [de escravos]). Ele, então,
levou-me para um lugar chamado Cham-mah — depois de passar por muitos lugares
estranhos (cujos nomes não consigo me lembrar) onde me vendeu. Nós havíamos
estado, então, cerca de quatro dias longe de casa e viajado muito rapidamente. Eu
permaneci somente um dia, quando fui, novamente, vendido para uma mulher, que
me levou para E-fau; ela tinha junto com ela alguns moços, em cujo encargo eu fui
entregue, mas ela viajou conosco; estivemos vários dias a caminho de lá; eu sofri
muito caminhando no meio da mata, e não vi um ser humano a viagem toda. Não
havia um caminho pronto, mas precisávamos abrir passagem da melhor forma que
podíamos.
Depois de permanecer ali pelo período de dois dias, nós começamos a nossa
viagem de volta, viajando dia após dia; a região pela qual passamos continuava
bastante acidentada e montanhosa; passamos por algumas montanhas muito altas,
as quais creio serem chamadas de montanhas de Kong. O clima continuou ameno e
agradável o tempo todo, a água era encontrada em grande abundância, de qualidade
muito excelente, as estradas, em alguns lugares, onde a terra era plana, eram
bastante arenosas, mas somente por curtas distâncias. -- A região era pouquíssimo
povoada ao longo de todo o caminho desde Cham-mah, a mata ao longo da rota não
era muito vasta, mas grandes extensões de terra, cobertas com um mato muito alto.
Nós passamos por alguns lugares onde o fogo havia consumido o mato, algo
semelhante às pradarias do sul e sudoeste da América do Norte.
O homem para quem fui novamente vendido era muito rico e tinha um grande
número de esposas e escravos. Eu fui colocado no comando de um velho escravo;
enquanto uma grande dança foi feita e fiquei com medo de que fossem me matar,
pois havia ouvido falar que assim faziam em alguns lugares, e imaginei que a dança
fosse somente uma parte preliminar da cerimônia; de qualquer forma, eu não me
senti nem um pouco confortável com aquela questão. Estive em Efau por várias
semanas e fui muito bem tratado durante aquele tempo; mas como não gostei do
trabalho que me atribuíram, eles perceberam que eu estava insatisfeito, e como
ficaram temerosos em me perder, trancafiavam-me todas as noites.
Depois de sair de Efau, não fizemos parada até que chegamos a Dohama;
permanecemos na mata à noite e viajamos durante o dia, pois havia bestas
selvagens em grande abundância, e éramos forçados a fazer grandes fogueiras à
noite para manter afastados os animais ferozes que, de outra sorte, teriam se
lançado sobre nós e nos feito em pedaços, podíamos ouvi-los uivando em derredor
durante a noite; havia um [animal] específico ali ao redor que as pessoas temiam
sobremaneira; ele tinha a forma de um gato com um corpo comprido, alguns eram
todos de uma cor só, outros com pintas muito bonitas; os seus olhos brilhavam como
orbes de chamas brilhosas à noite, ele é ali chamado de Gu-nu. Eu presumo, pela
descrição, que deva ser o que aqui se conheça como o leopardo, pois pelo que
entendo, a descrição é aproximadamente a mesma.
Dohama fica a cerca de três dias de viagem de Efau, e é uma cidade bem grande;
as casas eram construídas de modo diferente do que eu havia visto anteriormente. A
região ao redor é plana e as estradas são boas; ela é mais densamente povoada do
que qualquer outra parte pela qual eu havia passado, embora não tanto quanto Zugu,
os costumes do povo também, eram, no geral, diferentes de tudo que eu já tinha visto
anteriormente.
Algumas pessoas supõem que o africano não possui nenhum dos sentimentos
mais sublimes da humanidade dentro do seu peito, e que o leite da bondade humana
não corre através da sua constituição; isto é um erro, um erro da pior espécie: os
sentimentos que animaram toda a raça humana, vivem dentro das criaturas negras da
zona tórrida, tanto quanto nos habitantes das zonas temperada e fria; os mesmos
impulsos levam-nos à ação, o mesmo sentimento de amor se movimento no seu seio,
as mesmas afeições maternais e paternais estão lá, as mesmas esperanças e temores,
aflições e alegrias, na verdade tudo está ali como no resto da humanidade; a única
diferença está na sua cor, e isto foi preparado por aquele que criou o mundo e tudo o
que nele há, os céus, e as águas do poderoso abismo, a lua, o sol e as estrelas, o
firmamento e tudo o que foi criado desde o princípio até agora, portanto, por que
alguém deveria desprezar as obras das suas mãos, as quais foram criadas e formadas
segundo a força do Todo-poderoso, na plenitude da sua bondade e da sua
misericórdia.
Ó vos desprezadores das suas obras, olhai para vós mesmos, e atentai; que
aquele que pensa se por de pé, atentai para que não caiais. Nós, então seguimos para
Gra-fe, uma viagem que durava cerca de um dia e meio; a terra pela qual passamos
era muito densamente povoada e, no geral, bem cultivada; mas não me lembro de
termos passado por nenhum curso d'água depois de entrarmos nesta região de terra
plana. Em Gra-fe, eu vi o primeiro homem branco, o qual, você pode ter certeza,
chamou muito a minha atenção; as janelas das casas também pareciam estranhas, já
que esta era a primeira vez na minha vida que via casas com janelas. Eles me levaram
para a casa de um homem branco, onde permanecemos até a manhã, quando o meu
café da manhã me foi trazido, e imagine a minha surpresa ao descobrir que a pessoa
que serviu o café-da-manhã era um velho conhecido, que também vinha do meu lugar.
Ele não me reconheceu logo de cara, mas quando ele me perguntou se o meu nome
era Gardo, e eu confirme que era, o pobre companheiro ficou maravilhado e tomou-
me pelas mãos e me sacudiu violentamente de tão feliz que ficou em me encontrar: o
seu nome era Wu-ru, e ele era de Zugu, tendo sido feito escravo há cerca de dois anos;
os seus amigos não sabiam o que havia acontecido com ele. Ele me perguntou sobre
os seus amigos de Zugu, perguntou-me se eu havia vindo recentemente de lá, olhou na
minha cabeça e observou que eu tinha o mesmo tipo de raspagem de pelos que eu
tinha quando andávamos juntos em Zugu; eu lhe disse que tinha. Pode ser importante
observar aqui que na África, as nações das diferentes partes da região têm difentes
modos de cortar os pelos da cabeça e, a partir destas marcas se sabe de que parte da
região a pessoa vem. Em Zugu, os cabelos são raspados nos dois lados da cabeça, e no
alto da cabeça, da testa até a nuca, o cabelo é deixado crescer em três lugares, em
formato redondo, os quais se deixa crescer até o cabelo ficar muito comprido; os
espaços intermediários são raspados bem próximos; não há dificuldade para uma
pessoa familiarizada com os diferentes tipos de raspagem conhecer de que parte [da
África] vem um homem.
Quando todos estavam prontos para subir a bordo, fomos acorrentados juntos, e
amarrados com cordas ao redor do pescoço e fomos, assim, puxados para baixo até a
beira-mar. O navio estava fundeado a uma certa distância. Eu nunca tinha visto um
navio antes, e a ideia que eu fazia dele era que se tratava de algum objeto de
adoração do homem branco. Eu imaginei que nós seríamos todos massacrados; e
estávamos sendo levados para lá para este propósito. Senti-me alarmado pela minha
segurança, e o desânimo quase tomou posse de todo o meu ser.
Uma espécie de festa foi feita em terra naquele dia, e aqueles que remaram os
barcos ficaram fartamente regalados com uísque, e os escravos receberam arroz e
outras coisas em abundância. Eu não estava ciente de que aquela deveria ser a minha
última festa na África. Eu não sabia do meu destino. Feliz de mim, que não sabia. Tudo
o que eu sabia era que eu era um escravo acorrentado pelo pescoço, e que deveria
pronta e voluntariamente me submeter, viesse o que viesse, o que eu considerava ser
o máximo que eu tinha o direito de saber.
Por fim, quando chegamos à praia e nos pusemos de pé sobre a areia, ó como eu
quis que aquela areia se abrisse e me engolisse ali mesmo. Não consigo descrever a
minha miséria. Ela vai além do que se pode descrever. O leitor pode imaginar, mas
qualquer coisa que se aproxime do esboço dos meus sentimentos ficaria ainda muito
aquém da realidade, para ser honesto. Havia escravos trazidos para ali de todas as
partes da região, e levados para bordo do navio. O primeiro barco havia chegado até
o navio com segurança, apesar do vento forte e do mar bravio; porém o último barco
que se aventurou acabou virando, e todos que estavam nele se afogaram, à exceção
de um homem. O número dos que se perderam foi de cerca de trinta pessoas. O
homem que se salvou era fisicamente muito robusto, e estava na proa da
embarcação com uma corrente na sua mão, a qual ele agarrou com muita força a fim
de estabilizar a embarcação; e quando o barco virou de lado, ele foi lançado ao mar
junto com o restante dos homens, mas ao subir [o barco], de algum modo, debaixo do
barco, conseguiu fazê-lo girar novamente e, assim, salvou-se ao lançar-se sobre ele,
quando ele se retornou à posição correta. Isto exigiu grande força, e ser um homem
forte lhe deu vantagem sobre os demais. O próximo barco que foi lançado ao mar, foi
o barco no qual eu fui posto; mas Deus considerou apropriado me poupar, talvez por
algum bom propósito. Eu fui, então, posto naquele que é o mais horrível de todos os
lugares,
O NAVIO NEGREIRO
Os seus horrores, ah! Quem poderá descrever? Ninguém poderá representar tão
verdadeiramente os seus horrores como o pobre infeliz, miserável desgraçado que foi
confinado dentro dos seus portais. Ó amigos da humanidade, tenham piedade do
pobre africano, que foi ludibriado e vendido do convívio dos seus amigos e do seu lar,
e enviado para o porão de um navio negreiro, para esperar por mais horrores e
misérias em uma terra distante, no meio dos religiosos e benevolentes. Sim,
exatamente no meio deles; mas rumo ao navio! Fomos lançados no porão do navio
em estado de nudez, os homens espremidos de um lado e as mulheres do outro; o
porão era tão baixo que não conseguíamos ficar de pé, mas éramos obrigados a nos
agachar sobre o piso ou a nos sentarmos; dia e noite eram a mesma coisa para nós, o
sono nos era negado pela posição de confinamento dos nossos corpos, ficamos
desesperados com o sofrimento e fadiga.
A única comida que tínhamos durante a viagem era milho cozido mergulhado em
água. Não consigo dizer quanto tempo ficamos confinados daquela maneira, mas
pareceu um período muito longo. Nós sofremos muitíssimo com a falta d'água, mas
nos era negado tudo o que precisávamos. Meio litro por dia era tudo o que era
permitido, e nada mais; e um grande número de escravos morreu na travessia. Houve
um pobre companheiro que ficou tão desesperado pela falta d'água, que tentou
retirar de supetão a faca do homem branco que trazia a água, quando foi levado para
o convés, no alto, e eu jamais soube o que sucedeu a ele. Suponho que ele tenha sido
lançado ao mar.
Quando qualquer um de nós se rebelava, a sua carne era cortada com uma faca,
e pimenta e vinagre eram esfregados a fim de nos tornar dóceis (!) Inicialmente eu
sofri, junto com o restante de nós, muito de enjoo do mar, mas isso não provocava
nenhuma preocupação nos nossos brutais proprietários. Os nossos sofrimentos eram
só nossos, não tínhamos ninguém com quem compartilhar as nossas aflições, ninguém
para cuidar de nós, nem para nos falar uma palavra de consolo. Alguns eram lançados
ao mar enquanto ainda tinham fôlego nos seus corpos; quando se pensava que uma
pessoa não conseguiria viver, eles se livravam dela dessa forma. Só duas vezes
durante a viagem tivemos permissão para subir ao convés para nos lavarmos - uma
vez em alto mar e outra vez um pouco antes de entrarmos no porto.
Quando cheguei à praia, senti-me grato à Providência por ter, uma vez mais, tido
a permissão de respirar o ar puro, desejo este que quase absorvia todos os outros. Eu
pouco me importava de ser um escravo: a minha mente só pensava em ter escapado
do navio. Alguns dos escravos a bordo conseguiam falar o português. Eles já moravam
no litoral com famílias portuguesas, e costumavam servir de intérpretes para nós.
Estes não foram colocados no porão com o restante de nós, só desciam de vez em
quando para nos dizer uma coisa ou outra.
Estes escravos nunca souberam que seriam traficados, até que foram colocados a
bordo do navio. Eu permaneci neste mercado de escravos cerca de um ou dois dias,
antes de ser novamente vendido para um negociante de escravos na cidade, o qual,
mais uma vez, vendeu-me para um homem no interior, que era padeiro, e residia não
muito longe de Pernambuco.
Quando um navio negreiro chega, a notícia se espalha como fogo incontrolável,
e todos os interessados na chegada do navio com a sua carga de mercadorias vivas
vêm e escolhem a partir da variedade, aqueles que são mais adequados aos seus
diferentes propósitos, e compram os escravos exatamente da mesma forma que bois
e cavalos seriam comprados em um mercado; porém se não houver o tipo de escravo
apropriado às necessidades e desejos dos compradores no presente carregamento,
um pedido é feito ao comandante da embarcação com [detalhes] dos tipos
específicos que [o comprador] necessita, os quais são fornecidos para se fazer o
próximo pedido na próxima vez que o navio chegar ao porto. Muita gente faz um
grande negócio desta compra e venda de carne humana, e não vivem de outra coisa,
dependendo inteiramente deste tipo de tráfico.
A sua família consistia dele mesmo, esposa, dois filhos e uma mulher que lhes
era aparentada. Ele tinha quatro outros escravos além de mim. Ele era um católico
romano, e fazia adoração familiar regularmente duas vezes por dia, que era algo
conforme descreverei a seguir: Ele tinha um grande relógio de pé na entrada da casa
no qual estavam algumas imagens feitas de barro, que eram usadas na adoração.
Todos nós tínhamos que nos ajoelhar diante delas; a família na frente, e os escravos
atrás. Fomos ensinados a cantar algumas palavras cujo significado não conhecíamos.
Nós também tínhamos que fazer o sinal da cruz várias vezes. Enquanto adorava, o
meu senhor tinha um chicote na mão, e aqueles que mostravam sinais de desatenção
e sonolência, eram imediatamente trazidos à consciência pela aplicação abrupta do
chicote. Isto acontecia principalmente com o grupo das escravas mulheres que,
normalmente pegavam no sono, apesar das imagens, sinais da cruz e outras
diversões semelhantes.
Não demorou para eu ser colocado em trabalho árduo, do tipo que cabe a
ninguém mais além dos escravos e cavalos. Na época em que aquele homem me
comprou, ele estava construindo uma casa, e precisava retirar pedras de construção
do outro lado do rio, uma distância considerável, e eu era forçado a carregar pedras
que eram tão pesadas que eram necessários três homens para erguê-las sobre a
minha cabeça. Esta carga eu era obrigado a carregar por pelo menos 400 metros, até
o local onde o barco estava. Às vezes a pedra era tão pesada sobre a minha cabeça
que eu era obrigado a lançá-la ao chão e, então, o meu senhor ficava muito irritado e,
na verdade, dizia que o "cassuri" (cachorro) havia atirado a pedra no chão, quando eu
pensava, no meu coração, que ele era o pior dos cachorros; só que isso não passava
de um pensamento, pois eu não ousava expressá-lo em palavras.
Os meus companheiros de escravidão não eram tão estáveis quanto eu, sendo
muito mais dados à bebida, de modo que não eram tão lucrativos para o meu senhor.
Eu tirava vantagem disso, para me elevar no seu conceito, sendo muito atento e
obediente; mas tudo era sempre a mesma coisa, fizesse o que eu fizesse, eu descobria
que tinha um tirano para servir, nada parecia satisfazê-lo, de sorte que também
comecei a beber como eles, assim todos ficamos parecidos: senhor mau, escravos
maus.
As coisas iam de mal a pior, e eu estava muito ansioso para trocar de senhor, por
isso tentei fugir, mas logo fui apanhado, amarrado e levado de volta. A seguir, tentei
ver de que me serviria ser infiel e indolente; assim, um dia quando fui mandado para
vender pão como de costume, eu só vendi uma pequena quantidade, tomei o dinheiro
e gastei com whisky, que bebi desmedidamente, e fui para casa bem bêbado, quando
o meu senhor foi contabilizar o dia, tomando a minha cesta e descobrindo o estado
das coisas, fui severamente espancado. Eu disse a ele que ele não deveria mais me
chicotear, e fiquei muito irritado, pois veio à minha mente a vontade de matá-lo e,
depois, destruir a mim mesmo. Por fim, resolvi me afogar pois preferia morrer a viver
como escravo. Corri, então, para o rio e atirei-me dentro dele, mas fui visto por
algumas pessoas que estavam em um barco, e fui resgatado do afogamento. A maré
estava baixa naquele momento, do contrário os seus esforços, provavelmente, teriam
sido inúteis, e apesar da minha determinação, eu agradeci a Deus por minha vida ter
sido preservada, e por uma obra tão maligna não ter sido consumada. Ela me levou a
refletir seriamente que "Deus se move de um modo misterioso," e que todos os seus
atos são atos de bondade e misericórdia.
O homem a quem voltei a ser vendido era, na verdade, muito cruel. Ele comprou
duas mulheres na época que me comprou; uma delas era uma moça muito bonita, e
ele a tratava com barbaridade chocante.
Eu fui, finalmente, vendido a um comandante de um navio que era o que pode ser
chamado de um "caso complicado". Ele me convidou para ir conhecer a sua Senhora
(esposa). Prestei a minha melhor reverência a ela, e logo foi instalado no meu novo
ofício, o de esfregar os talheres de cobre do navio, limpando as facas e garfos, e
fazendo outras pequenas tarefas necessárias a serem desempenhadas na cabine.
Inicialmente, eu não gostei da minha situação; mas à medida que fui me ambientando
com a tripulação e com o restante dos escravos, fui me saindo muito bem. Em pouco
tempo fui promovido para o posto de sub-criado de bordo. O criado de bordo
preparava a mesa, e carregava as provisões para o cozinheiro e servia às mesas; por
ser muito inteligente, eles me davam muita coisa para fazer. Pouco tempo depois, o
comandante e o criado de bordo se desentenderam, e ele abandonou o seu posto na
criadagem, foi quando as chaves do seu aposento me foram confiadas. Eu fazia tudo
ao meu alcance para agradar o meu senhor, o comandante, e ele, em troca,
depositava a sua confiança em mim. A mulher do comandante era tudo, menos uma
mulher bondosa; ela tenha um temperamento perverso. O comandante a havia
trazido de Santa Catarina, bem quando ela estava a ponto de se casar, e eu acredito
que ele jamais se casou com ela. Ela frequentemente me levava à desgraça diante do
meu senhor e, então, era certo que as chicotadas se sucederiam. Às vezes ela fazia de
tudo para que eu fosse açoitado, e, outras, ela interferia e impedia, dependendo de
como estava o seu humor. Ela era uma estranha mistura de humanidade e
brutalidade. Ela sempre ia ao mar com o comandante.
Quando descobri que tudo era somente por capricho seu que ali não havia mais
mancha nenhuma a ser esfregada eu, acabei me recusando a continuar esfregando,
quando ele levantou um cabo de vassoura para mim, e eu, tendo em mãos um
escovão, também levantei-o para ele. O senhor viu tudo o que estava acontecendo, e
ficou muito irado comigo por eu tentar atingir um companheiro. - Ele ordenou que um
dos marujos cortasse um pedaço de corda para ele; ele me disse que eu deveria ser
açoitado, e eu respondi: "muito bem". Porém, continuei o meu trabalho com um olho
continuamente fito em sua direção, acompanhando os seus movimentos. Quando eu
havia preparado o café da manhã, ele veio por trás de mim antes que eu pudesse sair
da sua frente e me atingiu com a corda acima dos meus ombros, e por ser ela
comprida, sua ponta ricocheteou e atingiu o meu estômago de forma muito violenta,
o que me provocou um pouco de dor e sofrimento; a força com que o golpe foi dado
me derrubou por completo e, depois disso, ele me surrou enquanto estive no convés
da forma mais brutal possível. - A minha senhora interferiu nessa ocasião e me salvou
de mais violência.
Nós ficamos no Rio de Janeiro quase um mês. Enquanto estivemos ali ocorreu
um incidente, o qual relatarei como ilustração do sistema escravagista.
Um dia foi necessário que eu fosse à terra com o meu senhor como um dos
seus remadores, e enquanto lá estive eu bebi vinho desmedidamente, e ao ver o
meu senhor prestes a retornar para o barco fui até o local onde ele estava, e por
estar bastante confuso pela bebida, bem como agitado ao ver o meu senhor, eu caí
na água, mas como o local era raso, eu nada sofri além de um bom caldo pela
minha embriaguez. Eu fui facilmente retirado dali. Enquanto remava [para] o meu
senhor, a minha cabeça estava bastante alta com os efeitos do licor que eu havia
bebido e, consequentemente, eu não remava com muita regularidade, foi quando o
meu senhor, ao ver o estado deplorável em que eu me encontrava, perguntou-me
qual era o problema e eu lhe disse: "Nada, senhor." Ele voltou a dizer: "Você
bebeu?" Eu respondi: "Não, senhor!" De modo que por ser maltratado eu aprendi a
beber, e daí aprendi a mentir e, sem dúvida, devo ter ido, passo a passo, de mal a
pior, até que nada mais me parecesse suficientemente mal, e tudo isso no meio
deste horrível sistema de escravidão. Porém, sou feliz em dizer que pela graça de
Deus fui levado a abandonar os meus caminhos maus.
Todos havíamos ouvido que em Nova York não havia escravidão; que lá era um
país livre e que se conseguíssemos chegar lá nada mais teríamos a temer dos nossos
cruéis senhores de escravos, e todos estávamos muitíssimo ansiosos para lá chegar.
Antes da hora do navio levantar velas, fomos informados que estávamos indo
para uma terra de liberdade. Eu disse, então, que vocês jamais me verão depois que
eu chegar lá. Fiquei radiante de alegria com a ideia de ir para um país livre, e um raio
de esperança brilhou sobre mim: de que não estava muito longe o dia em que eu seria
um homem livre. Na verdade, eu já me sentia livre! Quão formosamente o sol brilhou
naquela manhã tumultuada, a manhã da nossa partida para aquela terra de liberdade
da qual tanto tínhamos ouvido falar. Os ventos também nos eram favoráveis, e logo a
vela se armou diante da brisa estimulante, e o nosso navio partiu em direção àquela
terra feliz. As obrigações do ofício, naquela viagem, pareceram leves para mim, na
verdade, pela expectativa de ver a terra bondosa, e absolutamente nada parecia me
incomodar. Eu obedecia todas as ordens alegremente e com espontaneidade.
Aquela foi a época mais feliz da minha vida, mesmo hoje o meu coração dispara
com o alegre deleite que me sobrevêm ao pensar nesta viagem, e creio que o Deus
de todas as misericórdias ordenou tudo para o meu bem; quão grato eu estava.
O homem no timão disse que havia luz suficiente, que ele conseguia [guiar a
embarcação], ele conseguia ver a bússola muito bem; porém as ordens foram dadas,
fossem as luzes desejadas ou não, elas precisavam ser obedecidas; portanto, três
outros marujos foram chamados e um lençol foi colocado ao redor do bitácula para
protegê-la do vento, quando eles conseguiram, finalmente, acendê-la, mas eu não
entendi como fazer aquilo e não consegui acendê-la, mesmo tendo tentado repetidas
vezes. Depois disso, o comandante levantou do seu leito, vestiu-se e me deu ordens
para acender a sua lamparina; quando eu fui até ele, ele tomou um pesado porrete
para me bater, com objetivo de golpear a minha cabeça. Levantei o meu braço para
impedir que a minha cabeça fosse atingida, ele disse para eu abaixar a minha mão. Eu
fiz isso, mas quando o golpe foi novamente desferido, voltei a erguer a mão e consegui
impedir que o meu crânio fosse rachado; ele não queria bater na minha mão, já que
isso me impediria de fazer o meu trabalho, mas se a minha cabeça estivesse quebrada
ou não, eu teria que continuar fazendo o meu trabalho de rotina. Ele, então, disse-me
para eu me virar para que ele pudesse bater nas minhas costas. Eu disse a ele para me
bater em tudo o que quisesse. Ele estava muito irritado e me bateu aleatoriamente, na
cabeça, pelo corpo, onde lhe ocorria fazê-lo. E lhe desafiei a fazer pior, a fazer o que
ele podia e liberar totalmente a sua vingança sobre um ser miserável como eu. Ele,
então, chamou três dos marujos e ordenou-lhes que me amarrassem ao canhão. Eu
pensei em pular na água, mas não estava muito satisfeito em fazer isto sozinho; se eu
pudesse ter o prazer de levá-lo comigo eu estaria disposto a fazer isto. Os três homens
me amarraram e me colocaram em cima do canhão, com o rosto para baixo; eles,
então, receberam ordens para me açoitar, o que fizeram sem demora; ele, então,
exigiu que eu demonstrasse submissão e implorasse por misericórdia, mas isso eu não
faria. Eu disse a ele que me matasse se isso lhe fosse agradável, mas por misericórdia
das suas mãos eu não clamaria! Eu também disse a ele que quando eles me soltassem
do canhão ele deveria se cuidar naquele dia, pois quando eu olhei para o meu corpo
dilacerado e ensanguentado, refleti que embora eu estivesse contundido e rasgado, o
meu coração não fora subjugado.
Tão logo fui solto, dirigi-me até o comandante, que deu ordens para que os
homens me colocassem em segurança na proa do navio e não deixasse que eu
voltasse a me aproximar dele. Fiquei tão machucado com as contusões e cortes que
não consegui fazer nada por vários dias.
O timoneiro que veio a bordo do nosso navio nos tratou com muita bondade, -
ele parecia diferente de todas as pessoas que eu já tinha visto antes, e tomamos
coragem a partir daquela pequena circunstância. No dia seguinte uma grande
quantidade de pessoas de cor vieram a bordo do navio e perguntaram se éramos
livres. O capitão nos havia dito anteriormente para não dizermos que éramos
escravos, mas não prestamos atenção ao seu desejo e ele, vendo tantas pessoas
entrando a bordo, começou a ficar com medo de que a sua propriedade fosse tomada
na cabeça, e que com ela fugissem, portanto, de modo muito prudente ele nos
informou que Nova York não era um local para desembarcarmos - que era um lugar
muito ruim, e que tão logo as pessoas nos pegassem elas nos matariam. Só que
quando estávamos a sós concluímos que aproveitaríamos a primeira oportunidade e
chance, dessa forma passaríamos para um país livre.
Um dia, depois de ter bebido bastante vinho, fui imprudente o suficiente para
dizer que não permaneceria mais a bordo; e que seria livre. O capitão, ao ouvir isto,
me chamou lá para baixo, e ele e três outros tentaram me aprisionar, mas não
conseguiram fazê-lo; mas, por fim, conseguiram me confinar em um aposento na proa
do navio. Eu fiquei ali em confinamento por vários dias. O homem que trazia a minha
comida batia à porta, e se eu dizia para ele entrar, ele o fazia, de outro modo, ele
passava ao largo, e eu ficava sem comida. Eu disse a ele em uma ocasião que eu não
permaneceria confinado ali mais nenhum dia da minha vida; que eu sairia dali; e
havendo alguns pedaços de ferro no aposento, à noite eu me apossei de um deles - era
uma barra, com cerca de 60 centímetros de cumprimento - com a qual eu arrombei a
porta, e caminhei para fora. Os homens estavam todos ocupados no seu trabalho, e a
esposa do comandante estava de pé no convés quando eu saí do meu cárcere. Eu os
ouvi perguntarem um ao outro quem havia permitido que eu saísse; mas ninguém
soube responder.
Mais tarde, vim saber que aquela construção era a Prefeitura da Cidade de Nova
York. Quando chegamos na sala ampla da construção, ela estava completamente
lotada com todo tipo de gente, e um grande número se punha de pé porto das portas
e nas escadas, e em todo o pátio - alguns conversando, outros somente esperando o
tempo passar enquanto caminhavam para cima e para baixo. O cônsul brasileiro
estava lá e, quando fomos chamados fui perguntado se eu queria ficar lá ou retornar
ao Brasil. Eu respondi pelo meu companheiro e por mim mesmo que nós não
desejávamos mais retornar; mas a escrava mulher que estava conosco disse que
gostaria de retornar. Eu não tenho dúvidas de que ela teria preferido ficar conosco,
mas ao ver o comandante ali, ficou intimidada e com medo de falar o que tinha em
mente, e o mesmo se deu com o homem, mas eu externei com ousadia que preferia
morrer do que retornar para a escravidão! Depois de muitas perguntas terem-nos sido
feitas, e respondidas, fomos levados para uma prisão, como eu supunha que ocorreria,
e ali ficamos trancafiados.
Havia a bordo um homem de cor de nome Jonas, que sabia falar muito bem o
espanhol. Durante a viagem ele fez grandes esforços para me instruir e me passar
ideias corretas de coisas sobre as quais eu tinha as noções mais absurdas possíveis.
Por exemplo, quando uma pessoa caminhava ao sol via a sua sombra; eu tinha sido
levado a crer que aquela sombra era a alma do homem - disso muito eu ouvira falar -,
e que quando o corpo morria, a alma (isto é, a sombra) ia para o céu, e o corpo ia
para a terra. A sua explicação sobre esta sombra me confundiu muitíssimo, mas a
solução do mistério me agradou, e comecei a me sentir orgulhoso do meu
aprendizado.
Eu permaneci com ele mais de dois anos, e um homem ou cristão melhor do que
o sr. Judd, na minha opinião, não pode ser encontrado. Ele me tratava com toda
bondade; sendo que cor para ele não era motivo de maus tratos. Tampouco jamais
me esquecerei da bondade da sua bondosa senhora; ela se comportava diante de
mim, todo tempo inteiro da minha servidão, exatamente como uma cristã deveria se
comportar. Eu a amava pela sua bondade, embora eu nem sempre me comportasse
diante deles como eles merecessem. Preciso confessar que, por vezes, eu os tratei de
modo muito ruim. Eu não demonstrei muita gratidão, à época. Eu costumava ficar
muito bêbado e ser abusivo para com eles, mas eles sempre desconsideravam o meu
mau comportamento, e quando a senhora Judd tentava me persuadir a voltar para
casa e me comportar, eu brigava com ela e dizia-lhe que não queria.
"Depois de enfrentar o jugo de dois anos no Brasil, ele fugiu e procurou refúgio
nessa terra que se vangloria da sua liberdade e filantropia, mas este refúgio ele aqui
buscou em vão. Ao fugir, portanto, das nossas costas, por meio de uma bondosa
Providência, ele foi conduzido para a cidade de Porto Príncipe, no Haiti, e para as
hospitalidades cristãs de W. L. Judd. O nosso missionário o recebeu alegremente, e
enquanto lhe providenciou um lar e confortos temporais, não deixou de instruí-lo na
religião do Evangelho. A instrução foi para ele como a vida dentre os mortos, e o seu
coração sentiu o seu poder. Ele viu e reconheceu a sua adaptabilidade ao seu
argumento como um pecador. Ele se curvou à sua autoridade. Ele se alegrou na sua
verdade, e se tornou um discípulo do seu Divino Autor."
"A sua experiência diante da Igreja foi muito comovente. Várias pessoas
presentes, não professantes da religião, choraram ao ouvir aquilo. Ele é dotado por
natureza de uma alma tão nobre que ele cativa o mundo todo num só golpe, nos
movimentos dos seus sentimentos benevolentes, e na expressão de tão nobres
sentimentos em um estilo tão simples e quebrantado com o dele, é verdadeiramente
comovente. Ele, agora, parece preenchido com o mais ardente desejo de laborar pela
salvação das almas - fala muito da África, e ora ardentemente para que o seu povo
possa receber o Evangelho - sonha frequentemente com visitas a Kaskua,
acompanhado por 'um bom homem branco,' como ele chama um missionário, e sendo
amavelmente recebido pela sua mãe. Ele esteve pedindo pelo batismo há um tempo
considerável, quando senti que não poderia mais negá-lo [a ele]. Nós fomos até a
beira-mar de manhã bem cedo, acompanhados por uma congregação mista. Depois
de cantar e orar em francês, eu fiz um discurso de, talvez, vinte minutos, na maior
parte de improviso, sobre (Les usages pratiques, de l'ordannance du Bapteme), ou "Os
Usos Práticos do Batismo", fundamentado em Romanos 6. 1-4. Depois disso, eu orei
em inglês em favor especial de Mahommah.
O tempo, entretanto, logo melhorou e nós, uma vez mais, içamos velas novamente
com um vento favorável, e logo estávamos a caminho da cidade de Nova York
novamente, onde chegamos em um sábado. No dia seguinte, um dos marinheiros que
havia demonstrado grande amizade para comigo durante a viagem, colocou na sua
cabeça de tratar mal. Quando ele estava prestes a descer do navio, eu simplesmente
lhe disse: "Saudações respeitosas para a sua esposa," por ele ter sido tão gentil
comigo. O que eu disse teve intenção de demonstrar um mínimo de civilidade, num
momento - como descobri mais tarde - em que ele havia bebido. Ele entendeu de
forma completamente errada, chamou-me [pejorativamente] de "nigger" [negro], e
jurou que me daria uma surra. À noite, quando ele retornou a bordo, ele estava muito
bêbado e se portava de forma muito violenta, jurando que arrebentaria a minha
cabeça com um porrete que ele sacudiu acima da minha cabeça. Eu havia colocado
cadeiras ao redor da mesa para a ceia, como de costume, quando ele deixou claro que
não tinha intenção de se sentar ao lado de um "negro". Ele, posteriormente, ficou
mais calmo e se sentou e comeu como um cristão, mas isto não ocorreu enquanto eu
não o fiz ver e minha própria irritação, e de ter ameaçado surrá-lo, só então ele se
aquietou; quando viu que eu não iria mais entrar no seu joguete, ele cedeu, e se
tornou um homem bom, somente porque foi obrigado.
Nós chegamos com segurança na costa de Nova York, e logo estávamos a todo
vapor a caminho de Albany, onde tomamos carros a pouca distância da casa da mãe
da senhora Judd, que ficava não muito longe de um vilarejo chamado Milford, no
estado de Nova York. Chegamos em Milford na manhã do dia seguinte, e fui enviado
para a casa, enquanto a senhora Judd ficou na taberna a fim de conseguir condução
para levá-la adiante. Quando cheguei na casa da sua mãe, eu tinha em mente
impressioná-los com a ideia de que eu era um fugitivo; porém foram-me feitas
perguntas de natureza positiva, e nada pude fazer além de dar respostas positivas. Eu
disse a ela que eu era do Haiti, e ela, imediatamente, conjecturou a respeito de quem
eu era, já que relatos frequentemente lhe eram enviados da sua filha em papéis lá
impressos, e ela me perguntou se eu era Mahommah; Eu disse que era. Ela quis saber
como eu havia chegado à América, quem haviam me trazido para lá. Eu, finalmente a
contei, quando se ouviram comandos aos cavalos, e eu retornei para a minha senhora,
que logo estava de volta nos braços da sua amável e bondosa mãe. Mãe e filha
haviam novamente se encontrado depois dos mares haverem-nas separado por tão
grande distância.
Permaneci ali por cerca de quatro semanas, depois segui para Meredith, no
condado de Delaware, entre as Missões Livres, para ver se eles assumiriam a tarefa de
me educar até que, finalmente, eles concordaram em fazer isto. Um cavalheiro
chamado Dalton foi muitíssimo bondoso comigo, e assumiu o meu caso com os
amigos das missões. Eles, então, enviaram-me para McGrawville, na época C. P.
Grosvenor era o Presidente da Universidade, que foi muito gentil comigo, valorizou-
me, tratando-me de todos os modos como um igual e como um cavalheiro.
Você não pode esperar que uma pessoa da minha raça, com cabelo crespo e rosto
negro, e [com] um tênue raio de conhecimento desperte o interesse dos seus amigos
na Universidade. Porém, farei o melhor que puder, para provar que o meu desejo é
ser um homem. É verdade que os meus membros têm marcas de grilhões, é verdade
que as minhas costas já suportaram o flagelo, mas não é verdade que o poder do
tirano tenha feito com que, no meu íntimo, o meu coração se curvasse. Não! Ele era
livre como quando eu brincava, debaixo das sombras das minhas palmeiras nativas.
Enquanto estive na Universidade, alguns dos jovens cavalheiros ali que não
gostavam, de forma alguma, da minha cor, faziam muitas gozações práticas comigo,
e tentavam me colocar em situação ruim diante dos diretores. Eles faziam todo tipo de
pirraça comigo; [por exemplo] quando eu estava fora do caminho, eles espalhavam
todos os meus livros e papeis pela sala, e empilhavam os meus livros em um monte;
eles também entupiam a tubulação do meu fogão com aparas de barbeado, de sorte
que quando eu tentava fazer fogo, o cômodo ficava cheio de fumaça; mas diante de
todas estas questões, eu só precisava fazer uma queixa no departamento certo, e tudo
era resolvido. Só que eu não gostava de ficar reclamando continuamente deles, por
isso eu suportava muitas dessas pirraças vexatórias em silêncio. Não saberia dizer por
que eles me aborreciam daquela forma, exceto por não gostarem da minha cor, e por
pensarem que eu era um bom sujeito sobre o qual eles poderiam extravasar o seu
humor fanfarrão.
2
Ou ‘conselho’, (N. do T.)
permaneci por curto período, e, estando muito contente com a recepção que lá obtive,
eu, imediatamente, determinei-me a me tornar um súdito de sua majestade, para cujo
propósito eu fui a uma repartição competente, fiz um juramente de fidelidade e obtive
os meus papéis de naturalização sem qualquer dificuldade.
Eu era gentilmente tratado por todas as classes onde quer que eu fosse, e devo
dizer, de coração, que jamais esperava receber em uma nação tão distante da minha
terra nativa, tanta bondade, atenção e humanidade. Sou grato a Deus por usufruir
das bênçãos da liberdade, em paz e tranquilidade, e por estar, agora, em uma terra
onde "ninguém ousa me amedrontar," onde todo homem pode, ou tem a
possibilidade de "se assentar debaixo da sua própria videira, e debaixo da sua própria
figueira:" onde todo homem, agindo como homem, independentemente da sua cor, é
respeitado como um irmão, e onde todos são igualmente livres para agir e falar.
Se um chamado for feito para ele retornar uma vez mais para a terra do seu
nascimento, ele responderá alegremente, e tem certeza de que amigos não lhe
faltarão para ajudá-lo no seu propósito benevolente.