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Tradução da Edição Eletrônica (em língua inglesa)

Baquaqua, Mahommah Gardo

Moore, Samuel, fl. 1854

Texto transcrito por Apex Data Services, Inc.


Texto codificado por Apex Data Services, Inc. Elizabeth S. Wright e Natalia Smith Primeira edição, 2001
ca. 160K

Academic Affairs Library, UNC-CH University of North Carolina at


Chapel Hill, 2001.

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Descrição de Fonte:

(página de título) Biografia de Mahommah Gardo Baquaqua, um Nativo de Zugu, no interior da África. Descrição Daquela Parte
do Mundo; Incluindo as Maneiras e Costumes dos Habitantes, as Suas Noções Religiosas, Forma de Governo, Leis, Aparência do
País, Edificações, Agricultura, Manufaturas, Pastores e Vaqueiros, Animais Domésticos, Cerimoniais de Casamento e Funerais,
Estilos de Vestimentas, Negócios e Comércio, Modos de Batalha, Sistema de Escravidão, etc, etc. O Incio da Vida de Mahommah,
a Sua Educação, a Sua Captura e Escravidão na África Ocidental e no Brasil, a Sua Fuga para os Estados Unidos, de lá para o Haiti
(para a Cidade de Porto Príncipe), a Sua Recepção Pelo Missionário Batista, Rev. W. L. Judd Ali; a Sua Conversão ao Cristianismo,
o Seu Batismo e Retorno ao Seu País, as Suas Visões, Objetivos e Meta. Escrito e Revisado a partir das Suas Próprias Palavras, por
Samuel Moore, Esq., ex-publicador da "North of England Shipping Gazette," Autor de Várias Obras Populares, e Editor do Sundry
Reform Papers

(capa) Uma Narrativa Interessante. Biografia de Mahommah Gardo Baquaqua, um Nativo de Zugu, no interior da África (Um
Convertido ao Cristianismo) Com uma Descrição Daquela Parte do Mundo; Incluindo as Maneiras e Costumes dos Habitantes, as
Suas Noções Religiosas, Forma de Governo, Leis, Aparência do País, Edificações, Agricultura, Manufaturas, Pastores e Vaqueiros,
Animais Domésticos, Cerimoniais de Casamento e Funerais, Estilos de Vestimentas, Negócios e Comércio, Modos de Batalha,
Sistema de Escravidão, etc, etc. O Incio da Vida de Mahommah, a Sua Educação, a Sua Captura e Escravidão na África Ocidental e
no Brasil, a Sua Fuga para os Estados Unidos, de lá para o Haiti (para a Cidade de Porto Príncipe), a Sua Recepção Pelo Missionário
Batista, Rev. W. L. Judd Ali; a Sua Conversão ao Cristianismo, o Seu Batismo e Retorno ao Seu País, as Suas Visões, Objetivos e
Meta. Escrito e Revisado a partir das Suas Próprias Palavras, por Samuel Moore, Esq., ex-publicador da "North of England Shipping
Gazette," Autor de Várias Obras Populares, e Editor do Sundry Reform Papers Mahommah G. Baquaqua Samuel Moore 65, [1] p.
Detroit

Para o Autor de Geo. E. Pomeroy & Co., Tribune Office 1854


Esta edição eletrônica foi transcrita a partir de uma fotocópia fornecida pela Biblioteca da Universidade do Estado da
Carolina do Norte.

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Titulos dos Assuntos da Biblioteca do Congresso

LC Títulos dos Assuntos:

África, Central -- Descrição e viagem -- século XIX .


África, Central -- Vida social e costumes -- século XIX.
Baquaqua, Mahommah Gardo.

Negros -- Biografia.
Escravos fugitivos -- Biografia.
Mercado escravocrata -- África.
Escravidão -- África.
Escravidão -- Brasil.
Escravos -- Biografia.

História Revisionista:

2001-10-09,
Celine Noel e Wanda Gunther
cabeçalho revisado e registro catalográfico criado para a edição eletrônica.

2001-05-04,
Natalia Smith, gerente de projeto
Finalizadora TEI e revisora final

2001-03-27, Elizabeth S.
Wright

Finalizado de TEI/Codificadora de SGML

2001-03-23,
Apex Data Services, Inc.
concluiu o escaneamento (OCR) e a revisão final do texto.
[Imagem de Capa]
BIOGRAFIA
DE

MAHOMMAH G. BAQUAQUA,

UM NATIVO DE ZUGU, NO INTERIOR DA ÁFRICA


(Um Convertido ao Cristianismo)
COM UMA DESCRIÇÃO DAQUELA PARTE DO MUNDO;

INCLUINDO AS
Maneiras e Costumes dos Habitantes,

AS SUAS NOÇÕES RELIGIOSAS, FORMA DE GOVERNO, LEIS, APARÊNCIA DO PAÍS,


EDIFICAÇÕES, AGRICULTURA, MANUFATURAS, PASTORES E VAQUEIROS, ANIMAIS
DOMÉSTICOS, CERIMÔNIAS DE CASAMENTO E FUNERAIS, ESTILOS DE VESTIMENTAS,

NEGÓCIOS E COMÉRCIO, MODOS DE BATALHA, SISTEMA DE ESCRAVIDÃO, ETC, ETC. O


INÍCIO DA VIDA DE MAHOMMAH, A SUA EDUCAÇÃO, A SUA CAPTURA E ESCRAVIDÃO
NA ÁFRICA OCIDENTAL E NO BRASIL, A SUA FUGA PARA OS ESTADOS UNIDOS, DE LÁ
PARA O HAITI, (PARA A CIDADE DE PORTO PRÍNCIPE). A SUA RECEPÇÃO PELO REV. W.
L. JUDD, MISSIONÁRIO BATISTA; A SUA CONVERSÃO AO CRISTIANISMO, O SEU
BATISMO E RETORNO AO SEU PAÍS, AS SUAS VISÕES, OBJETIVOS E META.

Escrito e revisado a partir das suas próprias palavras


Pelo ilustríssimo senhor SAMUEL MOORE,

Ex-editor da "North of England Shipping Gazette," Autor de Várias Obras Populares, e


Editor do Sundry Reform Papers

DETROIT

Impresso para o Autor, Mahommah Gardo Baquaqua,


POR GEO. E. Pomeroy & Co., Tribune Office 1854
1854.

Verso da página

Registrado, segundo o Ato do Congresso norte-americano do


ano de 1854, por MAHOMMAH GARDO BAQUAQUA, na
Repartição do Tribunal Distrital dos Estados Unidos para o
Distrito do Michigan.
NÚMEROS.
Afo, um.
Ahinka, dois.
Ahiza, três.
Attoche, quatro.
Ahgo, cinco.
Aido, seis.
Aea, sete.
Aeako, oito.
Aega, nove.
Away, dez.
Awaychinefaw, onze.
Awaychineka, doze.
Awaychineza, treze.
Awaychinetache, quatorze.
Awaychinago, quinze.
Awaychinedo, dezesseis.
Awaychinea, dezessete.
Awaychineako, dezoito.
Awaychinego, dezenove.
Awarranka, vinte.
Awarrankachnefaw, vinte e um.
Awarrankachineka, vinte e dois.
Awarrankachnega, vinte e três.
Awarrankachintache, vinte e quatro.
Awarrankachinego, vinte e cinco.
Awarrankachinedo, vinte e seis.
Awarrankachinea, vinte e sete.
Awarrankachineake, vinte e oito.
Awarrankachinega, vinte e nove.
Awarranza, trinta.
Awarranzachinefaw, trinta e um.
Awarrankachineka, trinta e dois.
Awarranzachineza, trinta e três.
Awarranzachintoche, trinta e quatro.
Awarranzachinego, trinta e cinco.
Awarrankachinedo, trinta e seis.
Awarranzachinea, trinta e sete.
Awarranzachineako, trinta e oito.
Awarranzachinega, trinta e nove.
Waytoche, quarenta.
Waytochechinefaw, quarenta e um.
Waytochechineka, quarenta e dois.
Waytochechineza, quarenta e três.
Waytochechintoche, quarenta e quatro.
Waytochechinego, quarenta e cinco.
Waytochechinedo, quarenta e seis.
Waytochechinea, quarenta e sete.
Waytochechineaka, quarenta e oito.
Waytochechinega, quarenta e nove.
Waygodada, cinquenta.
Waygochinefaw, cinquenta e um.
Waygochineka, cinquenta e dois
Waygochineza, cinquenta e três.
Waygochintoche, cinquenta e quatro.
Waygochinego, cinquenta e cinco.
Waygochinedo, cinquenta e seis.
Waygochinea, cinquenta e sete.
Waygochineako, cinquenta e oito.
Waychinaga, cinquenta e nove.
Waydo, sessenta.
Waydochinefaw, sessenta e um.
Waydochineka, sessenta e dois.
Waydochineza, sessenta e três.
Waygochintoche, sessenta e quatro.
Waydochinego, sessenta e cinco.
Waydochinedo, sessenta e seis.
Waydochinea, sessenta e sete.
Waydochineako, sessenta e oito.
Waydochinega, sessenta e nove.
Wayea, setenta.
Wayeachinefaw, setenta e um.
Wayeachineka, setenta e dois.
Wayeachineza, setenta e três.
Wayeachintoche, setenta e quatro.
Wayeachinego, setenta e cinco.
Wayeachinedo, setenta e seis.
Wayeachinea, setenta e sete.
Wayeachineako, setenta e oito.
Wayeachinega, setenta e nove.
Wako, oitenta.
Waykochinefaw, oitenta e um.
Wakochineka, oitenta e dois.
Wakochineza, oitenta e três.
Wakochintoche, oitenta e quatro.
Wakochinego, oitenta e cinco.
Wakochinedo, oitenta e seis.
Wakochinea, oitenta e sete.
Wakochineako, oitenta e oito.
Wakochinega, oitenta e nove.
Wayga, noventa.
Waygachinefaw, noventa e um.
Waygachineka, noventa e dois.
Waygachineza, noventa e três.
Waygachintoche, noventa e quatro.
Waygachinego, noventa e cinco.
Waygachinedo, noventa e seis.
Waygachinea, noventa e sete.
Waygachineako, noventa e oito.
Waygachinega, noventa e nove.
Zongfawdaday, cem.
Zongeka, duzentos.
Zongeza, trezentos.
Zongtoche, quatrocentos.
Zonggo, quinhentos.
Zongedo, seiscentos.
Zongea, setecentos.
Zongeako, oitocentos
Zongega, novecentos
Zongway, mil.
PREFÁCIO E NOTAS DO COMPILADOR

Ao compilar as páginas seguintes, muitas dificuldades foram, naturalmente,


encontradas, mas grande cuidado foi tomado para tornar a obra o mais legível e clara
possível às capacidades de todas as classes de leitores: a descrição do povo (seus
modos e costumes) daquele país, que é tão pouco conhecido para o mundo em geral,
será tida com altamente instrutiva - os amigos do pobre negro africano e da raça de
cor em geral, serão mui beneficiados pela leitura minuciosa da obra, do início ao fim;
nelas eles verão os horríveis sofrimentos e torturas infligidos sobre esta porção das
criaturas de Deus, meramente por causa do "seu tom de pelo mais escuro," não
obstante o seu coração ser tão terno e flexível quanto o do homem de matiz mais
claro.
O objetivo mais caro de Mahommah sempre foi, por muitos anos, no passado, na
verdade desde a sua conversão ao Cristianismo enquanto esteve no Haiti, poder
retornar à sua terra nativa, para instruir o seu próprio povo nos caminhos do
Evangelho de Cristo, e ser o meio da salvação deles, o que se espera que ele consiga
fazer muito em breve; neste ínterim ele se tornou súdito da Rainha da Inglaterra, e
está, no momento, vivendo sob as suas leis e influência benignas no Canadá,
estimulando a população de cor e agitando a favor da abolição da escravidão em
todas as partes do mundo, uma causa que deveria ocupar o coração e os sentimentos
de todo homem e mulher benevolente e caridoso no mundo inteiro; os escravos
mesmos, ao que se espera, serão beneficiados por cada linha que está escrita ao seu
favor, por mais simples que o seu estilo possa ser; já que a sua causa é a causa da
humanidade sofredora, como poderia qualquer pessoa que se vangloria da religião de
Jesus Cristo, por um só momento procurar defender a escravidão, tal qual ela é, por
um único dia? Não! Ela não pode existir; o sistema de escravidão e as doutrinas de
Cristo são exatamente opostos entre si; não importa o que os defensores do sistema
possam dizer! Leitores, julguem por vocês mesmos, e ajam por vocês mesmos; não
dependam de dogmas de homem nenhum ou de classe de homens, mas leiam,
marquem, aprendam e digiram interiormente o tema destas páginas, e comparem o
tratamento daquelas pobres criaturas sob o jugo da escravidão, e o Evangelho de
Cristo, e vocês logo chegarão à conclusão, que não resistirá à comparação com
qualquer porção do bom livro, o qual diz: "o meu jugo é suave, e o meu fardo é leve" --
pois o jugo da escravidão é duro e os fardos não são leves, mas excessivamente
pesados.
Palavras não seriam suficientes para contar, escrever ou publicar acerca do
horrível sistema de escravidão. Para levar o tema brutal a um término, quanto mais é
dito e feito no sentido de se agitar o tema, melhor para todas as classes, melhor para
os proprietários de escravos, para se livrarem do "pecado amaldiçoado," e melhor
para os pobres escravos livrarem-se dos seus jugos; que todos cujo coração não seja
de pedra e cujos nervos não sejam de aço, avancem suas visões de toda maneira
possível e que o escravo possa, em breve, tornar-se livre, e bendizer o dia que assim o
fez, e as mãos que soltaram os grilhões das suas mãos e pés ensanguentados, e
retiraram o chicote da mão do senhor tirano, que curou todas as feridas do negro e
aplicou bálsamo ao seu corpo contorcido. Pode [a pessoa] humana e filântropa que
lutou pela liberdade dos escravos nos territórios das Índias Ocidentais alguns anos
atrás, e que custou ao povo britânico, alguns milhões de libras esterlinas --, digo, pode
ela esquecer os sentimentos agradáveis que aquele acontecimento lhes proporcionou.
A Sociedade dos Amigos (Grupo protestante também conhecido como "os Quakers")
foi a principal agitadora daquele movimento, e as bênçãos e orações dos escravos
pobres e libertos subiram até os altares do céu naquela grande ocasião; podem eles
esquecer os mais amáveis sentimentos da sua natureza que foram despertados no seu
íntimo naquela ocasião, podem eles, pense você, esquecer o dia glorioso que fez os
seus companheiros livres; podem eles esquecer o [dia] primeiro de agosto daquele ano
tumultuado? Ó, então, amigos da humanidade, levantem-se novamente, como
fizeram aqueles homens bons naquela ocasião e perseverem até que cumpram a
tarefa que se propuseram a fazer, como aqueles, outrora o fizeram.
Esta pequena obra pode ter o seu efeito desejado onde quer que seja lida, e
independentemente dos sofrimentos do sujeito (Mahommah) provocará lágrimas em
muitos olhos piedosos, e rubor a muitas bochechas com covinhas, em vergonha pela
crueldade praticada sobre ele por homens que carregam a imagem do seu Criador,
muito rubor sobrevirá às bochechas da inocência enquanto esta obra estiver em
processo de revisão minuciosa.
A parte descritiva desta obra nada fará além de provar-se altamente interessante
ao leitor em geral, assim como as descrições advindas da boca de um nativo que
passou por todos os lugares descritos, no interior de uma terra como a África. Muitas
obras descritivas daquela terra têm surgido da imprensa, de tempos em tempos, mas
nenhuma se parece como a presente obra; ela é, simplesmente, uma compilação, ou
narrativa de eventos ocorridos na vida do próprio homem que as narra, e é
apresentada sem qualquer linguagem figurada, mas no estilo mais claro possível;
todas as expressões utilizadas são "tão familiares quanto palavras de casa,"
consequentemente ela será facilmente compreendida por todos que a lerem; ela está
escrita de forma tão clara em termos de linguagem, que "mesmo aquele que corre a
conseguirá ler". Os costumes e cerimônias diferentes são muito divertidos, e podem,
segundo a maneira pela qual a obra for lida, provarem-se, também, altamente
instrutivos. Espera-se que, de algum modo, o bem possa ser alcançado com esta
publicação. Se fosse do alcance de Mahommah seguir para a África como missionário,
segundo o desejo do seu coração, é sua intenção, se lhe for permitido retornar ao seu
país, lançar esta obra em formato ampliado, com o acréscimo de assuntos que foram
deixados completamente de lado, ou abreviados por falta de espaço, junto com o seu
sucesso entre a sua raça nativa, o povo do seu próprio clima.
BIOGRAFIA

DE

MAHOMMAH GARDO BAQUAQUA

CAPÍTULO 1

O sujeito desta memória nasceu na cidade de Zugu, na África Central, cujo rei era
vassalo do rei de Bergu. A sua idade não é conhecida com exatidão, já que os
africanos têm, em geral, um modo diferente de dividir o tempo e calcular a idade, mas
se supõe que ele tenha cerca de 30 anos de idade, pela lembrança de certos eventos
que ocorreram, e a partir do conhecimento que ele adquiriu dos números, nos últimos
tempos. Porém, como isto não é uma questão muito importante na sua história,
deixamo-la aqui na sua própria obscuridade sem crermos, nem por um momento
sequer, terá o seu interesse diminuído por causa da falta deste número específico.

Ele afirma que os seus pais eram de países diferentes, o seu pai um nativo de
Bergu (de origem árabe) e de pele não muito escura. A sua mãe era uma nativa de
Kashna e de pele muito escura, era completamente negra. Os costumes do seu pai
eram rígidos e quietos; a sua religião, o Maometanismo.

Como o interior da África é, comparativamente, pouco conhecido, um breve


esboço só poderia se mostrar muito interessante para a maioria dos nossos leitores;
dessa forma, passaremos os detalhes segundo eles foram apresentados pelo próprio
Mahommah. O seu modo de devoção é algo que segue o seguinte estilo:

O meu pai — diz Mahommah — levantava-se todas as manhãs às quatro horas


para fazer as suas orações, depois disso ele voltava para a cama, no nascer do sol ele
realizava os seus segundos exercícios devocionais, ao meio dia ele voltava a fazer a
sua adoração, e novamente ao por do sol.

Uma vez por ano é feito um grande jejum, que dura um mês, durante este tempo
não se come nada durante o dia, mas à noite, depois da realização de algumas
cerimônias, é permitido comer; depois de se comer, a adoração é permitida nas suas
próprias casas e, então, assembleias para culto público são feitas. O lugar de
adoração era um pátio amplo e agradável pertencente ao meu avô, o meu tio era o
sacerdote oficiante. As pessoas mais velhas se colocam em fileiras com o sacerdote de
pé diante delas, os mais velhos próximos a ele, e assim por diante, organizando-se em
ordem, de acordo com a idade.

O sacerdote começa a devoção curvando a sua cabeça em direção ao chão e


dizendo as seguintes palavras: "Ala-há-ku-bar" — e as pessoas respondem — "Ala-há-
ku-bar," que significa: "Deus, ouve a nossa oração, responde a nossa oração". O
sacerdote e o povo, então, ajoelham-se e pressionam a testa na terra, o sacerdote
repete passagens do Alcorão, e o povo responde como [vimos] anteriormente. Depois
que esta parte da cerimônia é terminada, o sacerdote e as pessoas sentadas no chão
contam as suas miçangas (*rosário muçulmano), o sacerdote, ocasionalmente, repete
passagens do Alcorão. -- Elas, então, oram pelo seu rei, para que Alá lhe ajuda a
conquistas os seus inimigos, e para que ele preserve o povo da fome, dos gafanhotos
devoradores, e para que ele lhes conceda chuva na devida estação.

No término das cerimônias de cada dia, os adoradores do profeta vão para as


suas respectivas casas, onde o melhor de tudo está providenciado para a refeição da
noite. Esta mesma adoração é repetida diariamente ao longo de trinta dias, e termina
com um imenso encontro em massa. O rei vem à cidade nessa ocasião e grandes
multidões de todas as cercanias do país que, junto com os cidadãos, reunem-se no
local indicado para adoração, chamado Gui-ge-rah, um pouco afastado da cidade.
Este lugar consagrado à adoração do falso profeta é um dos "Primeiros Templos de
Deus". Ele consistia de várias árvores muito grandes, que formavam uma sombra
muito extensa e bela, o solo arenoso e completamente desprovido de relva é mantido
perfeitamente limpo, muitos milhares podem ficar confortavelmente assentados
debaixo daquelas árvores, e por estarem a céu aberto, a aparência de assembleia tão
majestosa é extremamente imponente, os assentos são meramente tapetes
espalhados pelo chão. Um monte de areia (esta areia difere da areia do deserto: ela é
uma areia vermelha grossa misturada com terra e pequenas pedras e pode
facilmente ser transformada em um grande monturo) é feito para o sumo sacerdote
por-se de pé enquanto se dirige às pessoas. Nestas ocasiões ele está vestido com uma
túnica preta e larga, que chega quase aos seus pés, e é servido por quatro sacerdotes
auxiliares, que se ajoelham ao seu redor, segurando a barra da sua túnica,
balançando-a de um lado para o outro. Eventualmente, o sumo sacerdote "agacha-se
como um sapo," e quando ele se levanta, eles retomam a operação de balançar a sua
túnica. Estas cerimônias terminam com as pessoas retornando para casa para
oferecerem sacrifício (sarrah) pelos mortos e pelos vivos. Assim termina a festa anual.
CAPÍTULO 2

O Governo na África

Na África eles não têm formas escritas ou impressas de governo, todavia as


pessoas estão sujeitas a certas leis, regras e normas. O governo é investido no rei
como [seu] supremo, junto a ele estão os chefes ou soberanos vassalos, há também
outros oficiais, cujos títulos o ofício não podem ser explicados muito bem em inglês.

O rei de Zugu, conforme já declaramos, é vassalo, ou subserviente ao rei de


Bergu. O roubo é considerado o mais grave dos crimes em algumas partes da África,
e o ladrão frequentemente recebe a pena de morte, em consequência. Quando
qualquer pessoa é suspeita, ou acusada de roubo, ela é levada diante do rei, onde
uma espécie de julgamento lhe é feita; se for considerada culpada, ela pode ser
vendida ou levada à morte; quando esta última sentença é levada a efeito, qualquer
pessoa tem permissão para apedrejar, ou abusar, ou maltratar, de qualquer outra
maneira a pessoa condenada, até que ela seja, finalmente, levada ao cume de um
pequeno monte na cidade e apedrejada, ou morta por disparo de flecha. O
assassinato não é considerado um crime tão grave, e um assassino não recebe a
pena capital, mas, na maioria dos casos, é vendido como escravo e enviado para fora
do país.

O crime de adultério é severamente punido, porém o castigo mais rígido é


infligido sobre o homem; um caso específico é assim descrito por Mahommah, ele diz:
“Eu me lembro de um indivíduo que foi severamente punido por este crime”. O irmão
do rei tinha várias esposas, uma das quais era suspeita de incontinência. Ambos foram
trazidos diante do rei - Eu estive com ele naquele momento. O rei me ordenou que eu
tomasse uma corda, a qual eu enrolei ao redor dos braços do homem, por trás das
suas costas e amarrei, então, uma estaca foi colocada na corda, que havia sido
encharcada de forma que pudesse encolher e, então, retorcida ao redor do seu corpo,
até que a pobre criatura fosse forçada a uma confissão de culpa, quando, então, ele
era solto e desprezado como escravo. A mulher não recebia outro castigo além de
testemunhar a tortura infligida sobre o seu amante culpado.

Os fazendeiros têm as suas lavouras protegidas dessa maneira. - As fazendas não


são cercadas, o rei faz uma lei, para que cada homem que possua um cavalo,
jumento, ou outro animal, deva resguardá-los das propriedades dos seus vizinhos.
Caso qualquer animal fuja sobre a propriedade do vizinho e faça um dano mínimo, ele
é apanhado e amarrado, e o proprietário obrigado a pagar uma pesada multa antes
de poder recuperar o animal. Este é o estilo de apreensão na África.
As dívidas são, às vezes, cobradas da seguinte maneira, a saber: - Se uma pessoa
em uma aldeia ou cidade, está em dívida com uma pessoa residente a uma certa
distância e se recusa, ou negligencia, o pagamento de tal dívida, o credor residente
na cidade ou aldeia distante pode se apropriar de qualquer um dos seus vizinhos, aos
quais ele, por acaso, encontrar naquele vilarejo, e se ele tiver qualquer quantia em
dinheiro ou coisa valiosa, o credor tem permissão de tomá-la de si, e dizer para o
estranho cobrar do seu companheiro da aldeia quando ele retornar para casa; caso
ele não tenha propriedade em seu nome, ele terá permissão de apropriar-se da sua
pessoa e detê-lo até que a dívida seja paga. Tal lei neste país teria um efeito muito
grande ao resguardar os cidadãos muito mais confinados às suas casas, à medida que
o perigo de viajar seria muito grande; as chances de retorno a uma esposa ansiosa e
carinhosa seria, na maioria dos países civilizados, muito pequena, na verdade.
Supondo que o andarilho seja destituído de propriedade, e supondo que ele seja um
homem de posses, não há dúvida que as suas posses sejam consideravelmente
reduzidas, antes do seu retorno para o seu lar feliz.

Os soldados são uma classe privilegiada, e o que quer que precisem, seja na
aldeia ou na cidade, eles tem a permissão de levar, e não há reparação nenhuma, de
nenhuma queixa feita contra eles. Se um escravo fica insatisfeito, ele deixa o seu
senhor e vai até o rei, e se torna um soldado e, desse modo, obtém a sua liberdade
do seu senhor. Nenhuma "lei do escravo fugitivo" poderá apanhá-lo. Estas são
algumas das principais questões que são trazidas diante do rei para harmonização,
as quais ele resolve, segundo as leis da terra.
CAPÍTULO 3

Aparência e Situação da Terra

É bastante difícil fazer um relato muito correto da geografia daquela parte da


África, descrita como o local de nascimento de Mahommah; mas ela deve estar
situada em algum lugar entre dez e vinte graus de latitude norte, e próximo do
meridiano de Greenwich. Ela é situada na península formada pela grande curva do rio
Níger.

Até a época em que Mahommah foi "expulso de casa e de todos os seus


prazeres," o pé do homem branco ainda não havia deixado as suas primeiras pegadas
no solo; portanto, os fatos, questões, e coisas aqui relatadas, serão ainda mais
interessantes para todos aqueles cujos corações e almas estão inclinados para as
necessidades e angústias daquela porção do globo.

A cidade de Zugu fica no meio de uma região mui fértil e aprazível; o clima,
embora excessivamente quente, é bastante saudável. Há colinas e montanhas,
planícies e vales, e a água há em fartura. A cerca de um quilômetro e meio da cidade
existe um riacho, tão branco quanto o leite e de águas bem frescas, e não longe dali
existe uma fonte de água muito fresca, também muito branca. Os moradores
costumam ir da cidade para lá atrás de água.

Ela não fica no meio do deserto, como supõem alguns, mas existem algumas
planícies bastante extensas, cobertas com um capim grosso e muito alto que é usado
pelas pessoas para cobrir as suas casas, segundo o costume de se cobrir as casas com
palha. Nestas planícies não há muitas árvores, mas as que existem são de grande
porte. E aqui também, vagueiam o elefante, o leão e outros animais selvagens,
comuns à zona tórrida. Existem dois tipos de elefantes, um muito grande, chamado
Yah-quin-ta-ca-ri, o outro pequeno, chamado Yah-quin-ta-cha-na. Os dentes dos
elefantes estão espalhados em fartura ao longo de todas as planícies, e podem ser
recolhidos em qualquer quantidade. Os nativos usam os dentes paa fazer
instrumentos musicais, os quais eles chamam de Ka-fa.

A cidade em si é grande, e rodeada por uma espessa muralha, construída com


barro vermelho e com acabamento bem liso nos dois lados. O lado externo da
muralha é rodeado por uma vala, ou fosso profundo que, na estação chuvosa se
enche de água. Além disso, a cidade também é protegida por uma cerca de espinhos,
cultivada de forma tão espessa e compacta que pessoa alguma conseguiria passar
por ela; ela produz uma pequena flor branca, no auge da floração ela fica muitíssimo
bela.

O palácio do rei (se assim podemos chamá-lo) fica no interior da muralha da


cidade, a uma pequena distância da parte principal da cidade, rodeado por (aquilo que
em outros países seria chamado de) um parque, em um escala mais ampliada, no
fundo do qual está um denso matagal, dispensando a necessidade de qualquer
muralha de proteção naquele lado do domínio real. Uma larga avenida liga a cidade à
casa do rei, com um extenso mercado em cada um dos lados, debaixo da bela sombra
de belas árvores ao alto. O povo da América não faz ideia do tamanho e da beleza de
algumas das árvores da África, particularmente nas cidades, onde elas estão
separadas por boa distância, dessa forma tendo melhor chance de atingir o seu pleno
crescimento. Há uma árvore chamada de Bon-ton, que chega a uma altura muito
grande, mas os galhos não se espalham tanto quanto [os de] outras árvores; ela é
muito bonita.

A entrada da cidade se dá por intermédio de seis portões, os quais levam os


nomes dos seus respectivos guardiães, algo semelhante com o que ocorre com a
cidade de Londres, e a maioria das velhas cidades fortificadas da Inglaterra e, na
verdade, da maioria das partes do velho mundo. Estes guardiães dos portões são
escolhidos pela sua coragem e bravura e são, geralmente, pessoas de destaque. Os
nossos jovens amigos, que lerem esta obra, podem, talvez, tomarem tanto como
instrução, como diversão, o conhecimento dos seus nomes e, por isso, dá-los-emos a
seguir: 1. U-bu-ma-co-fa. 2. Fo-ro-co-fa. 3. Bah-pa-ra-ha-co-fa. 4. Bah-tu-lu-co-fa. 5.
Bah-la-mon-co-fa. 6. Ajaggo-co-fa. A palavra "cofa" significa "portão," e "Bah,"
significa "pai". "Ajagga" é o nome de uma mulher cujo filho foi distinto pelo seu
heroísmo. Em tempos de guerra, estes portões são fortemente vigiados, daí a
necessidade de se ter escolhido homens de reconhecido heroísmo e coragem para
guardá-los.

As casas são construídas com barro, baixas e sem chaminés ou janelas.

A seguinte descrição de uma das habitações dará uma ideia bastante exata
acerca da generalidade das casas da cidade. Uma moradia é composta por um
número de cômodos separados construídos em um círcul o, com um certo espaço
entre eles; na parte interna do círculo exterior existe outro círculo de cômodos, de
acordo com o tamanho da família que os ocupa. Estes cômodos são todos ligados por
uma parede; existe uma entrada grande ou principal na frente das outras, na qual se
recebe visita. Cada família é rodeada por sua própria moradia, de modo que quando
eles estão em qualquer compartimento, eles não conseguem enxergar nenhuma outra
moradia, nem qualquer outra pessoa andando para lá ou para cá. Em consequência
desta forma de construção, a cidade ocupa um espaço muito grande no terreno.
Existe uma vigilância regularmente designada para a cidade, que é paga pelo
rei, ele também atua como o Principal Magistrado sobre a guarda que faz a vigília.

CAPÍTULO 4

Agricultura, Artes, Etc.

A agricultura do país não vai além de um estágio muito rudimentar; os poucos


implementos usados são feitos pelas pessoas do país, e consistem de um tipo grande
de enxada, para cavar o solo, e outras pequenas para plantar e cobrir o milho, ou
qualquer outra coisa que deva ser cultivada. Este processo de preparação do solo é
muito laborioso e tedioso, porém a riqueza do solo compensa em certo grau; pois um
acre bem lavrado produzirá uma colheita imensa. O milho é cultivado, batatas doces e
harni, que lembra muito o milho-vassoura americano na sua aparência, e [que] lá é
usado como gênero alimentício. Harnebi, que é um grão muito fino, cresce em um talo
muito grande, e é diferente de tudo que existe neste país; ele é assado na espiga, e o
grão retirado por fricção feita com as mãos e comido como o povo americano faz com
o milho ressecado; é muito bomk. O arroz é cultivado em grandes quantidades, e de
excelente qualidade; ele é plantado em carreiras, uma plantação servirá por dois ou
três anos, já que produzirá sozinha sem qualquer atenção. Ele cresce de forma muito
exuberante. Os feijões também são cultivados. As frutas crescem em grande fartura e
variedade, espontaneamene. Os inhames são cultivados e crescem com grande
perfeição. Os abacaxis crescem espontaneamente, mas não são comidos, pois os
nativos temem que sejam de qualidade venenosa, só que isso naõ passa de medo, pela
falta de um melhor conhecimento. Os amendoins são abundantes e de boa qualidade;
e há também uma grande variedade de grãos e frutas de outras variedades; e
supondo-se que eles tivessem os meios de cultivo, os mesmos que existem em países
mais civilizados, a África seria capaz de suportar dentro de si mesma uma imensa
população.

As manufaturas da África são muito limitadas; elas consistem de utensílios


agrícolas, roupas de algodão e seda. A seda quase não é manufaturada, mas poderia
ser muito mais, já que as lagartas-da-seda são encontradas em abundância, e
poderiam ser reproduzidas em qualquer quantidade. O algodoeiro lá fica muito
grande, e o algodão é de boa qualidade.

As mulheres fiam por meio de um processo muito lento, tendo que retorcer o fio
com os seus dedos; os homens fazem a trama; eles entrelaçam o tecido em tiras finas
e, depois, costuram-nas umas às outras. As mulheres também moem o milho. O
processo de moagem é este: Eles tomam uma grande pedra e a fixam no solo, então,
tomam uma pedra menor preparada, de modo que ela possa ser facilmente
manuseada; ela é perfurada em um dos lados tal como as nossas pedras de moer; as
mulheres, então, colocam os grãos, ou qualquer coisa que queiram moer, sobre a
pedra maior, pegam a outra e esfregam o grão até que ele fique fino; se eles desejam
torná-lo muito fino, elas tomam outra pedra preparada para o propósito, e por
trabalho paciente elas conseguem torná-lo tão fino quanto a mais fina das farinhas
americanas. Elas moem inhames secos ao socá-los em um pilão junto com um tipo
fine de grão chamado Har-ni, que já mencionamos, misturados; desta mistura elas
fazem uma espécie de pudim grosso, e comem com molo de carne feito com verduras
e uma variedade de vegetais, temperados com pimenta e cebolas. Nenhum tipo de
comida é consumido sem as cebolas.

Os pastores e os vaqueiros da África são uma classe distinta e subordinada de


pessoas, e pertencem ao governo. Eles têm cabelos longos e lisos, e têm a pele clara
como os habitantes do sul da Europa; eles são quase brancos; eles cuidam das ovelhas
e do gado, abastecem a cidade com leite, manteiga e queijo, (a manteiga é muito boa
e consistente, o que é evidência de uma temperatura mais baixa nesta localidade do
que na maior parte das outras regiões da zona tórrida.) Eles são maometanos na sua
religião e aderem rigidamente aos ritos e cerimônias daquela classe de religiosos. Eles
falam as línguas árabe e flane, de modo que pode-se supor que eles sejam de origem
árabe, mas ignoramos outros detalhes da sua história.
Os animais domésticos da África são bem parecidos com os que encontramos
neste e em outros países, consistindo do cavalo, da vaca, das ovelhas, da cabra, do
jumento, da mula e da avestruz. As aves são abundantes, tais como os gansos, os
perus, os pavões; as galinhas-d'angola e as galinhas de celeiro; estas últimas são
muito grandes e existem em grande abundância. Elas são, junto com os seus ovos,
usadas como a comida comum para o povo das florestas. Além destes, existe
abundância de cisnes no rio, e uma variedade de aves selvagens; há também uma
espécie de ave aquática que é muito bela e cuja plumagem é tão alva quanto a neve,
e têm aproximadamente o tamanho de um pombo comum, - eles se reunem em
grandes revoadas. Os papagaios são muito comuns, e os pássaros que cantam são
muito numerosos. Os rios estão cheios de cavalos-do-rio, de crocodilos, etc.

CAPÍTULO 5

Maneiras, Costumes, Etc.

Grande respeito é prestado aos idosos; eles jamais usam o prefixo "senhor" ou
"senhora," mas sempre algum termo carinhoso, tal como, quando falam com uma
pessoa idosa, eles dizem Pai ou Mãe, e a um igual eles chamam de "irmão" ou "irmã".
As crianças são criadas para serem obedientes e educadas; elas nunca têm permissão
para contradizer, ou se assentar na presença de uma pessoa idosa, e quando eles
veem uma pessoa mais velha chegando elas, imediantamente, descobrem-se e, se
estão usando calçados nos pés, elas imediatamente os removem. Elas curvam os
joelhos diante dos idosos, e os idosos, por sua vez, curvam os seus joelhos diante
deles, e pedem que eles prontamente se ergam; e, em todos os aspectos uma
deferência é prestada à idade. O melhor assento é reservado a eles e, nos lugares de
adoração, o lugar próximo ao sacerdote é reservado a eles. Estes fatos não
envergonhariam os modos dos filhos dese país em relação aos idosos? Como é
doloroso testemunhar o desrespeito demonstrado para com as pessoas mais velhas
pela geração em formação neste país e, em muitos casos, até mesmo do
comportamento vergonhoso dos filhos diante dos próprios pais, tudo isso sem um
único sinal de censura ou repreensão!

É aqui que a grande regeneração moral da nossa terra precisa começar. As


crianças devem ser ensinadas desde cedo a prestar obediência e respeito aos seus
superiores e, assim, estarão preparadas a prestar a todos direitos iguais quando se
tornarem homens e mulheres e estarão, por sua vez, preparados para governar bem
as suas próprias famílias.

O leitor perdoará esta digressão; ela foi feita com o objetivo de chamar a
atenção, de forma mais contundente, para o tema, por ser ele de vital importância
para o bem-estar de qualquer comunidade, para que os jovens sejam
adequadamente preparados "no caminho em que devem seguir," para que quando
crescerem eles "dele não se desviem". E se este contraste do comportamento das
crianças africanas pobres, com o daquelas da nossa própria nação iluminada puder
ser o meio de, pelo menos, um passo na marcha pela melhoria e pela reforma neste
respeito, o compilador destas páginas se sentirá amplamente recompensado pelo
pequeno esforço feito nestas poucas linhas adicionais. Esta é uma boa, talvez uma
das melhores características da África; outra é a lei da gentileza, a qual em todos os
lugares prevalece nas relações mútuas entre as pessoas da mesma classe; tudo o que
a pessoa possui, ela divide graciosamente com o seu próximo, e ninguém jamais
entra em uma casa sem ser convidado para comer.

Porém, assim como nos países mais civilizados: se uma pessoa se eleva à riqueza
e honra, ela certamente será invejada, se não for odiada; eles não gostam de ver um
dentre os seus se elevar acima deles. Uma pessoa que sempre foi rica é tida em mais
alta estima. Isto parece ser muito bem o caso em todas as partes do mundo, vá você
onde desejar, semelhanças parecem produzir (em casos com este) semelhanças.
Observamos exatamente a mesma coisa manifesta entre nós todos os dias das nossas
vidas, bem aqui no nosso meio, de modo que não parece que estamos muito distantes
do african obscurecido, com toda a nossa sabedoria e ciência, com todas as nossas
instituições vangloriosas; verdadeiramente o mundo inteiro é um composto estranho
de "preto, branco e cinza, e os caminhos de toda a humanidade são, de todo modo,
turtuosos".

A luta é ocorrência muito comum e, de forma alguma, é considerada infame, há


um lugar na cidade onde os moços se reunem para este propósito; e, como em outros
lugares, há dois grupos que jamais chegam a um acordo; cada grupo ocupa partes
diferentes da cidade, e eles se encontram para combate pessoal, que normalmente
termina em uma luta generalizada, mas eles jamais se matam uns aos outros.

CAPÍTULO 6

Cerimônias de Casamento, Etc.

Quando um moço deseja se casar, ele escolhe um fruto predileto chamado Gan-
ran, e o envia por intermédio da sua irmã, ou alguma amiga, para a moça escolhida;
se o fruto for aceito, ele entende que ele será favoravelmente recebido, e permanece
em casa por cerca de uma semana antes de fazer outra visita. Depois de passado um
certo tempo visitando e recebendo visitas, os preparativos são feitos para a cerimônia
de casamento. Eles não marcam uma data específica, nem uma cerimônia de
casamento na casa do pai da noiva, mas ela fica sem saber a data; os preparativos
são feitos pelo noivo e pelos seus pais. Na data marcada, o noivo envia um número de
moços para a casa do pai dela à noite; eles ficam do lado de fora bem quietos e
enviam uma criança para dentro da casa para dizê-la que uma pessoa deseja falar
com ela. Ela vai até a porta e é, imediatamente, cercada e levada para fora pelos
moços, até um lugar chamado Nya-wa-qua-fu, onde ela é mantida durante seis dias;
durante este tempo ela permanece com véu e tem um número de outras moças
amigas ao seu lado, que passam tempo com ela brincando e se divertindo. O noivo,
neste ínterim, confina-se em casa e é atendido pelos seus amigos moços, que também
passam o seu tempo em festejos e celebrações até o sétimo dia.

Enquanto eles estão assim confinados, um convite geral é feito aos amigos das
duas partes. O convite é feito dessa forma: Comunica-se que My-ach-i e Ah-di-za-in-
qua-hu-nu-yo-haw-cu-ná --, o que significa que "o noivo e a noiva estão saindo [do
confinamento] hoje. Todos se encontram em algum lugar conveniente designado
para este propósito. Os amigos do noivo o conduzem até lá, e as amigas da noiva a
conduzem também; tanto a noiva como o noivo têm as suas cabeças cobertas com
panos brancos. Um tapete é preparado para que eles fiquem sentados; os amigos
chegam e saúdam o noivo, ao mesmo tempo em que lhe entregam um pouco de
dinheiro. O dinheiro é, então, colocado diante do casal que é, assim, considerado
marido e mulher. O dinheiro é, de modo semelhante, espalhado diante do rei dos
atabaques e seus companheiros; também para que as crianças do povo em geral
possa apanhá-lo. Depos disso, eles são conduzidos para a casa do noivo. As
cerimônias são, assim, encerradas. Caberia afirmar que o favor do pai da moça é
obtido por meio de presentes.

A poligamia é largamente praticada, e sancionada por lei. As propriedades de um


homem são, por vezes, estimadas pelo número de esposas que ele tem.
Ocasionalmente, um homem pobre tem um certo número de esposas e, então, são
elas que precisam sustentá-lo. Quando uma mulher rica se casa com um homem
pobre (como, às vezes, é o caso) ele jamais tem mais de uma mulher. A mãe de
Mahommah era uma mulher de classe e riqueza. O seu pai havia sido um homem rico;
ele era um mercador viajante; carregava as suas mercadorias em jumentos, e tinha
escravos para acompanhá-lo; mas, por algumas razões, perdeu a maior parte das suas
propriedades e, na época do seu casamento era comparativamente pobre; ele,
consequentemente, teve somente uma esposa. Esta é outra razão porque se supõe
que ele seja árabe de nascimento, já que muitos árabes viajam dessa maneira para
adquirir propriedades.

As mulheres na África são consideradas muito inferiores aos homens, e são,


consequentemente, dominadas na mais degradante sujeição. A condição das
mulheres é muito similar à que se observa em todas as nações bárbaras. Elas jamais
comem à mesma mesa que os homens, ou mesmo na presença deles (para elas não
há mesa) mas em aposentos separados.

Quando uma pessoa morre, eles envolvem o corpo em um tecido branco e o


sepultam tão logo possível. Depois de o corpo ser deitado com o rosto para o leste, o
sacerdote é chamado, e uma cerimônia religiosa é realizada, que consiste em
orações a Alá pela alma do defunto.

A forma de sepultamento é pela escavação de um lugar no solo, com vários


palmos de profundidade e 3 ou 3,651 metros na horizontal, no qual eles depositam o
corpo e fecham a entrada com uma grande pedra chata. Outras cerimônias também
são realizadas pelo sacerdote sobre a sepultura.

1
Dez ou doze pés, considerando-se cada pé como sendo de 12 polegadas ou 0,3048 m. (N. do T.)
Grandes lamentações são feitas pelos mortos, por choros e prantos e altos e
amargos, que perduram por seis dias. Os amigos do falecido se trancam por este
período de tempo, fazendo reuniões de oração toda noite. No sétimo dia, uma
grande festa é feita e o tempo de lamúrias termina, quando a família aparece de
forma normal.

Os africanos são uma raça supersticiosa de pessoas, e creem em feitiçaria e


outras atividades sobrenaturais. Corpos de luz, algo semelhante ao Ignus Fatuas, ou
fogo-fátuo, são frequentemente vistos sobre os montes e lugares altos, os quais se
movimentam esporadicamente. Supõe-se que estes fenômenos sejam espíritos
malignos; eles têm uma aparência estranha à distância, e por pessoas menos
ignorantes que os africanos, poderiam ser confundidos com um objeto muito
diferente. Eles são muito maiores na aparência que o Jack-o-Lanthorn da Europa, e
parecem avançar a partir dos braços estendidos de um ser humano.

Quando eles supõem que uma pessoa está enfeitiçada, eles consultam o seu
astrólogo, que consulta as estrelas, que, dessa forma, descobre a suposta bruxa, a
qual, geralmente, vem a ser uma pobre velha caduca, a qual eles tomam e levam à
morte. Esta prática parece ser muito similar ao que era anteriormente praticado nos
estados da costa leste [dos Estados Unidos], na maior parte da velha Inglaterra e, na
verdade, ao longo de toda a Europa em geral "em dias que se foram". Na verdade, em
muitas partes da velha Inglaterra, em pequenas vilas e aldeias isoladas, o mesmo é
feito ainda nos dias de hoje. Obviamente, todas estas noções têm a sua origem na
mais grosseira ignorância, daí a necessidade de se educar as massas dos povos em
todas as partes do mundo.

Existe uma classe de homens chamados homens da medicina, aos quais as


pessoas supõem que nada os pode ferir; a estes homens é atribuído o ofício de levar à
morte estas supostas feiticeiras. Eles são chamados de Umbás e estão espalhados por
todo o país; andam em estado de nudez; comem carne de suíno, e são considerados
pelos maometanos como um povo muito maldoso.

É costume dos maometanos usarem um tipo largo de calça, que é inteiriço no


fundilho e preso ao redor do quadril por um cordão. Uma túnica larga é usada em
cima desta, cortada de forma circular, aberta no centro, suficientemente larga para
ser colocada por sobre a cabeça e para se firmar em cima dos ombros, com mangas
largas, ficando expostos o pescoço e o peito. As mulheres usam um tecido que mede
cerca de 1,70 metros quadrados, dobrado nas duas pontas, depois preso em torno da
cintura, com o laço do lado esquerdo. A túnica do rei é feita em estilo similar, porém
com materiais mais caros. As crianças não usam muitas roupas.
O comércio feito entre Zugu e outras partes do país, é feito por meio de cavalos
e jumentos. O sal é trazido de um local chamado Sab-ba. Eles trocam escravos,
vacas e marfim por sal. Esta viagem dura cerca de dois meses, em geral.
Ocasionalmente, as mercadorias da Europa são trazidas do Ashanti, ela, porém, são
muito caras. A maior parte dos artigos usados são de fabricação caseira. A louça de
barro é feita de argila, eles têm uma argila vermelha e branca muito boa, porém os
artigos feitos por eles são muito rudimentares, pois eles conhecem pouco sobre
aquela forma de manufatura, na verdade, pouquíssimo sobre qualquer outra.

Eles têm noções estranhas sobre o homem branco. As suas noções a respeito
deles são muito vagas e sonhadoras. Eles supõem que eles vivem no oceano e que
quando o sol se põe, ele aquece a água, de forma que o povo branco cozinha a sua
comida com ela. Eles consideram o povo branco superior a eles mesmos em todos os
aspectos, e temem confeccionar agulhas, pois imaginam que o homem branco tem a
capacidade de olhar através de um instrumento e observar tudo o que está
acontecendo; e eles acreditam que o homem branco fica muito irado com eles
quando eles confeccionam agulhas; eles temem muitíssimo ocupar-se dessa forma, e
não gostariam de ser vistos nem pelo homem branco nestas horas, e se pudessem
evitar, nem pelo mundo inteiro. Quando eles estão ocupados confeccionando agulhas
eles, obviamente, imaginam que estão sendo observados; isto, é claro, surge da
crença de que estão engajados em uma atividade errada, e o mesmo se dá com todo
o resto da raça humana, quando um suposto erro está sendo perpetrado, o temor
toma conta da mente. Isto não passa de coisa natural para toda a humanidade; eles
imaginam que, por causa da confecção das agulhas, os brancos têm o poder de lhes
seguirem com os olhos. Em razão da predominância de tais noções, obviamente, as
agulhas não são feitas em grande quantidade, porém, alguns são achados corajosos e
persistentes o suficiente para confecioná-las. De onde estas noções surgiram, não
sabemos explicar muito bem, porém o instrumento que a tudo vê, sem dúvida é o
nosso telescópio, o qual, em algum momento ou outro foi exibido, provavelmente por
marinheiros, que viajaram por algumas partes da África, e a história circulou pelos
caixeiros-viajantes da tribo de cor negra.

As guerras na África são muito frequentes, a região é dividida em tantas


divisões ou pequenos reinos. Os reis estão continuamente em litígio, e estes litícios
levam à guerra.

Quando um rei morre, não existe um sucessor regular, mas surgem muitos rivais
para o reino, e aquele que consegue alcançar este objetivo pelo poder, torna-se o rei
sucessor, assim a guerra resolve a questão.

A escravidão também é outra fonte produtiva da guerra, os prisioneiros sendo


vendidos como escravos. As armas usadas são arcos e flechas, mosquetes e um tipo
de faca ou espada curta, de fabricação caseira. Esta faca ou espada é usada em
tempo de paz como arma de porte, bem como em tempo de guerra. Os africanos
jamais andam desarmados. - Às vezes, grandes números são mortos nas guerras, mas
jamais tantos quantos nos países europeus e outros. Os seus prisioneiros são tratados
de modo muito cruel; eles chicoteiam e abusam deles de outros modos, até surgir
uma oportunidade de se livrar deles como escravos. Eles bebem consideravelmente
antes de ir para a batalha, para fortalecer-lhes e instilar-lhes coragem ou ousadia;
(obviamente, isto não diz respeito aos que professam o Maometanismo, já que eles
não fazem uso de nenhum tipo de bebida intoxicante em ocasião nenhuma.) Às vezes,
cidades inteiras são destruídas e a região em derredor é devastada, sucedendo-se a
fome.

Esta desgraça, com muita frequência, é consequência da guerra, onde quer que
ela seja praticada, não somente na África, mas em todas as partes onde o conflito
sangrento é deflagrado. Quando o Evangelho, com as suas belas verdades, for
plenamente compreendido e apreciado pelo povo em geral, a paz e o bem reinarão
supremos e as "guerras e os rumores de guerras," cessarão para sempre.

Quão estranho ver nações que se vangloriam de serem governadas pelo o


Iluminismo e pelo poder do glorioso Evangelho de Cristo tomar parte "mão a mão e pé
a pé" em tamanhas cenas de carnificina e destruição. Como podem nações cristãs
serem sempre tão empenhadas no sucesso da sua missão de converter os pagãos,
enquanto as suas práticas em casa são tão diferentes das verdades abençoadas
apresentadas no sagrado volume? Que o espírito cristão e o espírito de guerra se
ordenem em oposição eterna, e não está distante o dia em que o deserto florescerá
como a rosa com flores, adequado para a guarnição de paz e santidade. Os cristãos, e
aqueles que professam as doutrinas do Evangelho, deveriam fazer tudo o que estiver
no seu poder para banir a guerra. Então, o seu "jugo seria suave e o seu fardo leve" e
a obra de conversão avançaria rapidamente.

A Escravidão na África. - A maior fonte de miséria da África é o seu sistema de


escravidão, que é continuado a uma extensão temerária, mas a escravidão doméstica
naquele país não é nada quando comparada a este; porém o mercado de escravos é
deveras terrível. Os escravos são retirados do interior e enviados apressadamente ao
litoral, onde eles são trocados por rum e tabaco, ou outros artigos de mercadorias.
Este sistema de escravidão causa muito derramamento de sangue e,
consequentemente, miséria. Mahommah foi, uma vez, tomado como prisioneiro e
vendido, mas foi redimido pela sua mãe, mas [você saberá] mais a respeito no local
apropriado.
CAPÍTULO 7
O Início da Vida de Mahommah, Etc.

Agora, prosseguiremos, sem demora, à parte mais importante da obra,


descrevendo a história inicial, a vida, as provações, os sofrimentos e a conversão de
Mahommah ao Cristianismo; a sua chegada à América; a sua viagem e permanência
no Haiti e o retorno a este país; as suas visões, objetivos e propósitos.

Os seus pais, como anteriormente declarado, eram de tribos ou nações


diferentes. O seu pai era de religião maometana, mas a sua mãe não tinha religião
nenhuma. Ele declara: "A minha mãe era como muitos cristãos bons daqui, que
gostam de serem cristãos nominais, mas não gostam muito de adorar a Deus. Ela
gostava muito do Maometanismo, mas não se importava muito com as questões
que envolviam a adoração". Os maometanos são adoradores muito mais fervorosos
do que os cristãos, e adoram com zelo e devoção mais aparente.

A família consistia de dois filhos e três filhas, além de gêmeos que morreram na
infância. Os africanos são muito supersticiosos com gêmeos; eles imaginam que todos
os gêmeos são mais inteligentes que todos os outros filhos, e também com relação ao
filho que nasce depois dos gêmeos. Eles são considerados conhecedores de quase
tudo, e são tidos em alta estima. Se os gêmeos sobrevivem, uma imagem deles é feita
a partir de uma madeira específica, uma de cada um deles, e eles são ensinados a dar
comida para elas, ou ofertar comida toda vez que têm alimento; se eles morrem, o
filho que nasceu depois deles passa a tomar conta da imagem feita deles, e é sua
obrigação alimentá-las, ou ofertar comida para elas. Mahommah era o filho que
nasceu depois dos gêmeos, e estas pequenas obrigações ele executava com fidelidade.
Supunha-se que as imagens os guardavam do mal e os protegiam na guerra. Ele era,
consequentemente, altamente estimado por conta do seu nascimento; supunha-se
que ele jamais dissera nada errado, e tudo o que ele desejava era feito para ele no
instante. Esta, sem dúvida, era a razão porque a sua mãe o amava tão
afetuosamente, e era a causa da sua imprudência juvenil. Eles jamais o barraram ou o
controlaram, a sua mãe era a única pessoa que ousava confrontá-lo; o seu amor pela
sua mãe era muitissimo grande. O seu tio era um homem muito rico, ele era ferreiro
do rei, e desejava que Mahommah aprendesse aquele ofício, mas o seu pai o destinou
para a mesquita, na intenção de criá-lo com um dos fieis seguidores do profeta. Com
este propósito ele foi enviado à escola, mas por não gostar muito da escola, ele foi
morar com o seu tio e aprendeu a arte de fazer agulhas, facas e toda a sorte destas
coisas. O seu pai, mais tarde, voltou a colocá-lo na escola, mas ele logo fugiu de lá; ele
não gostava da restrição que o seu irmão (o professor) impunha sobre ele. O seu
irmão era um leal maometano e bem instruído na língua árabe.
Mahommah não progredia muito bem no aprendizado, tendo um receio natural
a ele. A forma de ensino é bem diferente de outros países: os africanos não possuem
livros, nem papeis, mas um quadro chamado Wal-la, no qual é escrita uma lição que o
aluno deve aprender a ler e escrever antes de outra ser passada; quando essa lição é
aprendida, o quadro é apagado e uma nova lição é escrita.

Os estudantes não têm permissão de se ausentar sem a permissão especial do


professor; se o aluno gazeia aulas, ele recebe punição. Nenhuma taxa é cobrada até
que a educação seja terminada. A inspeção escolar é feita da seguinte maneira: Uma
grande casa de reunião, geralmente uma mesquita, é selecionada, onde os alunos se
reunem junto com os professores, que precisam abrir vinte capítulos do Alcorão, e se o
aluno ler os vinte capítulos inteiros, sem errar uma única palavra, a sua educação é
considerada terminada e as taxas de instrução são imediatamente pagas.

O tio de Mahommah tinha propriedade em Sal-gar, para onde ele seguia para
comprar ouro, prata, bronze e ferro para os propósitos do seu negócio. O ouro e a
prata ele transformava em braceletes, para os braços, e brincos e anéis: os africanos
são muito afeitos a este tipo de ornamento.

As agulhas, na África, são feitas à mão, o processo é muito tedioso; em primeiro


lugar o ferro é endurecido ou convertido em algo como o aço, ele é, então,
tranformado em arame fino, por meio de um processo de martelamento, e cortado
nos tamanhos adequados, conforme necessário, quando ele é, novamente, batido e
afiado na ponta por meio de limagem e, finalmente, polido à mão pela fricção de uma
pedra macia. A partir desta descrição da confecção de uma agulha, pode ser
claramente vista a quantidade de trabalho que precisa ser empregada em todos os
ramos da manufatora, por falta de ferramentas e maquinário melhores.

Um fole africano merece a nossa atenção. Costuma-se dizer: "A necessidade é a


mãe da invenção;" todo aquele que duvidar deste fato, que leia atentamente o
seguinte, e se negar esta posição, certamente terá que admitir que a invenção do fole
na África, certamente teve um "pai".

O fole é composto de um couro de cabra retirado por completo, uma estaca


atravessa do pescoço até as patas traseiras, onde ele é preso por uma ideia
engenhosa. As pernas são movidas para cima e para baixo pela mão, e um velho
cano de mosquete é usado como tubo.

Enquanto o seu tio estava em Sal-gar para negócios, ele morreu, e deixou a sua
propriedade para a mãe de Mahommah. Ele, então, trabalhou por um curto período
com outro parente.
É trabalho árduo a manufatura de implementos e ferramentas agrícolas.
Maquinário é muitíssimo necessário na África, a falta dele é uma grande
desvantagem para as manufaturas daquela região. O ferro é de primeira qualidade,
muitissimo superior ao ferro da América. O ferro, o cobre e o bronze são
transformados em anéis, que são usados como ornamentos nos tornozelos e braços.

Há centenas e milhares de homens no mundo que se alegram em fazer o bem, e


que estão procurando meios de empregar o seu tempo e os seus talentos. Para estes
que examinam atentamente as páginas desta obra, a dica aqui lançada não poderá
ser perdida. Um vasto campo de utilidade se apresenta naquela parte muito
negligenciada do mundo, onde devem ser encontrados homens que somente precisam
de ensinamentos para virarem bons cidadãos, bons mecânicos, bons fazendeiros,
bons homens e bons cristãos. Para aqueles que direcionariam os seus esforços em
favor de tal nação, nenhuma dúvida resta, senão que Deus abençoaria os seus
trabalhos; as suas ações os louvariam, e milhões que ainda não nasceram os
chamariam de bem-aventurados. Ide, portanto, vós, filântropos, homens e mulheres
cristãos, até estes povos obscurecidos, oferecei-lhes a mão de assistência e erguei-
lhes ao padrão dos seus companheiros, e dai todo o consentimento que puderes aos
seus esforços rumo à utilidade e bondade, jamais se importando com a zombaria e
com as carrancas de um mundo frio e indiferente; que as vossas obras possam ser de
tal natureza que todos os homens bons possam falar bem de vós, e as vossas próprias
consciências lhes dê aprovação.

A África é rica em todos os aspectos (exceto no conhecimento). O conhecimento


do homem branco é necessário, mas não os seus vícios. A religião do homem branco é
necessária, mas mais dela, mais do espírito da verdadeira religião, tal como a Bíblia
ensina: "Ama a Deus e ama ao homem". Quem irá até a África? Quem levará a Bíblia
para lá? E quem ensinará aos pobres africanos obscurecidos, as artes e as ciências?
Quem fará tudo isso? Que a resposta seja pronta, que ela seja cheia de vida e energia!
Que a ordem do Salvador seja obedecida. "Ide a todo o mundo e pregai o evangelho".
Salvai a todos os que estão perecendo por falta de conhecimento, pois à falta daquele
conhecimento, vós tendes o poder de transmiti-lo. Não mais hesiteis, pois esta é a
hora, o tempo aceitável: "vem a noite, quando homem nenhum pode trabalhar," e o
dia (o nosso dia) e o dia declina rapidamente. Ó, amigos cristãos, levantai-vos e passai
a agir.

O irmão de Mahommah era uma espécie de sortista que, quando o rei estava
prestes a sair para a guerra, era consultado por ele, para saber se a questão da
guerra seria a seu favor ou não; isto era feito por sinais e figuras feitas na areia, e
tudo o que ele predizia era totalmente crido como algo que ocorreria, de modo que
pelo seu próprio poder misterioso ele era capaz, tanto de fazer com que o rei fosse à
guerra, quanto de colocar um fim à questão.

Ele, certa vez, foi a Bergu, que ficava a leste de nós, a uma certa distância, onde
permaneceu por dois anos. Uma grande guerra foi travada durante aquele tempo e
ele foi tomado como prisioneiro, mas foi liberto pela sua mãe, a qual pagou uma
redenção, quando ele retornou de volta para casa. Ele, então, foi para Da-boy-ya, que
ficava bem longe, na direção sudoeste de Zugu, do outro lado de um rio muito grande.
Naquele lugar, uma grande quantidade de artigos de manufatura europeia poderiam
ser encontrados, tais como garrafas de vidro, copos, pentes, calicôs, etc., porém as
construções eram, na sua maioria, semelhantes às de Zugu, mas a cidade não era
rodeada por muralhas, como esta última. Aqui também o rei estava em guerra e
convidou o meu irmão. A causa dessa guerra era que o rei havia morrido, e uma
disputa havia surgido (como costuma ser o caso) entre dois irmãos, [sobre] qual
deveria ser o rei; eles adotaram tais meios para dedicir quem deveria suceder, e
aquele que conseguisse reunir as maiores forças seria o sucessor. O candidado mal-
sucedido se colocaria dabaixo da proteção de um rei vizinho, até que conseguisse
reunir forças suficientes para poder vir exitosamente à guerra e, desse modo, arrancar
o reino do seu irmão.

Depois do irmão de Mahommah ter permanecido um certo tempo com o rei, o


próprio Mahommah foi para lá com muitos outros para carregar grãos, já que estes
ali haviam se tornado escassos por conta da guerra. Durava cerca de dezessete dias a
viagem desde Zugu, a forma da viagem sendo a pé, com as sacas de grão sobre a
cabeça; um modo um tanto tedioso e desagradável de viajar e transportar
mercadorias, considerando as facilidades para tais propósitos proporcionadas na
América e na Europa.

Eles chegaram com segurança em um sábado, e ouviram que a guerra seria


travada naquele dia, mas ela não foi retomada até o dia seguinte. O rei recebeu
palavra do seu conselheiro para sair e encontrar o inimigo no bosque, mas não fez
assim. Ele, então, foi até a casa do Rei, e depois de fazer o desjejum na manhã
seguinte, os mosquetes começaram a se fazer ouvir, e a guerra prosseguiu de forma
séria. Mosquetes foram usados por eles nessa ocasião, muito mais do que arcos e
flechas. A guerra ficou demasiadamente quente para o rei, quando ele, junto com o
seu conselheiro, fugiram para salvar as suas vidas.

Os meus companheiros — diz Mahommah — e eu mesmo corremos para o rio,


mas não o conseguimos atravessar; nós nos escondemos no mato alto, mas o inimigo
veio e nos encontrou, e fez de nós todos prisioneiros. Eu fui amarrado com muita
força; colocaram uma corda ao redor do meu pescoço e me levaram com eles. Nós
viajamos através de um bosque e chegamos a um local que eu jamais esquecerei,
cheio de mosquitos! Só que eram mosquitos de verdade, nada destas pequenas
moscas, maruins ou bichos do gênero, que as pessoas da América do Norte chamam
de mosquitos, mas bichos realmente famintos, com ferrões e sugadores capazes de
drenar cada gota de sangue do corpo de um homem de uma única vez. Eles vinham
zumbindo, zumbindo perto dos nossos ouvidos e nos picavam, cheios de irada
vingança. Eu jamais desejo estar naquele lugar novamente, nem em nenhum outro
semelhante; foi verdadeiramente horrível.

Enquanto viajava pelo bosque, nós encontramos o meu irmão, mas nenhum de
nós falou ou pareceu conhecer um ao outro; ele se virou para outro caminho sem
levantar qualquer suspeita; e, então, seguiu para um lugar e conseguiu uma pessoa
para me comprar. Caso se soubesse quem ele era, eles teriam insistido num grande
preço pela minha redenção, mas foi necessária somente uma pequena soma para a
minha soltura. Deveria ser mencionado que a cidade foi destruída, as mulheres e
crianças expulsas. - Quando as guerras irrompem subitamente, as mulheres e crianças
não têm meios de escapar, mas são tomadas como prisioneiras e vendidas à
escravidão.

Depois da minha compra e soltura, o meu irmão me enviou de volta para casa
com alguns amigos, na minha volta para casa, eu fiz uma vista ao nosso rei. Ele era
parente da minha mãe. Alguns dias depois, enquanto estava em casa, o rei mandou
me chamar e disse que queria que eu morasse sempre com ele, assim, eu permaneci
na sua casa, e ele me designou como um Che-re-coo, isto é, uma espécie de guarda-
costas do rei. Eu era somente o terceiro a partir do rei, Ma-ga-zee e Wa-roo, estando
somente os dois acima de mim em patente, depois do próprio rei. Ma-ga-zee era um
homem velho, e Wa-roo, um jovem. Eu ficava com o rei dia e noite, comia e bebia com
ele, e era o seu mensageiro dentro e fora da cidade.

O rei não residia na cidade, mas a alguns quilômetros dela. (Os africanos têm
uma forma curiosa de calcular as distâncias, eles levam as cargas sobre a cabeça e
seguem até cansar, que é chamado Loch-a-fau, e em inglês, significa uma milha!) O rei
(continua Mahommah) não guardava nada de mim mas, às vezes, quando ele tinha
assuntos muito importantes em mãos, ele consultava Ma-ga-zee, que era mais
experiente.
Os reis são chamados Massa-sa-ba, e governam vários lugares, e, a exemplo dos
Faraós da antiguidade, todos são chamados de Massa-sa-ba. Quando o rei da cidade
morre, os Massa-sa-bas são convocados a decidirem quem os sucederá. Se a guerra
se-lhes sobrevém, ele é encontrado, antes de tudo, entre os bravos; a sua residência é,
geralmente, em um denso matagal, edificada segundo o costume do país, mas
guarnecida na parte externa com mármore. Há dois tipos de mármores lá, um muito
branco, e o outro vermelho; estes mármores são triturados até virarem um pó fino,
apesar da argamassa que é usada na construção de casas ser macia, pedaços de
mármore são retirados e prensados nela, em todos os formatos e figuras fantásticas
que se possa imaginar, o que torna a parede mais firme e proporciona à construção,
depois de terminada, uma aparência bela e ornamental.

O pilão no qual as mulheres moem os inhames e o Harnee até se transformarem


em farinha, mencionado anteriormente nesta obra, exige uma atenção semelhante,
por ser muito interessante. Um número de homens adentroa a floresta e seleciona
uma árvore muito grande de uma espécie específica que é usada para este propósito,
derruba-a, e corta uma tora com cerca de um metro e vinte; ela é, então, perfurada e
polida delicadamente e, quando tudo está pronto, o rei convida um grande número
de homens, que o rolam à mão até à sua casa e o põe onde se deseja que ele
permaneça. Este pilão é, geralmente, tão grande em circunferência que dez ou quinze
pessoas podem ficar de pé para trabalhar ao seu redor de uma só vez.

Massa-sa-ba era um homem generoso e dado à hospitalidade —


consequentemente, [ele] tinha muita companhia. Eles amam as festas na Áfria, bem
como em qualquer outra parte do mundo, e quando os reis fazem banquetes, tudo o
que o país pode proporcionar é servido. Isto os torna muito populares com as pessoas.

Mahommah não consegue afirmar distintamente quanto tempo ele viveu com o
rei, mas foi um período considerável de tempo; enquanto ali esteve ele se tornou
muito ímpio. Porém — afirma ele — naquela época, eu pouco sabia o que era a
impiedade; as práticas dos soldados e guardas, hoje estou convencido, eram,
verdadeiramente, muito más, pois tinham plenos poderes e autoridade da parte do rei
para cometer toda sorte de depredação que desejassem sobre o povo sem temer a sua
desaprovação, ou punição. Todas as vezes, quando eles estavam curvados à maldade,
ou imaginavam que precisavam de alguma coisa, eles se lançavam sobre o povo e
tomavam deles tudo o que escolhiam, já que a resistência estava totalmente foram de
questão e era inútil, sendo conhecido o decreto do rei ao longo de todo o país. Estes
privilégios eram concedidos às tropas militares em lugar de pagamento, de modo que
saqueávamos para fins de sobrevivência.

Se o rei necessitava de vinho de palmeira para um banquete, ou para qualquer


outra ocasião ele me enviada; e eu levava alguns dos seus escravos comigo, e sabendo
por qual rota do país as pessoas carregadas com vinho chegavam até a cidade, eu,
junto com os escravos, escondia-me no capim alto, enquanto um do nosso grupo subia
em uma árvore alta, e ficava de vigia, esperando qualquer um que passasse. Tão logo
ele espiasse uma mulher com uma cabaça sobre a cabeça — as mulheres somente
carregam o vinho para o mercado — ele nos informava, e nós, instantaneamente a
cercávamos e tomávamos o vinho. Se o vinho fosse bom, ela o perdia; se fosse ruim,
nós o devolvíamos a ela, já que o rei jamais bebia vinho ruim, mas com a advertência
de que ela não deveria contar a ninguém que os guardas estavam em emboscada, do
contrário não poderíamos mais atacar outras pessoas, e o rei ficaria sem o seu vinho.
Dessa forma, um pedágio é cobrado de todos que carregam vinho para dentro da
cidade, toda vez que o rei necessita dele. Se uma mulher não carrega vinho suficiente
para o uso do rei, outras são abordadas da mesma maneira até que [vinho] suficiente
seja obtido; outros artigos também são apreendidos toda vez que o rei deles
necessita.

Na frente da casa, ou do palácio, do rei havia um pátio muito amplo,


formosamente sombreado por árvores majestosas; em um lado deste pátio havia três
ou quatro árvores, debaixo das quais um trono rústico foi construído de terra lançada
em um monturo e coberto com argamassa, sendo unido de árvore a árvore, que tinha
vários palmos de altura, e ascendia por degraus do mesmo material. No trono havia
um assento, almofadado, e coberto com couro vermelho, feito com pele de Bah-seh, a
qual não era usada para outro propósito. Em cada um dos lados, havia assentos para
as suas duas jovens esposas, que eram ocupados por duas das suas favoritas na sua
ausência. O meu assento era aos pés do trono, em um dos lados dos degraus, e o de
Wa-roo no outro; mais além ficava o assento ocupado por Ma-ga-zee.

O rei bebia na presença das suas esposas, mas não comia. Toda vez que ele
bebia, uma das suas esposas ou favoritas se ajoelhava diante dele e colocava as suas
mãos debaixo do seu queixo, de modo a impedir que qualquer sobra de bebida
pudesse pingar sobre a sua pessoa. Na ausência delas, essa obrigação recaía sobre
mim. Toda vez que o rei precisava de mim para alguma coisa, ele dizia: "Gar-do-wa".
Eu respondia: "Sa-bee" (um termo usado somente diante do rei) e imediatamente
corria em direção a ele, caindo com o rosto em terra diante dele, em uma atitude que
demonstrava o máximo da atenção respeitosa. Ele, então, declarava o que ele
precisava, e eu saía a toda velocidade para obedecer as suas ordens, o caminhar não
era permitido quando se tratava dos negócios do rei. -- Quando ele desejava alguma
coisa de Ma-ga-zee, ele me chamava, para comunicar a ele a sua vontade. Assim, eu
era mantido correndo da manhã até a noite, enquanto os seus banquetes seguiam.
Era um trabalho muito árduo atender aquele rei, posso assegurar a vocês, caros
leitores.

Nos banquetes do rei, todas as principais figuras se reuniam e jantavam com


ele, os mais importantes se entretiam na casa de Ma-ga-zee, e os demais nas
outras casas, de modo que os convidados ficavam espalhados em todo o redor. É a
obrigação das mulheres preparar a comida, etc.
Sem dúvida, seria altamente interessante para a maioria dos nossos leitores
apresentar uma descrição mais completa das maneiras e costumes do povo, e nos
daria grande prazer fazê-lo, caso os limites da presente obra nos permitissem; só que
de momento, esperamos que eles se contentem e se agradem com o que já foi visto e
escrito para eles, espera-se que eles se beneficiem com a leitura minuciosa. Em
alguma outra ocasião, caso o público considere adequado prestigiar estas poucas
folhas avulsas, pode ser que um volume maior e mais extenso possa ser editado pelo
autor da presente obra, no qual será passado com mais detalhes todo o seu
conhecimento da África e dos africanos.

Agora, finalmente, passaremos à parte mais interessante da história de


Mahommah, que trata da sua captura na África e subsequente escravidão.
Apresentaremos a questão, praticamente, nas suas próprias palavras.

Como já foi dito, quando qualquer pessoa apresenta evidência de ter conquistado
uma posição de eminência no país, ela é imediatamente invejada, e são tomadas
medidas para removê-la do caminho; assim, quando foi visto que a minha situação
era de lealdade e confiança diante do rei, eu fui, obviamente, logo, separado como
objeto adequado de vingança por uma classe invejosa dos meus compatriotas, atraído
para uma cilada e vendido para a escravidão. Eu fui à cidade um dia para visitar a
minha mãe, quando fui seguido por um músico (tocador de atabaques) e chamado
pelo meu nome. O atabaque batia ao ritmo de uma música que havia sido composta,
aparentemente, em honra a mim, supunha eu, por causa da minha posição elevada
diante do rei. Isto muito me agradou, e eu me senti altamente lisonjeado, ficando
muito generoso, dei ao povo dinheiro e vinho, [enquanto] eles cantavam e
gesticulavam o tempo todo. A cerca de um quilômetro e meio da casa da minha mãe,
onde uma bebida forte chamada Bah-gee, era feita de um grão chamado Har-nee;
para lá fomos, e quando eu havia bebido quantidade excessiva de Bah-gee, fiquei
muito intoxicado, e me persuadiram a ir com eles até Zar-ach-o, a cerca de um
quilômetro e meio de Zugu, para visitar um rei estranho, o qual eu jamais havia
encontrado anteriormente. Quando nós chegamos lá, o rei nos exaltou a todos, e um
grande banquete foi preparadoo, e muito bebida me foi dada, na verdade todos
pareciam beber muito livremente.

Na manhã quando eu acordei, descobri que era prisioneiro, e todos os meus


companheiros haviam partido. Ó horror! Descobri, então, que havia sido traído [e
lançado] nas mãos dos meus inimigos, e vendido como escravo. Eu jamais esquecerei
os meus sentimentos naquela ocasião: as lembranças da minha pobre mãe me
perturbavam sobremaneira, e a perda da minha liberdade e da minha posição
honorável diante do rei me angustiava muito severamente. Lamentei amargamente a
minha insensatez ao ser tão facilmente enganado, sido levado a afogar toda a cautela
numa taça. Não tivessem os meus sentidos sido tirados de mim, havia chance de eu
ter escapado das suas ciladas, pelo menos daquela vez.

O homem, em cuja companhia eu me vi largado pelos meus cruéis companheiros


era uma pessoa cuja tarefa era livrar o país de todas as pessoas semelhantes a mim.
A forma como ele me prendeu, foi a seguinte: - Ele tomou um galho de árvore que
tinha dois dentes, e cortou de forma que ele se atravessasse na minha nuca, ele foi,
então preso pela parte frontal com um ferrolho; a estaca tinha cerca de 1,80 metros
de comprimento.

Confinado, assim, fui levado em marcha até o litoral, a um lugar chamado Ar-u-
zo, que era uma grande aldeia; ali encontrei alguns amigos, que muito lamentaram a
minha situação, mas não tinham meios para me ajudar. Nós somente ficamos ali
somente por uma noite, já que o meu senhor queria apressar as coisas, pois eu lhe
havia dito que fugiria e iria para casa. Ele, então, levou-me para um lugar chamado
Chir-a-chur-i, ali eu também tinha amigos, mas não pude encontrá-los, pois ele
mantinha vigilância muito atenta sobre mim, e sempre em lugares preparados para o
propósito de manter os escravos em segurança; havia furos nos muros nos quais os
meus pés foram colocados (uma espécie de armazém [de escravos]). Ele, então,
levou-me para um lugar chamado Cham-mah — depois de passar por muitos lugares
estranhos (cujos nomes não consigo me lembrar) onde me vendeu. Nós havíamos
estado, então, cerca de quatro dias longe de casa e viajado muito rapidamente. Eu
permaneci somente um dia, quando fui, novamente, vendido para uma mulher, que
me levou para E-fau; ela tinha junto com ela alguns moços, em cujo encargo eu fui
entregue, mas ela viajou conosco; estivemos vários dias a caminho de lá; eu sofri
muito caminhando no meio da mata, e não vi um ser humano a viagem toda. Não
havia um caminho pronto, mas precisávamos abrir passagem da melhor forma que
podíamos.

Os habitantes do entorno de Cham-mah vivem principalmente da caça de


animais selvagens, que são muito numerosos por lá; eu vi vários naqueles dois dias,
mas não sei os seus nomes em inglês; o povo anda quase nu e são da mais rude
descrição. A região pela qual passamos depois de deixar Chir-a-chir-i era bem
montanhosa, com muita água de boa qualidade, as árvores eram muito grandes; não
sofremos nada com o calor na região, já que o clima era bem fresco e agradável; ali
seria uma terra saudável e aprazível, caso fosse cultivada e habitada por pessoas
civilizadas; as flores são várias e belas, as árvores, cheias de pássaros, grandes e
pequenos, alguns cantam de forma muito agradável. Nós atravessamos vários cursos
d'água, os quais, caso não fosse a estação seca, teriam sido muto profundos, pois tal
como estavam foram facilmente transpostos, não havendo mais do que noventa
centímetros de água em alguns lugares. Havia grandes quantidades de aves aquáticas
brincando por lá; vimos cisnes em abundância, tentamos matar alguns, mas achamos
muito difícil, já que os seus movimentos são muito rápidos sobre a água; eles têm uma
aparência exuberante quando estão em voo, com o pescoço e asas estendidos no ar,
eles são perfeitamente brancos, jamais voam muito alto e nem muito longe; a sua
carne é adocicada e boa, e é considerada um grande prato. Depois de passar pela
mata, chegamos a um pequeno lugar, onde a mulher que havia me comprado tinha
alguns amigos; aqui fui muito bem tratado, na verdade, durante o dia, porém, à noite
foi duramente confinado, pois temiam que eu fugisse: não consegui dormir a noite
toda, pois mantido a duras amarras.

Depois de permanecer ali pelo período de dois dias, nós começamos a nossa
viagem de volta, viajando dia após dia; a região pela qual passamos continuava
bastante acidentada e montanhosa; passamos por algumas montanhas muito altas,
as quais creio serem chamadas de montanhas de Kong. O clima continuou ameno e
agradável o tempo todo, a água era encontrada em grande abundância, de qualidade
muito excelente, as estradas, em alguns lugares, onde a terra era plana, eram
bastante arenosas, mas somente por curtas distâncias. -- A região era pouquíssimo
povoada ao longo de todo o caminho desde Cham-mah, a mata ao longo da rota não
era muito vasta, mas grandes extensões de terra, cobertas com um mato muito alto.
Nós passamos por alguns lugares onde o fogo havia consumido o mato, algo
semelhante às pradarias do sul e sudoeste da América do Norte.

Descreverei aqui a maneira de incinerar o mato na África. O mato, ao ficar muito


alto, é um refúgio ou esconderijo para animais selvagens, que são abundantes
naquela região, e quando se decide colocar fogo no mato, todas as pessoas são
avisadas a quilômetros em redor, e os caçadores vêm preparados com arcos e flechas
e se posicionam ao redor ao longo de quilômetros e formam um grande círculo;
quando o fogo é feito em um ponto, a parte oposta logo percebe e imediatamente
ateia fogo na sua porção, e assim por diante, em redor de tudo até que tudo esteja
ardendo; o fogo pega por dentro, em direção ao centro, jamais se espalhando fora do
círculo; os caçadores seguem as chamas e, estando preparados com ramos de árvores,
com folhas grandes, lançam-nos ao chão diante deles, para que sobre eles possam
ficar de pé, para poder lançar as suas flechas sobre os animais aterrorizados, que
fogem diante do elemento devorador para o centro do fogo; os caçadores,
obviamente, seguindo a sua caça em derredor por fora da massa ardente, matando
tudo diante deles enquanto avançam; pois são excelentes atiradores, e as pobres
criaturas apavoradas têm pouquíssima chance de sobreviver nestas horas; números
imensos são mortos, assim como serpentes em grandes quantidades.
Porém, retornando [à nossa viagem]: -- Enquanto passávamos por estes lugares
que haviam sido recentemene incendiados, a nossa viagem era muito mais rápida,
sem muito para impedir o nosso avanço, mas onde o mato se punha como parede
nos dois lados, tínhamos que seguir de modo muito cauteloso, temendo que animais
selvagens pudessem dar o bote e cair sobre nós. O povo da América não conhece
nada sobre mato alto, tal como existe na África; o mato alto das pradarias
americanas é como uma criança do lado de um gigante, em comparação com o
mato da zona tórrida. Ele cresce, geralmente, a pouco mais de 3,5 metros de altura,
mas, às vezes, muito mais alto e nada que esteja muito próximo de você pode ser
visto de tão grosso e fechado que ele é; ainda mais fechado que os bosques baixos
de madeira deste país. Finalmente chegamos a Efau, onde fui novamente vendido; a
mulher parecia triste em ter que se despedir de mim e me deu um pequeno presente
quando me separei do grupo. Efau é um lugar muito grande, as casas eram de
construção diferente daquelas de Zugu, e não tinham uma aparência tão boa.

O homem para quem fui novamente vendido era muito rico e tinha um grande
número de esposas e escravos. Eu fui colocado no comando de um velho escravo;
enquanto uma grande dança foi feita e fiquei com medo de que fossem me matar,
pois havia ouvido falar que assim faziam em alguns lugares, e imaginei que a dança
fosse somente uma parte preliminar da cerimônia; de qualquer forma, eu não me
senti nem um pouco confortável com aquela questão. Estive em Efau por várias
semanas e fui muito bem tratado durante aquele tempo; mas como não gostei do
trabalho que me atribuíram, eles perceberam que eu estava insatisfeito, e como
ficaram temerosos em me perder, trancafiavam-me todas as noites.

A região ao redor de Efau era muito montanhosa, e da cidade as montanhas,


ao longe, tinha uma aparência nobre.

Depois de sair de Efau, não fizemos parada até que chegamos a Dohama;
permanecemos na mata à noite e viajamos durante o dia, pois havia bestas
selvagens em grande abundância, e éramos forçados a fazer grandes fogueiras à
noite para manter afastados os animais ferozes que, de outra sorte, teriam se
lançado sobre nós e nos feito em pedaços, podíamos ouvi-los uivando em derredor
durante a noite; havia um [animal] específico ali ao redor que as pessoas temiam
sobremaneira; ele tinha a forma de um gato com um corpo comprido, alguns eram
todos de uma cor só, outros com pintas muito bonitas; os seus olhos brilhavam como
orbes de chamas brilhosas à noite, ele é ali chamado de Gu-nu. Eu presumo, pela
descrição, que deva ser o que aqui se conheça como o leopardo, pois pelo que
entendo, a descrição é aproximadamente a mesma.

Dohama fica a cerca de três dias de viagem de Efau, e é uma cidade bem grande;
as casas eram construídas de modo diferente do que eu havia visto anteriormente. A
região ao redor é plana e as estradas são boas; ela é mais densamente povoada do
que qualquer outra parte pela qual eu havia passado, embora não tanto quanto Zugu,
os costumes do povo também, eram, no geral, diferentes de tudo que eu já tinha visto
anteriormente.

Eu estava sendo conduzido pela cidade, e à medida que passávamos ao largo


dela, fomos encontrados por uma mulher e o meu guardador, que estava comigo,
imediatamente pôs-se de pé e voltou correndo o mais depressa que pôde. Fiquei de pé
paralisado, sem saber o significado daquilo; ele viu que não tentei segui-lo, nem me
mover para ou lado nem para outro, e me chamou na língua de Efau para
acompanhá-lo, o que fiz, ele, então, contou-me, depois de descansarmos, que a
mulher que havíamos encontrado era a mulher do rei, e que é sinal de respeito correr
toda vez que ela é vista por qualquer um dos seus súditos. Havia portões na sua
cidade, e um pedágio era exigido para que eles fossem atravessados. Eu permaneci ali
somente por um curto período, mas aprendi que aquele era um grande lugar para um
uísque e que as pessoas eram muito afeitas às danças. Neste lugar eu vi laranjas pela
primeira vez na minha vida. Fui informado, enquanto ali estive, que a casa do rei era
ornamentada pelo lado de fora com crânios humanos, mas não vi isto. Quando nós
chegamos aqui eu comecei a perder todas as esperanças de um dia retornar para o
meu lar, mas havia alimentado esperanças, até este momento, de poder implementar
a minha fuga e, de uma forma ou de outra, rever o meu lugar nativo, mas, finalmente,
a esperança caía por terra; o [seu] último raio parecia desaparecer, e o meu coração
se sentia triste e exausto dentro de mim, quando pensava na minha casa, na minha
mãe, a quem eu amava com ternura suprema, e a ideia de jamais fitá-la com o meu
olhar acrescentava muito mais às minhas perplexidades. Eu me sentia triste e
solitário, toda vez que andava errante, com o coração apertado dentro de mim ao
pensar nos "velhos amigos de casa".

Algumas pessoas supõem que o africano não possui nenhum dos sentimentos
mais sublimes da humanidade dentro do seu peito, e que o leite da bondade humana
não corre através da sua constituição; isto é um erro, um erro da pior espécie: os
sentimentos que animaram toda a raça humana, vivem dentro das criaturas negras da
zona tórrida, tanto quanto nos habitantes das zonas temperada e fria; os mesmos
impulsos levam-nos à ação, o mesmo sentimento de amor se movimento no seu seio,
as mesmas afeições maternais e paternais estão lá, as mesmas esperanças e temores,
aflições e alegrias, na verdade tudo está ali como no resto da humanidade; a única
diferença está na sua cor, e isto foi preparado por aquele que criou o mundo e tudo o
que nele há, os céus, e as águas do poderoso abismo, a lua, o sol e as estrelas, o
firmamento e tudo o que foi criado desde o princípio até agora, portanto, por que
alguém deveria desprezar as obras das suas mãos, as quais foram criadas e formadas
segundo a força do Todo-poderoso, na plenitude da sua bondade e da sua
misericórdia.
Ó vos desprezadores das suas obras, olhai para vós mesmos, e atentai; que
aquele que pensa se por de pé, atentai para que não caiais. Nós, então seguimos para
Gra-fe, uma viagem que durava cerca de um dia e meio; a terra pela qual passamos
era muito densamente povoada e, no geral, bem cultivada; mas não me lembro de
termos passado por nenhum curso d'água depois de entrarmos nesta região de terra
plana. Em Gra-fe, eu vi o primeiro homem branco, o qual, você pode ter certeza,
chamou muito a minha atenção; as janelas das casas também pareciam estranhas, já
que esta era a primeira vez na minha vida que via casas com janelas. Eles me levaram
para a casa de um homem branco, onde permanecemos até a manhã, quando o meu
café da manhã me foi trazido, e imagine a minha surpresa ao descobrir que a pessoa
que serviu o café-da-manhã era um velho conhecido, que também vinha do meu lugar.
Ele não me reconheceu logo de cara, mas quando ele me perguntou se o meu nome
era Gardo, e eu confirme que era, o pobre companheiro ficou maravilhado e tomou-
me pelas mãos e me sacudiu violentamente de tão feliz que ficou em me encontrar: o
seu nome era Wu-ru, e ele era de Zugu, tendo sido feito escravo há cerca de dois anos;
os seus amigos não sabiam o que havia acontecido com ele. Ele me perguntou sobre
os seus amigos de Zugu, perguntou-me se eu havia vindo recentemente de lá, olhou na
minha cabeça e observou que eu tinha o mesmo tipo de raspagem de pelos que eu
tinha quando andávamos juntos em Zugu; eu lhe disse que tinha. Pode ser importante
observar aqui que na África, as nações das diferentes partes da região têm difentes
modos de cortar os pelos da cabeça e, a partir destas marcas se sabe de que parte da
região a pessoa vem. Em Zugu, os cabelos são raspados nos dois lados da cabeça, e no
alto da cabeça, da testa até a nuca, o cabelo é deixado crescer em três lugares, em
formato redondo, os quais se deixa crescer até o cabelo ficar muito comprido; os
espaços intermediários são raspados bem próximos; não há dificuldade para uma
pessoa familiarizada com os diferentes tipos de raspagem conhecer de que parte [da
África] vem um homem.

Wu-ru parecia muito ansioso para que eu permanecesse em Gra-fe, mas eu


estava destinado a outras partes; esta aldeia fica situada junto a um grande rio.
Depois do café-da-manhã, desceram-me até o rio e me colocaram a bordo de um
barco; o rio era muito grande e se repartia em duas direções diferentes, antes de
desaguar no mar. O barco no qual os escravos eram colocados era grande e
impulsionado por remos, embora ele tivesse também velas, porém não sendo os
ventos suficientemente fortes, remos eram também usados. Nós estivemos duas
noites e um dia neste rio, quando chegamos a um local muito bonito cujo nome não
me lembro; não ficamos ali por muito tempo, mas tão logo os escravos foram todos
reunidos e o navio preparado para velejar, não perdemos tempo em nos lançarmos ao
mar. Enquanto estivemos neste local, todos os escravos foram colocados em um
curral, de costas para uma fogueira, e receberam ordens para não olhar ao redor para
nós e, para assegurar-se da obediência, um homem foi colocado na frente com um
chicote na sua mão pronto para golpear o primeiro que ousasse desobedecer às
ordens; outro homem, então, andava em redor com um ferro quente e nos marcava
com o ferro quente (estigma) da mesma forma que faziam com a tampa dos barris,
ou outros objetos ou mercadorias inanimadas.

Quando todos estavam prontos para subir a bordo, fomos acorrentados juntos, e
amarrados com cordas ao redor do pescoço e fomos, assim, puxados para baixo até a
beira-mar. O navio estava fundeado a uma certa distância. Eu nunca tinha visto um
navio antes, e a ideia que eu fazia dele era que se tratava de algum objeto de
adoração do homem branco. Eu imaginei que nós seríamos todos massacrados; e
estávamos sendo levados para lá para este propósito. Senti-me alarmado pela minha
segurança, e o desânimo quase tomou posse de todo o meu ser.

Uma espécie de festa foi feita em terra naquele dia, e aqueles que remaram os
barcos ficaram fartamente regalados com uísque, e os escravos receberam arroz e
outras coisas em abundância. Eu não estava ciente de que aquela deveria ser a minha
última festa na África. Eu não sabia do meu destino. Feliz de mim, que não sabia. Tudo
o que eu sabia era que eu era um escravo acorrentado pelo pescoço, e que deveria
pronta e voluntariamente me submeter, viesse o que viesse, o que eu considerava ser
o máximo que eu tinha o direito de saber.

Por fim, quando chegamos à praia e nos pusemos de pé sobre a areia, ó como eu
quis que aquela areia se abrisse e me engolisse ali mesmo. Não consigo descrever a
minha miséria. Ela vai além do que se pode descrever. O leitor pode imaginar, mas
qualquer coisa que se aproxime do esboço dos meus sentimentos ficaria ainda muito
aquém da realidade, para ser honesto. Havia escravos trazidos para ali de todas as
partes da região, e levados para bordo do navio. O primeiro barco havia chegado até
o navio com segurança, apesar do vento forte e do mar bravio; porém o último barco
que se aventurou acabou virando, e todos que estavam nele se afogaram, à exceção
de um homem. O número dos que se perderam foi de cerca de trinta pessoas. O
homem que se salvou era fisicamente muito robusto, e estava na proa da
embarcação com uma corrente na sua mão, a qual ele agarrou com muita força a fim
de estabilizar a embarcação; e quando o barco virou de lado, ele foi lançado ao mar
junto com o restante dos homens, mas ao subir [o barco], de algum modo, debaixo do
barco, conseguiu fazê-lo girar novamente e, assim, salvou-se ao lançar-se sobre ele,
quando ele se retornou à posição correta. Isto exigiu grande força, e ser um homem
forte lhe deu vantagem sobre os demais. O próximo barco que foi lançado ao mar, foi
o barco no qual eu fui posto; mas Deus considerou apropriado me poupar, talvez por
algum bom propósito. Eu fui, então, posto naquele que é o mais horrível de todos os
lugares,
O NAVIO NEGREIRO

Os seus horrores, ah! Quem poderá descrever? Ninguém poderá representar tão
verdadeiramente os seus horrores como o pobre infeliz, miserável desgraçado que foi
confinado dentro dos seus portais. Ó amigos da humanidade, tenham piedade do
pobre africano, que foi ludibriado e vendido do convívio dos seus amigos e do seu lar,
e enviado para o porão de um navio negreiro, para esperar por mais horrores e
misérias em uma terra distante, no meio dos religiosos e benevolentes. Sim,
exatamente no meio deles; mas rumo ao navio! Fomos lançados no porão do navio
em estado de nudez, os homens espremidos de um lado e as mulheres do outro; o
porão era tão baixo que não conseguíamos ficar de pé, mas éramos obrigados a nos
agachar sobre o piso ou a nos sentarmos; dia e noite eram a mesma coisa para nós, o
sono nos era negado pela posição de confinamento dos nossos corpos, ficamos
desesperados com o sofrimento e fadiga.

Ó! A asquerosidade e imundície daquele lugar horrível jamais desaparecerão da


minha memória; não, enquanto a minha memória tomar lugar neste cérebro distraído
me lembrarei daquilo. O meu coração ainda hoje adoece quando penso naquilo.

Que os indivíduos humanos que são a favor da escravidão somente se permitam


tomar o lugar do escravo no porão fétido de um navio negreiro, só por uma viagem da
África para a América, e sem falarmos nos horrores da escravidão que vão além disso,
se eles não saírem dali como abolicionistas, então, nada mais tenho a declarar a favor
da abolição. Porém, considero que as suas visões e sentimentos acerca da escravidão
serão modificados em certo grau; do contrário, que continuem no curso da escravidão,
e que passem o seu tempo em um campo de algodão ou arroz, ou outra plantação e,
então, se não disserem: "parem, basta!" Creio que eles devem ser feitos de ferro, não
possuindo coração nem alma. Imagino que só possa existir um lugar mais horrível em
toda a criação do que o porão de um navio negreiro, e este lugar é onde os senhores
de escravos e os seus lacaios muito provavelmente se encontrarão algum dia, quando,
ai deles, será tarde demais para se falar "ai deles"!

A única comida que tínhamos durante a viagem era milho cozido mergulhado em
água. Não consigo dizer quanto tempo ficamos confinados daquela maneira, mas
pareceu um período muito longo. Nós sofremos muitíssimo com a falta d'água, mas
nos era negado tudo o que precisávamos. Meio litro por dia era tudo o que era
permitido, e nada mais; e um grande número de escravos morreu na travessia. Houve
um pobre companheiro que ficou tão desesperado pela falta d'água, que tentou
retirar de supetão a faca do homem branco que trazia a água, quando foi levado para
o convés, no alto, e eu jamais soube o que sucedeu a ele. Suponho que ele tenha sido
lançado ao mar.

Quando qualquer um de nós se rebelava, a sua carne era cortada com uma faca,
e pimenta e vinagre eram esfregados a fim de nos tornar dóceis (!) Inicialmente eu
sofri, junto com o restante de nós, muito de enjoo do mar, mas isso não provocava
nenhuma preocupação nos nossos brutais proprietários. Os nossos sofrimentos eram
só nossos, não tínhamos ninguém com quem compartilhar as nossas aflições, ninguém
para cuidar de nós, nem para nos falar uma palavra de consolo. Alguns eram lançados
ao mar enquanto ainda tinham fôlego nos seus corpos; quando se pensava que uma
pessoa não conseguiria viver, eles se livravam dela dessa forma. Só duas vezes
durante a viagem tivemos permissão para subir ao convés para nos lavarmos - uma
vez em alto mar e outra vez um pouco antes de entrarmos no porto.

Chegamos em Pernambuco, na América do Sul, de manhã cedo, e o navio


passeou pela região durante o dia, sem chegar a lançar âncora. Durante todo aquele
dia nós não comemos nem bebemos nada, e fizeram-nos entender que deveríamos
permanecer em perfeito silêncio, sem fazer nenhum tipo de alarde, do contrário as
nossas vidas estariam em perigo. Porém, quando "a noite lançou o seu manto negro
sobre terra e mar" a âncora foi lançada e tivemos permissão para subir ao convés
para sermos vistos e apalpados pelos nossos futuros senhores, que tinham vindo a
bordo da cidade. Nós atracamos a algumas milhas da cidade, na casa de um
fazendeiro, que era usada como uma espécie de mercado de escravos. O fazendeiro
tinha grande quantidade de escravos, e não demorou muito para eu vê-lo usar o
chicote tranquilamente sobre um menino, o que causou uma profunda impressão na
minha mente, já que, obviamente, eu imaginava que aquele seria o meu destino em
breve e, ó, muito em breve. Ai de mim! Caso os meus temores viessem a se realizar!

Quando cheguei à praia, senti-me grato à Providência por ter, uma vez mais, tido
a permissão de respirar o ar puro, desejo este que quase absorvia todos os outros. Eu
pouco me importava de ser um escravo: a minha mente só pensava em ter escapado
do navio. Alguns dos escravos a bordo conseguiam falar o português. Eles já moravam
no litoral com famílias portuguesas, e costumavam servir de intérpretes para nós.
Estes não foram colocados no porão com o restante de nós, só desciam de vez em
quando para nos dizer uma coisa ou outra.

Estes escravos nunca souberam que seriam traficados, até que foram colocados a
bordo do navio. Eu permaneci neste mercado de escravos cerca de um ou dois dias,
antes de ser novamente vendido para um negociante de escravos na cidade, o qual,
mais uma vez, vendeu-me para um homem no interior, que era padeiro, e residia não
muito longe de Pernambuco.
Quando um navio negreiro chega, a notícia se espalha como fogo incontrolável,
e todos os interessados na chegada do navio com a sua carga de mercadorias vivas
vêm e escolhem a partir da variedade, aqueles que são mais adequados aos seus
diferentes propósitos, e compram os escravos exatamente da mesma forma que bois
e cavalos seriam comprados em um mercado; porém se não houver o tipo de escravo
apropriado às necessidades e desejos dos compradores no presente carregamento,
um pedido é feito ao comandante da embarcação com [detalhes] dos tipos
específicos que [o comprador] necessita, os quais são fornecidos para se fazer o
próximo pedido na próxima vez que o navio chegar ao porto. Muita gente faz um
grande negócio desta compra e venda de carne humana, e não vivem de outra coisa,
dependendo inteiramente deste tipo de tráfico.

Eu havia planejado, enquanto atravessava no navio negreiro, reunir um pouco


de conhecimento da língua portuguesa, com os homens que anteriormente
mencionei, e porque o meu senhor era um português e eu conseguia compreender
muito bem o que ele desejava, e fazia-lhe entender que eu faria tudo o que ele
desejava da melhor forma que eu fosse capaz, diante do que ele parecia bastante
satisfeito.

A sua família consistia dele mesmo, esposa, dois filhos e uma mulher que lhes
era aparentada. Ele tinha quatro outros escravos além de mim. Ele era um católico
romano, e fazia adoração familiar regularmente duas vezes por dia, que era algo
conforme descreverei a seguir: Ele tinha um grande relógio de pé na entrada da casa
no qual estavam algumas imagens feitas de barro, que eram usadas na adoração.
Todos nós tínhamos que nos ajoelhar diante delas; a família na frente, e os escravos
atrás. Fomos ensinados a cantar algumas palavras cujo significado não conhecíamos.
Nós também tínhamos que fazer o sinal da cruz várias vezes. Enquanto adorava, o
meu senhor tinha um chicote na mão, e aqueles que mostravam sinais de desatenção
e sonolência, eram imediatamente trazidos à consciência pela aplicação abrupta do
chicote. Isto acontecia principalmente com o grupo das escravas mulheres que,
normalmente pegavam no sono, apesar das imagens, sinais da cruz e outras
diversões semelhantes.

Não demorou para eu ser colocado em trabalho árduo, do tipo que cabe a
ninguém mais além dos escravos e cavalos. Na época em que aquele homem me
comprou, ele estava construindo uma casa, e precisava retirar pedras de construção
do outro lado do rio, uma distância considerável, e eu era forçado a carregar pedras
que eram tão pesadas que eram necessários três homens para erguê-las sobre a
minha cabeça. Esta carga eu era obrigado a carregar por pelo menos 400 metros, até
o local onde o barco estava. Às vezes a pedra era tão pesada sobre a minha cabeça
que eu era obrigado a lançá-la ao chão e, então, o meu senhor ficava muito irritado e,
na verdade, dizia que o "cassuri" (cachorro) havia atirado a pedra no chão, quando eu
pensava, no meu coração, que ele era o pior dos cachorros; só que isso não passava
de um pensamento, pois eu não ousava expressá-lo em palavras.

Logo aprimorei o meu conhecimento da língua portuguesa enquanto ali estive e,


em pouco tempo, já era capaz de contar até cem. Fui, então, enviado para vender
pães para o meu senhor, primeiramente indo em redor da aldeia, depois saindo para
o interior, e à noite, depois de retornar para casa, vendia no mercado até às nove da
noite. Por ser muito honesto e perseverante, eu geralmente vendia tudo, mas, às
vezes, eu não era tão bem sucedido e, então, o chicote era a minha porção.

Os meus companheiros de escravidão não eram tão estáveis quanto eu, sendo
muito mais dados à bebida, de modo que não eram tão lucrativos para o meu senhor.
Eu tirava vantagem disso, para me elevar no seu conceito, sendo muito atento e
obediente; mas tudo era sempre a mesma coisa, fizesse o que eu fizesse, eu descobria
que tinha um tirano para servir, nada parecia satisfazê-lo, de sorte que também
comecei a beber como eles, assim todos ficamos parecidos: senhor mau, escravos
maus.

As coisas iam de mal a pior, e eu estava muito ansioso para trocar de senhor, por
isso tentei fugir, mas logo fui apanhado, amarrado e levado de volta. A seguir, tentei
ver de que me serviria ser infiel e indolente; assim, um dia quando fui mandado para
vender pão como de costume, eu só vendi uma pequena quantidade, tomei o dinheiro
e gastei com whisky, que bebi desmedidamente, e fui para casa bem bêbado, quando
o meu senhor foi contabilizar o dia, tomando a minha cesta e descobrindo o estado
das coisas, fui severamente espancado. Eu disse a ele que ele não deveria mais me
chicotear, e fiquei muito irritado, pois veio à minha mente a vontade de matá-lo e,
depois, destruir a mim mesmo. Por fim, resolvi me afogar pois preferia morrer a viver
como escravo. Corri, então, para o rio e atirei-me dentro dele, mas fui visto por
algumas pessoas que estavam em um barco, e fui resgatado do afogamento. A maré
estava baixa naquele momento, do contrário os seus esforços, provavelmente, teriam
sido inúteis, e apesar da minha determinação, eu agradeci a Deus por minha vida ter
sido preservada, e por uma obra tão maligna não ter sido consumada. Ela me levou a
refletir seriamente que "Deus se move de um modo misterioso," e que todos os seus
atos são atos de bondade e misericórdia.

Na época, eu não passava de um pobre pagão, quase tão ignorante quanto um


hotentote, e não havia conhecido e Deus verdadeiro, tampouco qualquer um dos seus
divinos mandamentos. Embora fosse ignorante e escravo, a escravidão eu abominava,
principalmente, suponho eu, por ser eu mesmo sua vítima. Depois dessa tentativa
contra a minha vida, fui levado para a casa do meu senhor, que amarrou as minhas
mãos atrás do meu corpo, e pôs os meus pés juntos e me chicoteou da forma mais
impiedosa, e me surrou na região da cabeça e do rosto com um pesado porrete, depois
me sacudiu pelo pescoço e bateu a minha cabeça contra as vigas da porta, o que me
cortou e me feriu na região das têmporas, cujas marcas de tão selvagem tratamento
são visíveis ainda hoje, e seguirão comigo enquanto eu viver.

Depois de toda esta crueldade, ele me levou à cidade, e me vendeu a um


negociante, onde ele me havia tomado anteriormente, mas os seus amigos o
alertaram, então, para não se livrar de mim, pois consideravam mais vantajoso para
ele me manter consigo por seu eu um escravo lucrativo. Eu não relatei nem um décimo
do sofrimento cruel que enfrentei enquanto estive a serviço deste desgraçado em
forma humana. Os limites da presente obra não me permitirão apresentar mais do
que um rápido vislumbre às diferentes cenas que se sucederem na minha breve
carreira. Eu poderia contar mais do que seria aprazível a "ouvidos refinados," e
poderia, talvez, não fazê-los bem. Eu poderia relatar ocorrências que "fariam gelar o
teu sangue jovem, atormentariam a tua alma, e fariam com que cada um dos seus fios
de cabelo ficassem com os espinhos do porco-espinho assustado;" todavia isso não
passaria da repetição dos mil e um relatos normalmente contados sobre os horrores
do cruel sistema de escravidão.

O homem a quem voltei a ser vendido era, na verdade, muito cruel. Ele comprou
duas mulheres na época que me comprou; uma delas era uma moça muito bonita, e
ele a tratava com barbaridade chocante.

Depois de algumas semanas ele me despachou de navio para o Rio de Janeiro,


onde permaneci duas semanas, antes de ser novamente vendido. Havia ali um homem
de cor que desejava me comprar, mas por uma ou outra razão ele não completou a
compra. Eu somente menciono este fato para ilustrar que a posse de escravos é
gerada no poder, e qualquer pessoa que tenha os meios de comprar o seu
companheiro-criatura, com o "lixo desprezível" [ref. ao dinheiro?], pode se tornar um
proprietário de escravos, não importa a sua cor, o seu credo ou o seu país, e que o
homem de cor iria também escravizar o seu companheiro homem tal como o homem
branco, caso tivesse o poder.

Eu fui, finalmente, vendido a um comandante de um navio que era o que pode ser
chamado de um "caso complicado". Ele me convidou para ir conhecer a sua Senhora
(esposa). Prestei a minha melhor reverência a ela, e logo foi instalado no meu novo
ofício, o de esfregar os talheres de cobre do navio, limpando as facas e garfos, e
fazendo outras pequenas tarefas necessárias a serem desempenhadas na cabine.
Inicialmente, eu não gostei da minha situação; mas à medida que fui me ambientando
com a tripulação e com o restante dos escravos, fui me saindo muito bem. Em pouco
tempo fui promovido para o posto de sub-criado de bordo. O criado de bordo
preparava a mesa, e carregava as provisões para o cozinheiro e servia às mesas; por
ser muito inteligente, eles me davam muita coisa para fazer. Pouco tempo depois, o
comandante e o criado de bordo se desentenderam, e ele abandonou o seu posto na
criadagem, foi quando as chaves do seu aposento me foram confiadas. Eu fazia tudo
ao meu alcance para agradar o meu senhor, o comandante, e ele, em troca,
depositava a sua confiança em mim. A mulher do comandante era tudo, menos uma
mulher bondosa; ela tenha um temperamento perverso. O comandante a havia
trazido de Santa Catarina, bem quando ela estava a ponto de se casar, e eu acredito
que ele jamais se casou com ela. Ela frequentemente me levava à desgraça diante do
meu senhor e, então, era certo que as chicotadas se sucederiam. Às vezes ela fazia de
tudo para que eu fosse açoitado, e, outras, ela interferia e impedia, dependendo de
como estava o seu humor. Ela era uma estranha mistura de humanidade e
brutalidade. Ela sempre ia ao mar com o comandante.

A nossa primeira viagem foi para Rio Grande; a viagem em si fora


suficientemente aprazível caso eu não tivesse sofrido de enjoo do mar. O porto de
Rio Grande é bastante raso e, ao entrar, nós encalhamos, pois era maré baixa, e
tivemos grande dificuldade e fazer o navio flutuar novamente. Por fim, conseguimos,
e trocamos a nossa carga por carne seca. Nós, então, fomos para o Rio de Janeiro e
logo conseguimos nos livrar da carga. Nós, então, rumamos para Santa Catarina
para obter farinha, uma espécie de componente do pão usado principalmente pelos
escravos. De lá, retornamos novamente para o Rio Grande e trocamos a nossa carga
por óleo de baleia e nos lançamos novamente ao mar, em direção ao Rio de Janeiro.
Com o navio pesadamente carregado, passamos por momentos muito difíceis; todos
esperávamos que nos perderíamos, mas ao aliviar o navio de parte da sua carga, o
que nós fizemos lançando ao mar uma quantidade, o navio e todas os marujos
foram, mais uma vez, salvos das mandíbulas devoradoras do elemento destrutivo.
Ventos de proa foram predominantes e embora tivéssemos o porto à vista por vários
dias, não conseguíamos chegar ao porto, com todos os nossos esforços.

Enquanto estive na posição duvidosa acerca da perda ou não da nossa vida,


ocorreu-me que a morte não seria mais do que uma libertação da minha escravidão e,
neste sentido, mais bem-vinda do que outra coisa. Na verdade, eu dificilmente me
atrevia a me preocupar de modo algum. Eu não passava de um escravo, e eu me
sentia uma pessoa sem esperança ou perspectiva de libertação, sem amigos ou
liberdade. Eu não tinha qualquer esperança neste mundo e não conhecia nada sobre o
mundo por vir; tudo era trevas, tudo era temor. O presente e o futuro eram uma coisa
só, sem marco divisório, uma labuta! Labuta! Crueldade! Crueldade! Não havia fim, só
morte para todas as minhas aflições. Eu não era cristão até então; não conhecia o
amor de um Salvador, não conhecia nada da sua graça salvadora, do seu amor pelos
pobres pecadores perdidos, da sua missão de paz e boa-vontade para com todos os
homens, tampouco havia ouvido sobre aquela boa terra tão formosamente descrita
pelo poeta: "uma terra de puro deleite onde habitam os santos imortais," e para cuja
terra prometida o cristão está diariamente encurtando a viagem. Não! Estas "notícias
de grande alegria" não haviam, ainda, sido transmitidas para a minha mente
obscurecida, e tudo era negro desespero. Porém, quando ouvi as palavras do Salvador:
"vinde a mim todos vós que estais cansados e sobrecarregados e eu vos darei
descanso". Eu o busquei e o encontrei, o que foi como um bálsamo para as minhas
feridas, como um consolo para a minha alma aflita. Quando penso em tudo isso e
considero o passado, fico contente com as lutas deste mundo no cumprimento da
minha missão aqui e na execução da obra que me foi entregue para fazer. Ó
Cristianismo! Tu [és] o mitigador dos sofrimentos do homem, tu [és] o guia do cego, e
a força do fraco, vai tu na tua missão, fala as notícias pacíficas da salvação por toda
parte e alegra o coração do homem, "então o deserte se alegrará e florescerá como a
rosa". Então, a escravidão, com todos os seus horrores, finalmente, terá fim, pois
ninguém possuindo o teu poder e sob a tua influência poderá perpetuar um chamado
em discrepância tão aberta, e tão repugnante, a todas as tuas doutrinas.

Depois de grande labor e sofrimento desembarcamos em perfeita segurança.


Durante esta viagem eu enfrentei mais castigos corporais do que jamais enfrentei na
minha vida. Um colega, um companheiro perfeitamente bruto, ordenou-me, um dia,
que lavasse todo o navio e, depois de eu terminar, ele apontou para um local onde,
segundo ele, havia uma mancha, e, rogando uma praga, ordenou-me a esfregar tudo
de novo, o que fiz, mas como ele não estava no seu melhor humor, ele exigiu que eu o
fizesse uma terceira vez, e assim por diante, mais uma vez.

Quando descobri que tudo era somente por capricho seu que ali não havia mais
mancha nenhuma a ser esfregada eu, acabei me recusando a continuar esfregando,
quando ele levantou um cabo de vassoura para mim, e eu, tendo em mãos um
escovão, também levantei-o para ele. O senhor viu tudo o que estava acontecendo, e
ficou muito irado comigo por eu tentar atingir um companheiro. - Ele ordenou que um
dos marujos cortasse um pedaço de corda para ele; ele me disse que eu deveria ser
açoitado, e eu respondi: "muito bem". Porém, continuei o meu trabalho com um olho
continuamente fito em sua direção, acompanhando os seus movimentos. Quando eu
havia preparado o café da manhã, ele veio por trás de mim antes que eu pudesse sair
da sua frente e me atingiu com a corda acima dos meus ombros, e por ser ela
comprida, sua ponta ricocheteou e atingiu o meu estômago de forma muito violenta,
o que me provocou um pouco de dor e sofrimento; a força com que o golpe foi dado
me derrubou por completo e, depois disso, ele me surrou enquanto estive no convés
da forma mais brutal possível. - A minha senhora interferiu nessa ocasião e me salvou
de mais violência.
Nós ficamos no Rio de Janeiro quase um mês. Enquanto estivemos ali ocorreu
um incidente, o qual relatarei como ilustração do sistema escravagista.

Um dia foi necessário que eu fosse à terra com o meu senhor como um dos
seus remadores, e enquanto lá estive eu bebi vinho desmedidamente, e ao ver o
meu senhor prestes a retornar para o barco fui até o local onde ele estava, e por
estar bastante confuso pela bebida, bem como agitado ao ver o meu senhor, eu caí
na água, mas como o local era raso, eu nada sofri além de um bom caldo pela
minha embriaguez. Eu fui facilmente retirado dali. Enquanto remava [para] o meu
senhor, a minha cabeça estava bastante alta com os efeitos do licor que eu havia
bebido e, consequentemente, eu não remava com muita regularidade, foi quando o
meu senhor, ao ver o estado deplorável em que eu me encontrava, perguntou-me
qual era o problema e eu lhe disse: "Nada, senhor." Ele voltou a dizer: "Você
bebeu?" Eu respondi: "Não, senhor!" De modo que por ser maltratado eu aprendi a
beber, e daí aprendi a mentir e, sem dúvida, devo ter ido, passo a passo, de mal a
pior, até que nada mais me parecesse suficientemente mal, e tudo isso no meio
deste horrível sistema de escravidão. Porém, sou feliz em dizer que pela graça de
Deus fui levado a abandonar os meus caminhos maus.

Quando a carga foi descarregada, um mercador inglês, que tinha uma


quantidade de café para ser despachada para Nova York, e estando o meu senhor
envolvido neste propósito, e conforme fora combinado, depois de algum tempo, eu
deveria acompanhá-lo, junto com vários outros para servir a bordo do navio.

Todos havíamos ouvido que em Nova York não havia escravidão; que lá era um
país livre e que se conseguíssemos chegar lá nada mais teríamos a temer dos nossos
cruéis senhores de escravos, e todos estávamos muitíssimo ansiosos para lá chegar.

Antes da hora do navio levantar velas, fomos informados que estávamos indo
para uma terra de liberdade. Eu disse, então, que vocês jamais me verão depois que
eu chegar lá. Fiquei radiante de alegria com a ideia de ir para um país livre, e um raio
de esperança brilhou sobre mim: de que não estava muito longe o dia em que eu seria
um homem livre. Na verdade, eu já me sentia livre! Quão formosamente o sol brilhou
naquela manhã tumultuada, a manhã da nossa partida para aquela terra de liberdade
da qual tanto tínhamos ouvido falar. Os ventos também nos eram favoráveis, e logo a
vela se armou diante da brisa estimulante, e o nosso navio partiu em direção àquela
terra feliz. As obrigações do ofício, naquela viagem, pareceram leves para mim, na
verdade, pela expectativa de ver a terra bondosa, e absolutamente nada parecia me
incomodar. Eu obedecia todas as ordens alegremente e com espontaneidade.
Aquela foi a época mais feliz da minha vida, mesmo hoje o meu coração dispara
com o alegre deleite que me sobrevêm ao pensar nesta viagem, e creio que o Deus
de todas as misericórdias ordenou tudo para o meu bem; quão grato eu estava.

Os ventos sopraram favoravelmente vários dias para uma travessia rápida,


depois do que experimentamos um clima muito agitado e tempestuoso que, de certa
forma, retardou o nosso progresso, e nos pôs em risco de sermos enviados "para
aquela fronteira donde nenhum viajante jamais retorna" à medida que os temores
pela nossa segurança eram considerados. Certa noite, durante a viagem, soprou um
perfeito furacão a noite toda, e pouco antes do romper do dia, as lamparinas da
bitácula se apagaram com o movimento lateral brusco do navio. Recebi ordem para
acendê-las, mas por causa do vento forte, depois de várias tentativas eu fracassei por
completo. — A-ham, disse o comandante, meu jovem, você não consegue acender o
bináculo, não é mesmo?

O homem no timão disse que havia luz suficiente, que ele conseguia [guiar a
embarcação], ele conseguia ver a bússola muito bem; porém as ordens foram dadas,
fossem as luzes desejadas ou não, elas precisavam ser obedecidas; portanto, três
outros marujos foram chamados e um lençol foi colocado ao redor do bitácula para
protegê-la do vento, quando eles conseguiram, finalmente, acendê-la, mas eu não
entendi como fazer aquilo e não consegui acendê-la, mesmo tendo tentado repetidas
vezes. Depois disso, o comandante levantou do seu leito, vestiu-se e me deu ordens
para acender a sua lamparina; quando eu fui até ele, ele tomou um pesado porrete
para me bater, com objetivo de golpear a minha cabeça. Levantei o meu braço para
impedir que a minha cabeça fosse atingida, ele disse para eu abaixar a minha mão. Eu
fiz isso, mas quando o golpe foi novamente desferido, voltei a erguer a mão e consegui
impedir que o meu crânio fosse rachado; ele não queria bater na minha mão, já que
isso me impediria de fazer o meu trabalho, mas se a minha cabeça estivesse quebrada
ou não, eu teria que continuar fazendo o meu trabalho de rotina. Ele, então, disse-me
para eu me virar para que ele pudesse bater nas minhas costas. Eu disse a ele para me
bater em tudo o que quisesse. Ele estava muito irritado e me bateu aleatoriamente, na
cabeça, pelo corpo, onde lhe ocorria fazê-lo. E lhe desafiei a fazer pior, a fazer o que
ele podia e liberar totalmente a sua vingança sobre um ser miserável como eu. Ele,
então, chamou três dos marujos e ordenou-lhes que me amarrassem ao canhão. Eu
pensei em pular na água, mas não estava muito satisfeito em fazer isto sozinho; se eu
pudesse ter o prazer de levá-lo comigo eu estaria disposto a fazer isto. Os três homens
me amarraram e me colocaram em cima do canhão, com o rosto para baixo; eles,
então, receberam ordens para me açoitar, o que fizeram sem demora; ele, então,
exigiu que eu demonstrasse submissão e implorasse por misericórdia, mas isso eu não
faria. Eu disse a ele que me matasse se isso lhe fosse agradável, mas por misericórdia
das suas mãos eu não clamaria! Eu também disse a ele que quando eles me soltassem
do canhão ele deveria se cuidar naquele dia, pois quando eu olhei para o meu corpo
dilacerado e ensanguentado, refleti que embora eu estivesse contundido e rasgado, o
meu coração não fora subjugado.

Tão logo fui solto, dirigi-me até o comandante, que deu ordens para que os
homens me colocassem em segurança na proa do navio e não deixasse que eu
voltasse a me aproximar dele. Fiquei tão machucado com as contusões e cortes que
não consegui fazer nada por vários dias.

O comandante, durante a minha doença, enviava-me bons mantimentos da sua


própria mesa, sem dúvida para se reconciliar comigo depois das cruéis ofensas que
ele cometeu contra mim, mas aquilo era em vão. Eu não tinha pressa alguma de
retornar ao trabalho, já que ele costumava — em ocasiões anteriores — fazer com
que eu fosse açoitado por não fazer o serviço que caberia a três homens comuns, de
modo que agora eu me sentia inclinado a deixá-lo sem nenhum outro serviço da
minha parte.

A escravidão é ruim, a escravidão é errada. Este comandante fazia muitas coisas


cruéis que seriam horríveis de se relatar; ele tratava escravas mulheres com
muitíssima crueldade e barbaridade; tudo era do seu jeito, não havia ninguém que
pudesse tomar parte; ele era, naquela hora "o monarca de todos que ele
inspecionava;" "o rei da casa flutuante," ninguém ousava questionar o seu poder ou
controlar a sua vontade. Porém, está chegando o dia em que o seu poder será
revestido por outro, e dos seus criados ele terá que prestar contas; ai dele, que contas
poderá ele prestar pelos crimes cometidos contra os corpos contorcidos dos pobres e
desgraçados indignos de piedade que ele tinha sob o seu comando, quando cessar o
seu reinado e a grande prestação de contas for convocada; como ele responderá por
isso? E qual será o seu destino? - Isto somente será conhecido quando o grande livro
for aberto. Que Deus possa perdoá-lo (na sua infinita misericórdia) pelas torturas
infligidas sobre as criaturas que eram seus companheiros, embora de diferente cor de
pele.

A primeira palavra do inglês que os meus dois companheiros, e eu mesmo,


aprendemos foi F-r-e-e (Livre); quem no-la ensinou foi um inglês a bordo, e ó quantas
vezes eu a repeti, muitas e muitas vezes. Este mesmo homem me contou muito sobre
a Cidade de Nova York (ele sabia falar o português). Ele me contou como as pessoas
de cor em Nova York eram todas livres, e isto fez com que eu me sentisse feliz, e
ansiava pelo dia em que pudesse estar lá. Este dia, finalmente, chegou, mas não era
uma questão simples para dois moços e uma moça, que somente sabiam falar uma
única palavra em inglês, fugir dali não tendo, como supúnhamos, nenhum amigo
sequer para nos ajudar. Deus, porém, era nosso amigo, como se provou ao final e ele
levantou para nós muitos amigos em uma terra estranha.

O timoneiro que veio a bordo do nosso navio nos tratou com muita bondade, -
ele parecia diferente de todas as pessoas que eu já tinha visto antes, e tomamos
coragem a partir daquela pequena circunstância. No dia seguinte uma grande
quantidade de pessoas de cor vieram a bordo do navio e perguntaram se éramos
livres. O capitão nos havia dito anteriormente para não dizermos que éramos
escravos, mas não prestamos atenção ao seu desejo e ele, vendo tantas pessoas
entrando a bordo, começou a ficar com medo de que a sua propriedade fosse tomada
na cabeça, e que com ela fugissem, portanto, de modo muito prudente ele nos
informou que Nova York não era um local para desembarcarmos - que era um lugar
muito ruim, e que tão logo as pessoas nos pegassem elas nos matariam. Só que
quando estávamos a sós concluímos que aproveitaríamos a primeira oportunidade e
chance, dessa forma passaríamos para um país livre.

Um dia, depois de ter bebido bastante vinho, fui imprudente o suficiente para
dizer que não permaneceria mais a bordo; e que seria livre. O capitão, ao ouvir isto,
me chamou lá para baixo, e ele e três outros tentaram me aprisionar, mas não
conseguiram fazê-lo; mas, por fim, conseguiram me confinar em um aposento na proa
do navio. Eu fiquei ali em confinamento por vários dias. O homem que trazia a minha
comida batia à porta, e se eu dizia para ele entrar, ele o fazia, de outro modo, ele
passava ao largo, e eu ficava sem comida. Eu disse a ele em uma ocasião que eu não
permaneceria confinado ali mais nenhum dia da minha vida; que eu sairia dali; e
havendo alguns pedaços de ferro no aposento, à noite eu me apossei de um deles - era
uma barra, com cerca de 60 centímetros de cumprimento - com a qual eu arrombei a
porta, e caminhei para fora. Os homens estavam todos ocupados no seu trabalho, e a
esposa do comandante estava de pé no convés quando eu saí do meu cárcere. Eu os
ouvi perguntarem um ao outro quem havia permitido que eu saísse; mas ninguém
soube responder.

Eu me curvei, em respeito, diante da esposa do comandante, e passei para a


lateral do navio. Havia uma tábua que ligava o navio até o cais. Eu a atravessei
caminhando e corri como quem corria pela sua própria vida, obviamente sem saber
para onde eu ia. Eu fui observado, durante a minha fuga, por um guarda que era meio
aleijado, e ele tentou me segurar, mas eu me desvencilhei dele, segui adiante até que
cheguei a uma loja, em cuja porta eu parei por um momento para recuperar o fôlego.
Eles me perguntaram qual era o problema, mas eu não conseguia lhes responder, pois
nada sabia do inglês, além da palavra "F-r-e-e". Logo depois, o guarda aleijado e outro
homem vieram atrás de mim. Um deles tirou uma estrela brilhante do seu bolso e ma
mostrou, mas eu não entendi do que aquilo se tratava. Fui, então, levado para a casa
de detenção e fiquei trancafiado a noite toda, quando o comandante foi chamado na
manhã seguinte, pagou as despesas, e levou-me de volta para o navio junto com ele.
Os oficiais me disseram que eu deveria ser um homem livre, se eu preferisse, mas eu
não sabia como agir; assim, depois de um pouco de persuasão, o comandante me
induziu a retornar com ele, pois não precisava temer. Isto ocorreu em um sábado, e na
segunda-feira seguinte três carruagens vieram e pararam perto do navio. Alguns
cavalheiros saíram delas e subiram a bordo, caminharam pelo convés, conversando
com o comandante, dizendo-lhe que todos a bordo estavam livres, e pedindo a ele que
içasse a bandeira. Ele ficou deveras corado, e disse que não faria isso; ficou muitíssimo
irado e teve um acesso de fúria. Depois disso, fomos levados, nas suas carruagens,
junto com o comandante, para uma construção muito bonita, com um pórtico
esplêndido na sua frente, cuja entrada era acessada por um lance de escadas de
mármore, e era rodeada por um belo corrimão de ferro, com portões em diferentes
pontos, o terreno cercado e ornamentado com árvores e arbustos de várias espécies;
pareceu-me o lugar mais formoso, pois eu jamais havia visto algo semelhante antes.

Mais tarde, vim saber que aquela construção era a Prefeitura da Cidade de Nova
York. Quando chegamos na sala ampla da construção, ela estava completamente
lotada com todo tipo de gente, e um grande número se punha de pé porto das portas
e nas escadas, e em todo o pátio - alguns conversando, outros somente esperando o
tempo passar enquanto caminhavam para cima e para baixo. O cônsul brasileiro
estava lá e, quando fomos chamados fui perguntado se eu queria ficar lá ou retornar
ao Brasil. Eu respondi pelo meu companheiro e por mim mesmo que nós não
desejávamos mais retornar; mas a escrava mulher que estava conosco disse que
gostaria de retornar. Eu não tenho dúvidas de que ela teria preferido ficar conosco,
mas ao ver o comandante ali, ficou intimidada e com medo de falar o que tinha em
mente, e o mesmo se deu com o homem, mas eu externei com ousadia que preferia
morrer do que retornar para a escravidão! Depois de muitas perguntas terem-nos sido
feitas, e respondidas, fomos levados para uma prisão, como eu supunha que ocorreria,
e ali ficamos trancafiados.

Alguns dias depois, fomos levados novamente até a Prefeitura da Cidade, e


submetidos a muitas outras perguntas. Fomos, então, levados novamente para o
nosso velho alojamento, a casa de detenção, supunha eu, como preparação para
sermos novamente deportados para o Brasil, mas disso não tenho certeza, já que não
conseguia entender todas as cerimônias em que nos prendiam e nos soltavam,
levavam-nos para o tribunal para nos interrogar e nos apresentavam diante do
auditório ali reunido - tudo isso era novo para mim; eu, portanto, não conseguia
entender completamente o significado de tudo aquilo, mas temia muitíssimo que
estivéssemos prestes a sermos devolvidos à escravidão - eu tremia diante deste
pensamento! Enquanto fomos novamente encarcerados, alguns amigos que haviam
se interessado muitíssimo por nós, planejaram um meio pelo qual as portas da prisão
ficavam abertas enquanto o vigia dormia, e não encontramos dificuldade em passar
por ele e chegar, uma vez mais, ao "ar puro dos céus," e com a ajuda daqueles amigos
queridos, os quais eu jamais esquecerei, consegui chegar até a cidade de Boston, em
Massachusetts, e ali permaneci sob a proteção deles cerca de quatro semanas,
quando se decidiu que deveria, ou ser enviado para a Inglaterra, ou para o Haiti, e fui
consultado sobre o assunto para saber qual [dos países] eu preferiria, e depois de
analisar por algum tempo, pensei que o Haiti seria mais parecido com o clima do meu
próprio país e estaria mais de acordo com a minha saúde e sentimentos. Eu não sabia
exatamente que tipo de lugar era a Inglaterra, ou talvez pudesse ter preferido ter ido
para lá, mais especificamente como tenho aprendido desde então que quase todos os
ingleses são amigos dos homens de cor e da sua raça, e que têm feito muito pelo meu
povo no caminho do seu avanço e do seu bem-estar, e continuam até este dia para
agitar a antiescravidão e todas as outras boas causas. Da forma como as coisas
foram, eu me determinei a seguir para o Haiti; e, dessa forma, uma passagem gratuita
foi procurada para nós, bem como consideráveis provisões foram coletadas para o
meu uso durante a viagem.

Havia a bordo um homem de cor de nome Jonas, que sabia falar muito bem o
espanhol. Durante a viagem ele fez grandes esforços para me instruir e me passar
ideias corretas de coisas sobre as quais eu tinha as noções mais absurdas possíveis.
Por exemplo, quando uma pessoa caminhava ao sol via a sua sombra; eu tinha sido
levado a crer que aquela sombra era a alma do homem - disso muito eu ouvira falar -,
e que quando o corpo morria, a alma (isto é, a sombra) ia para o céu, e o corpo ia
para a terra. A sua explicação sobre esta sombra me confundiu muitíssimo, mas a
solução do mistério me agradou, e comecei a me sentir orgulhoso do meu
aprendizado.

Eu trabalhei ocasionalmente para o comandante na nossa travessia para o Haiti.


Quando cheguei no Haiti eu me senti livre, como verdadeiramente eu era. Lá não
existe escravidão, mas todos que habitam lá são pessoas de cor. Eu não sabia uma
palavra da sua língua, que era o crioulo; tampouco sabia para onde ir, ou o que fazer!
Nós, entretanto, fomos primeiramente para a casa do Imperador. Ele foi muito
bondoso conosco. Um dos Generais do Imperador, chamado De Pe, um mulato, deu-
me comida e bebida em fartura, e à noite permitiu que eu me deitasse com os seus
cavalos nos estábulos, e os mosquitos me atormentaram muitíssimo - eles me
importunaram terrivelmente. Ele costumava me dar whisky e cachaça, e era, de todas
as formas, muito bondoso comigo; estes favores eram verdadeiramente importantes
para mim (mesmo que fossem fúteis por si mesmos em outras circunstâncias)
considerando a posição em que eu estava.

Eu perambulava de casa em casa como "estranho em uma terra estranha," e


sem ser capaz de falar uma palavra sequer na língua do povo, e o que era pior de
tudo, sem um tostão no bolso para comprar nem um pão para satisfazer os desejos do
meu estômago. Até que um homem de cor, dos Estados Unidos, contratou-me para
trabalhar com ele como cozinheiro na sua casa, mas ele era um homem muito ruim e
eu não fiquei com ele muito tempo. À noite ele me levou escadas acima e apontou
para o piso onde eu deveria dormir, embora houvesse uma cama no canto da sala,
mas assim que ele virou as costas eu fui para a cama e dormi profundamente até de
manhã. Quando ele descobriu que eu havia dormido na cama ele me surrou e me
bateu muitíssimo e me deu ordens para não fazer mais coisa semelhante; só que na
noite seguinte eu fiz a mesma coisa, pelo que ele me sacudiu e lançou porta a fora.
Assim, eu me tornei, novamente, um marginal e andarilho. Eu dormi nas ruas por
várias noites e fiquei doente, de tal sorte que quando caminhava as pessoas pensavam
que eu estava bêbado, já que a minha cabeça estava tonta pela enfermidade do meu
sistema. Dessa forma eu ia de casa em casa, e as pessoas não conseguiam entender,
mas pensavam que eu estava bêbado. Depois disso, quando o general De Pe se
apercebeu de mim, como já relatei antes, o meu companheiro de desgraça foi até um
missionário batista, o reverendo senhor Judd, e lhe contou sobre as nossas
circunstâncias, declarando que nós éramos dois escravos do Brasil, e perguntando a
ele se ele não poderia fazer alguma coisa por nós, foi quando ele concordou em nos
aceitar no seu culto, diante do que aceitei com a mais alegre espontaneidade.

Eu permaneci com ele mais de dois anos, e um homem ou cristão melhor do que
o sr. Judd, na minha opinião, não pode ser encontrado. Ele me tratava com toda
bondade; sendo que cor para ele não era motivo de maus tratos. Tampouco jamais
me esquecerei da bondade da sua bondosa senhora; ela se comportava diante de
mim, todo tempo inteiro da minha servidão, exatamente como uma cristã deveria se
comportar. Eu a amava pela sua bondade, embora eu nem sempre me comportasse
diante deles como eles merecessem. Preciso confessar que, por vezes, eu os tratei de
modo muito ruim. Eu não demonstrei muita gratidão, à época. Eu costumava ficar
muito bêbado e ser abusivo para com eles, mas eles sempre desconsideravam o meu
mau comportamento, e quando a senhora Judd tentava me persuadir a voltar para
casa e me comportar, eu brigava com ela e dizia-lhe que não queria.

Depois da minha conversão para o Cristianismo, eu larguei a bebida e todos os


outros tipos de vícios. No fim daquele período um tumulto foi feito no Haiti para
alistamento na milícia; e por ser contra o espírito de guerra, assim como eram o meu
senhor e a minha senhora, ficou acertado que eu deveria sair do Haiti por este
motivo, e providenciaram para mim uma passagem a bordo de um navio que seguia
para Nova York, a fim de me educar em preparação para ir até o meu povo na
África, para pregar o Evangelho das boas novas de grande alegria aos meus
companheiros patrícios ignorantes e obscurecidos que agora são crentes no falso
profeta Maomé.

Um livro publicado em Utica, no estado de Nova York, e intitulado "Facts for


Baptist Churches" [Fatos para as Igrejas Batistas], do sr. A. T. Foss, de New
Hampshire, e E. Mathews, de Wisconsin, assim fala de Mahommah:

"Depois de enfrentar o jugo de dois anos no Brasil, ele fugiu e procurou refúgio
nessa terra que se vangloria da sua liberdade e filantropia, mas este refúgio ele aqui
buscou em vão. Ao fugir, portanto, das nossas costas, por meio de uma bondosa
Providência, ele foi conduzido para a cidade de Porto Príncipe, no Haiti, e para as
hospitalidades cristãs de W. L. Judd. O nosso missionário o recebeu alegremente, e
enquanto lhe providenciou um lar e confortos temporais, não deixou de instruí-lo na
religião do Evangelho. A instrução foi para ele como a vida dentre os mortos, e o seu
coração sentiu o seu poder. Ele viu e reconheceu a sua adaptabilidade ao seu
argumento como um pecador. Ele se curvou à sua autoridade. Ele se alegrou na sua
verdade, e se tornou um discípulo do seu Divino Autor."

A cena batismal, quando Mahommah publicamente depositou a sua confiança


em Cristo, é assim descrita pelo sr. Judd. Ela é tirada do "Christian Contributor"
[Colaborador Cristão].

"A sua experiência diante da Igreja foi muito comovente. Várias pessoas
presentes, não professantes da religião, choraram ao ouvir aquilo. Ele é dotado por
natureza de uma alma tão nobre que ele cativa o mundo todo num só golpe, nos
movimentos dos seus sentimentos benevolentes, e na expressão de tão nobres
sentimentos em um estilo tão simples e quebrantado com o dele, é verdadeiramente
comovente. Ele, agora, parece preenchido com o mais ardente desejo de laborar pela
salvação das almas - fala muito da África, e ora ardentemente para que o seu povo
possa receber o Evangelho - sonha frequentemente com visitas a Kaskua,
acompanhado por 'um bom homem branco,' como ele chama um missionário, e sendo
amavelmente recebido pela sua mãe. Ele esteve pedindo pelo batismo há um tempo
considerável, quando senti que não poderia mais negá-lo [a ele]. Nós fomos até a
beira-mar de manhã bem cedo, acompanhados por uma congregação mista. Depois
de cantar e orar em francês, eu fiz um discurso de, talvez, vinte minutos, na maior
parte de improviso, sobre (Les usages pratiques, de l'ordannance du Bapteme), ou "Os
Usos Práticos do Batismo", fundamentado em Romanos 6. 1-4. Depois disso, eu orei
em inglês em favor especial de Mahommah.

"Enquanto fazíamos a leve descida para atingirmos profundidade suficiente de


água, eu lhe perguntei se ele desejava, agora, dedicar-se inteiramente a Deus e ao
bem do mundo. Ele respondeu: "Ah, sim, sr. Judd, quero fazer tudo para Deus, tudo
para o bem'. Nas águas das grandes profundezas, que se movem na sua eterna
liberdade, banham-se tanto a África como o Haiti. Eu o sepultei com Cristo no
batismo, na esperança de que ele possa renascer na sua superfície como um
mensageiro de misericórdia para a obscurecida terra do seu nascimento."

Apresentarei um rápido vislumbre da viagem de Porto Príncipe para Nova York,


e relatarei os incidentes ligados a ela da forma mais breve possível. Nós fizemos uma
travessia das mais terríveis, com ventos de proa ao longo de quase todo o trajeto; na
verdade, eles foram contínuos desde que partimos do Haiti, até que alcançamos um
porto no sul dos Estados Unidos da América, no qual fomos forçados a entrar por
conta do [mau] tempo. A esposa do sr. Judd me acompanhou na minha viagem,
estando ela em uma visita aos Estados [Unidos], onde os seus parentes residiam.

Quando o navio chegou ao porto, um senhor de escravos chegou a bordo, e ao


me ver, perguntou se eu estava à venda, observando que eu era um provável negro, e
parecia com boa pele, já que o meu couro era um pouco escuro demais. Em alto-mar
encontramos tempo muito ruim, como navio balançando e sacudindo da forma mais
terrível. Nós fizemos orações a bordo, mas não tememos o furor do mar, já que a
nossa confiança estava naquele que "acalma o mar, e aquieta a tempestade." A
minha senhora me era muito afeiçoada, e disse que não se sentia de forma alguma
desconfortável contanto que Mahommah estivesse perto dela. Ela tinha grande
confiança em mim, não que eu a pudesse ter salvado em caso de naufrágio, mas
suponho que ela se sentia mais tranquila por me conhecer, e por eu ter estado junto a
ela por tanto tempo, e a servido com fidelidade.

O tempo, entretanto, logo melhorou e nós, uma vez mais, içamos velas novamente
com um vento favorável, e logo estávamos a caminho da cidade de Nova York
novamente, onde chegamos em um sábado. No dia seguinte, um dos marinheiros que
havia demonstrado grande amizade para comigo durante a viagem, colocou na sua
cabeça de tratar mal. Quando ele estava prestes a descer do navio, eu simplesmente
lhe disse: "Saudações respeitosas para a sua esposa," por ele ter sido tão gentil
comigo. O que eu disse teve intenção de demonstrar um mínimo de civilidade, num
momento - como descobri mais tarde - em que ele havia bebido. Ele entendeu de
forma completamente errada, chamou-me [pejorativamente] de "nigger" [negro], e
jurou que me daria uma surra. À noite, quando ele retornou a bordo, ele estava muito
bêbado e se portava de forma muito violenta, jurando que arrebentaria a minha
cabeça com um porrete que ele sacudiu acima da minha cabeça. Eu havia colocado
cadeiras ao redor da mesa para a ceia, como de costume, quando ele deixou claro que
não tinha intenção de se sentar ao lado de um "negro". Ele, posteriormente, ficou
mais calmo e se sentou e comeu como um cristão, mas isto não ocorreu enquanto eu
não o fiz ver e minha própria irritação, e de ter ameaçado surrá-lo, só então ele se
aquietou; quando viu que eu não iria mais entrar no seu joguete, ele cedeu, e se
tornou um homem bom, somente porque foi obrigado.

Eu segui o mandamento bíblico para sermos "sábios como as serpentes, e


inocentes como as pombas," sem qualquer intenção de machucá-lo, de forma
alguma, mas meramente de aquietá-lo. A minha sabedoria eu demonstrei na primeira
ocasião, sem precisar demonstrar qualquer outro espírito que não fosse um espírito
inocente; na segunda, eu achei a minha "sabedoria" suficiente para o caso naquele
momento.

Nós chegamos com segurança na costa de Nova York, e logo estávamos a todo
vapor a caminho de Albany, onde tomamos carros a pouca distância da casa da mãe
da senhora Judd, que ficava não muito longe de um vilarejo chamado Milford, no
estado de Nova York. Chegamos em Milford na manhã do dia seguinte, e fui enviado
para a casa, enquanto a senhora Judd ficou na taberna a fim de conseguir condução
para levá-la adiante. Quando cheguei na casa da sua mãe, eu tinha em mente
impressioná-los com a ideia de que eu era um fugitivo; porém foram-me feitas
perguntas de natureza positiva, e nada pude fazer além de dar respostas positivas. Eu
disse a ela que eu era do Haiti, e ela, imediatamente, conjecturou a respeito de quem
eu era, já que relatos frequentemente lhe eram enviados da sua filha em papéis lá
impressos, e ela me perguntou se eu era Mahommah; Eu disse que era. Ela quis saber
como eu havia chegado à América, quem haviam me trazido para lá. Eu, finalmente a
contei, quando se ouviram comandos aos cavalos, e eu retornei para a minha senhora,
que logo estava de volta nos braços da sua amável e bondosa mãe. Mãe e filha
haviam novamente se encontrado depois dos mares haverem-nas separado por tão
grande distância.

Permaneci ali por cerca de quatro semanas, depois segui para Meredith, no
condado de Delaware, entre as Missões Livres, para ver se eles assumiriam a tarefa de
me educar até que, finalmente, eles concordaram em fazer isto. Um cavalheiro
chamado Dalton foi muitíssimo bondoso comigo, e assumiu o meu caso com os
amigos das missões. Eles, então, enviaram-me para McGrawville, na época C. P.
Grosvenor era o Presidente da Universidade, que foi muito gentil comigo, valorizou-
me, tratando-me de todos os modos como um igual e como um cavalheiro.

Eu permaneci quase três anos na Universidade e, durante este período fiz um


progresso muito grande no aprendizado, antes de sair da Universidade. A minha
professora, a senhora K. King, compôs as seguintes linhas, que foram por mim
declamadas, diante do departamento primário da Universidade.
PALAVRAS DECLAMADAS POR MAHOMMAH

Você não pode esperar que uma pessoa da minha raça, com cabelo crespo e rosto
negro, e [com] um tênue raio de conhecimento desperte o interesse dos seus amigos
na Universidade. Porém, farei o melhor que puder, para provar que o meu desejo é
ser um homem. É verdade que os meus membros têm marcas de grilhões, é verdade
que as minhas costas já suportaram o flagelo, mas não é verdade que o poder do
tirano tenha feito com que, no meu íntimo, o meu coração se curvasse. Não! Ele era
livre como quando eu brincava, debaixo das sombras das minhas palmeiras nativas.

Ó! África, minha terra nativa,


Quando hei de te ver, mansamente de pé,
Debaixo do pavilhão do meu Deus,
E governada pela sua Santa Palavra?

Quando hei de ver a vara do opressor


Arrancada da sua mão, meu gracioso Deus?
Ó quando hei de ver os meus irmãos
Usufruírem das doçuras da LIBERDADE?

Amigos do escravo triturado e ensanguentado,


Rogai a Deus por piedade! Que Deus salve!!
Pois todo o socorro do homem é vão,
Porque o homem para o homem forjou a corrente.

Ó Pai Reto, Tu és justo,


Para Ti eu olho, em Ti eu confio;
Ó que o teu Espírito gracioso possa carregar
O gemido da África, a oração da África,
Até o teu trono imaculado nas alturas,

Onde tudo é alegria e paz e amor,


Pelo amor de Jesus, ó salva os oprimidos,
E faz com que as suas almas nos céus encontrem descanso.

Enquanto estive na Universidade, alguns dos jovens cavalheiros ali que não
gostavam, de forma alguma, da minha cor, faziam muitas gozações práticas comigo,
e tentavam me colocar em situação ruim diante dos diretores. Eles faziam todo tipo de
pirraça comigo; [por exemplo] quando eu estava fora do caminho, eles espalhavam
todos os meus livros e papeis pela sala, e empilhavam os meus livros em um monte;
eles também entupiam a tubulação do meu fogão com aparas de barbeado, de sorte
que quando eu tentava fazer fogo, o cômodo ficava cheio de fumaça; mas diante de
todas estas questões, eu só precisava fazer uma queixa no departamento certo, e tudo
era resolvido. Só que eu não gostava de ficar reclamando continuamente deles, por
isso eu suportava muitas dessas pirraças vexatórias em silêncio. Não saberia dizer por
que eles me aborreciam daquela forma, exceto por não gostarem da minha cor, e por
pensarem que eu era um bom sujeito sobre o qual eles poderiam extravasar o seu
humor fanfarrão.

Depois de sair da Universidade, eu fui para as Missões Livres, onde permaneci


por um curto período, e recebi mais aprendizado daquela fonte. Fui para a escola em
Freetown Corner, sob a orientação das missões. Morei com o meu professor,
trabalhando, ocasionalmente, para a minha junta;2 durante a minha permanência ali.
Eu tinha um quarto só para mim, e como o clima era frio, eu sempre precisava de
fogo, porém como não havia lugar para a tubulação do fogão chegar até a chaminé,
uma senhora sugeriu que eu retirasse uma vidraça da janela e colocasse a tubulação
através da abertura, o que fiz, e isto, na verdade, atendeu muito bem ao propósito,
até que tivemos um dia com vento muito forte, no qual o vento soprou pela
tubulação abaixo e fez com que o meu quarto ficasse cheio de fumaça; como
remediar o mal, eu não sabia exatamente, porém um pensamento engenhoso me
ocorreu. Eu fui até o armário e procurei um grande candeeiro achatado, o qual levei
para fora e coloquei em cima da tubulação, sendo que o candeeiro foi colocado com a
haste para baixo. Isto atendeu muito bem ao propósito, no sentido de isolar o vento,
mas na escuridão o meu quarto ficou cheio de fumaça asfixiante tão ruim quanto
antes: o remédio fora tão ruim quanto a enfermidade. Eu não havia calculado a
vazão da fumaça. Eu havia imaginado que com a entrada do vento na tubulação a
fumaça ficava impedida de sair, consequentemente o meu plano era adotar alguma
forma de manter o vento na parte externa, o que eu fiz do modo mais efetivo. A
sequela é conhecida. Assim, um homem pode adquirir conhecimento, pouco a pouco,
e em algumas coisas tornar-se muito inteligente, todavia pode se emaranhar nas
suas ideias com as coisas mais simples que se possa imaginar. Homens mais
inteligentes e mais sábios do que Mahommah já fizeram coisas mais insensatas do
que esta.

Depois disso eu retornei a McGrawville por um curto período, quando, tendo


desejo de conhecer as maneiras e os costumes dos povos que viviam sob o governo da
Rainha Vitória, de quem eu tanto havia ouvido, induzi-me a ir até o Canadá, onde

2
Ou ‘conselho’, (N. do T.)
permaneci por curto período, e, estando muito contente com a recepção que lá obtive,
eu, imediatamente, determinei-me a me tornar um súdito de sua majestade, para cujo
propósito eu fui a uma repartição competente, fiz um juramente de fidelidade e obtive
os meus papéis de naturalização sem qualquer dificuldade.

Eu era gentilmente tratado por todas as classes onde quer que eu fosse, e devo
dizer, de coração, que jamais esperava receber em uma nação tão distante da minha
terra nativa, tanta bondade, atenção e humanidade. Sou grato a Deus por usufruir
das bênçãos da liberdade, em paz e tranquilidade, e por estar, agora, em uma terra
onde "ninguém ousa me amedrontar," onde todo homem pode, ou tem a
possibilidade de "se assentar debaixo da sua própria videira, e debaixo da sua própria
figueira:" onde todo homem, agindo como homem, independentemente da sua cor, é
respeitado como um irmão, e onde todos são igualmente livres para agir e falar.

Estando, assim, rodeado por amigos, e capacitado para usufruir da bênção da


liberdade pacífica, cheguei à conclusão de que havia chegado a hora em que eu
poderia, com propriedade, colocar no papel tudo o que foi relatado nesta obra e,
quando chegar o dia em que se abrir um caminho para que eu seja útil na
regeneração da minha própria terra amada, estarei pronto para dizer "eu vou," e que
Deus, na sua infinita sabedoria, apresse este dia, é a minha constante e fervorosa
oração do autor, cujos sofrimentos e torturas, espera-se, tenham aberto ainda mais
os ouvidos e corações da sensibilidade.

Se um chamado for feito para ele retornar uma vez mais para a terra do seu
nascimento, ele responderá alegremente, e tem certeza de que amigos não lhe
faltarão para ajudá-lo no seu propósito benevolente.

MAHOMMAH GARDO BAQUAQUA.


ORAÇÃO DO OPRIMIDO

Ó grande Jeová, Deus de Amor.


Tu, monarca da terra e céu,
Podes Tu do teu grande trono no alto
Olhar para baixo com olho implacável

E ver a fadiga dos filhos e filhas da África,


Dia após dia, ano após ano,

Sobre esta terra encharcada com sangue.


E aos seus clamores tornares um ouvido mouco?

Podes Tu abençoar o branco opressor


Com colinas verdejantes e planícies frutíferas,
Desconsiderando a aflição do escravo
E desatento para as correntes do negro?

Por quanto tempo ó Senhor, até que fales?


Na tua voz trovejante toda-poderosa,
Para mandar romper do opressor os grilhões,

E fazer jubilar os filhos da Etiópia.

Por quanto tempo o ferro da escravidão prenderá.


E a mão culpada do preconceito,
Estender-se-á, como cão sangrento, contra a fuga.
[Em] perseguições ilícitas sobre a terra?

Por quanto tempo débeis mortais ousarão


Violar o teu justo decreto,
E forçar os seus companheiros a usarem
Correntes irritantes sobre terra e mar?

Apressa, ó Senhor, esse tempo glorioso!


Quando, em todos os lugares, debaixo dos céus

De toda terra e todo clima,


Erguer-se-ão pelúcias à Liberdade!

Quando o sol resplandecente da liberdade


Brilhar sobre toda terra despótica,
E toda a humanidade, livre da escravidão,
Adorará as maravilhas da tua mão.

Tradução de Marcelo Siqueira Gonçalves.


Revisão: Thaynara Nunes
Pâmela Marconatto

Contato: (47) 3645-1621 / (47) 8826-1259


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pedimos que prestigiem os nossos esforços e anos de estudos e adquiram a obra, caso
ela venha a ser publicada. Os que não puderem, pretendemos disponibilizar esta
informação gratuitamente sempre que possível. Este texto já ficou 161 anos longe do
povo de fala portuguesa. Doravante, estamos libertos! Saberemos como foi a vida a
epopeia de um homem livre, de um negro traficado contra a sua vontade. Viva a
liberdade. Paz na terra aos homens de boa-vontade, de todos os tons de melanina na
pele. Iguais perante o Criador.

Rio Negro - PR, 10 de junho de 2015.

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