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XIV Encontro Anual da ABEM Belo Horizonte, 25 a 28 de outubro de 2005

Projeto CuCo na Escola: construindo a educação musical pelo


canto coral no currículo escolar

Jetro Meira de Oliveira


Centro Universitário Adventista de São Paulo – Unasp
Campus Engenheiro Coelho/SP
jetrodeoliveira@uol.com.br

Resumo: Relato de experiência do grupo de estudo criado em outubro de 2003 sobre educação musical pelo canto
coral, no UNASP campus Engenheiro Coelho-SP. Este grupo de estudo é composto por alunos de lato-sensu em
regência coral com capacitação para docência, de mestrado em educação, de iniciação científica ao nível de graduação e
professores de graduação e pós-graduação. As propostas estudadas teoricamente embasam o “Projeto CuCo (Currículo
Coral) na Escola”, sendo colocadas em prática a partir de fevereiro de 2004 utilizando o ensino fundamental do Colégio
UNASP como laboratório. Esta proposta de trabalho permite a conceitualização teórica, a aplicação prática, a avaliação
reflexiva da prática e uma re-estruturação das ações pedagógicas.

1. Introdução
O canto coral tem estado presente na escola brasileira através dos tempos com diferentes
enfoques de conteúdo e propósito. Frequentemente a atividade de canto coral na escola é vista
apenas como atividade extra-curricular, preenchendo um espaço de lazer, recreação e experiência
estética, sem a preocupação de prover ao aluno uma experiêncial educacional estruturada. Com o
respaldo legal da Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, e a consequente publicação
dos Parâmetros Curriculares Nacionais, conceitos do papel da música dentro do currículo escolar
têm despertado um renovado interesse não só de profissionais da área, como também a atenção e
discussão de educadores preocupados com uma formação equilibrada e completa do ser humano.
Compreendendo que a música dentro da escola pode, e deve desempenhar uma papel educacional
que vai além do repetir notas musicais “bem ensaidas”, cremos que o canto coral utilizado dentro da
grade curricular pode ser um fórum no qual diversos conteúdos, musicais e de outras disciplinas,
podem ser apresentados de forma singular e com grande aproveitamento. No entanto, para que este
fórum catalizador de conhecimento possa existir, é necessário oferecer formação profissional
adequada ao docente que trabalhará com canto coral na escola.

2. Objetivos
2.1 O primeiro objetivo foi o estabelecimento de um grupo de estudo sobre Educação
Musical pelo Canto Coral que integrasse os vários níveis hierárquicos da instituição UNASP, que
estão envolvidos com a prática de Canto Coral. Seguindo está diretriz, o grupo de estudo foi
estabelecido em outubro de 2003, incluindo alunos de lato-sensu em regência coral com capacitação
para docência, de mestrado em educação, de iniciação científica ao nível de graduação e professores
de graduação e pós-graduação.
2.2 Uma vez que o grupo de estudo entrou em funcionamento, as propostas estudadas
teoricamente, passaram a embasar o “Projeto CuCo (Currículo Coral) na Escola”, sendo colocadas
em prática a partir de fevereiro de 2004 utilizando o ensino fundamental do Colégio UNASP como
laboratório.
2.3 A dinâmica de trabalho do estudo teórico do grupo com a aplicação prática dos
conceitos no “Projeto CuCo na Escola”, permite a conceitualização teórica, a aplicação prática, a
avaliação reflexiva da prática e uma re-estruturação das ações pedagógicas. Com isso, é possível
trabalhar de maneira concreta na construção de um currículo de Educação Musical pelo Canto Coral
que atenda as reais necessidades educacionais e sociais da comunidade escolar aonde este será
implantado.

3. Breve Histórico da Instiuição


O Colégio UNASP é uma instituição de ensino fundamental e médio com 618 alunos,
pertencente ao complexo educacional denominado de Centro Universitário Adventista de São Paulo
(UNASP), campus Eng. Coelho-SP. Criado em 1983, o Colégio UNASP possui ao longo de seus
quase vinte e três anos de existência um considerável histórico de atividades de canto coral. Similar
ao que é observado em muitas escolas das redes particular e pública, as atividades de canto coral do
Colégio UNASP concentravam-se em um fazer musical de adorno para datas festivas e
comemorativas do calendário escolar, sendo assim, apenas atividades extra ou para-curriculares,
isentas de um planejamento curricular ou metodológico. É interessante observar que os ensaios dos
corais aconteciam tanto em horários dentro da grade curricular, como em momentos fora do horário
escolar.
A partir de 1999 o Centro Universitário Adventista de São Paulo passou a oferecer o curso
de educação artística com habilitação em música, sendo o único curso de licenciatura em música na
área geo-social de Campinas-Limeira, no interior do estado de São Paulo. Esta licenciatura em
música suscitou questões do perfil do egresso deste curso, principalmente ao considerar-se que o
principal mercado de trabalho para este profissional é o coral escolar. Diante desta necessidade de
oferecer aos alunos de graduação uma formação teórico-prática adequada na área de coral escolar,
que inclua uma ampla visão do papel que o coral escolar pode desempenhar na educação,
estabeleceu-se um grupo de estudo sobre o assunto em outubro de 2003.
A criação do grupo de estudo de Educação Musical pelo Canto Coral no UNASP deu-se
pela necessidade de um olhar reflexivo que possa produzir mudanças nas abordagens pedagógicas
da música na escola. Cremos que o próprio papel do professor de música na escola precisa ser
repensado, assim como o papel da música na sociedade e a consequente necessidade de estudá-la
como disciplina formativa na escola. Diante da carência de formação acadêmica na área de canto
coral escolar, o Centro Universitário Adventista de São Paulo empenhou-se para desenvolver um
programa de lato-sensu em regência coral com capacitação para a docência. Este curso de
especialização é oferecido em dois módulos durante o período de férias de verão, tendo a primeira
turma ingressado em janeiro de 2005.

4. Mudando Paradígmas
Algumas das maiores barreiras na mudança do conceito de coral escolar que “ensaia” para
apresentações públicas, para o conceito de coral escolar que “educa,” estão nos próprios
profissionais que conduzem a música nas escolas. Para a maioria dos regentes de coral escolar não
existe outro modelo de trabalho, a não ser o de ensaiar músicas para apresentá-las em público. Não
nos cabe aqui uma análise profunda sobre este assunto, mas é fácil compreender que se um
professor-regente de coral escolar não experimentou na sua própria formação educacional o canto
coral como parte integral do currículo escolar, este, mesmo que esteja convencido dos benefícios de
uma prática de canto coral curricular, terá dificuldades em colocar em ação esta proposta. Daí
então, a necessidade de envolver regentes de coral escolar em processos que permitam constante
atualização profissional, e que possam gerar, consequentemente, mudanças nas abordagens
pedagógicas de música na escola. Isto pode ser alcançado não somente através de cursos de
extensão e pós-graduação, mas também através de grupos de estudo e de projetos pedagógicos
dentro da própria escola.
Um dos pontos de maior importância no grupo de estudo de Educação Musical pelo Canto
Coral do UNASP é a representatividade das diversas hierarquias de educação desta instituição no
grupo, incluindo professores do ensino fundamental, alunos de graduação, lato-sensu e mestrado, e
professores de graduação e pós-graduação. Esta diversidade de formação e experiência no grupo
possibilita uma enriquecedora experiência de crescimento para todos, promovendo a integração da
pesquisa universitária à própria sala de aula, aproximando assim a teoria da prática. É através do
estudo individual e da discussão em grupo que estamos construindo um modelo de trabalho em
canto coral, identificando problemas e desafios peculiares ao Colégio UNASP, buscando e
negociando soluções em propostas já existentes, provendo assim embasamento filosófico e teórico e
desenvolvendo currículos de ensino.

5. Projeto CuCo na Escola: Discussão Teórica


Um dos grandes desafios do professor de música na escola é a justificativa da própria
música na sala de aula, não somente para pais, colegas de trabalho e administradores de escolas,
mas também para si mesmo. Para muitos professores de música a justificativa do ensino de música
na escola é ainda algo que carrega uma certa mística de que a música “faz bem” para o
desenvolvimento da inteligência, ou algum outro conceito abstrato. Há também a questão de
enfoque da presença da música na escola. Deve ser esta para a formação de músicos, ou para a
formação de seres pensamentes e atuantes? Em nosso estudo propomos duas possibilidades,
“educação musical” e “ensino musical”, este último sendo constituído de um objetivo maior de
performance musical, e o primeiro incluindo um conceito amplo de música como parte integral da
educação.
A discussão do valor da música na escola é atual e dinâmica, e por isso mesmo não podemos
nos esconder dela, pois a nossa visão do valor da música na escola determina em grande parte
nossas práticas pedagógicas. Autores HENTSCHE e DEL BEN (2003, pp. 176-188) apresentam
uma importante reflexão em seu trabalho intitulado Aula de Música: Do Planejamento e Avaliação
à Prática Educativa, destacando a importância de nossas concepções do que é educação musical,
para que possamos realmente planejá-la. No “Projeto CuCo na Escola”, consideramos as
possibilidades abertas e flexíveis da música como meio para outros objetivos (conteúdos
interdisciplinares) e também como atividade humana de valor intrínsico (conteúdos musicais).
Concordamos em nossa discussão de que independente do valor que agregamos ao ensino de
música na escola, a música é algo que permeia a sociedade, e justamente por este motivo necessita
de espaço adequado dentro da educação para que possamos preparar cidadãos capazes de interagir
com a arte musical nas suas múltiplas manifestações na sociedade. Mesmo reconhecendo as
limitações de analogias, seria como conceber de que uma pessoa que viva no Século XXI não tenha
nenhum contato com informática. Isto parece pouco provável. Podemos sim, da mesma maneira
que com a informática, interagir de maneira ativa ou passiva com a música, sendo meros usuários
(consumidores) ou seres pensantes capazes de contextualizar nossas intersecções com a arte
musical. Seguindo esta linha de pensamento, nos apropriamos de conceitos expressos por
HARNONCOURT (1988), SCHAFER (1992) e SWANWICK (2003) para construir uma prática
pedagógica mais musical, mais ampla e inclusiva, e crítica.
A construção de um currículo coral escolar é uma tarefa herculana, mas também muito
gratificante. Uma vez que decidimos abraçar o conceito de educação musical para a formação de
cidadania, foi como se os lacres dos vasos da criatividade tivessem sido rompidos. As professoras
de canto coral nos relataram da nova dimensão de liberdade no planejamento e desenvolvimento das
aulas. O tradicional formato de aquecimento e “aprender” músicas, deu lugar a um momento de
descoberta partilhado por alunos e professores. Eventuais problemas disciplinares típicos de
ensaios foram diluídos, dando lugar ao desenvolvimento de um ambiente agradável e positivo de
ensino e aprendizagem, resultando em uma considerável melhora em vários aspectos da própria
performance musical, além do trabalho com conteúdos variados.

6. Projeto CuCo na Escola Aplicado no Colégio UNASP


Uma vez que o grupo de estudo iniciou suas atividades, fez-se uma avaliação informal sobre
as atividades de canto coral no Colégio UNASP. Até o ano de 2003, estas atividades eram
praticadas principalmente através de um “grande coral” que incluía alunos de educação infantil até a
5ª. série. Os ensaios eram divididos por faixas etárias, havendo ensaios em conjunto às vésperas de
apresentações.
A primeira proposta do grupo de estudo foi a divisão deste “grande coral” aproveitando o
espaço já existente para os ensaios por faixas etárias, e incluindo também as últimas três séries do
ensino fundamental. As classes de canto coral ficaram assim divididas:
1o grupo: educação infantil, 1a e 2a séries;
2o grupo: 3a e 4a séries;
3o grupo: 5a e 6a séries;
4o grupo: 7a e 8a séries.
Esta divisão em grupos de faixas etárias afins, permitiu imediatamente um planejamento de
conteúdos, atividades e repertório próprios para cada faixa etária. É importante destacar que não
houve significantes mudanças nas participações corais nas várias datas festivas da escola. Na
prática observou-se um modelo de trabalho flexível, que permite a existência de quatro corais
independentes, mas que podem ainda ser reunidos, quando proveitoso, em um “grande coral”.
A segunda proposta do grupo de estudo foi de que este currículo de canto coral deveria
incluir conteúdos musicais e interdisciplinares, e que a exploração dos temas transversais receberia
atenção especial. O planejamento de cada classe de canto coral passou então a ser feito de maneira
integrada em conjunto com os demais professores de cada série. Isto permitiu a coordenação de
esforços em direção a objetivos comuns. Por exemplo, em 2004 o 1o grupo trabalhou a imagem
corporal e a valorização do outro, com as músicas A Lagartixa que queria ser Jacaré (Edenir
Ferreira de Souza e Izomar Camargo Guilherme) e Nanico (Thelma Chan). Neste exemplo não
houve nenhuma inovação fabulosa de repertório, como alguns poderiam esperar, já que estas duas
canções são bem conhecidas. Mas a grande mudança ocorreu no enfoque processual que permitiu
um fazer musical reflexivo, no qual os alunos são convidados a desempenhar papel ativo em cada
aula. O objetivo agora não é mais somente “ensaiar” as músicas, mas utilizá-las como
oportunidades para o desenvolvimento musical, intelectual e social do aluno. Conteúdos musicais
como técnica vocal, relaxamento e expressão corporal, leitura musical pela manossolfa, bem como
partitura tradicional, são incluídos, assim como conteúdos dos planejamentos das diversas séries são
selecionados e trabalhados no canto coral como proposta interdisciplinar.
A terceira proposta do grupo de estudo foi de que seriam feitas “mostras” do trabalho de
canto coral, e não somente “recitais”. A “I Mostra do Projeto CuCo na Escola”, envolvendo o 1º.
e o 2º grupos, aconteceu em novembro de 2004. Nesta ocasião, grande parte das atividades foram
conduzidas e explicadas pelos próprios alunos aos seus pais, familiares e amigos que estavam
presentes, permitindo que o auditório tivesse uma experiência prática das aulas de canto coral. Isto
foi de fundamental importância para o projeto, já que contribuiu para desfazer preconceitos de que a
música na escola é somente “brincadeira”, e por tanto, não deveria ocupar um lugar na grade
curricular. A resposta unânime dos pais foi de surpresa, pois não imaginavam que as aulas de canto
coral pudessem desempenhar um papel tão importante na educação de seus filhos.

7. Pensamentos Finais
Em nenhum outro momento da história da educação brasileira houve oportunidades tão
propícias para a utilização da música na sala de aula. O estabelecimento de fóruns de discussão,
publicação de materiais e o respaldo legal têm contribuído para uma renovação das práticas
musicais na escola brasileira. Cremos que o canto coral é a proposta mais acessível e completa de
música na escola, permitindo ampla inclusão social e a possibilidade de um trabalho educacional de
grande flexibilidade. Em uma aula de canto coral é possível aprender música e ao mesmo tempo
discutir política, geografia e história.
Os desafios diante de nós, profissionais da educação musical no Brasil, incluem a criação e
estruturação de cursos de graduação e pós-graduação para a formação adequada do profissional que
irá trabalhar com música na escola. Não somente deve este profissional ser um bom músico, mas
acima de tudo um educador. É necessário uma sólida formação teórica, mas também uma prática de
estágios supervisionados, para que o egresso venha a compreender o seu papel na sala de aula e vir
a ser um verdadeiro catalizador do desenvolvimento de seus alunos.
O “Projeto CuCo na Escola” está completando seu primeiro estágio, que envolveu o
estabelecimento do grupo de estudo e as primeiras propostas de do programa de canto coral no
Colégio UNASP. Os primeiros frutos de trabalho acadêmico deste projeto já começam a surgir, na
forma de Trabalhos de Conclusão de Curso, Projetos de Lato-sensu, Teses de mestrado e a
apresentação de comunicaçãoes e pôsteres em congressos. Diante de nós está o desafio da
elaboração e amadurecimento de um currículo de canto coral para a escola.
Referências
FERREIRA, Martins. Como Usar a Música na Sala de Aula. São Paulo: Ed. Contexto, 2001.

HARNONCORT, Nikolaus. O Discurso dos Sons. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1988.

HENTSCHKE, Liane e DEL BEN, Luciana. Ensino de Música: Propostas Para Pensar e Agir em
Sala de Aula. São Paulo: Editora Moderna, 2003.

HENTSCHKE, Liane e SOUZA, Jusamara. Avaliação em Música: Reflexões e Práticas. São


Paulo: Editora Moderna, 2003.

PENNA, Maura, coord. Os Parâmetros Curriculares Nacionais e as Concepções de Arte. João


Pessoa, PB: Centro de Ciências Humanas, Letra e Artes, 1998.

PENNA, Maura, coord. O Dito e o Feito: Política Educacional e Arte no Ensino Médio. João
Pessoa, PB: Manufatura, 2003.

SCHAFER, Murray. O Ouvido Pensante. Editora UNESP: São Paulo, 1992.

SUZIGAN, Geraldo de Oliveira e SUZIGAN, Maria Lucia Cruz. Educação Musical: Um Fator
Preponderante na Construção do Ser. São Paulo: G4 Editora, 2003.

SWANWICK, Keith. Ensinando Música Musicalmente. São Paulo: Editora Moderna, 2003.

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