Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Walter Frantz
associativismo,
cooperativismo e
economia solidária
Catalogação na Publicação:
Biblioteca Universitária Mario Osorio Marques – Unijuí
CONHECENDO O PROFESSOR...................................................................................................5
INTRODUÇÃO................................................................................................................................7
REFERÊNCIAS............................................................................................................................163
EaD
Conhecendo o Professor
associativismo, cooperativismo e economia solidária
Walter Frantz
5
EaD
Introdução
associativismo, cooperativismo e economia solidária
Em 2006, Klaus Wiegandt escreveu: “Nós nos desviamos do caminho de sucesso inicial
com muito progresso e nos encontramos em um caminho equivocado de ameaças com riscos
imprevisíveis” (apud Jäger, 2007, p. 9).1
De acordo com Wiegandt, o planeta Terra não suporta mais o modelo de desenvolvimento
embasado em objetivos e metas de maximização do lucro e da acumulação do capital. Assegura
ele que o maior perigo vem da crença de uma possibilidade de um ilimitado crescimento eco-
nômico, por parte de políticos e líderes empresariais, que acreditam nas inovações tecnológicas
como respostas para todos os desafios sociais, hoje e no futuro. Afirma que cientistas de dife-
rentes áreas concordam que, hoje, não existe nenhuma alternativa para as sociedades que não
seja o caminho da sustentabilidade. Observa ainda que uma sociedade que queira, seriamente,
orientar-se por um desenvolvimento sustentável não pode prescindir de atores sociais críticos e
criativos, dispostos ao debate e às ações (apud JÄGER, 2007).
1
Tradução livre do original em alemão por Walter Frantz: Wir sind vom frühen Weg des Erfolges mit vielen Fortschritten
abgekommen und befinden uns auf einem Irrweg der Gefährdung mit unübersehrbaren Risiken.
7
EaD
Walter Frantz
Muitos são os dados que permitem assegurar que estamos diante de uma crise dos grandes
sistemas modernos de organização social, que tem sua expressão nas experiências capitalista e
comunista. Como se expressa essa crise? A crise dos grandes sistemas se caracteriza pela frus-
tração com a competição capitalista, diante dos seus resultados sociais e pela decepção com a
revolução socialista do século 20. Como consequência, de certa forma, vive-se, hoje, a ausência
de um projeto global de sociedade para a maioria da população.
É nesse espaço de crise, isto é, entre a lógica capitalista e o fracasso das experiências so-
cialistas que, a meu ver, se recoloca a questão da economia solidária e do cooperativismo como
uma prática social de dimensão econômica, política e cultural.
Afirma Hugo Assmann (1998) que a humanidade chegou numa encruzilhada ético-política,
e, ao que tudo indica, não encontrará saídas para a sua própria sobrevivência como espécie
ameaçada por si mesma se não construir consensos sobre como incentivar conjuntamente o po-
tencial de iniciativas e as frágeis predisposições à solidariedade. Esses consensos terão de ser
construídos, tanto pela comunicação dos sujeitos, pelo diálogo e interlocução de seus saberes
quanto pela prática social de seus afazeres pela vida. Essa visão abre espaço ao associativismo
e cooperativismo.
Entendo, porém, que o sistema cooperativo moderno só poderá ser uma alternativa a uma
economia do humano ao não ser instrumentalizado por um ou outro dos grandes sistemas. Assim,
um desafio que nasce da crise dos grandes sistemas é o da construção de uma concepção teórica
de uma formação social em bases culturais, políticas e econômicas que possa acolher a liberdade
individual e a necessidade do coletivo como dimensões de realização do ser humano.
Afirma André Morin (2004, p. 76) que, na visão de Paulo Freire, “O homem sujeito de sua
história, dialogando com seus parceiros humanos, é capaz de atingir um nível de consciência
crítica que lhe permita transformar a sociedade circundante”. Isto é, possibilita se organizar e
reagir. Assim, a solidariedade e a cooperação impõem-se mais como necessidades do que como
meras opções. Impõem-se como reação. A sociedade humana precisa construir novas formas e
padrões de coexistência e cooperação dos seres humanos entre si, com relação ao seu meio am-
biente e às futuras gerações. Talvez seja essa a grande tarefa da humanidade para as próximas
décadas: a de construir e reconstruir as condições de uma metamorfose social (Morin, 1998) que
assegure a vida para os seres humanos e toda a natureza.
8
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
A sua preocupação deve ser a formação crítica das estruturas mentais de reflexão, isto é,
da superação de uma visão e compreensão de mundo, diante de uma realidade em constante
transformação e sobre a qual quer exercer poder de influência. A base de uma formação crítica
está nas diferentes ciências e campos de saber e deve servir à política.
A formação crítica não deve acontecer apenas no pequeno espaço das aulas. A formação
crítica deve se estender pela leitura, pelo debate, especialmente sobre a própria prática, ainda
que esta apresente dificuldades, limites, falhas ou erros. A leitura, o diálogo, a argumentação
e os debates são fundamentais para a viabilização de um processo de desenvolvimento das
pessoas.
Pela reflexão crítica sobre erros é possível aprender mais do que sobre acertos. Importa
reconhecer que a capacitação para a reflexão crítica não se alcança apenas pela frequência de
salas de aula, mas pela leitura, entendida como uma comunicação com um universo maior de
experiências e suas abstrações, consolidadas em conceitos e teorias. Creio que as experiências
dos alunos são tão importantes quanto os conhecimentos dos professores, no contexto da sala
de aula. A aprendizagem vem do espaço da prática, porém iluminado pela leitura, pelas teorias,
analisado e interpretado pela reflexão crítica e pelo debate de quem dele participa.
O texto a seguir está dividido em unidades que exigem leitura, reflexão e debate. Os seus
conteúdos vão desde a questão histórica do movimento cooperativo até o lugar da educação e da
universidade no processo social de desenvolvimento e que busca ter na organização cooperativa
um de seus motores. O texto resulta de reelaboração de diferentes publicações e se destina às
aulas de EaD do componente disciplinar Associativismo, Cooperativismo e Economia Solidária.
Espero poder contribuir para a formação crítica das pessoas que acreditam no cooperativis-
mo como caminho possível para um desenvolvimento mais justo e sustentável. Acredito estarmos
diante do desafio da construção de uma concepção teórica de uma formação social em bases
culturais, políticas e econômicas, que possa acolher a liberdade individual e a necessidade do
coletivo como dimensões de realização da felicidade do ser humano.
9
EaD
Unidade 1
associativismo, cooperativismo e economia solidária
A ORGANIZAÇÃO COOPERATIVA
COMO BASE DA ECONOMIA SOLIDÁRIA
Seção 1.1
Ocupar-se com o estudo do cooperativismo não significa apenas querer descrever fatos,
acontecimentos específicos, em ordem cronológica, mas extrair deles a experiência humana. Os
fatos históricos, relativos ao movimento cooperativo, perdem-se na sua multiplicidade e na vastidão
da dimensão do tempo. Ocupar-se da história do cooperativismo significa destacar os principais
pensamentos e visões das experiências de cooperação, em um determinado tempo e lugar.
Ela revela dificuldades e lutas dos seres humanos no processo de produção dos bens mate-
riais de vida. É uma história, portanto, diretamente ligada à economia daqueles que cooperam,
isto é, está vinculada à produção e à distribuição daquilo que os seres humanos necessitam ou
desejam para viver. Sob esse ponto de vista, o cooperativismo aparece como uma atividade huma-
na bem concreta, que leva a marca histórica de cada época em que ela ocorre. Por isso, pode-se
falar de diferentes práticas cooperativas ao longo da História da Humanidade.
11
EaD
Walter Frantz
No caso do movimento cooperativo moderno, o conflito social presente em sua base, his-
toricamente, esteve relacionado com a má distribuição das riquezas, as restritas oportunidades
sociais, a luta por melhores condições de vida, o reconhecimento da liberdade de organização.
Os seus valores eram relacionados ao associativismo, à solidariedade e à cooperação, ao reconhe-
cimento de seus protagonistas como sujeitos, com valor e dignidade. O movimento cooperativo
moderno nasceu em função da defesa e da valorização do trabalho humano.
12
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
De forma resumida e simplificada, pode-se definir a economia como o trato das questões
relativas à produção e à distribuição das riquezas. Como tal, envolve aspectos de ordem mais
técnica e outros de ordem mais política. Hoje, os mecanismos clássicos de coordenação das
questões relativas à produção e à distribuição das riquezas são o mercado e o planejamento,
por parte do Estado. Por isso, fala-se em economia de mercado e em economia planejada, com
funções reservadas ao jogo da oferta e da procura e/ou ao poder de Estado. São sistemas de re-
ferência que, na prática, não existem em estado puro, iniciando-se, por aí, uma complexidade,
que, muitas vezes, acaba em um linguajar, ou em teorias e conceitos, de difícil entendimento
aos não especialistas.
A economia, contudo, não pode ser assunto apenas para especialistas. Ela envolve vidas de
pessoas. Aos especialistas está reservado um espaço próprio, no campo do estudo e do desenvol-
vimento da ciência sobre a produção e a distribuição das riquezas. Aos não especialistas é posto
o desafio de entender a economia, pelo menos nos seus aspectos fundamentais, que envolvem
diretamente a sua vida, seja como produtores ou como consumidores de bens e riquezas.
13
EaD
Walter Frantz
• Humanismo: valorização do homem pelo que ele é e não pelo que ele tem.
• A habitação e a oficina conviviam sob o mesmo teto e, muitas vezes, ocupavam o mesmo es-
paço.
• O chefe de família era também o chefe do negócio, detinha os seus segredos de produção, o
poder de decidir, de formar e disciplinar.
• A aculturação acontecia pelo aprendizado; o aluno, mesmo quando estranho à família, era
afiliado a ela e compartilhava os seus modelos de vida e de trabalho.
• A oficina produzia o produto em todas as suas etapas, desde o projeto técnico até a venda.
14
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
• Vida doméstica, trabalho, comércio, lazer, religião, etc., compunham um conjunto no qual muitas
coisas eram em comum, formando uma comunidade. Inclusive, muitas vezes, o trabalho era
trocado entre as diversas oficinas, embora cada uma constituísse um sistema autossuficiente.
• Não existia a energia elétrica e nem a vapor. A energia era a do homem ou dos animais.
• Não havia uma divisão mais complexa do trabalho. Misturava-se o trabalho físico e mental,
executivo e criativo.
• Havia um predomínio das necessidades sobre os interesses. As pessoas trabalhavam mais por
necessidades que por interesse.
A Revolução Industrial mudou tudo isso, abalando fortemente a vida das pessoas. Ao lado
das coisas boas, ela trouxe também muitas dificuldades. Segundo De Masi (1999, p. 151-152),
as principais características da sociedade industrial são as seguintes:
• Produção em massa.
• Mudanças no processo produtivo, mediante aplicação das descobertas científicas que eram
incorporadas ao mundo da produção.
• Separação entre capital e trabalho, com crescentes conflitos nas relações de trabalho.
15
EaD
Walter Frantz
• Sincronização dos tempos da vida com os tempos da máquina: substituição do tempo e do ritmo
da natureza.
As transformações da era industrial alteraram em muito a vida das pessoas. Embora ti-
vessem aparecido muitos benefícios, também foram grandes os problemas. O cooperativismo
nasceu da reação aos problemas sociais da época. A sua organização e funcionamento refletem
a compreensão que as pessoas tinham desses problemas.
As experiências de cooperação são perpassadas pelo senso de justiça social e pelo esforço
por organizar um poder de ação sobre os problemas sociais. Essas experiências são chamadas
de utópicas. O termo utopia vem do grego e quer dizer “lugar nenhum”. Aos pensadores sociais
da época que apostavam nesse tipo de organizações cooperativas e no caminho da organização
cooperativa como forma de superação do modo de produção capitalista, Karl Marx denominou
de socialistas utópicos. Marx é o responsável por essa denominação, pois ele afirmava em seus
debates com os “socialistas utópicos” que esse não seria o caminho de superação das contra-
dições da sociedade capitalista. Propunha a revolução como caminho dessa superação (Marx;
Engels, 1998).
16
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
• Caráter filantrópico
• Venda a prazo
No fim do século 18, em meio à Revolução Industrial, o tempo de trabalho das pessoas pas-
sou à indústria, isto é, sob o seu controle. Embora sua remuneração fosse baixa, isso significava,
no entanto, a monetarização das economias familiares. Menor tempo passava a ser dedicado à
produção própria dos alimentos. Era o fim da economia das necessidades e o começo da economia
dos interesses, mediante relações de mercado. Relações sempre mais impregnadas pela lógica
dos interesses do capital. Essas mudanças trouxeram também sérios problemas de alimentação
para a classe trabalhadora. A questão do consumo, da alimentação, passou a ser um dos proble-
mas mais agudos, sob diversos aspectos. Essa situação está na raiz da experiência pioneira do
movimento cooperativo moderno, simbolizado pela Cooperativa de Consumo, de Rochdale, em
1844, na Inglaterra, e que existe até hoje.
• Coesão social
• Ausência de oportunismo
17
EaD
Walter Frantz
A iniciativa dos tecelões de Rochdale, em 1844, foi uma das experiências mais marcantes
da história do cooperativismo moderno. É considerada a experiência matriz do cooperativismo
moderno. O cooperativismo moderno incorporou os ideais sociais da época: autoajuda, solida-
riedade, democracia, liberdade, equidade, altruísmo e progresso social.
Princípios orientam práticas; são normas de ação; são supostos gerais sobre os quais se
baseiam as normas de ação. A experiência de Rochdale foi uma experiência pioneira de aplicação
mais racional dos princípios de organização econômica de um grupo de pessoas.
Acreditavam que, em longo prazo, esse movimento cooperativo poderia trazer a total
emancipação do trabalho das relações de dominação dos interesses do capital. Acreditavam que,
abandonando a luta política e se organizando eles mesmos, chegariam a construir estruturas so-
cioeconômicas que garantiriam melhores condições materiais e sociais para os trabalhadores.
A experiência de Rochdale foi de natureza prática e não utópica, procurando reduzir cus-
tos e garantir o abastecimento. Pela via do consumo a baixo custo, buscavam melhorar a renda
das famílias. Não foi uma experiência fundada na visão do socialismo utópico, e sim baseada no
pragmatismo da sobrevivência. Adotou uma posição defensiva prática, dentro da ordem, pela
integração ao mercado. Abandonou a posição defensiva do movimento anticapitalista dos so-
cialistas utópicos. Por essa razão, adotou métodos e instrumentos racionais de orientação como:
venda à vista; precisão nos pesos e medidas; atenção à qualidade da mercadoria; dividendos na
proporção das compras e juro sobre o capital dos associados. Procurou corrigir distorções das
práticas cooperativas, diante da realidade do mercado (Burr, 1965).
18
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
4. Retorno de excedentes.
5. Vendas à vista.
Em 1930, por sugestão da Aliança Cooperativa Internacional, foi formada uma comissão
para revisar as diferentes classificações dos princípios. Os resultados desse trabalho foram
apresentados em 1934, em Londres. De acordo com essa revisão, estabeleceram-se os seguintes
princípios:
1. Livre adesão
2. Controle democrático
3. Retorno de excedentes
6. Vendas à vista
7. Educação cooperativista
2. Gestão democrática.
3. Distribuição das sobras: ao desenvolvimento da cooperativa; aos serviços comuns; aos asso-
ciados “pro rata” das operações (i.é. proporcional à participação).
19
EaD
Walter Frantz
4. Autonomia e independência.
6. Intercooperação.
A análise dos princípios revela a história da época. Assim, podem-se observar nos princípios
os traços históricos da problemática social que sustentou, ao longo das décadas, o movimento
cooperativo.
• O princípio do controle democrático: guarda a luta pela igualdade, não submetendo as pessoas
ao volume do capital. Busca realizar a democracia na esfera econômica. Traz implícito o direito
do voto, da participação, da valorização da pessoa, do trabalho. A origem deste princípio está
na posição dos cartistas, que lutavam por direitos políticos, por participação política, estendida
a todas as pessoas. Convém lembrar que, na época, o voto na sociedade civil era privilégio de
grupos e classes sociais. Houve experiências anteriores de cooperação que condicionavam o
poder de participação, de decisão, ao volume de operação. Em consequência, os mais fortes
assumiam o controle da cooperativa, submetendo as pessoas ao capital.
• O princípio da livre adesão: ingresso e saída livres, em igualdade de condições, sem discrimi-
nação. É fácil imaginar-se a importância desse princípio em uma sociedade ainda marcada pela
história das relações feudais de servidão ou mesmo marcada por experiências de escravidão.
• O princípio da limitação do juro ao capital: este princípio está inspirado na ideia de Robert
Owen, segundo o qual, pagos os juros (limitados) ao capital, o restante dos resultados deve
ser destinado a incrementar o bem-estar dos sócios e funcionários. Era um princípio revolu-
cionário, na época, embora, hoje, possa estar defasado em alguns países. A finalidade inicial
foi estimular a poupança e a capitalização.
20
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
1
Trata-se de partidários de movimento revolucionário de massas da classe operária, na Inglaterra, na metade do
século 19. O movimento publicou a Carta do Povo e lutou por reformas políticas: pelo sufrágio universal, voto secreto,
revogação da exigência de ser proprietário de terras para ser eleito ao Parlamento.
2
Seguidores de Robert Owen (1771-1858) – um dos mais importantes precursores do cooperativismo moderno, que via
no trabalho a fonte de toda riqueza e propunha sua organização cooperativa.
3
Seguidores de Ned Ludd, do movimento contrário à mecanização do trabalho em substituição da mão de obra, no
início do século 19.
21
EaD
Walter Frantz
Não se pode esquecer, no entanto, que se buscavam outras formas de combate às dificul-
dades do desemprego, por meio da cooperação na produção, gerando-se empregos. Os pioneiros
de Rochdale buscavam o cooperativismo integral, na tentativa de incorporar toda a problemática
social dos trabalhadores da época, porém perceberam a necessidade de certos princípios básicos
para a sobrevivência das iniciativas particulares e específicas de cooperação. Constataram que
a problemática global não caberia nas experiências tópicas, que o todo não caberia nas partes.
As proposições da experiência de Rochdale, portanto, não se resumiam ao armazém de gêneros
alimentícios.
Propunham atuação no sentido de dar conta das principais questões sociais da época:
habitação e emprego. Construir casas e produzir alimentos eram atividades incentivadas com
o objetivo de gerar emprego e atender as necessidades específicas de habitação e alimentação.
Assim, “alimentavam o sonho” de um projeto cooperativo para a sociedade.
O movimento cooperativo nasceu das lutas pela valorização do trabalho humano. Por isso,
a noção de organização cooperativa é mais ampla que uma simples instrumentação técnica.
Além do instrumental técnico, a organização cooperativa surge de um movimento social que traz
em seu bojo histórico a questão da valorização do trabalho humano, constituindo identificação,
associação e comunicação entre os que trabalham com seus instrumentos de atuação.
22
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
relação técnica de trabalho, como uma relação funcional de um sistema de trabalho, mas como
expressão política e técnica de superação da interação dos trabalhadores, submetidos à lógica
da acumulação do capital.
Assim, as reações que levaram ao movimento cooperativo podem ser classificadas em três
tipos:
O primeiro tipo consiste em uma reação no sentido de voltar à velha ordem: esta era uma
posição conservadora que se inclinava à reconquista da velha ordem, por meio da cooperação.
Parecia ser possível reverter a Revolução Industrial, reconquistando as posições perdidas dos
artesãos, entre elas a propriedade de seus instrumentos de trabalho; muitos deles buscavam
retornar à velha ordem.
O segundo tipo consistia em uma reação no sentido de superação da ordem, recém institu-
ída, mediante a organização cooperativa: essa posição progressista acreditava na possibilidade
de transformação ou de superação da ordem capitalista em execução, ainda que gradativamente.
Essa visão se dividia em duas grandes linhas:
a) A linha da via pacífica de superação da ordem: esta acreditava poder fazer as transformações
pela economia, cada vez mais organizada em bases cooperativas. A superação pacífica da pro-
blemática social seria possível pela cooperação. A soma das unidades econômicas cooperativas
poderia gerar a superação da ordem competitiva. A proposta de superação pacífica do sistema
capitalista implicava a renúncia da luta de classes como motor da História, de sua transfor-
mação. A proposta pacífica implicava um apelo à racionalidade da organização cooperativa:
o sucesso da empresa deveria atrair os trabalhadores para formarem novas cooperativas. A
cooperação mútua, no lugar da competição e da ganância pelo lucro, passando pela produção,
distribuição e consumo, integraria os setores, constituindo-se na base da nova sociedade, mais
23
EaD
Walter Frantz
justa e humana, sem explorados nem exploradores. A organização cooperativa era vista como
uma estratégia de mudança social. Acreditava-se que o sistema cooperativista pudesse reverter
tendências estruturais da sociedade.
O terceiro tipo consistia em uma reação no sentido de organizar a nova ordem: essa posição
pode-se identificar no campo da cultura capitalística que não questiona a ordem social maior, mas
se opõe ao egoísmo dos indivíduos sem, no entanto, propor a eliminação da economia privada.
Poderia ser definida como uma posição de liberalismo social. O cooperativismo aparece como
um instrumento de domesticação do “capitalismo selvagem” e como complemento econômico,
ocupando espaços na economia concorrencial. A questão desafiadora às economias individuais
é de se inserir na ordem, sem sucumbir nela. Acredita-se que a cooperação elimina os efeitos
danosos do capitalismo, especialmente com relação aos mais fracos. A cooperação permite re-
cuperar a força da competição.
Seção 1.2
24
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
– a associação é livre;
25
EaD
Walter Frantz
A economia popular solidária tem suas raízes históricas nas atividades informais de setores
populares que tomaram consciência “de que os Estados, os partidos políticos e os poderes esta-
belecidos não se preocupam de solucionar os problemas que os afetam” (Houtart, 2001, p. 16).
Trata-se de uma iniciativa pragmática de quem espera pouco ou nada das instâncias formais
de poder e parte à construção solidária de soluções para os seus problemas imediatos comuns.
Lembra o autor, no entanto, “que o contexto global no qual agem os novos agentes da economia
solidária, seja de que tipo forem, condiciona muito fortemente sua existência e sua evolução”
(Houtart, 2001, p. 22).
Baseadas na solidariedade seguidamente existentes nesses meios, nasceram iniciativas que preten-
dem alcançar níveis de organização econômica, social, cultural e política superiores e alternativos ao
sistema capitalista neoliberal. Visam à criação de uma economia popular em que encontrariam lugar
tanto trabalhadores urbanos e rurais, manuais e intelectuais, proprietários e não-proprietários, traba-
lhadores dependentes do capital e independentes.
A economia solidária pode ser caracterizada como um esforço de construção de uma alter-
nativa à produção e de sua distribuição sob a lógica do capital. Isto é, no lugar dos interesses do
capital, busca-se afirmar a primazia da centralidade humana, as necessidades de quem produz
(Maréchal, 2000).
A marca forte de um processo civilizatório mais humano é a substituição das relações ins-
tintivas de concorrência pelas relações de respeito, de solidariedade e de cooperação entre os
seres humanos e destes com a natureza, isto é, com a vida em geral. Hoje, por meio de iniciativas
de economia solidária e cooperativa, parece renovar-se a capacidade de reação e organização
da sociedade civil, diante dos desafios que as transformações tecnológicas e o poder econômico-
financeiro impõem, especialmente ao mundo dos trabalhadores.
26
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
Assim, para além de sua afirmação como instrumento de organização econômica, o movi-
mento social pela cooperação passa a assumir dimensões que vão além das questões econômicas.
Nesse sentido os processos sociais de organização cooperativa incorporam questões sociais, po-
líticas e culturais. Por parte de associados, existe também uma percepção política do movimento
cooperativo (Frantz, 2009, p. 146-147). A cooperação é buscada como uma reação ao risco de
exclusão, de marginalização ou exploração, no contexto maior da interação econômica.
Para muitas pessoas ou grupos sociais, hoje, a cooperação torna-se, novamente, elemento
fundamental à construção de seus espaços de vida, pois a organização cooperativa, para além da
expressão material, desenvolve também expressões culturais, políticas e sociais que se somam
aos interesses, objetivos e necessidades de seus associados. A organização cooperativa adquire
um significado mais amplo que a simples função de encaminhamento de operações técnicas e
instrumentais das economias individuais associadas. Em decorrência disso, impõe-se a neces-
sidade de repensar as práticas cooperativas.
27
EaD
Walter Frantz
um dos maiores dilemas, quer da economia capitalista, quer da organização burocrática, foi a formação
do individualismo, esvaziando o indivíduo da sua alma, isto é, da sua emotividade e subjectividade.
Tanto a nova divisão técnica do trabalho industrial, como a organização funcional no seio das buro-
cracias modernas ignoram o indivíduo, com seus projectos e anseios, com as suas identidades, valores
e significados.
Por isso, pode-se afirmar que empreendimentos de economia solidária são também luga-
res de educação. Isso não apenas por que nelas se promove a atividade educativa, com vistas à
capacitação para a cooperação, mas porque nos seus diferentes espaços a educação decorre das
relações sociais que ali acontecem, tendo em vista os interesses, as intenções, as necessidades
dos associados e as ações decorrentes dessa trama social complexa.
Os seres humanos se educam nas relações sociais do trabalho, educam-se pela comunicação
crítica, pelo debate e argumentação sobre os diferentes aspectos de suas vidas. Os conteúdos
desse processo educativo são, por isso mesmo, ora mais técnicos, ora mais políticos.
Afirma André Ricardo de Souza (2000, p. 7): “Os empreendimentos solidários ainda têm
pouco peso econômico, mas possuem grande significação cultural, afinal são experiências des-
tacadamente educativas”. O empreendimento solidário é uma questão econômica, embasada
na cooperação, porém a economia cooperativa que nele se processa é uma questão mais ampla
que a simples produção e distribuição de bens e riquezas. A economia pode ser definida, de um
modo muito amplo, como o trato das questões relativas à produção e à distribuição das riquezas.
Como tal, envolve aspectos de ordem mais técnica e outros de ordem mais política. Além disso,
pode-se falar de uma economia da necessidade e de uma economia do interesse.
Nos últimos séculos, a partir de uma concepção mais liberal de economia (não confundir
com a economia neoliberal dos tempos atuais), foi colocado o interesse no lugar da necessidade
como nova base para a economia. Assim sendo, a sociedade moderna é fundada na economia do
interesse e da liberdade dos indivíduos. A economia moderna funciona pela competição entre os
interessados. A economia moderna funciona no espaço do mercado, mediante a oferta e a procura.
O sentido histórico da competição tem a ver com estímulo à qualificação do trabalho humano. A
cooperação moderna acontece entre os interessados com o objetivo de poder inserir-se no espaço
28
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
Ocorreu, no entanto, que a lógica do capital se estabeleceu como motivação para a produ-
ção e a distribuição dos bens e das riquezas. O processo da competição e o espaço do mercado
passaram a ser submetidos aos interesses do capital. A competição deixou de ser uma relação
entre as economias dos interessados e passou a ser uma relação entre capital e trabalho ou uma
relação de concorrência entre capitais. O capital apropriou-se do espaço da liberdade e fez valer
o seu interesse: a economia da acumulação capitalista. O capitalismo acentuou o individualismo
e, como consequência disso, fragilizou os laços sociais de poder dos indivíduos livres.
Em linguagem figurativa, pode-se dizer que a sociedade humana tem uma espécie de mo-
tor ou motores que a fazem se organizar e funcionar, isto é, fazem o movimento da sociedade. A
sociedade se movimenta por motores sociais que podem estar localizados no campo da economia,
da política, da ciência, da tecnologia, da cultura, da arte, da música, da literatura, da comuni-
cação, da educação, etc. As engrenagens centrais desses motores sociais são as relações que os
seres humanos acabam estabelecendo entre si nesses campos da atividade humana. Um desses
movimentos da sociedade é o movimento cooperativo, que pode estar na economia, na política,
na cultura, na educação, na comunicação, entre outros. Como movimento social, o cooperativismo
carrega dentro de si as diferentes tendências e interpretações, inerentes a um movimento dessa
envergadura política e econômica.
29
EaD
Walter Frantz
Além disso os associados, construindo poder para a busca de soluções práticas, relativos aos
seus problemas, induzem a um processo de aprendizagem: manipulam informações, aprendem e
constroem conhecimentos. Educam-se, assim, nas relações sociais e econômicas de cooperação e
de competição. Educar-se para o poder político com a finalidade de construir uma nova “ordem
social” é uma etapa fundamental do processo de organização cooperativa.
30
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
A atualidade dos temas está nas circunstâncias sociais da nossa época. As circunstâncias
da problemática social que os recoloca no cenário dos debates sobre economia, política, cultura
ou educação são novas. Hoje 20% da população do mundo controlam 86% da riqueza das nações.
Os Estados mais ricos, isto é, um quinto dos Estados do planeta, produzem 84,7% do produto
mundial bruto, os seus cidadãos efetuam 84,2% das transações econômicas mundiais e possuem
85,5% de toda a poupança interna. Os afortunados desses países mais ricos guardam para si o
privilégio da utilização de 85% da madeira consumida no mundo, 75% dos metais extraídos e 70%
da energia produzida (Martin; Schumann, 1998, p. 37). Diante desse quadro, quais as chances
dos mais pobres, ou melhor, da maioria da humanidade?
Em meio a uma velocidade de informações e visões para todos os lados, há uma sensação
crescente de vazio. “A proximidade e a simultaneidade mediáticas não criam laços culturais e,
sobretudo, não garantem a uniformização dos níveis econômicos” (Martin; Schumann, 1998, p.
29). A divisão econômica da sociedade se agrava mais e mais. Cada um busca cuidar de si, de
seu quintal. O desenvolvimento como um projeto de um mundo unido, mesmo sob uma orien-
tação ideológica tradicional, fundada na liberdade, na igualdade, na fraternidade, parece ter
acabado.
Não há proposta política, em termos globais, atualmente, que permita inspirar confiança
para o futuro, diante do sucesso da economia de mercado capitalista e do fracasso das experiências
de economia socialista, centralmente planejadas, resultando em frustração social profunda. A
experiência capitalista com o seu sucesso econômico frustrou as expectativas sociais da maioria.
A experiência socialista com seu fracasso econômico jogou na perplexidade a maioria. “Quais
são as regras, quais são as formas de sociedade que permitirão gerir os problemas ambientais e
alimentares e as dificuldades econômicas?” (Martin; Schumann, 1998, p. 35).
31
EaD
Walter Frantz
Diante disso, um dos desafios maiores para a humanidade neste início de século 21 é
restabelecer o primado da política sobre a economia, do homem sobre o capital. A economia co-
operativa solidária parece conter essas possibilidades de reconstrução das relações econômicas
entre os homens.
O projeto de uma economia cooperativa solidária oferece uma nova oportunidade de luta
em favor de um futuro mais confiante, de um futuro com novas oportunidades de inclusão social.
Oferece a oportunidade de um olhar um pouco adiante, com a esperança de não sucumbir aos
percalços da política de uma globalização concentradora de riqueza e poder ou à desesperança
dos sonhos perdidos de uma modernidade com liberdade, igualdade e fraternidade. A economia
cooperativa e solidária oferece uma oportunidade de retorno à liberdade criativa dos sujeitos como
atores sociais de seus próprios projetos culturais, políticos e econômicos. Abre lugar à liberdade
da imaginação e à criatividade dos sujeitos.
nada é mais precioso que o humano. Ele é a fonte das outras riquezas, critério e portador vivo de todo
o valor. [...] é preciso ser economista do humano, [...] É necessário igualmente forjar instrumentos –
conceitos, métodos, técnicas – que tornem sensível, mensurável, organizável, em suma, praticável o
progresso em direção a uma economia do humano.4
O grifo é meu.
4
32
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
A opção por uma economia cooperativa solidária pode também representar o retorno da
perspectiva de uma luta política, embasada nos princípios da liberdade dos sujeitos, de suas ex-
periências. Pode representar a possibilidade de uma nova totalidade a ser construída e sempre
reconstruída pelas experiências dos sujeitos. A economia cooperativa solidária pode constituir-se
em expressão da capacidade criadora e construtora de novas relações sociais, fundamentadas
na cidadania de seus atores.
Mais que uma explicação teórica, é preciso fazer um esforço de compreensão do que
vem a ser economia cooperativa e solidária na prática. Para além de buscar bases e conceitos
que permitam compreendê-la, de modo abstrato, é preciso inserir-se no contexto histórico das
sociedades, pois, antes dos conceitos teóricos em si, existe a realidade social. Nela se localizam
as bases conceituais.
O mercado, atualmente, está dominado pela lógica do capital e não pelas necessidades,
interesses, desejos e criatividade dos homens. O mercado, contudo, como um espaço de relações
de troca entre os homens existiu muito antes de o capital ser hegemônico e dominador nas rela-
ções econômicas. A economia cooperativa e solidária pode e deve resgatar o mercado, submetido
e acorrentado ao grande capital e não ao homem.
33
EaD
Walter Frantz
Todas estas questões precisam estar presentes na gestão dos processos de economia soli-
dária. O gestor, antes de um técnico, deve ser um educador, um pedagogo. A Pedagogia é uma
relação social, através da qual fluem forças, interesses, visões de mundo, ideologias, no sentido
da socialização. Na confluência das opiniões, no diálogo dos saberes, constrói-se a cooperação,
processa-se a educação, define-se o seu sentido pedagógico. A instituição de um lugar de edu-
cação é um dos maiores desafios à gestão de organizações de economia solidária. Gestão não é
um procedimento técnico, operacional.
A partir do campo das experiências práticas, podem-se extrair algumas questões importantes
à gestão de uma cooperativa ou, no caso, de um empreendimento de economia solidária:
• Pelo menos ter mínima compreensão do que seja o movimento cooperativo moderno ou do que
seja um empreendimento de economia solidária.
• Ter conhecimento do que seja uma cooperativa e do que seja economia solidária.
34
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
Síntese da Unidade 1
35
EaD
Walter Frantz
36
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
37
EaD
Unidade 2
associativismo, cooperativismo e economia solidária
CARACTERIZAÇÃO E DEFINIÇÃO
DE ORGANIZAÇÃO COOPERATIVA
Seção 2.1
A Fundamentação da Cooperação
39
EaD
Walter Frantz
Com relação a isso, levanto algumas hipóteses. Primeiramente, levanto a hipótese de que
organizações cooperativas, como associações instrumentalizadas para a consecução de interesses
e objetivos específicos, constituem-se em campos de educação e espaços de poder.
A questão da educação já tem sido tratada por diferentes autores, ao longo da história do
cooperativismo.1 Como afirma Marlene Ribeiro (1999, p. XIII), porém, na apresentação de sua
pesquisa sobre a universidade brasileira, que, certamente, também já foi muito estudada, ao
longo de sua história, “uma realidade suporta muitos e diferentes olhares”.
Realidades sociais são complexas e dinâmicas e, por isso, podem ser revisitadas, constante-
mente, por diferentes e novos olhares. Acompanhado de concepções teóricas, de olhares outros,
pretende-se revisitar o campo da educação e os espaços de poder, sob a ótica da experiência e da
participação de práticas cooperativas, descobrindo ou (re)interpretando novamente os fenômenos
e, assim, fazer da teoria e da experiência um novo ato cognitivo.
O olhar sobre a organização cooperativa pelo ângulo das práticas de educação e de poder,
não quer desconhecer os muitos e diferentes olhares já produzidos, mas inserir-se na discus-
são, a partir de experiências, de olhares e lugares específicos. Quer somar-se ao pensamento já
“acumulado” sobre a prática do cooperativismo, quer juntar-se aos olhares e vozes de quem foi
ouvido pelas falas das entrevistas, pelas respostas aos questionários.
1
Schneider, José Odelso. Democracia – participação e autonomia cooperativa. In: Perspectiva Econômica, São Leopoldo:
Unisinos, vol. 26, n. 72-73, 1991. (Série Cooperativismo nº 29-30).
40
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
O pensamento é um capital social que se expande com a reflexão. E com esse capital é
preciso trabalhar, transformá-lo em diálogo, em argumento, em interlocução de saberes. Argu-
menta Mario Osorio Marques (1993, p. 15) que “o conhecimento, antes de ser estranhamento e
distinção, é simpatia, aproximação e comunhão”. O conhecimento aproxima as pessoas, dispõe
para a cooperação. Não existe cooperação sem conhecimento.
Acredito também que o associativismo e o cooperativismo são práticas sociais com validade
atual e pertinentes à realidade de um mundo em transformação. O seu sentido econômico lhe
empresta importância política e social. Para muitas pessoas, ou grupos sociais, hoje, a associação
e a cooperação tornam-se, novamente, elementos fundamentais à construção de seus espaços de
vida. A organização cooperativa, para além da expressão material, contém também expressões
culturais, políticas e sociais que se somam aos interesses, objetivos e necessidades de seus as-
sociados e se fazem presentes no funcionamento de uma cooperativa. A dimensão cultural está
nos valores, nas crenças, nas normas e costumes inerentes às práticas cooperativas.
Escreve Morin (2000a, p. 48) que “uma cultura fornece os conhecimentos, valores, sím-
bolos que orientam e guiam as vidas humanas”. Por eles passa a relação entre cultura e vida e,
assim, também entre as práticas de cooperação e a concretude da vida de seus integrantes. As
dimensões não materiais da cooperação ganham a sua importância na dimensão não material
da vida humana.
41
EaD
Walter Frantz
a inteligência que só sabe separar fragmenta o complexo do mundo em pedaços separados, fraciona
os problemas, unidimensionaliza o multidimensional. Atrofia as possibilidades de compreensão e
de reflexão [...] Uma inteligência incapaz de perceber o contexto e o complexo planetário fica cega,
inconsciente e irresponsável.
Afirma Morin (2000a, p. 16) que “a política econômica é a mais incapaz de perceber o que
não é quantificável, ou seja, as paixões e as necessidades humanas”. Segundo este autor (2000a,
p. 18), “o enfraquecimento de uma percepção global leva ao enfraquecimento do senso de respon-
sabilidade – cada um tende a ser responsável apenas por sua tarefa especializada –, bem como
ao enfraquecimento da solidariedade – ninguém mais preserva seu elo orgânico com a cidade
e seus concidadãos”. Isto é, no caso de uma cooperativa, a percepção compartimentalizada da
cooperação enfraquece a identidade com o todo do projeto cooperativo, com as necessidades e os
interesses dos demais associados. Aqui nasce a necessidade e a importância da educação para a
cooperação. A educação para a cooperação inicia-se pela compreensão do fenômeno cooperativo
e, ao produzir-se conhecimento, constrói-se a base de seu poder.
Sendo assim, comecemos pela reflexão teórico-conceitual mais ampla, por uma questão
primária e elementar que diz respeito à origem e fundamentação do pensamento cooperativo.
Não com a intenção de estabelecer uma resposta, uma explicação que limite o pensamento
crítico do leitor, mas que, exatamente, ajude a abrir as portas da expansão de seu pensamento,
de suas explicações e compreensões. Com essa finalidade me valho da confecção de quadros
esquemáticos como instrumentos auxiliares de reflexão.
42
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
Os quadros usados como esquemas explicativos, no decorrer do presente texto, são produtos
de uma reflexão sobre organização cooperativa, estimulada por leituras teóricas e por práticas
cooperativas, somadas ao longo de anos de envolvimento com o cooperativismo. No intuito de
entender melhor os sentidos e os significados de uma organização cooperativa, elaborei quadros
esquemáticos que expressam um conceito de empreendimento cooperativo, amplamente aceito
e presente na literatura.
43
EaD
Walter Frantz
Georges Lapassade (1989, p. 101) define como “organização social uma coletividade insti-
tuída com vistas a objetivos definidos, tais como a produção, a distribuição de bens, a formação
de homens”. As cooperativas são, no nosso entender, organizações dessa natureza. São orga-
nizações que se instrumentalizam, constituindo-se em um empreendimento comum com vistas
a buscar alcançar esses objetivos. Lapassade (1989), ao definir esse tipo de organização social,
refere-se a “empresas no sentido mais amplo”, incluindo dimensões não econômicas como a
formação de homens.
Cooperativas são, exatamente, empresas com um sentido mais amplo: com sentido econô-
mico, com significado político, social, cultural. O empreendimento cooperativo tem um sentido
mais amplo que apenas a organização de um negócio. O negócio cooperativo, o seu sentido
econômico, é a base do empreendimento, mas o seu sentido amplo contém outros significados e
reflexos. Por isso, pode-se dizer que as atividades da cooperação e a sua gestão representam uma
ação social organizadora que guarda significados para além dos seus objetivos, do seu sentido
econômico. O impacto da existência e da atuação de uma cooperativa sobre o meio que a abriga
tem significados de ordem cultural, educativa, política ou social.
44
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
Uma organização cooperativa é, antes de tudo, uma associação de pessoas e não de capitais
que se propõe a atuar na perspectiva da economia dos componentes dessa associação, isto é,
na perspectiva de sua racionalidade econômica como economias individuais. Ao fazê-lo, porém,
essa associação cria, organiza e estrutura um instrumento adequado que vem a ser a empresa
cooperativa: – uma empresa comum com o objetivo de apoiar e complementar a administração
das economias individuais, dando-lhes suporte no jogo competitivo do mercado.
45
EaD
Walter Frantz
Essa característica diferenciada – como associação e como empresa – remete a duas questões
fundamentais para o sucesso do empreendimento cooperativo. Primeiro, da natureza associativa
decorre a necessidade da participação política de seus associados na condução do empreendi-
mento cooperativo e, segundo, da natureza empresarial decorre a necessidade da participação
econômica dos associados na cooperativa.
Seção 2.2
Não se pode desconhecer os fatores externos que lhe advêm dos contextos maiores de sua
inserção no mercado competitivo, os desafios e as dificuldades que estes interpõem. Também não
se pode desconhecer as potencialidades de seus fatores imateriais internos, de suas dimensões
não econômicas, de seus significados. Na percepção desses fatores, desses significados, está
também um dos requisitos mais importantes para uma boa gestão de organizações cooperativas.
Percebê-los e administrá-los adequadamente é um dos maiores desafios aos dirigentes e admi-
nistradores de organizações cooperativas.
46
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
47
EaD
Walter Frantz
Como se pode constatar, para Boettcher a cooperação começa pela interação de sujeitos.
A motivação dessa interação tem sua base no sentido econômico da cooperação, isto é, na racio-
nalidade técnica da organização instrumental com o objetivo de dar suporte às economias dos
cooperantes. No processo da interação dos sujeitos, contudo, estão dimensões e significados da
cooperação que se distinguem da racionalidade técnica. Constrói-se poder de representação
política, instauram-se processos educativos, firmam-se e desenvolvem-se diferentes relações e
inserções no contexto da sociedade que não têm como base o sentido estritamente econômico
do empreendimento cooperativo.
Igualmente, o autor reconhece a cooperação de pessoas jurídicas que fazem acordos, ne-
gociações. O seu conceito de cooperação é, portanto, mais amplo, incluindo-se as economias de
pessoas jurídicas.2
2
Boettcher define a cooperação (Zusammenarbeit) como “das bewusste Handeln von Wirtschaftseinheiten (natuerlichen
und juristischen Personen) auf einen gemeinsamen Zweck hin, wobei die Einzelaktivitaeten der Beteiligten durch
Verhandlung und Abmachungen koordiniert werden” (1974, p. 22).
48
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
Diante dessas definições, pode-se (re)afirmar que organizações cooperativas são fenôme-
nos relativamente complexos. Nascem da articulação e da associação de indivíduos, tendo por
base as suas economias, que se identificam por interesses ou necessidades comuns, buscando
o seu fortalecimento pela organização e instrumentalização, com vistas a objetivos e resultados
específicos, normalmente de ordem econômica.
Está inerente à gestão de uma organização cooperativa o desafio de que seus administrado-
res se descubram e qualifiquem como pedagogos, como educadores. Isso não significa capacitar-se
apenas para falar sobre a questão da educação, especialmente, nas organizações cooperativas,
mas desafia o gestor a falar de sua própria educação para a cooperação, daquilo que ele próprio
faz como associado ou entende ser uma cooperativa, ou melhor, uma prática cooperativa.
Muitas questões sociais inerentes ao processo de globalização, sejam elas culturais, polí-
ticas ou econômicas, passam pela organização cooperativa. Nesse sentido, o cooperativismo é
expressão de uma reação organizada, instrumentalizada, e, como tal, também contém dimensões
outras que não apenas a econômica. A organização cooperativa adquire, inclusive, significados
que vão além de seu sentido, estritamente econômico e voltado aos seus associados. Constitui-se
como um bem público e desenvolve significados para o contexto social maior. Hoje, inclusive,
constitui-se em um dos fundamentos filosóficos de sua organização e funcionamento da coope-
ração a preocupação com a comunidade.
49
EaD
Walter Frantz
formações, sobretudo no mundo do trabalho. Muitas vezes, porém, esse parece ser um aspecto
de difícil viabilização, diante da redução da organização a um mero instrumento de mercado.
Não se pode desconhecer a importância desse sentido instrumental, mas é um desafio à gestão
do empreendimento cooperativo não perder a noção do “sentido mais amplo da empresa”.
A educação é um processo que se realiza, de forma complexa e múltipla, nas relações sociais,
as quais ocorrem nos mais diferentes espaços da vida humana: no trabalho, nos grupos sociais,
nos movimentos sociais, na família, na escola, na igreja, no partido político, no sindicato e na
cooperativa. É um fenômeno que contém aspectos técnicos, políticos e culturais. As características
cognitivas das práticas, técnicas, econômicas ou políticas, inerentes à complexidade do fenômeno
social da cooperação, contribuem para o processo educativo em organizações cooperativas.
50
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
[...] um dos fenômenos mais significativos dos processos sociais contemporâneos é a ampliação do
conceito de educação. [...] as transformações contemporâneas contribuíram para consolidar o enten-
dimento da educação como fenômeno plurifacetado, ocorrendo em muitos lugares, institucionalizado
ou não, sob várias modalidades.
[...] o conjunto das ações, processos, influências, estruturas, que intervêm no desenvolvimento humano
de indivíduos e grupos na sua relação ativa com o meio natural e social, num determinado contexto
de relações entre grupos e classes sociais.
Entende ele a educação como uma prática social “que atua na configuração da existência
humana individual e grupal” (Libâneo,1998, p. 22). Como tal contém intenções, interesses, e
produz-se nas relações dessas intencionalidades “enraizada no contexto geral da sociedade” [...]
tendo “como agentes múltiplas instituições e práticas” (p. 24).
[...] a educação associa-se, pois, a processos de comunicação e interação pelos quais os membros de
uma sociedade assimilam saberes, habilidades, técnicas, atitudes, valores existentes no meio cultural-
mente organizado e, com isso, ganham o patamar necessário para produzir outros saberes, técnicas,
valores, etc. É intrínseco ao ato educativo seu caráter de mediação que favorece o desenvolvimento
dos indivíduos na dinâmica sociocultural de seu grupo, sendo que os conteúdos dessa mediação são
os saberes e modos de ação. É esta idéia-força que explica as várias educações, suas modalidades e
instituições (p. 24).
51
EaD
Walter Frantz
A educação como ação ou como prática social aparece, muitas vezes, nas organizações
cooperativas de forma difusa, associada a processos de comunicação, de interação entre os as-
sociados, dirigentes, funcionários ou outros interlocutores presentes no espaço da cooperação.
Aparece como uma ação entre sujeitos ou como uma prática sobre sujeitos, procurando influenciá-
los em suas ideias, modos de pensar, de interpretar a vida social, especialmente a da realidade
cooperativa, sugerindo ou levando-os a comportamentos e visões de mundo favoráveis à natureza
da prática cooperativa.
A questão do poder está nesses espaços da organização, entre pessoas ou grupos de asso-
ciados, de acordo com seus interesses ou capacidades de articulação. No espaço da cooperação,
como associação ou empresa, é construído poder. Essa construção, no entanto, é um processo
complexo, de múltiplas direções e que revela diferentes relações.
Uma cooperativa pode ser definida, teoricamente, como um espaço de poder. Um poder
buscado pela cooperação, porém esse espaço de poder não existe em si mesmo. Ele existe em
função de objetivos e interesses concretos, a partir dos quais passa a ser articulado. A noção de
cooperativa, conforme já foi visto, leva a imaginar um grupo de indivíduos, organizados entre si,
em bases associativas, com o intuito de assim se fortalecerem na consecução de determinados
objetivos e interesses comuns.
52
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
Por isso,
[...] a questão do poder nas organizações cooperativas aparece, muito mais, sob o ponto de vista eco-
nômico e do exercício desse poder no mercado. Aparece como algo que se dá, se organiza, em função
da natureza do sistema econômico e de sua atuação nele. Aparece mais a ‘face empresarial’ do ato
cooperativo e, nesse caso, o exercício do poder está mais vinculado à administração e à operaciona-
lização da empresa cooperativa. Esse poder se localiza na esfera da articulação dela com o mercado
(Frantz, 1986, p. 56).
53
EaD
Walter Frantz
organização cooperativa corre o risco de ter nela instalados conflitos, transpostos das estruturas
sociais para dentro do empreendimento cooperativo, representando uma ameaça concreta a sua
estabilidade.
É fundamental que essa situação seja administrada, pela via do diálogo, levando-se sempre
em conta os objetivos do empreendimento cooperativo acordados entre os associados. Essa situ-
ação constitui-se também em um desafio à educação para a cooperação e que deve ser resolvido
no âmbito da associação-cooperativa.
Não se pode desconhecer que, hoje, os interesses capitalistas conformam os indivíduos, tanto
no campo da economia quanto da política, da cultura ou da educação. Instauram-se contradições
entre o sentido da vida, o do trabalho e o do capital. Cada vez mais as pessoas são construídas
pelos valores do sistema capitalista. Também não se pode desconhecer, entretanto, que o debate
sobre essas contradições pode levar à consciência política e à constituição de forças capazes de
se contrapor ao sistema, por meio de movimentos sociais.
Uma organização cooperativa se caracteriza, em termos sucintos, por dois polos: um asso-
ciativo e outro instrumental, isto é, empresarial. Como tal, uma cooperativa é uma ação política,
organizada pelo entrelaçamento desses polos. “A percepção desse conceito e de sua implicação
prática para o funcionamento de uma cooperativa deve ser um dos conteúdos básicos para pro-
gramas de educação para a cooperação” (Frantz, 2002, p. 75).
54
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
Afirma François Dubet (1994, p. 33), “para que o actor actue, importa [...] que ele tenha
integrado na sua personalidade as razões de agir e de desejar os fins comuns”. Isto é, a educação
como processo pedagógico que pode conduzir à conscientização a respeito do fenômeno social
da cooperação e da capacitação de seus atores ao controle social da organização e funcionamento
da cooperativa. Certamente aqui nasce um dos maiores desafios à educação para a cooperação,
especialmente se for compreendida como educação popular.
De acordo com Alfonso Torres (2008, p. 13-14), não existe uma única compreensão ou defi-
nição de educação popular, entretanto o autor aponta algumas características que podem formar
um núcleo comum: uma leitura crítica da ordem social vigente, uma intencionalidade política
emancipadora, uma contribuição ao fortalecimento dos setores dominados como sujeitos histó-
ricos capazes de promover a transformação social, a construção e o emprego de metodologias
educativas dialógicas, participativas e ativas.
Segundo Torres (2008, p. 14), todas as propostas de educação popular, na América Latina,
fazem referência ao caráter injusto da ordem social de relações capitalistas. No entendimento
do autor (2008, p. 22), a educação popular pode ser definida como práticas sociais e elaborações
discursivas nos espaços da educação com a intenção de contribuir para que as camadas populares
possam se constituir sujeitos de transformação da ordem social injusta.
Enfim, a educação popular tem suas raízes na luta pela promoção das necessidades e dos
interesses das camadas populares, isto é, das camadas sociais menos favorecidas. Pode-se reco-
nhecer que esse “fundo histórico” faz a “ligação” entre o movimento cooperativo e a educação
55
EaD
Walter Frantz
popular. Assim sendo, revela a importância da afirmação da educação popular como instrumento
de controle social, de gestão política, das iniciativas cooperativas, especialmente as do campo
popular.
Síntese da Unidade 2
56
EaD
Unidade 3
associativismo, cooperativismo e economia solidária
A COMPREENSÃO DA AÇÃO
E DA ESTRUTURA COOPERATIVA
Seção 3.1
O cooperativismo não é uma ciência; é uma prática social. Por isso, recorre-se às diversas
ciências para melhor entendê-lo. As pessoas que se ocupam dessa prática social podem se servir
de teorias do campo científico para compreender melhor aquilo que fazem ou o que ocorre nas
organizações cooperativas.
57
EaD
Walter Frantz
Afirma Morin (2000a, p. 59) que a condição humana está marcada pelas incertezas. Mais
que lacunas, portanto, as incertezas e questionamentos a respeito da natureza do cooperativismo
são elementos componentes da prática da cooperação. Não é na certeza, mas no diálogo entre
os diferentes saberes que está o valor da pesquisa e o caminho de novas respostas.
58
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
cumprida primeira tarefa de desenhar o seu tema, ou o eixo central, a espinha dorsal, de sua pesquisa,
cabe agora ao pesquisador convocar uma específica comunidade de argumentação em que se efetive
o unitário processo de interlocução e certificação social de saberes postos à discussão em cada tópico
a ser desenvolvido.
Assim, espero poder contribuir para a compreensão do sentido econômico da ação coope-
rativa e do conteúdo social, político e cultural da organização cooperativa.
59
EaD
Walter Frantz
A cooperação é uma ação que decorre de um ato de vontade política de indivíduos que
passam a se identificar como sujeitos e atores, a partir de necessidades ou interesses comuns, em
um determinado contexto social. Passam a pensar e a agir de uma forma ordenada e esclarecida,
associando-se na interação, com vistas à realização de seus objetivos. Normalmente, trata-se da
afirmação de necessidades e interesses econômicos, no contexto do mercado, isto é, os associados
buscam a valorização de seu trabalho.
A cooperação, nesse caso, pode ser definida como um ato racional, de inteligência, pelo
qual o contexto da realidade se torna compreensível, permitindo a ação organizada dos sujeitos
sobre ela. Essa realidade pode ser a da produção e distribuição de riquezas, isto é, a realidade do
mercado. Os associados produzem clareza a respeito da realidade e do contexto que os envolve,
organizam ações de intervenção em favor dos seus objetivos comuns. Assim, constituem-se atores
no complexo jogo das relações econômicas e sociais do mercado. Pela organização cooperativa
buscam constituir poder nas relações de mercado.
Uma cooperativa pode ser definida, teoricamente, como um espaço de poder. Um poder buscado pela
cooperação. Porém, esse espaço de poder não existe em si mesmo. Ele existe em função de objetivos
e interesses concretos, a partir dos quais passa a ser articulado socialmente, [...] o espaço de poder
desses indivíduos é organizado no contexto da correlação de forças e interesses que agem sobre a
produção e a distribuição dessa produção na sociedade. Na economia de mercado, essa organização
se dá em relação ao exercício do poder, isto é, em relação à atuação da cooperativa no contexto desse
mercado. [...] Pela organização cooperativa os indivíduos buscam o poder de inserção no mercado:
onde desfrutam de uma posição individual de força econômica inferiorizada (Frantz, 1986 p. 56).
60
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
A questão do poder aparece como um conjunto de relações presentes nos processos formais
de funcionamento, sejam eles de domínio, uso e controle do conhecimento, do saber tecnológico
de produção, uso e controle da informação, da comunicação, da administração ou da operação
técnica das atividades e objetivos da cooperativa. Está nos espaços da organização, entre as
pessoas ou grupos de associados, está nas relações com os agentes do mercado.
A educação como ação social ou como prática social aparece, muitas vezes, de forma
difusa, associada a processos de comunicação, de interação entre os associados, dirigentes,
funcionários ou outros interlocutores, presentes no espaço da cooperação. Aparece como uma
ação “entre sujeitos” ou como uma “prática sobre outros”, procurando influenciá-los em suas
ideias, modos de pensar, de interpretar a vida social, especialmente a da realidade cooperativa,
sugerindo ou levando-os a comportamentos e visões de mundo, favoráveis à natureza da prática
cooperativa.
De acordo com a mesma pesquisa realizada com os associados da Cotrijuí, 73,2% con-
cordam que a participação em práticas cooperativas é uma espécie de “escola da vida”, 19,1%
concordam em parte e 7,6% não concordam. Dos entrevistados 29,3% relacionam esse sentido
educativo com a formação de ordem mais política, vinculado ao caráter associativo, 21,7% rela-
cionam isso à formação geral, ao conhecimento, vinculada à informação, à visão de mundo, à
construção de valores, ao estímulo à aprendizagem e 17,2% referiram-se à formação de ordem
técnica, relacionada à empresa, à administração, à economia, ao que acontece na propriedade,
na produção.
Escreve José Pedro Boufleuer (1997, p. 22), “que toda e qualquer ação educativa constitui
um tipo de interação humana”. Do mesmo modo pode-se afirmar que todo e qualquer tipo de
poder constitui uma relação humana. Educação e poder acontecem na interação humana. Assim,
na interação humana de organização e funcionamento de uma cooperativa produz-se educação e
1
A pesquisa foi realizada com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs), da
Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí) e Cooperativa Regional Tritícola Serrana
Ltda. (Cotrijuí), que depois mudou a denominação para Cooperativa Agropecuária e Industrial.
61
EaD
Walter Frantz
constrói-se poder. Isso acontece em função da “ordem social” que se busca construir. A organização
e o funcionamento da cooperativa é uma “ordem social”, primeiramente, em relação ao grupo
cooperativo, em relação aos seus integrantes que precisam estabelecer normas de comportamento,
de interação, de orientação de suas ações individuais e coletivas, mas, também, o empreendimento
cooperativo é o meio de construção de uma “ordem social” maior, de relações de mercado mais
amplas, que os seus atores querem constituir, em vista de necessidades e interesses.
para a viabilidade de uma ordem social, é necessário que se estabeleçam certos padrões de interação
que permitam um entrelaçamento regular e estável de ações. Para que isso ocorra é necessário que as
ações sejam coordenadas segundo regras, ou seja, que obedeçam a um mecanismo de coordenação.
Em relação à organização cooperativa, isso nos permite afirmar que a educação para a coo-
peração obedece a um “poder de direcionamento”, a um mecanismo de coordenação das práticas
educativas, proveniente do pacto associativo-cooperativo, celebrado pela vontade política dos
sujeitos. A educação cumpre uma função construtora das condições necessárias à cooperação.
2
Lei nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971.
62
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
A gestão de uma cooperativa precisa considerar essas diferenças, os seus significados, que
podem representar elementos de estabilização da aliança cooperativa. A compreensão da natureza
da aliança de economias individualizadas é condição básica à educação para a cooperação.
Seção 3.2
63
EaD
Walter Frantz
Para Mannheim (1962, p. 299), associações “são conscientemente organizadas com uma
finalidade definida, racional. Não compreendem todos os aspectos da vida de seus membros, e
é possível ingressar nelas, ou deixá-las, livremente”.
Na definição do que seja uma organização cooperativa, além do aspecto associativo em si,
temos o de organização instrumental consciente. Associar-se, racionalmente, significa fazer uma
escolha, uma opção, de acordo com uma finalidade clara, consciente, obedecendo, portanto, ao
princípio da livre adesão, em favor de uma organização com outros. É um ato racional, de luz, de
clareza, dos que se associam, em favor de finalidades específicas: redução de custos, melhorias
de preços, agregação de valor, ganhos de qualidade, de segurança, de competição, de poder nos
espaços do mercado, etc.
Mannheim afirma, bom base em diferentes abordagens sociológicas, que o termo racio-
nalidade é empregado em dois sentidos: o de substancial e o de funcional. A racionalidade
substancial define um ato de pensamento, de conhecimento. A racionalidade substancial existe,
segundo ele, quando um ato de pensamento revela “percepção inteligente das inter-relações dos
acontecimentos de uma determinada situação” (1962, p. 63).
Como tal, pode-se interpretar esse ato de pensamento como fundamento de uma vontade
política que se converte em ação na relação entre pessoas e que leva a escolhas, a opções, pela
percepção inteligente das inter-relações dos acontecimentos, pelo esclarecimento de quem se
associa. Esse conceito de racionalidade substancial pode ser empregado para definir e explicar
a opção pela associação-cooperativa, por parte de quem percebe as vantagens da cooperação.
Trata-se, portanto, de uma ideia política, esclarecida, carregada de vontade, apontando finali-
dades, interesses.
O ato associativo é, assim, sob esse aspecto, um ato substancialmente racional, pois está
fundado na percepção inteligente, no princípio da livre adesão.3 Nesse caso, os associados estão
conscientes, esclarecidos, com relação a sua opção. Quando não ocorre um ato dessa natureza, isto
é, quando não existe um ato substancialmente racional de livre adesão à cooperação, uma opção
3
A livre adesão é um dos princípios fundamentais do cooperativismo moderno.
64
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
É evidente que a estabilidade da cooperativa depende mais dos resultados gerados, das
expectativas atendidas. Caso, entretanto, não houver uma ação adequada para a superação da
condição de “cooperação dependente”, pela percepção inteligente, pela compreensão do seu
sentido e significado, pela construção de uma opção esclarecida, existe o risco de frustrações no
quadro social. A dependência, na verdade, significa uma ausência, uma alienação da condição
de associado racionalmente orientado e permite o risco de mau uso político ou operacional da
cooperativa. A construção de uma opção esclarecida, racional, é função da educação para a
cooperação, que deve possibilitar o entendimento do sentido e dos significados da organização
cooperativa.
Mannheim afirma que o termo racional não é usado em Sociologia apenas para designar
atos de pensamento ou conhecimento. O termo também é empregado no sentido funcional, de
funcionamento de uma organização em direção a seus objetivos. A palavra racional é usada no
65
EaD
Walter Frantz
sentido de caracterizar “uma série de medidas organizadas de forma a levar a um objetivo pre-
viamente definido, recebendo todos os elementos dessa série de atos uma posição e um papel
funcionais” (1962, p. 63).
66
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
Para Mannheim (1962, p. 303), “se a regulamentação for mais além, se o comportamento
dos indivíduos que participam dessa ação coordenada for cuidadosamente calculado e prede-
terminado, e sua eficiência puder ser estabelecida em termos mais ou menos quantitativos”,
quando esse comportamento é “racionalmente organizado”, então “a associação se transforma
em organização”, isto é, no caso da organização cooperativa, a associação-cooperativa se ins-
trumentaliza, estruturando sua empresa-cooperativa, o seu poder operacional. No processo da
organização ocorre a regulamentação do comportamento, em virtude dos objetivos estabelecidos
na associação.
4
O espírito cooperativo está contido e expresso nos fundamentos e princípios da organização cooperativa: adesão livre e
voluntária; controle democrático pelos associados; participação econômica dos associados; autonomia e independência;
educação, treinamento e informação; cooperação entre cooperativas; preocupação com a comunidade.
67
EaD
Walter Frantz
Esse controle é importante para a transparência das práticas de cooperação, da qual decorre
a confiança e a fidelidade dos associados. Desses aspectos específicos de organização decorrem
consequências e desafios particulares à administração de um empreendimento cooperativo.
Empreendimentos cooperativos são estruturas de comportamento racionalizado e organizado,
isto é, são empresas-cooperativas, sem demérito à dinâmica da inteligência emocional do campo
cooperativo, presente na associação-cooperativa. A prática do poder de gestão é condicionada
por aspectos que exercem influência no sentido da estabilidade da organização cooperativa.
68
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
Finalmente, ainda convém observar o que afirma Mannheim com relação ao poder de
decisão nas organizações. Segundo ele (1962, p. 304), “os que controlam a política (...) dirigem
a organização”. Os associados devem exercer o controle político nas organizações cooperativas,
devem dirigir, dar o direcionamento para as ações administrativas. Dirigir não é a mesma coisa
que administrar. Dirigir é dar a direção; é direcionar o sentido da organização; é dar o sentido e
o significado da gestão aos que se ocupam das funções tecnoburocráticas. A ocupação e o desem-
penho dessas funções pode-se definir como sendo ações de gerenciamento, de administração. O
conceito de direção contém uma dimensão mais política, enquanto o de administração carrega
um sentido mais técnico.
Assim, a ação estratégica deve estar submetida à ação comunicativa. Levando-se esse ra-
ciocínio para dentro da organização cooperativa, consequentemente impõe-se a importância da
esfera da associação-cooperativa. Para que a organização cooperativa seja, de fato, a expressão
dos interesses e objetivos dos associados, é preciso que sejam fixados os mecanismos de seu
controle político, mediante uma estrutura de poder que viabilize a participação política, a racio-
nalidade e a transparência da gestão. Esse aspecto recoloca a importância do processo educativo,
de qualificação, na cooperativa.
69
EaD
Walter Frantz
Na relação dinâmica desses dois polos de poder, em suas práticas, podem vir a existir
conflitos de poder. Esses conflitos não são de todo negativos. Podem constituir-se em energias
de qualificação da organização e do funcionamento de uma cooperativa, no entanto os seus
aspectos negativos podem ser evitados, amenizados ou superados pela comunicação, pela for-
mação e qualificação de seus componentes. Volta-se, assim, à importância da comunicação e da
educação em cooperativas como um mecanismo de superação do paradigma clássico de organi-
zações burocráticas. Pela comunicação e educação se constrói o modelo de gestão participativa,
centrado na valorização do capital social que os associados e os funcionários podem representar
em organizações cooperativas.
70
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
trabalho. Esse trabalho vai além daquele que já acontece nas unidades econômicas associadas.
Nem sempre os associados conseguiriam, pessoalmente, dar conta desse trabalho, mesmo que
quisessem, sob pena de reduzirem a atenção às exigências de suas economias. A organização
dessas atividades depende do trabalho e da incorporação do serviço de terceiros. Isso exige uma
estrutura, uma ordem, com normas, funções e procedimentos, que se pode chamar de burocracia,
constituindo a base para um novo poder, o poder da burocracia.
As ações estratégicas da gestão dessa organização e de suas atividades devem estar sub-
metidas à ação comunicativa dos associados entre si. Para que a organização cooperativa seja,
de fato, a expressão dos interesses e objetivos dos associados, é fundamental que essa burocracia
esteja, realmente, sob seu controle. É preciso que sejam fixados os mecanismos de seu controle
político, por meio de uma estrutura de poder que viabilize a participação política dos associados,
a racionalidade e a transparência da gestão.
Gadotti (1998, p. 24), ao tratar das relações de poder inerentes aos processos de educação,
faz referência ao poder dos tecnoburocratas que “concebem as coisas e os fenômenos estatica-
mente, como funcionam hoje; estabelecem, por isso, normas fixas e abstratas, incrementam a
massificação e a uniformização, reduzindo as possibilidades de participação efetiva dos indivíduos
nas decisões”. Existem os conflitos de poder nas organizações cooperativas que têm seu núcleo
na relação de seus dois polos.
O autor, no entanto, não condena o progresso técnico e o planejamento, mas alerta que a
tecnoburocracia tende a controlar a organização do processo educativo, da escola, supervalo-
rizando o planejamento e o conhecimento técnico-organizacional, a hierarquia, as estruturas,
impondo suas crenças e valores, fazendo predominar a razão técnica em desfavor da criatividade,
da participação política dos indivíduos.
71
EaD
Walter Frantz
o que há de novo no modo de produção e de domínio burocrático é, se podemos dizer, o seu “altru-
ísmo”, para usar um termo moral, ou ainda o seu caráter “social”, ou, melhor ainda, o seu caráter
“democrático”. [...] A burocracia, ao contrário, não apenas se apresenta como a serviço da coletivida-
de, como a serve efetiva e realmente. [...] O burocrata [...] trabalha, sacrifica-se, administra, orienta,
planifica, “serve”.
O que é preciso reprovar na burocracia e nos burocratas é, antes de tudo, o fato de que
alienam fundamentalmente os seres humanos, retirando-lhes o poder de decisão, a iniciativa,
a responsabilidade de seus atos, a comunicação. O que Lapassade (1989) diz ser preciso repro-
var na burocracia e nos burocratas constitui-se em um risco permanente na ação de gestão de
cooperativas. Esse risco, de algum modo está na lógica do processo burocrático e na ação com-
portamental dos burocratas.
Com a crise da visão da certeza, com o questionamento do próprio capitalismo, diante das
dificuldades ambientais e sociais de produção e distribuição de bens e mercadorias, diante dos
limites do meio ambiente, da competição, da concentração, da superprodução, da sustentabili-
dade política e da segurança do sistema, nasce o questionamento daquilo que foi o instrumento
da organização da produção capitalista, a burocracia. A burocracia que marginalizou o indiví-
duo, a sua criatividade, a sua subjetividade, a sua emotividade, cede lugar, mesmo resistindo, à
participação, a um novo paradigma, menos determinista.
72
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
De acordo com Lapassade (1989, p. 203), porém, o poder da burocracia é “um poder que
consiste em ‘fazer trabalhar’, em dirigir, em orientar, em utilizar informações, em tomar decisões,
em planificar”. De acordo com o autor, esse poder supõe a aceitação pela coletividade. No caso
73
EaD
Walter Frantz
de uma cooperativa, supõe a aprovação dos associados, isto é, essa coletividade é a associação-
cooperativa. No espaço da associação deve ocorrer a discussão, a tomada de decisão sobre o
poder burocrático, suas funções e atribuições. Esse é o caminho que pode desviar dos conflitos
ou da contradição, inerentes ao processo político e operacional da gestão de uma organização
cooperativa.
é evidente que essas decisões visam a permitir as trocas, a garantir o funcionamento, a programar, a
planejar, a servir em princípio à coletividade. No entanto, o único objetivo explicitamente almejado
é o crescimento material das riquezas (realizado ou não) e não o desenvolvimento psicológico dos
indivíduos. Esse crescimento material, desde que se realize (...) termina, na realidade, por aumentar
a massa dos bens (...).
o burocrata que visa não apenas a administrar mas também a aumentar os instrumentos de produção,
a provocar novos investimentos, a prever planos a longo prazo, não visa apenas a aumentar as possibi-
lidades de trabalho, mas sobretudo a criar objetivos novos sobre os quais exercerá a sua administração;
ele aumenta, portanto, em realidade, o seu poder, além de aumentar a sua reputação.
74
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
A satisfação dos associados não depende apenas de fatores materiais, mas também de as-
pectos psicológicos e políticos, inerentes à associação-cooperativa, à participação política, que
podem se constituir em vetores de força para equilibrar as relações de poder entre os mecanismos
da burocracia e as necessidades e os interesses dos associados. A promoção desse equilíbrio é
tarefa central dos dirigentes eleitos. Cabe a estes promover as relações de comunicação, de par-
ticipação, entre a associação-cooperativa e a empresa-cooperativa.
Além das influências e controles dos grupos locais sobre o comportamento de seus inte-
grantes, afirma Mannheim (1962, p. 305) que
[...] há controles sociais que se baseiam na interdependência dos atos humanos, sem se centralizarem
em grupos, comunidades ou associações concretas. Isso significa que nossos atos podem ser controlados
pelos atos de outros, mesmo que não sejam de membros de um grupo definido.
Existem atos de controle externo à organização cooperativa. Esses atos de controle podem
partir do contexto cultural, político ou econômico, de inserção social da organização cooperativa
ou de seus associados. Na condição de membros da sociedade, de uma comunidade, estes podem
ser influenciados, controlados, pela interdependência de relações sociais.
Segundo Mannheim (1962, p. 305-306), esse controle acontece mediante uma categoria
sociológica que denomina de estrutura de campo – conhecido na ciência física como campo
magnético5 – e que se situa “entre os grupos concretos orgânicos e as grandes organizações”.
No caso de uma cooperativa, essa estrutura situa-se no campo de relação da organização com o
meio ambiente maior, especialmente nas suas relações com o mercado, no qual estão as grandes
organizações. Essas grandes organizações ou estruturas não precisam ser apenas as empresas,
podem também ser as estruturas de pensamento, de valores, de cultura, de interesses, de política.
São estruturas de controle, de poder, que se manifestam pela propaganda, pela educação, etc. O
que importa é observar que temos, assim, a noção de uma estrutura de campo entre dois polos,
a organização cooperativa e o mercado.
5
Conceito emprestado da Física, por meio de K. Lewin, da Psicologia, e J. F. Brown, da Sociologia, conforme
Mannheim,1962, p. 305-306.
75
EaD
Walter Frantz
cretos organizados, isto é, sobre a organização cooperativa e também sobre seus associados,
individualmente. Do contexto de inserção no mercado brota uma influência sobre a associação-
cooperativa e a empresa-cooperativa.
a pressão existente no campo é transmitida pelas atividades interdependentes dos indivíduos [...].
Sempre que os conflitos e a concorrência se fizerem sentir com todo o ímpeto, e os indivíduos tiverem
de fazer suas adaptações, sempre que é impossível prever a tendência dos acontecimentos, as leis que
governam as ondas magnéticas da estrutura de campo têm mais efeito sobre a natureza humana do
que o costume tradicional ou a organização racional.
Os associados passam a ser orientados e articulados uns aos outros pelos sistemas de valores
externos do mercado e que os pressionam mais que os seus valores ou o poder de sua cultura.
Em uma cooperativa, isso significa que, através das atividades dos associados, lhes é
transmitido um poder de controle que vem de fora e que pode ser mais forte que o seu poder de
organização associativa. Esse poder maior está ancorado na concorrência que se estabelece entre
as economias individuais dos próprios associados, na tentativa de sobrevivência pela disputa,
nos espaços do mercado.
6
Essa manifestação foi possível colher de um associado produtor de leite, após ter participado de uma reunião sobre as
dificuldades de produção de leite, diante das exigências do mercado, realizada na sede da Cotrijuí no dia 8.9.2001.
76
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
dos associados. Essa estrutura exerce um controle, um poder sobre eles, por meio de diferentes
mecanismos: pela imposição de padronização dos seus produtos, pelas tecnologias de produção,
inclusive, pela imposição de horários e ritmos de trabalho.7
Por sua vez, também pode ocorrer, no interior da associação-cooperativa, uma reação a essas
forças, isto é, de construção de poder político, de tal forma que a estrutura de campo acaba se
constituindo, nesse sentido, em um mecanismo de estímulo à nova organização de poder. Nessa
interação de forças desenvolvem-se adaptações e reações que envolvem processos de educação
e aprendizagens, qualificando os associados em termos políticos e técnicos.
Afirma Mannheim (1962, p. 307) que, “sob a influência segmentária dessas estruturas de
campo, desenvolvem-se novos traços de caráter do homem econômico que diferem dos ideais
de sua comunidade orgânica”.
Nas relações de mercado fluem também as normas da cooperação e que devem ser assumi-
das por todos os associados. Constitui o mercado, dessa forma, um mecanismo de comunicação
entre os cooperantes pelo qual fluem as relações de poder entre os próprios associados. Abre-se,
assim, pelo mercado, uma oportunidade de aprofundar as relações cooperativas entre eles. É da
natureza desse processo e de suas possibilidades, como ambiente cognitivo, que decorre a im-
portância da democracia, da participação, da transparência, como princípios de funcionamento
de organizações cooperativas. O diálogo, a interlocução, o debate, entre os associados, são a base
do processo educativo e de aprendizagem, que se estrutura nas organizações cooperativas. A
7
Isso pode ser percebido no caso das atividades de produção de leite e da suinocultura.
77
EaD
Walter Frantz
comunicação se constitui uma possibilidade real de poder para os associados, ante o mercado.
Como tal, a comunicação é elemento essencial da razão cooperativa. A comunicação é um espaço
de poder e um campo de educação do qual depende o sucesso do empreendimento cooperativo,
de sua estabilidade.
Pelas relações de mercado, isto é, pela pressão das suas exigências, no espaço cooperativo,
por meio da comunicação, também pode ser influenciada a gestão dos processos de produção
em geral e, de modo específico, outros aspectos mais, como a ecologia, o meio ambiente natural,
produzindo-se novos comportamentos, novos processos de trabalho.
Nas relações de mercado podem também fluir princípios éticos, que se pode definir como
sendo de cooperação: uma cooperação com relação ao outro-cooperado e ao outro-consumidor.
Essa é uma questão que começa a ser reconhecida, hoje em dia, como sendo um desafio à for-
mação da consciência de quem produz e de quem consome. É um novo espaço de educação
que se estrutura nas relações de mercado. Nesse espaço inclusive funda-se a lei de proteção ao
consumidor.
78
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
Pelas atividades de educação é produzida uma nova “ordem social” entre os membros da
associação, embasada em novos valores e interesses, relacionada com os objetivos da associação.
São produzidas as condições para um trabalho coletivo, de cooperação. Assume a educação para
a cooperação uma função de viabilização de uma “ordem social” que regulamenta, acima de
tudo, a associação-cooperativa.
Diz Mannheim (1962, p. 301) que “freqüentemente não podemos transformar a ordem
social sem modificar os seres humanos e suas convenções”, pois, é por essa porta das modifica-
ções dos associados que entra a influência da cooperativa sobre as comunidades e seus mem-
bros, fazendo brotar certa identidade cultural e comportamentos comuns a todos, mesmo que
não sejam membros diretos da cooperativa. Hoje, de certo modo reconhecendo esse fenômeno
sociocultural, o movimento cooperativo internacional já incorporou a relação com a comunidade
em seus princípios de organização e funcionamento de uma cooperativa, como princípio de sua
responsabilidade social, da preocupação com a comunidade. A organização cooperativa contém
sentidos e significados mais amplos, para além dos interesses de seus associados. Nesse espaço
da preocupação com a comunidade estabelecem-se também relações de poder e processos de
educação.
79
EaD
Walter Frantz
Educação e poder são dois fenômenos sociais que em suas práticas se entrecruzam. Mais
que isso, são fenômenos que se fazem presentes, mutuamente, um no outro, dificultando, sob
certos aspectos, a sua “separação”. Isto é, como fenômenos sociais um contém o outro dentro de
si, como resultado de suas práticas. E, como tal, de acordo com Freire (2001, p. 23), não existe
“uma educação neutra, que se diga a serviço da humanidade, (...) uma prática política esva-
ziada de significação educativa”. Isto é, toda educação, voltada à construção do social, contém
uma intenção política, em sentido pedagógico amplo, e, como tal, também é poder. Ou melhor,
a educação é a construção de poder com base no conhecimento.
do ponto de vista crítico, é tão impossível negar a natureza política do processo educativo quanto ne-
gar o caráter educativo do ato político. Isto não significa, porém, que a natureza política do processo
educativo e o caráter educativo do ato político esgotem a compreensão daquele processo e deste ato.
Nesse processo educativo se desenvolve poder político e de tal modo que as ações do pro-
cesso educativo se entrecruzam ou se identificam, ou mesmo se confundem, com a questão da
construção de poder político. Educar-se para o poder político com a finalidade de construir uma
nova “ordem social” é uma etapa fundamental do processo de organização cooperativa. Organizar
uma cooperativa é buscar construir poder, sobretudo nas relações econômicas com o mercado.
No interior da cooperativa, no entanto, existem e se desenvolvem outras relações de poder.
80
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
Apenas 23,1% responderam que não conseguem influenciar a administração. Essa influência
para 51,2% dos entrevistados é possível pela participação política, isto é, pelo diálogo, por meio
de reuniões e outras formas de comunicação. Apenas 5,7% indicaram a participação econômica
como a forma de influência sobre a administração, enquanto 16,5% indicaram a estrutura de
representação como o mecanismo de influência. Perguntados se deveriam ser consultados antes
de decisões importantes, 90,6% responderam que sim e 8,8% disseram que em parte sim, isto é,
nem sempre. Isso significa que 99,4% dos associados desejam acompanhar as grandes decisões
da cooperativa. A razão dessa comunicação entre administração e quadro social deve-se ao
clima de confiança que pode gerar (33,3%), ao fato de serem os associados os donos (22,4%), à
necessidade de comunicação (12,8%) ou à relação de dependência entre associado e cooperativa
(5,1%). Caso não forem consultados 59,1% dos entrevistados acatam e reagem, 24,2% cumprem
as decisões e 4,7% reclamam.
Parece ter sido um dos erros históricos em muitas cooperativas, uma das falhas de gestão do
funcionamento do empreendimento cooperativo, o fato de que muitos administradores, executivos
e funcionários burocratas, passaram a fazer a política da organização cooperativa, submetendo
a associação-cooperativa ao seu comando. Em consequência disso, muitas vezes submetiam
também as atividades do processo educativo, suas funções, transformando-as em instrumentos
de submissão do associado a uma organização cada vez mais distante de suas necessidades,
interesses e objetivos. Afirma Morin (2000a, p. 19): “Quanto mais técnica torna-se a política,
mais regride a competência democrática”. O poder burocrático em organizações cooperativas
apresenta certos riscos: a marginalização do associado.
A meu ver, essa inversão parece ter sido um dos aspectos da crise do cooperativismo, com
destaque para a crise das cooperativas de trigo e soja no Estado do Rio Grande do Sul. As re-
lações de poder eram exercidas pelo Estado, pelo capital ou por “grupos de poder”, dentro da
81
EaD
Walter Frantz
O associado deve exercer o controle político. Ele dá o sentido à ação administrativa. Por isso,
diálogo, interlocução de saberes, comunicação de conhecimentos e informações entre associados,
dirigentes, executivos, burocratas e quadro funcional são fundamentais para a estabilidade do
empreendimento cooperativo. Entre a associação-cooperativa e a empresa-cooperativa, os dois
polos da organização cooperativa, deve existir um constante fluxo de informação e comunicação,
gerando transparência e confiabilidade.
Síntese da Unidade 3
82
EaD
Unidade 4
associativismo, cooperativismo e economia solidária
Seção 4.1
Para os fins de nossa reflexão, vou definir a cooperação como um processo social, embasado
em relações associativas, na interação humana, pela qual um grupo de pessoas busca encontrar
respostas e soluções para seus problemas comuns, realizar objetivos comuns, busca produzir
resultados, mediante empreendimentos coletivos com interesses comuns.
1
Traduzido por mim do texto original alemão.
83
EaD
Walter Frantz
a educação se cumpre num diálogo de saberes, não em simples troca de informações, nem em mero
assentimento acrítico a proposições alheias, mas na busca do entendimento compartilhado entre todos
os que participam da mesma comunidade de vida, de trabalho, de uma comunidade discursiva de
argumentação.
84
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
o pedagógico refere-se a finalidades da ação educativa, implicando objetivos sócio-políticos a partir dos
quais se estabelecem formas organizativas e metodológicas da ação educativa. Nesse entendimento,
o fenômeno educativo apresenta-se como expressão de interesses sociais em conflito na sociedade.
Segundo Roberto Machado (1999, p. XXI), “todo o conhecimento, seja ele científico ou
ideológico, só pode existir a partir de condições políticas que são as condições para que se for-
mem tanto o sujeito quanto os domínios do saber”.
O sentido da educação pela cooperação, nas escolas, a sua dimensão pedagógica, é a for-
mação de atores sociais, sujeitos construtores de uma sociedade democrática, isto é, livre, par-
ticipativa e justa. Assim entendida, a prática educativa, sua dimensão pedagógica, tem também
uma direção política e um conteúdo ideológico. Constitui-se igualmente em construção de um
espaço de poder. A organização de espaços de poder é fundamental ao desejo, aos interesses e
às necessidades de mudanças ou transformações da realidade social.
saber e poder se implicam mutuamente: não há relação de poder sem constituição de um campo de
saber, como também, reciprocamente, todo saber constitui novas relações de poder. Todo ponto de
exercício do poder é, ao mesmo tempo, um lugar de formação de saber.
Conforme já referido, Libâneo (1998, p. 22) define a educação como “uma prática social que
atua na configuração da existência humana individual e grupal”. Acontece no espaço das relações
sociais. No caso de uma organização cooperativa, essas relações têm como base os interesses,
85
EaD
Walter Frantz
a educação, para além de sua configuração como processo de desenvolvimento individual ou de mera
relação interpessoal, insere-se no conjunto das relações sociais, econômicas, políticas, culturais que
caracterizam uma sociedade [...] as funções da educação somente podem ser explicadas partindo da
análise objetiva das relações sociais vigentes, das formas econômicas, dos interesses em jogo. Com
base nesse entendimento, a prática educativa é sempre a expressão de uma determinada forma de
organização das relações sociais na sociedade.
Sobre o processo de educação, seu lugar social, seu uso social, seu significado, sua produção
e natureza, existem muitas teorias, opiniões e explicações. Isso expressa, certamente, também a
origem de crises e conflitos na área da educação e que tem a ver, especialmente, com o seu uso
social ou com o sentido de sua dimensão pedagógica.
A educação como função construtora e reconstrutora dos espaços de vida se faz presente
pela via das organizações sociais, entendidas estas como lugares de cultura, de política, de eco-
nomia, associando-se “a processos de comunicação e interação pelos quais os membros de uma
sociedade assimilam saberes, habilidades, técnicas, atitudes, valores” (Libâneo,1998, p. 24).
Sob essa ótica, a prática cooperativa, como expressão das ações entre pessoas que se asso-
ciam em virtude de seus interesses ou necessidades, é, certamente, também um lugar privilegiado
de processos de comunicação, de interação, isto é, de educação. E, como tal, as organizações
cooperativas também se constituem em “espaços pedagógicos” de educação e, consequente-
mente, também de poder.
86
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
Ensina Marques (1995, p. 10) que as aprendizagens “se estruturam nas vivências cotidia-
nas dos específicos e diversificados lugares e tempos sociais, âmbitos lingüísticos específicos
em que vivem e atuam os seres humanos”. A sociedade humana está em constante construção e
reconstrução, movida pela produção do conhecimento, de diferentes saberes e ciências, pelo seu
87
EaD
Walter Frantz
uso, condicionado por necessidades, desejos e interesses em interação. Desse processo também
nascem, nos diferentes tempos e lugares, organizações sociais, espaços de cultura e política,
abrigando processos e práticas de educação e de aprendizagem.
A educação acontece nos espaços da vida humana, em todas as suas dimensões, com todos
os seus sentidos. Confunde-se, portanto, com a própria experiência humana de querer conhecer a
si mesmo e ao mundo que habita. A preocupação do homem com o seu mundo, com as diferentes
dimensões de sua vida está presente desde os tempos mais antigos.
Apenas, porém, ao pensar a sua existência e a sua organização, desvinculada das mitologias,
do mundo das divindades, permitiu, efetivamente, a produção do conhecimento. A partir desse
esforço por conhecer a realidade, surgiram as ciências, destinadas à descoberta das relações entre
as coisas e os homens, das leis que regem o mundo natural. Foi desse esforço por conhecer o
mundo, o homem, a sua organização, as suas relações com os outros, que nasceram as ciências,
os diferentes saberes que fundamentam a aprendizagem humana.
tornamo-nos propriamente humanos graças à pedagógica relação que estabelecemos com a geração
mais velha e com nossos coetâneos. Desde a mais tenra idade outras pessoas, nossos pais e educadores,
irmãos e companheiros, interagem conosco estabelecendo entendimentos sobre aspectos do mundo,
a fim de que possamos nos desenvolver como indivíduos socializados.
Nesse sentido a Pedagogia é uma relação social, por meio da qual fluem forças, interesses,
visões de mundo, ideologias, com objetivo de socialização. Pode ser definida como uma prática
política, uma prática de construção de poder.
A soma de práticas sociais pelas quais novos indivíduos são transformados em membros
de sociedades ou comunidades anteriormente existentes constitui o processo de socialização.
Na dinâmica do processo de socialização os indivíduos ensinam e aprendem. “A socialização é
um processo de aprendizagem que se apóia, em parte, no ensino explícito e, também em parte,
na aprendizagem latente” pela exposição e interação social (Jahoda, 1996, p. 711).
88
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
Esse processo pode ser coercitivo, competitivo ou cooperativo. Ele se realiza no espaço
das relações humanas. Assim sendo, as organizações cooperativas, as escolas, são lugares de
socialização e de suas práticas depende a natureza desse processo de socialização.
de frente aos saberes articulados nas tradições culturais e de face às experiências do mundo da vida, a
aprendizagem não é conformação ao que existe nem pura construção a partir do nada; é reconstrução
autotranscendente, em que se ampliam e se ressignificam os horizontes de sentido desde o significado
que o sujeito a si mesmo atribui (...) na aprendizagem, graças à produtividade de indivíduos e gru-
pos inter-vinculados no sucederem-se as gerações, reassumem eles e reconstroem o mundo da vida.
Nela se reinterpreta a experiência cultural dos grupos e se insere em novas totalidades de sentido;
ressignifica-se cada um de seus elementos.
89
EaD
Walter Frantz
Seção 4.2
A existência humana, tanto em sua forma individual como grupal, está submetida a um
processo de profundas e constantes transformações em todos os seus sentidos.
No meu entendimento, esse é um novo espaço para o associativismo, base para a orga-
nização de muitos e diferentes espaços de nossas vidas. A reconstrução dos laços sociais para
a cooperação ética de suas populações, conforme expressão de Lévy (1999), talvez seja, hoje,
uma das tarefas mais fundamentais da educação e da Pedagogia emancipadora do ser humano,
dentro e fora da escola.
90
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
A própria diminuição dos espaços públicos estatais, a crise do Estado do Bem-Estar Social,
ao lado da exclusão de milhares de pessoas do sistema produtivo privado, no contexto das polí-
ticas neoliberais, ampliam os espaços para as organizações cooperativas, enquanto instrumento
de organização da sociedade civil ou como formas de enfrentamento do desemprego.
Libâneo (1998, p. 18, 23), afirma que “as transformações contemporâneas contribuíram
para consolidar o entendimento da educação como fenômeno plurifacetado, ocorrendo em muitos
lugares, institucionalizado ou não, sob várias modalidades”. Segundo este autor, esses lugares
podem ser os movimentos sociais ou outros grupos organizados, constituindo-se “diferentes
manifestações e modalidades de prática educativa”: educação informal, não formal e formal.
Atividades de educação não formal, observa, são aquelas que se desenvolvem com intencionali-
dade nos movimentos sociais organizados, nos trabalhos comunitários, etc. A educação informal
acontece pela interação, pela interlocução dos sujeitos, pelas relações que resultam dos processos
e práticas diversas nos espaços da vida, sejam de dimensão cultural, econômica ou política.
91
EaD
Walter Frantz
O cooperativismo é uma prática social histórica, em cujo centro estão questões do mundo da
vida ou ligadas a sua base material. É uma prática social que institui um lugar de aprendizagem,
um lugar de educação. A sua instituição se dá como uma condição inerente a sua organização,
seu funcionamento, seu progresso. Na interação dos associados, dos cooperantes, em sua ação
comunicativa, em seu diálogo, como partícipes de um projeto comum, produzem eles as condi-
ções para um processo de socialização de conhecimentos, de experiências.
Nas organizações cooperativas produz-se educação, mas ela se faz cooperativa nas práticas
da interação dos cooperados, seja pela ação discursiva da argumentação sobre o fazer, ou seja,
pelo fazer. Ela se faz cooperativa na prática, nas relações dos cooperantes. A educação no espaço
da organização cooperativa, a sua prática pedagógica, contém e revela a noção, a compreensão
que se tem do que vem a ser uma cooperativa.
Uma organização cooperativa é, antes de mais nada, uma associação de pessoas (não de capitais) que
se propõe atuar na perspectiva da economia dos componentes dessa associação, isto é, na perspectiva
de sua racionalidade econômica enquanto economias individuais. Porém, ao fazê-lo, essa associação
cria, organiza e estrutura um instrumento adequado que vem a ser a empresa cooperativa: – uma em-
presa comum com o objetivo de apoiar e complementar a administração das economias individuais,
dando-lhes suporte no jogo competitivo do mercado. Portanto, a empresa cooperativa se constitui em
uma extensão da economia dos associados, os quais encontram nesse instrumento cooperativo uma
opção mais vantajosa do que a ação individual para se lançar ao mercado. Decorre daí que a ação
empresarial cooperativa deve ser determinada e moldada, antes de mais nada, pelas atividades e
objetivos das economias de seus associados.
Essa característica diferenciada – como associação e como empresa – remete a duas questões funda-
mentais para o sucesso do empreendimento cooperativo.
92
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
A economia envolve aspectos de ordem técnica e política. É algo construído, inacabado, dinâmico,
submetido a interesses. É um espaço entrecruzado de poder técnico e de poder político, no qual atuam
os seus agentes e que é produzido a partir do conhecimento dessa dupla dimensão e relação. Assim, no
espaço da organização cooperativa, se fazem presentes também questões sociais, políticas e culturais,
que perpassam a sua natureza associativa e seu caráter instrumental (Frantz, 1999, p. 59).
A prática da economia, por suas características sociais, culturais e políticas, contém proces-
sos de aprendizagem, processos de educação. Afirma Lévy (1999, p. 174), que “é preciso admitir
também o caráter educativo ou formador de numerosas atividades econômicas e sociais”. Tam-
bém Libâneo (1998, p. 71) argumentou que “a educação, para além de sua configuração como
processo de desenvolvimento individual ou de mera relação interpessoal, insere-se no conjunto
das relações sociais, econômicas, políticas, culturais que caracterizam uma sociedade”.
93
EaD
Walter Frantz
A educação como ação social ou como prática social aparece, muitas vezes, de forma
difusa, associada a processos de comunicação, de interação entre os associados, dirigentes,
funcionários ou outros interlocutores, presentes no espaço da cooperação. Aparece como uma
ação entre sujeitos ou como uma prática sobre outros, procurando influenciá-los em suas ideias
e seus valores, em seus modos de pensar, de interpretar a vida social, especialmente a da reali-
dade cooperativa, sugerindo ou levando-os a comportamentos e visões de mundo, favoráveis à
natureza da prática cooperativa.
Para além das diferentes funções que as práticas de educação possam assumir na organiza-
ção e funcionamento de uma cooperativa, coloca-se a ela o desafio da produção do conhecimento,
ou, de acordo com a expressão de Pierre Lévy, da “inteligência coletiva”. Afirma Lévy (1999, p.
29) que “a base e o objetivo da inteligência coletiva são o reconhecimento e o enriquecimento
mútuos das pessoas”. Embora o diga e use o conceito para se referir ao fenômeno do ciberespaço,
como “novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores” (Lévy,
2000, p. 17) e a defina como “um dos principais motores da cibercultura” (p. 28), a expressão
parece apropriada também para se falar em educação nas organizações cooperativas, tendo esta
na produção de conhecimento o seu fundamento, a sua centralidade.
94
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
Afirma Lévy (2000, p. 30) que “devido a seu aspecto participativo, socializante, descompar-
timentalizante, emancipador, a inteligência coletiva proposta pela cibercultura constitui um dos
melhores remédios para o ritmo desestabilizante, por vezes excludente, da mutação técnica”.
Síntese da Unidade 4
Nesta Unidade você pôde entender melhor como pode ser conceituada
a educação e a cooperação, sobre seus usos sociais e a relação entre
essas duas práticas sociais. Sobre o processo de educação, seu lugar e
uso social, seu significado, sua produção e natureza existem diferentes
teorias, opiniões e explicações. O mesmo se pode afirmar a respeito da
cooperação. Isso permite compreender, certamente, também a origem
de crises e conflitos na área da educação e da cooperação e que têm a
ver, especialmente, com o seu uso social, em sociedades complexas e,
acima de tudo, marcadas por contradições das quais provêm conflitos
e pressões por mudanças ou transformações.
95
EaD
Unidade 5
associativismo, cooperativismo e economia solidária
Seção 5.1
Em minhas atividades acadêmicas tenho como objetivo geral contribuir com o debate sobre
cooperativismo na agricultura. Especificamente, o núcleo da atenção deste texto são as práticas
cooperativas, presentes na agricultura familiar de origem colonial. Para isso, porém, não estou
recorrendo a documentos históricos específicos para falar sobre essas práticas.
Primeiramente, devo dizer que nasci em um grupo social que se estruturou na região, a
partir das primeiras décadas do século 20 com a chegada dos colonos, na maioria descendentes de
imigrantes europeus. A agricultura familiar foi minha primeira escola e as práticas cooperativas
estão entre minhas primeiras lições. Na verdade, hoje, sei que foi mais que isso. Essa primeira
escola marcou a minha vida, definitivamente, mais tarde, também na universidade, por meio do
ensino, da pesquisa e da extensão.
97
EaD
Walter Frantz
mundo das famílias dos agricultores familiares. Conduzia à crença na cooperação. O espaço da
cooperação, certamente, alimentou muitos sonhos e proporcionou também muitas decepções a
milhares de famílias. Sem os adequados conhecimentos, os agricultores não chegavam a cons-
tituir maior poder de ação em suas organizações cooperativas. De modo geral, eram submetidos
a outros poderes.
O grande dilema dos colonos era a falta de informação e conhecimento, fazendo-os de-
pendentes em suas relações sociais e econômicas. Diante disso, eram levados a ter de acreditar,
simplesmente, naquilo que lhes era dito.1 A relação entre conhecimento e poder foi a grande lição
que veio das práticas do movimento cooperativo. Não se pode negar, entretanto, a importância
dessas experiências para o campo de lutas e movimentos sociais que, ao longo das últimas décadas,
marcaram a vida na agricultura familiar. Certamente, as raízes de conquistas realizadas podem
ser encontradas nas lutas históricas por organização e poder de ação, por parte dos agricultores.
Sob esse aspecto, as vivências e experiências tiveram um sentido pedagógico.
1
Marie von Ebner-Eschenbach, contista austríaca (1830-1916), cunhou a frase: Wer nichts Weiss, muss alles glauben.
Em tradução livre significa: Quem nada sabe, precisa acreditar.
98
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
As razões e, em boa parte, a motivação para a escolha de meu objeto de pesquisa encontram-
se em experiências profissionais concretas. Participei da gestão de organizações cooperativas
por alguns anos. Dessa experiência nasceram muitos questionamentos que, hoje, ainda estão
presentes no estudo sobre a problemática cooperativa. Particularmente, para mim, as experiên-
cias de gestão de práticas de cooperação produziram muitas dúvidas e perguntas, a respeito do
sentido e dos significados das cooperativas atualmente.
Hoje busco refletir sobre essas experiências, a partir da interlocução com diferentes autores que desen-
volvem teorizações sobre essa problemática social. Sinto-me motivado para estudar a complexidade
do fenômeno cooperativo, na expectativa de poder contribuir, pela pesquisa, para a sua melhor com-
preensão como uma prática de poder. Além da teoria, no entanto, continua o desafio do diálogo com
as organizações do campo empírico, isto é, com os sujeitos da cooperação. Certamente, isso permite
um (re)encontro com diferentes dimensões do movimento cooperativo.
A maioria das famílias dos agricultores foi assentada em lotes de 25 hectares, desenvolvendo-
se uma agricultura de economia familiar. Isto é, nas unidades econômicas, a força de trabalho
predominante foi familiar (Roche, 1969). A estrutura fundiária original, entretanto, foi bastante
alterada por diversos fatores, entre os quais: a repartição histórica dos lotes entre herdeiros, a
concentração das áreas de terras pela mecanização, a expansão da cultura da soja, a racionali-
dade econômica capitalista, o êxodo rural, entre outros.
Hoje, a agricultura familiar, mesmo com boa produtividade, passa a ser muito desafia-
da em termos de sobrevivência ou mesmo inviável para muitas atividades de produção, no
contexto das relações de mercado e das políticas que delas decorrem. Pelo avanço da ciência
e tecnologia, decorre um poder de mercado que impõe grandes transformações aos modos
tradicionais de fazer agricultura familiar (Frantz, 2009, p. 171).
2
Designação dada às primeiras colonizações de imigrantes de origem europeia, no Estado do Rio Grande do Sul.
99
EaD
Walter Frantz
Afirmam Carlos Guanziroli et al. (2001, p. 50) que é uma questão complexa em razão da
grande diversidade, desde o meio físico até os “diferentes tipos de agricultores, que têm interesses
particulares, estratégias próprias de sobrevivência e de produção e que, portanto, respondem
de maneira diferenciada a desafios e restrições semelhantes”. Assim sendo, existem diferentes
entendimentos, condicionados por circunstâncias de tempo e lugar, tamanho de área ou contratos
de trabalho temporário.3
Certamente, não existe um conceito fechado sobre agricultura familiar, embora ainda
possam ser reconhecidas algumas características comuns, tais como: propriedade dos meios de
produção, terra como meio de subsistência e não apenas como capital, predominância do trabalho
de membros da família, atividades de produção, simultaneamente voltadas à subsistência e ao
mercado, maior autonomia na organização do trabalho.
Quanto ao sentido do trabalho na agricultura familiar dos colonos, é preciso destacar que
se trata de algo com duplo propósito: subsistência e mercado. A realização de um ou outro de-
pendeu sempre da disponibilidade de fatores como a fertilidade da terra, o acesso ao mercado
comprador e de mão de obra disponível. Além disso, com relação ao trabalho também é necessário
observar que era utilizado trabalho de terceiros, na instituição das unidades econômicas familia-
res, principalmente para a derrubada da floresta ou para atender os picos de plantio e colheita.
Isto é, essas atividades eram realizadas com trabalhadores de origem cabocla, incorporados ao
mundo do trabalho rural em condições, muitas vezes, precárias e de exploração do máximo da
mais-valia (Zarth, 2009, p. 54-56).
Também com essa mesma finalidade era utilizada mão de obra não familiar, oriunda de
famílias de colonos pobres e necessitados ou de famílias com excesso de mão-de-obra, diante da
envergadura de suas próprias unidades econômicas familiares. Esse trabalho, muitas vezes, era
pago com produtos. Isto é, com uma pequena fatia de seu trabalho. Além disso, em fases subse-
quentes da agricultura regional, em algumas economias era utilizada mão de obra de agregados
ou parceiros, isto é, de famílias de agricultores pobres às quais era concedida a exploração de
terras, normalmente mais exauridas e excedentes ou de difícil cultivo.
3
Disponível em: <http://www.cepea.esalq.usp.br/especialagro/EspecialAgroCepea_9.doc>. Acesso em: 23 jun. 2011.
100
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
O pagamento da cessão das terras era feito pela prestação de serviços aos proprietários
das áreas ou pela repartição dos produtos obtidos nessas áreas.4
A existência de agricultura camponesa, no Brasil, nem sempre foi reconhecida, tendo sido
objeto de debates entre diferentes abordagens teóricas. Eric Sabourin, em seus estudos sobre o
mundo rural brasileiro, confirma a existência de uma agricultura camponesa, embora “parte da
intelligentsia brasileira”, até os anos 90 tenha negado sua existência (2009, p. 39).
Escreve Sabourin (2009, p. 22): “No Brasil, a agricultura camponesa se implantou nos
interstícios dos espaços ocupados pela grande agricultura de plantação ou pela pecuária exten-
siva”. Segundo este autor (2009, p. 33), a agricultura camponesa tem diferentes origens sociais
e técnicas de produção. Ao se referir ao Nordeste, cita a agricultura indígena, os trabalhadores
da agricultura colonial e os trabalhadores ou pequenos colonos livres.
A agricultura familiar foi, historicamente, mais um lugar para as necessidades e o interesse das pessoas
que para os interesses do capital, ainda que estivesse incorporada à lógica do mercado capitalista.
Em meu entender, importa saber que a história da agricultura familiar, no Brasil, é uma história de
pessoas, de famílias, de pequenos agricultores, de uma população que circulou, através das gerações,
por diferentes tempos e lugares, na esperança de construir suas condições de vida, tanto na dimensão
econômica como na dimensão cultural e social. Uma boa parte dessa história se confunde com a luta
pela inserção no contexto maior, fornecendo mão-de-obra e alimentos baratos (Frantz, 2009, p. 170).
4
A partir de 1970, passei a prestar serviços em escritório de sindicato de trabalhadores rurais. Muitos agricultores
familiares, sindicalizados ou não, solicitavam a confecção de contratos entre as partes, definindo seus direitos e
deveres.
5
Essa aproximação é possível observar nas Romarias da Terra, especialmente, a 35ª Romaria da Terra, realizada em
Santo Cristo dia 28 de fevereiro de 2012, com o tema “Agricultura familiar camponesa: Vida com Saúde”.
6
Disponível em: <http://mpabrasiles.wordpress.com/2010/02/18/censo-agropecuario-confirma-agricultura-camponesa-
e-a-principal-produtora-de-alimentos-do-pais/>. Acesso em: 24 jun. 2011.
101
EaD
Walter Frantz
7
Disponível em: <http://mpabrasiles.wordpress.com/2010/02/18/censo-agropecuario-confirma-agricultura-camponesa-
e-a-principal-produtora-de-alimentos-do-pais/>. Acesso em: 24 jun. 2011.
8
Censo Agropecuário de 2009, IBGE.
9
Disponível em: <http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=17987&boletim_
id=949&componente_id=15342>. Acesso em: 30 jun. 2011.
102
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
Trata-se de uma problemática histórica que requer pesquisa, estudo em ambientes esco-
lares e debates públicos. Com relação a essa questão histórica, Paulo Afonso Zarth (2009, p. 53)
observa:
A história da agricultura da região Noroeste do Rio Grande do Sul é permeada por diversas questões
de caráter cultural, político e ideológico que interferem profundamente nas propostas de desenvol-
vimento regional. A tecnologia e o acesso à terra estão entre os principais pontos de discussão ao
longo da história da ocupação do território. Do ponto de vista étnico-cultural, a população da região
é multiétnica, dando origem a discriminações com consequências graves para os grupos menos orga-
nizados e com menos poder.
Não tenho como objetivo, no entanto, aprofundar a discussão sobre a história dessa pro-
blemática da agricultura familiar e camponesa no Noroeste gaúcho,10 embora nem a história
da agricultura familiar dos colonos e nem a da organização cooperativa, na região possam ser
suficientemente compreendidas sem a consideração dessa problemática. Aqui, importa enumerar
características da agricultura familiar dos colonos, especialmente tendo em vista a abordagem do
sentido do movimento cooperativo que dela nasceu. Embora originado da agricultura familiar,
o movimento tornou-se mais uma “linha de transmissão” das forças do mercado em relação à
economia dos colonos. Instrumentalizado pela economia de mercado e a serviço da modernização
do campo, a criatura passou a abrigar o criador. Isto é, as cooperativas passaram a ter o “mando”
sobre os rumos da agricultura familiar (Frantz, 1980).
Em termos amplos, como principais características da agricultura familiar dos colonos po-
dem ser citadas a propriedade familiar da terra e o uso predominante do trabalho dos membros
da família na produção. Dessa forma, caracteriza-se pela unidade entre trabalho e propriedade
dos meios de produção. Essa identidade entre quem trabalha e a propriedade dos meios de pro-
dução está a serviço da vida das pessoas que nela trabalham, embora o projeto de colonização
também tivesse uma motivação econômica distinta dos interesses das pessoas assentadas, vindos
dos interesses da crescente industrialização do país.
Para maior conhecimento dessa problemática recomenda-se a leitura de Zarth, P. A. Colonos imigrantes e lavradores
10
nacionais no Sul do Brasil: projetos de ocupação da terra em conflito. In: Motta, Márcia Menendes, Zarth, P. A. (Org.).
Formas de resistência camponesa: visibilidade e diversidade de conflitos ao longo da história Concepções de justiça
e resistência nas repúblicas do passado (1930-1960. 1. ed. São Paulo; Brasília: Unesp; Nead, 2009, v. 2, p. 223-242.
103
EaD
Walter Frantz
orientava as ações e as interações das pessoas. Isto é, ao processo produtivo eram agregados
valores e significados que provinham das necessidades e dos desejos da vida e não apenas do
capital investido.
Importa observar, contudo, que a ocupação das terras ocorreu no contexto de um processo
de constituição dos polos nacionais de desenvolvimento, voltados à industrialização. “A agricul-
tura familiar, desde logo, passou a ter funções nesse processo de afirmação de uma economia
capitalista. Afirmou-se como fornecedora de alimentos baratos” (Frantz, 2009, p. 140-142).
A inserção à lógica capitalista produziu, passo a passo, uma ruptura entre a unidade do
trabalho e a propriedade dos instrumentos de trabalho. O trabalho passou a ter outro sentido ou
significado na vida das pessoas. “Nos espaços sociais e econômicos destruídos, floresce a cultura
do individualismo e, assim, abre-se o espaço para a afirmação da lógica do capital. O capital
ocupa, cada vez mais, os espaços da economia e da cultura” (Frantz, 2009, p. 177).
Com exceção da fase inicial de ocupação dos lotes, produzia-se para vender e vendia-se
para comprar. Chegava, porém, a ser uma economia de mercado? Não era uma economia de
mercado de fato, embora fosse constituída por razões de mercado. Não se tinha a força da orga-
nização ou o poder nas relações econômicas de comércio que garantissem renda suficiente para
depender das relações de mercado.
Produzia-se de tudo por que não se conseguia “gerar” ou obter os meios monetários ne-
cessários para a compra do que se necessitava ou desejava para viver. Tinha-se mão de obra e
terra, mas não se tinha como “produzir” os suficientes meios de troca, isto é, recursos monetá-
rios. Por isso, eram obrigados à autossuficiência pela insuficiência do “poder de compra”. Nem
a organização de cooperativas resolvia essa questão: a falta de poder nas relações de “comércio
externo”. Do esforço por produzir os meios monetários para a inserção ao mercado, especialmente
o consumidor, nasceram cooperativas de venda e compra de produtos.
Atualmente as atividades da produção primária passam a ser controladas, sempre mais, pelo poder
da ciência e da tecnologia a serviço do capital, abrindo-lhe espaços de poder político. A agricultura
não está mais voltada para o agricultor, suas necessidades e interesses. Predominam os interesses
do capital e o agricultor a eles adere. O ritmo e sentido de suas atividades são ditados, sempre mais,
pela lógica do capital e não do trabalho, especialmente por meio do poder da ciência e da tecnologia.
O agricultor perdeu o controle sobre o que faz. O poder de controle das atividades não está mais nas
mãos dos agricultores, mas do poder de quem controla a ciência e a tecnologia, relativas à produção
104
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
agropecuária. O trabalho do agricultor é apenas um componente da fórmula, que visa como resultado
à acumulação de capital. A produção de soja é um exemplo disso. É um setor da produção agrícola
cada vez mais dominado pelo poder das grandes organizações. Hoje, especialmente, esse poder se
expressa pela comercialização das sementes transgênicas (Frantz, 2009, p. 179).
A agricultura familiar deixou de ser uma instituição de abrigo às pessoas para se tornar um espaço de
economia atrelado à racionalidade do mercado capitalista, isto é, a busca do lucro. No lugar de uma
economia de acolhimento à vida das pessoas, de uma economia do humano, afirma-se, sempre mais,
a lógica da economia capitalista (Frantz, 2009, p. 178).
O processo produtivo está sendo sempre mais separado das necessidades dos trabalhadores,
e, pela introdução de novos fatores de produção, submetido e instrumentalizado pelos interes-
ses de uma nova ordem, a ordem do capital. Aos indivíduos resta a resistência pela esperança
105
EaD
Walter Frantz
Seção 5.2
A necessidade de se construir poder nas relações econômicas, sob controle dos associados,
alimenta a esperança na cooperação como meio de valorização do trabalho e de seu poder de
compra. Sempre de novo afloram novas organizações cooperativas. Hoje, o apelo à economia
solidária e às iniciativas alternativas de organização cooperativa materializa o desafio à re-
construção de relações associativas e cooperativas, na economia de parcelas significativas da
agricultura familiar.
106
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
Foi uma experiência prática de cooperação que reconheceu certos princípios necessários à
organização e funcionamento de um empreendimento cooperativo no contexto da nova realidade
socioeconômica. Foi uma experiência fundada no pragmatismo da sobrevivência. Adotou uma
posição defensiva prática, dentro da ordem, pela integração ao mercado. Abandonou a posição
defensiva do movimento anticapitalista dos socialistas utópicos. Por isso, adotou métodos e ins-
trumentos racionais de orientação como: venda à vista; precisão nos pesos e medidas; atenção
à qualidade da mercadoria; dividendos na proporção das compras e juros sobre o capital dos
associados.
O movimento social pela organização cooperativa, historicamente, não foi um bloco único.
A história do movimento cooperativo revela a face das dificuldades e lutas dos seres humanos
por produzir, especialmente, suas condições materiais de vida. O movimento tomou formas e
sentidos de organização, segundo as estruturas sociais, as concepções políticas, as categorias
econômicas, as nacionalidades e as crenças religiosas, as diferentes concepções e interpretações
do sentido da cooperação. As experiências de organização cooperativa estão ligadas a questões
técnicas de produção e a questões políticas de apropriação da produção. A cooperação entre os
seres humanos se confunde com a história de suas economias individuais e coletivas.
107
EaD
Walter Frantz
amarrada aos interesses do trabalho das pessoas. Além do instrumental técnico, a organização
cooperativa nasce de um movimento social que traz em seu bojo histórico a questão da valori-
zação do trabalho humano.
Na agricultura familiar sempre existiu uma estreita relação com o movimento cooperativo:
uma relação histórica, marcada por esperança e decepções. A relação associativa dos agriculto-
res entre si, por meio da cooperação, de alguma maneira sempre apareceu como um elemento
importante de organização de suas economias seja de suas necessidades ou interesses. Os seus
atores esperavam encontrar na organização cooperativa um instrumento de poder de atuação nas
relações econômicas de compra e venda em defesa de seus interesses. Depositava-se confiança
no movimento cooperativo, apesar de práticas frustrantes de seu gerenciamento.
A década de 50, marcadamente, foi uma época de formação de muitas pequenas cooperativas
mistas, nas regiões de colonização do Noroeste gaúcho. Essas cooperativas tinham abrangência
local. Isto é, predominantemente eram associações de agricultores oriundos de comunidades
próximas, originadas dos núcleos de colonização.
Nasciam dos problemas que as famílias dos agricultores enfrentavam em suas atividades
econômicas de comercialização da produção ou de abastecimento de seu consumo. Da história
do movimento cooperativo dos colonos, recordo-me de discussões havidas sobre o que acontecia
nos espaços das relações comerciais. A relação de venda da produção e da compra de merca-
dorias, muitas vezes, constituía-se em um espaço de relações pouco transparentes e, por isso,
de desconfiança. Eram relações dominadas pelos comerciantes, intermediários na cadeia das
relações econômicas mais amplas. Dominavam, em grande parte, as informações, as relações de
comunicação, o fluxo da circulação financeira, as políticas de formação de preços.
108
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
processo inflacionário e seus efeitos sobre preços e poder de compra, dificultando a gestão de
suas economias. Além disso, muitos comerciantes se beneficiavam desse processo, acumulando
ganhos tanto na compra de produtos quanto na venda de bens de consumo.
Também discutia-se muito, no entanto, sobre as próprias cooperativas, isto é, sobre sua
gestão, seu controle, sobre a participação dos associados na entrega da produção. Diante das
dificuldades de mercado, dos problemas de gestão, das crises financeiras das cooperativas, que
não eram coisas raras, associados desviavam a entrega da produção, estabelecendo relações
comerciais com intermediários, isto é, na concorrência.
A cooperação nas antigas colônias, sob diversas formas práticas, muitas vezes ocupou um
lugar central na vida das pessoas e nas comunidades, especialmente quando se tratava da venda
de seus produtos, do abastecimento das suas necessidades de consumo, ou mesmo quando se
tratava de garantir serviços ou infraestruturas necessários e não disponibilizados pelos, quase
sempre, inexistentes serviços públicos estatais.
Com relação ao associativismo e os primórdios do cooperativismo, no Brasil, a partir das experiências dos agricultores,
11
nas comunidades de colonização, é recomendado ler: Rambo, Arthur Blasio. O Associativismo teuto-brasileiro e os
primórdios do cooperativismo no Brasil. In: Perspectiva Econômica vol 23, nº 62-63, Série Cooperativismo nº 24-25,
jul/dez. 1988, p. 3-276, S. Leopoldo: Unisinos.
109
EaD
Walter Frantz
A ausência do poder público, muitas vezes, era preenchida pelas iniciativas comunitárias,
fundadas na associação e na cooperação, adquirindo, assim, essas práticas, certa dimensão pública
não estatal, isto é, eram atividades que geravam benefícios a todos os moradores. Educavam-se,
desse modo, os agricultores para a cidadania. Lançavam as raízes do que hoje se denomina de
espaços públicos ampliados.
Certamente essa dimensão pública não estatal dava sentido e significado às práticas co-
operativas dos agricultores de economia familiar, indo além dos objetivos apenas econômicos.
Muitos aspectos da vida das pessoas e da organização das comunidades se relacionavam com as
práticas da cooperação. As práticas cooperativas dos colonos não podem, por isso, ser reduzidas,
simplesmente, a um conteúdo apenas econômico, isto é, de compra e venda de produtos. Elas
contêm, certamente, significados culturais, políticos, sociais e até psicológicos, com raízes na
história da colonização. Por isso, sem a compreensão histórica da colonização, é difícil o enten-
dimento do comportamento e das expectativas dos associados, diante das práticas cooperativas,
nas regiões coloniais do Rio Grande do Sul.
Aos agricultores associados era mais fácil contestar a gestão das cooperativas, instituída por
eles, que criticar a autoridade religiosa ou divina ou da ciência. Os agricultores eram educados
no temor a Deus, isto é, à autoridade da igreja, e na crença da verdade incontestável da ciência,
isto é, da autoridade da escola. A gestão das cooperativas, no entanto, estava ao alcance de sua
maior ou menor participação. Afinal, era obra deles. Esse complexo processo social de relação
com a fé, a ciência e a política, certamente, é um indicador da estreita relação entre poder e
educação.
Assim, nos processos das lutas e conflitos sociais dos núcleos de colonização, construía-se
conhecimento, aprendizagem e educação, também nos espaços da cooperação. Na organização
social das famílias dos pequenos agricultores a cooperação era uma prática que se impunha,
110
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
diante das dificuldades e do esforço coletivo por sobreviver. As práticas de cooperação eram as
lições da “escola da vida” que funcionavam, muitas vezes, nos espaços da organização coopera-
tiva. Pela avaliação crítica dessas práticas aprendia-se, desenvolviam-se os que dela soubessem
fazer uso construtivo.
O intermediário sempre está presente na nossa porta, ele vive a vida dele, ele não é uma cooperativa;
numa cooperativa eu sempre ainda procuro de ter os meus direitos como associada, como participan-
te; agora se eu vou num comerciante, eu estou vendendo o meu produto, eu somente vendo e está
terminada a minha cooperativa; a gente nasceu dentro dela, é assim que a gente tem vez e voz; então
eu sempre acho ainda que o cooperativismo é o melhor sistema que existe, apesar de que existem os
outros, vamos supor que eles pagam menos ou que paguem mais, mas aí então a gente sempre ainda
procura a cooperativa, não é?
Sempre tem alguém que vai pagar um pouco mais, se nós não tivéssemos cooperativa, eu acho, eu não
sei se o produtor teria como, eu acho que ele ia ser usado muito e eles iam pagar o que eles iam querer;
e uma cooperativa ainda assegura os preços, por isso nós ainda sempre somos cooperativistas.
Canso de falar para os filhos também que se liguem sempre ainda a uma cooperativa porque ela, ela
sempre é um meio que ainda tu podes conversar e apesar de tudo; agora num comerciante tu vais, tu
não tens o que dizer porque ele é o dono da coisa e uma cooperativa sempre é um conjunto de pessoas
que vão defender, que vão pensar no assunto, vão estudar e falam com as pessoas.12
O texto do depoimento foi extraído de um contexto maior da entrevista que está gravada e transcrita, disponível nos
12
arquivos do pesquisador.
111
EaD
Walter Frantz
A partir da década de 50, a economia agropecuária da região passou a ser atrelada aos
interesses dos polos nacionais de desenvolvimento urbano e industrial, dinamizados pela política
de associação ao capital estrangeiro (Zarth, 2009). Essa relação recompôs, isto é, condicionou
o processo de seu desenvolvimento. Iniciou-se algo como uma “revolução agrícola”, na região.
Ao lado da agricultura colonial e da pecuária tradicional surgiu, incentivada pelo governo, a
moderna lavoura do trigo, baseada no uso de máquinas e capital financeiro. Em seguida, a ela
associou-se a lavoura de soja.
Entre 1960 e 1969, no território polarizado pela cidade de Santa Rosa, na Região Noroeste,
foram fundadas 30 cooperativas agrícolas e fechadas 20. Entre 1967 e 1969, na mesma região,
foram fundadas apenas 3 cooperativas e fechadas 16. Em 1969, nas regiões polarizadas pelas
cidades de Santa Rosa, Santo Ângelo e Cruz Alta, no Noroeste do Estado, existiam 86 cooperativas
agrícolas. Em 1978, em toda a Região Noroeste, porém, existiam somente mais 31 cooperativas
agrícolas. Destas, 12 levavam o nome de cooperativas tritícolas, em 1978. Na Região Noroeste,
ainda hoje, as cooperativas agrícolas estão entre as maiores do Estado do Rio Grande do Sul
(Frantz, 1980).
112
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
A bandeira do novo projeto cooperativo quanto à adesão dos agricultores ao projeto de moder-
nização agrícola eram aceitas como uma solução para a agricultura familiar em crise. Renova-se a
esperança da agricultura familiar colonial e sua confiança em iniciativas cooperativas. Além disso,
a euforia pela modernização deixava pouco espaço aberto para posturas críticas que pudessem
ser veiculadas em relação às políticas oficiais ou aos projetos hegemônicos de cooperativismo.
No centro de atenção da pesquisa estiveram questões que dizem respeito, sobretudo, aos
seguintes aspectos:
− à percepção do sentido e do significado prático de uma organização cooperativa, por parte dos
associados, no momento atual;
14
Pesquisa realizada em 2000/2001.
Desde 2007 denominada de Cooperativa Agropecuária & Industrial
15
113
EaD
Walter Frantz
Para finalizar pode-se assegurar que, apesar do sentido econômico específico das práticas
cooperativas, nelas se revelam muitos significados para a vida em comunidade. Certamente, aos
que se ocupam, meramente, com questões operacionais do sentido econômico das organizações
cooperativas, os esforços por captar e compreender significados culturais da cooperação podem
parecer menos importantes.
Sem penetrar no campo dos valores, dos princípios, dos comportamentos, enfim, dos sig-
nificados das organizações cooperativas, a compreensão do sentido econômico da cooperação
pode correr o risco de se estreitar demais, isolando-o dos seus próprios significados sociais e
reduzindo-o a dimensões técnicas ou quantidades numéricas de quadros estatísticos.
O foco das práticas de gestão das organizações cooperativas situa-se mais no processamento
dos resultados econômicos da cooperação. Sem dúvida, isso é central, pois trata-se do objetivo
fundamental da cooperação, no entanto escreve Morin (2000a, p. 16): “A política econômica é a
114
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
mais incapaz de perceber o que não é quantificável, ou seja, as paixões e as necessidades huma-
nas. De modo que a economia é, ao mesmo tempo, a ciência mais avançada matematicamente
e a mais atrasada humanamente”. Não é conveniente reduzir os resultados de um processo co-
operativo às questões econômicas, especialmente quando se trata do desenvolvimento de uma
comunidade. Na inserção do processo de desenvolvimento local, uma cooperativa não deveria
descuidar dos aspectos culturais que a envolvem.
Os significados culturais têm a ver com a formação dos associados, com dimensões sociais
da cooperação. Afirma Morin (2000a, p. 48) que “uma cultura fornece os conhecimentos, valores,
símbolos que orientam e guiam as vidas humanas”. Pensar o cooperativismo apenas sob a dimen-
são econômica representa perigoso fracionamento de algo muito complexo, em termos sociais.
a inteligência que só sabe separar, fragmenta o complexo do mundo em pedaços separados, fraciona
os problemas, unidimensionaliza o multidimensional. Atrofia as possibilidades de compreensão e de
reflexão, eliminando assim as oportunidades de um julgamento corretivo ou de uma visão a longo prazo.
[...] Uma inteligência incapaz de perceber o contexto e o complexo planetário fica cega, inconsciente e
irresponsável. [...] o conhecimento progride não tanto por sofisticação, formalização e abstração, mas,
principalmente, pela capacidade de contextualizar e englobar.
115
EaD
Walter Frantz
Pode-se perceber a questão do poder como um conjunto de relações presentes nos proces-
sos formais de funcionamento de uma cooperativa, tais como domínio, uso e controle do conhe-
cimento, do saber tecnológico de produção, uso e controle da informação, da comunicação, da
administração ou da operação técnica das atividades e dos objetivos da cooperativa. A questão
do poder está nesses espaços da organização, entre as pessoas ou grupos de associados.
Além disso, organizações cooperativas podem ser espaços de poder que permitem influir
sobre o processo de distribuição dos resultados da produção. Aqui está uma das razões mais im-
portantes para a existência de uma cooperativa: construir poder de participação, de influência
e decisão.
116
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
Síntese da Unidade 5
Nesta Unidade você pôde entender melhor como nos processos das
lutas e conflitos sociais dos núcleos de colonização construía-se co-
nhecimento, aprendizagem e educação. Na organização social das
famílias dos pequenos agricultores a cooperação era uma prática que
se impunha, diante das dificuldades e do esforço coletivo por sobrevi-
ver. As práticas de cooperação eram as lições da “escola da vida” que
funcionava, muitas vezes, nos espaços da organização cooperativa.
Pela avaliação crítica dessas práticas aprendia-se, desenvolviam-se os
que dela soubessem fazer uso construtivo. A cooperativa era, assim,
ao mesmo tempo, um lugar de negócios e um lugar de produção de
conhecimento, de aprendizagem, de educação. O conhecimento, a
aprendizagem, a educação, fluíam pelas vias das relações de poder que
se organizavam e manifestavam nas práticas políticas de comunicação
e negociação, na busca das informações, nas práticas da comercializa-
ção dos produtos, enfim. A ação das relações de poder ensinava sobre
os lugares e condições sociais das pessoas.
117
EaD
Unidade 6
associativismo, cooperativismo e economia solidária
Seção 6.1
As terras da região foram ocupadas, a partir do final do século 19, por assentamentos de
famílias de pequenos agricultores (Roche, 1969). A partir da década de 60 do século 20, confron-
tados com o problema do esgotamento de suas práticas agrícolas tradicionais, aderiram à política
de modernização agrícola, isto é, ao binômio da produção de trigo e soja.
119
EaD
Walter Frantz
A pesquisa teve como objetivo geral estudar limites e possibilidades de práticas de orga-
nização cooperativa como formas concretas de resistência à exclusão social, principalmente por
parte da agricultura familiar. Entendem-se, aqui, por agricultura familiar as economias primá-
rias, executadas exclusivamente pelas famílias, sem contratação sistemática de mão de obra de
terceiros. Parte-se do pressuposto de que a organização cooperativa pode ser um caminho de
resistência à exclusão social por parte dessas famílias. Historicamente, sabe-se que as cooperati-
vas surgiram em reação às ameaças de exclusão social, buscando defender e valorizar o trabalho
em meio ao processo de produção e distribuição de riquezas (Singer, 1998).
A finalidade prática da pesquisa foi contribuir com a reflexão sobre exclusão social e sobre
possíveis instrumentos de seu combate. A constituição de instrumentos adequados e a definição
de caminhos concretos para a intervenção contra a exclusão social continuam sendo questões
centrais desafiadoras na sociedade contemporânea (Santos, 2005).
Não há, porém, como definir caminhos ou construir instrumentos de combate sem ter cla-
reza com relação à natureza e à problemática da exclusão social. A compreensão do fenômeno é
essencial para a identificação da base do processo de intervenção: trata-se de uma base econômica
ou política? Certamente, trata-se de algo complexo que passa pela economia, pela política, pela
educação, pela cultura, pela responsabilidade social individual e coletiva, etc. De outro lado, para
compreender e definir ou conceituar o fenômeno da exclusão social é necessário relacioná-la em
um cenário, isto é, contextualizá-la. Enfim, qual o cenário da intervenção?
120
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
A reflexão crítica, aqui, dever ser entendida como um ato de pensamento sobre a ação com
um sentido de sua reconstrução. O pensamento, na verdade, é reflexo dessa ação de reconstru-
ção. Ele se desenvolve na ação e, portanto, é dinâmico e deve superar-se, constantemente, pela
ação-reflexão. Por meio desse processo os seres humanos se constituem sujeitos de suas ideias
e ações. A partir desse entendimento acredita-se que possam ser valorizadas as experiências
práticas em organizações cooperativas como instrumentos de combate à exclusão social.
Isso não quer dizer, todavia, que se possa absolutizar essas experiências como respostas
aos questionamentos sobre os significados do cooperativismo no combate à exclusão social. Não
se está livre da ideologia da ação. Isso, porém, não invalida o sentido da reflexão, a partir da
prática. Não existe reflexão sem prática. As práticas sociais constituem processos de aprendi-
zagem, de construção de conhecimento, de educação. Enfim, a preocupação desses processos
deve ser a formação crítica das estruturas mentais de reflexão, isto é, de uma mente que conse-
gue superar as limitações e a dominação cultural sofrida diante de uma realidade em constante
transformação.
Como conceito orientador básico para essa reflexão, entende-se a exclusão social como
resultado da perda de poder em uma determinada sociedade, grupo ou situação social. A ex-
clusão não é apenas material, mas também acontece pelo rompimento de identidades, de laços
sociais de pertença. Na base da exclusão social está a perda de poder nas relações econômicas
e políticas, a destruição das identidades e laços sociais, a ruptura de estruturas socioculturais, a
perda de valores e tradições de referência.
Escreve Castells (1998, p. 99): “La exclusión social es un proceso, no una condición”. As-
sim, alguém está na condição de excluído não por aquilo que é, mas pela relação com os fatores
do meio. Essa concepção implica reconhecer movimento, dinâmica social, no fenômeno da ex-
clusão social. Defende ainda o autor que a exclusão é um processo, cujas fronteiras se alteram,
positiva ou negativamente, dependendo dos fatores de intervenção: educação, políticas públicas,
práticas empresariais, etc. Para Castells, embora o mecanismo-chave da exclusão seja a falta de
121
EaD
Walter Frantz
trabalho regular como fonte de ingresso, são muitos os caminhos que conduzem à pobreza e à
desestruturação social. Castells constata uma relação entre a dinâmica da sociedade rede e a
exclusão social de indivíduos e territórios. Sob esses aspectos, as práticas cooperativas podem
constituir fatores de intervenção.
Com certeza, o fenômeno da exclusão social é um dos mais antigos e graves problemas
da humanidade. Afirma Jordi Estivill (2003, p. 5) “que exclusão e excluídos sempre existiram
desde que os homens e as mulheres vivem de forma coletiva e quiseram dar um sentido a esta
vida em comunidade”. Dessa afirmação pode-se concluir que se trata de um fenômeno social,
produzido na dinâmica das relações sociais de convivência e que sua solução passa pela alte-
ração dessas relações, especialmente em se tratando do processo de produção e distribuição de
bens e riquezas.
Por essa razão, o seu combate não pode ser uma tarefa apenas de governos ou de grandes
estruturas de atuação. É também uma questão de responsabilidade social que começa pelo en-
volvimento individual, mediante a busca de sua compreensão crítica, isto é, pela construção de
conhecimento, seguido pela identificação de instrumentos concretos de intervenção que deem aos
indivíduos a mínima condição para se tornarem atores sociais, construindo um ponto de partida
para sua inserção ativa no processo de combate à exclusão. Os instrumentos de intervenção de-
vem ser construídos pela compreensão crítica dos indivíduos a respeito do que é proposto. Aqui,
é possível identificar as dimensões dos limites e das possibilidades do processo de organização
e funcionamento de cooperativas como instrumentos de resistência à exclusão social.
122
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
De acordo com Castells (1998, p. 95-191), uma revolução tecnológica, centrada em torno
das tecnologias da informação, está modificando a base material da sociedade a um ritmo acele-
rado. Um novo mundo está tomando forma, fazendo surgir uma nova estrutura social dominan-
te, sendo as mudanças sociais tão profundas quanto o processo de transformação econômica e
tecnológica. No novo sistema de produção – embasada na inovação e flexibilidade – redefine-se
o trabalho, isto é, a economia.
Assim sendo, o núcleo do poder está no mundo das finanças, enquanto se fragmenta e
dispersa a estrutura produtiva em um cenário cada vez mais planetário e globalizado. Na socie-
dade atual, a submissão do mundo da vida à lógica do capital financeiro, especialmente, passou
a ser a ordem das coisas, o sentido do poder e da força de regulação das relações sociais. Disso
resulta marginalização, quando não exclusão social.
Segundo Lévy (1997, p. 42), na atualidade está em ação um profundo processo de trans-
formação das condições de vida, nem sempre ajustado aos meios e condições das populações ou
regiões, com reflexos negativos nas profissões, nas estruturas sociais comunitárias, movido pela
123
EaD
Walter Frantz
evolução técnica, pelo progresso da ciência. Dentre seus efeitos está a exclusão social, sob as
diferentes manifestações: cultural, social, econômica. Afirma o autor que dessas transformações
resultam desajustes e “uma imensa necessidade de coletivo, de laço, de reconhecimento e de
identidade”, isto é, de solidariedade.
[...] Nos próximos anos, novas e mais sofisticadas tecnologias de software aproximarão cada vez mais
a civilização de um mundo praticamente sem trabalhadores. [...] A maciça substituição do homem pela
máquina forçará cada nação a repensar o papel a ser desempenhado pelos seres humanos no processo
social. Redefinir oportunidades e responsabilidades para milhões de pessoas numa sociedade, sem o
emprego de massa formal, deverá ser a questão social mais premente do próximo século.
124
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
Soma-se ainda ao cenário da sociedade de hoje uma situação social e política caracterizada
por frustrações com o capitalismo e decepções com o socialismo. Um dos efeitos disso parece
ser certo sentimento de impotência, de falta de poder de articulação, de reação, que se expressa
pela submissão, pela resignação.
Marcos Arruda reconhece as frustrações com os dois grandes sistemas econômicos vigentes,
ao longo do século 20. Segundo este autor (2000, p. 51),
espalha-se pelo mundo o sentimento sempre mais enraizado de que o setor privado hegemônico não
consegue gerar um mundo de bem-estar e felicidade para todos e cada um dos cidadãos, povos e
nações.
Por outro lado, a tentativa de colocar nas mãos do Estado a hegemonia das decisões e o controle total
sobre a economia, a sociedade, também se provou historicamente inviável e indesejável.
125
EaD
Walter Frantz
na transição crítica do mundo moderno para o pós-moderno, aparece, ou reaparece, uma necessidade
profunda da análise científica sobre a sociedade humana que conduza à criação, ou invenção, de novas
formas e padrões de coexistência e cooperação dos seres humanos entre si e das sociedades humanas
com seu meio ambiente.
Seção 6.2
126
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
Parte-se do pressuposto de que o caminho da organização cooperativa pode ser uma ins-
trumentalização adequada de intervenção contra a exclusão social como processo de construção
de poder, de laços sociais de identidade, de afirmação de valores, cultura e comportamentos. Pelo
menos esse é um indicador que vem das múltiplas formas de organização cooperativa que, atual-
mente, são estabelecidas, na sociedade, mediante práticas de economia solidária, da instituição
de redes de cooperação, etc. A organização cooperativa e solidária, em termos de produção e
distribuição, parece ser depositária, novamente, de milhares de pessoas que buscam superar a
situação de exclusão, seja pela pouca renda ou pelo desemprego.
A cooperativa é uma organização composta por uma estrutura e uma superestrutura, res-
pectivamente, representadas por seu sentido econômico e seus significados culturais, políticos,
sociais. À estrutura que incorpora a parte econômica da organização corresponde a empresa; à
superestrutura que incorpora o processo político do empreendimento cooperativo corresponde
a associação. Entre esses dois poólos – associação e empresa – deve existir um entrelaçamento
profundo e dinâmico. O polo da associação se instrumentaliza pelo polo da estrutura empresarial.
Na associação está a ação, na empresa está a função. A colaboração cooperativa só se realiza pela
existência e unidade desses dois polos e como uma ação organizadora de interesses associados
que se instrumentalizam em função de seus objetivos.
A cooperação é uma reação, a partir das pessoas, em âmbito local, mas estas podem se
associar e somar, por meio de estruturas de ação, de intervenção. A associação e a soma são duas
faces distintas do processo cooperativo. A associação é um processo cultural e político. A soma
se expressa pela organização dos associados, constituindo estes seus instrumentos de atuação,
isto é, sua empresa.
127
EaD
Walter Frantz
O que existe de “novo” nesse tipo de organização é que se trata de cooperativas, na maioria
das vezes, sem nenhuma ou quase nenhuma estrutura empresarial, tendo um fundamento maior
na associação de interesses. A identificação e a articulação das pessoas acabam sendo um fator
fundamental para o sucesso do empreendimento. A partir da associação, diante de problemas
comuns, os associados criam os seus instrumentos de atuação, centrados nas tarefas de organi-
zação das linhas de recolhimento da produção do leite. A visibilidade da cooperativa ocorre mais
pela organização e funcionamento das linhas de recolhimento da produção e pela negociação
dos seus preços, do que por outras estruturas ou atividades.
Dados de pesquisa2 apontam que os associados obtiveram um preço melhor pelo leite a
partir de negociações com as agroindústrias. A substituição da intermediação no recolhimento
da produção e o controle sobre um volume de produção, associando-se às pequenas quantias de
cada economia familiar, permitiram um poder de negociação com as agroindústrias. Geraram um
1
Ver: Esac – Economia Solidária e Ação Cooperativa, vol 1, n. 1, jul/dez 2006, p. 5-12.
2
Idem
128
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
“poder de escala” que, antes, individualmente, não possuíam. Além disso, pequenos produtores
foram incluídos, sem perda na qualidade da produção. Na relação direta com as empresas de
capital, os pequenos produtores eram excluídos ou remunerados de forma desvantajosa.
Além dos resultados econômicos concretos, a pesquisa revelou outros dados e significados
da organização cooperativa:
3
Ibidem
129
EaD
Walter Frantz
A cooperação, por si só, como um processo operacional, sem maior consciência crítica e
prática participativa por parte dos cooperantes, dificilmente poderá contribuir para o processo
de combate à exclusão. No ato cooperativo deve estar implícita a compreensão técnica e políti-
ca da cooperação. A economia é o fundamento da cooperação, porém no contexto competitivo
do mercado e sob a pressão da lógica do capital, isto é, da acumulação de lucro, a cooperação
econômica pode virar instrumento da razão técnica e dos interesses do capital, em desfavor das
necessidades e interesses do trabalho.
Como prática empresarial sob controle dos associados, o cooperativismo pode se constituir
em instrumento de resistência à exclusão social, na medida em que representa um processo de
desenvolvimento de identidades e laços sociais, de organização, de criação de poder, de força
de atuação pela qualificação técnica e política dos cooperantes para que possam garantir maior
apropriação de resultados de seu trabalho. Como alcançar isso? Com atividades específicas de
qualificação do processo de organização e funcionamento de uma cooperativa, estimuladas pela
participação dos associados no debate crítico e autocrítico sobre as práticas cooperativas. Enfim,
pode ser estratégico o estabelecimento de um processo de ação-reflexão.
130
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
Síntese da Unidade 6
131
EaD
Unidade 7
associativismo, cooperativismo e economia solidária
• Conhecer e entender uma experiência de colaboração entre uma instituição de ensino superior e
uma cooperativa com o objetivo de promover a educação para o associativismo e a cooperação.
Seção 7.1
Mais do que aos detalhes de sua história, hoje, interessa prestar atenção às práticas me-
todológicas desse movimento. Talvez seja esta a parte que ainda tenha atualidade e validade,
sobretudo quando se busca construir processos e meios de participação, por meio de um movi-
mento popular ou de uma organização cooperativa.
Concordo com Morin (2004, p. 75), quando este observa: “Dando prioridade à solução de
problemas ou ao fazer, não se trata de afastar o conhecimento e de perder de vista sua importân-
cia”. Em termos práticos, a experiência do MCBI ainda pode servir de referência para a reflexão
133
EaD
Walter Frantz
O movimento cooperativo moderno nasceu das lutas pela valorização do trabalho humano.
Pode ser considerado um produto da organização capitalista da economia. De modo sucinto,
pode-se destacar que a economia capitalista se caracteriza por uma produção não determinada
pelas necessidades específicas dos que nela trabalham, desde um ponto de vista qualitativo ou
quantitativo, mas por uma produção que visa à remuneração do capital investido. O cooperati-
vismo moderno se constituiu como uma reação às dificuldades técnicas e políticas com o sentido
de inserção social e de resistência à exclusão econômica, diante da lógica da acumulação do
capital.
Certamente, porém, a noção de organização cooperativa é mais ampla do que uma simples
instrumentalização técnica ou operacional nas relações de mercado. Tem também uma dimen-
são política que nasce do movimento social pela cooperação, a qual traz em seu bojo histórico a
questão da valorização do trabalho humano.
O termo política deve ser tomado, aqui, no sentido de um processo social, de uma relação
e interação de pessoas que buscam identificação e construir algo em comum, abandonando seu
locus de interesses apenas individuais e colocando-os em espaços coletivos. Nesse processo,
por meio da comunicação e do debate, os associados se educam politicamente, no movimento
da afirmação ou da negação da argumentação entre si.
Assim, a cooperação não pode ser entendida apenas como uma relação associativa de
trabalho, mas como expressão política de organização de quem trabalha, submetido à lógica
da acumulação do capital. Essa dimensão política contribui à identificação e associação entre
seus integrantes. Isso é, interesses se identificam, aproximam-se e cooperam. Nesse processo,
os associados desenvolvem e incorporam valores e comportamentos com vistas aos seus objeti-
vos. Expressam uma articulação entre economia e política pela busca de poder nas relações de
mercado. Sob tais dimensões e circunstâncias, as práticas de cooperação se afirmam também
134
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
como processos de educação, isto é, “no diálogo da cooperação, cumpre-se a educação, fundada
no processo de construção e reconstrução dos diferentes saberes daqueles que participam da
organização e das práticas cooperativas” (Frantz, 2001, p. 244).
O MCBI foi instituído no começo da década de 60, incentivado pela Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras de Ijuí (Fafi). Instituída por freis Capuchinhos, em março de 1956, voltou-se
para a região, identificada com seus valores e necessidades, ante o processo de mudanças que
nela se operavam pela modernização de suas bases econômicas.1 O discurso2 de instalação do
ensino superior, na Região Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, expressa a preocupação
com a educação não acadêmica, com a educação popular. Revela a preocupação com o desen-
volvimento da região, com a construção de um espaço de poder, embasado no conhecimento. O
MCBI nasceu pelo caminho dessa preocupação e foi desenvolvido, predominantemente, junto
a população trabalhadora urbana e junto a agricultura familiar. Os seus principais atores foram
trabalhadores urbanos e pequenos agricultores, professores, estudantes, lideranças comunitárias
religiosas e leigas (Marques, 1984).
Alain Touraine (1998, p. 254), afirma: “Um movimento social é ao mesmo tempo um conflito
social e um projeto cultural. [...] Ele visa sempre a realização de valores culturais, ao mesmo
tempo que a vitória sobre um adversário social”. A experiência da desigualdade social põe em
jogo movimentos sociais e estratégias de realizações correspondentes. Assim, um movimento
social se constitui em torno de necessidades ou interesses a serem defendidos ou promovidos.
Os indivíduos se fazem sujeitos e atores políticos na mobilização, no movimento, na experiência
social.
O conflito social presente na base do MCBI esteve relacionado com a má distribuição das
riquezas, as restritas oportunidades sociais, a luta por melhores condições de vida. O projeto
cultural, por sua vez, esteve relacionado com os valores do associativismo e do cooperativismo
como “referência e base política” para a reorganização da comunidade, nascida de um processo
de ocupação territorial.
É importante lembrar que a década de 60, no Brasil, foi um período marcado por diferentes
propostas de participação popular, de gestação da consciência nacional popular e de engajamento
de camadas populares na luta por reformas sociais (Fávero, 2006). Esse clima de conscientização
crítica e de politização chegou também ao Noroeste gaúcho, penetrando pelos espaços da crise na
1
A partir de 1969, a manutenção da Fafi passou à Fidene – Fundação de Integração, Desenvolvimento e Educação do
Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – com o objetivo de criar e desenvolver as condições para a criação de uma
universidade. Em 1985, com a fundação da Unijuí – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do
Sul –, a Fidene seguiu como mantenedora da universidade.
2
Arquivos do Museu Antropológico Diretor Pestana, Fidene/Unijuí.
135
EaD
Walter Frantz
agricultura local, instaurando-se uma mobilização, que passou a ser conhecida por Movimento
Comunitário de Base de Ijuí (MCBI). Como referências à mobilização, podem-se citar diferentes
fenômenos sociais.
Na região, ao final do século 19 e começo do século 20, foram instalados núcleos populacio-
nais de diferentes etnias de origem europeia, porém a maioria dos colonizadores já era oriunda
das antigas colonizações do Estado, chamadas “Colônias Velhas”.3 Nas unidades econômicas dos
novos núcleos de colonização, a força de trabalho era predominantemente familiar. O tamanho
original dos lotes de 25 hectares, em pouco tempo fixou limites à reprodução econômica das
famílias. Somou-se a isso também o problema do esgotamento da fertilidade natural do solo,
impondo dificuldades e limites às práticas agrícolas tradicionais (Roche, 1969).
De forma sucinta, pode-se afirmar que, nas décadas de 50/60, as bases da economia regional
se haviam esgotado, impondo o desafio por encontrar alternativas viáveis a sua sobrevivência como
proprietários de seus próprios meios de trabalho. Diante do esgotamento das bases da economia
de colonização, da necessidade de sua reprodução, como produtores rurais, e sem terem gerado
um projeto alternativo próprio, os agricultores tiveram de aderir ao modelo de modernização
proposto pelas políticas oficiais que, por sinal, vinham com pacotes de incentivos e subsídios e,
portanto, muito atrativos. Depositavam na modernização e nas políticas oficiais a esperança de
sua reprodução como produtores familiares independentes.
O problema da reprodução de suas condições sociais e materiais não lhes era novo, pois
já haviam-no enfrentado pela emigração ou pela migração. Agora, porém, as condições históri-
cas, mais uma vez, lhes impunham novos desafios. Ante o esgotamento das fronteiras agrícolas
acessíveis à maioria das famílias de agricultores em outras regiões, colocava-se a necessidade
de encontrar possibilidades e alternativas locais de reprodução. Por isso a adesão às políticas
oficiais também não encontrou resistências. Estas apareciam a todos como a grande saída para
os seus impasses de reprodução como agricultores (Frantz, 1980).
De outro lado, os reflexos das transformações políticas e culturais da época, das mudanças
no pensamento social e político mundial, também se faziam sentir na Igreja. Nesse contexto de
gestação de consciência social, a Igreja Católica, ou melhor, parcelas da Igreja, experimentava
uma evolução em seu pensamento social. Os valores da sociedade capitalista, fundamentados no
princípio do lucro e da acumulação do capital, passavam a ser vistos como incompatíveis com a
visão cristã de mundo. Essas transformações do pensamento cristão começavam a se manifestar,
em termos concretos, também nos espaços da educação brasileira. A educação passava a ser
vista como um fator relevante para a mudança social. Os cristãos, imbuídos pelo novo espírito
3
Designação dada às primeiras colonizações de imigrantes de origem europeia no Estado do Rio Grande do Sul.
136
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
No espaço da Fafi, a extensão foi organizada por meio de cursos populares, programas de
rádio, palestras e reuniões, junto a população local. A preocupação fundamental era a motivação
dos participantes e o despertar de uma consciência crítica com relação à realidade social da época.
Brotados dessa mobilização e atividades, foram organizados grupos de trabalho que passaram a
se reunir sistematicamente, com a finalidade de analisar a realidade social e encontrar soluções
para os problemas da comunidade.
De acordo com Argemiro Jacob Brum (1998, p. 43), o MCBI pode ser definido “como um
modelo de trabalho de comunidade construído na experiência e centrado na idéia da dignidade
e valor da pessoa humana e na pedagogia do pequeno grupo e da participação”. Por intermédio
desse movimento estabeleceu-se o debate político, a participação, o esforço pela organização
de grupos e associações, de baixo para cima, fundado em uma Pedagogia da práxis, isto é, pela
reflexão sobre a prática buscava-se construir os instrumentos de intervenção: sindicatos e coo-
perativas.
137
EaD
Walter Frantz
somos uma comunidade: nossas vidas se realizam em idênticas condições gerais: respiramos o mesmo
ar, vivemos a mesma cultura. Somos solidários uns dos outros e co-responsáveis. Todos precisamos de
todos. Necessitamos ter bem viva a consciência de nossa unidade. Necessitamos pensar o município
em termos de unidade: é ele um todo único, um todo solidário, vivo, orgânico. Cada um de nós é parte
significativa desse todo. Possuímos, cada um, o nosso lugar, a nossa missão a cumprir, o nosso papel
a desempenhar, nossas responsabilidades concretas (Marques; Brum, 1972, p. 11).
Em 1962, por ocasião dos festejos de 50 anos de emancipação municipal, fazia-se referência
à cultura e à responsabilidade social dos descendentes dos colonizadores, ressaltando-se os va-
lores orientadores a serem seguidos e revelando-se a visão da missão que se tinha a respeito da
posição de Ijuí no contexto regional. Nessa referência está presente a consciência da construção
de uma regionalidade e o “condicionamento natural e cultural” da colonização. Estão presentes
os apelos ao associativismo, ao espírito comunitário e cooperativista. Trata-se do discurso de uma
das lideranças mais influentes e expressivas das iniciativas comunitárias locais.
Aos primeiros habitantes de Ijuí, diante do mato imenso [...] só lhes restava uma alternativa: [...] tra-
balhar sempre, de sol a sol, sem descanso e sem trégua. Não lhe era permitido esperar que as coisas
se fizessem: ele mesmo devia fazê-las, se as quisesse ver feitas. [...] desenvolvendo e padronizando as
aptidões trazidas [...] favorecendo os hábitos de trabalho e da iniciativa particular [...] Nasciam assim a
indústria e o comércio que em breve haveriam de colocar Ijuí na vanguarda das comunas vizinhas.
A intervenção humana veio substituir esta destinação geográfica, por uma missão histórica de maior
valia. A cultura de Ijuí, harmoniosa e uniforme desde as construções materiais até as fulgurações do
espírito criador, se há de elevar bem alto, para que se possa difundir em círculos sempre maiores por
toda esta região.
Para isto, no entanto, é necessário que todo ijuiense se compenetre de suas responsabilidades pessoais
no sentido de que Ijuí se mantenha fiel aos rumos que lhe traçaram os pioneiros de 1890 e cresça em
clima de harmonia e trabalho, sem jamais parar à espera das migalhas dos apadrinhamentos e dos
filhotismos (Paula,4 1962, p. 98).
4
Nome religioso de Mario Osorio Marques, um dos fundadores da Fafi e líderes do MCBI.
138
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
Nas raízes históricas de Ijuí, mais que em outros municípios da região, havia diversidade,
existiam diferenças culturais. Talvez, por isso, tenha sido tão forte o discurso de que somos uma
comunidade, em favor do associativismo e do cooperativismo local, de projetos comuns.
a pluralidade das etnias é que lhe atribui seu caráter desmistificador e a capacidade de se superarem
pela relativização das diferenças, pelas complementaridades recíprocas e pelo esforço com que todo
grupo social busca resposta unitária e coerente para os problemas comuns de relacionamento no
mesmo meio físico e tempo histórico, inserindo-se esse esforço nas lutas por uma estruturação global
da sociedade, de que são autores por excelência as classes sociais.
Nem tudo, entretanto, foi tão uníssono e comum. Diferenças de opinião e de posições po-
líticas se fizeram sentir. A prova está no processo de afunilamento do Movimento e do trabalho
desenvolvido, restando, ao final, não a comunidade, mas dois grandes grupos sociais que tinham
em comum serem, essencialmente, trabalhadores diretos: moradores de bairros5 e agricultores
familiares.
5
Naquele tempo, o morador de bairro era, predominantemente, trabalhador empregado.
139
EaD
Walter Frantz
rado por freis capuchinhos e que estes também não tinham o enfoque na missão religiosa.6 As
diferenças culturais, étnicas ou religiosas se somavam na luta por construírem as suas bases
comuns de vida.
Aqui, convém lembrar que, nesse período, também se desenvolvia em todo o Estado do Rio
Grande do Sul uma mobilização no meio rural, conhecida como Frente Agrária Gaúcha (FAG).
Em 1961, essa frente foi criada, sob a inspiração do episcopado católico e passou a combater as
propostas de reforma agrária, que se articulavam naquela época fora da orientação da Igreja
(Casarotto, 1977). A FAG procurava introduzir as orientações da Encíclica papal.
De acordo com Marques e Brum (1972, p. 14), a FAG surgiu “como um movimento de
conscientização e promoção dos agricultores, através da educação de base e do associativismo,
em especial sindicalização rural”. A equipe promotora do MCBI assumiu a responsabilidade dos
trabalhos da FAG, em âmbito local, embora, mais tarde, tenha ocorrido certo estremecimento nas
relações entre o MCBI e a FAG, motivado pela diferença de ideias e concepções metodológicas
(Marques, 1984).
6
Apesar de nascido de uma Ordem Religiosa, o ensino superior era laico, segundo Marques, Mario Osorio. Universidade
emergente: o ensino superior brasileiro (RS), de 1957 a 1983. Ijuí: Fidene, 1984.
140
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
A partir dessas reuniões locais surgiram os primeiros núcleos de base, grupos de vizinhan-
ça, com características comunitárias, nos quais os agricultores passavam a se reunir, ora com
a presença da equipe coordenadora do MCBI, ora sozinhos. O núcleo agregava moradores de
uma determinada comunidade do interior, identificada por uma capela, escola, clube ou alguma
outra forma de associação muitas vezes existente.
Uma vez superada a fase inicial de organização do MCBI nas localidades, isto é, nas comu-
nidades do meio rural, passou-se a motivar e a conscientizar os agricultores para o associativismo
e a sindicalização. Equipes das quais faziam parte os próprios agricultores líderes passaram a
percorrer as comunidades para explicar a doutrina e as bases do associativismo, do sindicalismo.
A estrutura que se organizou, a partir do MCBI, permitiu a mobilização, a discussão dos pro-
blemas e a realização de campanhas e encontros de agricultores para tratar com autoridades e
dirigentes de entidades, questões relativas aos seus interesses, necessidades ou objetivos: preços
e custos de produção, saúde, educação, serviços públicos, entre outros.
Anos mais tarde, assim se expressava um agricultor a respeito do MCBI: “Nós discutíamos
no início do movimento o problema da formiga na lavoura e hoje temos condições de discutir
problemas que se referem a cooperativismo, problemas nacionais e internacionais” (Marques;
Brum, 1972, p. 85). Em outra oportunidade, um agricultor afirmava: “O Movimento Comunitá-
rio de Base é um centro e uma oportunidade que o agricultor procura para melhor entender os
acontecimentos, os problemas, as dificuldades e benefícios de seu trabalho” (Marques, 1984, p.
126).
141
EaD
Walter Frantz
Observam Marques e Brum (1972) que de todas as atividades eram feitos registros e, se
necessário, encaminhamentos aos órgãos competentes, dos quais se esperava ou, se fosse o caso,
cobrava-se retorno, principalmente, por meio dos sindicatos. Esse trabalho todo constituía a base
para a participação e a influência política da comunidade organizada na prefeitura, na coopera-
tiva, na escola ou em outros órgãos públicos ou comunitários. Essa prática exigia dos políticos
locais ou dirigentes da cooperativa disposição para o diálogo e a prestação de contas.
Nos encontros mensais de lideranças rurais que, normalmente, se realizavam nas depen-
dências acadêmicas da Fafi, sob a coordenação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, mas com
a participação de pessoas ligadas ao MCBI, era solicitada a presença do prefeito, secretários da
administração municipal e dos dirigentes da Cotrijuí7 – Cooperativa Regional Tritícola Serrana
Ltda.
O MCBI pretendeu ser uma via para a população, como no caso dos agricultores, ter aces-
so a processos de tomadas de decisão. Aspirava ser um processo de construção de poder. Esse
acesso foi proposto, principalmente, pela via do associativismo, isto é, por meio da organização
sindical e cooperativa. No caso do meio rural, porém, os núcleos de base também se constituíam
em espaços de organização de seus moradores, em espaços de poder, convidando especialmente
dirigentes, técnicos ou representantes da cooperativa para debater nas localidades os mais dife-
rentes temas. Os núcleos representavam, dessa forma, um espaço de comunicação e educação,
constituindo-se a base de um poder em construção.
7
Desde 2007, denominada de Cooperativa Agropecuária & Industrial
142
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
Seção 7.2
143
EaD
Walter Frantz
Despertou em nossos agricultores a perspectiva de uma tecnificação das lavouras, em níveis de melhor
produtividade. Estando conscientizados os agricultores sobre o problema, tiveram os técnicos melhores
oportunidades de prestar seus ensinamentos, com resultados benéficos para a lavoura.
Já em 1968, de acordo com Marques e Brum (1972), iniciou-se com maior velocidade e
profundidade a regionalização do MCBI. Isso ocorreu mediante o Projeto de Organização e
Desenvolvimento de Comunidades de Base. Com esse propósito foi realizado o I Encontro de
Sindicatos Rurais da Região e o VII Encontro de Líderes de Ijuí. Acompanhando a expansão
regional da Cotrijuí, foi recomendada nesse encontro a expansão das atividades do MCBI aos
demais municípios de atuação da cooperativa. Deu-se, assim, também a aproximação dos sindi-
catos rurais com a cooperativa, no entanto não sem algumas críticas.8
Cabe registrar aqui o testemunho da crítica que alguns sindicatos faziam à direção da cooperativa, sobretudo do
8
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Tenente Portela, RS, pelo seu presidente. Trata-se de município com estrutura
fundiária de pequenas propriedades e terras nem sempre próprias à mecanização para cultivo de trigo e soja.
144
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
Não havia muito questionamento com relação ao projeto cooperativo em andamento e nem
com relação à modernização da agricultura. Além da euforia pela modernização, o ambiente
político, no Brasil, naquela época, deixava pouco espaço a posturas críticas que pudessem ser
veiculadas em relação às políticas oficiais ou aos projetos hegemônicos de cooperativismo.
Nesse contexto, estavam dadas, na verdade, as condições necessárias para uma colaboração
mais formal entre a Cotrijuí e a Fidene – Fundação de Integração, Desenvolvimento e Educação
do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – mantenedora do núcleo de ensino superior.
Além de ser uma mantenedora de ensino superior na região, porém, a Fundação tem também
entre seus objetivos o desenvolvimento regional. Nesse sentido, em 1970 foi assinado um convênio
de colaboração mútua entre as duas entidades. A assinatura do convênio pode ser compreen-
dida no contexto de expansão regional da cooperativa pela senda da modernização agrícola. A
Fidene assumiu “o compromisso de executar, na área de atuação da Cotrijuí, através do Instituto
de Educação Permanente, ação continuada de motivação, e educação cooperativista, junto aos
agricultores da área e seus familiares, de comum acordo com os planos da Cotrijuí”.9
Essa colaboração foi possível e conveniente à cooperativa, devido aos conteúdos da ação
educativa do MCBI, essenciais ao seu desenvolvimento. Uma vez de posse da herança do movi-
mento comunitário, contudo, esta foi transformada em um valioso instrumento de gestão de suas
relações com o associado e em espaço de educação, de qualificação técnica de seus associados.
Pelo convênio passou-se a fazer a propagação da doutrina cooperativista, identificando-a, cada
vez mais, com a existência da Cotrijuí e a sua própria atuação. A organização dos núcleos de base,
que constituíam um sistema de comunicação e educação do Movimento Comunitário, passou
também a servir, cada vez mais, às necessidades de comunicação e educação dos projetos da co-
9
Convênio Cotrijuí-Fidene: arquivos do Museu Antropológico Diretor Pestana. Fidene/Unijuí.
145
EaD
Walter Frantz
Igualmente, de cada lado estiveram também pessoas com seus interesses, projetos, suas
histórias, seus objetivos e razões específicas, que se refletiam na estrutura e funcionamento des-
sas instituições. Para além das intenções expressas do convênio, guardavam-se, de cada lado,
outras intenções, presentes ou fundadas na origem e história da cooperativa, no ensino superior
da região e no Movimento Comunitário de Base de Ijuí. Eram intenções voltadas à democracia,
à liberdade de organização e de expressão que ultrapassavam a perspectiva de mera instrumen-
talização do trabalho educativo.
146
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
condicionado, fortemente, pelo contexto dessa realidade. Expandiu-se pela senda da moderniza-
ção da cultura do trigo e da soja na propriedade rural familiar, sendo ela, assim, de certa forma
e ao mesmo tempo, causa e efeito desse processo.
Aliás, de sua criação já haviam participado pequenas cooperativas locais. Eram quase nulas
as chances de sobrevivência das pequenas cooperativas, no contexto das políticas de moderniza-
ção agrícola pela monocultura do binômio trigo-soja. Ao aderirem ao binômio trigo-soja, pouco
espaço de opção restava às pequenas cooperativas, assim como aos seus associados, no contexto
da época, além da sua incorporação à Cotrijuí e da integração a seus planos e projetos.
Todo esse processo de expansão foi sempre acompanhado por atividades de comunicação
e educação, seja por meio da organização de núcleos, de comissões ou grupos de trabalho. Na
fronteira da expansão estavam sempre presentes as atividades de mobilização, de motivação, de
pregação do cooperativismo, de educação para a cooperação.
Pode-se afirmar que da ação educativa do MCBI passou-se à ação instrumental na Cotrijuí.
O MCBI, junto aos agricultores, desfez-se como movimento, pela identificação de seus objetivos
com os planos e os objetivos da Cooperativa. Esgotou-se, lentamente, na medida em que passou
a ser instrumento das atividades dos planos da Cotrijuí. Certamente esse processo também inver-
teu o fluxo de poder da estrutura de organização e boa parte de sua base política transformou-se
em base burocrática, de natureza administrativa. A instrumentalização operacional se impôs à
função política da organização dos agricultores.
147
EaD
Walter Frantz
Sem dúvida, o MCBI teve o mérito histórico de contribuir para o debate sobre o coopera-
tivismo em si, sobre a participação política dos associados, sobre a comunicação e educação em
cooperativas enfim sobre gestão de organizações cooperativas, enquanto associações e empresas.
E talvez nisso resida ainda hoje o seu valor, no entanto a sua origem e o seu conteúdo lhe dão
um caráter específico e, por isso, não podem servir, simplesmente, de modelo a ser copiado ou
transposto. A sua origem histórica, o seu sentido pedagógico, a sua marca mais política e crítica,
a sua dimensão mais mobilizadora e motivadora, antes o credencia como referência orientadora
de reflexão do que como modelo a ser reproduzido.
Enfim, pode-se constatar que o Movimento Comunitário de Base se diluiu no tempo e nas
próprias ações, como é da natureza dos movimentos sociais, entretanto, penetrou e se incorporou
na cultura organizacional e na política de associações e organizações, de grupos sociais, na ex-
periência das pessoas em lidar com as questões sociais e comunitárias. Constituiu-se em marco
histórico de referência para as práticas educativas em organizações cooperativas, especialmen-
te para a organização de departamentos de educação e comunicação em muitas cooperativas
brasileiras.
A Unijuí, por meio de seus programas de extensão universitária, sempre dedicou atenção
especial à organização social, ao desenvolvimento comunitário, sobretudo ao associativismo e
ao cooperativismo. Muitos projetos e atividades da Unijuí, hoje, só podem ser explicados ou en-
tendidos fazendo-se referência ao MCBI. Este pode ser considerado o marco histórico inicial de
envolvimento mais significativo da universidade com a questão do cooperativismo. Está muito
relacionado, inclusive, com a própria identidade e o projeto de instalação do ensino superior na
região (Marques, 1984).
148
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
Síntese da Unidade 7
149
EaD
Unidade 8
associativismo, cooperativismo e economia solidária
Seção 8.1
Concepções de Universidade
1
Para refletir sobre universidade valho-me de ideias e concepções já expressas no texto “O processo de construção
de um novo modelo de universidade: a universidade comunitária”, de minha autoria, publicado in: Ristoff, Dilvo;
Severgnani, Palmira (Orgs.). Modelos Institucionais de educação Superior (Coleção Educação Superior em Debate
v. 7), Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2006.
2
Artigo 207 da Constituição Brasileira de 1988.
151
EaD
Walter Frantz
De modo mais específico, o artigo 43, incisos VI e VII da Lei 9394/96, explicita que cabe
à universidade estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em particular os
nacionais e regionais, prestar serviços especializados à comunidade e estabelecer com esta uma
relação de reciprocidade; promover a extensão, aberta à participação da população, visando à
difusão das conquistas e benefícios resultantes da criação cultural e da pesquisa científica e
tecnológica.
De acordo com o Artigo 4, incisos VII e VIII, da terceira versão do anteprojeto da reforma
universitária, cabem à universidade a promoção da extensão, como processo educativo, cultural e
científico, em articulação com o ensino e a pesquisa, a fim de viabilizar a relação transformadora
entre universidade e sociedade; a valorização da solidariedade, da cooperação, da diversidade
e da paz entre indivíduos, grupos sociais e nações.4
Assim sendo, pelos caminhos da legislação e do debate sobre o lugar e o papel da univer-
sidade na sociedade brasileira, pode-se concluir pela importância da responsabilidade social do
fazer universitário e pelos valores que sua ação deve assumir como orientação da sua relação com
o processo de desenvolvimento da sociedade. Pode-se concluir que o Brasil quer uma universi-
dade “entrelaçada” com todas as dimensões da dinâmica do desenvolvimento social. Ao garantir
base legal à relação universidade e comunidade, no entanto, o legislador deixou a definição e as
especificações das práticas sociais a cargo de cada tempo e lugar do fazer universitário e como
desafio à organização e à gestão dessa instituição com amplas e profundas responsabilidades
sociais.5
3
Aqui, entendo por práticas sociais as atividades ou projetos que decorrem da relação ou inserção da universidade,
via extensão, na dinâmica cultural, política ou econômica, especialmente junto as populações e movimentos sociais
que têm como objetivo a melhora ou qualificação de suas condições de vida. Não se pode desconhecer, porém, que
ensino e pesquisa também são práticas sociais.
4
Disponível em: <http://www.andes.org.br/imprensa/arquivo/default_reforma_universitaria.asp>. Acesso em: 30 jul.
2010.
5
Artigo 53 da Lei 9394/96.
152
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
mais amplo. Da dinâmica dessa relação, do exercício de seus interesses e poderes, certamente,
nascem também concepções de universidade e de suas práticas de extensão. Consequentemente,
não haverá uma definição única e as práticas de extensão serão as mais diversas.
Nesse cenário, a extensão, na minha visão, pode ou deve ser vista como uma ação política
de presença da universidade no processo de desenvolvimento, isto é, como uma presença ativa
e construtiva de intervenção da universidade na dinâmica do desenvolvimento da sociedade. A
extensão pode ser compreendida como uma ação-reflexão no processo de desenvolvimento da
sociedade. A extensão vivifica a relação da universidade com a sociedade, especialmente em
âmbitos locais ou regionais.
Na visão de Mauro Santayana (1994, p. 12), o papel da universidade deve ser “o de estimular
e desafiar a razão, o de libertar a inteligência para a plenitude de sua possibilidade e, mais do
que tudo, para a descoberta apaixonada do outro, esse nosso parceiro na imensa e enigmática
aventura de viver”.
Assim, sob essa perspectiva a universidade deve ser um lugar de afirmação do diálogo, da
argumentação, entre os seres humanos, no campo da Filosofia, da ciência, da arte, da política,
da educação, da economia ou outras dimensões da vida, tendo por denominador comum a li-
berdade. A argumentação deve ter um sentido epistemológico, de construção de conhecimento,
mas também de sua própria construção e reconstrução como instituição.
[...] a universidade não tem apenas objetivos, ela tem um sentido que emana da própria natureza
intelectual e espiritual do homem. Portanto, é preciso que a universidade não permaneça somente
atrelada aos reclamos da comunidade, por que ela tem que atender a valores do saber, do espírito, que
transcendem os momentos históricos de uma comunidade.
153
EaD
Walter Frantz
Seção 8.2
154
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
paira no ar uma paradoxal relação entre a desconstrução de muitos valores tradicionais e a aspiração
por novos princípios orientadores da ação e do comportamento humanos. [...] Onde apenas reina o
indivíduo com seus interesses egoístas, vale a lei do mais forte e instala-se um Darwinismo social
que oprime tanto quanto o autoritarismo anterior do qual o homem sempre quis libertar-se. Por isso,
estamos à busca de novos caminhos, de novos princípios que regulem a convivência social de forma
democrática e justa. É preciso rever e repensar os costumes e as normas, gerar um novo ethos, refundar
a ética. Em que termos isso deve ser feito e sobre que fundamentos é uma das preocupações centrais
da cultura contemporânea.
Sob esses aspectos, pode-se dizer que deste contexto nascem enormes desafios éticos à
humanidade atualmente. Esse contexto desafia também a universidade, sob diferentes ângulos,
entre os quais o de reafirmar o seu compromisso com a ética. A universidade deve ser um campo
de luta, pela via do ensino, da pesquisa e da extensão, em favor da superação das contradições
do fazer humano. A universidade não pode conviver, silenciosamente, com os atuais rumos do
desequilíbrio social e ambiental que ameaçam a sociedade humana contemporânea.
Do reconhecimento dessa realidade nascem os maiores desafios, não só aos dirigentes, mas
a todos os integrantes da comunidade acadêmica. Esse é um dos núcleos centrais da gestão uni-
versitária, tanto de seus aspectos políticos quanto econômicos. A gestão universitária consiste em
um processo complexo de dimensões culturais, políticas, sociais e técnicas. A gestão universitária
não pode ser reduzida apenas a uma dimensão particular desse complexoou a uma operação de
funções técnicas. A prática de gestão universitária desafia a percepção de todos os sentidos e
significados da universidade. Como tal, envolve a todos os integrantes da universidade.
155
EaD
Walter Frantz
A universidade não deve ser “atrelada” a grupos de interesses, sejam eles do campo da
política ou da economia. Antes disso, à universidade está colocado o desafio de se somar ao
grande movimento social que tenha como orientação a superação constante das contradições
sociais que interfiram, negativamente, na qualidade de vida e de sua sustentabilidade, em todas
as suas dimensões.
Neste sentido, Thomas Assheuer (2009, p. 24-25) em artigo sobre Jürgen Habermas, por
ocasião do 80º aniversário do filósofo alemão, comenta:
De um lado, Habermas admira as sociedades modernas, pois elas – fato histórico singular – impuseram
processos democráticos e ampliaram a “área de ação” discursiva da razão comunicativa. Mas, por
outro lado, as sociedades modernas têm de ser temidas, pois seus sistemas funcionais desenvolvem um
excesso de poder. As pressões capitalistas do mercado chocam com a autodeterminação democrática.
[...] O dinamismo sufocante do capitalismo e também a técnica e a ciência empurram a sociedade
para a frente. Mas, ao mesmo tempo, parte destes “sistemas” complexos é uma ameaça invisível. Eles
assediam o “mundo da vida” – necessitado de zelo – dos cidadãos. Seus cálculos de proveito infil-
tram as velhas “tradições inconscientes-cientes” e fixam-se na esfera pré-política, na vida privada e
na família. Em resumo: a vida moderna encerra uma contradição. Seus sistemas aliviam da miséria
material, mas ao mesmo tempo, quase não podem ser conciliados com o dia-a-dia ou invadem como
“senhores coloniais” os “poros” de formas consagradas de vida, infiltrando-as através da comerciali-
zação, da burocratização e do cientificismo. Transpondo às relações de hoje, isto significa: uma forma
de “colonização” econômica está inerente à reivindicação de que a sociedade tem de ser organizada
como um centro de lucro, do berço ao túmulo. O mesmo é válido para a brutal transformação das
universidades, visando “eficiência”.
156
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
os seres vivos entrelaçam necessidades e desejos [...]. Os socialismos “reais” não souberam levar isso
em conta, trabalhando unilateralmente com a priorização das necessidades elementares. Por outro
lado, o capitalismo sempre foi mestre em manipular desejos e postergar a satisfação das necessidades
elementares.
Tudo o que se torna possível na sociedade é transportado para o horizonte do indivíduo. Tudo está
na esfera do pessoal. No meio de uma grande flexibilidade, confina-se esse mesmo indivíduo a uma
micromoral individualista que o impede de construir referentes e estabelecer responsabilidades sobre
o que acontece em esferas de caráter mais global. Dessa forma, ninguém, aparentemente, parece res-
ponsável pelo que acontece, porque um olhar pretensamente científico mostra esses acontecimentos
como sendo orientados pela ciência e pelo conhecimento.
Segundo Herbert Marcuse (1973, p. 28), quanto mais racional, produtivo, técnico e total
se torna o controle da sociedade, tanto mais inimagináveis se tornam os modos e os meios pelos
quais os indivíduos controlados poderão romper sua submissão ao poder dessa racionalidade,
157
EaD
Walter Frantz
pois a superação dessa situação depende da sua compreensão crítica, “e o surgimento dessa
consciência é sempre impedido pela predominância de necessidades e satisfações que se torna-
ram, em grande parte, do próprio indivíduo”.
Hoje, mais que nunca, cultura e poder se fundem pelos laços da lógica da economia de
mercado. Aqui, cabe perguntar sobre os limites e as possibilidades de reação, especialmente, dos
agricultores familiares, diante do poder de modelar e definir a maneira de se perceber e interpretar
o mundo. Qual o lugar e a função da organização cooperativa no processo de uma reação?
Segundo Mejía (1996, p. 58), [...] “parte da tarefa é reinventar novos paradigmas”, no
entanto, afirma o autor (p. 58-59):
Não existem certezas para os novos caminhos, nem segurança para os novos passos. [...] É preciso
encher-se da paciência de um relojoeiro para reconstruir os interesses dos sujeitos, hoje pluralizados,
para inventar uma nova capacidade de organização com outras formas, formas que nos falem de uma
pluralidade em ampliação, e para entender que a diversidade, mais do que limitar, enriquece.
Aceito a ideia de que a organização cooperativa é uma das expressões mais concretas do
movimento de alternativa para a humanidade, diante da frustração e do fracasso dos grandes
sistemas. O movimento cooperativo busca recolocar a economia dos interesses dos indivíduos
livres, mediante relações culturais, políticas, sociais e econômicas fundadas na cooperação dos
que trabalham. Isto é, o movimento cooperativo defende a economia dos interessados: do trabalho
e não do capital. A economia dos interesses dos indivíduos livres e não do capital é estimulada
pela cooperação, pela associação das individualidades.
Os setores mais avançados da economia popular não ignoram a existência das relações mercantis e
capitalistas dominantes e não pretendem desconectar-se do mercado capitalista, e tampouco se perce-
bem como um modo eficaz de integração a este último. Eles chegaram à conclusão de que para tornar
viável um projeto alternativo de sociedade – em que os pobres possam obter o que lhes foi recusado
até hoje – era necessário que adquirissem, simultaneamente com as formas municipais e sociais de
organização (isto é, suas formas pragmáticas de reação e de organização), uma certa autonomia de
reprodução cultural e material.
158
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
É importante percebermos que a economia é algo construído e não dado. Que é algo inaca-
bado, dinâmico, submetido a interesses. A economia é um espaço entrecruzado de poder técnico
e de poder político, no qual atuam os seus agentes e que é produzido a partir do conhecimento
dessa dupla dimensão: a técnica e a política. Na modernidade foi colocado o interesse no lugar
da necessidade como nova base para a economia. Assim sendo, a sociedade moderna é fundada
na economia do interesse e da liberdade dos indivíduos.
Aconteceu, contudo, que a lógica do capital se estabeleceu como motivação para a produ-
ção e a distribuição dos bens e das riquezas. O processo da competição e o espaço do mercado
passaram a ser submetidos aos interesses do capital. A competição deixou de ser uma relação
entre as economias dos interessados e passou a ser uma relação entre capital e trabalho ou uma
relação de concorrência entre capitais. O capital apropriou-se do espaço da liberdade e fez valer
o seu interesse: a economia da acumulação capitalista. O capitalismo acentuou o individualismo,
fragilizando os laços sociais de poder dos indivíduos livres.
Adverte Houtart (2001, p. 22) que “a lógica dominante da organização da economia, cons-
truída sobre o lucro, a competitividade, a eliminação dos fracos e a exaltação dos vencedores,
tende a absorver para o seu caminho as novas iniciativas exitosas”.
159
EaD
Walter Frantz
também uma dimensão política, atrelada aos interesses do trabalho das pessoas. Da mesma
forma, a dinâmica social cooperativa pode se constituir em espaço de educação, cuja Pedagogia
conduza a uma nova cultura do trabalho, uma nova cultura de produzir e distribuir riquezas,
que permita resgatar o trabalho pela lógica da vida, sem desconhecer os desafios da tecnologia
e das técnicas de sua qualificação.
Os seres humanos estão postos diante do desafio de construir um novo paradigma de orien-
tação para a humanidade: a construção de uma alternativa em novas bases de relações culturais,
sociais, políticas e econômicas. O novo paradigma passa pelo caminho da organização coopera-
tiva, da responsabilidade social. Isso implica profundas mudanças na concepção, organização e
funcionamento da sociedade atual.
Penso que os seres humanos estão desafiados à construção de novos referenciais para sua
atuação na sociedade em transformação. Acredito que para a maioria da população impõe-se o
desafio da construção de um novo projeto de sociedade. Creio que a sobrevivência das pequenas
economias depende, cada vez mais, de novas formas de organização, de novas tecnologias de
produção, de novos mecanismos de comercialização, de novos mercados, porém menos domi-
nados pela lógica dos interesses do capital.
A construção dos novos caminhos, entretanto, não começa com respostas prontas, com
certezas ou verdades. Inicia-se pela dúvida, pela experiência dos erros, pela coragem da crítica
e da autocrítica. Acredito que não se tenha podido, até aqui, entender e aproveitar de todo o
potencial de uma economia cooperativa. De certa forma vive-se, hoje, a ausência de um projeto
global de sociedade para a maioria da população (Mejía, 1996).
Para finalizar o texto gostaria de mencionar que, ao longo de séculos de ciência, atrelada
aos interesses econômicos, a vida dos seres humanos foi “drenada”, à semelhança da drenagem
de um banhado, pelos sulcos das teorias com pretensão de certezas absolutas. No decorrer dos
séculos, o valor de uso das coisas foi submetido ao valor de troca das coisas: no lugar da vida
foi colocada a busca do lucro, simplesmente. Existem possibilidades de reação? Certamente, ao
lado dos limites, existem as possibilidades de reação. Isto é, apesar dos condicionantes, pode-
se agir sobre a dinâmica social. Os seres humanos têm em si a possibilidade da criatividade,
da capacidade de reação. Pela criatividade e pela reação podem agir sobre os condicionantes
adversos às necessidades e interesses.
Existe uma energia que se forma na relação entre os seres humanos, a partir de suas neces-
sidades, interesses, desejos, etc. Isso, no entanto, não é dado a priori: trata-se de um processo pelo
qual os seres humanos constroem seus caminhos de vida. Nessa dinâmica estão os pensamentos,
os valores, os conhecimentos, as ciências, a educação, a política, a economia, a arte, etc.
160
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
Na raiz da dinâmica social existe um processo dialético que pode conter a força da cons-
trução e da destruição, da afirmação e da negação/superação. A geração de consciência política
pode ser expressa em ações individuais e coletivas. As formas de ação podem ser concorrenciais
ou cooperativas. Dentre as certezas que os seres humanos podem ter em sua vida está a de que
não têm todo o poder individual para resolver todos os problemas da vida, surgidos nos tempos
e lugares dos espaços humanos. Porém, cooperativamente, podemos aumentar esse poder.
Os seres humanos podem atuar sobre os seus problemas, porém, para isso, precisam mais
de cooperação que de concorrência. A concorrência entre os seres humanos têm suas raízes nos
seus instintos. A organização e as ações dos seres humanos, todavia, não podem ter como funda-
mento apenas os seus instintos, ainda que instrumentalizados por normas e leis ou amparados
em teorias sociais.
É preciso humanizar mais a vida. A humanização da vida tem suas raízes na cooperação.
Aqui está um grande desafio aos seres humanos, hoje: o desafio de se fazerem construtores da
humanização, superando as normas e as leis que vêm das bases instintivas da vida, superando
sua mera instrumentalização a serviço de uma sociedade que não consegue abrigar uma vida
digna para todos. Nesse contexto, um dos grandes desafios aos seres humanos, hoje, é o de
substituir as relações instintivas de concorrência pelas relações de respeito, de solidariedade e
de cooperação entre os seres humanos e destes com o restante da natureza. Enfim, construir a
cooperação, a solidariedade como princípio básico de vida.
161
EaD
Walter Frantz
Síntese da Unidade 8
162
EaD
Referências
associativismo, cooperativismo e economia solidária
ASSMANN, Hugo. Reencantar a educação. Rumo à sociedade aprendente. 2. ed. Petrópolis, RJ:
Vozes, 1998.
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.
BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. São Paulo: Ed. 34, 2010.
BONETI, L. W. Estado e exclusão social hoje. In: ZARTH, P. A. et al. Os caminhos da exclusão
social. Ijuí: Ed. Unijuí, 1998. p. 9-44.
BOUFLEUER, José Pedro. Pedagogia da ação comunicativa: uma leitura de Habermas. Ijuí: Ed.
Unijuí, 1997.
BRUM, Argemiro Jacob. Unijuí. Uma experiência de universidade comunitária. Sua história,
suas idéias. 2. ed. Ijuí, RS: Ed. Unijui, 1998.
BUARQUE, Cristóvam. A aventura da universidade. São Paulo: Editora da Unesp; Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1994.
163
EaD
Walter Frantz
BURR, Carlos. Las Cooperativas: una Economía para la Libertad. Santiago de Chile: Editorial
de Pacífico, 1965.
CASAROTTO, Irmão C. Marcílio. Irmão Miguel Dario. “O Irmão dos Agricultores”. Porto Alegre:
Publicação da Província Marista de Porto Alegre, 1977.
DEMO, Pedro. Solidariedade como efeito de poder. São Paulo: Cortez; Instituto Paulo Freire.
2002.
ESTIVILL, J. Panorama da luta contra a exclusão social. Conceitos e estratégias. Genebra: Bureau
Internacional do trabalho, 2003. 140 p.
FÁVERO, Osmar. Uma pedagogia da participação popular: análise da prática educativa do MEB
– Movimento de Educação de Base (1961/1966). Campinas, SP: Autores Associados, 2006.
FAUST, Helmuth. Geschichte der Genossenschaftsbewegung: Ursprung und Aufbruch der Genos-
senschaftsbewegung in England, Frankreich und Deutschland sowie ihre weitere Entwicklung
im deutschen Sprachraum. 3. ed. Frankfurt am Main: Knapp, 1977. 782p.
FRANTZ, Walter. O cooperativismo e a prática cooperativa. In: Perspectiva Econômica, ano XIX,
n. 51, Série Cooperativismo, n. 16, p. 53-70, São Leoplodo: Unisinos, 1985.
164
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
FRANTZ, Walter. Organização e poder em cooperativas. In: Contexto e Educação, Ijuí: Ed. Unijuí,
ano 1, n. 3, jul./set. 1986, p. 56-66, 1986.
FRANTZ, Walter. A organização cooperativa: campo de educação e espaço de poder. In: Jornada
de Pesquisa, 4. Livro de Resumos. Ijuí: Ed. Unijuí, 1999. p. 59-60.
FRANTZ, Walter. Educação e cooperação: práticas que se relacionam. In: Sociologias, Porto
alegre: UFRGS, ano 3, n. 6, jul./dez. 2001.
FRANTZ, Walter. Organização cooperativa. Campo de educação e espaço de poder. In: Perspectiva
Econômica, vol. 37, n. 119, Série Cooperativismo n. 52, p. 65-84. São Leopoldo, RS: Unisinos,
2002.
FRANTZ, Walter. Reflexões em torno da agricultura familiar. In: ANDRIOLI, Antônio Inácio (Org.).
Tecnologia e agricultura familiar: uma relação de educação. Ijuí: Ed. Unijuí, 2009. p. 137-187.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 41. ed. São Paulo:
Cortez, 2001.
GOERGEN, Pedro. Pós-modernidade, ética e educação. 2. ed. revista. Campinas, SP: Autores
Associados, 2005.
GUANZIROLI, Carlos et al. Agricultura familiar e reforma agrária no século XXI. Rio de Janeiro:
Garamond, 2001.
HABERMAS, Jürgen. Technik und Wissenschaft als Ideologie. 10. Auflage, Frankfurt am Main:
Suhrkamp, 1979.
HOUTART, François. A economia solidária em seu contexto global. In: Ciências Sociais, Unisinos,
v. 37, n. 159, p. 11-25, 2001.
HOLYOAKE, Georges Jacob. Historia de los Pioneros de Rochdale. Buenos Aires: Intercoop,
1975.
JAHODA, Marie. Socialização. In: OUTWAITE, W.; BOTTOMORE, T. et al. Dicionário do Pen-
samento Social do Século XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1996. p. 711.
JÄGER, Jill. Was verträgt unsere Erde noch? Wege in die Nachhatigkeit. Frankfurt am Main:
Fischer Taschenbuch Verlag, 2007.
165
EaD
Walter Frantz
LEBRET, Louis-Joseph. Manifesto por uma civilização solidária. São Paulo: Duas Cidades,
1961.
LÉVY, P. A ideografia dinâmica. Rumo a uma imaginação artificial? São Paulo: Edições Loyola,
1997. 228 p.
LÉVY, Pierre. A inteligência coletiva. Por uma antropologia do ciberespaço. 2. ed. São Paulo:
Edições Loyola, 1999.
LIBÂNEO, José Carlos. Pedagogia e pedagogos, para quê? São Paulo: Cortez, 1988.
MACHADO, Roberto. Introdução. Por uma genealogia do saber. In: FOUCAULT, Michel. Micro-
física do poder. Organização e tradução de Roberto Machado. 14. ed. Rio de Janeiro: Edições
Graal, 1999.
MANNHEIM, Karl. O homem e a sociedade. Estudos sobre a estrutura social moderna. Rio de
Janeiro: Zahar Editores, 1962.
MARQUES, Mario Osório; BRUM, Argemiro Jacob. Uma comunidade em busca de seu caminho.
Porto Alegre: Sulina, 1972.
MARQUES, Mario Osorio. Universidade emergente. O ensino superior brasileiro em Ijuí (RS),
de 1957 a 1983. Ijuí, RS: Fidene, 1984.
MARQUES, Mario Osorio. Introdução. In: FISCHER, Martin. Etnias diferençadas na formação
de Ijuí. Ijuí: Ed. Unijui, 1987.
MARQUES, Mario Osorio. Escrever é preciso. O princípio da pesquisa. Ijuí: Ed. Unijuí, 1998.
166
EaD
associativismo, cooperativismo e economia solidária
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto comunista. In: Estudos Avançados, vol. 12, n. 34,
set./dez. p. 7-46, 1998.
MEJÍA, Marco Raúl. A transformação social: educação popular no fim do século. São Paulo:
Cortez, 1996.
MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2000a.
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez; Brasília,
DF: Unesco, 2000b.
PAULA, Frei Matias de S. F. de. Condicionamento geográfico de Ijuí. In: Ijuí 1912-1962 – 50 Anos.
Edição histórica. Ijuí: Empresa Gráfica Michaelsen, 1962. p. 97-98. (Acervo MADP).
PINTO, L. de A. C. Mundo pós-moderno: notas para discussão e registro histórico. In: MAIO, M.
C.; BÔAS, G. V. (Org.). Ideais de modernidade e sociologia no Brasil: ensaios sobre Luiz Aguiar
Costa Pinto. Porto Alegre: Ed. Universidade; UFRGS, 1999. p. 13-19.
RIFKIN, J. Fim dos empregos: o declínio inevitável dos níveis dos empregos e a redução da força
global de trabalho. São Paulo: Makron Books, 1995. 348 p.
RIZEK, Cibele Saliba. Introdução. In: CASTEL, R. As metamorfoses da questão social. Uma
crônica do salário. Petrópolis: Vozes, 1998.
ROCHE, J. A colonização alemã e o Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Editora Globo, 1969. Vol.
I e II.
SABOURIN, Eric. Camponeses do Brasil: entre a troca mercantil e a reciprocidade. Rio de Ja-
neiro: Garamond, 2009.
SOETHE, José Renato. Dialética e C&T: subjetividade e pedagogia. Cadernos Cepope, São Le-
opoldo: Unisinos, ano 8, n. 13, 1996. (Série Movimento Sociais e Cultura).
167
EaD
Walter Frantz
SINGER, P.; SOUZA, A. R. (Orgs.). A economia solidária no Brasil: a autogestão como resposta
ao desemprego. São Paulo: Contexto, 2000.
SINGER, P. Uma utopia militante: repensando o socialismo. Petrópolis, RJ: Vozes, 182 p. 1998.
THUME, V. et al. Ação coletiva para viabilização da agricultura familiar no município de São
Paulo das Missões – Noroeste do RS. Realidade Rural, (43): 9-64, 2005.
VESTER, Michael. Die Entstehung des Proletariats als Lernprozess. Die Entstehung antikapi-
talistischer Theorie und Praxis in England 1792-1848. 3. ed. Frankfurt am Main: Europäische
Verlagsanstalt, 1975.
ZARTH, Paulo Afonso. História, agricultura e tecnologia no noroeste do Rio Grande do Sul. In:
ANDRIOLI, Antônio, Inácio (Org.). Tecnologia e agricultura familiar: uma relação de educação.
Ijuí: Ed. Unijui, 2009. p. 51-75.
ZITKOSKI, Jaime José. Diálogo/dialogicidade. In: STRECK, Danilo; REDIN, Euclides; ZIT-
KOSKI, Jaime José (Orgs.). Dicionário Paulo Freire. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2008,.
p. 130-131.
168