Você está na página 1de 3

Dagon – H.P.

Lovecraft durante inúmeros milhões de anos haviam ficado escondidas sob profundezas aquáticas
Estou escrevendo isto sob uma grande tensão mental, já que nesta noite eu insondáveis. Tão grande era a extensão da nova terra que se elevara abaixo de mim, que eu
não deverei mais existir. Sem um centavo, e no fim do meu suprimento de remédio que por não pude detectar o mais tênue ruído do oceano, por mais que forçasse os ouvidos.
si só consegue tornar minha vida tolerável, eu já não consigo suportar mais a tortura; e Também não havia qualquer ave marinha para devorar as coisas mortas.
devo me atirar dessa janela do sótão em direção a rua esquálida lá embaixo. Não pense que Durante muitas horas eu fiquei sentado pensando e remoendo no barco, que estava
por causa da minha escravidão à morfina eu seja um fraco ou um degenerado. Quando você caído de lado e proporcionando um pouco de sombra à medida que o sol se movia pelos
tiver lido estas páginas rabiscadas às pressas você poderá imaginar, porém nunca perceber céus. No decorrer do dia o chão perdeu um pouco da sua viscosidade, e pareceu que
completamente, o motivo pelo qual eu preciso ter o completo esquecimento ou a morte. provavelmente, num curto espaço de tempo, se tornaria seco o suficiente para o propósito
Foi num dos trechos mais abertos e pouco frequentados do extenso Pacífico, que de viajar. Naquela noite eu dormi, mas pouco, e no dia seguinte fiz para mim mesmo um
o paquete do qual eu era comissário de bordo foi vítima de um navio corsário alemão. A pacote contendo comida e água, preparações para uma jornada terrestre em busca do mar
grande guerra estava até então bem no seu início, e as forças oceânicas dos Hunos não desaparecido e de um possível resgate.
haviam afundado completamente para as suas degradações posteriores; de modo que nossa Na terceira manhã eu achei o solo seco o suficiente para caminhar sobre ele com
embarcação se tornara um legítimo prêmio, enquanto nós da tripulação fomos tratados com facilidade. O odor dos peixes era enlouquecedor; mas eu estava preocupado demais com
toda a equidade e consideração devida a nós como prisioneiros navais. Era tão liberal, de coisas mais graves para me importar com um mal tão leve, e parti corajosamente rumo a
fato, a disciplina dos nossos captores, que cinco dias após termos sido tomados, eu um objetivo desconhecido. Durante todo o dia eu caminhava firmemente na direção oeste,
consegui escapar sozinho num pequeno barco com água e suprimentos para um bom guiado por um outeiro distante que se elevara mais alto que qualquer outra elevação no
período de tempo. deserto ondulado. Naquela noite eu acampei, e no dia seguinte ainda viajei em direção ao
Quando finalmente me encontrei à deriva e livre, eu não tinha a mínima ideia do outeiro, embora aquele objeto parecesse estar pouca coisa mais perto do que da primeira
que me rodeava. Nunca um navegador competente, eu só podia adivinhar vagamente pelo vez em que eu o espiei. Pela quarta noite eu atingi a base do monte, que acabou sendo
sol e pelas estrelas que eu estava um pouco ao sul do Equador. Da longitude eu nada sabia, muito mais alto do que parecera à distância; um vale interposto destacava seu perfil da
e nenhuma ilha ou linha costeira estava à vista. O tempo se manteve firme, e por superfície geral. Exausto demais para subir, eu dormi na sombra da colina.
incontáveis dias eu flutuei sem direção debaixo do sol escaldante; esperando ou por algum Não entendo por que meus sonhos foram tão agitados naquela noite; mas antes da
navio passageiro, ou ser atirado às praias de alguma terra habitável. Mas nem navio ou curva fantasticamente acentuada da lua minguante ter-se erguido muito acima do lado
terra apareceu, e eu comecei a me desesperar em minha solidão sobre a vastidão ondulante oriental da planície, eu fui acordado num suor frio, determinado a não dormir novamente.
de interminável azul. Tais visões as quais eu havia experienciado eram demais para suportar novamente. E sob o
A mudança aconteceu enquanto eu dormia. Seus detalhes eu jamais saberei; já o brilho do luar eu percebi o quão imprudente eu havia sido por viajar durando o dia. Sem o
meu sono, apesar de perturbado e infestado de sonhos, era contínuo. Quando finalmente brilho do sol abrasador, minha jornada teria me custado menos energia; na verdade, eu
acordei, foi para me encontrar sugado pela metade numa extensão viscosa de lama negra agora me sentia bastante capaz para realizar a subida que me havia intimidado ao
infernal, que se estendia em monótonas ondulações até onde minha vista alcançava, e na entardecer. Apanhando minhas provisões, eu parti para a crista da elevação.
qual meu barco estava enterrado com certa distancia. Eu já disse que a monotonia constante da planície ondulada era uma fonte de
Embora alguém pudesse muito bem imaginar que a minha primeira sensação seria horror vago para mim, mas acho que meu horror foi maior quando alcancei o cume do
de surpresa com uma transformação tão prodigiosa e inesperada de cenário, eu estava na monte e olhei para o outro lado, para um imensurável fosso ou desfiladeiro, cujos recessos
realidade mais horrorizado do que surpreso; pois havia no ar e no solo apodrecido uma negros a lua ainda não havia se erguido o suficiente para iluminar. Eu me senti no limiar do
característica sinistra que me gelou até o âmago. A região estava pútrida com as carcaças mundo, olhando sobre a borda para um caos insondável de noite eterna. Pelo meu terror
de peixes em decomposição, e de outras coisas menos descritíveis que eu vi protuberando passaram curiosas reminiscências do Paraíso Perdido e da hedionda ascensão de Satã
da desagradável lama da planície sem fim. Talvez eu não devesse esperar transmitir em pelos reinos indecorosos das trevas.
meras palavras o horror inexprimível que pode habitar num silêncio absoluto e na À medida que a Lua subiu mais alto no céu, eu comecei a notar que as encostas do
imensidão estéril. Não existia nada ao alcance do ouvido, e nada a vista salvo uma vasta vale não eram tão perpendiculares quanto eu havia imaginado. Ressaltos e afloramentos da
extensão de lodo preto; contudo a própria plenitude da quietude e a homogeneidade da rocha forneciam apoios razoavelmente fáceis de pés para uma descida, enquanto após um
paisagem me oprimiram com um medo nauseante. mergulho de algumas centenas de pés, o declive se tornou bastante gradual. Impelido por
O sol estava brilhando de um céu que me parecia quase preto em sua crueldade um impulso que não consigo definitivamente analisar, desci com dificuldade pelas rochas e
sem nuvens; como se refletisse o pântano manchado sob os meus pés. Enquanto eu me parei na encosta menos íngreme abaixo, fitando as profundezas tenebrosas onde nenhuma
rastejava em direção ao barco encalhado, eu percebi que apenas uma teoria poderia explicar luz havia jamais penetrado.
minha situação. Através de alguma de uma convulsão vulcânica sem precedentes, uma De repente minha atenção foi capturada por um vasto e singular objeto na encosta
parte do fundo do oceano devia ter sido jogada para a superfície, expondo regiões que oposta, que se erguia abruptamente a cerca de cem jardas à minha frente; um objeto que
brilhou esbranquiçadamente sob os recentes raios agraciados da Lua crescente. Que isso seus gigantescos braços escamosos, enquanto inclinava a cabeça horripilante produzindo
fosse meramente um pedaço gigantesco de rocha, eu logo me assegurara; mas eu estava sons ritmados. Pensei ter enlouquecido então.
consciente de uma distinta impressão de que seu contorno e posição não eram de todo o De minha subida frenética da encosta e do penhasco, e da minha delirante jornada
trabalho da Natureza. Um exame mais minucioso me encheu de sensações que não consigo de volta ao barco encalhado, pouco me recordo. Creio que cantei muito, e ri estranhamente
expressar; pois apesar de sua enorme magnitude, e sua posição num abismo que ficara quando era incapaz de cantar. Eu tenho vagas recordações de uma grande tempestade
escondido no fundo do mar desde que o mundo era jovem, eu percebi sem sombra de algum tempo depois de alcançar o barco; de qualquer forma, sei que ouvi o estrondo de
dúvidas que o estranho objeto era um monólito bem moldado cujo volume maciço havia trovões e outros ruídos que a natureza expressa somente em seus humores mais selvagens.
conhecido o artesanato e talvez a adoração de criaturas vivas e pensantes. Quando saí das trevas eu estava num hospital em São Francisco; levado pelo
Pasmo e assustado, mas não sem certa excitação de um prazer científico ou capitão de um navio americano que recolhera meu barco no meio do oceano. Em meu
arqueológico, eu examinei meu entorno mais de perto. A Lua, agora perto do zênite, delírio eu falei muito, mas descobri que minas palavras receberam pouca atenção. Sobre
brilhava estranhamente e vividamente acima das escarpas altas que cercavam o abismo, qualquer afloramento de terra no meio do Pacífico, meus salvadores não sabiam nada a
revelando o fato de que um extenso corpo d’água corria em seu fundo, até se perder de respeito; nem eu julguei necessário insistir em algo de que sabia que eles não poderiam
vista em ambas as direções, e quase lambia meus pés enquanto eu estava na encosta. Do acreditar. Procurei certa vez um famoso etnólogo, e o diverti com perguntas curiosas sobre
outro lado do abismo, as pequenas ondas lavavam a base do monólito ciclópico; sobre cuja a antiga lenda filistina de Dagon, o Deus-Peixe; mas logo percebendo que ele era um
superfície eu podia agora distinguir tanto inscrições quanto esculturas brutas. A escrita racionalista irremediável, eu não pressionei meus inquéritos.
estava num sistema de hieróglifos desconhecido para mim, e diferente de tudo que eu já É durante a noite, especialmente quando a lua está muito curva e minguante, que
vira em livros; consistindo em sua maior parte de símbolos aquáticos convencionalizados eu vejo a coisa. Tentei a morfina; mas a droga me deu apenas um alívio temporário, e me
como peixes, enguias, polvos, crustáceos, moluscos, baleias, e coisas assim. Diversos arrastou para suas garras como um escravo sem esperança. Então agora eu pretendo acabar
caracteres obviamente representavam coisas marinhas que eram desconhecidas para o com tudo, tendo escrito um relato completo para a informação ou a desdenhosa diversão de
mundo moderno, mas cujas formas em decomposição eu havia observado na planície meus semelhantes. Muitas vezes me pergunto se tudo não teria passado de pura
erguida do oceano. fantasmagoria — uma simples fantasia febril enquanto eu jazia, castigado pelo sol e
Foram os entalhes pictóricos, porém, que mais me encantaram. Claramente visível delirante naquele barco sem cobertura, depois da minha fuga do navio de guerra alemão.
através da água interveniente por conta do seu tamanho, havia um arranjo de baixos-relevos Isso eu me pergunto, mas sempre me vem uma visão terrivelmente pavorosa em resposta.
cuja temática teria provocado a inveja de Doré Imagino que aquelas coisas deviam Não consigo pensar no mar profundo sem estremecer com as coisas inomináveis que
supostamente ilustrar homens – ao menos, um certo tipo de homens; embora as criaturas podem neste exato momento estar arrastando-se e espojando-se em seu leito viscoso,
fossem mostradas divertindo-se como peixes nas águas de alguma gruta marinha, ou adorando seus antigos ídolos de pedra e cinzelando a sua própria e detestável semelhança
venerando algum santuário em forma de monólito que também parecera estar submerso. De em obeliscos submarinos de granito encharcado. Eu sonho com o dia em que elas poderão
seus rostos e formas eu não ouso falar com detalhes; sua mera recordação me deixa ascender acima dos vagalhões para arrastar para o fundo com suas garras fétidas, os
aturdido. Grotesco além da imaginação de um Poe ou de um Bulwer, eles eram remanescentes de uma humanidade debilitada, exaurida pela guerra — o dia em que a terra
abominavelmente humanos em seu contorno geral, apesar das mãos e pés palmados, dos deva afundar, e o fundo negro do oceano erguer-se em meio a um pandemônio universal.
lábios chocantemente largos e flácidos, dos olhos saltados e vítreos, e outras feições ainda O fim está próximo. Ouço um ruído à porta, como se um imenso corpo
menos agradáveis de se lembrar. Curiosamente, eles pareciam ter sido cinzelados muito escorregadio a estivesse serrando. Ele não deve me encontrar. Deus, aquela mão! A janela!
fora de proporção em relação ao cenário de fundo; pois uma das criaturas era mostrada no A janela!
ato de matar uma baleia, representada com um tamanho pouco maior do que o seu. Eu ________________________________________________________________________
comentei, como digo, sobre seu jeito grotesco e estranho tamanho; mas num momento
achei que eram apenas os deuses imaginários de alguns pescadores primitivos ou tribos Os gatos de Ulthar – H.P. Lovecraft
marítimas; alguma tribo cujos derradeiros descendentes teriam perecido muitas eras antes É dito que em Ulthar, que repousa além do rio Skai, ninguém pode matar gatos; e
do primeiro ancestral do Homem de Piltdown ou do Neandertal ter nascido. Extasiado isto posso crer ao observar aquele que se senta, ronronando, diante do fogo. Pois o gato é
diante daquele inesperado vislumbre de um passado além da concepção do mais ousado enigmático, e íntimo de coisas que os homens não conseguem enxergar. Ele é a alma do
antropólogo, eu fiquei ali meditando enquanto a Lua lançava curiosos reflexos no antigo Egito, e portador de histórias das cidades esquecidas em Meroe e Ophir. Ele é
silencioso canal à minha frente. parente dos senhores da selva, e herdeiro dos segredos da África antiga e sinistra. A
Então de repente eu a vi. Com apenas uma leve agitação para indicar sua subida à Esfinge é sua prima, e o gato fala seu idioma; mas ele é mais antigo que a Esfinge, e
superfície, a coisa emergiu para fora das águas escuras. Enorme, polifêmica e repugnante, recorda tudo que ela já esqueceu.
ela disparou como um monstro estupendo do pesadelo para o monólito, sobre o qual jogou Em Ulthar, muito antes que os habitantes proibissem o assassinato dos gatos, ali
habitava um velho caseiro e sua esposa, que extraíam prazer da captura e morte dos gatos
de seus vizinhos. Porque eles faziam isso, eu não sei; salvo que muitos odiavam a voz amaldiçoava a caravana e o garotinho. Mas Nith, o tabelião magro, declarou que o velho
noturna dos gatos, e aborreciam-se com os gatos correndo furtivamente nas chácaras e caseiro e sua esposa eram pessoas mais suspeitas; porque seu ódio a gatos era notório e
jardins, durante o crepúsculo. Porém, qualquer que fosse a razão, estes velhos sentiam cada vez mais ousado. Ainda assim, ninguém ousou reclamar com o sinistro casal; mesmo
prazer em capturar e matar todos os gatos que chegavam perto de sua cabana; e deduzindo quando o pequeno Atal, filho do estalajadeiro, jurou que vira no crepúsculo todos os gatos
a partir dos sons que ouviam após o escurecer, muitos aldeões imaginavam que o modo de de Ulthar naquela execrável chácara sob as árvores, caminhando lenta e solenemente num
assassinato era excessivamente peculiar. Mas os aldeões não discutiam essas coisas com o círculo ao redor da cabana, aos pares, como se numa performance de algum desconhecido
velho e sua esposa; tanto por causa da expressão habitual nos rostos encarquilhados dos rito de feras. Os aldeões não souberam muito o que acreditar de um garoto tão pequeno; e
dois, quanto porque sua cabana era tão pequena e sombriamente oculta sob os carvalhos muito embora temessem que o casal de velhos houvesse encantado os gatos para matá-los,
que se espalhavam nos fundos de uma chácara abandonada. Na verdade, por mais que os preferiam não repreender o velho caseiro até que este fosse encontrado fora de sua chácara
donos de gatos odiassem essas estranhas pessoas, as temiam muito mais; e ao invés de sombria e repelente.
acusá-los como assassinos brutais, apenas cuidavam para que nenhum bichano querido Foi então que Ulthar foi dormir sentindo uma raiva impotente; e quando o povo
chegasse perto da remota cabana sob as árvores sombrias. Quando, devido a algum deslize acordou de manhãzinha – olha só! Todos os gatos de volta a seus lares de costume!
inevitável, um gato sumia, e sons eram ouvidos após o escurecer, aquele que perdera o gato Grandes e pequenos, negros, cinzas, listrados, amarelos e brancos, nenhum deles estava
lamentaria impotente; ou consolar-se-ia agradecendo ao Destino por não ter sido uma de faltando. Pareciam muito gordos e luzidios os gatos, e sonoros em seu contentamento
suas crianças a desaparecer. Pois o povo de Ulthar era simples, e não sabia da origem dos ronronante. Os cidadãos debateram sobre a questão, muito espantados. O velho Kranon
gatos. insistiu mais uma vez que o povo escuro os havia levado, já que os gatos não voltam vivos
Um dia, uma caravana de estranhos andarilhos do Sul entrou pelas ruas estreitas e da cabana do ancião e sua esposa. Mas todos concordaram numa coisa: a recusa dos gatos
calcetadas de Ulthar. Eram viandantes de pele escura, e não pareciam com outros povos em comer suas porções de carne e beber seus pratos de leite era excessivamente curiosa. E
andarilhos que passavam pela vila duas vezes por ano. Na praça do mercado, liam a sorte por dois dias inteiros, os reluzentes e preguiçosos gatos de Uthar não tocaram a comida,
em troca de prata, e compravam contas enfeitadas dos mercadores. Qual a terra natal desses apenas deitando perto do fogo ou sob o sol.
viandantes, ninguém sabia dizer; mas parecia que eram dados a estranhas rezas, e que Passou quase uma semana até que os aldeões notassem que não surgia luz à noite,
haviam pintado nos lados de seus vagões, estranhas figuras de corpos humanos e cabeça de vinda das janelas da cabana sob as árvores. Então o magro Nith comentou que ninguém
gatos, falcões, carneiros e leões. E o líder da caravana usava um toucado com dois chifres e havia visto o velho e sua esposa, desde a noite do sumiço dos gatos. Passada mais uma
um curioso disco entre eles. semana, o burgomestre decidiu superar seus medos e bateu à porta daquela habitação
Havia nesta singular caravana um garotinho, sem pai nem mãe e apenas um estranhamente silenciosa, cumprindo seu dever, embora ao fazê-lo tivesse o cuidado de
minúsculo gatinho preto para cuidar. A praga não havia sido bondosa com ele, mas o trazer Shang, o ferreiro, e Thul, o cortador de pedras, como testemunhas. E quando
deixara aquela coisinha felpuda para mitigar-lhe a tristeza; e quando se é muito jovem, derrubaram a frágil porta, encontraram apenas isto: dois esqueletos humanos de ossos
encontra-se muito alívio nos brinquedos agitados de um gatinho preto. Assim o garoto, que limpos no chão de terra batida, e muitos besouros esquisitos rastejando pelos cantos
o povo escuro chamava de Menes, mais sorria que chorava, quando sentava a brincar com escuros.
seu gracioso gatinho, na entrada de um vagão de estranha pintura. Depois disso houve muita conversa entre os habitantes de Ulthar. Zath, o juiz,
Na terceira manhã da estadia dos viandantes em Ulthar, Menes não conseguiu debateu longamente com Nith, o tabelião magro; e Kranon e Shang e Thul foram enchidos
achar o gatinho; e chorou alto na praça do mercado, até que certos aldeões contaram-no de perguntas. Até mesmo o pequeno Atal, filho do estalajadeiro, foi bastante questionado e
sobre o velho e sua esposa, e sobre os sons ouvidos na noite. E quando o garoto ouviu estas recebia balas como recompensa. Falavam do velho caseiro e sua esposa, da caravana de
coisas, seu choro deu lugar à meditação, e finalmente às rezas. Ele esticou seus braços em viandantes escuros, do pequeno Menes e seu gatinho preto, da reza de Menes e do céu
direção ao sol e rezou numa língua que aldeão algum poderia compreender; embora na durante essa reza, das proezas dos gatos na noite em que a caravana se retirou, e do que
verdade não se esforçassem muito para isto, já que sua atenção estava mais tomada pelo mais tarde fora encontrado na cabana sob as árvores sombrias da repelente chácara.
céu e pelas esquisitas formas assumidas pelas nuvens. Era algo bastante peculiar, mas E no final, os habitantes aprovaram aquela notável lei, que é comentada por
conforme o garotinho declamava seu pedido, parecia que formavam-se acima figuras comerciantes de Hatheg e discutida por viajantes em Nir; aquela lei que dizia que em
sombrias e nebulosas de coisas exóticas; criaturas exóticas coroadas de discos ladeados por Ulthar, ninguém pode matar gatos.
chifres. A natureza é tão cheia dessas ilusões que impressionam os imaginativos.
Naquela noite os viandantes deixaram Ulthar e jamais foram vistos novamente. E
os residentes ficaram perturbados, quando notaram que em toda a aldeia, não havia um só
gato a ser encontrado. De cada lar, o gato familiar havia sumido; gatos grandes e pequenos,
negros, cinzas, listrados, amarelos e brancos. O velho burgomestre Kranon jurava que o
povo escuro havia roubado os gatos, por vingança da morte do gatinho de Menes; e

Você também pode gostar