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Purudoxos de Lacan

o que uma análise ensina não se adqui-


re por nenhuma outra via, nem pelo Meu Ensino
ensino, nem por nenhum outro exercí-
cio espiritual. Nesse caso, a que se
presta? Quer dizer que é preciso calar
esse saber? Por mais particular que
seja para cada um, não haveria meio
de ensiná-lo, de ao menos transmitir
seus princípios e algumas de suas
conseqüências? Lacan colocou-se a
pergunta, respondendo-a em mais de
um estilo. Em seu Seminário, ele ar-
gumenta à vontade. Em seus Escritos,
quer demonstrar, e atormenta a letra
a seu bel prazer. Mas há também suas
conferências, suas entrevistas, seus
improvisos. Aí, tudo vai mais rápido.
Trata-se de surpreender as opiniões
para melhor seduzi-las. É o que cha-
mamos de seus Paradoxos.

Quem fala? Um mestre de sabedoria,


mas de uma sabedoria sem resigna-
ção, uma anti-sabedoria, sarcástica,
sardônica. Cada um é livre para fazer
disso o que quiser.

Esta série, inicialmente dedicada a


inéditos, publicará em seguida tre-
chos escolhidos de sua obra.
CAMPO FREUDIANO Jacques Lacan
NO BRASIL

Coleção c1irigidapor J acques- Alain ejudith Miller


Assessoria brasileira: Angelina Harari

Meu Ensino

Tradução:
André Telles

Revisão técnica:
RamMandil

Jorge ZAHAR Editor


Rio de Janeiro
Sumário

Título original:
Mon Enseignement

Tradução autorizada da primeira edição francesa, Preâmbulo 7


publicada em 2005 por Éditions du Seuil,
de Paris, França

Copyright © 2005, Éditions du Seuil lugar, origem e fim do meu ensino 9

Copyright da edição brasileira © 2006:


Jorge Zahar Editor Ltda.
rua México 31 sobreloja
20031-144 Rio de Janeiro, RJ Meu ensino, sua natureza e seus fins 67
tel.: (21) 2108-0808 / fax: (21) 2108-0800
e-rnail: jze@zahar.com.br
site: www.zahar.com.br

Todos os direitos reservados. Então, vocês terão escutado Lacan 101


A reprodução não-autorizada desta publicação, no todo
ou em parte, constitui violação de direitos autorais. (Lei 9.610/98)

Revisão tipográfica: Vania Santiago e Eduardo Monteiro


Indicações biobibliográficas 125

Capa: Dupla Design

CIP- Brasil. Catalogação-na -fonte


Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.

Lacan, Jacques, 1901-1981


L129m Meu ensino / Jacques Lacan; tradução, André Telles. - Rio
de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2006
(Campo Freudiano no Brasil; Paradoxos de Lacan)

Tradução de: Mon enseignement


Inclui bibliografia
ISBN 85-7110-928-1

1. Lacan, Jacques, 1901-1981. 2. Psicanálise. 1.Título.

CDD 150.195
06-1877 CDU 159.964.2
Preâmbulo

Estamos em 1967, depois em 1968, antes do mês de


maio. Os Escritos foram publicados nofim de 1966.
Lacan é convidado para falar sobre eles nos mais
diversos lugares. Às vezes aceita viajar ao interior da
França. *
Vê-se diante de auditórios que não conhecem o
que ele chama de seu ''ri1.0r!;:!o''.Improvisa, relata seus
desencantos com oscolegas,'~~põeosconceitos da psica-
nálise num estilo bem familiar. É engraçado. Por
exemplo: "O inconsciente é conhecido desde sempre.
Mas na psicanálise é um inconsciente quepensa vigo-
rosamente. Então aí, atenção, calma. "
Às vezes beira o esquete, à Ia Pierre Dac, à Ia
Devos, à Ia Bedos: "Ospsicanalistas não dizem abso-
lutamente o que sabem, mas deixam-no a entender. 'A
gente sabe um pouquinho, mas sobre isso bico calado,
acertamos entre nós. 'Entra-se nesse campo de saber
por uma experiência única, que consiste simplesmente
em se submeter a uma psicanálise. Depois disso,
poder-se-ia falar. Poder-se-ia falar, o que não quer

* Também vai à Itália, onde faz três conferências, cujo texto, redi-
gido previamente, faz parte dos Outros escritos, Rio de Janeiro,
Jorge Zahar, 2003.

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Jacques Lacan

dizer que sefale. Poder-se-ia. Poder-se-ia casose qui-


sesse, e querer-se-ia defato caso sefalasse a pessoas
como nós, que sabem, senão para quê? Logo, cala-se
tanto com aqueles que sabem como com aqueles que não
sabem, pois os que não sabem não podem saber. "
Depois vêm as coisas mais complexas, mas sem-
pre introduzidas com grande simplicidade.
Este terceiro volume dos "Paradoxos de Lacan"
agrupa três conferências inéditas em livro, cujo texto Lugar, origem e fim
foi estabelecido por mim. Trata-se de: (/0 meu ensino
- ''Lugar, origem e fim do meu ensino", no
Vinatier, em Lyon, asilofundado sob a monarquia de
Julho; a conferência é seguida por um diálogo com o
filósofo Henri Maldiney.
- ''Meu ensino, sua natureza e seus fins", em
Bordeaux, para residentes depsiquiatria.
- ''Então, uocés terão escutado Lacan", na
Faculdade de Medicina de Estrasburgo; o título é
extraído do início da conferência.

Jacques-Alain Miller

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Não penso entregar-lhes meu ensino sob a forma
de um comprimido, o que me parece difícil.
Talvez alguém faça isso mais tarde. É sem-
pre assim que termina. Quando se está fora de
cena há algum tempo, você se resume a três linhas
nos manuais - no que me diz respeito, manuais
não se sabe de quê. Não posso prever em que
manuais serei inserido pela razão de que não pre-
vejo nada do futuro que se refira ao meu ensino,
isto é, a psicanálise. Não se sabe o que essa psica-
nálise se tornará. Quanto a mim, almejo que se
torne alguma coisa, mas não é certo que tome esse
caminho.
Por aí vocês vêem que este título, "Lugar, ori-
gem e fim do meu ensino", pode começar a assu-
mir um sentido que não é apenas o de um resumo.
Trata -se, para mim, de colocá -los no curso de uma
coisa que está engajada, que está em vias, alguma
coisa de não-finda, que só findará provavelmente
comigo, caso eu não seja vítima de um desses
lamentáveis incidentes que nos fazem sobreviver
a nós mesmos.

II
Jacques Lacan Lugar, origem e fim do meu ensino

Está feito como uma dissertação bem-feita, que me põe na postura de ensinar, uma vez que
há um início, um começo, um fim. "Lugar", é por- ensino há.
que deve-se efetivamente começar pelo começo. Pois bem, este lugar deve ser inscrito no regis-
tro do que é a sorte comum. Ocupa -se o lugar aonde
um ato o empurra assim, da direita ou da esquerda,
1 aleatoriamente. Houve circunstâncias em que, a
bem da verdade, precisei tomar as rédeas daquilo a
N~nãQ é a o~m, é o lugar. que não me julgava absolutamente destinado.
Talvez aqui haja dois ou três com uma Tudo girou em torno disso, de que a funç~
pequena idéia dos meus ritornelos. Lugar é um d~sicanalista não é algo natural, de que ela não
termo de que me sirvo bastante, pois não raro há
existe por si só no que tange a atribuir-lhe seu sta-
referências ao lugar no campo a propósito do qual
tus, seus hábitos, suas referências e, justamente,
incidem meus discursos, ou meu discurso, como
seu lugar no mundo.
preferirem. Para se estar nesse campo, convém
Há os lugares de que falei ainda há pouco,
dispor do que se chama em outros domínios mais
os lugares topológicos, os lugares na ordem da
sólidos ~ma topologia e ter uma noção de como é
essência, e, depois, há o lugar no mundo. Este se
construído o suporte sobre o qual se inscreve o que
adquire geralmente em virtude da precipitaç-ão.
está em pauta.
Isso dá esperança, em suma. Por mais numerosos
Certamente não irei muito longe esta noite,
que vocês sejam, com um pouco de sorte acabarão
uma vez que não posso simplesmente oferecer-
sempre ocupando determinado lugar. A coisa
lhes um comprimidinho do meu ensino. "Lugar"
terá assim um alcance bem diverso na topologia, pára por aí.

no sentido da estrutura,em que se trata por exem- No que diz respeito ao meu lugar, as coisas
plo de saber se uma superfície é uma esfera ou um remontam ao ano de 1953. Vive-se então, na psi-
anel, pois o que se pode fazer com ambos não é em canálise na França, um momento que se poderia
nada semelhante. Mas não se trata disso. O lugar dizer de crise. Trata-se de dar lugar a certo diSPO-J
pode ter um sentido completamente diferente. sitivo que deveria regular o status dos psicanalis-
Trata-se simplesmente do l~aonde cheguei, o tas no futuro.

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Jacques Lacan Lugar, origem e fim do meu ensino

Tudo isso, acompanhado de grandes pro- xar um pouco a desejar, parece pecar pela base,
messas eleitorais. A seguirmos o sr. Fulano de Tal, então isso tem conseqüência bem diferente.
dizem, o status dos psicanalistas será rapidamente Todos julgam ter uma idéia suficiente sobre a
acompanhado por todo tipo de sanções, bênçãos psicanálise. "O inconsciente, ora, é o inconsciente."
oficiais e, muito especialmente, médicas. Todos sabem agora que existeum inconsciente. Não
Como é comum nesse tipo de promessa, há mais problemas, mais objeções, mais obstáculos.
nada foi cumprido. Contudo, um certo ordena- Mas o que é esse inconsciente?
mento se cumpriu. Conhecemos o inconsciente desde sempre.
Essa mudança de costume acabou não sendo Claro que há um monte de coisas que são incons-
conveniente para todo mundo, por razões extre- cientes, inclusive todo o mundo fala sobre isso há
mamente contingentes. Enquanto as coisas não muito tempo na filosofia. Na psicanálise, porém,
foram postas no lugar, houve tiroteios, o que cha- o inconsciente é um inconsciente ue pensa vi-
mam de conflitos. &orosamente. É louco o que elucubra esse incons-
Nesse caos, vi-me com certo número em uma ciente. São pensamentos, dizem.
canoa. Durante dez anos, caramba, vivemos com
Então, aí, atenção, calma. "Se são pensamen-
os recursos a bordo. Não que estivéssemos absolu-
tos, isso não pode ser inconsciente. A partir do
tamente sem recursos, não estávamos prostrados.
momento em que isso pensa, isso pensa que isso
Ali dentro, aconteceu que o que eu tinha a dizer
pensa. O pensamento é transparente a si mesmo,
sobre a psicanálise ganhou certo alcance.
não se pode pensar sem saber que se pensa."
Estas não são coisas que se façam por si sós.
Claro, essa objeção não tem mais importân-
Pode-se falar da psicanálise desse jeito, ora essa, e
cia alguma agora. Não que alguém tenha real-
é bem fácil constatar que se fala dela desse jeito.
mente feito uma idéia do que ela tem de refutável.
Pouco menos fácil é falar dela todos os sete dias da
Ela parece refutáve1, ao passo que é irrefutável. É
semana impondo-se efetivamente como disci-
justamente isso o inconsciente. É um fato, um fato
plina nunca repetir a mesma coisa, não dizer o que
já é corriqueiro, embora o que já seja corriqueiro novo. Será preciso começar a pensar algo que dê

não seja absolutamente dispensável de se conhe- conta disso, de que pode haver pensamentos
er. Mas quando o que já é corriqueiro parece dei- inconscientes. Isso não é óbvio.

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Jacques Lacan Lugar, origem e fim do meu ensino

De fato, ninguém nunca se prendeu real- é mais central, mais essencial, não seria mal assis-
mente a isso, que, no entanto, é uma questão tir a isso, hein! Poderia despertar muitas simpa-
altamente filosófica. tias, porque apesar de tudo há um monte de coisas
Daqui a pouquinho irei lhes dizer que não foi de nosso destino comum que são dessa espécie, e
por essa ponta que peguei as coisas. Ocorre que a são inclusive precisamente as coisas de que a psi-
ponta pela qual peguei as coisas resolve facilmente canálise se ocupa.
essa objeção, mas ela sequer é mais uma objeção, Só que, vejam, a sorte fez com que os psica-
porque todo o mundo tem sua religião no que se nalistas tivessem sempre adotado a atitude opos-
refere a isso. ta. Eles não dizem absolutamente que sabem,
O inconsciente, pronto, é admitido, e, afinal, mas deixam-no a entender. "A gente sabe um
muitas outras coisas parecem admitidas, embru-
lhadas confusamente, mediante as quais todos
crêem saber o que é uma psicanálise, exceto os psi-
pouquinho, mas, sobre isso, bico calado, acerta-
mos entre nós." Entra-se nesse campo de saber
por uma experiência única, que consiste simples-
1
canalistas, e isso é muito chato. Eles são os únicos
mente em se submeter a uma psicanálise. Depois
a não sabê-lo.
disso, poder-se-ia falar. Poder-se-ia falar, o que
Não apenas não o sabem, como até certo
não quer dizer que se fale. Poder-se-ia. Poder-
ponto isso é completamente justificável. Se jul-
se-ia caso se quisesse, e querer-se-ia de fato caso
gassem sabê-Io de cara, assim, seria grave, não
se falasse a pessoas como nós, que sabem, senão
haveria mais psicanálise em absoluto. No fim
para quê?
'l das contas todos concordam, a psicanálise é um
Logo, cala-se tanto com aqueles que sabem
assunto encerrado, mas, para os psicanalistas,
como com aqueles que não sabem, pois os que não
~ não pode sê-lo.
É nesse ponto que isso começa a ficar interes- sabem não podem saber.
Afinal de contas, essa atitude é sustentável.
sante. Há duas formas de proceder nesses casos.
A primeira é tentar aproveitar o vento e ques- A prova é que é sustentada. Contudo, não é do
tionar isso. Uma operação, uma experiência, uma gosto de todo o mundo. Ora, o psicanalista tem
técnica a propósito da qual os técnicos são obriga- uma fraqueza, assim, em algum lugar. É uma fra-
dos a reconhecer que não sabem nada sobre o que queza muito grande.
Jacques Lacan Lugar, origem e fim do meu ensino

Tudo o que eu disse até o presente pode lhes que dizem, já foi descoberto em algum lugar, que
parecer cômico, mas não são fraquezas, é coerente. já foi dito, que vemos por aí. Quando se chega à
Só que há uma coisa que o faz mudar de atitude, e mesma encruzilhada de outras ciências, diz-se
é no que ele começa a ficar incoerente. uma coisa análoga, a saber, que aquilo não é tão
A fraqueza do psicanalista, seu pendor, ele novo, que já se pensou naquilo.
sabe muito em que convém evitar ceder-lhe, e, na Assim, associamos esse inconsciente a anti-
prática cotidiana, claro, ele se mantém de sobrea- gos ecos e apagamos o limite que permitiria ver
viso. Em contrapartida o psicanalista tomado no que o inconsciente freudiano não tem absoluta-
coletivo, os psicanalistas quando há uma massa mente nada a ver com o que até aqui chamamos de
deles, um bando, querem que se saiba que estão ali "inconsciente" .
\ pelo bem de todos. Essa palavra foi usada, mas que o~ns-
Prestam inclusive muita atenção para não cie~t~~~E-inmn_scik.l}ten~.<?~o queJ ...9l.Jacterís-
terem a fraqueza de ir rápido demais pelo bem do tico. O inconsciente não é uma característica
singular, pelo bem daquele com quem lidam, por- n~ativa. Há no meu corpo um monte de coisas de
que sabem muito bem que não é querendo o bem que não sou consciente, que não fazem em abso-
t das pessoas que se é bem -sucedido e que, na maior luto parte do inconsciente freudiano. Não é por-
~parte do tempo, dá-se inclusive o contrário. Fe- que o corpo é de tempos em tempos envolvido por
lizmente, contudo, para eles esta é uma idéia ele que o inconsciente do corpo esteja em pauta no
i adquirida em virtude de sua experiência.
Eles estão longe de ser, do lado de fora, ver-
inconsciente freudiano.
Dou-lhes esseexemplo porque não quero extra-
dadeiros propagandistas da psicanálise, ao passo polar demais. Acrescentarei apenas que eles chegam
que seria salubre que mais pessoas soubessem que inclusivea fazer crer que a sexualidade de que falam é
não é querendo muito bem ao próximo que se lho a mesma coisa que a de que falam os biólogos. De
faz. Isso poderia servir. forma alguma. É uma boa lábia [boniment].
Não, os psicanalistas enquanto corpo repre- Desde Freud, a equipe psicanalítica faz sua
sentado fazem questão absoluta de ficarem do propaganda num estilo que o termo lábia diz
lado bom, do lado que interessa. Então, para muito bem. Há o bom e há o bem, de que lhes
impor isso, precisam mostrar que o que fazem, o falava ainda há pouco. Isso tornou-se realmente

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Jacques Lacan Lugar, origem e fim do meu ensino

uma segunda natureza nos psicanalistas. Quando ela, pois, realmente, de todos os emplastros, é um
estão entre eles, os problemas que estão realmente dos mais enjoados. Apesar de tudo, se existem
em jogo, que se agitam, que podem inclusive pro- pessoas que se metem nesse negócio infernal que
vocar sérios conflitos entre eles, são problemas consiste em visitar um sujeito três vezes por
para aqueles que sabem. Mas para os que não semana anos a fio, é porque, em todo caso, isso tem
sabem contam-se coisas destinadas a fazer, para em si certo interesse. Não basta manipular pala-
eles, caminho, acesso, passeio. É um clichê, faz vras que não se compreendem, como "transferên-
parte do estilo psicanalítico. cia", para explicar que a coisa rende.
Isso pode ser sustentado. Não está mais de Estamos apenas à porta das coisas. Sou real-
forma alguma no que podemos chamar de campo mente forçado a começar pelo começo se não qui-
do coerente, mas, afinal de contas, conhecemos ser eu mesmo usar de lábia, o que consistiria em
muitas coisas no mundo que vivem sobre estas fazer como se achasse que vocês sabem algo rela-
bases. Faz parte do que sempre se fez num certo tivo à psicanálise.
registro que não foi por nada que qualifiquei de No início, portanto, eu era de fato obrigado a
"propagan d"a. Esse termo tem uma ongem
. abso- formular um certo.número de evidências. Nada do
lutamente precisa na história e na estrutura socio- que digo aqui é novo. Não apenas não é novo,
lógica. É a Propaganda fidei. É o nome de um pré- como está na cara. Todo o mundo percebe muito
dio em algum lugar de Roma onde qualquer um bem que tudo o que se conta à guisa de explicações
pode fazer suas entradas e suas saídas. Logo, isso ad usum do público referente à psicanálise é lábia.
se faz e isso sempre foi feito. A questão é saber se Ninguém duvida disso porque, depois de um
é sustentável no que diz respeito à psicanálise. certo tempo, a lábia é identificada.
Será a psicanálise pura e simplesmente uma Pois bem, o curioso, vejam, é que estamos em
terapêutica, um medicamento, um emplastro, um 1967 e que essa coisa começou,grosso modo, no iní-
pó de pirlimpimpim, tudo que cura? À primeira cio do século, digamos até, levando as coisas um
vista, por que não? Só que a psicanálise não é abso- pouco mais longe, quatro ou cinco anos antes, se
lutamente isso. quisermos realmente chamar de "psicanálise" o
Aliás, convém confessar que, se assim fosse, que Freud fazia quando estava sozinho - tudo
aberia perguntar por que nos submeteríamos a bem, ela está sempre presente.

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Jacques Lacan Lugar, origem e fim do meu ensino

A psicanálise, por meio de todas as suas Por outro lado há efetivamente pessoas que
lábias, tem bons pés e bons olhos, chegando a não sabem nada do que é a psicanálise, que não
gozar de uma espécie de respeito, de prestígio, de . estão nem aí, mas que ouviram falar dela, e falar
efeito de imponência absolutamente singular, tão mal que se servem do mesmo termo "psicaná-
ainda mais se pensarmos no que são as exigências lise" quando se trata de nomear determinada for-
do espírito científico. De tempos em tempos, os ma de operar. Elas produzirão para vocês um livro
que são cientistas ficam chateados, protestam, como Psicanálise da Alsácia-Lorena, por exemplo,
balançam os ombros. Mas mesmo assim resta ou do Mercado Comum.
alguma coisa disso, a ponto de as pessoas capazes Este é um passo verdadeiramente introdutó-
de digerir as apreciações mais desagradáveis sobre rio, mas tem a vantagem de ser muito claramente
a psicanálise invocarem em outros momentos este enunciado, e sem mais referência do que convém
ou aquele fato, até mesmo este ou aquele princípio ao mistério, aquele que cerca determinadas pala-
ou preceito da psicanálise, citarem um psicana- vras que empregamos, palavras que carregam em
lista, invocarem a aquisição de certa experiência si mesmas seu eletrochoque, que fazem sentido. É
como sendo a experiência psicanalítica. Em todo preciso se sacudir depois de tê-Ias ouvido, e come-
caso, é uma coisa que faz pensar. çar a fazer perguntas. Por exemplo, a palavra "ver-
Houve muitas lábias através da história, mas, d ad e "n.
. ~e e,.Isto, "a ver d a d e ""r
ao examinarmos mais de perto, não há uma que Bom, "psicanálise" é uma dessas palavras. À
tenha tido tal sobrevida - o que deve decerto res- primeira vista, todo o mundo percebe que isso
ponder a alguma coisa, alguma coisa que a psica- quer dizer alguma coisa bem à parte, sobretudo
nálise guarda consigo, que constitui justamente que a verdade é articulada nesse caso a um modo
esse peso, essa dignidade. É uma coisa que ela de representação que confere seu estilo a esta pala-
guarda só para si, numa posição que eu próprio vra' "psicanálise", e torna seu emprego secundário,
chamei algumas vezes pelo nome que ela merece: se assim posso dizer.
"extraterritorial" . A verdade de que se trata é exatamente como a
Vale a pena nos determos aqui. Em todo imagem mítica que a representa. Isso é alguma coisa
caso, é uma porta de entrada para a questão que escondida na natureza, e que depois saicom a mesma
tento introduzir. naturalidade, sai do poço. Isso sai não é o bastante,

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Jacques Lacan
Lugar, origem e fim do meu ensino

isso diz. Diz coisas e, geralmente, coisas que não rio de sempre, fez um pequeno suplemento de
esperávamos. É o que entendemos quando se diz: vida a Pôncio Pilatos.
"Finalmente sabemos a verdade sobre esse caso, Quando este dava uma volta, diz ele, sempre
alguém começou a pôr as cartas na mesa." Qpando que passava em frente ao que se chama, nalingua-
falamos de "psicanálise", quero dizer quando nos gem claudeliana, claro, um ídolo, como se fosse
referimos a essa alguma coisa que impõe seu peso, é uma coisa repugnante, um ídolo, arrgh - pois
disso que se trata, inclusive o efeito correlato neces- bem, por ter, imagino, feito a pergunta da verdade
sário, que é o que chamamos de efeito-surpresa. justamente ali onde não convinha, à própria
Um dia um aluno meu me disse, bêbado - o Verdade, sempre que passava diante de um ídolo,
que vem lhe acontecendo freqüentemente por- arrgh, a barriga do ídolo se abria e via-se que não
que, de tempos em tempos, sucedem na vida dele passava de uma pança.
coisas cruciais, como se diz -, que eu era um Pois bem, é um pouco o que acontece comi-
sujeito no gênero de Jesus Cristo. Estava gozando go. Vocês não imaginam o efeito que provoco nos
com a minha cara, não é mesmo?, isso é óbvio. Não ídolos psicanalíticos.
tenho a menor relação com essa encarnação. Sou Voltemos.
antes um sujeito do gênero de Pôncio Pilatos. É evidente que, nessas coisas, é preciso ir
Pôncio Pilatos não teve sorte, tampouco eu. passo a passo. O primeiro tempo é o da verdade.
Ele disse esta coisa que é realmente corriqueira e Depois do que é dito sobre a verdade, ou do que se
fácil de dizer - "Qjre é a verdade?" Não teve sorte, julga que ela diz desde o tempo em que fala, a psi-
formulou a questão à própria Verdade. Isso cau- canálise, naturalmente, não choca mais ninguém.
sou-lhe todo tipo de aborrecimento, e ele não Quando uma coisa foi dita e repetida certo
ficou com boa reputação. número de vezes, isso passa à consciência comum . .:»

Gosto muito de Claudel. É uma de minhas Como dizia Max Jacob, e como me curvei a

fraquezas, pois não sou absolutamente papa-hós- repeti-lo no fim de um dos meus escritos, "o~-

tia". Claudel, com aquele incrível gênio divinató- d!de~ é sempre qgyo", e, para ser verdadeiro, é
preciso que seja novo. Tudo leva a crer que o que a
• No original, tha/a. Jargão utilizado pelos alunos da École N ormale verdade diz não o diz absolutamente da mesma
para se referir aos seus colegas de profissão católica. (N.T.)
forma que o discurso comum o repete.
r

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Jacques Lacan Lugar, origem e fim do meu ensino

E depois, certas coisas mudaram. transformar as formas como se escrevem as coisas.


A verdade psicanalítica era que havia alguma Ça visse exuelle", eis mais ou menos onde estamos.
coisa de muito importante na base, em tudo que se É um exercício bem revelado r, e depois, está
tramava efetivamente da interpretação da ver- na ordem do dia. Para aliciar as pessoas gulosas,

dade, isto é, a vida sexual. aquelas que por ora entendem como fracassos que
estivéssemos atirando na cara da lingüística, o sr.
Será isso verdadeiro ou não-verdadeiro?
Derrida inventou a gramatologia. É preciso dar-
Se for verdadeiro, convém saber se era apenas
lhe aplicações. Tentem brincar com a ortografia, é
porque ainda estávamos em pleno período vito-
uma certa forma não de todo vã de tratar o equí-
riano, quando a sexualidade tinha na vida de cada
voco. Verão, se escreverem a fórmula ça visse
um o peso que agora tem na vida de todos.
exuelle, isso pode ir longe. Isso esclarecerá certas
De toda forma, existe agora alguma coisa
coisas, poderá gerar uma pequena centelha nos
mudada. A sexualidade é alguma coisa mais pú-
espíritos.
blica. Na verdade, não acho que a psicanálise tenha
O fato de que ça visse si bien exuelle faz com
grande coisa a ver com isso. Enfim, sustentamos
que haja evidentemente uma grande confusão
que, se a psicanálise tem alguma coisa a ver com quanto ao sujeito da verdade psicanalítica.
isso, é precisamente o que estou em vias de dizer, Os psicanalistas foram muito sensíveis a isso,
ou seja, que não é verdadeiramente a psicanálise. devo dizer, é por isso que se ocupam de outras coi-
Por ora, a referência à sexualidade não é em si sas. Ninguém mais ouve falar agora de sexuali-
absolutamente o que pode constituir essa revela- dade nos círculos psicanalíticos. As revistas de
ção do oculto de que eu falava. A sexualidade é psicanálise, quando abertas, são as mais castas
todo tipo de coisa, os diários, os vestuários, a possíveis. Não se contam mais histórias de tre-
forma como nos comportamos, a forma como os pada, o que é bom para os jornais diários. Trata-se
meninos e meninas fazem isso, um belo dia, ao ar de coisas que vão longe no domínio da moral,
livre, no mercado.
Sua vida sexual [sa vie sexuelle], conviria escre-
ver isto com uma ortografia particular. Aconselho- • Através do jogo ortográfico, Lacan evoca a presença do Isso (Ça),
os vivamente o exercício que consiste em tentar bem como a de um aparafusamento (visse). (N.T.)

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Jacques Lacan Lugar, origem e fim do meu ensino

como o instinto da vida. Ah sejamos bastante ins- porque tivesse uma vida infernal, seja porque
tintivos de vida, desconfiemos do instinto de tenha padecido de algumas dessas pequenas inibi-
morte. Vejam, entramos aí na grande representa- ções que podem acontecer a qualquer um em
ção, na mitologia superior. diversos níveis, escritório, trabalho e, até mesmo,
Há pessoas que realmente acreditam que na cama, por que não?
movem as alavancas de tudo isso, que nos falam Quando tudo isso é suspenso, o eu [moi] está
disso como se se tratasse de objetos de manipula- forte e tranqüilo, a nádega firmou seu pequeno
ção corrente, tratando-se então de obter entre uns tratado de paz com o supereu, como se diz, e o isso
e outros o bom equilíbrio, a tangência, a interse- não dá mais muita coceira, tudo bem. A sexuali-
ção precisa, e com grande economia de força. dade aí dentro é completamente secundária.
E sabem qual é o objetivo final? Obter em Meu querido amigo Alexander - pois este
meio a tudo isso, e às eruditas instâncias daí resul- era um amigo, e não era besta, mas, como vivia nas
tantes, o que é conhecido por este nome gran- Américas, respondia ao chamado - disse inclusive
dioso, o eu forte, o forte eu. que a rigor a sexualidade devia ser considerada
Chegamos lá. Daí saem bons empregados. É uma atividade extra. Vocês entendem, quando se
isso, o eu forte. Evidentemente, é preciso haver fez tudo direito, pagaram-se os impostos regular-
um eu resistente para ser um bom empregado. Isso mente, então o que sobra é a parte do sexual.
é feito em todos os níveis, no nível dos pacientes e, Deve haver um mal-entendido para que isso
depois, no nível dos psicanalistas. chegue a esse ponto. Caso contrário, não explicaría-
Assim mesmo, podemos nos perguntar se o mos a enorme abertura teórica necessária para que a
ideal de um fim de tratamento psicanalítico é que psicanálise se instalasse e, inclusive, tomasse decen-
um cavalheiro ganhe um pouco mais de dinheiro temente seus lugares no mundo e depois inaugu-
que antes e que, na ordem de sua vida sexual, rasse essa extravagante moda terapêutica. Por que
acrescente, à ajuda moderada que pede à sua com- tanto discurso se é para chegar a isso?De toda forma,
panheira conjugal, a de sua secretária. É o que em parece haver aí alguma coisa que não se encaixa.
geral é considerado um excelente desfecho, Talvez fosse conveniente procurar outra coisa.
quando um indivíduo via-se atrapalhado naquele Poderíamos em primeiro lugar achar que
momento com esse assunto, seja simplesmente deveria realmente haver uma razão para que a

28 29
Jacques Lacan Lugar, origem e fim do meu ensino

sexualidade assumisse por uma vez a função da coisa que, como dizem, tem tanta importância
verdade - nem que fosse uma única vez, mas, jus- quanto beber um copo d'água.
tamente, é apenas uma vez. Afinal, a sexualidade Isso não é verdade, e logo percebemos, por-
não é uma coisa tão inaceitável. E, depois, uma vez que nos acontece justamente beber um copo
assumida, ela a preserva. d'água e, depois disso, ter uma cólica. Isso não
Aquilo de que se trata está realmente ao funciona sozinho por razões que se devem à
alcance da mão, em todo caso ao alcance do psica- essência da coisa, isto é, ao perguntarmos se so-
nalista' que nos testemunha isso quando fala de mos verdadeiramente um homem ou, no caso de
algo sério, e não de seus resultados terapêuticos. O uma mulher, se somos verdadeiramente uma
que está ao alcance da mão é que a~az mulher dentro dessa relação. Não é apenas a par-
furo na verdade. ceira que se pergunta isso, é cada um, si mesmo,
~
A sexualidade é justamente o terreno, se que se pergunta, e isso conta, isso conta para todo
posso dizer, onde não se sabe sobre que pé dançar o mundo, conta imediatamente.
a propósito do que é verdadeiro. E no que se refere Então, quando falamos de um furo na ver-
à relação sexual, coloca-se sempre a questão do dade, não é, naturalmente, uma metáfora gros-
que se faz realmente - não diria quando alguém seira, não é um furo no casaco, é o aspecto nega-
diz a alguém "eu te amo", porque todo o mundo tivo que surge no que tange ao sexual,justamente
sabe que é uma frase de otário, mas quando se tem no que tange à sua inaptidão a se comprovar. É
com alguém um laço sexual, quando isso tem uma disso que se trata em uma psicanálise.
seqüência, quando assume a forma do que chama- Evidentemente, quando se começa a encetar
mos de ato. as coisas assim, não se pode ficar nisso. A partir de
Um ato não é simplesmente alguma coisa uma questão como esta, que é verdadeiramente
que sai da gente assim, uma descarga motora, atual, presente para todos, pode-se fazer sentir a
como diz volta e meia e sem cerimônia a teoria renovação do sentido do que desde a origem
analítica - ainda que, com a ajuda de um certo Freud chamou de "sexualidade".
número de artifícios, aberturas diversas, ou mes- Os termos de Freud reanimam-se, ganham
mo com o estabelecimento de certa promiscui- novo alcance. Percebemos inclusive seu alcance
dade, cheguemos a fazer do ato sexual alguma literário, isto é, a que ponto se prestam como letras

30 ]I
Jacques Lacan Lugar, origem e fim do meu ensi no

à manipulação de que se trata. O ideal é justa- de Clérambault, mas não falarei porque, na ver-
mente levar as coisas tão longe, meu Deus, quanto dade, isso não funciona.
comecei a levá-Ias. Levei as literárias até o último ~lérambault apontou-me algumas coisas.
termo, a saber, o que se consegue fazer da lingua- Ensinou-me simplesmente a ver o que eu tinha à
gem quando se quer evitar os equívocos, isto é, minha frente, um louco. Como convém a um psi-
" reduzi-Ia ao literal, às letrinhas da álgebra. quiatra' ensinou-me interpondo, entre eu e isso,
Isso nos conduz imediatamente ao meu se- um louco, que afinal é tudo o que há de mais preo-
gundo capítulo, a origem do meu ensino. cupante no mundo. Um psiquiatra sempre inter-
põe alguma coisa.
Então, temos à nossa frente um fulano que
2 tem o que Clérambault chamava de "automatismo
mental", isto é, um fulano que não pode fazer um
Vejam vocês, aqui é o contrário de ainda há pouco. gesto sem que seja comandado, sem que lhe digam
Eu lhes disse que o lugar era o acidente. No - "Ele está fazendo isso, o pestinha". Se você não
-
fim das contas, fui empurrado para o furo de que é psiquiatra, se tem simplesmente uma atitude,
falamos, onde ninguém quer entrar. Se brigo digamos, humana, intersubjetiva, simpática, um
seriamente, é decerto porque isso começou, não se fulano que lhe conta um troço desses, isso deve
pode parar assim. realmente dar um frio na espinha.
Agora, sobre o tema da origem, bem, isso Um fulano que vive assim, que não pode
certamente não quer dizer o que lhes pode sugerir fazer um gesto sem que se diga: "Veja, ele está
ao ouvido, saber em primeiro lugar em que estendendo o braço, que babaca", é assim mesmo
momento e por que isso começou. uma coisa fabulosa, mas se você decretou que foi
Não estou lhes falando do que se chama devido a uma espécie de efeito mecânico em
nobremente nas teses da Sorbonne ou de outras algum lugar, de uma coisa que irrita sua própria
faculdades de letras de as origens do meu pensa- circunvolução e que, aliás, ninguém nunca viu,
mento, nem mesmo da minha prática. Alguém veja como você volta a serenar. Clérambault ins-
bem-intencionado queria que eu lhes falasse do sr. truiu-me bastante acerca do status do psiquiatra.

32 33
Jacques Lacan Lugar, origem e fim do meu ensino

Naturalmente, sobre o automatismo mental, Para a maioria de vocês, é provavelmente a


como ele o chamava, decorei a lição. Muita gente primeira vez que uma idéia dessas lhes cai no
percebeu isso depois e o exprimiu aproximada- ouvido sob esta incidência, pois creio que, de toda
mente nos mesmos termos, o que não quer dizer forma, há um bom número aqui que ainda não
que se mereça sempre um prêmio quando se recebe entrou no século das Luzes. É provável que um
alguma coisa de seu chefe. Dito isto, ele enxergava bom número aqui acredite que a linguagem é uma
muito bem as coisas, pois, de toda forma, antes dele superestrutura. Até o sr. Stálin não acreditava
ninguém percebera a natureza desse estado men- nisso. Realmente, ele se deu conta de que, se
tal. Por quê, senão porque eles tornavam os véus começassem assim, aquilo podia dar errado e que
ainda mais espessos? Chegavam de tal maneira a num país que eu ousaria chamar de avançado -
colocar "Faculdade-de- Letras" entre eles e seus provavelmente não terei tempo de dizer por quê-
loucos que sequer enxergavam os fenômenos. isso podia ter conseqüências. É raríssimo que uma ]
Ainda hoje é possível enxergar mais, descre- c~isa feita na Universidade possa ter conseqüên-
ver de forma completamente diferente a alucina- eras, uma vez que a Universidade é feita para que
ção. Bastaria que se fosse verdadeiramente psica- o pensamento nunca venha a ter conseqüências . ./
nalista, mas não se é. Não se é exatamente na Mas quando se agarra o freio com os dentes, como
medida em que, ainda que se o seja, fica-se a essa aconteceu em algum lugar em 1917, quando o sr.
nobre distância do que ainda chamamos, mesmo Marr declara que o fato de a linguagem ser uma
quando se é psicanalista, de doente mental. En- superestrutura poderia ter conseqüências, é possí-
fim, deixemos isso. vel, por exemplo, começar a mudar o russo. Num
N o que diz respeito à origem do meu ensino, piscar de olhos o pai Stálin percebeu o perigo de
bem, não se pode falar dela, assim como não se fazerem daquele jeito. Vejam em que tipo de con-
pode falar de nenhuma outra questão das origens. fusão ele ia entrar. "Não digam uma palavra sobre
A origem
~ do meu ensino é bem simples, está isso, a linguagem não é uma superestrutura", disse
presente desde sempre, uma vez que o tempo nas- Stálin - no que concorda com o sr. Heidegger, "o
ceu com aquilo de que se trata. Com efeito, meu homem habita a linguagem".
ensino é muito simplesmente a~agef!}, nada Não vou falar sobre o que Heidegger quer
além disto. dizer ao dizer isso, mas vejam que sou obrigado

34 35
Jacques Lacan Lugar, origem e fim do meu ensino

a selecionar. "O homem habita a linguagem"; tuir o que se faz de mais sólido atualmente sob a
mesmo extraído do texto de Heidegger, isso fala rubrica da lingüística.
r por si só. Isso quer dizer que a linguagem está aí Um ~o em Freud não é uma natureza que
\ antes do homem, o que é evidente. Não apenas sonha, um arquétipo que se agita, uma matriz do
o homem nasce na linguagem exatamente como mundo, um sonho divino, o coração da alma. Freud
fala dele como de um certo nó, uma rede associa-
nasce no mundo, como também nasce pela lin- <.. -

iva de formas verbais analisadas e se recortando


guagem.
~ . como tais não pelo que significam, mas por uma
Convém designar nesse ponto a ongem
espécie de homonímia. É quando uma mesma
daquilo de que se trata. Ninguém antes de mim - ---
palayra e?contra-se ::n três cruzamentos .Qas
parece ter dado importância ao fato de que, nos
primeiros livros de Freud - os livros fundamentais, ~._---
idéias que ocorrem ao sujeito que vocês percebem
que o.gueé impo~nte é ague~palavra, e não outra
sobre os sonhos, sobre o que chamamos de psico-
coisa. É quando vocês encontram a palavra que
patologia da vida cotidiana, sobre o chiste -,
concentra em torno de si o maior número de fila-
encontramos um fator comum, proveniente dos
mentos desse micélio que vocês sabem que é ali o
tropeços da fala, furos no discurso, jogos de pala-
centro de gravidade oculto do desejo de que se trata.
'--" Ff
vras, trocadilhos e equívocos. É isso que vem em Para encurtar, é o ponto de que eu falava ainda há
apoio às primeiras interpretações e descobertas pouco, o ponto-núcleo onde o discurso faz furo.
inaugurais sobre aquilo de que se trata na experiên- Se me entrego a essa prosopopéia, é simples-
cia psicanalítica, no campo por ela determinado. mente para tornar sensível o que digo àqueles que
Abram em qualquer página o livro sobre o ainda não o tiverem escutado.
sonho, que veio primeiro, vocês só verão se falar de Quando me exprimo dizendo que o incons-
coisas que envolvem palavras. Verão Freud falar ciente é estruturado como uma linguagem, é para
delas de uma forma tal que perceberão que ali tentar restituir a verdadeira função a tudo o que se
estão escritas com todas as letras, exatamente, as estrutura sob a égide freudiana, e isso já nos per- y

leis de superestrutura que Saussure difundiu pelo mite vislumbrar um passo.


mundo. Ele não era, por sinal, seu primeiro inven- É~u~ há linguage!;!l, como todos podem
tor, mas foi seu ardoroso transmissor, para consti- perceber, ue há verdade.

37
Jacques Lacan Lugar, origem e fim do meu ensino

o que se manifesta como pulsação viva, o que ponta superior, onde vemos a consciência atuar
pode se passar em um nível tão vegetativo quanto de fato como se tirasse seu relevo do que acabo de
queiram, ou no nível mais elaborado do gestual, evocar. Se se trata de pensar a consciência apenas
em nome do que seria ele mais verdadeiro que o sob a forma dessa função de conhecer que dá a
resto? A dimensão da verdade não está em parte seres particularmente evoluídos a possibilidade de
alguma enquanto se tratar apenas de uma briga refletir alguma coisa do mundo, em que teria ela
biológica. Um animal que faz a corte exibindo-se, algum privilégio dentre todas as outras funções
ainda que nisso introduzamos a dimensão de que atinentes à espécie biológica como tal? Essa gente
é feito para enganar o adversário, o que isso acres- chamada por diversos nomes pejorativos, os idea-
centa? Ele é tão verdadeiro que nada mais im- listas, apontou muito bem para isso.
porta, uma vez que,justamente, o que se trata de Por outro lado, não nos faltam termos sérios
obter é um resultado real, ou seja, que o outro seja para fazer a comparação. Temos uma ciência que
r acuado. A verdade só começa a se instalar a par- é organizada sobre bases que não são absoluta-
tir do momento em que há linguagem. Se o mente aquelas que vocês pensam. Nada a ver com
inconsciente não fosse linguagem, não haveria uma gênese. Para fazer nossa ciência, não foi na
espécie alguma de privilégio, de interesse no que pulsação da natureza que entramos, não. Fizemos
se pode designar, no sentido freudiano, como o dançar pequenas letras e pequenos algarismos, e
inconsciente. foi com isso que construímos máquinas que an-
Em primeiro lugar, se o inconsciente não dam, que voam, que se deslocam no mundo e que
fosse linguagem, não haveria inconsciente no sen- vão bem longe. Isso não tem absolutamente nada
tido freudiano. Não haveria inconsciente? Pois a ver com o que se pôde sonhar sob o registro do
sim, o inconsciente, muito bem, falemos sobre ele. conhecimento. É uma coisa que tem sua organi-
Isto também, esta mesa, é algo do inconsciente. zação própria. O que acaba por resultar como sua
São coisas de que se esqueceu completa- essência mesma, a saber, nossos famosos compu-
mente a partir de certa perspectiva, que é a pers- tadores de diversas espécies, eletrônicas ou não, é
pectiva dita evolucionista. Nessa perspectiva, isso a organização da ciência.
achou-se naturalíssimo dizer que a escala mineral Claro, a coisa não anda sozinha, mas posso
desemboca naturalmente em uma espécie de lhes observar que não existe, por ora, e até nova

39
Lugar, origem e fim do meu ensino
Jacques Lacan

ordem, meio algum de se fazer uma ponte entre as Não digo tudo isso para apoiar o que quer
que seja de sólido, mas apenas para lhes sugerir
formas mais evoluídas dos órgãos de um orga-
certa prudência, que é particularmente válida ali
nismo vivo e essa organização da ciência.
Entretanto, há uma certa relação. Neste caso onde a função poderia parecer se realizar no que é
conhecido como "paralelismo". Não para refutar
também há linhas, tubos, conexões. Mas um cére-
bro humano é muito mais rico que tudo que ainda o famoso paralelismo psicofísico, que é, como

somos capazes de construir como máquina. Por


que não se colocaria a questão de saber por que
todos sabem, uma futilidade há muito demons-
trada, mas para sugerir que não é entre o físico e ~
psíquico que o corte deve ser feito, mas entre o PSí)
r
isso não funciona da mesma maneira?
Por que não fazemos, nós também, em vinte quico e o lógico.
Quando se chega nesse ponto, enxerga-se,
segundos, três bilhões de operações, adições, mul-
apesar de tudo, um pouquinho do que quero dizer
tiplicações e outras operações corriqueiras, como
faz a máquina, quando em nosso cérebro temos quando digo que o questionamento do que é da

coisas muito mais assombrosas? Coisa curiosa, ele alçada da linguagem me parece indispensável para

consegue funcionar assim por um curto instante. esclarecer as primeiras abordagens daquilo de que

Sobre o conjunto do que podemos constatar, é nos se trata quanto à função do inconsciente.

débeis. O fenômeno dos débeis calculadores é Com efeito, talvez seja de fato verdade que o

bem conhecido. Calculam como máquinas. inconsciente não funcione segundo a mesma

Isso sugere que tudo que é da ordem do nosso lógica que o pensamento consciente. Trata-se

pensamento talvez seja como a apreensão de um nesse caso de saber qual.


Tampouco funciona menos logicamente, não
certo número dos efeitos de linguagem, que são,
como tais, aqueles sobre os quais podemos operar. é uma pré-lógica, não, mas uma lógica mais maleá-

Quero dizer que podemos construir máquinas vel, mais fraca, como se diz entre os lógicos. "Mais

que são, de certa maneira, seu equivalente, mas fraca" indica a presença ou ausência de certas cor-

num registro evidentemente mais curto que o que relações fundamentais, sobre as quais se edifica a

poderíamos esperar de um rendimento compará- tolerância dessa lógica. Uma lógica mais fraca não

vel caso se tratasse realmente de um cérebro que é absolutamente menos interessante que uma
lógica mais forte, é inclusive muito mais interes-
funcionasse da mesma forma.
Jacques Lacan Lugar, origem e fim do meu ensino

sante, uma vez que é muito mais difícil sustentá -la, inclusive alguns dos meus queridos novos amigos
mas ela se sustenta mesmo assim. Podemos nos da geração da École N ormale - que de tempos em
interessar por essa lógica, pode inclusive ser ex- tempos se dispõem a me dar ouvidos - editaram
pressamente nosso objeto interessarmo-nos por de sua autoria um certo Ensaio sobre a origem das
ela, nós psicanalistas, se é que ainda os há. línguas, é divertidíssimo, recomendo-lhes.

Pensem toscamente um pouquinho em tudo Mas enfim, é preciso prestar atenção a tudo
isso.O aparelho linguageiro está em algum lugar no que toca à psicanálise. A partir do momento em
cérebro, como uma aranha. É ele que tem as presas. que tiverem noção dessa espécie de dissociação
Isso pode chocá-Ios, vocês podem perguntar que tentei fazê-los perceber esta noite, talvez pos-
_ "Mas isso não é possível, pode nos dizer de onde sam dar-se conta do que há de rutil na psicologia
vem essa linguagem?" Não sei nada sobre isso. da criança de um Piaget.
Não sou obrigado a saber tudo. Aliás, tampouco Se interrogarmos uma criança a partir de um

vocês sabem. aparelho lógico que é o do interrogador, ele pró-


Não vão imaginar que o homem inventou a prio lógico, e inclusive excelente lógico como é o
linguagem. Vocês não têm certeza, não têm prova, sr. Piaget, não será nenhuma surpresa se o encon-
não viram nenhum animal humano transformar- trarmos na criatura interrogada. Percebe-se sim-
se em Homo sapiens à sua frente, assim. Quando plesmente o momento em que isso pega, em que
ele é Homo sapiens ele já possui a linguagem. isso morde a criança. Deduzir daí que é o desen-
Quando surgiu o interesse pela lingüística, em volvimento da criança que constrói as categorias
particular de um sr. Helrnholtz, proibiu-se a for- lógicas é uma pura e simples petição de princípio.
mulação da pergunta das origens. Era uma deci- Você a interroga no registro da lógica, e ela lhe res-
são sensata. Isso não quer dizer que seja uma proi- ponde no registro da lógica. Fica bem claro que ela
bição que será preciso respeitar sempre, embora não terá entrado em todos os níveis da mesma
seja sensato não fabular demais, e sempre se fabula forma no campo da linguagem. Ela precisa de
no nível das origens. tempo, isto é certo.
Isso não impede que se forje um monte de Há um cavalheiro em nada psicanalista que
obras meritórias de que podemos fazer apanhados retomou muito bem o sr. Piaget sobre o assunto.
bem divertidos. Rousseau escreveu sobre isso, e Chamava-se Vigotski e operava em algum lugar

43
1 Jacques Lacan
Lugar, origem e fim do meu ensino

perto de São Petersburgo. Ele inclusive sobrevi- 3

veu alguns anos às peripécias revolucionárias,


mas, como estava um pouquinho tuberculoso, foi Por que introduzi a função de sujeito como algo
embora sem terminar o que tinha a fazer. Ele per- distinto do que é do âmbito do psiquismo?
cebera, coisa curiosa, que a entrada da criança no Não posso fornecer verdadeiramente uma
aparelho da lógica não devia ser concebida como teoria sobre isso, mas quero mostrar-lhes como
uma conseqüência de desenvolvimento psíquico isso se liga à ~ ão do su·~ na linguagem, que
interior, sendo preciso, ao contrário, considerá-Ia é uma fim ão du Ia. l le..
H'a um SUjeitoque
. . , .. d ~~'d~
e o su elto o enunciá o.
y
similar à sua maneira de aprender a brincar, se é
que assim podemos dizer. É fácil reparar nisso. Eu Ue] quer dizer aquele que
Ele tinha constatado, por exemplo, que a está falando agora no momento em que digo eu.
criança não entra na noção de conceito, no que Mas o sujeito nem sempre é o sujeito do enun-
corresponde ao conceito, antes da puberdade. Por ciado, pois nem todos os enunciados contêm eu.
que isso, hein? A puberdade parece designar efe- Mesmo quando não existe eu, mesmo quando .
tivamente uma categoria diferente da idéia extra-
Adi ", h d " h' .. d
voces izem esta c oven o, a um sUjeito a ~\, Q do -" J.G,:)

vagante acerca de como as circunvoluções cere- epunciação, há um sujeito mesmo que não seja 1
brais começam a funcionar. Ele percebera isso perceptível na frase.
muito bem na experiência. Tudo isso permite representar muitas coisas.
Não posso deixar de antecipar aqui a função ~ sujeito que nos interessa - suieito não na
do sujeito, seja o que for que me tenham dito ante- m~ill ue faz o discurso, mas em
~
que é feito
cipadamente. Eles exageram. Qpanto a mim, por ele, e inclusive feito como um rato - é o sujeito
<...--.. "------------
acho que vocês me escutam muito bem. Vocês são da enunciação. ---
~
I educados, e mais que educados, pois ser educado Isso permite adiantar uma formulação que
I não basta para se escutar bem. lhes apresento como uma das mais primordiais. É

I
Então, não vejo por que não lhes diria coisas
um pouquinho mais difíceis.
uma definição do que é designado como "ele-
~ento" na l~g,uagem. Isso sempre foi designado -
I
como "elemento", mesmo em grego. Os estóicos
chamaram-no de "s~te". Ep.uncio o que o

44 45
Lugar, origem e fim do meu ensino
Jacques Lacan

sas a demandar, mas isso não é obrigatório. Basta


distin ue do sig!,lo:é que "o si _nificante é o que
que seja aquele a quem vocês digam algo como
r~ resenta..2. sujeit<2.l?al3.outro significante", ~o
"Queira o céu que ..." qualquer coisa, e que vocês
p~ro sujeito.
usem o optativo, ou mesmo o subjuntivo. Bem,
Tudo que penso fazer esta noite é tentar inte-
esse lugar de verdade assume um alcance bem
ressá-los um pouco. Não pretendo mais que botar
diferente. Basta o enunciado que acabo de profe-
isso na mão de vocês e dizer: "Tentem fazer fun-
rir para fazê-los perceber isso.
cionar." Por sinal, ainda assim vocês tiveram algu-
Com isso introduzimo-nos na referência a
mas indicações aqui e ali, uma vez que tenho alu-
uma verdade completamente especial, que é a do
nos que mostram de tempos em tempos como isso
desejo. A lógica do dese·o, a que não se dá no indi-
funciona.
cativo, nunca foi levada tão long~-:---
O importante é que isso necessita a admissão .
Começaram-se coisas chamadas "lógicas
formal, topológica, pouco importa saber onde isso
modais", nunca as coisas foram levadas tão longe,
mora, de um certo quadro, que chamaremos de
provavelmente por não se ter percebido que o
"qua d ro A" . T am béem e, c h ama d o d e "O
outro "
registro do desejo deve necessariamente ser cons-
algumas vezes, entre os que estão próximos,
tituído no nível do quadro A, em outros termos,
quando sabem do que falo, o Outro com maiús-
que o deseio é sempre o q~e s~}~c~v~ enquanto
cula também (A). Para que possamos nos situar
c~següênci~a articulação li_ngu~geirano ~ivel
quanto ao funcionamento do sujeito, esse ~
do Outro.
deve ser definido como o lu~la. Não é ali de - -
O desejo do homem, eu disse um dia em que
onde a palavra se emite, mas ali onde assume seu
precisava me fazer entender - por que não teria dito
\ valor de palavra, isto é, onde ela inaugura a dimen-
"homem"?, mas enfim não foi realmente a palavra
I são da verdade. Isso é absolutamente indispensá-
correta -, o dese",~.p~Qlesbem~re o desejo{
vel para fazer funcionar aquilo de que se trata.
Percebemos então rapidamente que, por
d~ro. ----~-
Isso q~er dizer que, em suma, .....
estamos -
sempre d~~ndando ~o Ou.!ro sel!:..
desejo. y
todo tipo de razões, isso não consegue funcionar
O que estou em vias de lhes dizer é com-
por si só. A principal razão é que acontece desse
pletamente manejável, não é incompreensível.
Outro de que lhes falo ser representado por um
Quando vocês saírem daqui, perceberão de
vivente real, a quem, por exemplo vocês têm coi-

47
l imediato
Jacques Lacan

que é verdade. Basta pensar nisso e


Lugar, origem e fim do meu ensino

Isso salta da própria leitura de Freud, caso


forrnulá-Io como tal. E depois tais fórmulas são nos dispusermos simplesmente a não ler através

totalmente práticas, vocês sabem, porque pode- da lupa opaca de que em geral se servem os psica-
nalistas para sua tranqüilidade pessoal, porque
mos invertê-Ias.
Ai Um certo sujeito cujo desejo é que o Outro
lhe demande - isso é simples, inverte-se, vira-s~ -,
basta dar um pequeno impulso no jogo para per-
cebermos que entramos em terrenos bastante

pois bem, aí vocês têm a defini ão do neurótico. escabrosos, e que renovam um pouco a matéria.

- Vejam como isso pode ser prático para se orientar. Não é porque percebemos um elo entre o

Só que convém examinar bem de perto. Isso não neurótico e o religioso que devemos fazer uma
colusão, um pouco rápida, colando-os um ao ou-
se faz em um dia.
Vocês podem ir mais longe e perceberem ao tro. Apesar de tudo, devemos enxergar uma

mesmo tempo por que o religioso pôde ser com- nuance, saber por que é verdade, até onde é ver-
dade, por que não o é plenamente.
parado ao neurótico.
Ele não é absolutamente neurótico, o reli- Isso não quer dizer que vamos contra Freud,

gioso. Ele é o religioso. Mas se parece com ele, podemos dizer que nos servimos dele. Percebemos

porque também está em vias de combinar coisas então por que o que ele dizia de tão opaco tinha

em torno do que é efetivamente o desejo do Ou- certo alcance. O coitado estava lá, dizia ele, como

tro. Só que, como é um Outro que não existe, uma um arqueólogo, cavando buracos e trincheiras e

vez que é Deus, convém arranjar uma prova. recolhendo objetos. Talvez inclusive não soubesse

Então, finge-se que ele demanda alguma coisa, muito bem o que convinha fazer, ou seja, deixar as

por exemplo vítimas. Eis por que isso vem se con- coisas in situ ou as transportar imediatamente para

fundir muito de leve com a atitude do neurótico, a sua prateleira. Isso permite observar que há efe-

em particular o obsessivo. Isso lembra muito todas tivamente veridicidade nessa busca pela verdade
de um novo estilo, que começou com Freud.
as técnicas das cerimônias vitimatórias.
Isto é para lhes dizer que estas são coisas Voltemos à referência ao desejo do Outro. Se

completamente manejáveis e que não apenas não vocês tiverem tempo de obter uma construção

vão de encontro ao que disse Freud, como o tor- correta do desejo em função da linguagem li-
gando-a ao que é sua base lingüística fundamen-
nam inclusive integralmente legível.

49
Jacques Lacan Lugar, origem e fim do meu ensino

tal, chamada meto nímia, estarão avançando de Vocês vão dizer que estou declarando algo
forma muito mais rigorosa no campo a ser explo- que nem por isso fica mais transparente. Mas eu
rado, que é o campo da psicanálise. Podem inclu- não procuro a transparência, procuro primeiro
sive perceber muito bem o verdadeiro nervo de colar no que encontramos em nossa experiên-
alguma coisa que permanece muito opaca, muito cia, e quando isso não é transparente, enfim,
obtusa, muito obstruída na teoria psicanalítica. paciência.
Se é no cam120do Outro ue se constitui o A castração, primeiro é preciso admiti-Ia.
~
~ejo, s0_desd9 do homem é o dese"..2...
do Evidentemente, não se está habituado a fazê-lo.
O.....mropode
", fazer-se necessário que seu desejo, Incomoda reconquistar essa transparência, al-
o do homem, seja o seu próprio. Pois bem, como cançá-Ia. Inventa-se então todo tipo de história
vocês se exercitaram antes, estão em condições para boi dormir, inclusive as ameaças dos pais é que
de ver as coisas de forma menos precipitada do seriam as responsáveis, como se bastasse que os
que se fez antes, menos obstinada em encontrar pais dissessem alguma coisa assim para que uma
imediatamente razões anedóticas para isso. estrutura tão fundamental, tão geral quanto o
Qyanto ao desejo do homem, que deve real- complexo de castração, daí resultasse.
mente ser extraído do campo do Outro e ser o meu,
pois bem, acontece algo curiosíssimo. Qyan~
cabe a ele desejar, pois bem, el~_E.erce~ qu!:.,é
--
Aliás, isso chega a ponto de a mulher inven-
tar um para ela, um falo, o falo reivindicado, uni-
camente por se considerar castrada, o que ela jus-
----
castrado. tamente não é, a coitadinha, pelo menos no que
O complexo
------ de castração é isso. Isso quer diz respeito ao órgão, ao pênis, porque ela não o
dizer que alguma coisa se produz necessariamente tem absolutamente. Que ela não nos conte que
na significância, que é essa espécie de perda que tem um pedacinho, não adianta nada.
necessita que, quando entra no campo de seu pró- Mesmo assim vou dizer-lhes algo que vai
prio desejo enquanto desejo sexual, o homem só acalmá-los, tornar a coisa um pouco mais com-
possa fazê-lo pelo veículo dessa espécie de sím- preensível.
bolo que representa a perda de um ór ão, na Se há castração, talvez seja pura e simples-
medida em que ele assume na ocasião f~o sig- mente porque o desejo, quando é de fato do seu
nificante, função do~bj~o p~do. que se trata, não pode ser tido, ser alguma coisa

50 SI
Jacques Lacan Lugar, origem e fim do meu ensino

que se tem, ser um órgão manejável. Ele não pode 4

ser ao mesmo tempo o ser e o ter. Então, o.§rg,1í:.0


talvez sirva justamente a essa alguma coisa que o fim do meu ensino. Se empreguei a palavra

está em função no nível do desejo. Ele é objeto "fim", não é que vamos fazer um drama aqui. Não
se trata do dia em que isso fará vupt, não, fim é the-
~ ---
perdido Rorgue vem no lugar do su·eito como
d~jo. Enfim, é uma sugestão. los, para que é feito.
Sob esse aspecto, que a paz se restabeleça em O .fup do meu ensino, pois bem, seria fazer
.........••
seus espíritos. Moderem sobretudo a impressão sicanalistas à altura dessa função que se chama

de que há nisso uma espécie de audácia, ao passo "suj~~to", porque se ~ifica que só ;Partir desse

que se trata de tentar formalizar de modo correto ponto de vista se enxerga bem aquilo de que se

o que é simplesmente a experiência que temos de trata na psicanálise.


Isso pode não lhes parecer muito claro, "psica-
supervisionar todos os dias.
Temos alunos que nos vêm contar histórias de nalistas que estejam à altura do sujeito", mas é ver-

seus pacientes e que percebem que, afinal de con- dade. Vou tentar esboçar para vocês o que se pode

tas, com a linguagem de Lacan, não apenas escu- deduzir disso na teoria da p~nálise did~ca.

tam os doentes tão bem quanto com a linguagem Já não seria má preparação se os psicanalistas

que é difundida e espalhada pelos institutos dife- praticassem um pouco de matemática. O sujeito

rentemente constituídos, como escutam melhor. ali é fluido e puro, de modo algum preso ou

Acontece

próprio discurso
de algumas
dizerem coisas verdadeiramente
de Lacan
vezes os pacientes
astuciosas, e é o
que estão dizendo.
Salvo que, se não tivessem escutado Lacan antes,
acuado. Isso os ajudaria, eles perceberiam
certos casos em que isso não circula mais porque,
justamente, vocês viram ainda há pouco, o Outro
pare~e cindido tanto do lugar da verdade como do
desejo do Outro. Para o sujeito, é a mesma coisa.
que há

r
não teriam sequer escutado o doente, e teriam
dito: "Mais um desses doentes mentais que saiu Um sujeito segundo a linguagem é aquele que
conseguimos depurar com grande elegância na
dos trilhos."
lógica matemática. Salvo que resta sempre alguma
Bom, então passemos ao fim.
coisa a citar que é de antes. O sujeito é fabricado
por um certo número de articulações produzidas e

52 53
Lugar, origem e fim do meu ensino
Jacques Lacan

de onde ele caiu como fruto maduro da cadeia sig- Há O LSD, mas enfim, mesmo assim, o LSD
nificante.já quando vem ao mundo, ele cai de uma não baratina completamente as cadeias signifi-
cantes. Esperemos isso, em todo caso, para que
cadeia significante, talvez complicada, em todo
encontremos algo aceitável. Vai-se encontrar um
caso elaborada, e é a ela muito precisamente que
impulso assassino, como dirão, e achar que ele se
subjaz o que é conhecido como desejo dos pais.
articula perfeitamente com um certo número de
Dificilmente podemos deixar de fazê-lo entrar em
cadeias significantes que foram totalmente deci-
consideração em virtude de seu nascimento, ainda
sivas nesse ou naquele momento do seu passado.
que esse desejo fosse justamente de que ele não
Mas, convenhamos, é o psicanalista quem
nascesse, e, sobretudo, neste caso.
diz isso. Por que não se diria pura e simplesmente
O mínimo seria que os psicanalistas perce-
que ele arrebentou a menina, e pronto? Seria tão
bessem que são poetas. É o que há de engraçado, e
verdadeiro quanto perceber que há para isso cau-
mesmo muito engraçado. Vou tomar o primeiro
sas em algum lugar no nível da cadeia signifi-
exemplo que me vem. cante. O psicanalista diz isso, e o pior é que acre-
Sirvo-me um pouco das notas que tomei no ditam nele.
trem pensando em vocês. Naturalmente, acres- Peço-Ihes realmente desculpas, acreditam
cento, elimino. Não havia apenas meu papel no nele. Se não acreditarem nele, não saem na foto.
trem, tinha também um France-Soir largado, Conviria justamente saber o que significa isso, que
então dei uma olhada. acreditem nele. Não estou antecipando, natural-
Claudine, vocês sabem, a bela francesa, não sei mente, nada sobre a benevolência dos juízes ingle-
se a estrangularam ou apunhalaram, em todo caso ses. Em todo caso, no que se refere ao psicanalista,
tem um americano que fugiu correndo e que está isso deveria incitá-lo a determinada crítica ao que
atualmente numa casa de saúde, oxalá para o bem. é totalmente análogo, quando se trata da transfe-
Vamos refletir. Ele está numa casa de saúde, rência, por exemplo.
um psicanalista vai visitá-lo. Isso pode acontecer, O psicanalista diz que a transferência reflete
porque ele é da sociedade. Bom, o que vai se achar? algo que estava no passado. É ele quem o diz. A
Vai se achar que havia LSD. Parece que ele estava regra do jogo é acreditar nele. Mas, afinal, por quê?
chapado no momento em que a coisa aconteceu. Por que o que se passa atualmente na transferência

55
54
Jacques Lacan Lugar, origem e fim do meu ensino

não teria seu valor próprio? Conviria talvez encon- Vocês podem encontrar esse a posteriori nas
trar outro modo de referência para justificar a pre- primeiras páginas de um certo vocabulário que foi
ferência dada ao ponto de vista do psicanalista lançado recentemente. Inútil dizer-lhes que nin-
sobre o assunto e do que se passa. guém nunca teria posto esse a posteriori num
Não fui eu quem inventou isso. Um psicana- vocabulário freudiano se eu não o houvesse lan-
lista americano - nem todos são idiotas - acaba de çado no meu ensino. Ninguém antes de mim
fazer exatamente essas observações em um nú- observara o alcance desse n.fl:&htraglj{h,embora ele
mero relativamente recente do Jornal Oficial da esteja em todas as páginas de Freud. Não obs-
Psicanálise. tante, é importantíssimo destacar o a posteriori
Quero encerrar com coisas vivas, como se neste caso.
diz. Eis então um pequeno exemplo. "Se eu sou- Nenhum psicanalista fez a reflexão, quero
besse, diz um paciente, teria mijado na cama mais dizer que nunca foi escrito isso, que está no
de duas vezes por semana." entanto na linha direta do que ele faz como psica-
Passo-os à seqüência, da qual ele tira um ne- nálise' a não ser quando lhes dizem: "Deus do céu,
gócio parecido. Era na seqüência de toda uma por que não mijo na cama mais de duas vezes por
série de considerações sobre privações diversas e semana?", se vocês sabem escutar, isso quer dizer
depois de ele ter sido aliviado de um certo núme- que o fato de mijar apenas duas vezes por semana
ro de dívidas pelas quais se sentia responsável. também deve ser considerado e que é preciso dar
Estava bem à vontade e emitia, muito estranha- conta do algarismo 2 introduzido em correlação
mente, esse arrependimento de não ter feito com o sintoma enurético.
aquilo mais vezes. Talvez bastasse saber utilizar o que é a sim-
Então, vejam, aqui fico completamente cho- ples conseqüência da coerência do pensamento
cado com uma coisa: é que o psicanalista não se dê consigo mesmo. Quando o pensamento não é
conta da posição decisiva que ele tem ao articular, demasiado empírico, ele não consiste em ficar de
nachtraglich como se exprime Freud, um a poste- papo para o ar e esperar que as inspirações lhes
riori [apres-coup] que funda a verdade do que pre- ocorram na frente dos fatos.
cedeu. Ele não sabe verdadeiramente o que está Aliás, como inclusive dizer que estaríamos
fazendo ao fazer isso. na presença de puros e simples fatos em uma

57
Lugar, origem e fim do meu ensino
Jacques Lacan

no sentido distributivo do termo. Poderíamos


situação tão articulada, tão intervencionista, tão
perceber mais de uma correlação: com o sujeito da
artificial quanto é a psicanálise? Não é porque o
ciência, por um lado, e, por outro, com o que daí
psicanalista não se mexa e se cale três quartos do
resulta no nível da relação com a verdade. Não
tempo, noventa e nove por cento do tempo, que
seria curioso, enfim, tentar observar a correlação
devemos considerar tratar-se de uma experiência
que há entre uma determinada instauração do
de observação. É u~a experiência em gue o psica-
desejo do Outro na cúpula de um regime e o fato
nalista está envolvido, e, por sinal, não há psicana-
- .. de ser de regra manter mordicus durante um tempo
lista que ouse sequer tentar negá-lo. Só gue é p!e-
considerável um número sempre cada vez mais
ciso saber o que se faz. Menos aí, aliás, que em
extenso de puras e simples mentiras?
todos os outros lugares, não se pode ignorar que o
Não creiam que eu esteja sustentando afir-
verdadeiro móbil de uma estrutura científica é sua
mações "anticomunas". Não é absolutamente do
lógica, não sua face empírica.
que se trata. Vou aliás formular outro enigma. Do
A partir desse momento, talvez se possa
outro lado, ali onde o desejo do Outro é fundado
começar a enxergar alguma coisa. E talvez o psi-
na chamada liberdade, isto é, a injustiça, vocês
canalista venha a estar tão mais fortemente apoia-
acham melhor? Neste país onde se pode falar
do em seu assento que poderá não ser simples-
tudo, inclusive a verdade, o resultado é que, digam
mente um psiquiatra.
o que disserem, isso não tem, sob circunstância
Imaginem esse famoso pequeno d de grande
alguma, nenhum tipo de conseqüência.
A, esse desejo do Outro - não temos razão alguma
Gostaria de encerrar este assunto para lhes
para limitá-lo unicamente ao campo da prática
dizer que chegará um tempo em que se perceberá
psicanalítica. Se não há consciência coletiva, tal-
que ser psicanalista pode ser um lugar em uma
vez possamos perceber que a função do desejo do
sociedade.
Outro é absolutamente essencial de ser conside-
Ele será ocupado, espero, tenho certeza, não
rada, e, especialmente em nossa época, no que se
obstante no presente só o seja por psicanalistas
refere à organização das sociedades.
entocados em suas lojinhas de truques.
Essa conseqüência resulta de uma instituição
Claro, talvez a psicanálise seja uma moda,
chamada corriqueiramente de comunismo, isto é,
uma moda a princípio científica a respeito das coi-
de um desejo do Outro fundado em uma justiça

59
Lugar, origem e fim do meu ensino
Jacques Lacan

fala e esse tu, essa alteridade de que ele precisa, que


sas referentes ao sujeito. Será, porém, cada vez
lhe é necessária, pois se tudo é claro, não há mais
mais útil preservá -la em meio ao movimento sem-
nada. Quero dizer que, se não existe essa resistência
pre mais acelerado do nosso mundo.
do outro, ele não consegue achar-se ali.
Ora, o eu assim instituído escapa da legislação
da linguagem, salvo em uma lógica da predicação, e
DISCUSSÃO
acho que, com a lógica da sua exposição, ao definir o
~~jeito do enunciado, o senhor entra em um sistema
Henri Maldiney: Como discutir o seu discurso?
de predicação, Ora, a lógica da predicação, mesmo
Conviria fazê-lo por uma pluralidade de pontos,
assim, não passa de uma forma de lógica, e é segura-
insinuar-se nas articulações, não se pode fazê-lo
mente uma lógica do objeto mais que uma lógica da
pelo todo. Farei uma simples pergunta sobre a dis-
relação sujeito-objeto.
tinção de seus dois sujeitos.
Precisamente, a objetivação que está presente
Parece que o senhor simplifica exagerada-
nessa lógica parece-me inteiramente contrária à
mente o primeiro,justamente aquele que não tem
própria noção de insight, pois ela é tão-somente o
sentido lexical, o que é determinado pelo ato de
segundo tempo de uma singularização dessa função
assumir a fala, aquele que não é simplesmente
muito mais fundamental, que é a de ser no mundo.
determinado pelo conjunto dos possíveis seman-
Ora, ser no seio mesmo dessa lógica e ser no mun-
temas da palavra, que, de resto, nunca são puros,
do não são absolutamente a mesma coisa. O senhor
nem pelo conjunto dos morfemas, mas pelo pos-
corre o risco de permanecer no interior do campo do
sível de uma situação.
"adquirido", para falar como Husserl.
Parece-me que, ao negligenciar este ponto, o
E a referência à coisa, a própria articulação das
senhor mostra-se nesse aspecto em oposição a
coisas, perpetuamente presente em Heidegger,
Heidegger, a quem citava ainda há pouco, pois a
arehéde Heidegger é fundamentalmente presença e não vejo bem que presença ela pode ter se a lingua-

articulação antes de ser estrutura morfológíca, antes gem torna-se verdadeiramente o signo, eu diria, a

de ser sentido. Ela é originalmente soberana no con- forma mesma do absoluto, para além do princípio

creto' situando-se fora do compreender, na situação de realidade, o que é contrário à Verneinung de

mesma. Analogamente, esse eu [je] que assume a Freud, da qual o senhor fez ...

61
60
Jacques Lacan Lugar, origem e fim do meu ensino

JL: Não toquei hoje em nada referente à Ver- uma vez que é precisamente por isso que falo de

nemung. ~ --
"divisão do sujeito".
Digo que 9 s~jeito, ao mesmo tempo em que
~. 0-

HM: Não, e por outro lado sim, dado que o é o su·eito funciona como dividido. Aí reside,
recalque não é suspenso pelo sentido intelectual da inclusive, todo o alcance do que instauro. Devo
representação e que este é o sentido que obtemos inclusive dizer-lhe que essa divisão do sujeito, eu
pela linguagem. Parece-me que a própria lingua- a consagro, denuncio, demonstro por outras vias
gem não é contemporânea, não nasce simples- que não esta, reduzida, de que me sirvo aqui e que,
mente com o tempo. Em geral a linguagem faz a aliás, não dá conta absolutamente da divisão em si.
economia do tempo, o sentido no fundo é reversí- Eu precisaria ter feito algo cuja referência me
vel; ora, é apenas no presente que se pode recupe- proibi taxativamente de trazer esta noite, pois não
rar essa alguma coisa que não está simplesmente se deve pensar que falei daquilo que, se me permi-
no sentido ... tem, eu chamaria, para ir mais rápido, não apenas
meu ensino, mas minha doutrina, e do que daí
JL: Eu suplico, não me impressione mais. Não
resultasse. Isso não pude absolutamente fazê-lo.
falei em nome de Heidegger só porque me permiti
Nessa divisão, há um elemento causal que é o
citá-lo por achar uma formulação espantosa.
que .chamo de objeto pequeno a. Há quem já tenha ~'o~'cr
Mesmo supondo que certas pessoas do meu audi-
ouvido falar dele, e os que não. Para os que não
tório tenham pensado sobre essa relação, eu ime-
ouviram, pode parecer uma bizarrice, sobretudo
diatamente disse que estava usando aquela for-
porque realmente sequer tive tempo de evocar de
mulação, e é o que faço com ela aqui. O que
que ordem ele podia ser e porque isso tem uma
Heidegger faz é outra questão.
re~ção mais estreita com a estrutura do desejo. Em
Por outro lado, para responder ao que me
todo caso, esse objeto Q.egueno a está no mesmo
parece essencial do que disse, não vejo bem por
l~:gar onde se revela essa singt;lar ausência fálica, ~a
que o senhor diz que sacrifico o sujeito da articu-
lação, da arehé, da situação, do sujeito enquanto r~z do que quis colocar aqui no centro porque é o

fala e ouve, enquanto entra na situação presente, ce,n.tro da experiência analítica, a saber, o que cha- tP
mel, como todo o mundo, de castração. ~ X:v.(j../ (
enquanto é o ser no mundo, como o senhor diz,
Jacques Lacan Lugar, origem e fim do meu ensino

Então, para dizer que esse st.!jeito era divi- linha, certo número de objeções ao fazer intervir
alguns registros da doutrina freudiana, o recalque,
-----.,.
dido, simplesmente indiquei
em relação à função da linguagem.
su~s duas posições
Nosso sujeito a Verneinunge muitas outras coisas. É muito evi-
tal como é,o sujeito que f~la, se quiser, pode muito dente que tudo isso desempenhou seu papel e foi

bem reivindicar a primazia, mas nunca será possí- passado no crivo da minha reflexão ao longo dos

vel considerá-lo pura e simplesmente livre-inicia- dezessete anos, desculpe, desde que dura o que

dor de seu discurso, na medida em que, sendo vim apresentar aqui, ou antes evocar, em três refe-

dividido, está ligado a esse outro sujeito, que é o do rências que chamei sucessivamente de "lugar, ori-

-
inconsciente e que se verifica ser dependente
uma outra estrutura linguageira.
inconsciente é isso.
A descoberta
de
do
gem e fim do meu ensino".

pertinência,
As objeções
senhor pode erguer, e que detêm, claro, toda sua
vêm de uma certa perspectiva.
que o

Não
Ou isso é verdade, ou isso não é verdade. Se ignoro nada do que pretende preservar com isso,

for verdade, é o que deveria proibir, mesmo ao sr. mas só para demonstrá-lo o senhor necessitaria

Heidegger, de falar sempre do que se refere ao certamente de um diálogo bem mais longo do que

sujeito de uma certa mesma maneira. Aliás, se o que podemos manter aqui.
entrarmos numa controvérsia heideggeriana, eu
me permitiria declarar aqui que o emprego que HM: Não nego o que o senhor disse sobre o
Heidegger faz do termo "sujeito" está longe de ser inconsciente. Assim como o senhor faz dele uma
linguagem, Hussed faz dele "inatualidades". Por
homogêneo.
conseguinte, n~o podemos ter um diálogo, mas,

HM: Ele não o emprega quase nunca. digamos, a enas um du 10 monólo o.

JL: Exatamente. Já eu o emprego. JL: Isso não é específico do que acontece entre
filósofos. Entre marido e mulher é a mesma coisa.

HM: Com suas razões.

JL: Com minhas razões, as que estou em vias de


articular para o senhor. O senhor me fez, nessa

65
Meu ensino, sua natureza
e seus fins
Se aceitei visitar uma clínica psiquiátrica, foi por-
que tinha todos os motivos para presumir que não
era sem razão que me pediam para participar do
que, no jargão dos nossos dias, é chamado de um
"coI"OqUlO.
."
Não é mal este termo. Agrada-me bastante.
Fala-se tudo conjuntamente, quero dizer, no
mesmo lugar. O que não quer dizer que isso pense.
Todos falam, e como é no mesmo lugar, colo-
quiam. "Colóquio" é um termo despretensioso, ao
contrário do termo "diálogo". Dialogar é uma das
mais imensas pretensões da nossa época. Vocês já
viram pessoas dialogando? As circunstâncias em
que se fala de diálogo parecem sempre um pou-
quinho com circunstâncias de casal.
Esperava portanto coloquiar. Mas, dado o
número de vocês, será muito mais difícil do que
lmagmava.
O fato é que nada preparei destinado especi-
ficam ente a vocês. É fácil para mim dizer por quê.
Se fosse levado a fazer algumas declarações pe-
Jacques Lacan Meu ensino, sua natureza e seus fins

rante vocês sem encontrar outro apoio em sua que eu ensinara de forma hebdomadária durante
assistência senão o silêncio de vocês, eu teria a sen- cerca de vinte anos. Não julgo haver-me repetido
sação de estar fazendo o gesto da semeadora. Mas muito. Tenho inclusive bastante certeza disso ,
não é porque vocês estão em fileiras que isso gere pois dei-me como linha, como imperativo, nunca
sulcos e que os grãos estejam seguros de achar ter- dizer de novo as mesmas coisas. Mesmo assim isso
reno aonde crescer. Eis por que gostaria que um causou certa sensação.
certo número das pessoas apinhadas nesta sala se Durante esses longos anos de ensino, de tem-
dispusesse à gentileza de me fazer uma pergunta. pos em tempos eu compunha um escrito que me
É de fato completamente inverossímil, mas é parecia importante colocar como um pilono, a
a requisição que faço, como sempre que me acon- marca de uma etapa, o ponto alcançado em tal ano
tece de falar, o que não é tão freqüente, num con- ou em tal época de tal ano. Depois juntei tudo isso.
texto que, cabe dizer, me é estranho, pois não creio Caiu num contexto em que as coisas já tinham
que haja muitos dentre vocês que tenham acom- percorrido caminho desde o tempo em que eu
panhado o que eu ensino. começara no ensino.
Eu falava para pessoas a quem aquilo interes-
sava diretamente, pessoas precisas que se chamam
1 psicanalistas. Aquilo dizia respeito à experiência
mais direta deles, mais cotidiana, mais urgente.
o que eu ensino fez um certo barulho. Era expressamente feito para eles, nunca fora feito
Isso data do dia - que adiei, graças a Deus, o para ninguém mais. Mas é verdade que também
máximo que pude - em que reuni alguma coisa percebi que aquilo podia interessar a pessoas a
que tive de chamar de ~OS, no plural, pois era quem não se dirigia e a quem não concerne em
o termo que me parecia mais simples para desig- nada. Toda produção dessa natureza tem sempre
nar o que ia fazer. um caráter exemplar, na medida em que se depara
Reuni sob esse título as coisas que havia com uma dificuldade que sentimos, uma coisa ver-
escrito, à uisa de estabelecer alguns ontos de dadeira, uma coisa concreta, para empregar outra
referênçg, a~guns ma!:S,os, como estacas que palavra na moda. Ler o que escrevi, mesmo sem
enfiamos na água para amarrar os barcos, para o compreender muito bem, faz efeito, prende, inte-
Jacques Lacan Meu ensino, sua natureza e seus fins

ressa. Não se tem tanto a impressão de se estar coisa, claro, será um pouquinho mais laminado.
lendo um escrito premido por algo urgente e diri- Tentarão dar um tom sensacionalista. Tentarão o
gido a pessoas que têm alguma coisa para fazer, máximo possível ressituá-lo em relação a certo
alguma coisa que não é cômoda de fazer. número de convicções bem sólidas que formam a
É em primeiro lugar por essa razão, suponho, base de cada um nesta sociedade, como em qual-
que as pessoas pelo menos fingem ler esses Es- quer uma.
critos, os quais, tomados pela outra ponta, podem Não pretendo absolutamente tecer críticas
se permitir ser considerados ilegíveis. Não, natu- aqui contra a sociedade em que vivemos. Ela não
ralmente, as pessoas cujo ofício seria este, isto é, os é nem melhor nem pior que as outras. Uma socie-
críticos. Isso os obrigaria a dar a cara a tapa escre- dade humana sempre foi uma loucura. Não está
vendo alguma coisa que tivesse no mínimo uma pior do jeito que está. Isso continuará sempre,
relação com o que eu afirmo, mas, nesse ponto, continuará sempre da mesma forma. Apesar de
eles desconfiam. Como podem observar, o livro tudo, convém reconhecer que um bom número
não foi muito criticado. Sem dúvida é muito
de idéias está cada vez mais desprovido de arestas.
grande, difícil de ler, obscuro. Não é absoluta-
Isso acaba inclusive por provocar, em todos e em
mente feito para o consumo comum.
cada um, uma espécie de náusea. Ainda há pouco
Essa frase, vocês poderiam me dizer, talvez
na hora do almoço, no pequeno círculo daqueles
carregue uma desculpa. Isso poderia querer dizer
que tão gentilmente me receberam, falava-se da
que digo a mim mesmo que deveria ter feito um
chamada TV, que lhes permitirá chegar a cada
para o consumo comum, ou mesmo que vou fazer
instante na cena do mundo para ser mantido a par
um. Sim, é possível. Talvez eu tente. Mas não
do que é cultural. Nada mais do que é cultural irá
tenho esse hábito. Não há certeza alguma de que
lhes escapar.
isso vá dar certo. Talvez valesse mais a pena eu ten-
tar não forçar o meu talento. Tampouco julgo Gostaria, a esse propósito, de chamar sua

que isso seja muito recomendável em si, pois o que atenção para um2- diferença importante, que tal-
ensino vai acabar entrando no consumo comum. vez não tenha sido suficientemente enfatizada,
Haverá pessoas que se envolverão com isso, que o entre o homem e os animais. Ela merece ser enfa-
farão circular. Não seria absolutamente a mesma tizada justamente porque é esquecida. Falo de

73
Meu ensino, sua natureza e seus fins
Jacques Lacan

homem encantador, de boa família, e que não era


uma diferença no contexto da natureza, pois não
quero absolutamente fazer culturalismo. idiota, de jeito algum. Não sei se ainda está vivo.

Diferentemente do que acontece em todos os Adquiram, portanto, dele, lançado aqui pela
níveisdo reino animal- isso começa no elefante e no Stock se não me falha a memória,Adônis e o alfa-

hipopótamo e termina na medusa -, o homem carac- beto. Esse título evidentemente não anuncia o
teriza-se na natureza pelo extraordinário embaraço capítulo sobre o qual acabo de lhes falar, o rande
ue lhe causa - como chamar isso? meu Deus, da sistema de esgotos.
maneira mais simples - a evacuação da merda. É sempre chocante falar sobre isso, embora
O homem é o único animal para quem isso isso sempre tenha feito parte do que chamamos de
representa um problema, mas prodigioso. Vocês civilização. Uma grande civilização é em primeiro
não se dão conta porque possuem pequenos apa- lugar uma civilização que possui um sistema de
relhos que evacuam isso. Não imaginam para esgotos. Enquanto não partirmos de coisas desse
onde isso vai depois. Por meio de canalizações gênero, nada diremos de sério.
II tudo isso se junta em lugares formidáveis e insus- Nos povos que de uns tempos para cá são
I peitados, onde se acumula; depois há usinas que designados como primitivos, não sei por quê,
retomam tudo isso, transformam-no e fazem dele quando não têm absolutamente nenhum caráter
todo tipo de coisas que retomam à circulação por de primitividade, ou, digamos, nas sociedades
intermédio da indústria humana, que é uma
estudadas pelos etnólogos - ainda que, desde que
indústria bem ajustada. É impressionante que não
os teóricos enfiaram as patas aí dentro tartamu-
haja, ao que eu saiba, curso de economia política
deando sobre o primitivo, o arcaico, o pré-lógico e
para dedicar uma lição ou duas ao tema. É um
outras bobagens, ninguém compreenda mais
fenômeno de recalque, que, como todos os fenô-
nada -, pois bem, há menos problemas de esgoto.
menos de recalque, está ligado às necessidades do
Não digo que não existam. E talvez seja porque
decoro. Só que não se consegue enxergar muito
tivessem menos problemas desse tipo que foram
bem qual.
chamados de selvagens, e mesmo de bons selva-
Há muito tempo conheci um homem inteli-
gens, e que os consideremos pessoas mais próxi-
gente, e a quem lamento não ter encontrado de
novo, é conhecidíssimo, Aldous Huxley. Era um mas da natureza.

75
74
Meu ensino, sua natureza e seus fins
Jacques Lacan

Mas no que diz respeito à equação grande peões no tabuleiro. Eis o que merece, com efeito,
o nome de "história". Tudo gira em torno da his-
civilização = canos e esgotos, isso não tem exceção.
Na Babilônia, há esgotos, em Roma não tem outra tória que aconteceu a um cavalheiro. O que não é

coisa. A Cidade começa assim, Cloaca maxima. O mal, deixou outras pessoas com apetite, tornou a

império do mundo lhe estava prometido. De- história muito mais profunda. Não estou dizendo
veríamos, então, ter orgulho disso. A razão pela que todas essas idéias sejam inadmissíveis, mas

qual isso não acontece é que, caso déssemos toda a fazem-se usos bizarros delas.
importância a esse fato, perceberíamos a prodi- Não creiam por isso que a cultura seja um

giosa analogia que há entre o sistema de esgotos e objetivo que eu desaprove. Longe disso. Ela dis-
pensa. Dispensa completamente a função de pen-
a cultura.
Isso agora não é mais um privilégio. Todo o sar. Dispensa a única coisa que pode ter um
mundo está coberto. A cultura está congelada pequeno interesse nessa função, que é absoluta-

sobre nós. Apertados como estamos nessa cara- mente inferior. Não vejo por que iriam colocar

paça de dejetos que também vêm dali, tentamos uma ênfase qualquer de nobreza sobre o fato de

conferir vagamente uma forma a isso. A que isso pensar. Em que se pensa? Nas coisas de que não se
se resume? A grandes idéias gerais, como se diz. é absolutamente senhor, que é preciso girar, rodo-
piar, sessenta e seis vezes no mesmo sentido antes
A história, por exemplo.
A história realmente dá um jeito nas coisas. de conseguir compreender. É isso que se pode
Ela não tem um sentido único, tem mil. Tem chamar de pensamento. Ao cogitar, eu agito, eu
gente que dá valor de suporte a isso. Natural- vasculho. Isso só começa a ficar interessante
mente, por nada no mundo iríamos checar o que quando é responsável, isto é, traz uma solução o

isso quer dizer exatamente em Hegel. Há outros máximo possível formalizada. Enquanto não

antes dele, Bossuet por exemplo. Este colocara resultar em uma fórmula, em uma formalização, e
tudo nas mãos da Providência. Nele, pelo menos, na medida do possível matemática, não se vê o

isso era claro. Devo dizer que tenho grande estima interesse nem a nobreza disso. Não se vê o que
pelo Discurso sobre a história universal. Em pri- faria jus a que nos detenhamos sobre ele.

meiro lugar, foi ele que inaugurou o gênero, e o fez A história serve para fazer a história do pen-

sobre princípios claros. É Deus quem empurra os samento, isto é, para nos livrar finalmente dos

77
Jacques Lacan Meu ensino, sua natureza e seus fins

pequenos esforços como esses, tímidos, freqüen- que se fala quando se fala de estrutura. Tentarei
temente muito estimáveis, freqüentemente muito lhes dizer alguma coisa.
escrupulosos - na verdade, são esses que se sus- É sempre difícil aprisionar, sem mal-enten-
tentam melhor - que este ou aquele pôde fazer dido, aquilo de que se trata no campo em que real-
para resolver certos problemas. Como isso atrapa- mente cogitamos. As palavras foram relegadas
1haria formidavelmente nossos professores a a todo tipo de confusão. É de fato o que permite a
puxar o fio e dizer o que pensam da lógica de alguns empregarem atualmente a redução histó-
Descartes, ou de alguns desses malucos, no caso rica, que nada tem a ver com os direitos teóricos,
de agüentarem um pouco além de seu maldito se é que podemos dizer, da função da história.
tempo, é mais cômodo fazer a história do pensa- Então, deixam-se de lado questões referentes não
mento, o que é o mesmo que buscar o que eles à estrutura, mas ao chamado estruturalismo.
transmitiram um ao outro. É apaixonante, sobre- Foi assim que, durante uma conversa que
tudo quando é uma imbecilidade, e quando se vê precedeu minha vinda até vocês, uma pessoa, aliás
o que assim sobreviveu. bastante querida, me disse: "O senhor não pode-
Esse mecanismo que lhes faço observar ria dizer que relação existe entre o que o senhor
opera de uma forma totalmente atual. Isso não é diz, faz e afirma e o estruturalismo?" Respondi:
teoria, não estou aqui para encher a bola da teoria. "Por que não?" Então, formulemos direito as coi-
Vocês podem vê-lo diante dos olhos, sem irem à sas e sigamos o procedimento.
faculdade, onde aliás encontra-se grande parte do O que chamam de movimento cultural tem
que lhes ensinam sob o nome de "filosofia". uma função de mistura e de homogeneização.
Vocês estão cientes da grande besteira que Qualquer coisa que nasce tem certas qualidades,
inventaram para nós recentemente. Há a estru- certo verdor, certo relevo. É um botão. O dito movi-
tura e há a história. As pessoas que foram coloca- mento cultural tritura =O até que se torne plenamente
das no pote da estrutura - eu estou lá, não fui eu reduzido, infame, comunicando-se com tudo.
que me coloquei, colocaram-me e pronto - supos- Apesar de tudo, isso não satisfaz, cabe dizê-
tamente cuspiram na história. Isso é um absurdo. 10. Não por razões ligadas a exigências internas,
Não há evidentemente estrutura sem referência à mas comercialmente. Desenraizado, ele se esgota.
história. Em primeiro lugar, seria preciso saber de Embora eu tivesse dito alguns palavrões, posso me

79
Jacques Lacan Meu ensino, sua natureza e seus fins

permitir repetir-lhes a formulação que me ocor- para reabsorver isso como o resto, mas não sabem
reu a esse propósito. Todos aceitam comer merda, como fazer.
mas nem sempre a mesma. Tento então arranjar Conseguirão, sobretudo se eu os ajudar.
uma nova.
A origem da nova moda, do que vocês cha-
mam de "estruturalismo", consiste em querer ser- 2
vir ao mesmo comércio dos homens que não se
reduziam a ele facilmente, que haviam ficado nos o que eu ensino, salta aos olhos que se relaciona
cantinhos. Por que procedimentos, funções de com o que se chama de experiência psicanalítica.
resistência, eles se viram isolados, depois associa- Quer-se transportar tudo isso para não sei o
dos, assimilados, aglutinados - seria preciso estu- quê, algo que não interessa absolutamente, o que
dar no conjunto. Tenho grandes chances de ser designam com essa palavra amável que parece um
incluído entre eles, e me sinto muito bem com espirro, Weltanschauung. Longe de mim tal pre-
isso. São pessoas que colocaram um pouco mais de tensão. É a coisa de que tenho mais horror. Graças
seriedade em suas pequenas parafernálias. Tiro o a Deus, nunca vou me entregar a ela. A nenhuma
chapéu para Lévi-Strauss. Ninguém será capaz de Weltanschauung. Até mesmo todas as outras,
fazer melhor no futuro, isto é certo. É esmagador. Weltanschauungen, vomito-as.
E depois, têm outros. De tempos em tempos Trata-se, no que ensino, de coisa completa-
muda-se um. mente diferente, de procedimentos técnicos e pre-
Por ora, empenham-se seriamente para que cisões formais referentes a uma experiência, que ou
tudo isso entre na circulação geral, e fazem um bem é séria ou então é uma incrível errância, uma
grande esforço para isso. Ah, sim, a solução não é coisa louca, delirante. Aliás, tem todo o aspecto
má. Até o momento, resisto à operação, pois eles disso quando a vemos do exterior. O traço funda-
não sabem muito bem por que ponta tomar o que mental da análise é que as pessoas acabam se dando
digo. Não sabem porque não lhes passa pela conta de que trombetearam besteiras anos a fio.
cabeça, não preciso dizer por quê, que isso possa Quanto a mim, tento mostrar, partindo do
dizer respeito, ainda que isso faça parte, a seus que elucida sua razão de ser, por que isso se man-
I olhos, da mesma farinha. Eles precisam trabalhar tém' por que isso continua, por que isso chega a

80 8I
I
Jacques Lacan Meu ensino, sua natureza e seus fins

alguma coisa que muito freqüentemente não é de discurso. Um fato recebido, ninguém nunca viu
forma alguma o que se julga dever anunciar ao isso. Isso não é um fato, é uma saliência, a gente
exterior e reivindicar com relação à operação. esbarra nela, é tudo que se pode dizer sobre alguma
Salta aos olhos que é uma operação de discurso, coisa que ainda não está articulada em discurso.
uma operação-discurso. Vocês me diriam que A psicanálise, que é um caso absolutamente
existem os que passam toda sua análise calados. inédito de discurso, leva-nos a revisar um pouqui-
No caso em pauta, é um silêncio eloqüente. nho a posição do problema na raiz. Ela nos incita
Ninguém esperou a análise para se interessar por exemplo a interrogar o fenômeno constituído
pelo discurso. Foi inclusive dele que partiu tudo pelo surgimento de uma lógica, suas aventuras e as
que é ciência. Não basta imaginar a filosofia no
coisas estranhas que acabou por nos mostrar.
registro que lhes dizia ainda há pouco, a saber
Houve um fulano chamado Aristóteles cuja
como belos pensamentos foram passados adiante
posição - pouco importa o que achem depois desta
de era para era. Não é disso que se trata aqui. A filo-
declaração - não deixava de apresentar analogia
sofia serviu para precisar em que medida poderiam
com a minha. Não seconsegue saber muito bem com
sair da operação-discurso coisas suficientemente
quê, com quem ele lidava. Eram chamados, confu-
exatas para serem qualificadas de ciência.
samente, vagamente, de sofistas. Naturalmente, é
Para que daí saísse uma ciência, a nossa, que
preciso desconfiar desses termos, é preciso ser
apesar de tudo dá mostras de seu valor - resta
muito prudente. Há em suma um black-outsobre o
saber valor de quê, mas em todo caso de eficácia -,
que as pessoas extraíam do oráculo dos sofistas. Era
levou tempo. É toda uma história de instauração
do uso correto do discurso, e nada além. provavelmente alguma coisa eficaz, uma vez que

E a experiência, dirão vocês? Justamente, a sabemos que eram muito bem pagos, como os psi-
experiência não se constitui como tal a não ser que canalistas. Já Aristóteles extraiu alguma coisa de-
a façamos partir de uma pergunta correta. Isso é les, que aliás permaneceu completamente sem
chamado de hipótese. E por que hipótese?Trata-se efeito sobre aqueles a quem se dirigia. Assim para
simplesmente de uma pergunta corretamente for- ele como para mim. Com os psicanalistas já bem
mulada. Em outros termos, alguma coisa começou instalados, o que conto não fede nem cheira. Mas
a tomar forma de fato, e um fato é sempre fato de vamos em frente, e aguardemos.

82
Jacques Lacan Meu ensino, sua natureza e seus fins

Todas aquelas coisinhas maravilhosas que fazer lógica seriamente, assim como para tudo o
encontramos nos Primeiros analíticos, nos Se- que, de resto, existe na ciência moderna, é preciso
gundos e nas Categorias receberam o nome de instalar-se nela antes de ter sido completamente
lógica. Isso agora está desvalorizado, porque cretinizado, e precisamente pela cultura. Eviden-
somos nós que fazemos a lógica séria, verdadeira, temente, cretinizados o somos sempre um pou-
e isso há não muito tempo, desde a metade do quinho, não escapamos ao ensino secundário.
século XIX, há um século e meio. Decerto isso talvez também tenha o seu valor, pois
A lógica correta, rigorosa, verdadeira, foi a aqueles que sobrevivem a isso com uma verda-
que começou com um tal de Boole. Ela propicia o deira vivacidade científica são verdadeiros casos,
ensejo para revisar algumas idéias. Acreditava-se cada um deles lhe dirá. Por exemplo, meu bom
desde sempre que, depois de se colocar alguns amigo Leprince- Ringuet, que se cretinizava ao
bons principiozinhos na saída, tudo o que se mesmo tempo que eu no colégio em que usei cal-
extraía disso girava em círculo, tendo-se sempre ças curtas, logo escapuliu de forma viva e bri-
certeza de voltar a cair sobre as patas. O impor- Ihante.já eu precisei dapsicanálise para cair fora.
tante era que um sistema não fosse contraditório. Convém dizer que não há muitos que se aprovei-
A lógica era unicamente isso. E então percebe-se taram dela como eu.
que de maneira alguma. Descobre-se um mundo A lógica é coisa bem precisa, que exige algu-
de coisas que nos escapam. Se por acaso algumas mas molas mentais não completamente fatigadas
pessoas, aqui e ali, ouviram falar de um certo por tudo que lhes fizeram engolir como estupidez.
Gõdel, podem saber que até mesmo a aritmética Portanto, eu precisaria tê-Ias muito jovens. Só que
mostra-se ser um cesto não digo com fundo du- ser muito jovem tampouco é a melhor condição
plo, mas com um fundo arquiperfurado. Tudo se para fazer um psicanalista. Mas quando alguém
esvai por um furo no fundo. chega, depois de certa experiência, a entrar na
Isso, isso é interessante, e não se deve descar- profissão de psicanalista, é tarde demais para lhe
tar que interessar-se por isso tenha valor formador ensi~ar essas coisas inteiramente de primeiro
para alguém como o psicanalista. Mas por ora é plano que o formariam para determinada prática.
sem saída, porque há aí um problema bem parti- Falei de lógica para lhes dar um ponto de
cular que eu chamaria de a questão da idade. Para mira. Apenas isso, mas a lógica é exemplar se a
Jacques Lacan Meu ensino, sua natureza e seus fins

tomarmos no nível de Stóteles, porque ele mani- e a extensão efetivamente de regalia das funções
festamente buscou inaugurar alguma coisa. De- da ciência. Embora isso não apareça de pronto, há
certo aquela gente, os sofistas, já se servia dela, da uma certa relação de contemporaneidade entre o
lógica, e de forma certamente muito impressio- fato daquilo que se isola e condensa no campo psi-
nante, brilhante, eficaz, sobre certo plano de canalítico e o fato de que em qualquer outra parte
raciocínio. Não é porque eles próprios não a não haja senão a ciência a ter alguma coisa a dizer.
nomearam que ela não está lá, isto é certo. Como Esta é uma declaração cientificista, vocês me
teriam tido tanto sucesso em excitar os cidadãos, e
dirão. Ora, sim, por que não? Entretanto, não o é
também os não-cidadãos, e em lhes dar truques
completamente, pois não acrescento a isso o que
para triunfar no debate ou para agitar as questões
sempre se encontra à margem do que se conven-
eternas do ser e do não-ser, se aquilo não tivesse
cionou chamar de cientificismo, a saber, um certo
tido efeitos formadores? Stóteles tentou introdu-
número de artigos de fé dos quais não participo
zir aí uma técnica, o que é conhecido como Órga-
em grau algum. Por exemplo, a idéia de que tudo
nono Saiu daí uma linhagem que é a dos filósofos,
com o resultado que vêem atualmente, isto é, que isso representaria um progresso. Progresso em
já está um pouquinho esgotado, uma vez que em nome de quê?
filosofia estamos na história do pensamento. Isso Ainda há pouco apresentaram-me umaobje-
quer dizer que botam descaradamente a língua ção, que viria, parece, de certos recessos onde
para fora. Felizmente ainda há aqueles que tentam alguns rotulam-se psicanalistas. Devo dizer que
dar um jeito em tudo isso, alguns moedeiros falsos ela me inspirou. Foi-me transmitida por uma
conhecidos como fenomenólogos. dama sobre a qual me disseram que havia feito
1- psicanálise é uma chance, uma chance de uma conferência sobre o que ele diz por aí, Lacan.
voltar a partir. Graças a ela, em suma, deixo-me levar um pou-
quinho. Se bem compreendi, a objeção de que se
trata seria assim formulada - "Por que o senhor
3 achou necessário colocar o sujeito no meio? Onde
há vestígio do sujeito em Freud?"
Como julgo tê-los feito perceber, existe a mais Devo dizer-lhes que foi um golpe para mim.
estreita relação entre o surgimento da psicanálise O que é terrível é que, passado certo tempo, tempo

86
Jacques Lacan Meu ensino, sua natureza e seus fins

que desperdiço, cava-se um fosso entre vocês e o tada que não se parece com nada. Desafio qual-

efeito da cultura, do jornalismo. Agora que estou quer um a ver uma relação entre a uilo com ue

em foco, preciso de um intermediário para saber li4.amos, o texto do sujeito,/ o que quer que seja

onde ainda podem estar alguns. Eles acham então que ele tenha elucubrado para vocês a propósito

que é uma novidade, uma invenção, colocar, a dessa suposta síntese, da construção da persona-

propósito de Freud, o sujeito no meio. lidade e de não sei que mais. Onde estão essas

Sinceramente, invoco aqui qualquer um que personalidades construídas? Não sei, procuro-

não seja psicanalista, aliás não deve haver muitos. as como Diógenes, com uma lanterna. O que há

Qualquer um minimamente informado acerca do de belo é que, apesar de todos os apelos feitos a

que falamos sabe que se trata em F~ de tr§s coisas. essas construções, isso rateia, falha, de fato. É
A primeira é que isso sonh~. É um sujeito, isso, isso que quer dizer alguma coisa. Isso nunca fun-

não? Qye diabos fazem todos aqui? Não me iludo, cionou senão para os outros. Há inclusive pes-

um auditório, por mais qualificado que seja, sonha soas na sala que se levantaram. Qpanto a mim,

enquanto estou aqui em vias de esgrimir comigo consegui me deitar.

mesmo. Cada um pensa nas suas coisas, na namora- Em terceiro lugar, isso sonha, isso rateia,

dinha que vão encontrar daqui a pouco, no carro que falha, isso ri. Pergunto a vocês, essas três coisas,

soltou uma biela, alguma coisa fora do trilho. isso é subjetivo ou não? Conviria saber do que se

Depois, i~so rateia, falha. Ver o lapso, o ato está falando. As pessoas que se perguntam que

falho, o próprio texto de sua existência. Isso soa necessidade tive de trazer à baila o sujeito quando

bufão, grotesco, o que estamos sempre fomen- se trata de Freud não sabem absolutamente o que

tando perante vocês referente às funções ideais da dizem. Devo constatar que é nesse ponto que elas

consciência e tudo que se segue, da ordem da pes- estão, ao passo que, ainda assim, eu imaginava que

soa, que deve atingir uma mestria. Não sei do que aquilo sobre o que se resistia era mais nobre.

se trata. Vocês podem ver nos meus Escritos meu O sujeito de que se trata nada tem a ver com

estupor quando li coisas elucubradas pelo meu que- que é chamado de subjetivo no sentido vago, no

rido amigo, adoro ele, Henri Ey. Tratava-se para sentido do que mistura tudo, nem tampouco com

ele de civilizar os psiquiatras, então inventou o o individual. O sujeito é o que defino no sentido

organodinamismo, coisa completamente afe- estrito como efeito de si _nificante. Eis o que é um

88
Jacques Lacan Meu ensino, sua natureza e seus fins

sujeito, antes de poder ser situado, por exemplo, Isso quer dizer simplesmente que ele não tem
nesta ou naquela das pessoas que se acham aqui no nenhuma outra teoria a fornecer sobre as esferas
estado individual, antes mesmo de sua existência celestes a não ser envolver nela um movimento de
de viventes. contemplação.
Pode-se, claro, dizer por convenção - "É um Todos nós sabemos o que é uma ciência. Ne-
bom ou mau sujeito, é um sujeito moral, é o sujeito nhum de nós domina a ciência em seu conjunto.

do conhecimento", ou de tudo que quiserem. É real- Ela cavalga com toda a pompa a partir de seu pró-
prio movimento, a cienciazinha, a ponto de não
mente uma história maluca essa noção de sujeito do
podermos fazer nada quanto a isso. Os mais en-
conhecimento, perguntamo-nos como ainda se
volvidos são os que se embaraçam mais com isso.
pode falar disso numa sala de filosofia. Isso só pode
Tudo o que pode haver de experiência um
querer dizer que tudo que é vivo sempre sabe o sufi-
pouco esclarecida indica que o ~ujeito está na
ciente sobre isso, justo o necessário para subsistir.
de endência dessa cadeia articulada ue re re-
Não se pode dizer nada mais. Isso se estende a todo
senta o legado científico. O sujeito deve tomar seu
o reino animal e, por que não, vegetal.
l~ar nela, situar-se como puder nas conseqüên-
Qpanto à idéia de colocar tudo que se chama
cias dessa cadeia. Ele precisa revisar a cada ins-
de homem numa relação com o que se chama de
tante todas as pequenas representações intuitivas
mundo, ela necessitaria que considerássemos esse que fizera para si, que passam para o mundo e
mundo como um objeto e que fizéssemos do mesmo para as categorias presumivelmente intui-
sujeito uma função de correlação. O mundo pen- tivas. É preciso que, a todo momento, ele refaça
sado como ob-jeto [ob-jet] supõe um su-jeito [sub- todo esse aparelho, questão mesmo de encontrar
jet]. Essa relação não pode adquirir substância, um abrigo. É por muito pouco, isso se ele já não
essência, a não ser através de uma grande imagem tiver sido escorraçado do sistema.
de contemplação cujo caráter completamente Esta é, aliás, a meta do sistema. Em outros
mítico é manifesto. Imaginamos que existiram termos, o sistema fracassa. É assim que o sujeito ,~Y,p
pessoas que contemplavam o mundo. Há certa- dura. Se algo nos restitui o sentimento de que E!. if
mente em Aristóteles, em certos momentos, coi- up1lugar onde ele é sustentado, onde é com ele ue
sas que lembram isso, quando ele fala das esferas. ~a, é nesse nível chamado inconsciente.
Jacques Lacan Meu ensino, sua natureza e seus fins

Porque tudo isso rateia, falha, tudo isso ri, tudo para passar à construção, depois à generalização,
isso sonha. tudo isso a fim de tentar pensar em que lugar vão
Mas não~a, não rateia, fuIha, não !ia não tropeçar, os coitados. Isso não tem absolutamente
ser de uma maneira erfeitamente articulada. Em nenhuma relação com suas construções, podemos
todas as fases de sua abordagem, de sua descoberta, constatá-lo claramente.
de sua revelação daquilo de que se trata no incons- Conviria, portanto, saber parar. Q sono da
ciente, que f~ Freu~? Em que gasta seu tempo? .razâo - é tudo. O que isso quer dizer então? Qpe ~
Com que está lidando? Seja texto de sonho, texto

culações de linguagem, de discurso.


-
de chiste ou forma de lapso, está manipulando arti- N esse caso também, não sei se vocês não correm o
risco de ouvir da minha parte uma pequena decla-
r N a margem de uma pequena gravura de
ração de irracionalismo. Mas não, é o contrário. O
Goya encontramos escrito: "O sono da razão
que se queria deixar de fora, excluir, ou seja, o reino
engendra monstros." É bonito, e como é Goya, é
do sono, vê-se assim anexado à razão, ao seu
mais ainda, vemos esses monstros.
império, à sua função, à tomada do discurso, ao
Vejam, ao falarmos conviria sempre saber
fato de que o".homem habita a linguagem, como
parar a tempo. A crescentar "d
engen ra monstros, "
não é que caiu bem? É um início de elucubração
biológica. A biologia também levou muito tempo
diz o outro. Será irracionalismo perceber isso e
se uir os cursos da razão no ró rio texto do
sonho? Toda uma psicanálise talvez se desdobre
J
até parir a ciência. Demoraram demais no bezerro
antes do que talvez pudesse de fato acontecer, ou
de seis patas. Ah! os monstros, tudo isso, a imagi-
seja, que tocássemos um ponto de despertar.
nação, nos proporciona prazer ... Oh! como é bom,
os psicopatas, vocês sabem, como dizem os psi- Freud escreveu em algum lugar T-fE. es war ~ll \\
Ich werden. Ainda que o tomemos no nível de sua
quiatras, eles fervilham, pululam, inventam, ima- - -'

ginam, é espantoso. Não posso dizer-lhes como é segunda tópica, o que é isso senão determinada
para o psicopata, não o sou o bastante, mas com maneira de definir o suieito? Ali.. onde era o reino
certeza não é absolutamente o que os psiquiatras d~.!.~.~o,eu devo advir, devir, com o acento espe-
imaginam, sobretudo quando falam de não sei o cial que assume em alemão o verbo werden, ao
quê, da fisiologia da sensação, ou da percepção, qual cabe atribuir seu alcance decrescer no devir.

93
Meu ensino, sua natureza e seus fins
Jacques Lacan

o que isso pode querer dizer - a não ser que,--o grandes características de tudo que se diz de tolo
sujeito já se acha em sua morada no nível do Es? sobre a pretensa redução da linguagem à comuni-
Não devemos implicar com Freud por ter cação. O essencial da linguagem nunca foi a fun-
chamado, em sua segunda tópica - é um determi- ção de comunicação. Eu parti daí.
nado sistema, o da percepção-consciência -, das Von Frisch acredita que as abelhas têm uma
Ich, com o artigo, pois não existem palavras em linguagem por comunicarem-se coisas. Isso é
alemão funcionando como moi e je em francês. exatamente da mesma ordem que o que dizem de
Das Ich é algo como as duas outras instâncias, para tempos em tempos algumas pessoas quando lhes
empregar esse termo vago, ao qual ele o associa, o dá na telha, que recebemos mensagens dos cor-
Es e o Überich. Isso é o quê - a não ser, propria- pos estelares, sob pretexto de que acontece algo
mente falando, o núcleo do sujeito? conosco a partir disso. Em que isso é uma men-
Poderia inclusive tratar-se dessa função gro- sagem? Se dermos um sentido à palavra "mensa-
tesca, ridícula, sobre a qual naturalmente lança- gem", convém que haja uma diferença em relação
ram-se aqueles que foram durante certo tempo à transmissão do que quer que seja. Caso contrá-

meus companheiros de estrada, e que vinham rio, tudo seria mensagem no mundo. Aliás, de
Deus sabe de onde, cheios de psicologia, o que não certa forma, tudo é, considerando o que põem na
é uma preparação para a psicanálise. Estou fa- moda as funções de transmissão e veiculação de
1ando da função da intersubjetividade. Ah! La- informações, como se diz. Não é difícil perceber
can, o "Discurso de Roma", "Função e campo da que podemos formalizar essa informação como
fala e da linguagem", a intersubjetividade! Há inscrita exatamente no sentido inverso da signi-
você, há eu, dizemos isso um ao outro, enviamo- ficação. Isso mostra por si só que não se deve
nos coisas, então somos intersubjetivos. Tudo isso confundir uma informação entendida nesse sen-
é pura confusão. tido com o que resulta do que se veicula no uso da
Acho que vocês devem conhecer minha linguagem.
posição acerca desse ponto, caso contrário estou A articulação da linguagem coloca em pri-
em condições de fazê-los percebê-Ia melhor. A meiro lugar em questão aquilo de que se trata
confusão do sujeito com a mensagem é uma das quanto ao sujeito da enunciação. O sujeito da

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Jacques Lacan Meu ensino, sua natureza e seus fins

enunciação não se confunde absolutamente com não haverá dúvida. Vocês buscam justamente eli-
aquele que diz eventualmente sobre si mesmo eu minar o sujeito. E, com efeito, a partir do mo-
[je], como sujeito do enunciado. Qpando ele tem de mento em que vocês colocaram as letrinhas, por
falar dele, ele se chama eu [je]. Isso quer dizer sim- um instante ele é eliminado. Vocês irão reencon-
plesmente eu [moi] quefalo. O eu [je] tal como apa- trá-Ia no final, sob a forma de todo tipo de para-
rece num enunciado qualquer não passa do que doxos. É o que há de demonstrativo e apaixonante
chamamos de shifter. Os lingüistas pretendem que em todas essas tentativas de cerramento rigoroso
ele seja igualmente sujeito da enunciação. Seja o das quais procede a lógica.
que for que digam, é completamente falso. É tão Alguém nos diz que, se quisermos falar de
falso quanto o falso, percebemos nitidamente as- alguma coisa que não seja absolutamente de psi-
sim que o conhecemos. Há enunciações cujo sujeito quismo, mas realmente de uma metapsicologia,
vocês podem continuar procurando. Em todo caso, isto é, coisa bem diferente de uma psicologia, pre-
ele não está lá para aquele capaz de dizer eu [je]. cisamos falar do isso, do eu e do supereu. Faz-se
Enfim, faz-se necessário reconstruir um pou- como se tudo isso fosse óbvio, andasse sozinho, da
quinho o pretenso esquematismo da comunicação. forma mais natural, barulhenta. Não é nada disso.
Se há uma coisa que deve voltar a ser questionada, Não apenas isso se distingue de todo o blablablá
é muito especialmente a função simples da inter- de antes, como, se há uma intersubjetividade de
subjetividade, como se fosse uma simples relação que se possa falar de direito, uma intersubjetivi-
dual com um emissor e um receptor, e a coisa dade não apenas dramática, mas até mesmo trá-
andasse sozinha a partir disso. Não é nada disso. gica, que nada tem a ver com a ordem da comuni-
A primeira coisa de que se trata na comuni- cação, uma i~tersubjetivid~de de pessoas que se
cação é saber o que isso quer dizer. Todo o mundo empurram, esbarram e sufocam entre si - pois
sabe disso. A mínima experiência mostra justa- bem, é a uela ue se a resenta sob a forma do isso ,
mente que o..que o outro está em vi~s_d~dizer ~ão do eu e do su Eeu, o que de fato dispensa o que
coincide nunca com o que ele di::. vocês chamariam de um mesmo sujeito.
É inclusive por essa razão que vocês se Perguntam-me por que falo do sujeito, por
matam para construir uma lógica. É para poder que, supostamente, ligo isso a Freud. Em Freud só
colocar no quadro os sinaizinhos sobre os quais se fala disso. Mas fala-se sob uma forma impera-

97
Jacques Lacan Meu ensino, sua natureza e seus fins

tiva, brutal. E uma espécie de operação de escava- me dizer: "Por que continuar a ch~ar de suj$O
deira, que traz à tona tudo referente ao sujeito que, o que o senhor articula como i~consciente es.!..ru-
desde milênios de tradição filosófica, tenta -se jus- !tIrado como linguagem?"
tamente camuflar. Quando analistas me fazem pergunta pare-
É precisamente nessa ordem de coisas que se cida, recebo um golpe, mas não posso dizer que
quer agora bisbilhotar, como eu lhes dizia há fique surpreso. Mas, da parte de filósofos, é tão
pouco. O que acentuei, e não posso dizer ter feito desconcertante que não encontrei nenhuma res-
outra coisa aqui a não ser sugerir uma dimensão, posta a dar a não ser: "Mantenho o sujeito ... para
tem como efeito uma contraparte, que é dada por fazer você falar."
filósofos. Há um, por exemplo, ao qual fiz uma Entretanto, que loucura seria não retomar
pequena alusão no primeiro número da minha esse termo, cujo fio nos foi conservado por não sei
revista Sci/icet, rapaz cheio de talento que nos que felicidade na tradição filosófica, desde o
reserva ainda algumas retomadas de grandes
Órganon de Aristóteles de que lhes falava há
temas clássicos, de cuja existência sabia há muito
pouco. Releiam, ou leiam, as Categorias, meus
tempo antes de encontrá-lo pela primeira vez
amigos, aqueles que de tempos em tempos tive-
num congresso. Lá ele me disse - "Tudo isso está
rem a idéia de ler coisa diferente de manuais , e
muito bem, tudo o que o senhor diz eu acompa-
vejam no início a diferença que há entre sujeito
nho" (e vê-se que acompanha, pois ao escrever um
e substância.
artigo sobre Freud não consegue escrever outra
Eis uma coisa tão crucial que os dois milênios
coisa senão o que eu disse), "mas por quê, por que
de tradição filosófica de que falava fizeram apenas
insiste em chamar isso de sujeito?"
um esforço, o de tentar absorver isso. Aquele con-
Assim, quando vocês tocam em certos domí-
nios há sempre uma área reservada. Entre os indi- siderado o pináculo da tradição filosófica, Hegel,

víduos em foco nesse instante, há um que está ali com, devo dizer, uma competência deslumbrante,
em função de ter ousado um dia escrever um livro afirmou o que é a própria negação do que tocamos
sobre Racine. Oh, mas não foi sozinho, pois havia no sonho, a saber, que a substância é desde sempre
alguém para quem Racine era cátedra. Como é o sujeito, antes de se tornar um, como ainda há
que ele ousa? etc. Aqui, o filósofo estava prestes a pouco na formulação de Freud.

99
Jacques Lacan

Tudo parte do trauma inicial da afirmação


aristotélica que separa da forma mais rigorosa o
sujeito e a substância. Ela está completamente
esquecida.
Que o sujeito tenha sobrevivido através da
tradição filosófica é demonstrativo, se é que se
pode dizer, de um verdadeiro insucesso do pensa-
mento.
Não estaria aí a razão para não se abandonar Então, vocês terão
o termo "sujeito", no momento em que se trata escutado Lacan
enfim de dar uma guinada em seu uso?

roa
Não posso dizer que minha situação seja muito
difícil. Ao contrário, é extremamente fácil. A pró-
pria maneira como acabo de ser apresentado
indica que, de toda forma, terei falado a título de
Lacan.
Então, vocês terão escutado Lacan.
O gênero "conferência" não é o meu. Não é o
meu porque todas as semanas, há quinze anos,
faço uma coisa que não é uma conferência, que
chamaram de seminário na época do entusiasmo,
e é um curso, mas não deixa de ser um seminário, e
preservou o nome.
Não sou eu que testemunharei sobre isso,
mas alguns que estavam lá desde o início, com
algumas substituições: não houve um único desses
cursos que fosse repetido.
Houve um momento, por força das circuns-
tâncias, em que julguei que deveria, para o pe-
queno número dos que estavam ao meu redor,
explicar-lhes alguma coisa que vai estar em ques-
tão agora. E de fato, meu Deus, essa alguma coisa

103
Então, vocês terão escutado Lacan
Jacques Lacan

deve ser bem comprida para que eu ainda não A idéia de que as camadas que se deposita-
tenha terminado de explicá -la a eles. ram ao longo da história, com a superposição dos
É estranho. Talvez seja também porque o séculos, constituiriam aquisições que se adicio-
próprio desenvolvimento do que eu tinha a expli- nam e que ao mesmo tempo podem sejuntar para
car me tenha colocado problemas e aberto novas fazer esta Universidade - Universidade das letras,
questões. Talvez. Não é certo. Universitas litterarum, isso está no princípio da
Em todo caso, hoje em dia não posso de organização do ensino que leva esse nome -, essa
forma alguma sequer pretender evocar seus prin- idéia é contrariada pelo mais simples exame da
cipais desvios, nem por alusão, àqueles que sabem história.
do que falo e que sabem inclusive mais ou menos Nessa palavra "história", peço-lhes, não ou-
o que digo sobre isso. çam o que lhes ensinaram sob o nome de "história
Para os outros, que suponho formem parte da filosofia" ou do que quer que seja, que é uma
dessa assembléia, que não sabem nada ou pouca remodelagem feita para lhes dar a ilusão de que as
coisa sobre isso, está fora de questão dar-Ihes diversas etapas do pensamento engendram-se
inclusive uma idéia, se o que acabo de dizer é ver-
uma à outra. O menor exame prova que não é nada
dade, a saber que nunca me repeti.
disso, e que tudo procedeu, ao contrário, por fis-
N a verdade, o gênero "conferência" supõe o
sura, por uma sucessão de tentativas e aberturas,
seguinte postulado, que está no próprio princípio
que deram a cada vez a ilusão de que se podia
do nome Universidade: há um universo, um uni-
começar a discorrer sobre uma totalidade.
verso do discurso, entende-se. Isso quer dizer que
O resultado é que basta ir a qualquer livraria,
o discurso teria tido êxito durante séculos em
livraria de antigüidades, pinçar qualquer livro da
constituir uma ordem suficientemente estabele-
época do Renascimento. Abram-no, leiam-no de
cida para que tudo fosse repartido em escaninhos,
verdade, perceberão que três quartos das coisas
em setores que teriam de ser estudados separada-
mente, e cada um só teria de acrescentar sua que os preocupavam e que lhes pareciam essen-

pedrinha num mosaico cujos limites já estariam ciais, vocês sequer encontram mais o fio condutor
suficientemente estabelecidos porque já se havia delas. Em contrapartida, o que pode lhes parecer
trabalhado suficientemente para isso. evidência foi engendrado em uma época que não

I05
Jacques Lacan Então, vocês terão escutado Lacan

é vinte, trinta, cinqüenta anos atrás, mas que não Eu me exercitei para me colocar em uma
remonta aquém de Descartes. posição de ensino bem particular, pois ela consiste
Foi só a partir do sr. Descartes que acontece- em partir de novo sobre um certo ponto, um certo
ram algumas coisas, de toda forma notáveis, em terreno, como se nada houvesse sido feito. A psi-
particular a inauguração da nossa ciência, ciência canálise quer dizer isso.
que se distingue por uma eficácia suficientemente É que, em determinado campo clássico até
penetrante para intervir até no mais cotidiano da então denominado "psicologia" e que pode obvia-
vida de cada um. Mas na verdade talvez isso seja o mente ser explicado por todas as condições histó-
que a distingue dos saberes precedentes, que sem- ricas precedentes, nada havia sido feito. Quero
dizer, sim, fizeram uma construção elegantíssima
pre foram exercidos de forma mais esotérica,
e que pode servir, estando na base de um certo
quero dizer que era privilégio, acha-se, de um
número de postulados que precisam sempre, por
pequeno número.
sinal, ser reconstruídos retroativamente. Em
Qpanto a nós, banhamo-nos nos resultados
resumo, se esses postulados são admitidos, tudo
dessa ciência. As mínimas coisas que estão aqui, e
vai bem, mas se alguma coisa é radicalmente ques-
até as cadeirinhas esquisitas em que vocês estão
tionada, nada mais funciona.
sentados, é conseqüência efetiva disso. Antes,
Não é a isso que meu ensino serve, mas de que
faziam-se cadeiras com quatro patas como ani-
é servo. Ele está a serviço, serve para valorizar
mais sólidos, era preciso que se parecessem com
alguma coisa que aconteceu e que tem um nome,
animais. Agora assumiram um aspectozinho
Freud.
mecânico. Vocês ainda não se deram conta disso, Acontece de acontecerem coisas que car-
claro, faltam-Ihes cadeiras antigas. regam um nome. Por si só, isso é um problema que
Então, exerço um ensino que se refere a não pode de forma alguma ser resolvido com a
alguma coisa que nasceu nesse momento da histó- ajuda de noções como as chamadas influências,
ria e em séculos em que já se estava até o pescoço empréstimos, matéria. Claro, em muitos casos
no contexto da ciência, antes mesmo que se isso pode servir, saber quais são as fontes. Isso
pudesse dizê-lo como acabo de dizer. Trata-se da serve justamente no plano literário, no plano e na
psicanálise. perspectiva dita Universitas litterarum. Aliás, isso

106
Jacques Lacan Então, vocês terão escutado Lacan

não resolve absolutamente nada desde que surja que há todo um campo onde a única coisa a fazer é
alguma coisa que exista um pouco, por exemplo evocá-Io e onde ele tem inclusive valor de ponto
um grande poeta. É pura loucura querer abordar o nodal? - concorde ou não com o que ele disse e com
problema em nome das fontes. o que seria sua mensagem, eu diria, sem que se
O ponto de vista "fontes" também pode ser- possa dizer a rigor o que isso quer dizer, afora uma
vir no ensino corrente, o que chamei ainda há espécie de mitologia que circula. Como esse nome
pouco de gênero "conferência". Só que de tempos pode estar tão presente em nossas consciências?
em tempos há fissuras, há pessoas que, com efeito, Que eu me apegue assim a valorizar Freud é
souberam pegar emprestadas coisinhas aqui e ali coisa completamente diferente do que pode ser
para alimentar seu discurso, é tão-somente a chamado de vitórias de pensadores. Claro, tem a
essência desse discurso que parte de um ponto de ver com o pensamento, mas é alguma coisa que nos
ruptura. esclarece sobre o que já pode haver de surpreen-
Se meu ensino serve para valorizar Freud, e se dente na incidência, na história de nós todos, dos
declara a serviço disso, nesse caso o que querem efeitos do pensamento.
dizer as fontes? Querem dizer precisamente que o Isso poderia levar a crer que, uma vez que por
que me interessa não é reduzir Freud às suas fontes. ora são médicos que carregam o feixe da mensa-
Mostrarei, ao contrário, a função que ele teve gem de Freud, não é ele o principal, mas as coisas
como fissura. Naturalmente, no que diz respeito a concretas com as quais eles lidam, digo concretas
enquadrá-Io, colocá-Io em seu lugar dentro da psi- no sentido que essa palavra tem como ressonân-
cologia geral, há outros que se dedicam a isso, cia, coisas que são feitas, um pedaço, um bloco,
mediante o quê negligenciam a única coisa interes- qualquer coisa que se sustenha, enfim todos sa-
sante, ou seja, por que Freud é um nome em torno bem, doentes, dizem que eles simplesmente têm
do qual se prende essa coisa tão singular que ocupa coisas a tratar, algo que resiste.
o lugar desse nome na consciência de nossa época. Freud nos ensinou que, dentre esses doen-
Por que, afinal de contas, o nome de Freud tes, há doentes do pensamento. Só que é preciso
tem um prestígio da mesma ordem que o de Marx, prestar atenção à função assim designada. Será
sem ter tido, aparentemente, nenhuma de suas que se fica doente do pensamento no sentido
conseqüências cataclísmicas? Por que diabos? Por em que se diz "ele está pirado", no sentido em que

108 109
Jacques Lacan Então, vocês terão escutado Lacan

isso se passa no nível do pensamento? Será que é Em todo caso, o que Freud descobre é em pri-
isso que isso quer dizer? meiro lugar alguma coisa bem próxima disso. No
Enfim, isso era o que se dizia até ele. Aí reside nível da doença, há pensamento em circulação, e
todo o problema. Fala-se de "psicopatologia men- inclusive pensamento de todo o mundo, nosso pão
tal". Há patamares no organismo, e há,um pata- e nosso vinho, o pensamento que partilhamos um
mar superior. No nível dos comandos, deve haver pouco, aquele de que se poderia dizer - "Pensem
um fulano em algum lugar em uma salinha de uns nos outros". É desse pensamento que se trata.
onde ele pode apagar tudo o que está lá em cima Fenômenos que constituem determinado campo
no teto. É assim que se imagina o pensamento de de doenças, o das neuroses, devem-se estreita-
certo ponto de vista sumário. Há em algum lugar mente a esse "Pensem uns nos outros". Eis com
alguma coisa que dirige e, se é nesse nível que isso que Freud se apresenta.
enguiça, temos distúrbios de pensamento. Evi- Uma tradição autodenominada, não sei por
dentemente, se tudo se apaga, isso engendra per- quê, filosófica quer que o processo do pensamento
turbação, mas nem por isso deixamos de estar bem seja uma função autônoma, ou, mais exatamente,
vivos, vamos às apalpadelas até uma porta e con- que não se situe, não se constitua senão da produ-
sertamos isso. Eis a concepção clássica do doente ção de sua autonomia a partir dessa escala, dessa
do pensamento. pirâmide humana em que uns sobem nos ombros
A expressão "doente do pensamento" pode dos outros e que permitiu no curso dos séculos
ser tomada em outro registro. Poderíamos dizer produzirem-se as condições de um puro exercício
"animais doentes do pensamento", como se diz do pensamento, essencial de ser isolado para que o
"animais doentes da peste". É outra acepção. Não pensamento retome daí uma visada no sentido
vou chegar a dizer que o pensamento em si é uma inverso sobre tudo de que teve primeiro de se pre-
doença. Tampouco o bacilo da peste, em si mes- servar para garantir seu exercício correto.
mo, é uma doença. Ele a engendra. Ele a engendra Esse processo seguramente não é nada, uma
para os animais que não são feitos para suportar o vez que aparentemente foi dele que se engendrou
bacilo. Talvez seja disso que se trata. Pensar não é no final o que é nosso privilégio, uma física cor-
em si uma doença, mas há aqueles a quem isso reta. Mas tal como nos é representado, esse traba-
pode deixar doente. lho de cultura e isolamento que aponta para certa

lII
lIa
T

Jacques Lacan Então, vocês terão escutado Lacan

eficácia deixa completamente de lado o que se ções com o pensamento que convém buscar o
refere às relações do animal humano com o pen- móbil de toda uma parte, singularmente expan-
samento. Ora, ele está envolvido nisso desde a ori- dida, parece, em nosso contexto de civilização, de
gem, e parece inclusive certo que, a partir do nível governar pela prevalência, pela expansão do pen-
mais elementar, mais fisiológico, no sentido em samento de certa forma encarnada nos brain-
que essa palavra designa as funções mais fami- trusts, como se diz. O pensamento é desde sempre
liares, estas já estejam envolvidas com funções encarnado, e isso também é perceptível para nós,
de pensamento, a título de manutenção, a título de no que nos parece o mais caduco, o mais dejeto, o
coisa que é rolada, deslocada. mais inassimilável, no nível de certas falhas, que,
Em suma, o trabalho dos filósofos nos dei- aparentemente, parecem dever à função do défi-
xara supor que o pensamento é um ato transpa-
rente a si mesmo, que um pensamento que sabe ue isso não se ~ende
--~~~~~~~
cit. Em outros termos, isso ensa em um nível em
absolutamente como
pensar-se é o critério derradeiro, a essência de p~nsamento.
todo pensamento. Tudo que julgamos dever nos Isso vai mais longe. Se isso ensa em um nível
purificar, nos depurar, para isolar o processo do em ~ã~aQreende a si Rró rio, é or ue não
pensamento, isto é, nossas paixões, nossos dese- uer ser a reendido....Qe modo algum. Prefere
jos, nossas angústias, até mesmo nossas cólicas, incontestavelmente desprender-se de si mesmo
nossos medos, nossas loucuras, tudo isso parecia ainda que seja pensado. Muito mais ainda, isso
ser testemunha exclusiva em nós da intrusão do não recebe absolutamente de bom grado as obser-
que Descartes chama de corpo, pois, na ponta vações que poderiam vir de fora incitar aquilo que
dessa depuração do pensamento, há o seguinte, pensa a se reapreender como pensamento. É isso,
nunca podemos perceber por nenhuma ponta que a descoberta do inconsciente.
o pensamento seja divisível. Tudo viria do distúr- Essa descoberta foi feita numa época em que
bio introduzido por paixões no funcionamento nada era menos contestável que a superioridade
dos órgãos. Este é o ponto aonde chegamos ao do pensamento. Em particular pessoas designa-
termo de uma tradição filosófica. das, em certos registros, como nobres descenden-
Muito ao contrário, Freud, ao nos fazer tes dos gregos e romanos, civilizadas, viam-se
retroceder, nos diz que é no nível de nossas rela- como homens finalmente chegados ao estágio de

II2 II3
Jacques Lacan Então, vocês terão escutado Lacan

seu pensamento positivo, e dando um crédito, que em nada de tudo o que nos aconteceu desde sua
a história nos mostrou excessivo, ao progresso do época e que é de natureza a nos inspirar visadas
espírito humano e ao fato de que em certas zonas, mais modestas sobre a perspectiva de progresso do
por pouco que o tenham ajudado (um pouco), que pensamento.
lhe tenham estendido a mão, podia-se transpor Freud não discorda em nada, permanece com
uma fronteira e entrar no círculo dos homens que sua mensagem, que talvez seja tanto mais forte em
podiam dizer-se esclarecidos no mundo. sua incidência quanto mais permanece no estado
O mérito de Freud foi perceber que era pre- mais fechado, mais enigmático, mesmo que se
ciso julgar isso de outra forma, e isso bem antes tenha tido sucesso em lhe imprimir certa flutuabi-
que a história nos tivesse efetivamente relegado a lidade graças a certo nível de vulgarização. Nesse
uma modéstia maior. Ela nos mostrou isto: que nível em que o ser humano é um pensamento que
podemos ver claramente todos os dias desde tal e felizmente possui essa secreta advertência no seio
tal data, ou seja, que não há nenhuma espécie de de si mesmo que ele ignora, as pessoas percebem
área privilegiada no campo humano definido que há na mensagem freudiana, mesmo sob a
como o das pessoas providas do poder singular de forma em voga no momento, transformada em
manejar a linguagem. Sejam ou não civilizadas, pílulas, algo de precioso, alienado provavelmente,
elas são capazes dos mesmos arrebatamentos mas sabemos que a esta alienação estamos ligados,
coletivos, dos mesmos furores. Continuaram em uma vez que é a nossa própria alienação.
um nível que não há motivo algum para qualificar Qualquer um que se dê ao trabalho de tentar
como mais alto ou mais baixo, como afetivo, pas- chegar ao nível que essa mensagem alcança certa-
sional ou pretenso intelectual, ou desenvolvido, mente despertará o interesse - a prova está dada,
como se diz. Todos têm a seu alcance exatamente nem que seja pela coletânea de escórias que são
as mesmas escolhas, suscetíveis de se traduzir nos meus próprios Escritos -, despertará singular-
mesmos sucessos e aberrações. mente o interesse das pessoas mais diversas, mais
A mensagem que Freud carrega, por mais dispersas, mais estranhamente situadas, e, para
reduzida que seja por ser veiculada aos cuidados resumir, de qualquer um.
das pessoas mais ou menos limitadas que são seus Isso ocorre para espanto daqueles que querem
representantes oficiais, não discorda seguramente que a literatura continue a ser feita para responder

II4 II5
Jacques Lacan Então, vocês terão escutado Lacan

a certas necessidades. Eles se perguntam por que xando a responsabilidade das coisas para a corpo-
meus Escritos venderam bem. Quanto a mim, sou ração dos psicanalistas da qual sou um dos florões,
gentil quando um jornalista vem me perguntar não importa o que se faça, entendam como quise-
isso, ponho-me no meu lugar, digo-lhe - "Sou rem, e mesmo como eu entendo, Freud está bem
como você, não sei." E depois lembro a ele que presente.
esses Escritos não passam de alguns fios, flutuado- O esforço do meu ensino até aqui não con-
res, ilhotas, pontos de referência que apresentei de siste em valorizar Freud no nível da grande im-
tempos em tempos às pessoas a quem ensinava. prensa. Não haveria motivo para isso, e na verdade
Deixei de reserva num cantinho o comprimido, não vejo por que eu próprio me teria imposto essa
para que eles se lembrassem que eu já havia dito preocupação e esse esforço caso ele não se dirigisse
aquilo em tal data. aos psicanalistas.
Mas, afinal de contas, os Escritos interessam O que lhes forneço é isto, em sua formulação
ao jornalista, que me informa que eles estão sendo mais vasta.
lidos, isso é certo. Se interessam a tanta gente, tal- Preciso efetivamente considerar que o pen-
vez seja simplesmente em virtude do que eu disse samento existe no nível mais radical e já condi-
ali. Evidentemente, no nível "necessidade", neces- ciona pelo menos uma parte imensa do que
sidade concreta, claro, que é o princípio de toda conhecemos como animal humano.
publicidade, todos se espantam. Por que teriam O que é o pensamento? A resposta não j az no
necessidade desses Escritos que são, ao que parece, nível em que se considera que sua essência é ser
incompreensíveis? Por que as pessoas teriam ne- transparente a si mesmo e se saber pensado. Está
cessidade de um lugar onde percebessem que se no nível do fato de que todo ser humano ao nascer
fala do que elas não compreendem? Por que não? banha-se em alguma coisa que chamamos de pen-
Meu ensino, se a visada for valorizar Freud, samento' mas da qual um exame mais profundo
não está evidentemente no nível do "grande pú- demonstra com evidência, e isto desde os primei-
blico". O grande público não precisa de mim para ros trabalhos de Freud, que é completamente
isso. Isso funciona muito bem com o que fazem os impossível apreender aquilo de que se trata a não
outros, os colegas. Como acabo de explicar a ser se apoiando sobre seu material, constituído
vocês, não importa o que se faça, e inclusive dei- pela linguagem em todo seu mistério.

n6 II7
Jacques Lacan Então, vocês terão escutado Lacan

Digo "mistério" no sentido em que nada está A primeira de todas é saber se a própria
esclarecido no que se refere à sua origem, mas consciência é de fato essa coisa que se pretende
alguma coisa é perfeitamente dizível, ao contrá- talvez a mais imponderável das coisas, mas segu-
rio, referente às suas condições, seu aparelho, e a ramente a mais autônoma, e se o inconsciente não
como é feita uma linguagem, no mínimo o que é seria uma simples conseqüência, um detalhe, e
designado como sua estrutura. um detalhe acometido de miragem em relação
àquilo que se refere aos efeitos de uma certa arti-
Negar que Freud partiu daí é negar a evidên-
culação radical, a que apreendemos na lingua-
cia, negar o testemunho que constitui para nós
gem' na medida em que talvez fosse de fato ela,
suas grandes primeiras obras, nominalmente a
afinal, que teria engendrado essa alguma coisa
Traumdeutung, a Psicopatologia da vida cotidiana e
que está em questão sob o nome de pensamento.
o Witz, que traduzimos por Chiste. Freud inicial-
Em outras palavras, o pensamento não deve
mente aponta o campo do inconsciente em fenô-
ser concebido como uma espécie de flor apon-
menos que aparentemente apresentam-se como
tando para o ápice de não sei que evolução, da qual
irracionais e caprichosos, como rolhas: o sonho é
mal se vê, de resto, o fator comum que a destinaria
absurdo, o lapso é ridículo, e derrisório o Witz, que
a produzir essa flor. Trata-se para nós de reinter-
nos faz rir não se sabe por quê. rogar seriamente sua origem.
Sou obrigado a ir rápido. Em todo caso, seguramente o pensamento não
Se Freud nos dirige rumo ao campo da sexua- se apresenta a nós, por ora, sob a forma de uma fim-
lidade enquanto especialmente interessado por ção qualificável em qualquer nível como superior. É,
todos esses fenômenos, nem por isso a estrutura e ao contrário, uma condição prévia no interior da
o material em pauta designam o inconsciente, qual é alojada da maneira possível toda uma série
uma vez que tudo isso acontece sem o menor de funções animais, desde as mais superiores, como
socorro do que consideramos até agora como pen- se diz, as que podem situar-se no nível do eixo neu-
samento, isto é, algo capaz de se apreender a si ral, até as que se passam no nível das tripas e dos
mesmo como consciente. É efetivamente daí que tubos, chamadas, não sei por quê, de inferiores.
parte Freud, e a báscula que ele introduz. Em outros termos, o que importa é voltar a
Isso coloca questões completamente novas. questionar todo esse escalonamento de entidades

n8
Jacques Lacan Então, vocês terão escutado Lacan

que tende a nos fazer apreender os mecanismos naturalmente o grande esperto encarregado de
orgânicos como algo hierarquizado, ao passo que conduzir você pelos labirintos de um palácio do
de fato talvez deva ser situado no nível de certa qual deteria há muito tempo a familiaridade.
discordância radical do âmbito de talvez três O psicanalista deve ser capaz, no nível de sua
registros, que designo como o simbólico, o imagi- prática, de se presentificar a todo instante como
nário e o real. Mesmo suas distâncias recíprocas aquele que sabe qual é sua dependência própria de
não são homogêneas. Inseri-Ios em uma mesma um certo número de coisas que, a princípio, ele
lista já tem algo de arbitrário. Não importa, con- deve observar claramente em sua experiência
tanto que esses registros possam ter pelo menos inaugural, por exemplo sua dependência em rela-
alguma eficácia na introdução da questão. ção a determinada fantasia. Isto, a princípio, está
De toda forma, a partir do momento em que
perfeitamente ao seu alcance. Ele não deve consi-
se trata do nível de certa paixão, sofrimento, a par-
derar que sabe, sob o pretexto de que é a título do
tir do momento em que se trata de um pensamen-
que chamei de sujeito suposto saber que se vai des-
to, do qual não conseguimos apreender em lugar
cobri-Io. El~ não é consultado sobre o que está à
algum quem o pensa como consciência, um pen-
r,nargem de um saber qualquer, seja aquele do
samento que em lugar algum apreende-se a si pró-
sujeito ou o saber comum, mas sobre o ue escapa
prio, um pensamento sobre o qual sempre se pode
~er, p~mente sobre ~. ue é J2ara~m
colocar a questão de quem o pensa, isso basta para
o ue ele não qu,;;:e~r:...:r~a~d;;:.ic:.;;al::.m::.:..e~nte
~.
que qualquer um que se introduz nessa estranha
Por que ele não quer saber - a não ser porque
dialética renuncie, pelo menos para si próprio, à
isto é alguma coisa que o põe em questão como
primazia do pensamento enquanto aquilo que
apreende-se a si próprio. sujeito do saber? Isso vale no nível da criatura mais
Quero dizer que o psicanalista não deve ape- simples, e, digamos, menos informada.
nas ter lido Freud mais ou menos, guardando em Que o psicanalista não julgue poder introdu-
sua posse esses escaninhos do universo psicoló- zir-se em uma questão dessas ao simplesmente
gico graças aos quais fica claro de antemão que aceitar o que lhe foi deferido como papel na forma
"você é você e eu [je] sou eu [moi] ", e eu [moi], em do sujeito suposto saber. Ele sabe muito bem que
todo caso, uma vez que eu [je] sou psicanalista, sou não sabe, e que tudo que poderá forjar como saber

I20 I2I
Jacques Lacan Então, vocês terão escutado Lacan

próprio arrisca-se a se constituir como se ele fi- Essas construções são destinadas exclusiva-
zesse uma defesa contra sua própria verdade. mente a separar a análise daquilo por que, no fim
Tudo o que ele construirá como psicologia do das contas, ele está acuado. Isto significa que ele
~ -- O
obsessivo, tudo o que ele encarnará em tal tendên- ;}i acaba representando ara o suoeito a uilo a ue o '-i'~ v
~ < ~ ,)
cia dita primitiva, não impedirá que, à medida que ,y _'<v progresso analítico deve enfim fazer ~e renun+> ~
a relação chamada transferência for levada mais n ciar, a saber, ao objeto ao mesmo tempo privile- cY~
longe, ele seja questionado sobre o modo funda- giado e ob' et~-d~jeto a que ele mesmo colou emisi,
mental que é o da neurose, enquanto este com- Pog ão dramática, uma vez que no fim o róprio
porta o jogo escorregadio da demanda e do desejo. analista recisa saber eliminar-se desse diálogo
Nada seria capaz de se deslocar num caso se o.J23:- como algt!ma coisa que cai dele, e cai para sempre.
canalista não sentir efetivamente que é elo seu Assim a disciplina a ele imposta é contrária à
••••• w .....,

~~io que a demanda histérica se interessa, q\le L da autoridade científica. Não digo àdo cientista. O
~a demanda que o desejo do obsessivo quer sus- cientista da ciência moderna tem com efeito uma
citar a todo preço. relação singular com sua superfície social e com sua
Mas esse apelo, não basta que ele o responda própria dignidade, que está bem longe da forma
demonstrando a cada um de seus questionantes ideal situada no fundo que constitui seu estatuto.
que há formas que já são passadas e reproduzidas Todos sabem que o que especifica as formas mais
segundo a lei que regula as relações de cada um com atuais de pesquisa científica não é em hipótese
o parceiro. Não basta que ele recue a questão rumo alguma identificável ao tipo tradicional da autori-
a não sei qual reiteração, sempre retroativa. Eis sem dade científica, daquele que sabe e toca, que opera
dúvida uma dimensão essencial para fazer o sujeito e cura apenas pela presença de sua autoridade.
a reender o ue deixou cair de si mesmo sob a Como é ridícula a voracidade com que
forma de um núcleo irredutível. Mas, sem fermen- alguns que escutam o que ensino há tantos anos já
tação, tantas construções complicadas destinadas a se precipitam sobre minhas formulações para
dar conta das resistências, das defesas, das opera- delas fazer artiguetes, ninguém pensa em outra
ções do sujeito, de tal e tal ganho mais ou menos coisa a não ser nisso, em se enfeitar com minhas
considerável, podem representar apenas superes- plumas, e tudo isso para se atribuir o mérito de ter
truturas, no sentido de construções fictícias. feito um artigo que se sustenta de pé. Nada é mais

122 123
Jacques Lacan

contrário ao que se trataria de obter deles, ou seja,


que conquistassem a 'usta situa ão de des oja-
~o, de "desmuniciamento" eu diria, que é a do Indicações biobibliográficas
analista enquanto um homem entre outros, que
d,evesaber gue não é nem saber nem consciência,
mas dependente tanto do desejo do Outro uan-
to de sua fala.
Enquanto não houver analista que me tenha
escutado o suficiente para chegar a esse ponto,
tampouco haverá o que isso logo engendraria, a A primeira conferência foi realizada em outubro de
saber, esses passos essenciais que ainda esperamos 1967 no Centre Hospitalier du Vinatier, em Lyon;
na análise, e que, redobrando os passos de Freud, a segundá, em 20 de abril de 1968, em Bordeaux; a
fariam-na avançar novamente. terceira, em 10 de junho de 1967 na Faculdade de
Medicina de Estrasburgo.
U ma transcrição da conferência lionesa foi
reproduzida em 1981 em uma publicação fotoco-
piada do CES de psiquiatria da Faculdade de
Medicina de Lyon- I; esta foi reproduzida com
minha autorização na revista Essaim. Transcrições
das duas outras conferências circularam.
O Asile du Vinatier, criado pela lei de 30
de junho de 1838 que previa um asilo de alie-
nados em cada departamento da França, foi
por muito tempo vítima de uma "imagem ne-
. "bso o nome d e "Asil
gatlva SI e d e Bron."R eno-

vado após a Libertação, já havia se tornado o


Centre Hospitalier du Vinatier quando Lacan
lá esteve. O estabelecimento é desde então o

124 12 5
Jacques Lacan

primeiro centro psiquiátrico da região Rhône-


Alpes.
O filósofo Henri Maldiney, nascido em
1912, por muito tempo professor na Universidade
de Lyon, é vinculado à corrente fenomenológica.
Dedicou-se à estética, escrevendo principalmente
sobre poesia, belas-artes, a paisagem ocidental e a
paisagem chinesa.
Havia em Estrasburgo um importante grupo
lacaniano, desenvolvido a partir da segunda me-
tade dos anos 1950 em torno de Lucien Israel,
professor de psiquiatria e psicanalista. Este foi o
incentivador do convite feito a Lacan.
Lacan foi a Bordeaux a convite de um grupo
de residentes do Hospital Psiquiátrico (CHS)
Charles- Perrens. A conferência foi realizada
numa sala municipal situada em frente ao estabe-
lecimento.

JAM

126
Este livro foi composto por Futura,
em Caslon e Legacy, e impresso por
Bartira em julho de 2006.

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