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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS

ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS DE SÃO PAULO

PAULO JÁBALI JUNIOR

ANÁLISE COMPARADA DA GRADE CURRICULAR DO CURSO DE FORMAÇÃO


DA GUARDA CIVIL METROPOLITANA DE SÃO PAULO

SÃO PAULO

2013
PAULO JÁBALI JUNIOR

ANÁLISE COMPARADA DA GRADE CURRICULAR DO CURSO DE FORMAÇÃO


DA GUARDA CIVIL METROPOLITANA DE SÃO PAULO

Trabalho apresentado à Escola de Administração


de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio
Vargas, como requisito parcial para obtenção do
título de Mestre em Gestão e Políticas Públicas.

Campo de Conhecimento: Gestão e Políticas


Públicas.

Orientadora: Profa. Dra. Carmen Augusta Varela

SÃO PAULO

2013
RESUMO

Este trabalho tem como objetivo estudar a grade curricular do curso de formação da
Guarda Civil Metropolitana de São Paulo, comparativamente aos cursos realizados pelas
Polícias Militares dos estados de Santa Catarina, Rio de Janeiro e Paraná. A comparação
destas quatro grades curriculares frente à proposta elaborada pela Secretaria Nacional de
Segurança Pública busca identificar se as matérias apresentadas nos cursos estão voltadas à
formação de agentes segundo os princípios de policiamento comunitário e preventivo. Este
modelo de atuação tem sido estudado e implementado por diferentes forças policiais em todo
mundo como resposta ao crescimento da criminalidade, verificado especialmente a partir da
década de 70.

Palavras-chave: Grade curricular, curso de formação, policiamento comunitário, Guarda Civil


Metropolitana de São Paulo.

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1. REFERENCIAL TEÓRICO

1.1. Criminalidade em alta e o novo modelo de policiamento

A polícia é investida de uma autoridade para prender, investigar, deter e usar a força
que é apavorante. Sua atuação pode gerar forte e imediato impacto na vida dos cidadãos, ao
privá-los de liberdade, invadir sua privacidade e mesmo causar danos físicos. Esta poderosa
autoridade é delegada a servidores públicos de baixo nível da burocracia, que a exercem, com
pouca ou nenhuma supervisão (GOLDSTEIN, 2003).

“Ainda assim, apesar de sua posição anômala, para manter o grau de ordem que
torna possível uma sociedade livre, a democracia depende de maneira decisiva da
força policial. Cabe à polícia prevenir contra a pilhagem de coisas alheias, dar uma
sensação de segurança, facilitar o ir e vir, resolver conflitos e proteger os mais
importantes processos e direitos – como eleições livres, liberdade de expressão e
liberdade de associação – em cuja continuidade está a base da sociedade livre. O
vigo da democracia e a qualidade de vida desejada por seus cidadãos estão
determinados em larga escala pela habilidade da polícia em cumprir suas
obrigações.” (GOLDSTEIN, 2003, p. 13)

A partir da década de 60, muitos países passaram a vivenciar índices crescentes de


criminalidade e o modelo tradicional de policiamento passou a ser questionado. Nos Estados
Unidos, neste período, a sociedade experimentava um crescente movimento pelos direitos
civis, ao passo que a força policial se comportava de modo impermeável, em total obediência
aos procedimentos (DIAS NETO, 2003).

Com o passar dos anos, novas teorias e experiências de policiamento surgiram para
fazer frente a esta nova realidade e buscar a redução dos índices de violência, como
policiamento comunitário, policiamento orientado ao problema e tolerância zero. A teoria das
janelas quebradas pressupõe que a degradação dos espaços públicos, como pichações, entulho
e prédios abandonados, causa um sentimento de repulsa na população, que passa a evitar estes
locais degradados, o que favorece a incidência de crimes. O poder público deve pautar sua
atuação na área da segurança pública também como zelador da paisagem urbana, garantindo a
conservação dos espaços e sua utilização pela população (CARNEIRO, TORRIGO, 2006).

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O policiamento comunitário busca aproximar a atuação policial da sociedade. O
modelo pressupõe que a aproximação faça com que a população transmita informações que
colaborem com a atuação policial e, sobretudo, aumente o sentimento de segurança entre as
pessoas, pela proximidade da presença do Estado. “O policiamento comunitário expressa uma
filosofia operacional orientada à divisão de responsabilidades entre polícia e cidadãos no
planejamento e na implementação das políticas públicas de segurança” (DIAS NETO, 2003,
p. 30).

Segundo TROJANOWICZ, BUCQUEROUX,

“polícia comunitária é uma filosofia e uma estratégia organizacional que


proporciona uma nova parceria entre a população e a polícia. Baseia-se na premissa
de que tanto a polícia quanto a comunidade devem trabalhar juntas para identificar,
priorizar e resolver problemas contemporâneos tais como crimes, drogas,
insegurança, desordens físicas e morais e em geral a decadência do bairro, com o
objetivo de melhorar a qualidade de vida local” (1994, p. 4-5).

Outra vertente da atuação na área de segurança é o policiamento orientado ao


problema. Estudos concluíram que a estratégia da maioria das forças policiais enfoca reagir
aos problemas, ou seja, a maior parte do efetivo está direcionada a chegar rapidamente aos
locais de ocorrências e lidar com suas consequências. Esta estratégia é ineficaz porque a
presença constante da polícia, a pé ou motorizada, tem pouca relação com a diminuição da
criminalidade (SKOLNICK, BAYLEY, 2002).

A postura policial deixa de ser atender a incidentes e passa a se orientar para a solução
de problemas. Para tanto, o agente deve estudar os crimes recorrentes, identificar soluções de
longo prazo e mobilizar recursos públicos e privados para sua implantação. Em outras
palavras,

“as polícias devem desenvolver uma habilidade para analisar os problemas sociais,
trabalhar com outras pessoas para encontrar as soluções, escolher os enfoques mais
viáveis e de menor custo, advogar vigorosamente a adoção dos programas
desejados, e monitorar os resultados dos esforços de cooperação” (SKOLNICK,
BAYLEY, 2002, p. 37).

Ainda segundo SKOLNICK, BAYLEY (2002), esta estratégia tem sido implementada
com sucesso em diversas localidades norte-americanas. Em Madison, no estado de Wisconsin,
um centro comercial estava em franca decadência, sendo evitado pela população, devido a

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pessoas que se comportavam de modo desordeiro. Reportagens da imprensa local chegaram a
noticiar que os envolvidos seriam em torno de mil pessoas. Após estudar o local, os policiais
identificaram que a origem do problema eram 13 (treze) indivíduos que já haviam recebido
tratamento psicológico e se comportavam inadequadamente quando não seguiam o
tratamento. Com a ajuda de pessoal ligado à saúde mental, os policiais passaram a
supervisionar este grupo e o local deixou de ser considerando perigoso pela população.

É importante destacar a importância de se aliar estas duas práticas de atuação:


policiamento comunitário e orientado ao problema. O policiamento comunitário é muitas
vezes encarado como um mero “relações públicas” dos órgãos governamentais, mas quando
pauta sua atuação por conhecer a localidade onde atua, o sentimento de insegurança daquela
população e passa a buscar soluções para os problemas, há reconhecimento da população de
que o trabalho policial transmite segurança aos cidadãos.

1.2. Diferentes estruturas de policiamento no Brasil e no mundo

A atuação das forças policiais difere ao redor do mundo no que diz respeito à
centralização e ao número de comandos. “Um país tem uma estrutura policial centralizada
quando a direção operacional é dada rotineiramente às subunidades a partir de um único
centro de controle” (BAYLEY, 2006, p. 68). Países como França, Itália, Finlândia e Israel
possuem forças policias centralizadas: na França, por exemplo, a “Police Nationale”, que atua
nas cidades com mais de 10 mil habitantes, e a “Gendarmerie”, que policia áreas rurais e
cidades menores, estão vinculadas ao Ministério do Interior. Já o Japão, a Austrália, o Canadá
e os Estados Unidos são países onde há descentralização da cadeia de comando.

Quanto ao número de comandos, apenas países com pouca extensão territorial, como
Sri Lanka, Irlanda e Singapura, possuem uma única força policial, enquanto a maioria dos
países apresenta múltiplos órgãos responsáveis pelo policiamento, como Holanda, Estados
Unidos e Espanha.

O Canadá tem um sistema interessante em que, a cada localidade, há apenas uma única
força policial majoritária. Quando uma área, por exemplo, um município, opta pelo
autopoliciamento, as demais autoridades de segurança são excluídas daquela região. Assim,
450 municípios possuem polícias próprias, enquanto nos demais, atuam as forças provinciais
e, em determinadas províncias, a cobertura é realizada pela “Royal Canadian Mounted

5
Police”, federal. “O sistema canadense é extremamente descentralizado mas, de modo geral, é
cuidadosamente coordenado” (BAYLEY, 2006, p. 71) – não há sobreposição de competências
entre as polícias.

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 determinou qual a esfera de atuação de


cada força policial (BRASIL, 1988, p. 59-60):

“Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de


todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das
pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I - polícia federal;

II – polícia rodoviária federal;

III – polícia ferroviária federal;

IV – polícias civis;

V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.

§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e


mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:

(...)

II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o


contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos
públicos nas respectivas áreas de competência;

(...)

§ 4º - às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem,


ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de
infrações penais, exceto as militares.

§ 5º - às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem


pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei,
incumbe a execução de atividades de defesa civil.

(...)

§ 8º - Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de


seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.

(...).”

Pode-se caracterizar o sistema brasileiro como sendo de múltiplas forças (polícia


federal, polícias estaduais civil e militar, guardas municipais facultativas e ainda forças
especiais, como polícia rodoviária federal e polícia ferroviária federal) e descentralizado.

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Sobre este aspecto, segundo PONCIONI (2013), foi com a criação da Secretaria Nacional de
Segurança Pública, vinculada ao Ministério da Justiça, em 1998, e a posterior edição dos
Planos Nacional de Segurança Pública (2000), de Segurança Pública para o Brasil (2003) e
Nacional de Segurança Pública com Cidadania – Pronasci (2007), que se inicia a organização
sistemática sobre o tema, buscando a coordenação de esforços entre as diferentes unidades
policiais. Foi a SENASP que editou, em articulação com organizações atuantes no setor de
segurança, a Matriz Curricular para o ensino policial em 2003, posteriormente reeditada, que,
embora não tenha força vinculativa junto às polícias estaduais e às guardas municiais, busca
estimular a adoção de princípios humanitários, comunitários e preventivos na formação dos
agentes e introduzir uma uniformidade de conceitos e técnicas.

Em outra publicação, PONCIONI (2005) destacara que poucas propostas para


reformular a formação dos policias no Brasil tiveram êxito, persistindo a atuação muitas vezes
violenta e arbitrária, e sem a adoção de metodologias de intervenção preventiva e orientada ao
problema.

2. METODOLOGIA

O objetivo deste artigo é investigar se a formação inicial dos guardas civis


metropolitanos de São Paulo reflete as novas teorias sobre policiamento comunitário e
orientado ao problema. Para tanto, buscou-se comparar a grade curricular do “Curso de
Formação Específico de Capacitação para Guarda Civil Metropolitano de 3ª Classe” com a
“Matriz Curricular” proposta pela Secretaria Nacional de Segurança Pública e com as grades
de outras forças policiais, da PM de Santa Catarina, estado que possui uma das mais baixas
taxas de homicídio do país, e das PMs do Rio de Janeiro e do Paraná, estados que têm
registrado quedas no índice de mortes1.

1
Não foi possível realizar o comparativo com a grade curricular do curso de “Técnico de Polícia
Ostensiva e Preservação da Ordem Pública”, realizado pela “Escola Superior de Soldados ‘Coronel
PM Eduardo Assumpção’”, que é o curso inicial de formação dos soldados da Polícia Militar do
Estado de São Paulo porque esta grade não consta da Lei Complementar nº 1.036/2008, que instituiu o
sistema de ensino da Polícia Militar (SÃO PAULO, 2008) nem do Decreto nº 54.911/2009, que
regulamenta esta Lei (SÃO PAULO, 2009). A informação também não está disponível no sítio do
Governo do Estado de São Paulo na Internet.

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Foi realizada pesquisa bibliográfica sobre o tema de segurança pública, especialmente
com enfoque nos novos modelos de policiamento comunitário e orientado ao problema, em
livros, artigos, bases de dadoss online (como Scielo e Google Acadêmico) e periódicos.

Finalmente, foram coletados


coleta dados primários,, a partir de uma pesquisa feita pela
Internet, buscando avaliar a contribuição do treinamento realizado pelo Centro de Formação
em Segurança Urbana na formação
formação de guardas civis metropolitanas com orientação preventiva
e comunitária. A seleção da amostra foi realizada por conveniência:
conveniência: a divulgação ocorreu
entre os guardas que cursavam qualificação profissional no CFSU em julho de 2013 e também
entre blogs mantidos
tidos por pessoas com atuação na área de segurança. A pesquisa teve início
em 9 de julho de 2013 e foi encerrada em 1º de agosto do mesmo
mesmo ano e a coleta se deu através
do serviço “SurveyMonkey”, que segundo CRESWLL (2010) tem a vantagem de oferecer
rapidez para criar os questionários ao passo em que preserva o sigilo dos pesquisados.

3. CONTEXTO

Estudo recente realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública revelou que o
tempo de formação dos policiais é insuficiente e focado em disciplinas pouco úteis às suas
atividades cotidianas.

Gráfico 1
Duração dos cursos de formação de policiais

2% 16% 6 meses
46% 1 ano a 1,5 ano
9%
2 anos
27% 4 anos
5 anos

Fonte: Elaboração própria com dados de BENITES (2013, p. 1)

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Sobre o tempo de formação, o estudo revela que em 20 (vinte) das 44 (quarenta e
quatro) escolas de formação que responderam à pesquisa, a duração dos cursos é de seis
meses, enquanto em países europeus os cursos têm duração de dez meses. Como mostra o
Gráfico 1, em 46% das escolas, a duração do curso é de seis meses – é o caso da formação dos
guardas civis metropolitanos, tempo inferior ao recomendável, segundo os pesquisadores que
realizaram o estudo. É importante ressaltar que o levantamento abarcou também a formação
de oficiais da Polícia, cursos que têm titulação de graduação em ensino superior e duração
prolongada (BENITES, 2013).

Outros dois aspectos levantados dão conta do conteúdo dos cursos e do corpo docente.
O coordenador da pesquisa José Vicente Tavares dos Santos afirma que “a formação é muito
bacharelesca e militarista. (...) A escola, muitas vezes, não leva em conta que o policial vai se
envolver em situações em que tanta teoria não basta” (BENITES, 2013, p. 1). A esse respeito
GOLDSTEN (2003) afirma que, após a conclusão do curso e se defrontar com situações
críticas, o policial descobre que pouco do que lhe foi ensinado se aplica às suas atividades,
especialmente o que diz respeito ao treinamento para tomada de decisões. Assim, o agente vai
atuar pautado pela postura e modus operandi de seus pares com mais tempo de serviço – o
que pode ser prejudicial, especialmente quando se pretende alterar a forma de atuação de uma
corporação, partindo do princípio de que a formação seria o ponto de inflexão de um
paradigma.

Com relação ao corpo docente, em 34 (trinta e quatro) das 39 (trinta e nove) escolas
que responderam ao questionamento, ou seja, em 87% dos cursos, o corpo docente é formado
majoritariamente por policiais (BENITES, 2013). No Rio de Janeiro, por exemplo,

“tanto a Polícia Militar quanto a Polícia Civil não possuem um corpo de docentes
inteiramente dedicado ao ensino. Os professores dos cursos de formação profissional
básica, oferecidos por ambas organizações policiais são, majoritariamente, policiais
advindos da própria Corporação, os quais, além de acumularem a atividade docente
com outras atividades próprias ao cargo prioritariamente exercido na corporação,
não possuem necessariamente uma formação pedagógica adaptada à função. Além
disso, para os professores advindos da Corporação não há remuneração pelo
desenvolvimento da atividade de ensino. Para esses policiais há, de fato, um
acréscimo na sua carga horária de trabalho” (PONCIONI, 2005, p. 596).

O fato de o corpo docente ser formado em larga escala por profissionais das próprias
polícias não representa necessariamente um ponto negativo: muitos policiais possuem a

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formação em academias das corporações com cursos de duração equivalente à graduação e até
mesmo mestrados e doutorados na área de segurança. Portanto, seriam capazes de aliar a
experiência profissional com o conhecimento acadêmico. O ponto crítico é que a escolha dos
instrutores deve ser realizada a partir de concurso público, que avalie a formação e a didática
dos profissionais.

Em São Paulo a Secretaria Municipal de Segurança Urbana é o órgão responsável pela


formulação das políticas de segurança pública no munícipio, enquanto que a Guarda Civil
Metropolitana é o principal órgão executor destas políticas e o Centro de Formação em
Segurança Urbana é encarregado da formação e capacitação do efetivo da Guarda. “Hoje, a
GCM conta com um efetivo de 6.149 (seis mil, cento e quarenta e nove) componentes entre
homens e mulheres” (ELIAS, JÁBALI JUNIOR, 2013, p. 33).

A pesquisa realizada entre os Guardas Civis Metropolitanos revelou que, para 29,6%
dos respondentes, os treinamentos realizados pela CFSU estão sempre ou frequentemente
adaptados à realidade da comunidade; para 11,1% nunca ou raramente estão adequados às
características da região; e para a maioria, 59,3%, eles às vezes são e às vezes não são
adaptados à realidade da comunidade.

Gráfico 2
Os treinamentos do CFSU estão adaptados à realidade da comunidade/região?
70%
59,3%
60%

50%

40%

30%
22,2%
20%

10%
7,4% 7,4%
3,7%
0,0%
0%

Fonte: Elaboração própria


10
Com relação à atuação preventiva, que é uma diretriz dos modelos avançados de
policiamento, onde o trabalho enfoca a prevenção em detrimento à reação, os 44 (quarenta e
quatro) entrevistados opinaram que os treinamentos do CFSU auxiliam a atuar
preventivamente sempre ou frequentemente para 59,1%. Para 29,5%, os treinamentos do
Centro de Formação em Segurança Urbana raramente ou nunca ajudam na atuação preventiva,
enquanto que 9,1% entendem que às vezes auxiliam e às vezes não amparam a atuação
preventiva.

Gráfico 3
Os treinamentos do CFSU o ajudam a atuar preventivamente?
50,0%
45,5%
45,0%
40,0%
35,0%
30,0%
25,0% 22,7%
20,0%
13,6%
15,0%
9,1%
10,0% 6,8%
5,0% 2,3%
0,0%

Fonte: Elaboração própria

Com base nestes dados, identifica-se que os treinamentos estão focados na atuação
preventiva, ao menos para a maioria do contingente de entrevistados, mas estão pouco
focados na atuação comunitária – o aprendizado não está adaptado à realidade das
comunidades em que os Guardas Civis Metropolitanos atuam. Assim, buscou-se comparar a
grade curricular do curso de formação da GCM com a “matriz” curricular proposta pela
Secretaria Nacional de Segurança Pública e com as grades curriculares de outros cursos de
formação de policias no Brasil.

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4. RESULTADOS

De um modo geral as forças policiais no Brasil tem intensificado a formulação de


diretrizes voltadas ao policiamento comunitário e também investindo em equipamentos
voltados para este fim, como, por exemplo, a instalação de bases comunitárias. Segundo
Pesquisa sobre o perfil das instituições de segurança pública, a Polícia Militar de São Paulo
possui 252 (duzentas e cinquenta e duas) bases fixas de polícia comunitária e outras 216
(duzentas e dezesseis) bases móveis – totalizando 468 (quatrocentas e sessenta e oito)
unidades (BRASIL, 2013, p. 23). Depois da PMSP, o segundo estado com mais bases
comunitárias é o Espírito Santo, com 152 (cento e cinquenta e duas), seguido do Distrito
Federal com 130 (cento e trinta) unidades.

Todavia, não basta que haja investimentos apenas na construção e aquisição de bases
fixas e móveis, próximas aos bairros, para que se possa caracterizar a atuação da polícia como
comunitária. Para tanto, investir na formação e na qualificação dos agentes policiais para este
novo modelo de policiamento é essencial e um dos aspectos a ser considerado é o currículo
dos cursos. Segundo SACRISTÁN (2000):

“o currículo, com tudo o que implica quanto a seus conteúdos e formas de


desenvolvê-los, é um ponto central de referência na melhora da qualidade do ensino,
na mudança das condições da prática, no aperfeiçoamento dos professores, na
renovação da instituição escolar em geral e nos projetos de inovação dos centros
escolares” (p. 32).

A Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), vinculada ao Ministério da


Justiça, elaborou uma matriz curricular nacional que “tem por objetivo ser um referencial
teórico-metodológico que orienta as ações formativas dos profissionais da área de segurança
pública (...) independentemente da instituição, nível ou modalidade de ensino que se espera
atender” (BRASIL, 2008, p. 6). O documento conceitua que matriz remete “às ideias de
‘criação’ e ‘geração’, que norteiam um concepção mais abrangente e dinâmica de currículo”
(BRASIL, 2008, p. 6). Utiliza, ainda, a palavra malha curricular, ao invés de grade curricular,
porque a primeira se apresenta como algo flexível, que permita articular as disciplinas de
diferentes alternativas. A malha curricular proposta pela SENASP (Quadro 1) foi elaborada
em 2005 e revisada em 2008 por um grupo de trabalho e constitui uma orientação importante

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para as forças policias regionais construírem os próprios conteúdos de seus cursos de
formação2.

Quadro 1
Malha Curricular SENASP
Percentual
Áreas Temáticas da
Disciplina Dimensão da Carga
Matriz
horária

Sistemas, Sistemas de Segurança Pública no Brasil Conceitual 5%


Instituições e
Fundamentos da Gestão Pública Conceitual 5%
Gestão
I Fundamentos de Gestão Integrada e
Integrada em Conceitual 5%
Segurança Comunitária
Pública Mobilização Comunitária Procedimental 4%
Abordagem sociopsicológica da violência
Conceitual 5%
Violência, e do crime
II Crimes e Criminologia aplicada à Segurança Pública Conceitual 5%
Controle Social
Análise de Cenários e Riscos Procedimental 5%
Cultura e Direitos Humanos Atitudinal 6%
III Conhecimento Fundamentos dos Conhecimentos
Jurídico Conceitual 5%
Jurídicos
Modalidades Prevenção, Mediação e Resolução de
Procedimental 4%
de Gestão de Conflitos
IV Conflitos e
Gerenciamento Integrado de Crises e
Eventos Procedimental 4%
Desastres
Críticos
Valorização Relações Humanas Atitudinal 6%
Profissional e
V
Saúde do Saúde e Segurança aplicada ao trabalho Atitudinal 6%
Trabalhador
Comunicação, Língua e Comunicação Procedimental 4%
Informação e Telecomunicações Procedimental 4%
VI Tecnologias
em Segurança Sistemas Informatizados Procedimental 4%
Pública Gestão da Informação Conceitual 5%
Cotidiano e
VII Prática Ética e Cidadania Atitudinal 6%
Reflexiva

2
A malha curricular traz uma somatória de 101% da carga horária sugerida. Ademais, a disciplina “Abordagem
sociopsicológica da violência e do crime” está apresentada em duplicidade nas Áreas Temáticas I e II. Contudo,
esta falha pôde ser corrigida no Quadro 1, verificando-se a as ementas das disciplinas, no Anexo II do
documento, onde consta, na Área I, a disciplina “Mobilização Comunitária”.

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Funções, Preservação e Valorização da Prova Procedimental 4%
Técnicas e
VIII Procedimentos Primeiros Socorros Procedimental 4%
em Segurança
Uso da Força Procedimental 5%
Pública
Fonte: Elaboração própria com dados de BRASIL (2008, p. 35-37)

O Curso de Formação Específico de Capacitação para Guarda Civil Metropolitano 3ª


Classe é o treinamento inicial que os agentes participam após a aprovação em concurso
público. O curso é ministrado pelo Centro de Formação em Segurança Urbana, órgão
vinculado à Secretaria Municipal de Segurança Urbana de São Paulo e tem carga horária total
de 600 (seiscentas) horas (Quadro 2).

Quadro 2
Grade Curricular do Curso de Formação da Guarda Civil Metropolitana
Carga Percentual
Matéria
Horária da Carga
Conhecimento Institucional I 52 9%
Conhecimento Institucional II 26 4%
Noções de Direito 50 8%
Noções de Legislação Especial 18 3%
Direitos Humanos 30 5%
Programas de Proteção Cidadã I 32 5%
Programas de Proteção Cidadã II 46 8%
Trânsito e Condução de Veículos Oficiais 28 5%
Instrução Operacional I 76 13%
Instrução Operacional II 24 4%
Atendimentos Emergenciais 26 4%
Conhecimento Específico 32 5%
Tiro Defensivo de Preservação à Vida 70 12%
Condicionamento Físico 79 13%
Atividades Complementares 11 2%
Total 600
Fonte: Elaboração própria com dados de SÃO PAULO (2013, p. 1-3)
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Analisando as disciplinas do curso de formação, comparativamente à “Malha
Curricular” proposta pela SENASP, alguns pontos merecem destaque. Primeiramente, o
estudo de “Noções de Ética e Normas de Conduta” está inserido na disciplina de
“Conhecimento Institucional I” com carga de 6 (seis) horas, o que representa apenas 1% do
total do curso, enquanto que a SENASP indica que esta matéria deveria representar 6% - a
respeitar este índice, o curso de formação da Guarda Civil Metropolitana (GCM) deveria
dedicar 36 (trinta e seis) horas ao estudo de ética.

As duas disciplinas de Conhecimento Institucional representam 78 (setenta e oito)


horas no total, e 72 (setenta e duas) horas se excluirmos o tópico sobre ética, o equivalente a
12% da carga horária, e buscam informar os alunos sobre a história da Guarda, hierarquia,
disciplina plano de carreira e símbolos nacionais. Este conteúdo não está contemplado na
matriz da SENASP e, sobretudo, consome significativa parcela do treinamento para informar
conhecimentos nada relacionados à teoria de policiamento comunitário.

O conteúdo proposto pela Secretaria Nacional de Segurança Pública contempla o


estudo do Sistema de Segurança Pública no Brasil, com 5% do total de horas dos cursos de
formação. A grade curricular do Centro de Formação em Segurança Urbana (CFSU) apresenta
tal estudo dentro da matéria sobre Noções de Direito, com 4 (quatro) horas de aula, o que
representa 0,67% do curso, muito inferior ao indicado. Ainda sobre a disciplina de Noções de
Direito, ela totaliza 46 (quarenta e seis) horas, excluindo-se o Sistema de Segurança Pública
no Brasil, o equivalente a 7,6% do total – um pouco superior ao percentual sugerido de 5% na
malha curricular da SENASP.

Dois aspectos positivos da grade curricular foram observados: há uma disciplina de


Noções de Legislação Especial que contempla, ao longo de 18 (dezoito) horas, o estudo do
Estatuto da Criança e Adolescente, violência doméstica, Estatuto do Idoso e as pessoas com
mobilidade reduzida e portadoras de necessidades especiais. Esta matéria é essencial para a
formação de uma Guarda voltada à atuação comunitária e com base nos princípios
humanistas, considerando que estes grupos possuem necessidades específicas e devem contar
com um atendimento diferenciado, em sintonia com o policiamento orientado ao problema.
Somente se conhecer as diferentes classes populacionais, e consequentemente suas demandas,
é que se poderá avançar para uma atuação comunitária.

O segundo ponto diz respeito às matérias de “Programas de Proteção Cidadã I e II”,


com um total de 78 (setenta e oito) horas – os programas de proteção escolar e pessoas em

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situação de risco, por exemplo, são o objeto de estudo dessas matérias. Além disso, há a
disciplina de Proteção Comunitária, com 6 (seis) horas, dentro da matéria de “Instrução
Operacional I”. Este conjunto de matérias representam 14% do total da carga horária do curso
de formação e estão em sintonia com uma força policial próxima da população e atuando de
modo preventivo.

O Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos divulga regularmente o Mapa da


Violência com os índices de homicídios causados por arma de fogo por unidade da federação.
De acordo com o último levantamento divulgado, o estado de Santa Catarina apresentou a 3ª
menor taxa do Brasil: foram 8,5 homicídios por grupo de 100 mil habitantes; enquanto que o
estado do Rio de Janeiro registrou a terceira maior redução da taxa no período entre 2000 e
2010: de 47 homicídios por grupo de 100 mil habitantes para 26,4 homicídios – redução de
44% (WAISELFISZ, 2013). O estado do Paraná vem apresentando redução na taxa de
homicídios nos últimos anos: foram 27% menos homicídios dolosos no primeiro semestre de
2013 em comparação com o mesmo período de 2010 (WALTRICK, 2013). Serão analisadas
as grades curriculares de formação das polícias destas três unidades da Federação.

Em Santa Catarina a Lei nº 6.217/1983 organizou a estrutura dos órgãos da Polícia


Militar e instituiu o Centro de Ensino da Polícia Militar (CEPM), cuja subdivisão Centro de
Formação e Aperfeiçoamento de Praças (CFAP) é responsável pela formação dos ingressantes
na carreira (SANTA CATARINA, 1983).

A grade curricular do curso de formação é dividida em 3 módulos e tem duração total


de 1.445 (um mil, quatrocentas e quarenta e cinco) horas (vide Quadro 3). Cada módulo é
subdividido em disciplinas.

Observa-se um predomínio das áreas temáticas de Conhecimentos Jurídicos (27%) e


Técnicas e Procedimentos em Segurança Pública (30%), que somam 57% da carga horária do
curso. Pormenorizando a análise destas áreas temáticas, em Conhecimentos Jurídicos a grande
maioria das matérias estuda os ramos do Direito (Penal, Constitucional, Processual Penal,
Ambiental, Penal Militar e Processual Penal Militar), Legislação de Trânsito e Documentos
Operacionais. Somente no módulo III, existem as disciplinas de Direito da Criança e do
Adolescente (com 15 horas de carga, o equivalente a 1% do total) e Direitos Humanos (com
carga de 30 horas, o que representa 2% do total do curso). Assim, quase um quarto do curso
(24%) é dispendido com Conhecimentos Jurídicos que pouco contribuem para a formação

16
comunitária dos agentes, em contraposição à indicação da SENASP de utilizar 5% da carga
horária total dos cursos com Fundamentos dos Conhecimentos Jurídicos.

Quadro 3
Grade Curricular do Curso de Formação da Polícia Militar de Santa Catarina

Carga Carga Carga Carga


Percentual
Área Temática horária horária horária Horária
da Carga
Módulo I Módulo II Módulo III Total
Cultura Policial e Prática
65 60 80 205 14%
Reflexiva na PMSC
Conhecimentos Jurídicos 180 105 105 390 27%
Gestão em Segurança Pública 55 20 75 5%
Técnicas e Procedimentos em
115 105 210 430 30%
Segurança Pública
Gestão de Conflitos e Eventos
40 40 3%
Críticos
Valorização Profissional e Saúde
75 105 60 240 17%
do Trabalhador
Estágio Supervisionado e ADD 10 20 35 65 4%
Total 1445
Fonte: Elaboração própria com dados de BRAND, TOLFO (2012, p. 17-20)

A área temática de Técnicas e Procedimentos em Segurança Pública, por sua vez, tem
um enfoque fortemente voltado à atuação armada dos policiais: as disciplinas que compõem
este eixo são: Criminalística e Investigação Criminal, Teoria do Tiro, Tiro Policial (3
matérias), Técnicas de Polícia Ostensiva (2 matérias), Operações de Trânsito, Combate a
Incêndios e Atendimento Pré-hospitalar. São, sem dúvida, matérias relevantes para o
aprendizado de uma corporação que atuará em situações de risco e, por vezes, de
enfrentamento do crime.

Contudo, são poucas as disciplinas que abordam as diretrizes preventiva e


comunitária. Na área de Cultura Policial e Prática Reflexiva na Polícia Militar de Santa
Catarina, dentro do módulo II são elencadas as disciplinas de Ética e Cidadania (com 15 horas
de carga, ou 1% do total) e Atuação Policial Frente a Grupos Vulneráveis e Minorias (30
horas de estudo, o equivalente a 2% do curso) e, no módulo III, Polícia Comunitária (com
carga de 45 horas, o que representa 3% do total do curso). São estas 3 matérias, que somadas

17
representam 6% da carga horária total da formação, que possuem caráter humanista e
comunitário.

No estado do Rio de Janeiro, o Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças,


CFAP 31 de Voluntários, é a “instituição responsável pela formação técnico-
profissionalizante e continuada da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ), que
oferece a formação para Soldados, Cabos e Sargentos, bem como cursos de aperfeiçoamento”
(RIO DE JANEIRO, 2012, p. 6).

Sobre a grade curricular utilizada em 2006, BASÍLIO (2007) aponta que

“comparada com outras corporações, a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro


valoriza as disciplinas de cunho prático, como educação física, armamento e tiro
policial. Disciplinas de cunho intelectual apresentaram defasagem em relação ao
conteúdo proposto pela Matriz Curricular Nacional, bem como carga horária inferior
às praticadas em outras Polícias Militares” (p. 82).

Em 2012, após estudos realizados, foi implementada uma nova grade curricular, cuja
elaboração buscou acompanhar as diretrizes da Matriz Curricular SENASP, inclusive
dividindo as matérias nas dimensões conceitual, procedimental e atitudinal e buscando
equilíbrio entre cada uma destas. O curso tem carga total de 1.182 (um mil, cento e oitenta e
duas) horas e está dividido em quatro módulos: (1) Comum; (2) Profissional (3) Jurídico e;
(4) Complementar. Dentro do módulo complementar, que totaliza 440 (quatrocentas e
quarenta) horas, estão presentes 380 (trezentas e oitenta) horas distribuídas para avaliação,
estágio técnico operacional, coordenação pedagógica e atividades extracurriculares, como
palestras. Existe, ainda neste módulo, o Curso de Aprimoramento da Prática Policial Cidadã,
realizado pela Fundação Viva Rio, que demanda 60 (sessenta) horas (RIO DE JANEIRO,
2012).

Uma vez que o módulo complementar representa 37% da carga horária total do curso,
contra 2% da grade curricular da Guarda Civil Metropolitana e 4% da grade da Polícia Militar
de Santa Catarina utilizada para estas atividades, o Quadro 4 apresenta o percentual da carga
que cada disciplina representa em duas análises: sobre a carga total, incluindo o módulo
complementar, e sobre a carga do curso excluindo-se este módulo complementar, à exceção
da disciplina de Prática Policial Cidadã.

18
Quadro 4
Grade Curricular do Curso de Formação da Polícia Militar do Rio de Janeiro

Percentual da
Carga Percentual Carga (excluindo
Matéria
Horária da Carga Módulo
Complementar)

Direitos Humanos 16 1% 2%
Educação Física 120 10% 15%
Ética 8 1% 1%
História e Organização Policial 8 1% 1%
Imagem Institucional 8 1% 1%
Língua e Comunicação 24 2% 3%
Armamento 50 4% 6%
Biossegurança 20 2% 2%
Criminalística 12 1% 1%
Instruções Práticas de Ações Táticas 80 7% 10%
Legislação Aplicada à PMERJ 38 3% 5%
Método de Defesa Policial Militar 30 3% 4%
Noções de Telecomunicações 12 1% 1%
Ordem Unida 16 1% 2%
Polícia Comunitária 20 2% 2%
Psicologia e Estresse Policial 12 1% 1%
Policiamento Ostensivo 50 4% 6%
Sociologia Criminal 20 2% 2%
Tiro Policial 70 6% 9%
Legislação de Trânsito 20 2% 2%
Legislação Penal e Processual Penal 80 7% 10%
Noções de Direito Administrativo 12 1% 1%
Noções de Direito Constitucional 16 1% 2%
Prática Policial Cidadã 60 5% 7%
Módulo Complementar 380 32%
Total 1182
Fonte: Elaboração própria com dados de RIO DE JANEIRO (2012, p. 38-39)

19
A grade curricular atualizada da PM do Rio de Janeiro ainda dedica percentual
significativo da carga horária para disciplinas de cunho prático, como Tiro (9% da carga total,
excluindo o módulo complementar) e Educação Física (com 15% pelo mesmo critério). Há
também uma forte presença de disciplinas jurídicas: Legislação Aplicada à PMERJ,
Legislação de Trânsito, Legislação Penal, Legislação Processual Penal, Leis Penais Especiais
e Noções de Direito Administrativo e de Direito Constitucional somam 21% da carga total do
curso, sem considerar o módulo complementar.

Das disciplinas que preparam o policial para uma atuação humanista e comunitária,
Ética (1%), Direitos Humanos (2%) e Polícia Comunitária (2%) somam 5% da carga horária
prevista na grade. Há, contudo, o curso de Prática Policial Cidadã, com 60 horas, que
representa 7% da carga horária, que busca preparar a atitude do profissional para o
policiamento comunitário e em respeito aos direitos humanos, necessidade premente dada a
implantação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP), que buscam pacificar áreas
anteriormente dominadas pelo tráfico de drogas, aproximando a polícia das comunidades.

No Estado do Paraná, a Polícia Militar conta com uma Diretoria de Ensino e Pesquisa
para planejar, coordenar, fiscalizar e controlar as atividades de ensino e de pesquisa.
Subordinada a esta Diretoria está a Academia Policial Militar do Guatupê, responsável pela
formação dos soldados da PM (PARANÁ, 2010). O curso tem duração de 2 (dois) anos e
carga horária total de 1.985 (um mil, novecentas e oitenta e cinco), incluindo 800 (oitocentas)
horas de Estágio Operacional. Para a análise das disciplinas em relação à carga horária,
exclui-se o Estágio Operacional, que representa 40% do total do curso (Quadro 5).

Quadro 5
Grade Curricular do Curso de Formação da Polícia Militar do Paraná
Percentual da
Carga
Carga Percentual
Área Matéria (excluindo
Horária da Carga
Estágio
Operacional)
Abordagem Sócio-psicológica da Violência 15 1% 1%
Deontologia Policial Militar 30 2% 3%
Fundamental

Direitos Humanos e Cidadania 20 1% 2%


Direito Administrativo e Disciplinar 20 1% 2%
Direito Penal e Penal Militar 30 2% 3%
Direito Processual Penal e Processual Penal
20 1% 2%
Militar

20
Doutrina de Emprego 20 1% 2%
Educação Física 90 5% 8%
História da Polícia Militar 15 1% 1%
Instrução Militar Básica 20 1% 2%
Legislação Especial 20 1% 2%
Legislação Institucional 30 2% 3%
Metodologia da Pesquisa 20 1% 2%
Noções de Direito Constitucional e Civil 30 2% 3%
Polícia Comunitária 30 2% 3%
Língua e Comunicação 15 1% 1%
Defesa Civil 10 1% 1%
Defesa Pessoal 40 2% 3%
Direção Defensiva e Evasiva 15 1% 1%
Estágio Operacional 800 40%
Estudo do Armamento e da Munição 50 3% 4%
Inteligência Policial 20 1% 2%
Operações Policiais Especiais 20 1% 2%
Ordem Unida 40 2% 3%
Profissional/Operacional

Legislação e Policiamento 130 7% 11%


Ocorrências com Encaminhamentos Especiais 20 1% 2%
Policiamento Comunitário 20 1% 2%
Preservação do Local do Crime 10 1% 1%
Prevenção e Combate a Incêndios 20 1% 2%
Prevenção de Crimes e Acidentes 10 1% 1%
Primeira Intervenção em Crise 20 1% 2%
Primeiros Socorros 30 2% 3%
Sistemas Informatizados 25 1% 2%
Táticas para Confrontos Armados 57 3% 5%
Técnicas de Abordagem 50 3% 4%
Telecomunicações 15 1% 1%
Tiro Policial 85 4% 7%
Atividades Acadêmicas, Científicas e Culturais 20 1% 2%
Complementar

Comunicação e Marketing Institucional 15 1% 1%


Marketing Pessoal e Profissional 15 1% 1%
Qualidade de Vida 15 1% 1%
Trabalho Social Comunitário 8 0% 1%
Total 1985
Fonte: Elaboração própria com dados de ANJOS (2013, p. 28-29)

21
Da grade curricular aplicada à formação da Polícia Militar do Paraná, observa-se a
ausência da disciplina de Ética. Há, ainda, como nas outras grades observadas do Rio de
Janeiro e de Santa Catarina, uma parcela significativa da carga horária dedicada ao estudo de
disciplinas jurídicas: no Paraná estas matérias compõem 24% do total – são elas: Direito
Penal e Penal Militar, Direito Processual Penal e Processual Penal Militar, Legislação
Especial, Legislação Institucional, Noções de Direito Constitucional e Civil, e Legislação e
Policiamento, que abrange aspectos para atuação ambiental, em eventos especiais, guardas e
escoltas, policiamento ostensivo e de trânsito.

Existem três disciplinas na grade paranaense que visam à formação dos guardas
segundo diretrizes humanistas e de aproximação com a sociedade: Direitos Humanos e
Cidadania (que representa 2% da carga horária total), Polícia Comunitária (com 3% do total
de horas do curso) e Policiamento Comunitário (com carga igual a 2% do curso, excluindo-se
em todos os casos o Estágio Operacional de 800 horas). Faz parte, ainda, do currículo a
disciplina de Trabalho Social Comunitário (equivalente a 1% da carga horária total). Esta
matéria está inserida no módulo “Complementar”, que traz ainda estudos sobre Comunicação
e Marketing, Qualidade de Vida e Atividades Acadêmicas, Científicas e Culturais, que
totalizam 6% das horas do curso.

5. CONCLUSÃO

Os índices de criminalidade em alta em diversas cidades e estados da federação


levaram à ampliação do debate sobre a segurança pública. Teorias e experiências realizadas
em outros países indicam como modelo de atuação para as diferentes forças policiais uma
atuação pautada pela proximidade à comunidade e pela prevenção. Assim, a polícia deve
buscar compreender a realidade de cada região em que atua, e quais os problemas que os
cidadãos identificam e que são geradores de insegurança, e agir orientada para a solução
destes problemas.

No município de São Paulo, a prefeitura, através da Secretaria de Segurança Urbana,


formula diretrizes para sua atuação nesta área, que são implementadas pela Guarda Civil
Metropolitana, cujos treinamentos são realizados pelo Centro de Formação em Segurança
Urbana, órgão vinculado à Secretaria como a GCM.

22
Conforme pesquisa realizada, o contingente da Guarda aponta que os treinamentos
possuem um caráter preventivo com frequência, mas estão pouco adaptados à realidade das
comunidades e regiões em que atuam. Da análise do curso de formação inicial dos guardas,
observa-se que a grade curricular apresenta muitas disciplinas de conhecimentos jurídicos e
história e hierarquia da instituição, dedica outra parcela significativa da carga horária a
atividades de cunho prático, como Tiro e Educação Física, e reserva uma parcela menor para
o aprendizado de policiamento comunitário.

Esta mesma divisão é observada nas grades curriculares que formam os policiais
militares dos estados de Santa Catarina, Rio de Janeiro e Paraná: os curso focam
conhecimentos jurídicos e institucionais e treinamentos físico e armado, mas ainda são
incipientes na formação de agentes para uma atuação pautada pelo respeito aos direitos
humanos, próxima à comunidade e com vistas à solução das fontes geradoras de insegurança.

A “matriz” curricular proposta pela Secretaria Nacional de Segurança Urbana aponta


para uma formação mais voltada à prática comunitária, preventiva e humanista, com menos
carga horária dedicada a conhecimentos jurídicos – constitui, portanto, importante guia na
formulação de políticas públicas na área de segurança. Embora tanto o treinamento da Guarda
Civil Metropolitana quanto os treinamentos das três Polícias Militares analisados tenham
incorporado parte destes princípios, é preciso construir grades curriculares ainda mais
concisas nesta orientação preventiva e comunitária de forma a gradativamente formar
contingente policial com esta postura comunitária, preventiva e humanista.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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