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Joesley PDF
Joesley PDF
E n t r E v I s ta
“Temer
é o chefe
da quadrilha
mais
perigosa
do Brasil”
O empresário que entregou 1.800 políticos ao
Ministério Público diz que o presidente não tinha
“cerimônia” para pedir dinheiro e que Eduardo
Cunha cobrava propina em nome de Temer
Diego Escosteguy
I I
N
E n t r E v I s ta
Cunha e Lúcio Funaro, que mandavam em gente lá. Se eu não o governo do PT. A primeira vez que fui abordado com essa
aceitasse pagar, o crédito legítimo que eu havia pedido não era forma de operar foi em Mato Grosso do Sul, no governo do
apreciado. Nunca paguei propina ao corpo técnico da Caixa. Zeca do PT. Vi uma estrutura organizada no andar de cima,
No FI-FGTS, por exemplo, nós demos entrada num pedido de com o governador. As coisas no estado só funcionariam den-
financiamento. Fábio Cleto, indicado por Funaro e Eduardo tro da normalidade se estivéssemos alinhados com eles. Esse
Cunha, descobriu. Foi aí que o Lúcio entrou na minha vida. O esquema perdurou até hoje. Foi do PT ao PMDB e, agora,
modus operandi sempre foi assim: eu tentava fazer operações está no PSDB. Tudo com o mesmo modelo, o mesmo modus
na Caixa, o Lúcio descobria e vinha falar comigo. Ele dizia: operandi. Mudam os nomes, mas o sistema permanece igual.
“Vai ter os 3%, não é?”. Eu dizia que não. Mas tinha de pagar.
O modus operandi do Lúcio e do Eduardo é um toma lá dá cá ÉPOCA – E vocês ajudavam a financiar esse sistema.
muito às claras. Paga os 3% e passa no comitê. Se não paga, Tornaram-se os maiores doadores oficiais do Brasil.
alguém pede vista. Pronto. Joesley – Há uma coisa curiosa: 90% desse dinheiro de pro-
pina – que nós contamos na colaboração – voltava para a
ÉPOCA – A influência do PMDB na Caixa era tão grande política, para financiar a permanência das mesmas pessoas
assim? no poder. Para manter a roda girando.
Joesley – Não era só influência. Eram
pessoas colocadas em cargos estraté- ÉPOCA – Mas muitas vezes não se
gicos por uma organização criminosa. sabe quem embolsa o dinheiro. A
Elas tinham a capacidade de aprovar propina é paga durante a campa-
ou barrar um negócio. É por isso que nha. Se vai para o bolso do político
políticos lutam tanto por cargos, como ou para a campanha, é difícil saber.
a gente vê na TV. O que está por trás Joesley – Isso. A campanha é um even-
dessas negociações políticas por cargo to que permite ao político sair por aí
é a disputa para ver qual Orcrim vai fi- pedindo dinheiro. O que ele faz com o
car com qual parte do governo. É para dinheiro a gente não sabe. Esse que é o
fazer dinheiro. Eu não achei que estava ponto. Em condições normais, quando
lidando com organizações criminosas. uma pessoa liga para a outra pedindo
Hoje é que percebo isso. dinheiro, eu não vou te dar. Se você é
candidato, posso dar. Candidatar-se a
ÉPOCA – E o PT? “eduardo um cargo habilita a pessoa a sair por
Joesley – Com Guido era um pouco di-
ferente. Até porque era o BNDES. Eram
cunha pediu aí pedindo dinheiro. É por isso que os
partidos se multiplicaram: 30, 40, todo
operações de longo prazo, demoravam, r$ 5 milhões mundo perdeu a conta. Ter partido dá
eram maiores.
para Barrar oportunidade de fazer negócio escuso.
Como o partido maior precisa do par-
ÉPOCA – Mas a propina também uma cpi. tido menor para fazer coligação, vira
estava associada ao sucesso, aos
benefícios concedidos ao J&F. O re- eles operam balcão.Vira Orcrim.
ÉPOCA – Quando você começou a pagar propina? ÉPOCA – Vocês não cresceram precisamente pela capa-
Joesley – No governo do PT. Quem inaugurou esse sistema foi cidade de pagar mais propina?
ÉPOCA – A fala do senhor dáa impres- falar: ‘vai Ter nenhum com político ia resolver nossos
problemas. Quando entendemos essa
são de que os senhores se acham víti- os 3%, né?’” questão, vimos que o Brasil estava cheio
mas, e não partícipes desse sistema. de Orcrims. Que nós estávamos fazendo
Joesley – De forma alguma. Reconhe- parte e financiando Orcrims.
cemos nossos erros. Olhamos para trás
com consciência de que fizemos e participamos de algo com- ÉPOCA – Mas isso quando a situação do senhor e do gru-
pletamente errado. Não nos eximimos de culpa. Nós participa- po já era crítica na Justiça.
mos de forma efetiva, infelizmente, desse sistema. Nós fomos Joesley – Sim. Mas, a partir do momento em que você toma
parte desse sistema. Até a hora da colaboração. Houve um a decisão, você troca de time. Se você começa a enxergar
despertar com a colaboração. Colaborar exige um despertar, com os olhos do outro time, a delação vem naturalmente,
para mudar a maneira de ver o mundo. Até então, a gente se torna verdadeira. Quer mostrar que não vive do crime?
percebia que tinha algo muito estranho, chegando à exaus- Colabore. De qual time você é? Fazer a colaboração é es-
tão. Não tinha mais limite na hora de falar de dinheiro: caixa colher o time certo. Mostra que você cometeu crime, mas
um, caixa dois, caixa de tudo quanto é jeito. Nós cometemos não é um criminoso. Que pode mudar.
crimes. Mas nossa história mostra que não somos criminosos.
É diferente. Não vivemos do crime. Levantamos de manhã ÉPOCA – Nesse mesmo momento, no decorrer de 2016, o
pensando em gerar emprego, lançar produto, investir, vender senhor, segundo admite e as provas corroboram, estava
mais, aumentar participação no mercado. Não acordamos pagando pelo silêncio de Eduardo Cunha e Lúcio Funa-
pensando em cometer crimes. ro, ambos já presos na Lava Jato, com quem o senhor s
esTava cuidando
Joesley – É o Aécio, porque era a alternativa. Teve 48% dos
votos dos brasileiros. E tinha entrado no governo do Temer.
É duro, doído, forte. Nunca havia gravado ninguém na essa conta para ele. Em 2014, ele me chama e me pede para
minha vida. Esse processo deixa a gente impactado. Mas a começar a pagar o PT e os partidos. Foi inusitado.
única coisa que me conforta nessa história de ter gravado
é que eu registrei o que eles falaram. Não botei palavra ÉPOCA – Ninguém na cúpula do partido falava com o
na boca de ninguém. É diferente de dar um depoimento. senhor sobre esses pagamentos? Afinal, eram R$ 300
Se mesmo com toda a robustez das provas nós já estamos milhões de saldo de propina, a maior fonte de receita do
sendo perseguidos, imagine se fosse só o meu testemunho. PT em 2014.
Se isso fica só da minha boca? Joesley – Confirmei com a Dilma. Porque ela me pediu R$ 30
milhões para o Pimentel.Aí me senti na liberdade de explicar.
ÉPOCA – Muitos se perguntam por que o senhor também
não gravou o Lula. Não seria importante para o país? ÉPOCA – Onde foi essa conversa com a presidente?
Joesley – Porque eu nunca tive conversa não republicana Joesley – No Palácio do Planalto. Na mesa-redonda do gabi-
com o Lula. Zero. Eu tinha com o Guido. Conheci o Lula nete presidencial. Expliquei: acabou o dinheiro. Ela ouviu e
no fim de 2013. falou: “Tá bom. Pode fazer”. Foi o último dinheiro. Estava no
final da campanha. Como o Lula não
ÉPOCA – O senhor não era próximo do me pediu dinheiro, eu não tive liberdade
Lula quando ele era presidente? de falar dessas contas com ele.
Joesley – Estive uma vez com o presi-
dente Lula quando assumi o comando ÉPOCA – Quando o senhor conheceu
da empresa, em 2006. Pedi audiência Temer?
oficial. Deve estar nos registros. Fui Joesley – Conheci Temer através do
com meu pai apresentar a empresa. ministro Wagner Rossi, em 2009, 2010.
Achei que seria importante me apre- Logo no segundo encontro ele já me deu
sentar. Nunca mais vi o Lula até o fim o celular dele. Daí em diante passamos
de 2013. Não precisou ter conversa. a falar. Eu mandava mensagem para
Meu contato era o Guido. ele, ele mandava para mim. De 2010
em diante. Sempre tive relação direta.
ÉPOCA – E ele sempre resolvia? Fui várias vezes ao escritório da Praça
Joesley – Resolvia. Então pronto. Para Pan-Americana, fui várias vezes ao es-
que ter outro? Não estou protegendo “dilma critório no Itaim, fui várias vezes na casa
ninguém, mas só posso falar do que
fiz e do que posso provar. Não estou
rousseff dele em São Paulo, fui algumas vezes ao
Jaburu, ele já esteve aqui em casa, ele
entregando pessoas. Entreguei provas pediu foi ao meu casamento. Foi inaugurar a
aos procuradores. E o PT tinha o maior
saldo de propina. O que posso fazer se
r$ 30 milhões fábrica da Eldorado.
a interlocução era com o Guido? Aí in- para a campanha ÉPOCA – Qual, afinal, a natureza da
ventam que a Blessed, aquela empresa
que temos nos Estados Unidos, seria de pimenTel. relação do senhor com o presidente
Temer?
do Lula, do Lulinha, de político. É uma eu dei” Joesley – Nunca foi uma relação de
lenda urbana. Esse negócio de Lula ou amizade. Sempre foi uma relação ins-
filho de Lula é fruto de um imaginário titucional, de um empresário que pre-
de alguém que quis nos prejudicar. E cisava resolver problemas e via nele a
toda essa documentação da Blessed está à disposição das au- condição de resolver problemas. Acho que ele me via como
toridades. Encaminhamos. E vamos entregar mais material. um empresário que poderia financiar as campanhas dele – e
Estamos levantando mais fatos. Tivemos pouco tempo. fazer esquemas que renderiam propina. Toda vida tive total
acesso a ele. Ele por vezes me ligava para conversar, me cha-
ÉPOCA – Muita gente duvida que a relação do senhor com mava, eu ia lá.
o PT, na esfera federal, tenha sido só com o Guido Mantega.
Joesley – Na realidade, até 2014, eu juro que achava que ÉPOCA – Conversar sobre política?
esse dinheiro era do Guido, na pessoa física. Ele falava essa Joesley – Ele sempre tinha um assunto específico. Nunca
história de que esse é do Lula, esse é da Dilma. Mas eu não me chamou lá para bater papo. Sempre que ele me chamava
acreditava nisso. Achava que era tentando me convencer eu sabia que ele ia me pedir alguma coisa ou ele queria
de que não era para ele. Jamais imaginei que esse dinheiro alguma informação.
serviria, em 2014, para essa quantidade de doação política.
Tomei um susto. Guido não mexia no partido. Sempre foi ÉPOCA – Segundo a colaboração, Temer pediu dinheiro
mais do governo. Achava que um dia eu teria de passar ao senhor já em 2010. É isso?
ÉPOCA – O empréstimo do jatinho da JBS ao presidente ÉPOCA – O senhor realmente precisava tanto assim desse
também ocorreu dessa maneira? grupo de Eduardo Cunha, Lúcio Funaro e Temer?
Joesley– Não lembro direito. Mas é dentro desse contexto:“Eu Joesley – Eles foram crescendo no FI-FGTS, na Caixa, na
preciso viajar, você tem um avião, me empresta aí”. Acha que Agricultura – todos órgãos onde tínhamos interesses. Eu
o cargo já o habilita. Sempre pedindo dinheiro. Pediu para o morria de medo de eles encamparem o Ministério da Agri-
Chalita em 2012, pediu para o grupo dele em 2014. cultura. Eu sabia que o achaque ia ser grande. Eles tentaram.
Graças a Deus mudou o governo e eles saíram. O mais re-
ÉPOCA – Houve uma briga por dinheiro dentro do PMDB levante foi quando Eduardo tomou a Câmara. Aí virou CPI
na campanha de 2014, segundo o lobista Ricardo Saud, que para cá, achaque para lá. Tinha de tudo. Eduardo sempre
está na colaboração da JBS. deixava claro que o fortalecimento dele era o fortalecimento
Joesley – Ricardinho falava direto com Temer, além de mim. do grupo da Câmara e do próprio Michel. Aquele grupo tem
O PT mandou dar um dinheiro para os senadores do PMDB. o estilo de entrar na sua vida sem ser convidado. s
“aécio neves
me dão os R$ 5 milhões. Uai, Eduardo, vai sua consciência.
Faz o que você achar melhor”. Esse é o Eduardo. Não paguei
TenTou
e não abriu. Não sei se ele foi atrás. Esse é o exemplo mais
bem acabado da lógica dessa Orcrim.