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O CÉU
COMEÇA EM VOCÊ
A sabedoria dos padres dos deserto para hoje
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil
Grün, Anselm
O céu começa em você: A sabedoria dos padres do deserto
para hoje; tradução de Renato Kirchner. - Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.
Título original alemão: Der Himmel beginnt in dir: Das
Wuissen der Wüstenväter für heute.
Bibliografia.
ISBN 85.326.2074-4
1.
Ascetismo 2. Espiritualidade - Aforismos e apotegmas
3. Padres do deserto 4. Vida Espiritual 5. Vida religiosa e
monástica I. Título.
98-3814
CDD-248.4
Índices para catalogação sistemático:
1. Espiritualidade: Padres do deserto: Ensinamentos:
Vida Cristã: Cristianismo 248.4
1.0 Introdução
Esta é mais uma obra do monge beneditino que mora na Alemanha e que faz
acompanhamento espiritual com várias pessoas. Ele consegue traduzir esta rica
experiência dos padres do deserto para a realidade de hoje, mostrando-nos que é
possível sermos ‘monges’, mesmos não conhecendo se quer um mosteiro. Vivendo
neste século atual, podemos conservar nossa espiritualidade, mantendo-se firmes no
propósito de conhecer a si mesmo e por consequência conhecer o mestre Jesus.
Mais uma vez nos salienta o autor que este manuscrito não deve servir
somente para uma leitura esporádica, mas sim termos o propósito de nos enxergarmos
como somos: humanos a caminho do divino, do eterno.
A provocação que nos faz Anselm é justamente para olhamos para o nosso
interior e descobrir nossa dignidade real, realidade esta que não pertence a este mundo,
pois é reino de Deus. Nas nossas buscas atuais devemos ir além daquilo que nos oferece
o mundo (provisoriedade), mas sim alçarmos voo para o além terrestre, ansiando aquilo
que é próprio do definitivo.
Podemos correr o risco ao degustarmos esta leitura, exatamente por
querermos mudar a dinâmica da espiritualidade dos padres do deserto ou tão somente
não aceitá-los na sua radicalidade ou com sua forma própria de si conhecerem e
buscarem a Deus.
A obra literária em questão só terá valor se houver a fusão de dois
horizontes. Primeiro aquilo que o livro apresenta como experiência de espiritualidade
que nasceu a 1500 anos atrás ou com a comparação da nossa realidade atual; portando-
nos a um conflito entre estas duas fases (texto e leitura). Caso contrário não acontecerá
mudanças, dado ao simples fato de contemplarmos aquilo que nos interessa, deixando
de lado a parte que nos questiona e nos incomoda. Se a palavra de Deus ainda não nos é
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A espiritualidade destes padres do deserto nasceu por volta dos anos 300
a 600 d.C. (depois de Cristo) e trouxe à tona o conhecimento e seguimento da
austeridade do controle do corpo e do espírito na espiritualidade como forma de
autoconhecimento e de encontro com Deus. Pelo jeito eles entenderam que é impossível
compreender Deus sem antes compreender a nós mesmos. Ao nos adentrarmos neste
resumo veremos como os monges encontravam forças no conhecimento de si mesmos:
como controlava as paixões da alma, seus demônios, suas tentações, seus limites –
coisas própria de um ser humano, mas em busca profunda do divino.
Pelo ano de 270, um jovem de nome Antão, no auge dos seus vinte anos,
participando de uma missa, ouviu as seguintes palavras de Jesus. “Vai, vende tudo que
tens, distribui o dinheiro aos pobres e terás um tesouro duradouro no céu; então, vem e
segue-me!” Este é um trecho do evangelho de Marcos 10,21. Antão foi atingido
definitivamente por esta passagem da sagrada escritura, vendeu tudo e retirou-se para o
deserto; onde só existia ele e Deus. Mas, o mais rico nesta escolha radical foi que o
prêmio maior não se findou só no encontro com Deus, mas no encontro consigo
mesmo... quem eu sou para Deus e para mim mesmo?
[...] “Ali, está ele só com Deus. Todavia, não é somente a Deus que ele
encontra, pois ele encontra-se também consigo mesmo. É então que ele
sente o tumulto do seu interior e é confrontado com sua sombra.” Ele se
refugiou num castelo. O autor prossegue nos mostrando o que significa tal
sombra na vida de Antão: [...] “As pessoas que passam diante do castelo
ouvem uma luta barulhenta. Trata-se de uma luta demoníaca, a disputa
com as forças do inconsciente, as quais se comportam como animais
selvagens. Os demônios lançam-se sobre antão com ruidosa gritaria, mas
ele resiste.” p. 14 (grifo nosso)
Muitas são as vezes que desejamos identificar as pessoas que nos fazem
mal ou que nos perseguem, mas o verdadeiro campo de combate que temos que vencer é
no nosso próprio interior: “Orai e vigiai, porque o espírito é forte, mas a carne é fraca.”
Podemos trocar a palavra carne pela mente. “Orai e vigiai, porque o espírito é forte, mas
a mente é fraca” (grifo nosso). Já afirmava o mestre Jesus... “Tenhais medo de quem
tem poder para matar o espírito.” Tal afirmação nos leva a crer que a luta constante é no
campo do interior. É lá que mora todos os perigos: fornicações, invejas, adultérios,
rancor, ódio, inveja, as paixões da alma, as tentações, os demônios, etc.
Por tal motivo, os monges ansiavam buscar Deus na solidão e até
criavam uma cela; pois os mesmos se sentiam ‘prisioneiros’ de Cristo. Estes homens e
mulheres se aprofundavam no profundo mistério de paixão por este Deus invisível. A
princípio, essa regra monástica se instalou no deserto, mas lá pelo ano 300 foi que este
movimento ganhou expressão e ocupou vários outros lugares para o além deserto.
Entenderam que o deserto poderia ser vivido noutra realidade diversa, dado o fato que o
mesmo deveria se fazer presente mais uma vez no interior de cada monge.
Outra palavra que nos fala muito sobre a experiência dos padres no deserto é
a ascese (No cristianismo e em todas as grandes religiões, conjunto de práticas austeras,
comportamentos disciplinados e evitações morais prescritos aos fiéis, tendo em vista a
realização de desígnios divinos e leis sagradas).
Para que a busca constante de Deus seja frutuosa, o monge precisa no seu
exercício diário superar a sombra que lhe persegue o espírito. Assim, o conjunto de
práticas austeras de autocontrole do corpo e do espírito fortalecem o candidato a
santidade; sem fugir da regra implícita que é a de permanecer na sua tenra humanidade.
Os padres monásticos refugiam-se no deserto porque é lá que estes vivem
a mais tenra solidão, da qual eles observam rigorosamente seus pensamentos e
sentimentos. Eles reservam o domingo para se confrontarem com seus ‘abbas’ (pai
espiritual), exatamente para que na sua luta de purificação não perca o rumo certo. Por
incrível que pareça, tanto o pai espiritual (que é um monge idoso), quanto o mais jovem,
não conversam de outra coisa, senão dos pensamentos e dos sentimentos que tiveram
durante a semana, seja na vida laboral ou espiritual.
Outra palavra que nos vem à tona para uma maior compreensão é apotegma
(Dito ou palavra memorável, lapidar, proferida por personagem célebre; máxima,
aforismo// sentença).
No século IV os monges começaram a compartilhar as sentenças dos
patriarcas. O que se pode observar de antemão é que tais sentenças não são meros
tratados teóricos, mas sim relatos de experiências vividas por eles. As mesmas são
fontes de instrução, mas não devemos tomá-las como máximas universais válidas para a
vida espiritual. Poderemos assim dizer que são palavras de cunho terapêutico adequadas
para aqueles homens que se aprofundavam em conhecer a si mesmos, seus pensamentos
e sentimentos e depois chegarem até Deus.
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Essa rigidez toda imposta aos outros, ora até de maneira cruel, acontece
exatamente porque estamos nas alturas da copa da árvore sem raízes e muito menos
tronco. É tristonho ver que muitas vezes até as pessoas mais piedosas reagem de
maneira tão grossa e brutal, que se chega ao ponto de vê-las sentadas nas nuvens. O
recalque de nossas fraquezas, de nossos limites se dá exatamente porque somos ávidos
de desejos pelo o ideal e aí não se percebe que ao tocar a terra com os pés de barro,
poderemos empoeirá-los ou até mesmo molhá-los. Derrete-se, então os pés, criando em
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nós uma deficiência terrível e gerando a contra gosto uma série de pessoas sofridas e
muitas vezes inimigas. Este livro nos mostra que uma espiritualidade esculpida nas
nuvens não passa de uma argumentação feita da cintura para baixo. Ou seja: um sinal
visível de uma sexualidade absolutamente reprimida.
As experiências dos padres do deserto não são meros escritos teóricos,
mas conclusões feitas a partir da própria sexualidade e espiritualidade que eles
experimentaram enquanto caminhavam pelo seu deserto interior. Assim sendo, eles
viram que ignorar o humano e partir para o divino diretamente é um suicídio espiritual.
(grifo nosso). Segundo os relatos dos monges, o dilema do ser humano em relação ao
conhecer Deus, se estabelece exatamente no ponto do autoconhecimento. Afirma o
patriarca Evágrio Pôntico: “Se queres conhecer a Deus, aprende primeiramente a
conhecer a ti mesmo!” (Grifo nosso). Sem este autoconhecer-se, corre-se o risco de
nossos pensamentos a respeito de Deus serem mera projeção.
Os monges afirmam que certas pessoas se refugiam na sua piedade,
fugindo assim da sua própria realidade, aproveitando da mesma para se vangloriarem
dos outros e confirmarem o seu ser ‘infalível’. Certo teólogo viajou distâncias para
conversar com um dos patriarcas Poimen. Ele queria falar sobre coisas do céu e da
trindade de Deus (coisas espirituais). O venerável patriarca não o respondeu em
nenhuma de suas questões. Se sentindo ignorado, o teólogo foi embora irritado; tendo
então sido avisado Poimen que o teólogo estava indo embora e sendo questionado por
não tê-lo respondido, este disse: ‘Ele estava nas nuvens e fala de coisas espirituais. Eu
sou aqui de baixo e falo de coisas terrenas. Se ele me tivesse falado das paixões dá a
alma. Ter-lhes-ia respondido. Mas como fala sobre de coisas espirituais, não sou
capaz de compreendê-las” (apot 582) grifo nosso. Para este patriarca, o caminho da
espiritualidade começa nas paixões da nossa alma.
O exemplo anterior nos remete ao caso da casa construído a partir do
telhado ou da árvore constituída a partir da copa. Uma vez identificadas estas paixões,
temos condições de conhecê-las e combatê-las. Sem este reconhecimento torna-se difícil
saber em que terreno estamos pisando e como vamos dar os próximos passos em relação
ao nosso autoconhecimento.
O teólogo, depois de ter ouvido a resposta do monge questionou: “Que
devo fazer quando as paixões da alma se apoderarem de mim?” Ouçamos a resposta
do monge:
[...] ‘Agora viste corretamente; abre tua boca para estas coisas e a encherei
de riquezas’. Ele muito edificado, disse então: ‘Este é o verdadeiro
caminho.” p. 23
Ou seja: não existe caminho diverso daquele de se tornar santo pela via
da humanidade. É aqui e agora que experimentamos o céu, o purgatório ou o inferno.
Nosso campo de batalha se faz no humano e é aqui e agora que conheceremos novo céu
e nova terra. Portanto, é da base que se constrói o nosso interior. Humanidade e
espiritualidade não se separam. Em momentos diversos se fazem base e telhado para o
indivíduo que quer se converter (voltar ao caminho de origem): a eternidade. Curando
as paixões de nossa alma, nós seremos capazes de reconhecermos Deus assim como Ele
É. Sensibilidade para o caminho percorrido ou a percorrer.
Pai Antão dá o seguinte conselho:
‘[...] “Quando vires um jovem monge que almeja o céu por sua própria
vontade, segura seus pés, puxa-o para baixo, porquanto isso não lhe serve
para nada” (Smolistch, Leben... 32) p. 24.
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Entretanto, cabe salientar que os ideais pode nos levar a muito pouco se
acaso estes não sejam alicerçados na nossa tenra humanidade. Pensar que podemos
trilhar o caminho ideal sem antes passar pela estrada penosa do autoconhecimento, é
pura ilusão; por não assim dizer da falência múltipla de todos os nossos órgãos. Abster-
se do nosso lado sombrio é abster-se de encarar nosso eu interior desconhecido. Anselm
nos relata que:
[...] “Um grande perigo está no fato de querermos fazer uso da meditação
para desviar dos problemas que nós mesmos deveríamos resolver. Problemas
tais como é o caso, por exemplo de nossa sexualidade recalcada, de nossas
agressões e angústias reprimidas. É por isso que, quando certas pessoas
jovens manifestam pensamentos por demais piedosos, eu sempre procuro
mostrar-lhes o outro polo que, concretamente falando, pode ser tanto o dia-a-
dia em sua concretude com o trabalho, a escola, o estudo.” p. 24
[...] “Mergulha para dentro dos pecados que estão em ti mesmo e, assim
encontrarás ali uma escada pela qual poderás ascender” (Isaac 302). O que
precisamos fazer é, através dos pecados, mergulhar dentro de nossa
profundidade mais abissal. Porque é a partir do mais baixo que poderemos
ascender até Deus.” p. 25
[...] “Somente o humilde que está preparado a abraçar seu húmus, sua
humanidade, sua terrenidade, sua sombra, experimentará o Deus
verdadeiro. Por isso sempre de novo podemos ouvir o elogio da
humildade.” Vejamos o relato que o monge faz sobre mãe Teodora: [...]
“Nem a ascese nem as vigílias ou qualquer outra ação penosa
proporcionam a salvação, mas tão-somente a humildade sincera... Vês que
a humildade é um vencedor dos demônios!” (Miller, SabPad 6) p. 26 (grifo
nosso)
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Pai Acário não é vencido pelo diabo e é reconhecido pelo mesmo, onde
no seu relato o diabo alega que somente numa coisa Acário é superior a ele: na
humildade. Relata o anjo do mal: ‘E é por isso que eu não me ponho contra ti.” Já
Poimen confirma o seguinte: “O homem necessita da humildade e do temor de Deus
como necessita da respiração que lhe sai das narinas.” p. 26 (grifo nosso)
[...] “... Deus passa por minhas fraquezas e vai ao encontro da minha
fraqueza. Na minha fraqueza sou capaz de reconhecer o plano que Deus
tem para comigo e o que ele poderá fazer de mim quando ele realizar
totalmente sua graça em mim.” (Grifo nosso) p. 28
tornarmos mais próximos de Deus. Afinal ele tem um plano para cada um de nós, mas
engano nosso em pensar que poderemos dispensar o humano.
Anselm nos afirma o seguinte: [...] “A espiritualidade a partir de cima, por
exemplo, reage contra a raiva que surge em mim, reprimindo-a ou recalcando-a.
[...] “A raiva não deve existir. Como cristão, eu preciso ser sem amável e
equilibrado. Eu preciso dominar a minha raiva.” (grifo nosso) p. 28
Tal afirmação parece fácil, mas no entanto, cada história de vida traz
consigo uma carga de acontecimentos que que esse controle/equilíbrio torna-se quase
utópico. Mesmo traçando ferrenhas lutas contra a raiva na nossa existência, podemos
observar que grandes figuras proféticas ou reis na história bíblica, viveram grandes
dilemas com esse sentimento da raiva.
Já a espiritualidade a partir da base nos leva ao outro questionamento um
tanto quanto mais fértil. O que Deus gostaria de dizer-nos através deste nosso
sentimento de raiva. O próprio dicionário virtual, Houaiss, nos traduz tal palavra como
sentimento de irritação, agressividade, rancor e/ou frustação, aversão, horror, ojeriza ou
repulsão. Digamos que esse sentimento, outrora definido pelo dicionário e contemplado
no nosso viver cotidiano. É nada menos que um pedido de autoajuda/socorro, que brota
lá do nosso âmago. Cada um de nós preserva no mais íntimo do existir uma ferida e
várias cicatrizes. Podemos entender que tal raiva existente em nós, denota uma realidade
vivida na nossa infância, ou na nossa adolescência; porque não na nossa juventude e até
mesmo na fase adulta.
Para não correr em vão, vamos ser obedientes ao texto original para melhor
entendermos o que o autor deste livro nos propõe:
[...] “É possível que eu encontre, em minha raiva, a criança ferida que está
em mim e que, com raiva impotente, está reagindo diante dos pais e
professores por ter sido ferida. É provável ainda que minha raiva me
mostre que eu atribuí demasiado poder aos outros. Desse modo, a raiva
seria a força para livrar-me do poder dos outros, estando assim aberto
para a Deus.” Prossegue o autor: “A raiva não é algo mau de antemão,
mas pode apontar-me o caminho para o verdadeiro eu.” (Grifo nosso) p.
29
Mas o que isso tem a ver com espiritualidade? Se para chegar até Deus eu
preciso passar por mim mesmo, imagine querer chegar até o Criador, se eu não me
assumo como criatura? Muitos cristão fazem uso da fé, da oração e até da própria
religião para não se olhar no espelho da vida e não se enxergar como verdadeiramente é.
Isso é um perigo, pois chega um determinado momento que a dor mascarada através da
raiva fica escondida, camuflada, entupida nalguma parte do corpo; isso provoca uma
explosão que ao ser detonada machuca perigosamente a própria pessoa e por
consequência o seu próximo.
A raiva causa outras doenças, sendo que a pior delas é a depressão.
Podemos observar que nem sempre esta doença se perfaz nas pessoas deixando-as
inertes e paradas. Outras se acumulam de uma adrenalina que pode romper o mundo
com um soco. Quanto maior for o sofrimento pessoal daquela pessoa, maior será o
estrago interno e externo.
Como diz dom Darci José Nicioli: “Deus nos livre de uma conversão
emocional!” Ou seja: mascaramos nas nossas próprias emoções o sentimento de raiva
que nos assola impiedosamente. Temos casos de pessoas que por vinte anos cuidou da
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dor dos outros incansavelmente, isso para não cuidar da própria dor. Se machucou de tal
forma quando ao acordar depois deste ‘sonho/pesadelo’ que ao olhar para traz, para os
lados e para frente... passado, presente e futuro, o que tinha restado era apenas mais um
ser humano ferido, necessitado de ser acolhido por um bom samaritano. As vezes torna-
se mais fácil colocar óleo nas feridas dos outros, no entanto, doentio mesmo é admitir
que temos feridas e que as mesmas precisam de óleo e de um bom samaritano para curá-
las.
Conhecer a si mesmo para depois chegar-se até Deus. Se somos imagens
dele e até poderemos nos assemelhar a ele, como virar as costas para nós mesmos? “Por
que tiras o cisco no olho do teu irmão, enquanto o teu está atravessado por uma trave?”
talvez seria um exagero, mas, tudo começa e termina em nós mesmos. E quem sabe se
onde está o maior dos nosso problemas, ali não estará também a solução para os
mesmos? Basta conhecê-lo e trata-lo com amor e porque não também um bom
acompanhamento terapêutico e psiquiátrico. Como diz na bíblia: “Ali onde está o teu
coração, está o teu tesouro.” Mas, se nós não dermos um endereço certo ao nosso
coração, torna-se difícil encontrá-lo, ou as vezes ele simplesmente vagueia sem rumo. É
ali que eu entro em contato com o meu interior, minhas raízes; podendo até redescobrir
a vida e a vê-la desabrochar.
Nos afirma Grün:
[...] “O caminho para Deus passa pelo encontro comigo mesmo, pelo
rebaixamento para dentro de minha realidade.” p. 29
“Devemos dar graças por sermos pecadores, porque assim temos a oportunidade de
experimentar a misericórdia do Pai eterno.” Só que falando assim parece
demasiadamente fácil... mas não o é: aqui precisa ser revisado com coerência a
capacidade de vivermos e não tão somente falarmos a verdade, quem somos e o que
queremos rumo a ‘terra prometida’.
Podemos até encontrar Deus nos momentos de glória e vitória, tanto é que
nem o saudamos, quando assim o encontramos. É quase que uma obrigação da parte
dele tratar-nos bem, providenciar o nosso bem estar; mas, quando somos afetados por
qualquer situação desconfortável (crise), aí, duas são as estradas: ou se aproxima de
Deus e faz dele nosso viver cotidiano, buscando entender onde foi que desvirtuamos no
caminho, ou nos jogamos de vez no fundo do poço. Ou convergimos para o nosso
próprio bem, ou tão somente nos trancafiamos dentro de nós mesmos e perdemos de vez
a cabeça. Daí vem as variadas doenças, transtornos mentais.
Alguém já no auge dos seus cinquenta anos de vida relata: ‘tenho meio
século de vida e estou percebendo que nada sei, nada sou. Apenas: pequenez,
fragilidade, delicadeza, vulnerabilidade e... humanidade.’ Tal relato nos leva a crer que
a vida pode passar despercebida ou escondida na ilusão; mas a dor que sentimos quando
batemos com a cabeça na dura realidade, esta sim, é concreta, real. Já dizia Tomás de
Kempi: “Vaidade das vaidades. Tudo é vaidade. Exceto amar a Deus e somente a ele
servir.” Podemos até nos refugiar nos nossos ideais. Nos interessar profundamente pela
dor alheia e com uma certa ilusão até tentar curá-la; mas nessa atitude simplesmente
estamos escondendo as nossas dores.
Debruçar-se na janela do tempo e ficar esperando não resolve. Torna-se uma
gestação nua e crua. Olhar para si mesmo com clareza e perceber o nosso entulho
jogado no canto da vida, é se olhar no espelho e percebermos tanto a imagem de Deus,
como a nossa própria imagem. Resta perguntar: queremos ou não encontrar com quem e
o que somos de verdade? Verdade? Mentira? Assim, o caminho que nos é proposto, não
passa se não de querer voltar para as origens. “Tu és pó e ao pó voltarás...”
Portanto, impulsionados a mudança, temos que partir nos lapidando dia-a-
dia, sofrendo ou não; para que um dia possamos nos ver: ‘face a face’ como nós somos:
um grande diamante a brilhar. Este brilho pode ser classificado como: felicidade ou
salvação.
4.0 A permanência no eu
‘Stabilitas’ – estabilidade. Se encontra no significado das palavras o
resultado daquilo que elas de fato representam. Entretanto, devemos buscar o verdadeiro
significado na vida cotidiana. Análise da palavra em tela é justo para que entendamos o
que o autor pretende nos afirmar quanto a estabilidade do nosso interior.
Podemos até citar parte de uma música que diz: “... Este silêncio todo me
atordoa/ atordoado permaneço atento. Na arquibancada pra qualquer momento. Ver
emergir o monstro da lagoa...” Hoje na atual conjuntura sócio política que vivemos;
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conhecendo mais, amando mais, sorrindo mais, etc.; faz com que o mundo ao nosso
redor seja de fato melhor. Aqui surge a f e l i c i d a d e.
A vida é um campo de batalha e não podemos jamais parar de lutar. Sendo
assim, cada um de nós vivemos os nossos conflitos, as nossas batalhas e neste caso em
que Grün faz a seguinte afirmação:
[...] “A vida humana é marcada por conflitos constantes. Nós não podemos
simplesmente vegetar. Devemos enfrentar os ataques que a vida
eventualmente nos apresentar. E nunca haverá um momento em que
possamos descansar sobre os louros da vitória. As tentações, ao contrário,
haverão de nos acompanhar até o fim da vida. Ainda num outro lugar diz o
patriarca Antão: “Quem não tiver sido tentado não poderá entrar no reino
dos céus. Se suprimires a tentação, ninguém se salvará” (Apot 5).”
“...sem tentação o homem estaria no perigo de apoderar-se de Deus e torná-
lo inofensivo e inócuo. Pela tentação, porém, o homem experimenta
existencialmente a sua distância de Deus, sente a diferença entre o homem e
Deus. O homem permanece em luta constante, enquanto Deus repousa em si
mesmo. Deus é amor absoluto, enquanto o homem é continuamente tentado
pelo maligno.” p. 43
Reafirmando a frase do Papa Francisco: “Temos que dar graças a Deus por
sermos pecadores. Porque somente assim experimentaremos a graça dele.” Os monges
veêm as tentações como um fator positivo. Pois a maior obra dos homens é esta: ser
capaz de manter seus pecados diante de Deus. A questão em jogo é suportar as
tentações. Lutar com provações as tentações é essencialmente uma necessidade do ser
humano. Tendo para isto que conhecermos as nossas íntimas paixões. Já afirmava o
apóstolo Paulo: “Deixo de fazer o bem que tanto amo, para fazer o mal que tanto
odeio.”
Na oração do Pai Nosso, temos a parte que diz: “... não nos deixeis cair em
tentação, mas livrai-nos dos males. Amém.” Na oração contém o pedido para livrar-nos
do mal, mas, nas tentações é não nos deixeis cair em tentação. E já que caímos, dá-nos
tua mão para levantarmos e continuarmos nossa batalha. (Grifo nosso)
As tentações não podem ser percebidas apenas como parte negativa na nossa
breve passagem por esta terra, mas como prova de demonstrar quem somos e o que
somos: apenas humanos... e é através desta humanidade que poderei viver o divino que
habita em nós. Poderemos refletir que humano e divino se misturam. É quase uma
simbiose entre criatura e criador. Tal criador desejou compreender a sua obra que ‘se
tornou carne e habitou entre nós’. Podemos fazer um esforço de criar uma metáfora e
nos esforçar para entendê-la.
Deus criou tudo e viu que era bom, mas ao criar o ser humano/divino,
percebeu que era muito bom, dado o fato de tê-lo tornado sua imagem e semelhança... aí
então soprou vida nestes. Determinou que o humano/divino era perfeito, porque o Todo
Poderoso não podia de forma alguma criar algo imperfeito; afinal ele é a própria
perfeição em ‘pessoa’. Só que o tempo passou e o que era perfeito foi corrompido na
natureza da criatura. O limite tomou conta do paraíso e os mesmos perceberam a nudez.
Deus então os deixou viver aquela escolha da imperfeição, no entanto disse: “Quero que
um dia voltes a ser imortais, perfeitos, como eu sou perfeito”. Só que a situação só se
agravou e não querendo destruir sua obra prima, mas não aceitando tal imperfeição
disse: “Vou ver como vivem essas criaturas que eu tanto amo”.
A partir desta decisão, o Criador se ‘multiplicou’. Criou o seu filho e disse-
lhe: vá lá e viva como vive aquelas criaturas ingratas, para eu poder
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entender/compartilhar com eles tal situação. Portanto, continue sendo a perfeição. Cristo
deu sua própria vida a todos nós. Ofereceu seu corpo e sangue para nos alimentar.
Deixou seu espirito para nos sustentar e nos defender e deixou expressar o verdadeiro
amor do Criador, dando assim as criaturas o sagrado direito de se tornarem filhos e
filhas. Sendo assim, nos tornamos o que somos hoje. Imperfeitos em busca da perfeição
(humano/divino), graças a Deus.
Os monges afirmam que nossas tentações nos conduzem para a nossa
humanidade. Esse conflito interior entre o bem e o mal, se perfazem dentro de cada
pessoa, sendo absolutamente normal, revelando pois, o grande ser humano que somos.
Anselm faz a seguinte afirmação:
[...] “Elas nos fazem entrar em contato com as raízes que sustentam o tronco.
Colocar-se diante das tentações significa: confrontar-se com a verdade. Um
dos patriarcas expressa-se a este respeito da seguinte maneira: “sem as
tentações ninguém será santo, pois aquele que foge do proveito da
tentação também foge da vida eterna. Com efeito, tentações há que
preparam os santos as suas coroas” (N 595).” P. 45 (grifo nosso)
Nas orações dos padres do deserto, eles não pedem que sejam perfeitos e
sem defeitos, mas buscam se familiarizar com seus próprios demônios, encontrando
através deles a verdade da alma, descobrindo assim os abismos de seus inconscientes e
demais sentimentos como: pensamentos homicidas, representações sádicas e as
fantasias imorais. Ele buscam conhecerem bem seus inimigos (que não estão no
externo), mas sim dentro, para depois combatê-los com oração e meditação. A tentação
nos aproxima de Deus e nos faz compreendermos melhor.
Bom saber que ao longo de nossa existência o que não nos faltará será a
tentação. O próprio Jesus foi tentado pelo ter, poder e pelo prazer. No entanto, ele
respondeu com eficácia. “Afaste-se de mim satanás...” Logo depois Deus enviou anjos
para servi-lo. A vigilância é a regra para não cairmos em tentação. Para isto precisamos
nos conhecer bem, pois assim saberemos o momento exato de repudiá-las. Sem as
tentações nós humanos, não sentiríamos o grande afeto que Deus tem por nós. Mais que
afeição é um profundo amor e uma grande misericórdia da parte dele para conosco.
Como ficamos depois que resistimos a tentação? Vejamos o que nos relata Anselm:
[...] “Antes das tentações a pessoa reza a Deus como uma pessoa
estranha. Porém, após ter suportado a tentação por amor a ele sem se
deixar transtornar por ela, logo Deus a considera como alguém que lhe
fez um empréstimo e tem o direito a dele receber juros, e como um
amigo que por causa dele bateu contra o inimigo.” (Isaac 329). P 46
[...] “A tentação obriga-nos a lutar. Porque sem luta não há vitória. Vencer,
porém, jamais é mérito nosso. Nós precisamos fazer a experiência de que,
através da luta. Cristo age em nós e, de repente, nos liberta da luta
constante e nos dá uma profunda paz.
A questão hoje é se esta visão positiva da tentação continua a ajudar-nos.
Essa visão positivas poderia livrar-nos de uma falsa aspiração à
perfeição... idealismo.” P. 47 (grifo nosso)
Parece fácil? Como podemos perceber não é bem assim. Vejamos o que
nos continua dizendo o autor desta obra:
Retomando o que disse Paulo: ‘Os atletas se abstêm de tudo’ ... de fato
para se chegar a uma premiação alta, este esportista tem que se sacrificar com muitas
horas de treino e mesmo assim corre o risco de perder por milésimo de segundos. Esse é
um risco e um preço a pagar. Nós como ‘atletas de Cristo’ seguir os conselhos de
Cassiano:
[...] “Também nós podemos ser elevados à categoria de oficial espiritual, se
formos capazes de combater virilmente os vícios, se formos capazes de
nos manter em meio às turbulências de nossos pensamentos, se formos
capazes de colocar nossos pensamentos em ordem através do dom do
discernimento (discretio) se formos capazes de submeter a multidão
inconstante dos pensamentos ao domínio da nossa razão e se, sob a
bandeira salutar da cruz de Nosso Senhor, formos capazes de expulsar
todos os inimigos cruéis de dentro do nosso interior... Quando tivermos
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“...Um leproso chegou perto de Jesus e, de joelhos, pediu: “Se queres, tens
o poder de curar-me”. Jesus cheio de compaixão, estendeu a mão, tocou
nele e disse: “Eu quero: fica curado!” No mesmo instante, a lepra
desapareceu e ele ficou curado!” grifo nosso
Aqui neste texto temos que nos ater para duas coisas:
I. Naquela época nenhum portador de lepra podia se quer entrar na
cidade ou se aproximar de outras pessoas. Tanto é, que a lei os obrigava viverem
fora da cidade e quando passavam perto de alguma pessoa, deveria gritar para
que a mesma desviasse do caminho;
II. Era proibido por lei tocar no leproso. Este era impuro. Mais do
que contágio, se resguardava a obrigação legal de não tocar no doente.
No entanto existe uma ruptura nas regras, onde tanto o doente quanto Jesus
desobedecem o sistema legal em vigor. Isso para mostrar que as regras de Deus partem
da compaixão e não do legalismo. Tantas são as vezes que usufruímos das lei falsas para
justificar e explicar nossa atitude sórdida. O importante para a consciência coletiva é
que tudo estava dentro da lei.
O que temos para atentar é outro risco da ascese se tornar um ataque de
cólera contra nós mesmos, tendo em vista que neste caso estaremos nos auto
prejudicando. Transformando o exercício em algo absolutamente negativo para a nossa
caminhada, a nossa abertura para o encontro com Deus.
“Não julgueis para não seres julgados e não condeneis para não seres
condenados...”
[...] ‘Dize-me como poderei tornar-me monge’. E ele respondeu: ‘Se queres
encontrar serenidade onde quer que estejas, então, em tudo que fizeres,
deves dizer: Quem sou eu? E não julgues a ninguém!” (Apot 385)
Devemos dar testemunho daquilo que nós vimos e mesmo assim, melhor
seria que mesmo podendo tocar com a mão a fraqueza do outro, não deveis tocar com as
mãos. Certo monge estava orando e de repente percebeu que um casal estava ao seu
lado. De repente viu que os dois estavam fazendo algo de errado. Então disse: ‘parem,
não veem que estão errando?’ Mesmo assim eles continuaram. Não suportando tal
situação, o monge resolveu cutuca-los com o pé. Ao tomar esta atitude, percebeu que o
casal era nada menos que dois feixes de trigo postos ao seu lado.
Tal exemplo nos remete então a pensarmos mil vezes antes de falarmos
ou pensarmos algo de alguém ou a alguém. Na verdade o monge estava carente e para
não assumir tal carência, mesmo sozinho a refletiu nos feixes de trigo. Como poderia
ser um casal se ele estava no mosteiro? Na verdade aquele monge tocou nas suas
próprias fantasias.
Quantas vezes nós nas nossas fantasias não prejudicamos outras pessoas,
refletindo nelas aquilo que nós gostaríamos de ter ou de fazer? É aqui que surge o
demônio da dúvida e da certeza de falar para os outros aquilo que resta em nós. O
fuxico, a calúnia, a difamação e injúria s encaixa realmente neste caso. Quando estamos
com raiva, talvez de nós mesmos, remetemos para os outros esta nossa ira e além de
pecarmos, cometemos até o crime de dizer que o outro fez aquilo que eu gostaria de
fazer e não tive tanta coragem para fazê-lo. Corremos o risco de remetermos nossas
própria fantasias até para a natureza. É o caso dos feixes de trigo. Anselm nos remete ao
seguinte:
[...] O julgamento dos outros nos torna cegos para as nossas própria falhas.
Calar em relação aos outros nos proporciona uma autoconhecimento
mais lúcido e faz com que paremos de projetar as nossas falhas sobre
eles... Em vez de julgarmos os outros, deveríamos, por meio da caridade,
buscar conquistá-lo para Deus” P. 61 e 62 (grifo nosso)
Portanto, silenciar, não quer dizer apenas ausência de barulho; mas sim
presença de si mesmo e de Deus que preenche a essência do ser humano/divino. Esta
fonte onde cada um de nós devemos beber, está ao nosso dispor, bastando apenas nos
abrir para tal acontecimentos no dia-a-dia. “Crescei-vos e multiplicai-vos.”
E aqui não se trata do amor da poesia, ou tão somente do amor eros, mas
sim do ágape (amor incondicional), isto até afirmado por psicólogos que seguem a
corrente humanista.
Evágrio é grego, portanto ele traça três âmbitos do ser humano,
inspirados na filosofia grega. Vejamos com detalhe como se dá estes três âmbitos
segundo o patriarca.
a) A parte cobiçosa (epithymia);
b) A parte emotiva (thymos) e parte
c) Espiritual (nous).
Esses três âmbitos são reconhecidos pelo o eneagrama (sistema de
autoconhecimento que tem sua origem no sufismo).
É necessário que se diga que Evágrio associa estes três âmbitos citados
anteriormente a três logismoi (pensamentos sensitivos que podem dominar o homem –
paixões). O patriarca afirma ainda que esses logismoi são vícios que consomem a
pessoa e incita também os nossos demônios, os quais são patrocinadores nato destes
vícios humanos. Ele ainda nos diz que os demônios não têm uma conotação somente
negativa em nossa vida, mas que os mesmos podem se transformar em forças para a
nossa vida. Basta somente que o conheçamos e saibamos lidar com os mesmos de forma
consciente e sensata.
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O patriarca nos adverte que temos que estar atentos aos nossos pensamentos
e sentimentos. Devemos observar a intensidade deles, quando se acalmam, quando
aparecem ou desaparecem novamente. Se observarmos a regularidades deles, podemos
descobrir quais são os demônios que se tornam responsáveis por eles. Tendo este
conhecimento, afugentamos os demônios, pois os mesmos se tornam raivosos quando
conseguimos com a graça de Deus e nosso autodomínio afugentá-los. Já citamos
anteriormente que podemos até tirar proveito destes, quando sabemos quando e onde
eles nos atacam.
Neste mundo atual, onde a stress nos complementa e a frenesia do cotidiano
nos absorve torna-se difícil entender os nossos pensamentos e sentimentos. Para nós é
importante saber a chegada e a saída dos nossos demônios. Para tanto a auto-observação
se faz necessária para chegarmos a um domínio daquilo que nos embriaga no desenrolar
da nossa existência. Sabendo quais são os demônios que nos atacam diretamente,
poderíamos lutar contra ele, portanto, afirma Anselm:
Para tanto temos que nos valer de alguns instrumentos de defesa para
chegarmos a este caminho de autoconhecimento. Sendo que o mais importante deles é a
oração. Não aquela encomendada ou prosperamente negocia da com o Criador. Orar,
nada menos é que construir a ponte de diálogo entre criador e criatura. Se nos
apegarmos somente aos nossos instintos, não servirá de consolo quando nós
atravessarmos a tempestade, cujo barco está afundando e Ele simplesmente está
humanamente: dormindo. Ter consciência não é somente o necessário para ganhar a
batalha entre o eu/eu. Aqui precisa tornar-se simplesmente humano; recordando que o
próprio mestre Jesus sabia de sua divindade, mas se fazia servo diante de seu Pai.
As nossas paixões nos joga nos vícios, estes que iremos tratar agora. Nossa
experiência deve servir para aprendermos como controlá-los e como superá-los. Vamos
aqui tratar de três grande vícios: a cobiça, a gula e a luxúria.
Antes de avaliarmos estes vícios, precisamos entender os nossos instintos
básicos, exatamente porque os mesmos nos estimulam a viver. O conhecimento destes
nos leva a cortá-los e ignorá-los, buscando assim em última análise um estímulo em
direção a Deus.
1. Gula – está ligada somente ao comer ou ao apetite
da boca. Não tanto comer em excesso, mas tapar através da boca os
sentimentos negativos. Comer é necessariamente uma necessidade
básica de uma pessoa e serve também para nos estimular o prazer. O
devoramento desatinado das pessoas demonstram que as mesmas
não capazes de saborear o pão nosso de cada dia. O verdadeiro
controle desta gula serve para saborearmos a comida, assim como
outros momentos da vida. A gula nos impede de sentir o sabor da
vida que passa também pela necessidade de alimentar-se. Esse ato
demonstra também que pessoas que passaram fome ou que não
foram bem nutridos, sofrem desta ansiedade e não degustam o
próprio alimento. Pode-se afirmar de antemão que a finalidade de se
23
Vimos como estes três vícios podem nos paralisar, ou: tão somente podemos
tomar consciência dos mesmos e aproveitá-los ao nosso favor. Tudo depende de como
administramos nossos pensamentos e sentimentos.
Agora passaremos ao âmbito emocional do ser humano, onde o patriarca
Evágrio cita três logismoi (pensamentos sensitivos que podem dominar o homem; as
paixões e vícios que podem dominar a pessoa). São eles:
1. Tristeza – esta aparece sempre quando não
realizamos os nossos desejos. Muitas vezes ela vem acompanhada de
sua amiga cólera. Muitas vezes este sentimento vem de lembranças
angariados no passado. Quando a pessoa não resiste a estes
pensamentos e os deixa ser levados categoricamente por eles,
mesmo embora na imaginação, este se apoderam da pessoa e o
mergulha numa tristeza profunda. Como este passado não pode se
tornar mais presente, a pobre pessoa se escraviza, tornando-se cada
vez mais abatida. Grün nos relata que: “Se por um lado a aflição
pertence essencialmente ao amadurecimento humano – como o luto
e como a assimilação de experiências de perda -, por outro lado a
tristeza como autocompaixão é estéril. O ser humano se refugia na
autocompaixão quando ele não consegue realizar os seus desejos”.
Para o patriarca Evágrio a tristeza consiste sobretudo na dependência
infrutífera do passado. É uma remoer-se desnecessário, pois não
recuperaremos aquilo que perdemos ou nunca tivemos. É um grande
perigo refugiar-se no passado diante da realidade presente, uma vez
que este passado jamais voltará a ser realidade. “A vida só pode ser
entendida para trás; mas precisa ser vivida para frente.” Diz Soren
Kierkegaard. Enquanto passivamente vivemos a tristeza, ao
contrário, a cólera é uma reação ativa. Esta por sua vez é considerada
como um demônio.
2. Cólera – na cólera, nós seres humanos podemos
ser dominado completamente por uma outra força. Evágrio
considera a cólera a mais forte das paixões... “é uma ebulição da
parte irascível da alma e uma indignação contra quem lhe fez algum
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Necessita ainda citar que este demônio é considerado o do ‘meio dia’, que
simbolicamente poderemos compará-lo com o da meia idade (50 anos). Nesta fase
perde-se o prazer pelas coisas e atitudes costumeiras, então surge uma grande demanda,
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que é a de se perguntar: para que tudo isso? Tudo quanto foi produzido e vivido parece
aborrecê-lo. Não sabe ao certo com o que ocupar-se, ficando tão somente ao léu;
tornando assim uma pessoa cínica e se sente no direito de criticar tudo e todos, não
tendo prazer para mais nada. Essa experiência da meia idade deve levar a pessoa a
orientar-se de maneira absolutamente nova, fazendo um movimento de crescimento ao
contrário do que vivera antes – ou seja: agora do exterior para o interior, descobrindo
novos valores em sua alma para que estes possam dar um novo sentido a sua nova etapa
de vida.
É necessário apontar ainda que a acídia também afeta os jovens, levando-os
ao marasmo do fazer nada, se perdendo ao longo do tempo na ociosidade e terminando
findando nos vícios das drogas, do álcool, do sexo e da violência.
A acídia nos leva a:
1. À lamentação;
2. À caça por culpados;
3. Ao rancor;
4. À insatisfação constante e
5. À cegueira espiritual (culminando assim na depressão).
Devemos agora averiguar com esmero os três logismoi que nos afetam na
esfera espiritual; já que anteriormente avaliamos os logismoi na esfera emocional.
São eles:
1. Ambição – é um contínuo e profundo desejo de se
vangloriar-se diante dos outros. Não faz nada para si, senão para ser
aplaudido, reconhecido pelos demais. Tudo é feito para se mostrar
para o público no geral. Este pensamento é um companheiro deveras
difícil. Ele aparece em pessoas que gostariam viver de fato
virtuosamente; despertando o desejo de compartilhar com os demais
suas lutas, suas dificuldades, para os demais possam de comprazer
delas. Aqui o pensamento não parte de si próprio, mas do desejo de
ouvir continuamente as opiniões dos outros, tornando-me um
escravo assíduo do juízo das demais. Assim, esta pessoa busca a
dignidade de estar sendo sempre aplaudido. Grün nos mostra que: “a
busca do reconhecimento se introduz em tudo que fazemos, até
mesmo em nossa ação mais piedosa.” P. 79 O importante neste caso
é se livrar desta escravidão do que pensam os outros da gente. Tal é
que pessoas com sessenta ou até setenta anos ainda estão presas: ao
que pensam ou esperam de nós. Isso não é viver, mas ser vivido.
2. Inveja – aqui a pessoa se torna dependente de um
pensamento: não sou capaz de encontrar outra pessoa sem
comparar-me com ela, é a contínua comparação com os outros.
Aqui procura-se a desvalorização do outro para promover a minha
auto valorização; a partir disto cria-se um bloqueio doentio em torno
de: sua aparência, inteligência e até mesmo a fraqueza. Pode suceder
ao contrário, quando a pessoa não está sendo bem sucedida, começa-
se a autodesvalorização de si mesmo, restante apenas o êxito aos
outros. Isso dissipa-se o fato do eu não conseguir restar comigo
próprio, vivendo uma insatisfação com ele mesmo e deixo morrer
assim qualquer sentimento de dignidade... levando-nos a dois
caminhos: ou a uma concorrência ferrenha contra o outro, ou a uma
depressão profunda.
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[...] “Não deixe o sol se pôr sobre a cólera, senão os demônios virão durante
teu descanso noturno, irão atormentar-te e, desse modo, haverão de tornar-te
ainda mais covarde para o a luta do dia seguinte. Pois as alucinações
noturnas surgem comumente através da influência agitada da cólera. E não
há nada que torne o homem mais apto a abandonar a sua luta do que quando
ele é incapaz de controlar suas emoções” (Evágrio, TratPrat 21) p. 82
Os monges nas suas pequenas experiências nos mostram que sentir raiva é
uma forma de se manter longe de quem nos fez mal e saber separar o joio do trigo, ou
seja: o que é meu (sentimento/pensamento) e o que é dos outros, que por ventura pode
ser colocado sobre os nossos ombros. Devemos valer da cólera de forma positiva, pois
há exemplos de pessoas que foram violentadas e no lugar de sentir raiva o agressor,
sentia culpa por tal ato ter acontecido. Na medida que essa raiva surgiu, tal pessoa se
libertou distanciando do ofensor e separou os seus próprios problemas, ao invés de se
melancolizar na culpa. A raiva neste caso é o melhor remédio para curar a ferida
causada por tal ato.
Aqui vão três conselhos que o patriarca Evágrio nos dá para vencer tais
demônios que nos atormentam e nos separa de nós mesmos e de Deus.
O primeiro é que devemos ser constantes (perseverantes) para vencer a
acídia. Devemos permanecer em nossa cela e suportar o que acontece em nosso interior.
O patriarca afirma que: devemos aceitar o que a tentação nos oferece, pois ela é a maior
de todas. Mas a mesma é o resultado de uma maior purificação da alma. Fugir diante
de tais conflitos torna o espírito acanhado, covarde e medroso. P. 83
Na medida que eu suporto a minha inquietação interior e passo a conhecê-la
bem, observo qual é a sua agitação, observando então que ela tem o seu sentido. Aqui
posso usar a disciplina, assumindo a mim mesmo como ‘dono’ da situação. A
inquietação deve existir, mas a mesma deve me levar até Deus e não me afastar dele.
29
Me reconciliando com ela, a mesma purifica a minha alma e me dá uma nova clareza
interior.
O segundo conselho é a ORAÇÃO. Evágrio nos adverte que:
“Quando a acídia nos tenta é bom que, entre lágrimas, dividamos
nossa alma em duas partes iguais: uma que anima e outra que é
animada. Nós semeamos sementes de uma esperança inabalável em
nós quando cantamos com rei Davi: ‘Ó minha alma, por que estás
aflita e tão inquieta dentro de mim? Espera, pois eu ainda haverei de
agradecer-lhe, meu Deus e Salvador, a quem eu contemplo!’ (Sl
42,6)” (Evágrio, TratPrat 27). P. 84
Primeira sentença:
[...] “Um irmão aproximou-se de pai Poimen e lhe disse: ‘Pai, tenho
inúmeros pensamentos e eles me põem em perigo’. O patriarca conduzi-o
para fora e lhe disse: ‘Estufa o peito e para os ventos!’ Ele porém respondeu:
‘Eu não consigo fazer isso!’ Então o ancião lhe disse: ‘Se tu não consegue
fazer isso, também não és capaz de impedir que o pensamentos se
aproximem de ti. Resistir a eles, porém, é tarefa tua”’ (Apot602) p.86
Nesta sentença dá para observar que não somos responsáveis para parar
nossos pensamentos. Assim, não somos ruins quando eles nos sobressaltam de
improviso. O que nos cabe portanto, é discernir como reagir diante destes. O ódio e o
ciúme chegam e nada podemos fazer, senão controlá-los para não ferir a nós mesmos e
aos demais. Temos que reagir diante da presença inesperada deles.
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Segunda sentença:
“Certa ocasião, pai Poimen perguntou ao patriarca José: ‘Que devo fazer
quando as paixões se aproximam de mim? Resistir a elas ou deixá-las
entrar?’ E o ancião lhe respondeu: ‘deixa que entrem e luta com elas’. Tendo
regressado a Scete, permaneceu em sua cela. Mas eis que veio para Scete um
tebano e disse aos irmãos: ‘Perguntei a pai José: Quando as paixões se
aproximam de mim, devo resistir ou devo deixá-las entrar? E ele me
respondeu Não deixes absolutamente, que entrem, mas apaga-as
imediatamente! ‘Ouvindo pai Poimen que pai José havia falado desta
maneira ao tebano, levantou-se e foi ao encontro dele, em Panefo, e lhe
disse: ‘Pai, eu te confiei meus pensamentos e a mim respondeste de um
modo e ao tebano de outro modo’. E o ancião lhe respondeu: ‘Não sabes que
eu te amo?’ Ele disse: ‘Sim!’ E o ancião lhe disse: ‘Não me disseste: fala a
mim como se falasse a ti mesmo?’ Ele respondeu: ‘Sim, é verdade! ‘Então o
ancião lhe disse: ‘Quando as paixões entrarem e lutares contra elas, dando a
elas e delas recebendo, tornar-te-ão mais provado. Porque eu falei a ti como
se falasse a mim mesmo! Outros há, porém, aos quais não convém que as
paixões se aproximem deles. Eles precisam afastá-las imediatamente!”’ p. 86
sendo que neste caso nós devemos conversar com ele. Muitas vezes o medo nasce de
um ideal de perfeição.
Em última instância, o sentimento que nos provoca tal medo é o sentimento
da soberba (comportamento excessivamente orgulhoso; arrogância, presunção) ... Neste
caso em explícito, o diálogo com este sentimento, nos ajudaria a conduzir-nos ao
sentimento de humildade (humilitas); dando vazão a reconciliação conosco mesmo, com
nossos limites, fraquezas e falhas... Até mesmo afirmando que: podemos até cometer
erros, mas não temos a obrigação de poder tudo.
No entanto, existe o sentimento do medo que não está ligado à falsas
atitudes da vida, mas sim, a uma ligação com o ser humano; que o caso do medo:
1. Da solidão;
2. E da perda em relação à morte (em cada pessoa existe uma parcela
considerável ao medo da morte).
Quando conseguimos examinar este tipo de medo a fundo, ao admitimos
porquê de fato ele existe; em meio ao nosso medo podemos experimentar uma paz
profunda; transformando-o também em serenidade, liberdade e paz. Também temos a
faculdade de olharmos para a nossa vida, nosso casamento, nossa profissão, nossa
doença e perguntaremos: Será que dou conta de tudo? Esse tipo de medo hoje está
muito presente na vida dos jovens, sobretudo de assumirem compromissos como
casamento e até mesmo a profissão.
Há momentos em que poderemos até brincar com o nosso medo. Algumas
pessoas tem medo o definitivo, chegando assim a ter medo do futuro. Deverei
permanecer para sempre neste convento? Neste casamento? Imaginá-los até as últimas
consequências nos permite representar as paixões. Assim, tiraremos a força que elas se
perfazem em nós. A mesma coisa acontece com as fantasias sexuais que representam
que existe ansiedade de viver, de abandonar-se, de entregar-se. Se eu luto contra elas, ou
as reprimo, estas me perseguiram, mas se formos capazes se senti-las até o fim, elas
poderão transformar num impulso de vida, nos impulsionando em direção a Deus. O
exemplo de pai Olímpio nos faz ver como funciona tal exercício.
[...] Conta-se que pai Olímpio não fugiu da ideia de se casar e tudo pensou
em seus mínimos detalhes. E mais: “fez uma mulher de barro, olhou para ela
e disse a si mesmo: ‘Vê, esta é tua esposa. De ora em diante precisarás
trabalhar muito, a fim de sustentá-la’. E trabalhou muito. No dia seguinte,
preparou novamente uma porção de barro e de forma a uma filha, e disse
para si mesmo: “Tua mulher deu a luz! Agora é necessário que trabalhes
ainda mais para conseguires sustentar e vestir tua filha’. Fazia isto a ponto de
extenuar-se e, então, disse a si mesmo: ‘Não posso mais suportar o trabalho’.
E disse ainda a si mesmo: ‘Se já não podes suportar o trabalho, então
também não queiras uma esposa’. E, vendo Deus seu esforço, tirou-lhe a sua
luta e ele alcançou tranquilidade” (Apot 572). P. 92
diálogo venha à tona; devemos buscar nas escrituras palavras que nos fortifiquem, que
nos faça ‘guerreiros’ contra os inimigos que nos destrói por dentro e por fora. Assim
seremos vitoriosos por Cristo, com Cristo e em Cristo.
O dito bíblico: “Orai e vigiai, porque o espírito é forte, mas a carne é fraca”
... Nos demostra que temos que montar guarda, vigiar o nossos pensamentos,
exatamente para saber se os mesmos nos leva para a vida ou para morte; se nos torna
saudáveis ou doentes. Ao fazer esta triagem podemos enveredar pelos caminhos do
Senhor, gozando assim de sua presença em nós. Esta prática nos serve no entanto para
aqueles pensamentos que nos aparecem constantemente, nos tirando a paz e a
serenidade.
A própria psicologia nos mostra que vivemos sempre estes dois lados: medo
e confiança, amor e agressão, tristeza e paz, força e fraqueza e muitas vezes se nos
fixamos em um pólo, como o medo, por exemplo, podemos chegar a tal ponto de não
nos sentirmos dignos de nós mesmos; torando difícil analisar quaisquer um dos
sentimentos acima referidos. Tudo ao final se resume nisto:
1. Não sou capaz;
2. Tenho medo;
3. O que os outros pensam de mim ou
4. Vou cometer uma gafe.
Já citamos anteriormente que outro método funcional é ter outra pessoa para
falarmos sobre os nossos pensamentos e sentimentos. Se assim não o fizermos,
colocamos tudo em uma panela de pressão; os reprimimos, chegando ao ponto de uma
explosão e tudo vai para os ares. Vejamos o conselho de um dos patriarcas para
sabermos realmente lidar com tal situação:
Para os monges, suas vidas devem ser preenchidas por regras e exercícios,
pois uma espiritualidade sadia necessita também de um corpo sadio. Portanto, são três
os exercícios dos patriarcas:
1. Jejuar durante o dia todo até a noite;
2. Calar-se;
3. Muito trabalho manual.
Quando permanecemos livres no curso de nossos pensamentos e
sentimentos, sem procurar um confronto com os mesmos, poderemos ser contagiados
interiormente por eles e assim, sem que o percebemos, somos governados pelos nossos
impulsos inconscientes e perdemos toda a nossa liberdade.
Anselm Grün mostra-nos uma realidade que devemos apreciá-la, pois pode
nos servir como um bom exercício espiritual. Nos diz ele:
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Os três acima especificados, nos mostra que devemos buscar nos exercícios
sugeridos a perfeição para os nossos sentimentos e pensamentos. O jejum não está
ligado somente a abstinência de comida, mas também de prazeres que nos acompanha e
nos consome durante todo o dia. Para algumas pessoas ficar sem comer é tão fácil, há
indivíduos que consegue até se privar de um certo excesso de líquido. Mas na verdade o
que nos falta é a capacidade de jejuar aquele sentimento que nos conforta o ego e nos
joga na soberba. Desde o mais pequeninos deles até os pensamentos ou sentimentos
gigantescos. Já o calar-se, não somente com a voz exterior, mas também interior. Para
os monges o calar deve estar acompanhado da renúncia. Chegando a perfeição dos dois,
será o necessário para o crescimento espiritual do monge. Para tanto, só chegaremos a
perfeição ao calarmos com renúncia, será através da humildade. Outra luta que temos
que traçar para sermos bondosos como o Pai do céu é bondoso. Já trabalho manual,
nos remete a uma frase de Lutero que disse: “Cabeça vazia, casa do diabo”. É no
trabalho manual que o monge se exercita contra seus demônios. Se a narração do
Gênese diz que Deus trabalhou, nada mais nobre que com nosso suor possamos
construir o reino através do labor de nossas mãos.
No entanto, há uma recomendação por parte dos padres do deserto que nos é
plausível. Recomenda-se prestar muita atenção na contrição exagerada. Claro que temos
que nos arrependermos de nossos pecados, mas o que não podemos fazer é não
prestarmos atenção demasiadamente em nossas faltas e sim mais em Deus. Lamentar-se
do passado nos leva a uma tristeza que nos excluem da magnífica presença de nosso
Criador... Podendo jogar-nos de vez na acídia.
A humildade mais uma vez é nossa chave mestra para conseguirmos
conquistar o lugar perdido junto a Deus. Sem ela podemos correr o risco de fazermos
cobranças a Deus o então submetê-lo aos nossos pensamentos e vontades. Outro
exercício que nos é oferecido é a despreocupação. O monge se exercita dizendo a si
próprio: eu não tenho preocupação. Esta constitui na essência primordial do ser
humano. Fazendo este exercício nós chegaremos a acreditar piamente na bondade
misericordiosa de Deus, que se preocupa conosco. “Olhai os lírios dos campos e os
pássaros do céu... eles não d´ceifam e nem colhem, mas não morrem de fome”.
Esvaziando a nossa mente das preocupações, abriremos espaço para Deus se fazer
presente em nós. Não existe estilo de espiritualidade saudável se não existe vida
saudável.
No monastério existe uma regra de vida alternado em trabalho e oração.
Essa regra atinge por exemplo:
1. A divisão do tempo;
2. A alimentação;
3. O trabalho;
4. A moradia e o
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[...] “Se queres rezar de maneira perfeita, deixa de lado tudo o que tem a ver
com a carne, de modo que, enquanto estiveres rezando, tua visão não se
turve. (Evágrio, Sobre-Ora 128) E ainda: “Se te entregares à oração, deves
deixar para trás tudo quanto te causa alegria, pois somente então alcançarás a
oração pura” (Evágrio, SobreOra 153)
5.6 Conclusão
no conteúdo em si, entendemos que tudo que foi dissertado nesta obra serve também
para nós meros mortais leigos.
O sucesso do trabalho de Anselm Grün é exatamente trazer para o
cotidiano dos seus pares a realidade vivida a tanto tempo. Claro que como seres
humanos estamos abertos para vida externa e interna. Temos nossas emoções,
sentimentos e pensamentos. Sem dizer que no mundo atribulado que vivemos, muitas
vezes não nos sobra espaço para conhecermos a nossa própria realidade, quanto mais,
nosso próprio eu.
O céu não se encontra de fato acima das nuvens e nem tão pouco o inferno
abaixo da terra. Este conflito bem/mal é companheiro nosso cotidiano; trazendo-nos
muitas vezes sofrimentos que pode até ferir alma e corpo. Para chegarmos ao ponto de
sermos ‘perfeitos’ como o Pai do céu é perfeito, necessitamos de trilhar uma longa
estrada, ora de espinhos e tempestades, para chegarmos a nós mesmos e assim
sucessivamente a Deus. Bom lembrar também que o próximo mais próximo de nós
mesmos, está no EU. Para tanto temos que ter coragem de nos olharmos no espelho da
vida e assumirmos o que somos e quem somos... enfrentando nossos demônios que
habitam essencialmente nas nossas paixões cotidianas.
Porta estreita, caminho difícil, palavras pesadas; mas a promessa é:
“Estarei convosco até o final dos tempos”. Cabe escolher e para isso precisamos nos
conhecermos, se quisermos nos tornarmos imagens (já o somos) e semelhança (algo a
galgar) de Deus, nosso criador.
Portanto, aqui está a chave para o autoconhecimento, quem quiser, venha e
beba da água da fonte. Escolher implica reações e compromissos. Ficar na tenda
somente olhando para o transfigurado não nos basta. Temos que descer o monte e pisar
na terra de onde somos: pó e ao pó tornaremos. O que queremos de fato mudar em
nossa existência?