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Resumo
Esse trabalho tem como objetivo analisar os discursos sobre o tema degradação de recursos
naturais no manual do aluno do 10º ano da disciplina de Biologia do ESG em Timor-Leste. Neste
trabalho, adotamos como referencial teórico e metodológico a Análise de Discurso de linha
francesa, além de outros baseados nos estudos sociais da ciência e tecnologia. Os resultados
demonstram a descontextualização do tema “degradação de recursos naturais” no manual didático
da disciplina de Biologia e a proximidade da proposta curricular do ESG ao modelo de currículo
de Portugal. Assim, na busca de superar essa descontextualização, consideramos a importância de
aprofundar algumas questões sobre a transnacionalização de currículos e colonialidade do saber
e poder em cooperações educacionais internacionais.
Introdução
Este artigo começou a ser construído sobre reflexões produzidas num trabalho de
codocência1, junto ao Programa de Qualificação de Docente e Ensino de Língua Portuguesa no
Timor-Leste (PQLP/CAPES)2. Durante esse trabalho em Timor-Leste, foram planejadas e
desenvolvidas aulas junto ao professor timorense de Biologia da Faculdade de Educação, Artes e
Humanidades (FEAH/UNTL), nas quais foram abordados temas controversos e de cunho social,
como: água, tratamento de lixo em Timor-Leste, degradação dos recursos naturais no país; lixo
urbano; desmatamento e queimada. Entre esses temas, nessa pesquisa focaremos o tema
degradação de recursos naturais nos manuais dos alunos do 10º ano do Ensino Secundário3 Geral
(ESG).
Para compreendermos o ensino do tema degradação de recursos naturais torna-se
necessário entender a reestruturação curricular do ESG realizada por instituições portuguesas. Em
1
Segundo o Projeto Político Pedagógico do PQLP (2014), a codocência não se restringe ao fato de dois professores
assumirem a regência da turma, mas também engloba a preparação, planejamento e escolha dos métodos e dinâmicas
adequados para o uso em sala de aula.
2
Projeto coordenado pelo Prof. Dr. Irlan Linsingen e pela Prof. Drª. Suzani Cassiani.
3
O termo “ensino secundário” é a nomenclatura utilizada pelos portugueses e adotada em Timor-Leste para se referir
ao que no Brasil é chamado de “ensino médio”.
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4
ME-RDTL. Plano Curricular do Ensino Secundário Geral. Dili. Ministério da Educação - República Democrática
de Timor-Leste. 2011.
5
ME-RDTL. (2012). Plano do Ministério da Educação 2013-2017. Díli. Ministério da Educação - Republica
Democrática de Timor-Leste.
6
Esses manuais estão disponibilizados no site: https://www.ua.pt/esgtimor/PageText.aspx?id=16804
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questionamos nesse trabalho, quais os discursos sobre o tema degradação de recursos naturais no
manual do aluno do 10º ano da disciplina de Biologia do ESG em Timor-Leste?
Esse trabalho tem como objetivo analisar os discursos sobre o tema degradação de
recursos naturais no manual do aluno do 10º ano da disciplina de Biologia do ESG em Timor-
Leste.
Resultados e Discussão
Os resultados demonstram evidências de aspectos descontextualizados no manual do 10º
ano do ESG, ou seja, exemplos e imagens que não refletem a realidade timorense. A
descontextualização é identificada nesse material no momento em que os autores citam as formas
de tratar os resíduos sólidos: “Um aterro sanitário (sic) é uma estrutura que permite a deposição
de resíduos sólidos de forma segura, evitando a poluição ambiental e riscos de saúde pública”
(MANUAL DO ALUNO 10º Ano – p. 48, grifo nosso).
Na busca de ilustrar o que é um aterro sanitário, os autores apresentam a figura a seguir:
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leitor não interage apenas com o texto (relação mecânica e direta entre sujeito/objeto), mas com
outras histórias, outro(s) sujeito(s) (leitor virtual, autor) outros textos.
Durante a interação aluno-imagem são produzidos sentidos que caminham em várias
direções. Segundo Silva et al. (2006), a partir de diferentes formações discursivas, uma mesma
imagem pode significar de diferentes modos. Assim, o sujeito não é o centro ou a origem do
processo de produção de sentidos, mas parte de um processo que se iniciou antes.
Sendo assim, a compreensão das imagens não é imediata, e seu uso no contexto
pedagógico de sala de aula exige que o professor ofereça em sala de aula espaços que discutam o
processo de textualização, ou seja, como os discursos se materializaram na imagem em questão.
A importância de apresentar uma linguagem imagética no ensino de Biologia, mais
sintonizada com o contexto timorense, pode ser observada nas ideias de Freire (2011), no livro
“pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa”, esse autor relata que certa vez
numa escola da rede municipal de São Paulo, visitou uma sala na qual se realizava uma exposição
de fotografias das redondezas da escola. Durante essa visita, escutou dois professores
conversarem,
Há dez anos ensino nesta escola. Jamais conheci nada de sua redondeza além das
ruas que lhe dão acesso. Agora ao ver esta exposição de fotografias que nos
revelam um pouco de seu contexto, me convenço e quão precária deve ter sido a
minha tarefa formadora durante todos esses anos. Como ensinar, como formar,
sem estar aberto ao contorno geográfico, social dos educandos? (FREIRE, 2011,
p. 51).
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Com a não participação dos timorenses, consideramos que o manual do aluno se configura
como uma adaptação do modelo de currículo de Portugal, composto por aspectos usados em
sociedades ocidentalizadas e, principalmente, industrializadas que na maioria das vezes não
refletem a realidade timorense.
Outro enunciado que nos chamou atenção na análise do manual do aluno de Biologia em
Timor-Leste, foi o exemplo de florestas de eucaliptos como monocultura:
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Considerações finais
A partir dos resultados, concluímos que o manual do aluno se configurou como uma
adaptação do modelo de currículo português, composto por aspectos usados em sociedades
ocidentalizadas e, principalmente, industrializadas que na maioria das vezes não reflete a
realidade timorense, configurando-se dessa forma, como uma transnacionalização curricular.
Consideramos fundamental romper com esse movimento de transnacionalização do
currículo, que consiste na transferência de conhecimentos de um povo para outra cultura,
imprimindo conhecimentos ditos “universais” que parecem neutros e ahistóricos.
Nesse trabalho, baseado na AD – francesa, abrimos espaço para novas maneiras de ler o
tema “degradação de recursos naturais”, colocando o dito em relação ao não dito, ao dito em
outro lugar, expondo o olhar do leitor à opacidade do texto.
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Referências
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discursiva na educação CTS. Educar, Curitiba: Editora da UFPR, n. 34, p. 127-147, 2009.
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FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 43. ed., São
Paulo: Paz e Terra, 2011.
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LINSINGEN, I. Perspectiva educacional CTS: aspectos de um campo em consolidação na
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ME-RDTL. Manual do aluno do 10º ano do ESG. Dili. Ministério da Educação - Republica
Democrática de Timor-Leste. 2012. Disponível em: https://www.ua.pt/esgtimor/PageText.aspx?i
d=16804.
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