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ENSAIO REFLEXIVO SOBRE A RELAÇÃO DA FÉ COM AS OBRAS SOB A PERSPECTIVA

ECLESIOLÓGICA MISSIONAL

“Meus irmãos, que aproveita se alguém disser que tem fé, e não tiver as obras?
Porventura a fé pode salvá-lo? [...] Assim também a fé, se não tiver as obras, é morta
em si mesma”. – Tiago 2.14,17

No texto fica claro a relação entre fé e salvação. Qualquer cristão defende que a
salvação é mediante a fé no sacrifício de Jesus que o torna Senhor de nossas vidas. Então
o grande dilema apresentado neste texto está na ratificação da fé por meio das obras,
ou seja, essa fé produz implicações vocacionais e não apenas confiança escatológica.
Isto é, somos salvos não apenas “de algo”, mas “para algo”.

Assim, entender o conceito bíblico de fé, bem como suas implicações nos
resgatará de possíveis enganos e afetará nossa agenda eclesiástica. Afinal, como
devemos avaliar o sucesso de uma igreja? Bem, existem no mínimo quatro aspectos
essenciais: a comunhão entre os irmãos, a contemplação de Deus através dos cultos de
adoração, o compromisso educativo doutrinário e o serviço na edificação do Reino de
Deus no âmbito local e global, respectivamente gera um crescimento Relacional,
Espiritual, Educacional e Vocacional.

A igreja brasileira não pode se avaliar a partir de eventos, mas sim através de
seus alvos, sendo o principal deles a formação integral de discípulos. Neste sentido,
deveríamos questionar: Quantos discípulos formamos em 2017 e qual nosso alvo para
2018?

Se analisarmos Hebreus 11, veremos o autor lançar as bases do conceito de fé


sob dois prismas: Confiança na Esperança¹ e Confiança no Sobrenatural² (“...a fé é o
firme fundamento das coisas que se esperam¹, e a prova das coisas que se não vêem²”),
além de nos ensinar que é através da fé que podemos alcançar testemunho (“Porque
por ela os antigos alcançaram testemunho”). É através dela que entendemos os
processos criativos de Deus (v. 3), ela é vital para o nosso relacionamento com Deus (v.6)
e ela aperfeiçoa nossa dignidade (v. 38).

A fé não é uma convicção na vitória, perceba que os jovens Hebreus que foram
para fornalha estavam convictos do que deveriam fazer, ainda que isso lhes custasse a
vida. A fé não é poder mental, ou confissão positiva. A fé é um ato baseado numa crença:
“Se Deus disse, Ele fará”. É a confiança no caráter de Deus, pois Ele é digno de nossa
confiança. A fé é a dependência na palavra de Deus, seguido de uma atitude que
demonstre a confiança, colocando Deus na equação. A fé condiciona nossa mente,
tranquiliza nosso coração e dá ordem ao corpo na obediência à vontade de Deus. Como
dizia George Müller: “A fé não interroga, nem calcula, simplesmente confia”.

Uma coisa é certa, todo cristão em algum momento questionou a sua fé ou viveu
uma crise em sua fé. Isso acontece pelo fato de sermos imperfeitos e estarmos em
processo de conhecer a Deus. Deus não se ira com nossas crises, na verdade as crises
servem para amadurecer nossa fé. Como disse Charles Spurgeon, o príncipe dos
pregadores: “Nós precisamos de ventos e tempestades para exercitar nossa fé, para
arrancar o ramo podre da auto dependência e nos enraizar em Cristo”. Ora se vacilarmos
em nossa fé poderemos inclusive viver sérias crises de identidade.

As Escrituras tratam da fé de diversas maneiras, quero enfatizar os principais


ensinos do Novo Testamento. Em Lucas 17, os discípulos pedem para que sua fé seja
acrescentada e Jesus mostra que fé não tem a ver com quantidade, mas presença. Com
Paulo aprendemos que a fé está externa a nós, ela “vem” pelo ouvir a palavra de Deus
(Rm 10.17), com o autor de Hebreus aprendemos que “o justo vive pela fé” (Hb 10.38).
A Bíblia ainda afirma que a fé é um dom de Deus (I Co 12.9, Ef 2.8, Rm 12.3) e faz parte
do fruto do Espírito (Gl 5.22). Então fé não é um salto no escuro, pelo contrário, é andar
na luz, na revelação de Deus e em alguns momentos até suportar o silêncio de Deus. A
fé nos lembra que não vivemos de pão, mas toda palavra que sai da boca de Deus, pois
Ele nos é suficiente. A oração de fé é dizer: seja feita a tua vontade. Como Agostinho
disse: “Ter fé é assinar uma folha em branco, e deixar que Deus escreva o que quer”, ou
como Martin Luther King Jr disse: fé é pisar no primeiro degrau, mesmo que você não
veja a escada inteira”, logo a fé em ação se chama obediência.

Então porque muitas vezes não obedecemos? Acho que tenho duas sugestões
para esta pergunta. Primeiro, não obedecermos porque não conhecemos a voz de Deus,
logo vivemos perdidos sobre o que devemos ou não fazer. Para os que pensam assim
quero lhes dizer que a Bíblia expressa claramente a vontade de Deus, não precisa de
nenhuma revelação especial para cumprirmos sua vontade, embora possa acontecer.
Sophia Müller diz em sua biografia que não teve um chamado missionário, ela
simplesmente leu o mandamento de Marcos 16.15 e obedeceu. Segundo, estamos
vivendo uma vida cristã medíocre, onde implantamos um reino pessoal na terra, ao
invés de colaborar com a expansão do Reino de Deus. A grande maioria dos cristãos
querem seguir a Jesus, sem renunciar o Eu. Colocam suas prioridades e planos como
primazia e isso não é postura de um discípulo. Devemos aprender a obedecer a Deus
radicalmente. Obediência radical é inflexível, incondicional, completa, imediata,
voluntária e com boa atitude, não está baseada em medo, mas no privilégio de servir
sabendo que Deus sabe nos fazer feliz. Às vezes podemos até pensar que Deus está nos
direcionando para algo que nos trará tristeza, mas pelo contrário, ele sabe como nos
fazer feliz. A obediência a Deus gera em nós propósito, proteção e provisão, quando
assim o fazemos temos a oportunidade de co-criar com Deus em seu Reino. Isso é prova
de amor. Abraão provou a Deus que o amava renunciando sua família, e Deus fez o
mesmo. Você até se assustar, mas a verdade é que nem sempre há lógica na fé, afinal
como Ele escolheu mim? Parece loucura, mas é sabedoria de Deus. E para melhorar Ele
ainda traz inúmeras promessas aos obedientes, ou seja, as promessas são condicionadas
a obediência.

Então é nosso papel escutar atentamente as orientações divinas, independente


que elas venham por meio da palavra ou orientações especiais, entendermos as
instruções, aceitarmos independente das impossibilidades ou riscos, escolhermos
obedecer fielmente e não do nosso jeito e dar o primeiro passo confiando que Ele não
falha. O principal erro que podemos cometer, é depois de ouvir as instruções acharmos
que estamos prontos para tudo e deixarmos de orar. James Fraser nos ensina que “orar
sem fé é como tentar cortar com uma faca cega, muito esforço e pouco resultado”.
Dependemos de Deus durante todo o processo, pois o Reino de Deus é expandido em
graça. Sobre isso John Stott diz: “A única função da fé é receber o que a graça oferece”.

Talvez você esteja pensando, bem a Bíblia contém muitos mandamentos o que
fazer primeiro? Eu aprendi, com Jim Stier, fundador da JOCUM no Brasil, que
prosperidade no Reino de Deus consiste em duas coisas: primeiro, ser transformado de
glória em glória até a imagem perfeita de Cristo (Pv 4.18), ou seja, um aspecto interior
de mudança e piedade. Segundo, viver as boas obras que de antemão Ele preparou para
que andássemos nela (Ef 2.10), ou seja, um aspecto exterior de serviço. Comece então
sendo radical no seu relacionamento com Deus: vida devocional, confissão de pecados,
comunhão com a igreja. Depois procure atender ao seu chamado vocacional (local e
global), ou seja, todo crente possui um chamado específico para edificar o corpo de
Cristo através de seus Dons e todo crente possui um chamado global para cooperar com
a missão de Deus de comunicar seu amor a humanidade caída. Missiologicamente
falando existe uma ênfase prática em cada evangelho para o cumprimento de missões:
Em Mateus: o discipulado de pessoas e nações, em Marcos: a comunicação do
Evangelho, em Lucas: O testemunho ainda que sob ameaça de morte, em João: o serviço
aos necessitados. Isso deve ser feito por todos os cristãos, a todas as pessoas de todas
as nações simultaneamente, levando a Bíblia prioritariamente aqueles que nunca
ouviram o evangelho.

Os dados revelam que apenas 1% dos cristãos estão envolvidos com discipulado,
que apenas 3% dos missionários vão para os povos não alcançados e que a maioria dos
crentes doam anualmente menos de 1 dólar a causa missionária por ano. Com todo
avanço tecnológico e educativo (filosofia, teologia, missiologia, treinamentos e
eventos), em 21 séculos não cumprimos a ordem de Jesus. Qual é a nossa desculpa?
Infelizmente há pessoas que estão há anos na igreja e alegam não saber evangelizar.
Será que nossos filhos conhecem o conteúdo do evangelho? Será que Deus está
satisfeito com nossos “investimentos” no Pseudoreino de Deus? Você acha mesmo que
sua fé é verdadeira se não estiver fundamenta em obras? O fato de muitos
negligenciarem missões é a denúncia de uma fé falsa, em um cristo ídolo que funciona
como amuleto para meus pedidos pessoais. Há, se você lembrasse hoje que Ele é o
Senhor. É baseado nisso que a Bíblia diz: “Quando porém vier o Filho do homem,
porventura achará fé na terra?”.

Felipe Lima
14/Fev/2018.

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