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A Doutrina Secreta da Kabbalah – Parte 15

A Ciência Sagrada Kabbalística da Linguagem

O Tetragrammaton e a Ciência Sagrada Hebraica

O Tetragrammaton e as Vogais

Consoantes e Vogais
A definição hebraica do filho como alguém merecedor de uma aliança divina, como
foi mostrado, relaciona-se com a capacidade de contar as 52 semanas shabáticas
do ano solar.
Mas essa equação formada pela palavra Ben = 52 indica uma associação adicional
entre a natureza dos números e letras contados, particularmente as consoantes do
alfabeto hebraico.
Afinal, a discriminação numérica envolve o mesmo nível de desenvolvimento
mental e social como aquela articulação de pensamento na fala tornada possível
pelas consoantes.
Palavras e números refletem igualmente o mesmo poder de discriminação mental,
de particularização, que marca o advento de uma verdadeira cultura humana, e
parece que ambos emergiram juntos e interconectados.
Os números são divididos em duas classes: os abstratos. como o "sefirot Belimah"
do Sefer Yetzirah e talvez as sefirot da Árvore. que correspondem às primeiras dez
letras simples e, assim, não podem ser traduzidas em palavras; e os números
subseqüentes que requerem combinações de letras para se representarem como
números que também são como palavras.
Os primeiros dez números devem assim ter adquirido um caráter místico por se
encontrarem além do poder descritivo da linguagem; e, como evidenciado pela sua
menção no Tetractys pitagórico e no Diagrama da Árvore da Vida, eles eram tidos
como veículos de significado e estrutura cósmicos.
Porém, a capacidade dos números subseqüentes de serem traduzidos em palavras
apropriadas mostrou-se também reveladora do mistério dentro daquele reino de
particularidade que poderia ser especificado por número e nome.
Assim, a união do número com as consoantes pode ser tomada para demonstrar
tanto a transcendência quanto a imanência divinas, e essas duas formas de
números tomaram o foco das principais formas de contemplação kabbalística,
aquelas envolvendo o estudo da Árvore e da manipulação de letras como na
Gematria.
Porém, há outro aspecto da linguagem que nos faz retroceder ainda mais no
desenvolvimento humano, para aquele estágio pré-cultural de sons inarticulados no
qual o homem é ainda animal e parte indivisível da natureza.
É a tais sons que o coração humano primeiro convergiu seu próprio entendimento,
e esses sons significativos ainda formam o que se chama a alma da linguagem,
suas vogais.
A linguagem combina a articulação fixa das consoantes e a continuidade
inarticulada das vogais, a primeira conduzindo ao entendimento da mente e a
segunda, do coração.
A discussão a seguir será dirigida a esses sons vocálicos e sua relação com o
Tetragrammaton que provará o fundamento para as explorações variadas das
vogais hebraicas em texto posterior.
Mas a seção final deste capítulo se mostrará ainda mais reveladora, sendo nada
menos do que uma nova tentativa de revelar a pronúncia original do
Tetragrammaton, que logo veremos ter relação essencial com os sons vocálicos
pelos quais sua pronúncia pode ser definitivamente determinada e uma nova
interpretação de seu significado, sugerida.
Nesse estudo, estaremos voltando às origens da experiência e do entendimento
humanos e descobriremos que elas já envolviam conhecimentos da natureza e do
propósito da existência trazidos até nós na preservação do significado das vogais,
predominantemente nas preces.
Algumas características das preces oferecerão a oportunidade de adentrarmos a
discussão do significado das vogais.

As Vogais e Pessoas, Gramatical e Divina


A prece pode ser dividida em três estágios: um introdutório ascendente: um platô
central que envolve basicamente o Sh'ma e a Amidah; e um estágio final
descendente.
Cada um é caracterizado por uma das três vogais primitivas, equivalentes aos sons
“i”, “a” e “u”.
Esses sons predominam nos estágios ordenados da prece porque aparecem no fim
dos pronomes pessoais com os quais aqueles podem ser associados:
“i” com a primeira pessoa do singular, ani;
“a” com a segunda pessoa singular masculina, atah; e
“u” com a primeira pessoa plural, anachnu.
Trazemos nossos egos no estágio introdutório da prece (marcado por passagens
como "Ma Tova", "Adon Alam" e "Ashray", que dão destaque ao som “i” da primeira
pessoa).
Chegamos ao platô de Devekut (comunhão) no qual Deus nos trata como "tu" no
Sh'ma e nos referimos a Ele do mesmo modo na Amidah (assim utilizando o som
“a” da segunda pessoa masculina). Depois, na descendente, em uma Nova Terra
transfigurada pelo senso de comunidade santa que atingimos, o anachnu da
primeira pessoa do plural (nós) terminando no som “u” (como apresentado nas
passagens "Avenu Malkanu", "Ain Kaylohaynu" e "Alaynu").

A primeira evidência ligada a um significado maior das vogais primárias é sua


associação com o conceito da pessoa gramatical.
Os sons expressivos das vogais primárias surgiram daquele estágio de
desenvolvimento emocional no qual a personalidade foi, pela primeira vez,
diferenciada, mas reconhecendo também ser capaz de alcançar novas formas de
relacionamentos individuais ou em grupo.
Elas expressam a personalidade em sua necessidade de comunicar-se com o outro
e, assim, criar a sociedade.
Além de poderem ser relacionadas com o conceito gramatical, as vogais primárias
também se ajustam com a geometria, como poderíamos suspeitar de nosso estudo
de ciência sagrada.
Uma afirmação de Owen Barfield mencionada anteriormente é pertinente aqui
também: "(...) as linguagens semíticas parecem nos fazer retroceder à velha
unidade do homem com a natureza por meio das formas de seus sons.
Sentimos essas formas não apenas como sons, mas também como gesticulações
dos órgãos da fala (...)".
Essas "gesticulações" podem ser relacionadas à distinção geométrica essencial da
cosmologia luriânica entre a atividade criativa do círculo e da linha, particularmente
no Tzimtzum, a divina contração que deu início ao processo criativo, assunto que
será tratado em texto posterior.
O som “i” é produzido pela menor abertura dos lábios e dentes na forma de uma
linha enquanto o som “u” envolve uma abertura circular mais completa dos lábios_
Entre esses dois extremos de aberturas linear e circular dos lábios e mediando a
transição de uma para a outra, está o som “a” produzido por uma abertura
completa e relaxada da boca.
William Chomsky representou o sistema vocálico hebraico graficamente por meio
de um triângulo (ver figura 2.1 abaixo), ao qual ele acrescentou um comentário
bastante instrutivo:
Esse triângulo vocálico está baseado em um principio bem estabelecido na fonética,
de acordo com o qual todas as "linguagens", sem exceção, devem ter as três vogais
nos vértices de um triângulo, nominalmente “a”, “u”, “i”.
Essas são as vogais primitivas ou originais.
As vogais nos lados do triângulo são secundárias e podem faltar em algumas
linguagens.
Em hebraico, as quatro vogais secundárias distribuídas pelos lados evoluíram das
três vogais primitivas (...) e representam suas meras sombras ou modificações.

Os sons vocálicos associados com as letras “i’, “a”, “u” são, de fato, primitivos, já
que exprimem as emoções mais rudimentares.
O som “i” relacionado ao primeiro expressa medo, produto de uma autoconsciência
que revela estar sob ameaça.
O som “a” expressa profunda satisfação.
O som “u” final pode ser considerado, por si só, manifestação de dor.
Podemos ver também como esses sons relacionados a sensações podem revelar a
pessoa gramatical: medo sendo um produto do senso de si; satisfação, o produto
de um envolvimento amoroso com outro; dor, uma experiência que leva ao senso
de compaixão.
O Eu, Tu e Nós previamente mencionados na prece.
Chomsky discutiu esses sons vocálicos em termos do sistema massorético de
pontos e traços que foi desenvolvido no século VII d.C., como meio de especificar
os sons vocálicos de uma linguagem cujo alfabeto consiste exclusivamente de
consoantes.
Mas uma visão ainda mais fascinante dessas vogais é apresentada quando nos
voltamos para as categorias intermediárias das letras vogais.
Como explicado em um dos melhores livros de gramática hebraica:

Muito antes da introdução dos sinais vocálicos, sentiu-se que seria necessário
  
indicar os sons das vogais na escrita, e assim, as três letras , e (Vav, Hei e
Yud) foram usadas para representar as vogais longas:
 representa “a”, então lê-se ma
 representa “i” e “e”, então  lê-se mi ou me
 representa “o” e “u”, então  lê-se mo ou mu
  
Pelo motivo destas três letras — , , — representarem tanto vogais como letras
consoantes são conhecidas em hebraico como Letras Vocálicas.

É surpreendente que nenhum gramático tenha notado que as letras vocálicas sejam
exatamente as do Tetragrammaton!
Apesar de as vogais há muito serem entendidas como as portadoras da alma ou da
dimensão espiritual da linguagem, isso nunca foi associado a qualquer conexão das
principais vogais ao Tetragrammaton.
Mas o mais surpreendente a respeito dessa correlação é que tanto os sons dessas
vogais como as letras do Tetragrammaton podem ser relacionados ao conceito de
pessoas, gramaticais no primeiro caso e divinas no segundo.
Antes de considerar que correlação pode ser feita entre esses dois conjuntos de
pessoas, devemos proceder a uma curta revisão desses sons vocálicos.

Dos sete sons representados no modelo triangular, todos, com exceção do “e” curto
(eh) e do “a” curto (awe), foram indicados originalmente pelas letras vocálicas.
Das cinco vogais longas remanescentes, o Iud simbolizou o som primário “i” e “ei”;
o Hei representou o som longo “a”; e o Vav representou o “u” primário e o “o”.

Curiosamente, essas formas também podem ser relacionadas às Partzufim dessas


letras do Tetragrammaton:
o Iud identificado, com o Arikh Anpin e com Abba, isto é, com Keter e Chokhmah; o
Hei, com Imma ou Binah; o Vav, com o Ze'ir Anpin, e na visão luriânica, com
o Ze'ir Anpin e com a Nukvah.
Como há cinco vogais longas representadas pelas letras do Tetragrammaton, assim
também essas letras significavam igual número de Partzufim.
Entretanto, nossa discussão pode ser simplificada concentrando-a sobre os três
sons primários e com os Partzufim tradicionalmente associados com elas, o pai
divino Abba e o som “i” de Iud; a mãe divina Imma e o som “a” de Hei; e o filho
andrógino divino Ze' ir Anpin com o som “u” de Vav.
Como já vimos, o som “i” indica a primeira pessoa do singular; o som “a”, a
segunda pessoa do singular masculina e o som “u” indica a primeira pessoa plural.
Mas o presente contexto nos alerta que o som “u” é também indicativo da terceira
pessoa do singular masculina, “hu” ("ele" hebraico).
Baseados nisso, podemos notar que há alguma identificação implícita do Iud como
Abba com a primeira pessoa; Hei como Imma com a segunda pessoa; Vav como o
andrógino Ze'ir Anpin com a terceira pessoa.
Essa é a ordenação dessas letras que identificam os Partzufim no Tetragrammaton
e também das pessoas gramaticais identificadas com os sons vocálicos que elas
significam.
Estamos, portanto, sendo levados a uma análise gramatical das personalidades
divinas nas quais Abba, como primeira pessoa, define-se falando palavra "Eu";
Imma, como segunda pessoa, define-se endereçando a palavra "Tu" a Abba;
e Ze'ir Anpin, como terceira pessoa, define-se falando a palavra "Ele" que revela a
distância da razão de seu pensar, presumivelmente Abba.
Porém, nosso entendimento dessas personalidades divinas será fortalecido se
olharmos, no contexto, as formas extraordinárias dessas três letras. lendo-as da
direita para a esquerda, conforme figura 2.2

Olhando a forma e a ordenação dessas letras, fica claro que, se Imma deve
responder às declarações de Abba, ela precisa voltar sua face para ele.
Essa necessidade foi motivo de muita mitologia na escola luriânica.
Como mostraremos em detalhes em texto posterior, Imma foi concebida com suas
costas voltadas para Abba, e o completo processo de Tikkun ou retificação cósmica
está envolvido essa elevação de suas águas femininas pelas preces dos justos, o
que fará com que ela encare Abba para, assim, engajarem-se apropriadamente no
ato do Yichud (unificação).
Agora, parece óbvio que esse aspecto da cosmologia de Luria deriva de uma
meditação a respeito da forma dessas letras, que, como veremos, não começou
com ele.
Continuando na observação, poderemos perceber que, quando ela se volta, deixa
antever uma abertura (a do Hei) do tamanho e na posição adequados para o Iud de
Abba.
Tal reconhecimento também aparece em uma importante passagem zohárica,
relacionando o conceito do Yichud com o Sh'ma:
Esse é o mistério da Unificação (Yichud).
O indivíduo que é merecedor do Mundo Vindouro deve unificar o nome do
Abençoado Sagrado Um
(...) Esse é o mistério de "Escuta ó Israel, Deus é nosso Senhor, Deus é Um",
(...) Iud é o mistério da Sagrada Aliança.
Hei é a câmara, o lugar no qual a Sagrada Aliança é escondida.
E apesar de termos afirmado [em algum lugar] que este é o Vav (no
Tetragrammaton, YHVH), aqui é o Iud.
O mistério é que os dois estão unidos como um."'

A identificação do Iud com a "Sagrada Aliança" é uma aparente alusão à circuncisão


é à glande exposta, que pode ser "escondida" no Hei quando face a face com o Iud,
posição que revela o Tikkun na Kabbalah luriânica.
Assim, no mínimo desde o tempo do Zohar, o Yichud dos Partzufim superiores era
visto graficamente descrito nas letras do Tetragrammaton.
Além disso, se imaginarmos o Iud assim posicionado na linha vertical do Hei,
podemos ver que surge a forma do Vav.
Como Abba e Imma tornam-se unificados na primeira pessoa do plural, "nós" ou
anachnu em hebraico, assim também produzem a terceira pessoa, o "ele" ou “hu”
em hebraico, esse som “u” completando o descenso do som do elevado “i” de "eu"
por meio do “a” intermediário de atah, "tu".
Mas ainda há mais a respeito da forma e do som vocálico do Vav em relação às
pessoas gramatical e divina, que podem ser associadas com essa letra vocálica.
O pronome da Nukvah, a filha divina, também é significativo em termos de som.
Essa é a palavra hebraica “hi”, que significa "ela", tendo o mesmo som vocálico da
primeira pessoa, o Iud de Abba. Se observarmos atentamente o Vav, podemos ver
que sua "cabeça" é exatamente um Iud.
Um aspecto da cosmologia sexual luriânica que identificava o Yesod de Ze'ir Anpin
com o corpo do pênis e o Malkhut da Nukvah com sua cabeça.
[Em Etz Chayint, de Chayim Vital, capítulo 5; 1:11, esse entendimento é expresso
assim:
"E saiba que, quando algumas vezes uma referência é feita a Malkhut de Abba(...)
o significado é o [da] glande de Yesod [e esse] é o mistério da circuncisão e do
recobrimento, o Yesod e a glande.
Essa glande chamamos de Malkhut de Abba". Tradução da autora.]
A descrição luriânica do Yesod dessas duas figuras tem uma semelhança mais
contundente com essas duas partes do Vav do que com a psicologia humana,
particularmente no caso da mulher, como pode ser visto na referência seguinte
extraída de um trabalho luriânico do século XVIII de Jacob Koppel, de título
Sha'arei Gan Eden: "O Yesod de Atik (...) está combinado de macho e fêmea em
uma maravilhosa unidade (...) e acontece que o Yesod da fêmea é curto e largo e o
Yesod do macho é estreito e longo".
Essa "maravilhosa unidade" de formas parece descrever o Vav e provém da
contemplação de Luria do Vav, a letra identificada com o Ze'ir Anpin, indicando sua
natureza andrógena.
Retornando agora à utilização usual do Vav como uma letra vocálica, o som “u” do
Vav é indicado por um ponto na seção mediana esquerda de seu corpo e o seu som
“o”, por um ponto exatamente acima de sua cabeça.
Parece indicar, portanto, que o som “u” está associado com o filho divino e o som
“o”, com a filha divina, o filho derivando sua forma inicial da mãe e a filha, do pai.
Mas nesse cruzamento de gênero de uma geração para outra há uma modulação
sutil dessas influências paternas e maternas.
O som “i” dos pronomes do pai e da filha, antes associado com medo, tem na parte
feminina do Vav uma transmutação para o som “o” indicativo de reverência, “oh”,
a maior emoção reverencial que, entretanto, é sugestiva de uma distância segura
daquilo que, de outra forma, inspiraria medo.
Como o som do pronome da filha também usa a vogal final da primeira pessoa do
singular, assim também no caso do filho é usada a vogal final da primeira pessoa
do plural.
Isso representa outra vez uma modulação da qualidade que caracteriza a mãe.
Se o seu "atah" (tu) envolvia uma completa negação de sua identidade, o ato de
transformar-se no recipiente que contém o outro, a associação do pronome do filho
com o da primeira pessoa do plural mostra uma identificação com o coletivo no qual
o pessoal não é perdido, o "eu" sendo contido no "nós".
Na criança andrógena, há uma polaridade entre a definição pessoal do aspecto
feminino e a definição coletiva do aspecto masculino, ambos atributos necessários
não apenas para todos os aspectos da criação, mas para o propósito daquele Yichud
de Abba e Imma que produziu essa criança cósmica.
Há ainda outra forma de observar a distinção entre o som “u” primário e o som “o”
secundário do Vav; pois esses também distinguem o sujeito na terceira pessoa
masculina singular (hu) do objeto (oto).
No diálogo interno entre os aspectos masculino e feminino do Vav, o som “u”
significa o subjetivo e o som “o” é o objetivo, sendo, por isso, Binah
tradicionalmente associada a concretização da energia criativa original na forma.
A associação do Hei feminino com o som do objeto é fortalecida pelo fato de que
"atah" (segunda pessoa do singular feminina) demonstra por si só uma ligação
entre o alef e o tav (primeira e última letras do alfabeto) com aquele princípio
feminino caracterizado pelo Hei.
Assim, podemos sugerir que é por meio da linguagem que a mente pode objetivar
sua experiência, transformando o medo inicial na reverência que pode compor
salmos de louvor.
Se distinguirmos a sexualidade do corpo ou da cabeça do Vav em termos de sua
forma ou do som do pronome associado, há boas razões para identificar o som “u”
do corpo com o masculino e o som “o” da cabeça com o feminino.
A diferença entre essas duas interpretações é que, no primeiro caso (da forma), há
um cruzamento de gêneros entre as gerações e, no último, uma transmissão direta
de distinção de gênero.
A combinação dessas duas interpretações oferece urna visão mais complexa dos
lados masculino e feminino da criança andrógena, mantendo ainda a polaridade
essencial entre um centro pessoal e a capacidade de relacionar-se com o que está
além dele, aptidão que marca todos os aspectos da criação e de seu propósito em
nível consciente.
Apesar de que as associações entre as vogais longas hebraicas, sons pronominais e
as letras vocálicas do Tetragrammaton podem ser surpreendentes, parece difícil
afastar a possibilidade de tudo não passar de mera coincidência.
Entretanto, houve de fato uma associação da geometria (formas) e dos sons da
linguagem não apenas na estruturação de palavras, mas em todo o complexo da
criação.
Afinal, agora podemos entender que a estrutura da linguagem com sua união de
som, forma e gramática contém a chave da natureza divina da realidade que a
tradição hebraica afirma ter sido produzida pela linguagem.
Vimos, em particular, que as letras do Tetragrammaton contêm a semente de toda
a cosmologia kabbalística, e que Luria, último de urna longa série de kabbalistas
especulativos, não inventou essas relações cósmicas, mas descobriu que estavam
implícitas ali.
Essas considerações são relevantes para o assunto das preces com o qual
começamos essa discussão.
Se a descida da energia criativa na forma material foi mediada por alguma forma
de "linguagem" cujas freqüências sonoras (números) continham o potencial das
formas, então a ascensão dessa energia para um mundo imaterial deve também
ser mediada pela linguagem, agora a da prece.
Na discussão prévia da ordem da prece, a maior preocupação foi com os três sons
vocálicos primitivos, “i”, “a”, “u”.
Porém, entre o som “i” da fase introdutória destinada à purificação do ego e o som
“a” do sh'ma e da amidah da fase do devekut, vem o som “o” do Kedushah
(Is 6:13).
Este, a maior expressão do louvor humano à glória de Deus, um medo que deve ser
retido mesmo durante a elevação do devekut.
Uma vez que tal reverência só pode resultar de um forte senso de si com o qual a
prece tem início, podemos dizer que, durante a fase ascendente, subimos com a
filha para as alturas do Kedushah, que é sua mais alta expressão.
Afinal, a ascensão só pode ser feita pelo elemento da criação que, tendo
desenvolvido um centro pessoal, quer agora atingir essa mais alta expansão do ser
resultante dessa reconexão com sua fonte envolvendo temor e amor por Deus, uma
sobrevivência pessoal dentro de uma unificação mais abrangente.
Tal deveku, com sua fonte, também consegue atingir urna comunhão entre as duas
metades de si, a necessidade tanto da individualização como de conexão tendo sido
atingida.
De um senso de completitude assim alcançado, do qual também faz parte a
divindade, pode-se agora proceder a uma descida daquele elemento do ser
identificado pelo filho, com seu senso de identidade coletiva sendo trazido do reino
divino para o reino humano com um senso de comunidade ecoando por meio do
som “u” da conclusão da prece.
Chegando à conclusão dessa investigação a respeito do uso das letras do
Tetragrammaton para indicar as vogais longas, há um assunto final que requer
nossa atenção.
Matéria da qual nos aproximamos mais hesitantemente do que de qualquer outra
neste estudo, pois envolve uma prática sempre proibida entre os judeus.
Trata-se da pronúncia correta do Tetragrammaton.
Desculpo-me por reabrir essa questão que, por muito tempo, tem sido considerada
como um assunto essencialmente fechado e que só vem a ser discutido aqui porque
o foco dessa investigação ofereceu novas evidências para a solução do maior
mistério da religião ocidental, que pode inclusive lançar novas luzes sobre a
natureza da divindade que recebeu tal nome.
Assim, é mais com o propósito do entendimento do que da prática que vamos
agora adentrar os sagrados recintos do Nome.

Continua

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