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A Cruz Hermética
Thiago Tamosauskas
Não há estudante de ocultismo que já não tenha visto ou admirado o famoso emblema da Rosa-Cruz
Hermética. Este poderoso lamen foi criado por volta de 1887 por Samuel L. Mathers a partir de versões
mais antigas encontradas na obra “Símbolos Secretos dos Rosacruzes dos Séculos XVI e XVII”. Em toda
sua complexidade forma uma poderosa síntese do poder masculino e do positivo, ou seja da manifestação
da Vontade no mundo.
A Rosa-Cruz em sua expressão mais simples é sempre símbolo do desabrochar espiritual dentro da
matéria, ou em outras palavras, da encarnação. Aqui a Rosa-Cruz está enriquecida com todo o
vocabulário mais avançado da Kabbalah Hermética. Seu desenho reflete a própria proposta Golden
Dawn em encontrar a síntese da Cabala, da Astrologia e da Alquimia. Desta forma a Rosa-Cruz
Hermética é uma completa representação gráfica da tradição esotérica ocidental.
Dentro da ordem, esta cruz deveria ser consagrada pelo seu dono pela Cerimônia de Consagração da
Rosa-Cruz e após isso nunca ser tocada por outra pessoa. Era usada como amuleto com um cordão
amarelo de seda junto com a faixa branca durante a reunião dos seus membros bem como em qualquer
trabalho mágico e em todas as operações importantes. Quando não era usada devia ser guardada dentro
de um pano branco de seda ou linho. Quando a Cruz é mencionada em algum ritual da Golden Dawn ela
é chamada de “Chave dos Sigilos e Rituais.”
As inscrições
A parte posterior da Cruz Hermética possui uma série de inscrições significativas que fazem parte do
emblema como um todo. São elas:
Magister Iesus Christus Deus et Homo, em português “Mestre Jesus Cristo, Deus e Homem” adornado
com quatro cruzes de malta representando os elementos. Essa frase é colocada no alto porque se refere a
descida de Kether a Tipheret.
Símbolos alquímicos do Enxofre, Mercúrio e Sal, na mão direita e esquerda da cruz, suas ordens distintas
são uma referência às operações alquímicas de Dissolução (Solve) e Coagulação (Coagula)
“Benedictus Dominus Deus Noster Qui Dedit Nobis Signum” que significa “Bendito seja o Senhor
nosso Deus que nos deu o Símbolo.” Fernando Pessoa a traduziu não literalmente como “Bendito seja
Deus Nosso Senhor, que nos deu o Verbo”
Por fim, temos inscrito o Lema do Zelador, Adeptus Minor. Essa frase fica na parte inferior porque se
refere a elevação da natureza humana a natureza divina.
A Cruz
A cruz menor dentro da cruz maior seguindo ambas a mesma proporção é uma forma simples de dizer
que: “O que está acima é como o que está abaixo.”. Ambas são compostas de um quadrado em cada
braço superior e dois quadrados no braço inferior de modo a possibilitar que fossem dobrados formando
um cubo, forma de simetria e estabilidade. A cruz está pintada de acordo com a escala positiva (ou
masculina) de cores também é chamada de Escala do Rei que facilita a identificação das
correspondências dos elementos de cada braço.
Na extremidade de cada um dos braços estão gomos contendo os símbolos dos três princípios alquímicos
do Enxofre Sal e Mercúrio em diferentes ordens, cada uma apropriada aos elementos correspondentes,
mostrando que da combinação destes três princípios derivam todas as outras substâncias.
A posição dos elementos alquímicos não predominantes também é significativa. Por exemplo, embora os
braços superiores e inferiores sejam dominados pelo Mercúrio, na parte de cima o enxofre vem do fogo,
dando-lhe propriedades elétricas enquanto que embaixo essa parte sulfúrica vem do lado da água, dando-
lhe propriedades magnéticas. O braço inferior é ainda quadripartido, revelando a natureza composta
deste elemento.
Sobre cada um dos braços coloridos estão desenhados pentagramas, símbolos do espírito regendo os
quatro elementos que são representados pelos desenhos menores ao redor. Em sentido horário a partir do
topo temos: Espírito, Ar, Fogo, Terra e Água. Os símbolos estão na mesma ordem usada dentro do Ritual
Supremo do Pentagrama ensinado pela Golden Dawn. Cada pentagrama tem sua própria cor também
relacionadas a cor complementar do braço em que se está.
O Espírito ou Mercúrio Maior é representado pela parte branca da cruz e se liga aos raios de Kether
emitidos no centro da cruz na mesma posição que Yesod tem na Árvore da Vida. Veremos isso mais para
frente neste texto.
A Rosa
As pétalas da rosa referem-se aos vinte e dois caminhos da Árvore da Vida e consequentemente às vinte
e duas letras do alfabeto hebraico. Esta parte do pentáculo é a mesma usada dentro do sistema hermético
da Golden Dawn para a criação de Sigilos.
A cruz central é Tiphareth, o receptáculo e o centro das forças de todas as Sephiroth e de todos os
caminhos. Sobre a cruz há uma Rosa Vermelha de Cinco Pétalas e a Cruz Dourada de Seis Quadrados;
quatro raios verdes emitem em torno dos ângulos da cruz. Todavia o centro extremo da rosa é branco, o
brilho espiritual refletido de Kether.
As vinte e duas pétalas da rosa são dispostas em três camadas. Cada uma delas possui uma letra do
alfabeto hebraico, e, portanto, com o mesmo simbolismo dos arcanos do tarô e dos caminhos da árvore
da vida.
A camada mais nuclear é composta pelas três letras mães. Note que a pétala de Aleph fica abaixo do
braço da cruz relativo ao ar, enquanto que Shin e Men se dividem entre os demais braços para que suas
forças não excedam às forças planetárias e zodiacais que veremos a seguir.
O segundo nível possui às sete letras duplas do alfabeto hebraico e está diretamente relacionadas a
heptada mística astrológica, e segue a ordem de Exaltação, uma vez que os planetas são errantes:
Tav Saturno
Daleth Vênus
Pei Marte
Kaph Júpiter
Resh Sol
Gimmel Lua
Beit Mercúrio
As doze últimas representam as constelações do zodíaco e seguem a ordem do zodíaco com Aries no
zênite e libra no nadir.
Qof Peixes
Tzaddik Aquário
Hei Áries
Vav Touro
Zain Gêmeos
Cheth Câncer
Teth Leão
Yod Virgem
Lamed Libra
Nun Escorpião
Samech Sagitário
Ayin Capricórnio
A rosa menor de cinco pétalas representa a existência física do ser humano (cinco sentidos, cinco
extremidades, etc.) de modo que mais uma vez o princípio hermético de “acima assim como abaixo” se
faz presente.
A Estrela
A parte branca do desenho é uma correspondência exata à Prata Alquímica, cuja ação resulta na
confecção da Pedra Filosofal. É o Espírito Santo agindo no trabalho da cruz e na oração da rosa. Na parte
logo abaixo da rosa, é colocado o hexagrama entrelaçado que representa a união dos opostos. Ao redor
do hexagrama estão os símbolos planetários da astrologia com o Sol no centro, estes símbolos seguem a
mesma ordem do Ritual Supremo do Hexagrama ensinado pela Golden Dawn.
O hexagrama por si só já é um símbolo interessante. O triângulo com a ponta para cima representa a
ascensão espiritual e a busca da humanidade pelo divino. O triângulo com a ponta para baixo representa
a busca de deus pelo home e a descida do Espírito para o mundo físico. Segundo a tradição o Rei
Salomão, filho do Rei Davi com a Rainha de Betsabá o utilizava como um símbolo de poder para invocar
e controlar tanto anjos como demônios. Por esse motivo este símbolo é chamado também de Sigillum
Salomanos, ou “Selo de Salomão” ou “Estrela de Davi”
Os raios brancos que saem de trás da rosa nos ângulos internos entre os braços da cruz são os raios da luz
divina que saem o cintilar da luz refletida de Kether no centro da cruz e as letras e símbolos nas mesmas
referem-se a fórmula – I.N.R.I.
INRI, que é a palavra-chave do Adeptus Minor com o qual se abre a Cripta da iniciação. Essa frase é
entendida pela igreja de Pedro como “Iesvs Nazarens Rex Ivdaeorym” no sentido de “Jesus de Nazaré
Rei dos Judeus”, mas para os hermetistas é lido também como “Igne Natura Renovatur Integra” que
significa “A Natureza se renova integralmente pelo fogo”.
Na tradição alquímica a fórmula também se lê “Igne Nitrium Roris Inventur”, que significa “Pelo fogo é
extraído o salitre do orvalho.” ou ainda os quatro elementos na transliteração hebraica:
- IAMAYIM (água)
- NOR (fogo)
- RUAKH (ar)
- IABASHAH (terra).
As letras dos oito raios menores representam no sentido horário a história da encarnação cíclica da Luz
por meio do mito de Osíris. Cada letra é relacionada a palavra latina LUX e a uma divindade egípcia:
IAO é ainda a fórmula grega para o tetragrammaton (iota, alpha, omega) e associado tanto a Hermes
como a Bacu. As palavras LVX, IAO e INRI são todas fórmulas de Tiphareth e são palavras de poder
usadas dentro de rituais da Magia Cerimonial da Golden Dawn. A leitura de Virgem, Escorpião, Virgem,
Sol é uma forma concisa de recontar o mito do nascimento de Osíris por Ísis, sua morte por Apophis e
ressurreição novamente por Isis. Em outras palavras, o iniciado deve ser alguém capaz de sofrer caso
queira divinizar-se.
A Lei do Mentalismo
Afirma que “O Todo é Mente; o Universo é Mental.” O que chamamos de realidade trata-se da
consciência de um Ser Superior. Isso está refletido no símbolo hermético pela preponderância do Ar,
representado pela parte amarela, pelos pentagramas e pela centralidade dos símbolos do Mercúrio
Alquímico. As letras dispostas no centro da cruz são uma amostra do pensamento divino, ou verbo
criador.
A Lei da Correspondência
Ecoa o ensinamento de Hermes de que “O que está em cima é como o que está embaixo. O que está
dentro é como o que está fora.” Isso pode ser visto na presença de uma cruz maior externa e uma
menor interna, assim como uma rosa maior exterior e uma rosa menor nuclear, entre outros elementos.
A Lei da Vibração
Ensina que “Nada está parado, tudo se move, tudo vibra”, e esta presente no emblema pelos raios da
estrela central que emanam do centro da cruz emitindo sua luz em todas as direções. Além disso, o
movimento se faz presente, por exemplo, na ordem das letras das pétalas que correspondem ao
movimento das estrelas no céu.
A Lei da Polaridade
Ensina que “Tudo é duplo, tudo tem dois pólos, tudo tem o seu oposto.” e é fácil de ver na simetria dos
vários elementos da Rosa-Cruz, em particular na diferença dos símbolos da direita e da esquerda.
A Lei do Ritmo
Ensina que “Tudo tem fluxo e refluxo, tudo tem suas marés, tudo sobe e desce, o ritmo é a
compensação”. Esta lei está claramente expressa no ciclo de criação e destruição cifrado nas letras
da estrela branca tal como demonstrado acima.
A Lei do Gênero
Diz que “O Gênero está em tudo: tudo tem seus princípios Masculino e Feminino, o gênero se manifesta
em todos os planos de criação” Assim, embora o lamen como um todo seja por definição um símbolo
masculino, ele só existe porque algo o recebe e o estimula, exatamente como um falo ereto só existe
assim frente a seu fim desejado. Curiosamente, essa natureza receptiva feminina é dominante nas
inscrições do lado de trás do símbolo como visto no início do artigo.
O glifo é nosso. E o que é a causa e efeito, para não dizer o karma, senão a reconciliação da divindade?
Sendo um símbolo de poder mágico, a Cruz Hermética é também um símbolo de responsabilidade
pessoal diante de nossos atos .