O poeta é um fingidor. Os Lusíadas, de Luís de Camões mini
Finge tão completamente trecho da parte inicial) Que chega a fingir que é dor As armas e os barões assinalados, A dor que deveras sente. Que da ocidental praia Lusitana, Por mares nunca de antes navegados, E os que lêem o que escreve, Passaram ainda além da Taprobana, Na dor lida sentem bem, Em perigos e guerras esforçados, Não as duas que ele teve, Mais do que prometia a força humana, Mas só a que eles não têm. E entre gente remota edificaram Novo Reino, que tanto sublimaram E assim nas calhas de roda Gira, a entreter a razão, Esse comboio de corda Que se chama coração. Crônica
Soneto: 14 versos (2 Quartetos, 2 Tercetos)
E no meio dessa confusão alguém partiu sem se Amor é fogo que arde sem se ver, despedir; foi triste. Se houvesse uma despedida talvez é ferida que dói, e não se sente; fosse mais triste, talvez tenha sido melhor assim, uma é um contentamento descontente, separação como às vezes acontece em um baile de é dor que desatina sem doer. carnaval — uma pessoa se perde da outra, procura-a por um instante e depois adere a qualquer cordão. É melhor É um não querer mais que bem querer; para os amantes pensar que a última vez que se é um andar solitário entre a gente; encontraram se amaram muito — depois apenas é nunca contentar-se de contente; aconteceu que não se encontraram mais. Eles não se despediram, a vida é que os despediu, cada um para seu é um cuidar que ganha em se perder. lado — sem glória nem humilhação. É querer estar preso por vontade; E que houve momentos perfeitos que passaram, mas é servir a quem vence, o vencedor; não se perderam, porque ficaram em nossa vida; que a é ter com quem nos mata, lealdade. lembrança deles nos faz sentir maior a nossa solidão; mas que essa solidão ficou menos infeliz: que importa Mas como causar pode seu favor que uma estrela já esteja morta se ela ainda brilha no nos corações humanos amizade, fundo de nossa noite e de nosso confuso sonho? se tão contrário a si é o mesmo Amor? Talvez não mereçamos imaginar que haverá outros (Luís Vaz de Camões, autor português, viveu no verões; se eles vierem, nós os receberemos obedientes século XVI) como as cigarras e as paineiras — com flores e cantos. O inverno — te lembras — nos maltratou; não havia flores, não havia mar, e fomos sacudidos de um lado para outro como dois bonecos na mão de um titeriteiro inábil. Ah, talvez valesse a pena dizer que houve um telefonema que não pôde haver; entretanto, é possível que não adiantasse nada. Para que explicações? Esqueçamos as pequenas coisas mortificantes; o silêncio torna tudo menos penoso; lembremos apenas as coisas douradas e digamos apenas a pequena palavra: adeus. A pequena palavra que se alonga como um canto de cigarra perdido numa tarde de domingo.