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Fichamento Azande
Fichamento Azande
Introdução
Como já foi dito, as duas categorias mais freqüentes de casos eram a bruxaria
e o adultério. A bruxaria era equivalente ao assassinato, pois todas as
mortes eram ipso facto atribuídas à ação maléfica de bruxos humanos. Após
qualquer morte, exceto a de uma criança pequena, os bruxos eram
preliminarmente
identificados por uma consulta privada aos oráculos de veneno, em
nome de um parente ou parentes sobreviventes. Se o oráculo do príncipe
confirmasse
os nomes apresentados, o veredicto estava irrefutavelmente lançado.
A indenização devida pelo bruxo era estabelecida por lei. Nos casos de adultério,
provas circunstanciais podiam ser acrescentadas, mas a única conclusiva
era o veredicto do oráculo de veneno. Assim, a melhor defesa de um acusado
consistia em requerer ele próprio uma consulta oracular que atestasse sua
inocência. P. 15
Os Azande acreditam que certas pessoas são bruxas e podem lhes fazer mal em
virtude de uma qualidade intrínseca. Um bruxo não pratica ritos, não profere
encantações e não possui drogas mágicas. Um ato de bruxaria é um ato psíquico.
Eles crêem ainda que os feiticeiros podem fazê-los adoecer por meio da
execução de ritos mágicos que envolvem drogas maléficas. Os Azande distinguem
claramente entre bruxos e feiticeiros. Contra ambos empregam adivinhos,
oráculos e drogas mágicas. O objeto deste livro são as relações entre
essas crenças e ritos. P. 33
Vimos que o
zande não acredita no poder terapêutico dos adivinhos simplesmente porque
teria uma propensão especial a crer em coisas sobrenaturais; pelo contrário)
ele sempre remete qualquer ceticismo ao teste da experiência. Se o tratamento
é realizado de uma certa maneira - por exemplo, quando o capim bingba é
usado como cataplasma -, ele ficará francamente desconfiado. Mas se o adivinho
senta-se num banco e requisita uma outra pessoa para cortar casca de
kpoyo e fazer um cataplasma, se enxágua a boca com água e espalma as mãos
para inspeção, todas as suspeitas serão afastadas. P. 127
Essa cerimônia traz a marca típica das cerimônias de iniciação. O neófito
fica em estado de interdição por dois ou três dias antes da realização do rito;
usa uma corda feita da entrecasca da árvore dakpa presa à cintura; abstém-se
de intercurso sexual e de vários alimentos. Passa então por uma encenação ritual
da morte, enterro e ressurreição (embora um zande não descrevesse a cerimônia
desta forma). P. 129
A divisão do trabalho social também tem seu lado psicológico, pois é evidente
que a mentalidade de um adivinho difere em alguns aspectos da de um
leigo. Em primeiro lugar, ele tem um interesse mais amplo em conhecimentos
gerai. P. 133
Os velhos dizem que aves totalmente adultas não devem ser usadas nas
consultas oraculares porque são demasiado suscetíveis ao veneno e costumam
morrer logo, antes que o veneno tenha tido tempo para considerar a
questão colocada ou de ouvir a exposição completa do problema. Por outro
lado, um frangote permanece por um bom tempo sob a influência do veneno
antes de se recuperar ou expirar, de modo que o oráculo tem tempo para ouvir
todos os detalhes relevantes e emitir um julgamento bem pensado. P. 144
Que explicação dão os Azande quando o oráculo se contradiz? Uma vez que
eles não compreendem as propriedades naturais do veneno, não podem explicar
cientificamente a contradição; como não atribuem uma personalidade
ao oráculo, não podem atribuir suas contradições à volição; e, já que não
trapaceiam,
não podem manipular o oráculo para evitar contradições. O oráculo
parece ser ordenado de modo a fornecer um número máximo de contradições
evidentes, pois, como vimos, em questões importantes um único teste é
inaceitável, e o oráculo deve matar uma ave e poupar outra para que o veredicto
seja válido. P. 166
Deve-se notar que os Azande conhecem muito poucas drogas que sejam
claramente
classificadas como de feitiçaria, ao passo que suas drogas boas são legião.
A razão disso poderia ser que a grande maioria das situações em que os
interesses humanos são ameaçados ou prejudicados está associada à bruxaria,
e não à feitiçaria; e é comum que uma suposta ocorrência de feitiçaria seja
igualmente atribuída à bruxaria - por exemplo, defeitos no oráculo de veneno
ou desavenças familiares. Na verdade o conceito de feitiçaria parece ser
redundante,
um fato que por si só pediria uma explicação histórica. Sabemos
que muitas das técnicas mágicas dos Azande foram adquiridas recentemente
de povos vizinhos. P. 201
mado para uma expedição de caça, aquele que não conseguiu uma troca comercial
favorável, o que teve sua esposa tomada de volta pelos afins - todos
eles acreditam que têm queixas legítimas. Os membros da expedição, o dono
dos bens desejados e os pais da jovem também estão convencidos da própria
retidão moral. Um homem que sofre de úlceras não vê nada demais em livrar-
se delas passando-as para outro; pois ele considera que foi maltratado
por esse outro. Um homem que contrai um cancro diz que sua esposa o traiu
com alguém; mas quando seu vizinho contrai um cancro, ele dirá que o vizinho
é um adúltero. Cada um adapta as noções de sua cultura para que lhe favoreçam
naquela situação particular. Essas noções não constrangem todos a
terem crenças idênticas em situações idênticas, mas permitem que cada um
explore o lado que lhe dá mais vantagens. P. 202/203
A magia pode bem ser uma alternativa aos meios empíricos de consecução
de um fim; mas não é um método assim tão satisfatório. Era melhor nos
velhos tempos, quando um bruxo tinha que pagar indenização ou morria pela
lança; mas hoje a única coisa possível é fazer magia para matá-lo. A magia,
porém, pode dar maior garantia de sucesso a uma empresa realizável sem ela.
Assim, por exemplo, as condições naturais e o conhecimento humano asseguram
uma boa coleta de térmitas; o uso de um procedimento mágico é
secundário em relação à técnica empírica. Ele não pode substituí-Ia, apenas
auxiliá-Ia. P. 208