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ÉTICA, MÍDIA E SOBERANIA

Como disse autor não muito citado nessa época de globalização, de livre
competição entre quantidades desiguais, de desmonte do patrimônio público e de
desmoralização dos estados nacionais, toda grande marcha começa com o
primeiro passo.

Importa definir ética, ainda que sem a sofisticação e a pomposidade dos


doutos, que até cometem a petulância de chamá-la deontologia. Ética é uma
ciência simples, clara e objetiva, apesar da complicação com que se tenta cercá-
la. Resume-se no ESTUDO DA UTILIZAÇÃO QUE CADA INDIVÍDUO FAZ DA
SUA LIBERDADE PARA ATINGIR UM DETERMINADO FIM, SE POSSÍVEL, O
BEM-COMUM. Conclui-se, de maneira preliminar, que sem liberdade não há ética,
e, portanto, que ninguém é obrigado a ser ético. Mil e um filósofos dedicam-se,
desde tempos imemoriais, ao estudo da ética. Uns estabelecendo que somos
éticos para nos sentirmos bem, outros para que o regime político funcione. Estes,
justificando a ética pelo egoísmo, achando que se não mordermos, não seremos
mordidos. Aqueles subordinando os princípios éticos às relações econômicas e
sociais.

Multiplicam-se as teorias, havendo quem encontre a ética do capitalismo e


até a ética da globalização. Pouco importa a corrente a que cada um de filie, pois
a ética preside as relações humanas, ou lhes falta, desde o homem das cavernas.

A ética é universal e permanente, na medida em que o que era ético para o


troglodita continua sendo ético para nós e certamente o será para o homem-
cibernético. Claro que a ética não é estática, porque situações novas no campos
da tecnologia e do pensamento humano estão sempre criando novos princípios
éticos. Num exemplo: até pouco inexistia a ética dos computadores, ou de seu
uso, porque não existiam computadores...

Por analogia, podemos concluir que a ética nos meios de comunicação


resume-se à utilização que os comunicadores fazem da liberdade de comunicar
para atingir determinado fim. No nosso caso, sustentamos que o fim último da
mídia é informar ampla e corretamente a sociedade, de tudo o que se passa nela.
De bom e de mau, de certo e de errado, de ódio ou de amor. Contestamos a
corrente que se refere à imprensa como formadora de opinião. Porque a imprensa
não forma, apenas informa, ou assim deveria ser, éticamente. Quem se forma é a
própria sociedade, informada.

Nos tempos atuais, ditos de globalização, mas, na realidade, de embuste e


exploração dos mais fracos pelos mais fortes, indivíduos e nações, tenta-se impor
o conceito de ser ético tudo o que conduz ao lucro. Será ético aquele que obteve
sucesso, novamente nações e indivíduos. No caso, sucesso a qualquer preço e a
qualquer custo, como se fosse ético, segundo Nietzche defendia, a ética da
violência e do racismo.

Globalizado, o mundo sempre foi, apesar da arrogância e da presunção


apresentada hoje pelos detentores do poder econômico, que logo empalmaram o
poder político. Quando o primeiro troglodita aprendeu a dominar o fogo,
globalizou-se o seu pequeno mundo, antes alcançado apenas pelos decibéis de
sua garganta e logo ampliado pelos sinais de fumaça. Quando os navegadores
ibéricos chegaram às Indias e ao Extremo Oriente, também julgaram o mundo
globalizado, pois levavam madeira da Espanha e traziam especiarias da
China. Quando descoberto o telégrafo, suprema maravilha da tecnologia, aí
sim, estava globalizando o mundo, que levava notícias de um canto a outro
em questão de segundos.

Hoje, estamos globalizados porque através de computadores e de satélites


consegue-se transferir uma aplicação ou uma especulação financeira de Hong-
Kong para as Ilhas Caymann. Quem garante que nossos netos não estarão rindo
de nós, daqui a 50 anos, quando então se julgarão definitivamente globalizados
por estarem trazendo água de Vênus e minério de Marte? Mas os netos de nossos
netos igualmente irão ridicularizá-los quando, aí então globalizados, trouxerem
cérebros descartáveis da Ursa Maior ou o elixir da longa vida de Andrômeda...

Apesar dessas evidências, a mídia embarcou no barco à deriva da atual


globalização. Houve até um recente energúmeno que pontificou, escrevendo
haver chegado o "Fim da História". Meio por ingenuidade, meio por velhacaria,
nossos veículos de comunicação vem fechando todos os espaços à contestação
dessas verdades absolutas. Torna-se mais fascinante, para uns, e mais lucrativo,
para outros, considerar o mundo, agora sim, globalizando. Com isso, voltamos
aos tempos obscuros da prevalência absoluta do mais forte sobre o mais fraco,
sufocando-se o contraditório.

Não é outra a explicação para essa quase unanimidade no noticiário dos jornais,
revistas, rádios e televisões, a respeito de ser impossível fugir da regra básica do
"cada um por si e Deus por ninguém".

Se aumenta em todos os continentes o número de excluídos, de


desempregados e de indigentes, paciência, dizem eles. Terá sido porque não
competiram como
deveriam...

Será possível aceitar que possam livre-competir um desses meninos


abandonados, desdentados, que moram na rua, nunca foram ao médico,
amanhecem desconhecendo se vão almoçar, com um desses pimpolhos bem
alimentados, que estudam, vão ao dentista, nunca sentiram frio nem sofreram
chuva, cercados pelo carinho dos pais? Trata-se da livre competição entre a
guilhotina e o pescoço, cujo resultado já sabemos qual será: mais um corpo
sem cabeça.
Não há outra explicação para as nações africanas estarem voltando aos
tempos da barbárie, mesmo com suas elites iludidas pelo canto de sereia das
nações do primeiro mundo. Breve estarão na mesma situação a América Latina, a
Asia inteira, depois a Europa, sendo comida pelas beiradas, feito mingau, e a
própria Nova Roma, que não resistirá à invasão dos bárbaros. Porque multidões
demandam em número crescente esse falso centro do mundo. Em breve, mesmo
sem lanças e espadas, pelo desespero estarão dominando nobres e patrícios, até
explodindo o Capitólio pela imposição irrefreável de seus reclamos.

Como explicar tenham voltado doenças e epidemias que se imaginava


extintas desde a década de sessenta, como a tuberculose, a dengue, o cólera, a
febre-amarela e a poliomielite, entre outras? De que maneira justificar que uns
poucos detenham o poder de decidir quem vai viver e quem vai morrer, hoje, pela
simples transferência de seu capital predador e especulativo, sempre de goela
maior e mais aberta, ainda que às custas não só do bem-estar, mas da
sobrevivência de outros?

A mídia, porém, lança-se em progressão geométrica a esse raciocínio,


exercendo hoje uma distorcida tarefa de informar a sociedade. Claro que tal
prática não irá durar, será vencida pela natureza das coisas. Até já está sendo,
porque os protestos, os reclamos e a indignação das maiorias rapidamente
transformam a indignação em revolta.

Nas ruas, ouve-se o crescente clamor da voz rouca das multidões gritando
"basta!". Breve estarão gritando "fora!" para as elites globalizantes e
seus marionetes.

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