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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA - UFRB

CURSO DE ARTES VISUAIS – 2º SEMESTRE – ESTÉTICA


DOCENTE: SERGIO FERNANDES
DISCENTE: ZIMALDO BAPTISTA DE MELO – 2010.0408
DATA: 05/12/2010

RESENHA DO LIVRO “O QUE É ARTE” DE JORGE COLI

Neste livro o autor tenta buscar uma solução para o problema da dificuldade da definição do que é
Arte. A infinidade de trabalhos a respeito deste tema, por serem divergentes, agravam ainda mais o
problema. Mesmo assim, qualquer pessoa com algum contato com a cultura, consegue exemplificar
alguma obra de Arte. Isto ocorre por que “nossa cultura possui uma noção que denomina solidamente
algumas de suas atividades e as privilegia”, e isto ajuda-nos a identificar e nos comportar diante à obra
de Arte.
Apesar disso, nem todas as obras de Arte não se encaixam classe privilegiada de Arte, e a
dificuldade ressurge diante de obras como “A fonte”, de Marcel Duchamp e em outros meios
artísticos que se confundem no nosso cotidiano. Isto mostra que mesmo que a Arte seja uma noção
sólida e privilegiada, os seus limites são imprecisos.
Portanto, se não se pode chegar a uma definição o que é Arte, pelo menos em uma parte de
sua natureza, a partir da própria Arte, então seja possível fora dela. Portanto, além do recurso
fundamental do discurso sobre o objeto artístico, proferido pelos especialistas, nossa cultura
também prevê locais específicos para a manifestação da Arte, que garantem o rotulo e “arte” aos
produtos que expõem. Ou ainda contamos com instituições, que tombam o patrimônio artístico.
Desta forma, nossa cultura dispõe de instrumentos que, apesar de não solucionar definitivamente o
problema, concedem estatuto a obra de Arte, livrando-nos de uma definição abstrata do conceito.
Interessante notar que, no contexto da nossa contemporaneidade, onde o constante
desenvolvimento de meios, técnicas e tecnologias, acentuando às digitais, que permitem a
produção sem a interferência da mão e a apreciação da Arte sem a necessidade do deslocamento,
agravam ainda mais a dificuldade de definição de Arte.
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1. A INSTAURAÇÃO DA ARTE E OS MODOS DO DISCURSO


A HIERARQUIA DOS OBJETOS
A partir do discurso, do local, das atitudes de admiração, dentre outros, a Arte instala-se no mundo.
Estes instrumentos, mais que permitirem a manifestação do objeto artístico, dão ao objeto estatuto de
Arte, além de selecionar que tipo de objeto é considerado “arte”. Ainda mais, eles criam uma
hierarquia, que classifica os melhores dentre os autores de uma forma de expressão artística. A partir
de certos critérios, explícitos ou não, tomando duas obras consideradas artísticas, o crítico pode
afirmar que uma obra se sobrepõe a outra.
Nesta hierarquia, criada a partir da classificação feita pela crítica, a posição máxima de uma
obra de Arte pertence a uma categoria que nossa cultura designa como “obra prima”. Uma noção
antiga mas que evolui com o tempo. O que entendemos hoje como as mais importantes obras de um
autor, no passado era a coroação do aprendizado de um ofício, que dava prova da competência de
um autor. Não era a obra necessariamente criativa, e geralmente tratava-se de um produto utilitário,
produto de um trabalho de artesão. Estes ofícios eram, a partir do século XIV, executados em
ateliês, que constituíam um sistema não apenas de produção e distribuição de objetos, mas também
de ensino. Neste Ateliê, os aprendizes estudavam com um mestre, que era, geralmente, proprietário
da matéria-prima e dos instrumentos de fabricação. Estes aprendizes se aperfeiçoavam desde
crianças nas técnicas do ofício.
Os ateliês se organizavam em corporações que defendiam os interesses dos artesões e criavam
regras rigorosas que, por exemplo, o proprietário de um ateliê fosse obrigatoriamente um mestre. E
que, um aprendiz para se tornar mestre deveria apresentar em concurso, diante outros mestres da
corporação, uma obra de sua autoria, que pudesse ser tida como perfeita, demostrando o domínio
total das técnicas do ofício, a sua obra-prima. Dentre a muitas diferenças entre a concepção original
de obra-prima e a que temos, pode-se ressaltar uma: no passado, a obra-prima era julgada a partir de
critérios precisos de fabricação, por artesãos que tinham total domínio das técnicas. Hoje, o
julgamento é proferido por profissionais do discurso, que utilizam o mais diversos critérios e
julgamentos menos precisos, não apenas o do saber fazer.
Esta mudança da noção de “obra prima” marca ainda a mudança do estatuto social do
artista, que deixa de fazer uma “arte de artesão” e passa a fazer uma “arte de artista”, o que, por
consequência, exige ainda um novo público e uma nova função para a Arte. Em vez do mecenas, o
artista passa a vender sua obra para um público anônimo e a função da Arte deixa de ser a de culto
e passa a ser a de exposição.

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OS CAMINHOS DO DISCURSO
A forma de julgamento operada por um artesão, parte de um saber objetivo, que se prende aos
materiais e as técnicas empregadas, se baseado em um fazer que ele conhece, para criar critérios para
julgar o fazer de outrem. Para o crítico não existe o recurso da objetividade do puro domínio técnico e
mesmo que determinadas falhas de execução sejam percebidas, elas são irrelevantes ao juízo crítico.
Estas técnicas, que são aprendidas por determinadas regras e julgadas objetivamente, não são
exigência absoluta, pois são apenas um meio, entre outros, para a construção da obra de Arte.
Ao contrário do julgamento puramente técnico, os discursos que determinam o valor da Arte e
o valor artístico de uma obra são de natureza mais complexa e arbitrária. Os diversos fatores que
influenciam o discurso fazem com que este tome diversos caminhos. Essa divergência de critérios
dos vários discursos causam uma confusão na nossa compreensão da hierarquia criada. E, mesmo
quando há um consenso geral, obras mais polêmicas e a evolução histórica deste consenso nos
levam de novo ao embaraço.
Vários artistas, e até determinados estilos, de uma época em que havia um conflito entre os
critérios estabelecidos e a obra que eles produziam, tem o seu valor reconhecido tardiamente, e,
mesmo que nossa sensibilidade tenha evoluído em relação ao público do passado, ela não garante a
consagração definitiva da obra de Arte no decorrer da evolução histórica do consenso. Isto leva a
oscilações no interesse por determinados autores, que em determinados períodos são valorizados e
em seguida caem em esquecimento, podendo voltar ou não a ter seu valor reconhecido.
Todas estas flutuações no tempo dos vários juízo sobre as artes, as diversas transformações
causadas pelos julgamentos da posteridade, fazem com que a autoridade institucional do discurso
competente seja forte, mas inconstante e contraditória, e não nos permita ter segurança no interior
do universo das artes.
No contexto nacional, é interessante notar um certo delay em relação a regiões hegemônicas,
como Europa e Estados Unidos, desde os tempos da instauração do modernismo no Brasil, a partir
da década de 20, quando a percepção estética da elite brasileira correspondia a 30 anos passados
nestes outros mercados. Este atraso na assimilação de novos padrões estéticos só foi superada,
talvez, com a popularização da rede internacional de informações.

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2. A BUSCA O RIGOR
A IDEIA DE ESTILO
Diante de toda a insegurança gerada pelos discursos contraditórios que criam a hierarquia de valores na
Arte, torna-se necessário, para garantir que a partir de uma análise objetiva os discursos atinjam
conclusões, algumas bases sobre as quais se possa apoiar. Frequentemente, o primeiro e mais frequente
instrumento para o estabelecimento de um rigor é o das categorias de classificação estilísticas.
A ideia de estilo, que está ligada a ideia de recorrência, de constantes formais, se estabelece
sobre um princípio de inter-relações destas constantes no interior da obra de Arte. Elas podem ser
percebidas tanto em uma única obra quanto em uma série e podem ser percebidas em todas as formas
de Arte. As vezes o artista matem um mesmo estilo imutável em toda a sua produção e outra vezes,
embora tenham algo em comum, o artista pode desenvolver a decorrer de sua produção tendências
estilísticas diferentes que constituem as “fases” distintas do artista.
Estas constantes transcendem as obras e permitem a quem conhece o suficiente o estilo de um
autor a fácil identificação de sua obra. Por outro lado, permitem ainda a revelação de um autor
desconhecido, pela revelação de um estilo comum a um determinado grupo de obras ou de um ciclo.
Além disto, as diversas épocas constituem um pano de fundo estilístico comum às obras de autores da
mesma época, mas de diferentes estilos, pois há neles alguns elementos comuns que, embora difusos,
são próprios à sua época.
Algumas destas constantes podem ser difíceis de caracterizar ou fáceis de copiar, como o caso
de Jackson Pollok, com seu estilo que beira a aleatoriedade, e de quem encontram-se trabalhos
difíceis de autenticar, mesmo carregando o registro da digital do artista.

OS ESTILOS
Apesar desta classificação estilística facilitar a nossa relação com a Arte, ela não satisfaz a necessidade
de bases para a nossa compreensão. Pois as obras são complexas e é de sua natureza escapar às
classificações que, por sua vez, também possuem a sua complexidade e nunca se reduzem a uma
definição formal e lógica. Portanto, a relação entre as obras e conceitos só poderia ser complexa.
As definições formais extravasam não comportam totalmente as denominações estilísticas,
que não não lógicas e sim históricas, que evoluem e mudam segundo as épocas que às empregam.
As vezes o artista se autodenomina, outras, esta denominação é atribuída por outrem e, ainda, a
denominação pode ser criada a posteriori para localizar na história certo grupo de artistas. Mais, a
relação entre os denominadores e as obras nunca se dá da mesma maneira, e podem traduzir uma

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visão global de mundo, a todo um conjunto de elementos que ultrapassa o lado puramente formal,
especificidade do fazer artístico.
Essa especificidade pode ser reduzida a um mínimo. Para André Breton, expoente do
surrealismo, certas técnicas, certos procedimentos, podiam permitir a manifestação da profundidade
inconsciente do artista. Porém, ele reconhecia que essas técnicas, embora propícias, não eram
suficientes para a realização de uma obra surrealista e nem os únicos meios para a liberação
inconsciente.
Para que se tenha um maior grau de precisão na classificação estilística de autores de uma
mesma geração é necessário que seja identificado um conjunto de práticas artísticas que possam ser
usadas como elementos definidores. As classificações não são instrumentos científicos, não são
exatas, não partem de definições, e que agrupam obras ou artistas por razões muito diferentes, entre
as quais se pode achar a ideia de estilo, mas parcialmente e sem imposição. Seu uso deve ser
empregado com cautela.
Um dos perigos desta classificação é a sua utilização como universal. E quando sua utilização
se estende para além de seus limites, quando há uma tentativa de a todo preço classificar o artista, a
nossa percepção de sua obra se empobrece lentamente. Ao estudarmos o objeto artístico em si
mesmo para que se perceba a falta de valor das classificações, pois suas características fogem das
classificações. Mais diante de produtos tão variados de Arte, não resistimos a tentação fácil de
classificar. As classificações passam a ser mais importantes que a obra.

CRÍTICA, HISTÓRIA DA ARTE, CATEGORIAS E SISTEMAS


Este princípio das classificações estilísticas deu, em particular à história da arte, a esperança de um
instrumento objetivo e eficaz. Sendo necessário distinguir a função do crítico da do historiador,
mesmo que na maior parte das vezes, elas se juntam.
O Crítico é como um juiz que valoriza ou desvaloriza a obra, o conhecimento da história da
arte serve-lhe para a sentença do seu juízo, mas isso não é imprescindível e não se confunde com a
construção da história dos objetos artísticos no tempo. Já o historiador da arte evita emitir juízos de
valor, mas não consegue evitar inteiramente os critérios seletivos, pois o conjunto de objetos que
estuda supõe uma escolha. Por buscar uma compreensão dos fenômenos artísticos, a sua seleção
nunca é o fim procurado. Mas ao trabalhar a partir de um corpus necessariamente selecionado, a
intenção é articulá-lo num conjunto coerente e o compreender.
A compreensão, a suspensão do julgamento denotam o desejo de rigor, próximo da ciência. O
primeiro a tentar construir uma metodologia rigorosa no interior da história da arte é Heinrich

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Wölfflin (1864-1945), na virada do século. Buscando um método que focalize a obra de arte
exclusivamente na sua especificidade, ele propõe as bases de uma análise formal precisa,
fundamento de uma história autônoma das artes.
Em seu texto Renascença e Barroco, de 1888, aparecem duas novidades essenciais. A primeira
é a revalorização do barroco, que passou a ser considerado, pejorativamente, como uma evolução
aberrante e decadente da arte da Renascença, um derivado estéril que tentava compensar pela
extravagância a ausência de criatividade. Wöfflin vê o barroco como uma produção artística nova e
total, com seus próprios critérios, formas e intenções. A segunda novidade é que, para ele, o que
determina a autonomia do barroco e sua oposição ao classicismo da Renascença, é uma análise
minuciosa das constantes formais. É a primeira classificação exclusivamente estilística aplicada a
dois períodos distintos da história.
Posteriormente, em os Princípios Fundamentais da História da Arte (1915) Wöfflin amadurece
suas reflexões e estabelece cinco categorias duplas, em oposição, que permitiriam caracterizar o
classicismo e o barroco. São as seguintes: 1º) o classicismo é linear, o barroco, pictural; 2º) o
classicismo utiliza planos, o barroco, a profundidade; 3º) o classicismo possui uma forma fechada,
o barroco, aberta; 4º) o classicismo é plural, o barroco, unitário; 5º) o classicismo possui uma luz
absoluta, o barroco, relativa.
Desta forma, por uma analise puramente formal e sem considerar os temas, Wöfflin organiza
dois grupos estilísticos opostos. Mas como historiador ele sabe que a obra tenta escapar dos
esquemas e simplificações. Por isto, ele utiliza com cautela as categorias. Primeiro, elas não
precedem a obra mas são comprovadas por um conjunto sólido de evidências, depois, por não
perder de vista a história, pois sabe que suas categorias aplicam-se exclusivamente a dois períodos
precisos, e por ultimo, por elas não serem nem absolutamente necessárias, nem absolutamente
suficientes, sendo possível encontrar característica de um período em obras do outro, e até em obras
de outros períodos, sendo que não se perde a distinção exata de cada período.
Wölfflin procura um discurso cuidadoso, e parte sempre de um exame do concreto. Sua
tentativa de rigor é eficaz, porque baseada num instrumento "pobre", que não pretende dar conta da
multiplicidade da produção artística examinada mas que serve de ponto de apoio. Apesar das
preocupações deste historiador, com freqüência encontramos um formalismo categórico que se
pretende absoluta chave explicadora.

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D'ORS E A CATEGORIA DO BARROCO UNIVERSAL


CLASSICISMO E CLASSICISMO FRANCÊS
Se para Wölfflin, as obras carregam as constantes que permitem a classificação em campos opostos, outras
abordagens fabricam o molde de antemão, passado a uma abstração que se impõe do exterior da obra.
Eugênio d'Ors, que é, de certa forma, herdeiro de Wölfflin, em seu texto O Barroco (1928), propõem a
aproximação do conceito independentemente da história, buscando um caráter cientifico, classificador e
universal, como na zoologia e na botânica. Para ele o barroco seria um "gênero" que agruparia fenômenos
culturais temporalmente distantes, mas possuindo constantes determinadoras comuns.
Mas, assim como nas classificações da botânica e da zoologia, se esses fenômenos possuem
constantes, eles possuem também especificidades que definirão as "espécies" do barroco. E d'Ors
determina um quadro classificatório que começa na pré-história (o barocchus pristinus) e prossegue,
passando pelo barocchus buddhicus, pelo barocchus gothicus, pelo barocchus romanticus, entre
outros. São vinte e duas categorias ao todo.
Mas, não é difícil, ao confrontar autores diversos, perceber a fragilidade do conceito, que ele
não leva a um esclarecimento pleno. Se Wölfflin, como historiador das formas, concebe duas
categorias sucessivas na história, d'Ors toma uma delas e universaliza-a, sacrificando o rigor. Por
outro lado, o classicismo também é universalizado, e esteve ligado a uma ideia de modelo, tendo
como referência a antiguidade clássica. Depois passa a significar equilíbrio, rigor, tranqüilidade,
racionalidade.

FOCILLON E O EVOLUCIONISMO AUTÔNOMO DAS FORMAS


Para alguns, essas universalizações são insatisfatórias. Focillon, um esteta e historiador da arte dos
mais importantes do século XX, elaborar um sistema dinâmico da evolução das artes. Para ele, o
classicismo é a fase, que é fugida, onde as formas encontram um equilíbrio perfeito, que não tem o
mesmo sentido que em Wölfflin corresponde a Renascença, é um conceito aplicável a todas a todas
as épocas artísticas.
Este classicismo não surge do acaso. É resultado de uma evolução, onde a fase primitiva é a da
elaboração, quando a partir das formas, das matérias utilizadas, das técnicas, as melhores soluções são
desenvolvidas. Esta fase primitiva que prepara o caminho para o classicismo. Depois desta fase do
máximo desenvolvimento de um período, o artista não tem mais o que buscar, então passa a exagerar,
complicar. É a fase Barroca.
Para Focillon, todas as fases passam, pelo menos virtualmente, pelas três fases de evolução.
Ele pensa em uma complexa universalidade do processo evolutivo a partir de subevoluções, onde

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essa universalidade é a base de seu pensamento, que tem como uma das suas principais
características a tentativa de instaurar uma história das formas independente da história. As formas
possuem suas leis próprias de transformação no tempo, que só podem ser encontradas na busca da
própria forma. O tempo da história da arte é assim autônomo, e possui leis específicas.
Mas essa classificação por categorias por constantes formais, não consegue cobrir a
complexidade dos objetos. A redução a esquemas formais, estáticos e precisos como em Wölfflin,
universais como em d'Ors, dinâmicos como em Focillon, deixa a descoberto, como Panofsky
testemunha, um setor importante do objeto artístico: o seu aspecto semântico. Mais grave ainda,
elas excluem a problemática da relação arte-cultura, a compreensão do objeto artístico passando
pela compreensão da cultura que o produziu.
Entretanto, se quisermos utilizar esses termos com fecundidade, devemos limitá-los, precisá-
los, examinando cada caso do emprego, tornando-os mais modestos, lembrando que as
classificações são, antes de mais nada, denominações cômodas e não definições científicas.
Em Wölfflin, como vimos, as obras secretam as constantes que permitem a ele situá-las em
campos opostos. Mas, em muitas outras abordagens, o molde é fabricado de antemão, o metro é
uma abstração, e se impõe exteriormente às obras.
Eugênio d'Ors, brilhante pensador catalão, foi, podemos dizer, um herdeiro perverso de
Wölfflin. Em 1928 escreve O Barroco, texto célebre, no qual sua erudição imensa e sua inteligência
propõem a aproximação do conceito independentemente da história, querendo-o de uma natureza
científica, classificatória e universal, como Lineu havia feito com a zoologia e a botânica: o barroco
seria um "gênero" que agruparia fenômenos culturais temporalmente distantes, mas possuindo
constantes determinadoras comuns. Do mesmo modo que Felix recobre um gênero zoológico,
barroco recobre um gênero cultural e artístico.
Mas se esses fenômenos possuem constantes, eles possuem também especificidades que -
sempre como nas classificações zoológicas e botânicas: felix leo, o leão; felix catus, o gato; felix
tigris, o tigre — definirão as "espécies" do barroco. E d'Ors determina um quadro classificatório que
começa na pré-história (o barocchus pristinus) e prossegue, passando pelo barocchus buddhicus,
pelo barocchus gothicus, pelo barocchus romanticus, entre outros. São vinte e duas categorias ao
todo, que chegam mesmo a um barocchus finisecularis, correspondendo às expressões artísticas do
fim do século passado (d'Ors enumera Wagner, Rodin, Rimbaud, Beardsley, Bergson, W.James,
Lautréamont, Huysmans, o art nouveau, ea um barocchus postabellicus (do pós-guerra, referindo-se
à de 1914-18), contemporâneo de seu livro, que não se vê associado a exemplo nenhum, mas a
respeito do qual seríamos tentados de evocar Proust, o art déco e . . . o próprio Eugênio d'Ors.

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O livro de d'Ors, pelo seu brilho, pela facilidade com que manipula os mais diversos objetos
artísticos, aproximando-os entre si ou os iluminando de maneira inesperada, é de extrema
fecundidade. Sua leitura permite entrar em contacto com um grande espírito, que é ao mesmo tempo
um grande escritor. Mas é suficiente pensarmos na atitude que consiste em colocar no mesmo saco
Lascaux, a janela de Tomar, os afrescos cretenses, Bergson, El Greco e Proust para percebermos
que, se tais aproximações podem engendrar ideias apaixonantes, elas só podem ser obra do sujeito
que encontra as afinidades, e sua pretensão ao instrumento objetivo é um engano.
Wölfflin, historiador das formas, concebe duas categorias historicamente situadas em
sucessão; d'Ors toma uma delas e universaliza-a brilhantemente, sacrificando o rigor. A outra
categoria, o classicismo, embora sem um teórico da mesma envergadura que d'Ors, será também
universalizada. Até pelo menos o século XVIII ela estava ligada a uma idéia de modelo, os clássicos
por excelência sendo os antigos, isto é, os Gregos e os Romanos — justamente a chamada
antiguidade clássica. Dessa ideia de modelo-mestre, ela passa a significar equilíbrio, rigor,
tranqüilidade, racionalidade. Pouco a pouco, durante os séculos XIX e XX, esse sentido afirma-se
cada vez mais e tem repercussões profundas.
A França, por exemplo, constrói uma imagem "clássica" de si mesma, de seu gênio o mais
legítimo, presente em todos os momentos da história do espírito francês. Essa visão é sobretudo
cimentada no começo da Terceira República (a partir de 1870), momento em que a ideologia do
poder é leiga, positiva, clara, científica: Descartes fica sendo então um filósofo "clássico", Le Brun,
Girardon, Mansart, Racine, artistas "clássicos". Foi preciso esperar Tapiès com seu admirável livro
Classicismo e Barroco, confirmado no recente e genial ensaio de Philippe Beaussant intitulado
Versalhes, Opera, para se descobrir que o classicismo francês do século XVII é apenas uma
manifestação local e específica de um movimento internacional de arte e civilização que nos
habituamos a chamar barroco . . .

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