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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação

XXXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Rio de Janeiro - RJ – 4 a 7/9/2015

Discurso das mídias e redução da maioridade penal1

Aimée ALBUQUERQUE2
Marcilia Luzia Gomes da Costa MENDES3
Geilson Fernandes de OLIVEIRA4
Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Santa Rita, PB
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), Mossoró, RN

Resumo

Assunto amplamente debatido na atualidade seja entre especialistas, nos discursos das
mídias ou senso comum, a redução da maioridade penal trava polêmicas fervorosas na
população brasileira. Tomando como base esta temática, nos propomos neste trabalho a
discutir e analisar como a mídia, em específico, tem contribuído para a promoção e reforço
dos discursos a favor da redução da maioridade penal, a partir dos sentidos produzidos
através de seus conteúdos, principalmente os noticiosos. Para tanto, as reflexões aqui
apresentadas fundamentam-se em discussões do campo do direito, da análise do discurso –
nossa perspectiva teórica e metodológica e dos estudos da comunicação.

Palavras-chave: Discurso; Mídia; Redução da maioridade penal.

1 INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, a família tem passado por inúmeras transformações, sendo
assim passível de vários tipos de arranjos da atualidade. Todavia, o grupo familiar tem um
papel fundamental na constituição dos sujeitos, tendo importância na determinação e
organização da personalidade, além de influenciar significativamente no comportamento
individual através das ações e medidas educativas tomadas no âmbito familiar
(DRUMMOND & DRUMMOND FILHO, 1998). Frente a este contexto, o adolescente em
situação de violência, objeto dos principais discursos e debates que circulam no seio social
em se tratando da questão da redução na maioridade penal muitas vezes é uma pessoa

1
Trabalho apresentado na Divisão Temática Interfaces Comunicacionais da Intercom Júnior – XI Jornada de Iniciação
Científica em Comunicação, evento componente do XXXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação.
2
Estudante de Graduação, 8º semestre do Curso de Direito da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Email:
albuquerque.aimee@hotmail.com
3
Orientador do trabalho. Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
Docente do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e Humanas (PPGCISH) e do Departamento de Comunicação
Social (DECOM), da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Líder do Grupo de Pesquisa Informação,
Cultura e Práticas Sociais. Email: marciliamendes@uol.com.br.
4
Mestre em Ciências Sociais e Humanas pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e Humanas (PPGCISH),
da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Membro do Grupo de Pesquisa Informação, Cultura e
Práticas Sociais, atuando na linha de pesquisa Mídia, Discurso e Tecnologia. Email: geilson_fernandes@hotmail.com.

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desamparada. Ele precisa confrontar-se com adultos que não fraquejem, que resistam à sua
(auto) destruição e que sirvam de exemplo positivo para ele.
Patterson e colaboradores (1992) indicam que a maneira como os pais educam, com
maior afeto, acompanhamento, exemplos morais, ausência de abusos físicos, psicológicos
ou sexuais determina o desenvolvimento ajustável e saudável da criança e do adolescente.
A criminalidade é um problema social grave que assusta a população brasileira. Esse
universo alarga a sua dimensão quando se trata de jovens envolvidos no crime, realidade
esta cada dia mais solidificada em nosso país. E é no campo das ideias e das alternativas
para diminuir a violência social, com enfoque nos adolescentes, que surge o discurso acerca
da redução da maioridade penal.
Em julho de 1990 era sancionado o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA),
propondo uma política educacional e não punitiva para o adolescente em conflito com a
Lei. Cuneo (2001) afirma que, em função de os adolescentes estarem em desenvolvimento e
amadurecimento físico, emocional e psicológico, estes devem ser submetidos a medidas
profiláticas que mantenham o convívio social e familiar. O autor apresenta levantamentos
realizados no Brasil cujos resultados revelam que os crimes praticados por maiores de 18
anos representam mais de 90% do total de crimes cometidos, portanto os adolescentes
estariam praticando apenas 10% das infrações.
Ao contrário do que muitos pensam, imputabilidade não é sinônimo de impunidade.
Neto e Grillo (1995) afirmam que “as medidas socioeducativas têm natureza e finalidades
diferentes das penas previstas pelo código penal” (p.78), pois pretendem garantir a
manutenção do vínculo familiar associada ao caráter pedagógico apropriado a cada medida
(v. arts 112§1°, 113 e 100. ECA). Todavia, confusões são comuns e corriqueiras em relação
a estes dois termos, não havendo por parte dos discursos das mídias – palco das principais
discussões sobre a redução da maioridade penal – maiores esforços em explicá-los.
Para efeito do ECA, aplica-se a medida de internação aos adolescentes autores de
atos infracionais cometidos mediante grave ameaça ou violência contra pessoa ou pela
reiteração no cometimento de outras infrações graves. As medidas socioeducativas do ECA
são: advertência; obrigação de reparar ou dano; prestação de serviços à comunidade;
liberdade assistida; inserção em regime de semiliberdade; internação em estabelecimento
educacional.

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Sanson (1999) enfatiza que “(...) leva-se em consideração a natureza do ato


infracional bem como a personalidade e as necessidades do infrator, de sorte que, pela
prática de fatos idênticos, adolescentes podem receber medidas diversas (p.108)”.
As medidas socioeducativas, na visão de Liberati (2000), são atividades impostas
aos adolescentes, quando considerados autores de atos infracionais, sem perder de vista o
sentido pedagógico das mesmas, que têm como objetivo maior, a reestruturação desse
adolescente para atingir sua reintegração social. “(...) são, portanto, deveres que juízes da
infância e da juventude impõem aos adolescentes que cometem ato infracional. O objetivo
não é a punição, mas a efetivação de meios para reeducá-los” (CEARÁ, 2007, p. 13).
Diante destas premissas, discussões têm sido realizadas a fim de debater se tais medidas
reestruturantes possuem papel adequado e suficiente para reeducar jovens menores de idade
envolvidos em situação de crime ou violência. É neste contexto que retornam à pauta
pública a questão da redução da maioridade penal, de 18 para 16 anos. Em várias instâncias
políticas e sociais, o assunto tem suscitado posições das mais diversas. Aqui, interessa-nos
de modo especial refletir sobre os discursos da mídia, enquanto instituição social
motivadora de interesses, práticas e posicionamentos, analisando os sentidos produzidos
sobre este assunto.

2 INFRAESTRUTURA DOS SUBÚRBIOS E SUA REPERCUSSÃO NO CRIME

Consequência da falta de emprego, programações culturais, lazer e escolaridades, a


violência nos subúrbios é exorbitante. “Onde falta tudo, sobra violência”. Frase do
sociólogo e também ouvidor da Prefeitura de São Paulo, Benedito Domingos Mariano.
Dentre os fatores que corroboram o aumento alarmante da criminalidade infantil e
adolescente em nosso país destaca-se o problema social, que agride a maioria da população
brasileira há muito tempo, haja vista os altos níveis de miséria e pobreza, em que vivem os
brasileiros, ocasionando o aumento, cada vez maior, do número de menores abandonados
nas ruas das cidades, sobretudo nos grandes centros, onde o crescimento demográfico
ocorre numa velocidade muitas vezes incontrolável. Percebe-se assim que o grande número
de menores que cometem atos infracionais encontra-se entre aqueles de baixa ou nenhuma
renda, ressaltando que esta pode ser vista não como uma relação de causa e efeito, mais
comprovando que a questão econômica, ou mais do que isso, a falta de oportunidades iguais
é umas das principais motivadoras da origem e do aumento da criminalidade.

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A alimentação é outro fator, uma vez que a criança logo nos seus primeiros dias de
vida é carente do mais básico dos seus direitos. Essa carência já determina o que será do
menor em termos de funcionamento cerebral, uma vez que a desnutrição na infância, na
maioria das vezes, já condena o indivíduo para o resto da vida a uma situação de
inferioridade intelectual que o levará a enfrentar dificuldades de enquadramento
socioeconômico e como consequência a marginalização.
Esses fatores levam, na maioria das vezes, os pais dos menores a adquirirem vícios,
sobretudo do álcool, e a desenvolverem comportamentos nada aconselháveis ao
desenvolvimento de uma criança, como violência com os filhos, seja ela moral, física ou
sexual.
A polícia que tem o papel de proteger e assegurar a integridade física da população,
nas áreas carentes, atua com finalidade oposta. Agindo como um braço opressor e bárbaro
das classes dominantes, os agentes legitimam suas ações higienizadoras através da farsa de
“paz social”. Paz social pra quem? Para todos ou apenas para uma classe abastada que se
manifesta contra as políticas assistencialistas enquanto tiram “selfie” com os PMS? A
mídia, uma das principais instâncias socializadoras e produtoras de sentidos que motivam
interesses, posições e práticas sociais, ao invés de possibilitar discussões cívicas sobre estas
questões, têm reproduzido e motivado discursos que reforçam a opressão social, não dando
espaço para a diferença ou às classes menos abastadas, seguindo rumos em conformidade
com os interesses das classes dominantes, aspecto que coaduna com a perspectiva de
Marcondes Filho, ao afirmar que a imprensa exerce “uma função nitidamente classista, em
defesa dos privilégios e da classe dominante, orientando a agressividade popular para
objetivos que não são os causadores estruturais de seus problemas” (MARCONDES
FILHO, 1986, p. 90).
O desaparecimento de Amarildo pode nos ajudar a exemplificar este contexto e
responder algumas perguntas. Casado e pai de 6 filhos, o ajudante de pedreiro desapareceu
no dia 14 de julho após ser levado para a sede da Unidade de Policial Pacificadora (UPP) da
Rocinha. Segundo um inquérito aberto pela Divisão de Homicídios da Polícia Civil
fluminense (e encaminhado ao Ministério Público do Rio), Amarildo foi brutalmente
torturado, morto e seu corpo ocultado. Foram indiciados dez policiais militares lotados à
época na UPP, entre eles o ex-comandante da unidade, major Edson dos Santos. Em um
primeiro momento, tal acontecimento não teve grande repercussão na mídia, no entanto,
somente quando observados os movimentos de revolta promovidos por familiares e amigos

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de Amarildo, os quais ganharam grande repercussão nas redes sociais e sites de notícias, é
que o desaparecimento do pedreiro ganhou espaço nos jornais e telejornais das grandes
empresas de comunicação.
Criados em meio à violência, seja policial, do trafico ou familiar, os jovens
naturalizam e engendram uma conduta violenta em suas ideologias, consequentemente nas
relações sociais do cotidiano. É um círculo vicioso, a violência cresce no abandono Estatal,
cresce onde não há um mínimo de infraestrutura.

3 A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL PELA ÓTICA DA MÍDIA

Os veículos de comunicação possuem papel importante na formação de opinião da


população. Tal importância pode ser evidenciada, por exemplo, pelo fato da mídia ser
muitas vezes considerada como um quarto poder, vindo logo após o poder executivo,
legislativo e judiciário. Aqui, não é de nosso interesse discutir se a mídia se constitui ou não
como um quarto poder, entretanto, não podemos negar a sua atuação e os poderes que
possui em se tratando da formação e engendramento de posições e práticas.
Recentemente, os discursos da mídia vêm refletindo um dos principais pontos de
pauta da agenda pública brasileira – as discussões sobre a redução da maioridade penal.
Apesar das diversas opiniões em referência a este assunto, os discursos da mídia brasileira,
especialmente aqueles produzidos pelas grandes empresas de comunicação, vem
demonstrando um posicionamento favorável à redução da maioridade penal. Esta afirmação
é explicada quando levamos em consideração o grande destaque dado pelos crimes
cometidos por jovens e adolescente menores de 18 anos, acompanhado pela alegação da
não existência de uma punição adequada para os sujeitos dessa faixa etária, o que se
constitui como uma inverdade quando tomamos como base documentos como o ECA.
A forte recorrência a conteúdos que espetacularizam crimes ou atos violentos
cometidos por jovens menores de idade, revela um ordenamento das empresas de mídia em
conformidade com aqueles que possuem posicionamento a favor da redução da maioridade
penal, tendo em vista, como nos indica Foucault (2011), que os discursos trazem em si
relações de poder e podem ser usadas como forma de controle e interdição – “[...] o
discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas
aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar” (FOUCAULT,
2011, p. 10). Além disso, com base nas premissas foucaultianas, diante do alto destaque

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dado a estes casos, podemos nos questionar o seguinte: qual o motivo desses conteúdos –
produtores de discursos – serem reproduzidos em maior número neste momento e não em
outro? Como respostas, podemos evidenciar interesses e posicionamentos particulares.
Em muitos programas policiais, é observada uma abordagem marcada por um
discurso de criminalização desses jovens, com a produção de enunciados e performances
corporais que explicitam um discurso de ódio, com julgamentos antecipados que ressaltam
a grande periculosidade dos jovens infratores, sem apresentar, entretanto, dados ou
estatísticas que possam comprovar ou problematizar aquilo é dito. Neste sentido, a exibição
de casos do tipo indicado são comumente transformados em espetáculos e o
“showrnalismo” (ARBEX JÚNIOR, 2001) ganha espaço em detrimento de um jornalismo
de qualidade. Assim sendo, torna-se evidente a reprodução de interesses particulares por
meio dos discursos emitidos e a falta de debates qualitativos sobre a questão, uma vez que
os espaços ofertados para outros posicionamentos são incipientes ou em algumas vezes,
inexistentes.
A partir destes discursos, os jovens infratores são arregimentados pelos detentores
da fala e objetivados como vilões, ou mais do que isso, sujeitos programados para matar.
Há, dessa forma, o interesse em dominar a constituição simbólica desses jovens, na maioria
das vezes, de uma forma generalizada e apegada ao preconceito de cor, classe e instrução.
Estes discursos buscam classificar e determinar estes jovens através de uma vontade
verdade (FOUCAULT, 2013), visando uma definição que possui fins em si próprio. No
imaginário coletivo, produz-se a partir destes discursos verdadeiros monstros e é por meio
deste quadro que identifica-se o papel dos media na produção dos sentidos que circulam no
social. É elucidativo, neste quesito, o que diz Kunczik (1997), ao afirmar que os meios de
comunicação “[...] podem tornar compreensíveis os contextos políticos ou podem ofuscá-
los, criando obstáculos para o seu discernimento. A informação transmitida pelos meios de
comunicação de massa torna-se sua própria realidade” (KUNCZIK, 1997, p. 90).
Devido a forte influência exercida pelos discursos midiáticos, principalmente os
jornalísticos – geralmente associados à verdade –, um tom cada vez mais próximo da
própria realidade é produzido. Não a toa, é por meio disso que se constitui um efeito de real
que produz junto aos telespectadores algo como a própria realidade, como ressaltam
Oliveira e Mendes (2014):

Em seus discursos, a mídia processa a articulação de uma descrição e


interpretação do real, efetivando o ordenamento e produção do efeito do

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real com relação aos acontecimentos. Entretanto, devemos ponderar que


trata-se de um efeito, não sendo em si a realidade. Neste sentido, pode ser
uma parte da realidade – ou mais do que isso, um recorte dela –
constituída a partir de jogos, interações e estratégias que buscam dar ao
seu discurso um tom realista e/ou construir uma realidade (OLIVEIRA,
MENDES, 2014, p. 617).

Com discursos notadamente marcados pelo sensacionalismo, tendenciosos e sem


nenhuma imparcialidade, os discursos das mídias buscam ordenar a construção de uma
realidade preponderantemente reprodutora de posições atravessadas por um determinismo e
generalização peculiares. Neste contexto, não é de se estranhar que a sociedade e os seus
agentes sejam afetados, principalmente diante da sensação de insegurança que é produzida,
a qual resvala em uma necessidade de medidas mais enérgicas que possam dar conta da
situação e proporcionar maior segurança, o que pode explicar as altas porcentagens em
favor da redução da maioridade penal5.
Todavia, é válido enfatizar que essa construção de realidade proposta por estes
discursos são parte de um jogo de poderes mais amplos, com interesses próprios e não na
segurança pública ou na reeducação dos jovens infratores, fator que deve suscitar maiores
questionamentos e debates sobre a atuação favorável da mídia sobre esta questão,
principalmente quando lembramos que muitas dessas emissoras, ou como denomina Lima
(2006), “conglomerados midiáticos” tem como donos ou responsáveis pelas concessões,
políticos.
Este quadro certamente é merecedor de maiores atenções e discussões. De todo
modo, o nosso posicionamento é contrário em relação à redução da maioridade penal,
especialmente por considerarmos os aspectos descritos nos tópicos seguintes, os quais tem
sua inscrição no campo do direito. Importante frisar que as discussões apresentadas a seguir
contradizem e contrapõem o que é afirmado pelos discursos das mídias.

4 PRECARIZAÇÃO DO SISTEMA CARCERÁRIO

A realidade do sistema carcerário brasileiro é de total precarização, um dos fatores


impactantes, senão o mais relevante é a superlotação dos presídios. Em um relatório do
CNJ, realizado ano passado (2014), apontou que a população é de 563.526 presos, em

5
Segundo dados do IBOPE, 83% da população brasileira é a favor da redução da maioridade penal.
Disponível em: < http://www.ibope.com.br/pt-br/noticias/Paginas/83-da-populacao-e-a-favor-da-reducao-da-
maioridade-penal.aspx>. Acesso em: 11.05.15.

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contrapartida nossos presídios têm 207 mil vagas a menos que esse número. Com esses
dados, nos tornamos o quarto país com maior população carcerária do planeta, ficando atrás
apenas dos Estados Unidos, China e Rússia, dados que se contradizem com a ideia muito
propagada pelo senso comum, que o Brasil é o país da impunidade.

4.1 CONDIÇÕES INSALUBRES

Não bastasse a superlotação, a condição da cela é de completa insalubridade. Má ou


nenhuma ventilação e luminosidade, tornando-as úmidas e muito propícias à disseminação
de doenças infectocontagiosas, falta de água potável para consumo diário dos apenados,
celas que carecem de condições básicas de higiene pessoal ou um lugar propício para o
descanso. Em suma, os apenados que cumprem pena de reclusão em regime fechado, ou
semiaberto, passam por forte humilhação diariamente, causando danos irreversíveis a sua
saúde física, psicológica e a integridade moral. Atos que constituem uma afronta e vão de
encontro àquilo que deve ser luz para todos os atos Estatais, independente da esfera à que se
dirija, conforme dita a nossa Carta Magna.
O artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal define que:

Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel


dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamento:
III – a dignidade da pessoa humana;

4.2 ACESSO À JUSTIÇA

A garantia constitucional do acesso à justiça, também denominada de princípio da


inafastabilidade da jurisdição, está consagrada no artigo 5º, inciso XXXV e LV da
Constituição Federal, que diz:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou
ameaça a direito;
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados
em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e
recursos a ela inerentes

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Outro dispositivo que assegura expressamente o direito ao contraditório é o Pacto de


São José da Costa Rica, a Convenção Americana Sobre os Direitos Humanos aprovada pelo
Congresso Nacional, através do Decreto Legislativo n° 27, de 26/5/1992, dizendo:

Art. 8º Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e
dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente,
independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração
de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se
determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista,
fiscal ou de qualquer outra natureza.

Entretanto, apesar de todos os dispositivos legais discorridos anteriormente, a


realidade de Acesso à Justiça, sobretudo na esfera criminal, está completamente nefasta.
Quem tem poder aquisitivo para contratar um bom advogado possivelmente receberá uma
punição mais leve em relação àqueles que não dispõem de meios econômicos para sua
defesa. Os custos processuais funcionam como uma barreira de acesso à justiça. Apesar de
o Estado oferecer justiça integral e gratuita para os que comprovarem insuficiência de
recurso, poucos têm esse conhecimento e, de todo modo, os defensores públicos não estão
em números suficientes para assistir todos os hipossuficientes necessitados.
São diversos os casos em que os apenados que já deveriam estar em liberdade, ainda
se encontram em cárcere, ou por falta de recursos para pagar um advogado, ou pela carência
de defensores públicos. Uma afronta à dignidade, privando o ser humano de um dos seus
direitos fundamentais, senão o maior, a liberdade.

4.3 VISITAS VEXATÓRIAS

Não bastasse a dor sofrida pelos familiares em ter um ente encarcerado na mais sub-
humana das condições, o momento de visitá-lo, nas poucas vezes concedida ao longo da
semana, torna-se um martírio. Mulheres e crianças – na maioria absoluta dos visitantes –
amanhecem o dia na calçada esperando a abertura dos portões, algumas vêm de cidades
próximas, todas anseiam as primeiras senhas referentes à ordem das visitações.
Antes do encontro com os presidiários as pessoas são revistadas nuas, algumas
vezes conjuntamente, são submetidas a inspeções em suas cavidades corporais e obrigadas a
fazer esforços físicos que consiste em agachamento sucessivos, independentemente da

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idade e da saúde. Crianças de tenra idade, depois de assistirem todo o processo do


responsável que o acompanha, também são obrigadas a tirar suas roupas e serem revistados
pelos agentes penitenciários.
O processo atinge pessoas de todas as idades, mães idosas deixam de visitar seus
filhos, pois seus estados físico e emocional não suportam tamanha humilhação, e o que era
um abandono Estatal para os presidiários, torna-se também um abandono familiar,
dificultando ou anulando a inserção do apenado no convívio social.
Considerado um procedimento de violência, sobretudo contra a mulher, no caso de
revista a genitália feminina, a prática é condenada pela Corte Interamericana de Direitos
Humanos.

5 RESSOCIALIAÇÃO E REINCIDÊNCIA CRIMINAL

A pena, que tem como uma das funções a ressocialização, muitas vezes funciona
como faculdade para o crime, devido ao abandono do estado e sociedade brasileira ao
sistema carcerário.
A realidade para quem sobrevive nos presídios, que também já fora conhecido por
masmorras, é de tortura, violência sexual, espancamento e assassinatos. O detento, ao sair,
muitas vezes reproduz o que viveu.
Como apontam a pesquisa do Ministério da Justiça e o IPEA (2002), ainda 71% dos
ambientes físicos das unidades de internamento do País estão em condições inadequadas
para fazer cumprir as medidas socioeducativas, o que requer um investimento sério do
poder público para a adequação das unidades de internação aos preceitos defendidos pelo
ECA. Por outro lado, 99% das unidades oferecem educação escolar em ensino fundamental
e 63% em ensino médio, além de oportunizarem profissionalização em 85% das mesmas.

CONCLUSÃO

A maioria dos adolescentes que comentem atos infracionais encontra-se ainda em


fase de socialização ou instrução. O processo de reajustamento do adolescente infrator,
portanto, deve ser submetido à educação, ainda que em unidade socioeducativa de
internamento, e não à pena criminal. Já foi provado que o sistema carcerário não
ressocializa, pela sua superlotação e violência inserida no sistema.

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Diferentemente do que é pregado pelos discursos das mídias, acreditamos que antes
de sofrer qualquer tipo de sanção, o menor deve ter direito a uma vida digna, com educação,
moradia e lazer, bens tutelados pelo Estado e acessíveis a toda população, sobretudo os
mais espoliados. Desta forma, é válido destacar sobre a importância de um olhar cada vez
mais crítico em relação aos conteúdos e discursos produzidos pelos discursos das mídias,
tendo em vista que eles trazem em si interesses particulares.
À mídia cabe mais do que reproduzir discursos dominantes ou posições particulares,
propor e realizar discussões qualitativas que possam proporcionar vieses reflexivos para os
seus receptores. Por fim, frente a todas estas discussões, acreditamos que a sociedade deve
resguardar a infância do menor, deixa-lo trilhar seus sonhos e caminhos com dignidade e,
desse modo, cumprir com o seu dever: formar um cidadão.

REFERÊNCIAS

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risco: Prevenção, Aplicação e Eficácia - Instituto de Estudos e Pesquisa sobre o
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Redução da Idade Penal. Revista Igualdade, v. 9 n.31, pp.22-37, 2001.

DRUMMOND, M. & DRUMMOND FILHO, H. (1998). Drogas: a busca de respostas. São


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Secretaria de Estado dos Direitos Humanos e Departamento da Criança e do Adolescente,
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NETO, O. S. S. M. e GRILLO, V. T. M. Recurso de Apelação nº 95.0000029-6, de Nova


Londrina. Revista Igualdade, Curitiba,v. 9, pp.73-81, 1995.

OLIVEIRA, G. F. de; MENDES, M. L. G. da C. #PartiuRolé: análise das novas


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Anais do II Simpósio Interdisciplinar de Pós-Graduação em Ciências Sociais e
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PATTERSON, G., REID, J. e DISHION, T. Antisocial Boys. EUA: Castalia, 1992.

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Adolescente Autor de Ato Infracional perante o Ministério Público: Finalidade e Condução.
Revista Igualdade, v.7, pp. 106-113, 1999.

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