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Aimée ALBUQUERQUE2
Marcilia Luzia Gomes da Costa MENDES3
Geilson Fernandes de OLIVEIRA4
Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Santa Rita, PB
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), Mossoró, RN
Resumo
Assunto amplamente debatido na atualidade seja entre especialistas, nos discursos das
mídias ou senso comum, a redução da maioridade penal trava polêmicas fervorosas na
população brasileira. Tomando como base esta temática, nos propomos neste trabalho a
discutir e analisar como a mídia, em específico, tem contribuído para a promoção e reforço
dos discursos a favor da redução da maioridade penal, a partir dos sentidos produzidos
através de seus conteúdos, principalmente os noticiosos. Para tanto, as reflexões aqui
apresentadas fundamentam-se em discussões do campo do direito, da análise do discurso –
nossa perspectiva teórica e metodológica e dos estudos da comunicação.
1 INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas, a família tem passado por inúmeras transformações, sendo
assim passível de vários tipos de arranjos da atualidade. Todavia, o grupo familiar tem um
papel fundamental na constituição dos sujeitos, tendo importância na determinação e
organização da personalidade, além de influenciar significativamente no comportamento
individual através das ações e medidas educativas tomadas no âmbito familiar
(DRUMMOND & DRUMMOND FILHO, 1998). Frente a este contexto, o adolescente em
situação de violência, objeto dos principais discursos e debates que circulam no seio social
em se tratando da questão da redução na maioridade penal muitas vezes é uma pessoa
1
Trabalho apresentado na Divisão Temática Interfaces Comunicacionais da Intercom Júnior – XI Jornada de Iniciação
Científica em Comunicação, evento componente do XXXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação.
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Estudante de Graduação, 8º semestre do Curso de Direito da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Email:
albuquerque.aimee@hotmail.com
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Orientador do trabalho. Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
Docente do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e Humanas (PPGCISH) e do Departamento de Comunicação
Social (DECOM), da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Líder do Grupo de Pesquisa Informação,
Cultura e Práticas Sociais. Email: marciliamendes@uol.com.br.
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Mestre em Ciências Sociais e Humanas pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e Humanas (PPGCISH),
da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Membro do Grupo de Pesquisa Informação, Cultura e
Práticas Sociais, atuando na linha de pesquisa Mídia, Discurso e Tecnologia. Email: geilson_fernandes@hotmail.com.
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desamparada. Ele precisa confrontar-se com adultos que não fraquejem, que resistam à sua
(auto) destruição e que sirvam de exemplo positivo para ele.
Patterson e colaboradores (1992) indicam que a maneira como os pais educam, com
maior afeto, acompanhamento, exemplos morais, ausência de abusos físicos, psicológicos
ou sexuais determina o desenvolvimento ajustável e saudável da criança e do adolescente.
A criminalidade é um problema social grave que assusta a população brasileira. Esse
universo alarga a sua dimensão quando se trata de jovens envolvidos no crime, realidade
esta cada dia mais solidificada em nosso país. E é no campo das ideias e das alternativas
para diminuir a violência social, com enfoque nos adolescentes, que surge o discurso acerca
da redução da maioridade penal.
Em julho de 1990 era sancionado o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA),
propondo uma política educacional e não punitiva para o adolescente em conflito com a
Lei. Cuneo (2001) afirma que, em função de os adolescentes estarem em desenvolvimento e
amadurecimento físico, emocional e psicológico, estes devem ser submetidos a medidas
profiláticas que mantenham o convívio social e familiar. O autor apresenta levantamentos
realizados no Brasil cujos resultados revelam que os crimes praticados por maiores de 18
anos representam mais de 90% do total de crimes cometidos, portanto os adolescentes
estariam praticando apenas 10% das infrações.
Ao contrário do que muitos pensam, imputabilidade não é sinônimo de impunidade.
Neto e Grillo (1995) afirmam que “as medidas socioeducativas têm natureza e finalidades
diferentes das penas previstas pelo código penal” (p.78), pois pretendem garantir a
manutenção do vínculo familiar associada ao caráter pedagógico apropriado a cada medida
(v. arts 112§1°, 113 e 100. ECA). Todavia, confusões são comuns e corriqueiras em relação
a estes dois termos, não havendo por parte dos discursos das mídias – palco das principais
discussões sobre a redução da maioridade penal – maiores esforços em explicá-los.
Para efeito do ECA, aplica-se a medida de internação aos adolescentes autores de
atos infracionais cometidos mediante grave ameaça ou violência contra pessoa ou pela
reiteração no cometimento de outras infrações graves. As medidas socioeducativas do ECA
são: advertência; obrigação de reparar ou dano; prestação de serviços à comunidade;
liberdade assistida; inserção em regime de semiliberdade; internação em estabelecimento
educacional.
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A alimentação é outro fator, uma vez que a criança logo nos seus primeiros dias de
vida é carente do mais básico dos seus direitos. Essa carência já determina o que será do
menor em termos de funcionamento cerebral, uma vez que a desnutrição na infância, na
maioria das vezes, já condena o indivíduo para o resto da vida a uma situação de
inferioridade intelectual que o levará a enfrentar dificuldades de enquadramento
socioeconômico e como consequência a marginalização.
Esses fatores levam, na maioria das vezes, os pais dos menores a adquirirem vícios,
sobretudo do álcool, e a desenvolverem comportamentos nada aconselháveis ao
desenvolvimento de uma criança, como violência com os filhos, seja ela moral, física ou
sexual.
A polícia que tem o papel de proteger e assegurar a integridade física da população,
nas áreas carentes, atua com finalidade oposta. Agindo como um braço opressor e bárbaro
das classes dominantes, os agentes legitimam suas ações higienizadoras através da farsa de
“paz social”. Paz social pra quem? Para todos ou apenas para uma classe abastada que se
manifesta contra as políticas assistencialistas enquanto tiram “selfie” com os PMS? A
mídia, uma das principais instâncias socializadoras e produtoras de sentidos que motivam
interesses, posições e práticas sociais, ao invés de possibilitar discussões cívicas sobre estas
questões, têm reproduzido e motivado discursos que reforçam a opressão social, não dando
espaço para a diferença ou às classes menos abastadas, seguindo rumos em conformidade
com os interesses das classes dominantes, aspecto que coaduna com a perspectiva de
Marcondes Filho, ao afirmar que a imprensa exerce “uma função nitidamente classista, em
defesa dos privilégios e da classe dominante, orientando a agressividade popular para
objetivos que não são os causadores estruturais de seus problemas” (MARCONDES
FILHO, 1986, p. 90).
O desaparecimento de Amarildo pode nos ajudar a exemplificar este contexto e
responder algumas perguntas. Casado e pai de 6 filhos, o ajudante de pedreiro desapareceu
no dia 14 de julho após ser levado para a sede da Unidade de Policial Pacificadora (UPP) da
Rocinha. Segundo um inquérito aberto pela Divisão de Homicídios da Polícia Civil
fluminense (e encaminhado ao Ministério Público do Rio), Amarildo foi brutalmente
torturado, morto e seu corpo ocultado. Foram indiciados dez policiais militares lotados à
época na UPP, entre eles o ex-comandante da unidade, major Edson dos Santos. Em um
primeiro momento, tal acontecimento não teve grande repercussão na mídia, no entanto,
somente quando observados os movimentos de revolta promovidos por familiares e amigos
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de Amarildo, os quais ganharam grande repercussão nas redes sociais e sites de notícias, é
que o desaparecimento do pedreiro ganhou espaço nos jornais e telejornais das grandes
empresas de comunicação.
Criados em meio à violência, seja policial, do trafico ou familiar, os jovens
naturalizam e engendram uma conduta violenta em suas ideologias, consequentemente nas
relações sociais do cotidiano. É um círculo vicioso, a violência cresce no abandono Estatal,
cresce onde não há um mínimo de infraestrutura.
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dado a estes casos, podemos nos questionar o seguinte: qual o motivo desses conteúdos –
produtores de discursos – serem reproduzidos em maior número neste momento e não em
outro? Como respostas, podemos evidenciar interesses e posicionamentos particulares.
Em muitos programas policiais, é observada uma abordagem marcada por um
discurso de criminalização desses jovens, com a produção de enunciados e performances
corporais que explicitam um discurso de ódio, com julgamentos antecipados que ressaltam
a grande periculosidade dos jovens infratores, sem apresentar, entretanto, dados ou
estatísticas que possam comprovar ou problematizar aquilo é dito. Neste sentido, a exibição
de casos do tipo indicado são comumente transformados em espetáculos e o
“showrnalismo” (ARBEX JÚNIOR, 2001) ganha espaço em detrimento de um jornalismo
de qualidade. Assim sendo, torna-se evidente a reprodução de interesses particulares por
meio dos discursos emitidos e a falta de debates qualitativos sobre a questão, uma vez que
os espaços ofertados para outros posicionamentos são incipientes ou em algumas vezes,
inexistentes.
A partir destes discursos, os jovens infratores são arregimentados pelos detentores
da fala e objetivados como vilões, ou mais do que isso, sujeitos programados para matar.
Há, dessa forma, o interesse em dominar a constituição simbólica desses jovens, na maioria
das vezes, de uma forma generalizada e apegada ao preconceito de cor, classe e instrução.
Estes discursos buscam classificar e determinar estes jovens através de uma vontade
verdade (FOUCAULT, 2013), visando uma definição que possui fins em si próprio. No
imaginário coletivo, produz-se a partir destes discursos verdadeiros monstros e é por meio
deste quadro que identifica-se o papel dos media na produção dos sentidos que circulam no
social. É elucidativo, neste quesito, o que diz Kunczik (1997), ao afirmar que os meios de
comunicação “[...] podem tornar compreensíveis os contextos políticos ou podem ofuscá-
los, criando obstáculos para o seu discernimento. A informação transmitida pelos meios de
comunicação de massa torna-se sua própria realidade” (KUNCZIK, 1997, p. 90).
Devido a forte influência exercida pelos discursos midiáticos, principalmente os
jornalísticos – geralmente associados à verdade –, um tom cada vez mais próximo da
própria realidade é produzido. Não a toa, é por meio disso que se constitui um efeito de real
que produz junto aos telespectadores algo como a própria realidade, como ressaltam
Oliveira e Mendes (2014):
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Segundo dados do IBOPE, 83% da população brasileira é a favor da redução da maioridade penal.
Disponível em: < http://www.ibope.com.br/pt-br/noticias/Paginas/83-da-populacao-e-a-favor-da-reducao-da-
maioridade-penal.aspx>. Acesso em: 11.05.15.
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contrapartida nossos presídios têm 207 mil vagas a menos que esse número. Com esses
dados, nos tornamos o quarto país com maior população carcerária do planeta, ficando atrás
apenas dos Estados Unidos, China e Rússia, dados que se contradizem com a ideia muito
propagada pelo senso comum, que o Brasil é o país da impunidade.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou
ameaça a direito;
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados
em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e
recursos a ela inerentes
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Art. 8º Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e
dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente,
independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração
de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se
determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista,
fiscal ou de qualquer outra natureza.
Não bastasse a dor sofrida pelos familiares em ter um ente encarcerado na mais sub-
humana das condições, o momento de visitá-lo, nas poucas vezes concedida ao longo da
semana, torna-se um martírio. Mulheres e crianças – na maioria absoluta dos visitantes –
amanhecem o dia na calçada esperando a abertura dos portões, algumas vêm de cidades
próximas, todas anseiam as primeiras senhas referentes à ordem das visitações.
Antes do encontro com os presidiários as pessoas são revistadas nuas, algumas
vezes conjuntamente, são submetidas a inspeções em suas cavidades corporais e obrigadas a
fazer esforços físicos que consiste em agachamento sucessivos, independentemente da
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A pena, que tem como uma das funções a ressocialização, muitas vezes funciona
como faculdade para o crime, devido ao abandono do estado e sociedade brasileira ao
sistema carcerário.
A realidade para quem sobrevive nos presídios, que também já fora conhecido por
masmorras, é de tortura, violência sexual, espancamento e assassinatos. O detento, ao sair,
muitas vezes reproduz o que viveu.
Como apontam a pesquisa do Ministério da Justiça e o IPEA (2002), ainda 71% dos
ambientes físicos das unidades de internamento do País estão em condições inadequadas
para fazer cumprir as medidas socioeducativas, o que requer um investimento sério do
poder público para a adequação das unidades de internação aos preceitos defendidos pelo
ECA. Por outro lado, 99% das unidades oferecem educação escolar em ensino fundamental
e 63% em ensino médio, além de oportunizarem profissionalização em 85% das mesmas.
CONCLUSÃO
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Diferentemente do que é pregado pelos discursos das mídias, acreditamos que antes
de sofrer qualquer tipo de sanção, o menor deve ter direito a uma vida digna, com educação,
moradia e lazer, bens tutelados pelo Estado e acessíveis a toda população, sobretudo os
mais espoliados. Desta forma, é válido destacar sobre a importância de um olhar cada vez
mais crítico em relação aos conteúdos e discursos produzidos pelos discursos das mídias,
tendo em vista que eles trazem em si interesses particulares.
À mídia cabe mais do que reproduzir discursos dominantes ou posições particulares,
propor e realizar discussões qualitativas que possam proporcionar vieses reflexivos para os
seus receptores. Por fim, frente a todas estas discussões, acreditamos que a sociedade deve
resguardar a infância do menor, deixa-lo trilhar seus sonhos e caminhos com dignidade e,
desse modo, cumprir com o seu dever: formar um cidadão.
REFERÊNCIAS
ARBEX JÚNIOR, José. Showrnalismo: a notícia como espetáculo. São Paulo: Casa
Amarela, 2001.
LIMA, Venício A. de. Mídia: Crise política e poder no Brasil. São Paulo: Editora Fundação
Perseu Abramo, 2006.
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