A brincadeira foi feita pelo pintor belga René Magritte, autor do quadro. E a pegadinha foi possível e ainda funciona, porque nossa relação com a representação das coisas através de imagens é muito forte. Ando pensando sobre esse assunto por causa do Pe. Júlio Maria. É que precisei ler e pesquisar um pouco para escrever a história dele, desde o nascimento, na Bélgica, até seu final aqui, em 1944. E agora terminei. São duzentas e poucas páginas, em versos. Para as ilustrações, precisei de imagens dele, que transformei em desenho. O Pe. Júlio, para quem viveu entre o final do século XIX e início do XX, foi bastante fotografado. Nas fotos ele aparece sempre com postura arrumadinha, rosto sereno, mas sem expressão de qualquer sorriso. Não há nenhuma foto descontraída ou de aparência espontânea dele. O que não é difícil de entender. Os equipamentos de fotografia eram grandes, pesados, caros e exigiam preparo profissional de quem os manuseava. Fotografia era algo assim superior e exclusivo, requeria certa cerimônia, o evento de um simples registro fotográfico virava uma ocasião especial, em que tudo parava e se voltava para aquele momento. Não cabia aí a espontaneidade. E as pessoas não sorriam nas fotos, porque, à época, isso era considerado um comportamento tolo. Ficar sério era a regra. Mas considerando-se períodos mais antigos, quando um retrato demorava semanas para ser pintado, já era um progresso. As imagens, claro, não são as coisas, como demonstrou Magritte, mas têm um valor enorme. E é por isso, por exemplo, que antes da fotografia colorida, as pessoas aderiram com orgulho à fotopintura. Alguns agentes passavam nas casas, mostravam o trabalho, combinavam preço e levavam fotos preto e branco, quase sempre 3X4. Tempos depois, voltavam com os retratos ampliados e coloridos para serem dependurados na parede da sala. Nas publicidades de revistas, jornais e panfletos, a estampa bonita dos produtos vem acompanhada, em letras bem pequenas, da seguinte mensagem: imagem meramente ilustrativa. É a necessidade que todos têm de apresentar uma imagem mais interessante do que a coisa real. E, no Facebook, também acontece. As fotos do perfil são muito bem selecionadas e recortadas para exibirem só o melhor que temos a mostrar. Em alguns casos, inclusive, pomos lá, para nos representar, uma imagem mais antiga, de quando estávamos em melhor forma que hoje. Bem, no caso do Pe. Júlio Maria, concluí que as fotografias dele, embora sejam várias, estão ficando repetitivas, sem novidade. Isso é ruim, porque faz que sua imagem vá se cristalizando e se distanciando no tempo, pelo desgaste do uso. Talvez falte um pouco de recriação, criatividade e novas formas de apresentar essas imagens. Por outro lado, descobri muitos outros perfis desse homem fabuloso, muitas novas imagens que não estão registradas em fotografias, pinturas, desenhos... São esboços e delineamentos de uma pessoa de coragem, culta, trabalhadora, comprometida com as pessoas da comunidade, de fé, líder e muito mais, enfim, retratos que não se desgastam, imagens que, ao contrário do cachimbo, são o que são, não o que parecerem ser.