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Roteiro para fichamento

Elaborado pelo Prof. Dr.


Dominique Santos, da área de
História Antiga e Medieval da
FURB – Fundação Universidade
Regional de Blumenau e
coordenador do LABEAM–
Laboratório Blumenauense de
Estudos Antigos e Medievais

1) O primeiro passo é colocar a referência bibliográfica do artigo/capítulo de


livro/livro/dissertação/tese de acordo com os padrões de formatação comumente
solicitados. Abaixo, o exemplo é de um capítulo de livro escrito pelo historiador Richard
Miles:

MILES, Richard. Communicating Culture, Identity and Power. In: HUSKINSON, Janet
(ed.). Experiencing Rome: Culture, Identity and Power in the Roman Empire. New York:
Routledge, 2005. p. 29-62.

2) A seguir, deve-se sistematizar a biografia acadêmica do autor/autores da obra lida. Neste


caso específico, trata-se de capítulo de livro escrito por Richard Miles. É necessário
apresentar o autor e também explicitar sua área de interesse, quais seus vínculos
profissionais e de pesquisa. Também pode-se identificar nesta parte quais escolas de
pensamento ou epistemologias o autor aprecia etc. Trata-se de um breve resumo de seu
curriculum e, caso importante para a discussão, de suas preferências teóricas. Também
recomenda-se inserir uma imagem do autor. Vejamos o exemplo para o caso de Miles:

Richard Miles é um historiador especialista


em Roma Antiga e interessado também na
história do Cristianismo. Suas pesquisas
correntes estão relacionadas aos Vândalos e
o Norte da África. Metodologicamente ele
está interessado na relação entre literatura e
cultura material. Ele está atualmente
dirigindo uma escavação de um complexo
cristão eclesiástico em Cartago. Ele editou o
volume: Constructing Identities in Late
Antiquity. Está escrevendo um livro sobre Cartago atualmente. Seu e-mail é:
rtm1000@cam.ac.uk

3) Logo depois, identificar o tema principal do debate. Sobre o que é que o autor está
escrevendo e discutindo?

Neste caso: Comunicando cultura, identidade e poder no Império Romano.

4) O próximo passo é identificar as palavras-chave do texto. As deste capítulo de livro são


as seguintes:

Império Romano; Comunicação; Cultura; Identidade; Poder; Literacy.


5) A Estrutura do texto. Nesta parte deve-se apresentar um esquema de como o texto foi
pensado. Trata-se de uma divisão em pequenos itens tentando identificar a possível maneira
pela qual o autor concebeu o texto e/ou como ele decidiu organizá-lo. Richard Miles parece
ter pretendido apresentar suas idéias na seguinte ordem:

5.1 O problema da definição de conceitos: Comunicação como um shifter.


5.2 Relembrando Philopappos: A) Pq esta escolha? B) O contexto; C) Análise da
imagem; D) A imagem e o texto.
5.3 O poder da palavra escrita.
5.4 O imperador: A) Julius Caesar e o registro: conhecimento é poder; B) Usos da
escrita; C) Utilidades da escrita; D) Moedas: um canal de comunicação e controle.
5.5 Burocracia e funcionalismo.
5.6 A elite.
5.7 O medium (Em português pode ser lido como “meio”) é a mensagem?
5.8 Cultura, poder e identidade em um mundo oral.
5.9 Romanização: A linguagem e a palavra escrita. Conclusões e referências.

6) Agora é o momento de ser apresentada a principal idéia do autor. Quando Richard Miles,
por exemplo, escreveu este capítulo de livro, ele queria dizer algo, queria elucidar uma
idéia. O que é que o autor sustenta em sua obra? O que está defendendo? Ou seja, trata-se
de apresentar a tese do autor, de preferência retirando um ponto central do próprio texto,
que seja capaz de sintetizar a idéia principal. Caso isso não seja possível, outra opção é
identificar algumas frases do texto que se colocadas juntas poderão indicar a tese. Se este
caminho também não for viável, por fim, pode-se utilizar de paráfrase para expressar a tese
do autor, ou seja, dizer com outras palavras aquilo que é afirmado no texto. Richard Miles
apresenta na obra analisada a seguinte tese:

As identidades são sempre construídas mediante as representações que os grupos ou as


pessoas fazem de si mesmas e dos outros. Isto significa falar de jogos de poder,
principalmente o poder de configurar representações. Estas identidades só podem ser
construídas, mantidas e contestadas mediante comunicação e no mundo romano,
comunicação é necessariamente uma exploração da relação entre a oralidade e a
literalidade. Assim sendo, a tese principal de Richard Miles é de que só é possível
entender cultura, identidade e poder no império Romano (foi com o objetivo de servir
de parâmetro para estas reflexões que não só este ensaio, mas todo o livro foi escrito) se
estes conceitos forem pensados de forma relacional e imbricados ao conceito de
comunicação (Compreendido conforme mencionado acima: relação oralidade/literalidade).

7) Em um debate acadêmico/científico, não basta afirmar coisas, tudo deve ter


plausibilidade, poder ser verificado, analisado com base em evidências. Por isso, quando
um pesquisador apresenta uma idéia, ele precisa sustentá-la. Ou seja, uma tese sempre é
acompanhada de argumentos principais que a fundamentam. O autor afirma algo e explica
o porquê de proceder assim, pensar desta maneira, e como outros podem acompanhar seu
raciocínio, verificar metodologicamente o que está explicitando. São os argumentos que
sustentam a tese do autor. Os de Richard Miles para as idéias que defende são os seguintes:

7.1 Poder, cultura e identidade são construídos, mantidos e contestados por meio da
comunicação.
7.2 O controle sobre e por meio da palavra escrita era um componente central do poder
imperial e uma definição própria da elite romana.
7.3 A palavra escrita representava uma importante finalidade ritualística e simbólica bem
como uma função referencial na construção do poder, cultura e identidade no mundo
Romano.
7.4 O império Romano era predominantemente uma sociedade oral. A comunicação oral
era um importante componente não só da construção de cultura, identidade e poder, mas
também na disseminação da palavra escrita.
7.5 A escassez de indivíduos letrados no Império Romano assegura que os meios visuais
não-escritos eram um importante componente na representação e na formação da
cultura, identidade e poder; os meios orais e escritos eram freqüentemente combinados
para criar narrativas particulares.
7.6 A romanização não representa uma completa supressão (toma de posesión em espanhol;
cambio di gestione, em italiano; Übernahme, em alemão; possivelmente, “tomada de
poder”, em português) das culturas locais e das linguagens que eram usadas em suas
articulações. A romanização era na verdade um processo que envolvia apropriações de
ambos os governos (“Rulers” em português, pode significar ainda: poderes,
administrações, gestores etc. O autor pretende dizer que não havia romanização no
sentido de uma imposição romana de mão-única sobre as culturas “dominadas”. Ao
contrário disso, o que havia eram apropriações de ambos os lados) e culminava na
criação de novas narrativas imperiais.

8) Neste item, é preciso localizar também os diálogos acadêmicos presentes na obra. Isto
permitirá um conhecimento mais aprofundado do autor estudado e obter uma maior
aproximação de suas escolhas metodológicas, teóricas e os motivos que o levaram a querer
escrever algo para defender a tese que defende. Por isso, importa perguntar: Quais os
autores contemporâneos com os quais o escritor da obra fichada debate? Em Ciência da
História, chamamos isto de historiografia. No entanto, há autores de outras áreas,
escrevendo sobre História ou não, que são igualmente relevantes e devem ser, claro,
mencionados da mesma maneira. Ou seja, trata-se de apresentar quais são os diálogos
apresentados pelo autor do texto. É preciso compreender quem é cada um dos autores
mencionados, o porquê de serem evocados, qual o interesse que o autor do texto tem em
suas obras, o que é de fato utilizado e importante para que o autor da obra fichada elabore
seus argumentos e sistematize sua tese etc. Richard Miles dialoga com os seguintes autores:

Sian Lewis; Kleiner; Said; Garcia; Bhabha; Bowman e Woolf; Goody e Watt; Thomas;
Millar; Elsner; Nicolet; Carson; Champlin; Oliver; MacLuhan; Rogers; Williamson;
Crawford; Harris; Culham; Talbert; Coles; Alexander e Rives.

9) O próximo passo é identificar os conceitos utilizados pelo autor na construção de seu


texto. Ou seja, palavras principais e importantes, sem as quais não seria possível escrever a
obra analisada. Estas palavras são utilizadas pelo autor para explicar suas idéias. Elas
podem ter sido formuladas por outros escritores ou por ele mesmo. Podem ser conceitos de
qualquer área do saber e qualquer temporalidade; apropriados pelo autor, eles vão ajudar a
compor o léxico utilizado em sua narrativa. Geralmente, são palavras como: democracia,
imaginário, estrutura, classe, feudalismo, romantismo, ideologia etc. Não é necessário
transcrever todos os conceitos do texto, o objetivo é identificar os mais relevantes. Mesmo
dentre estes ainda é possível especificar os conceitos fundamentais. Sugere-se que eles
apareçam no fichamento acompanhados de algum comentário específico ou mesmo em
negrito. Abaixo, um exemplo dos principais conceitos utilizados por Richard Miles na obra
analisada. Seguem em primeiro lugar o número das páginas e em seguida os conceitos que
nelas se encontram:

Página 29: Comunicação; Articulação de idéias; Transmissão; Cultura; Identidade e


Poder. Página 33: Representação. Página 34: Texto; Representação (coloquei novamente
porque há uma explicação valiosa aqui) e identidade. Página 37: Literacy (Em português
pode significar “Literário”; “Literato”; “Homem de letras”; “Versado em letras”;
“Instruído”; “Aquilo que adentrou o mundo da linguagem grafada” etc). Com este conceito,
o autor pretende discutir o que é ou pode ser considerada literatura? Literatura é o que está
escrito? É o que se opõem à oralidade? Pode ser separada da educação? É determinada pela
cultura? Qual a importância da palavra escrita no mundo antigo? Página 56: Romanização

10) Aqui é preciso apontar as “fontes” utilizadas para obtenção das informações. Muitas
das afirmações do autor podem ou devem estar baseadas não somente no diálogo com
outros autores e teorias, porém, em informações obtidas, adquiridas, pesquisadas,
consultadas pelo próprio autor do texto. Um jornalista pode, por exemplo, conseguir uma
informação privilegiada com alguma pessoa; o colunista de uma revista pode ter consultado
os arquivos de uma biblioteca para escrever seu texto; o antropólogo pode ele mesmo ter
ido a campo e feito anotações sobre o grupo étnico que estuda; o sociólogo pode ter
consultado a carta de fundação do partido político sobre o qual está escrevendo seu artigo.
Ou seja, quais “fontes” foram utilizadas pelo autor na construção de seu texto? No caso dos
historiadores, é muito comum a análise de documentação textual (jornais, processos, cartas,
epístolas, obras dos autores estudos etc); audiovisual (filmes, fotografias, pinturas etc);
cultura material (epigrafia, numismática, estátuas, sepulturas etc) etc. Apesar de nem
sempre ser o caso, geralmente, as “fontes” de um estudioso da Antiguidade são vestígios
produzidos na própria Antiguidade. É preciso identificá-los. Caso não ocorra menção às
fontes, deixe o item sem preenchimento. Richard Miles, no entanto, as utilizou. Foram as
seguintes:

Tácito; Suetônio; Dion Cássio; Plínio, o Jovem; Phrynichus; Cícero; Flávio Josefo;
Augusto; o Corpus Inscriptionum Latinorum; Frontão. Além destes textos, o autor também
utilizou imagens de moedas e monumentos oriundos da Antiguidade, que foram
consultadas, segundo informações do próprio autor, em livros impressos encontrados em
museus e institutos arqueológicos na Inglaterra, Itália e Alemanha.

11) Esta é a parte reservada para identificar as passagens fundamentais do texto, aquelas
que merecem consideração especial. Este item é o que, geralmente, aparece em todo
fichamento de texto. Ou seja, uma reunião das principais passagens que podem interessar
ao leitor, tanto no que diz respeito à forma narrativa quanto ao conteúdo abordado pelo
autor. Quanto mais cuidadosa for a anotação, mais ela auxiliará, tanto agora, quanto no
futuro, quando for preciso consultar ou “relembrar” o texto a partir do fichamento. Quanto
maior for o número de fichamentos acumulados ao longo do tempo maior será o banco de
dados, fornecendo subsídios teóricos para consultas posteriores, cujos resultados poderão
ser utilizados para a confecção de resenhas, artigos, tcc, livros etc. Sugere-se que estes
arquivos sejam salvos em sistemas digitais como Google Drive, Dropbox e outros, para que
possam ser facilmente acessados de qualquer lugar do mundo online. Por conta deste
interesse, é preciso anotar não somente o trecho importante, mas também a página, o que
permitirá uma citação precisa se isto vier a ser o caso.

12) Dúvidas relacionadas ao texto:

Esta é uma parte muito importante. Deve-se registrar todas as dúvidas com relação ao texto
lido, para que elas possam, desta forma, ser solucionadas posteriormente, seja por meio de
pesquisas próprias, procedimento mais indicado, o que gerará cada vez mais autonomia
para o professor/pesquisador; a partir de diálogos com outras pessoas que leram (ou não) o
mesmo texto, afinal, ninguém é arauto do saber e o conhecimento pode ser sempre
debatido, compartilhado, ampliado; ou perguntando ao professor. É fundamental anotar
toda e qualquer dúvida, mesmo aquelas consideradas “simples”. Mesmo estas poderão
servir para investigações futuras de como eram as preocupações do autor do fichamento no
momento em que leu o texto analisado. Por meio de fichamentos é possível ter uma idéia de
que tipo de dúvidas o autor do fichamento tinha em determinado momento de sua
caminhada intelectual. Ainda, quanto mais dúvidas anotadas maior será a contribuição para
o debate acerca do texto fichado.

13) Problematização, críticas, opiniões pessoais, sugestões com relação ao texto:

Este é o momento final do fichamento e um dos mais relevantes. É hora de registrar todas
as críticas em relação ao texto, sejam relacionadas com a forma de argumentação do autor,
com a composição da narrativa, ou algo que diga respeito ao conteúdo. É preciso também
apresentar problematizações possíveis com relação ao texto, tanto para uso pessoal, criando
hipotéticos objetos de pesquisa futuro, ou a serem apresentadas para debate coletivo. Não
basta ler o texto, é preciso se posicionar criticamente diante dele, propor discussões,
problematizações, debates etc. O historiador não é uma máquina registradora de “fatos”. É
nesta parte que toda e qualquer opinião com relação ao texto fichado deve ser manifesta.

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