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Palavras de um selvagem

O escritor Raduan Nassar encerrou ontem a Semana de Letras da


Unicamp com declarações sobre as armadilhas da literatura em
frases curtas, mas de efeito

Maria Claudia Miguel

O selvagem Raduan Nassar chegou mesmo a um acordo perfeito


com o mundo: “Em troca de seu barulho, dou-lhe meu silêncio”, já
escreveu no conto O Ventre Seco. Descendente de árabe, o escritor
bissexto, aos 63 anos, não sabe bem o que quer da vida. Mas sabe o
que não quer.
Um pouco sem jeito e com as mãos em cima do maço de cigarros, o
consagrado autor de Lavoura Arcaica (1975) e Um Copo de Cólera
(1978) participou ontem do encerramento da Semana de Estudos de
Letras e Lingüística, promovida pelo Instituto de Estudos da
Linguagem da Unicamp.
Com a cabeça baixa e a voz entremeada por longas pausas, afirmou,
diante da platéia acadêmica ansiosa por uma decisiva palavra do
mestre solitário: “Não sou acostumado a falar. Não tenho teoria,
nem o que dizer. Sou pára-quedista em literatura. Moro em São
Paulo e no sítio perto de Buri. Continuo dividido. Ainda não
consegui me decidir”.
Ao mesmo tempo em que insiste, há mais de duas décadas, em fugir
da armadilha literária (neste ano lançou Menina a Caminho) para se
dedicar à vida bucólica, o escritor é sempre convidado para
lançamentos e homenagens. E que ninguém espere longas frases
teóricas ou decoradas. “Os gostos estéticos estão ligados à história
de cada um. Qual é o problema de apreciar um pingüim de geladeira
ou um Joyce?”, dispara, para logo arrematar: “Escrever bem não
significa estar na moda, ser aplaudido. Essa coisa de melhor é uma
bobagem muito grande. Escrever bem é chegar perto dos próprios
critérios. Uma das poucas coisas que dá sentido à vida é ser fiel às
suas próprias referências por mais simples ou corriqueiras que
possam parecer. Sei de leitores que acham Lavoura Arcaica muito
chato. E deve ser mesmo”, diverte-se, desafiador.
Homem calado – “dizendo melhor, um selvagem” –, Raduan Nassar
nunca foi de jogar conversa fora. “Só depois de cultivar as amizades
me sinto motivado a falar o que está no meu pensamento”, revelou o
escritor que não nega trazer na feição e na literatura, a austeridade e
sabedoria da imigração árabe.
Para quem já foi leitor de obras de Albert Camus, Dostoievski,
Thomas Mann, Jorge de Lima (“li sua obra, embalado pela
musicalidade dos versos”), Nassar dá hoje as costas ao exercício
literário. “Não leio mais nada. Sinto prazer em acordar bem cedo,
fazer meu café, ligar o radinho e viver no silêncio que não é
ameaçador”.
Seus três livros ganharam versão cinematográfica sob a lente de
Luiz Fernando Carvalho (Lavoura Arcaica e Menina a Caminho) e
de Aluísio Abranches (Um Copo de Cólera). “A idéia me causou
algum incômodo. Não acredito na transposição da história para o
cinema. Sou pessimista, mas minhas resistências foram vencidas”,
diz, vertendo a mais franca cólera.

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