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Roseli P.

Schnetzler

O presente artigo aborda a importância das contribuições de pesquisas sobre ensino de Química para a
formação e atuação docente. Elas são articuladas como tendências de investigação da nova área da Didática
das Ciências, enfatizando a relevância de sua divulgação junto a professores através dos artigos publicados
nesta seção nos 10 anos de existência da Química Nova na Escola (QNEsc).


pesquisa, ensino de Química, QNEsc

Recebido em 13/10/04, aceito em 29/10/04

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N
esses 10 anos de Química desenvolver ou organizar o ra- o superior. Nesse sentido é que se si-
Nova na Escola (QNEsc), o ciocínio do senso comum dos tuam a importância da pesquisa no
propósito central da seção jovens. Aprender ciências re- ensino de Química e dessa seção da
Pesquisa no Ensino de Química tem quer mais do que desafiar as QNEsc ao divulgá-la para professo-
sido o de divulgar contribuições de idéias anteriores dos alunos, res, além de incentivá-los à sua pro-
investigações para a melhoria da for- através de eventos discrepan- dução no contexto concreto de suas
mação de professores de Química, tes. Aprender ciências requer práticas pedagógicas.
visando que os processos de ensino que crianças e adolescentes
que desenvolvem lhes sejam relevan- sejam introduzidos numa forma Conceituando a pesquisa em ensino
tes por serem significativos para seus diferente de pensar sobre o de Química
alunos, reafirmando a importância mundo natural e de explicá-lo. Para conceituarmos a pesquisa
dos contextos escolares para a for- (Driver et al., 1999, p. 36) em ensino de Química, faz-se neces-
mação de cidadãos. Afinal, é nesta sário discutir como a articulação pes-
No entanto, inúmeros trabalhos na
instituição social chamada escola quisa e ensino vem sendo pensada
literatura nacional e internacional so-
que, por meio da mediação docente, nesses 40 anos que marcam o início
bre ensino de Química evidenciam
os alunos poderão ter acesso a e se e desenvolvimento dessa nova área
que a aprendizagem dos alunos vem
apropriar de conhecimentos historica- da Química. Isto porque a educação
sendo geralmente marcada pela me-
mente construídos pela cultura hu- química tem um outro objeto de es-
morização de uma grande quanti-
mana - conhecimentos científicos/quí- tudo e de investigação, conforme ex-
dade de informações, que lhes são
micos - que lhes permitem outras lei- pressei, junto com Aragão, no pri-
cobradas para que sejam aprovados
turas críticas do mundo no qual estão meiro artigo sobre pesquisa no ensino
em seus cursos, constituindo um en-
inseridos. Conforme expressam Dri- de Química publicado na QNEsc:
sino de Química distanciado do mun-
ver et al., em artigo publicado no
do cultural e tecnológico no qual Pelo fato de nosso objeto fun-
número 9 da QNEsc:
vivem. Razões para tal, bem como damental de estudo e investiga-
Aprender ciências não é uma propostas de superação desse ção concentrar-se no processo
questão de simplesmente am- ensino dissociado da vida, podem ser de ensino-aprendizagem do
pliar o conhecimento dos jo- encontradas por profissionais que conhecimento químico, diferen-
vens sobre os fenômenos - trabalham com a educação química temente das outras áreas da
uma prática talvez denominada em investigações sobre o ensino química, que basicamente
mais apropriadamente como dessa ciência nos vários contextos preocupam-se com interações
estudo da natureza - nem de escolares, desde o ensino básico até de átomos e moléculas, com a

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dinâmica e mecanismos de de projetos de ensino (CBA e sido pautada no modelo psicopeda-
transformações químicas, nós, CHEMS, no âmbito da Química), nos gógico da transmissão-recepção,
da área de educação química, últimos 20 anos os interesses de caracterizando o que se denomina de
nos envolvemos com intera- investigação foram dirigidos a temas ensino tradicional. Quais concepções
ções de pessoas (alunos e pro- muito mais diversos, dentre os quais o definem? Usualmente, uma prática
fessores) e com a dinâmica do destacam-se: identificação de con- de ensino encaminhada quase exclu-
conhecimento nas aulas de cepções alternativas de alunos e pro- sivamente para a retenção, por parte
química. (Schnetzler e Aragão, posição de mode- dos alunos, de enor-
1995, p. 28) los de ensino que O que um(a) professor(a) mes quantidades de
as levem em consi- de Química ensina para informações, com o
Isto significa que o domínio do seus alunos(as) decorre da
deração; resolução propósito de que se-
conhecimento químico é condição sua visão epistemológica
de problemas; ensi- jam memorizadas e
necessária para o propósito e desen- dessa ciência, do
no experimental; devolvidas nas pro-
volvimento de pesquisas no ensino, propósito educacional que
análise de materiais vas, nos mesmos ter-
mas não é suficiente, dada a comple- atribui ao seu ensino, de
didáticos; relações mos em que foram
xidade de seu objeto, das interações como se vê como
Ciência, Tecnologia transmitidas pelo pro-
humanas e sociais que o caracte- educador(a)
e Sociedade (CTS) fessor. Nesse modelo,
rizam. Por isso, precisamos recorrer
em processos de a aprendizagem é
a contribuições teóricas das várias
ensino-aprendizagem; linguagem e entendida como uma simples recep-
Ciências Humanas, não se tratando
comunicação em sala de aula; mode- ção de informações ditas pelo pro-
de mera utilização ou aplicação das
los e analogias; concepções episte- fessor, assumindo-se a linguagem
mesmas à área da educação quími-
mológicas de professores; propostas como um mero “tubo” que transmite,
ca.
para uma formação docente mais conduz as palavras do emissor (pro-
Em outras palavras, a identi- adequada; questões curriculares e de fessor) para o receptor (aluno) com
dade dessa nova área de inves- avaliação; papel das novas tecnolo- significados rígidos. Os conteúdos
50 tigação é marcada pela espe- gias de comunicação (Cachapuz et químicos, por sua vez, são transmi-
cificidade do conhecimento al., 2001). Tais temas vêm sendo tra- tidos como inquestionáveis, objetivos,
científico, que está na raiz dos tados não somente nesta seção, mas já que erroneamente concebidos co-
problemas de ensino e de também em várias outras que com- mo provenientes de inúmeras obser-
aprendizagem investigados, põem cada número da QNEsc. vações experimentais, isentas de
implicando pesquisas sobre A pertinência desses temas de in- crenças e visões dos sujeitos que as
métodos didáticos mais ade- vestigação para uma melhor forma- realizaram.
quados ao ensino daquele ção e atuação docente em Química Professores(as) que orientam seu
conhecimento e investigações decorre da constatação de que a prá- fazer docente segundo tais concep-
sobre processos que melhor tica pedagógica de ções dificilmente per-
dêem conta de necessárias cada professor(a) O domínio do ceberão a necessi-
reelaborações conceituais para manifesta suas con- conhecimento químico é dade de pesquisar
o ensino daquele conheci- cepções de ensino, condição necessária para o sobre seu ensino, ou
mento em contextos escolares aprendizagem e de propósito e mesmo de melhorá-
determinados. Isso significa conhecimento, como desenvolvimento de lo à luz de contribui-
que o ensino de ciências/quí- também suas cren- pesquisas no ensino, mas ções de pesquisas
mica implica a transformação ças, seus sentimen- não é suficiente, dada a pois, usualmente,
do conhecimento científico/ tos, seus compro- complexidade de seu atribuem a pouca
químico em conhecimento es- missos políticos e so- objeto, das interações aprendizagem de
colar, configurando a necessi- ciais (Aragão, 2000). humanas e sociais que o seus alunos à falta
dade de criação de um novo No entanto, tais con- caracterizam de base e de inter-
campo de estudo e investiga- cepções e crenças esse destes, e/ou à
ção, no qual questões centrais nem sempre estão explícitas, cons- falta de condições de trabalho na
cientes para os professores, embora escola. Como para tais professo-
sobre o que, como e porque
determinem o seu fazer docente. Em res(as) só há problemas de aprendi-
ensinar ciências/química cons-
outras palavras, o que um(a) profes- zagem e não de ensino (!), eles não
tituem o cerne das pesquisas.
sor(a) de Química ensina para seus vêem razão ou necessidade para a
(Schnetzler, 2002, p. 15)
alunos(as) decorre da sua visão epis- pesquisa nesse campo. A atribuição
Nesse sentido, se na fase inicial temológica dessa ciência, do propó- de culpa pela pouca qualidade dos
(década de 60) da constituição da Di- sito educacional que atribui ao seu processos educativos aos alunos e/
dática das Ciências, campo no qual ensino, de como se vê como educa- ou às condições de trabalho não re-
se inserem as pesquisas sobre ensino dor(a). Por exemplo, uma atuação solve os problemas da prática peda-
de Química, predominou a produção docente ainda muito frequente tem gógica. Além de mantê-los, manifesta

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desconhecimento da importância so- co que, com suas várias etapas, leva cos a elas atribuídos. Além disso, tais
cial e da complexidade do ato educa- à descoberta de verdades científicas idéias influenciam o que e como po-
tivo, bem como de contribuições da a partir de observações objetivas e derão (ou não) aprender o que lhes
pesquisa educacional e, particula- neutras. Entretanto, essa criticável ensinamos. Portanto, de simples re-
rmente, da área da Didática das Ciên- concepção empirista-indutivista de cepção, a aprendizagem passa a ser
cias. Se os professores desconhe- ciência ainda permanece subjacente à concebida como evolução, reorga-
cem tais contribuições, geralmente é usual sugestão da maioria dos profes- nização ou mudança de concepções
porque a elas não foram introduzi- sores de Química de que a melhoria dos alunos, cabendo ao ensino a sua
dos(as) em seus cursos de licencia- do ensino proviria de aulas de labora- promoção.
tura, razão pela qual a linha de inves- tório. Contrariamente, a associação Nessa perspectiva, cerca de 4.000
tigação sobre modelos de formação dessa crítica aos resultados pouco pro- pesquisas sobre domínios conceituais
docente tem merecido atenção espe- missores de avaliação dos projetos específicos foram realizadas nos anos
cial nos últimos anos, conforme evi- curriculares em termos de aprendiza- 80, constituindo o que se denomina
denciam as tendências da área da gem dos alunos levou os educadores “movimento das concepções alterna-
Didática das Ciências sintetizadas a em ciências, no final dos anos 70, a tivas”. Essas investigações nos reve-
seguir. desenvolverem investigações sobre lam, por exemplo, que os alunos com-
como os alunos aprendem conceitos preendem as transformações químicas
Tendências da investigação na Didática científicos, visando que os resultados como justaposição de substâncias e
das Ciências / no Ensino de Química orientassem propostas curriculares não como interação de partículas que
Em oposição aos cursos tradicio- mais eficazes. as constituem; que, no equilíbrio, as
nais de Química, Física e Biologia, Esses novos rumos implicaram que concentrações de reagentes e produ-
pautados no modelo transmissão- as investigações passassem a ser de- tos precisam ser iguais; e que uma bar-
recepção acima descrito, o movimento senvolvidas segundo metodologias que ra de metal dilata porque seus átomos
de reforma curricular ocorrido explorassem o como e porquê, ou seja, dilatam, já que os estudantes tendem
principalmente nos Estados Unidos e que descrevessem e interpretassem a associar propriedades macros-
Inglaterra, nos anos 60, marca o início como os alunos aprendem conceitos. cópicas a entidades microscópicas.
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da área da Didática das Ciências. Se- Por isso, além dessa abordagem qua- Outros resultados apontaram que
gundo Kempa (1976), tal movimento litativa de pesquisa, os pesquisadores concepções “errôneas” sobre inúme-
deu origem a muitas questões de passaram a se fundamentar em contri- ros conceitos científicos eram detec-
investigação relativas à estrutura de buições da psicologia cognitivista e a tadas mesmo após os alunos terem
conteúdo das disciplinas científicas, adotar posições epistemológicas mais freqüentado e sido aprovados em
aos objetivos da educação em ciên- racionalistas e contemporâneas de ciên- cursos de Ciências, evidenciando que
cias, à efetividade de diferentes abor- cia, as quais pressupõem a existência os professores, no seu ensino, ainda
dagens instrucionais e aos efeitos dos de estruturas teóricas prévias que não levavam em conta as idéias de
novos currículos na aprendizagem e orientam a observação científica. Assim, seus alunos (Driver e Erickson, 1983;
atitudes dos alunos. Até hoje, várias esta já não é mais considerada objetiva Osborne e Wittrock, 1983; Gilbert e
contribuições para a melhoria do nem neutra, mas orientada por teorias Watts, 1983; Hashweh, 1986). Tais
processo de ensino-aprendizagem em e modelos que, sendo construções hu- constatações promoveram a intensi-
Ciências/Química são decorrentes manas com propósitos explicativos e ficação de pesquisas em três grandes
daquele movimento, tais como: a idéia previsíveis, são provisórios (Santos, linhas de investigação que mantêm
de currículo em espiral, que implica a 1991 e Cleminson, estreitas e impor-
seleção de conceitos fundamentais e 1990). Também, de A criticável concepção tantes relações: es-
sua organização através de grandes uma tradição centrada empirista-indutivista de tratégias e modelos
temas centrais, promovendo um maior na transmissão de co- ciência ainda permanece de ensino para a
relacionamento conceitual; aulas nhecimentos para alu- subjacente à usual sugestão promoção de mu-
experimentais para introduzir e explorar nos tábulas rasas, es- da maioria dos professores dança ou evolução
problemas; organização da sala de tes passam a ser de Química de que a conceitual nos alu-
aula em grupos de alunos para realizar concebidos como pos- melhoria do ensino proviria nos; o papel da lin-
e discutir experimentos. Por sua vez, suidores e construtores de aulas de laboratório guagem na constru-
as principais críticas aos projetos são, de idéias pois, pelo ção de conceitos
também, contribuições importantes simples fato de estarem no mundo e científicos; e concepções de profes-
para o avanço do conhecimento na de procurarem dar sentido às inúmeras sores e modelos de formação docente
área, a saber: a ênfase na aprendiza- situações com as quais se defrontam, (Schnetzler, 1998).
gem por descoberta, por meio da qual chegam a nossas aulas de Química Com relação à primeira linha, mu-
o aluno, concebido como tábula rasa, com idéias sobre vários fenômenos e dança conceitual foi o termo empre-
constrói conceitos a partir da observa- conceitos químicos que para eles gado para designar a transformação
ção e coleta de dados experimentais, fazem sentido, mas que, usualmente, ou a substituição de idéias dos alunos
segundo a adoção do método científi- são distintas dos significados científi- por outras idéias cientificamente

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aceitas. Por alguns anos, pareceu ha- área passaram a adotar posições epis- bém, a constatação de que o conheci-
ver consenso entre pesquisadores temológicas mais racionalistas e con- mento científico não faz parte do con-
quanto às condições para a ocorrên- temporâneas de ciência, constatando- texto cultural dos alunos. Desde o final
cia de tal mudança. Uma delas era que se, desde o início da década de 90, a da década de 70, tem sido defendida
o aluno deveria se sentir insatisfeito ou realização de investigações que a inclusão das relações CTS nos
“em conflito” com sua concepção a fim também incorporam a dimensão só- cursos de Ciências. A origem desse
de mudá-la ou substituí-la. Nesse sen- cio-interacionista à análise do processo movimento pode ser explicada pelas
tido, ao ensino cabia promover tal de ensino-aprendizagem. Nesse conseqüências decorrentes do
conflito, principalmente pelo confronto âmbito, interações discursivas e a ne- impacto da ciência e da tecnologia na
entre as concepções dos alunos e gociação social de significados são sociedade moderna e, portanto, na
resultados de atividades experimentais. consideradas fundamentais na cons- vida das pessoas, colocando a neces-
Por tal razão, dentre as inúmeras pes- trução de conhecimentos. sidade dos alunos adquirirem conhe-
quisas relativas à mudança conceitual cimentos científicos que os levem a
Esses trabalhos destacam
na década de 80, constata-se a pre- participar como cidadãos na socieda-
que a construção do conheci-
valência de modelos apoiados na linha de, de forma ativa e crítica, pela tomada
mento em sala de aula depen-
piagetiana, os quais enfatizavam o de decisões. Apesar da repercussão
de essencialmente de um pro-
processo individual de construção de desse movimento nos periódicos de
cesso no qual os significados e
conhecimento por parte do aluno. Didática das Ciências e nos congres-
a linguagem do professor vão
No entanto, segundo Matthews sos da área e da existência de projetos
sendo apropriados pelos alunos
(1994), essas propostas construtivistas e propostas de ensino já elaborados,
na construção de um conheci-
manifestavam a mesma epistemologia vários trabalhos evidenciam a reduzida
mento compartilhado. O ensino
aristotélico-empirista, enfatizando a inclusão dessa abordagem em cursos
não pode ser visto simplesmen-
observação científica segundo óculos de ciências (Santos e Schnetzler, 2003),
te como um processo de reequi-
conceituais próprios ou “teorias” espe- o que pode ser atribuído ao modelo
libração (Piaget, 1965), no qual
cíficas do sujeito. Para tal autor, o dile- usual de formação docente, justifican-
a exposição dos sujeitos à situa-
52 ma construtivista era não distinguir os do, também, a intensificação de pes-
ções de conflito levaria à supera-
objetos teóricos e as idealizações da quisas sobre o pensamento e a forma-
ção das concepções prévias e
ciência de seus objetos reais. Em ou- ção de professores.
a construção de conceitos cien-
tras palavras, os construtos teóricos da
tíficos. A superação de obstácu-
ciência, que são produtos de elabo- Pesquisadores na área
los passa necessariamente por
ração e criação humana, e que nos passaram a adotar
um processo de interações dis-
permitem explicar, interpretar e prever posições epistemológicas
cursivas, no qual o professor tem
fenômenos, não provêm diretamente mais racionalistas e
um papel fundamental, como
da observação e são, portanto, pouco contemporâneas de
representante da cultura cientí-
prováveis de serem “construídos”e ciência, constatando-se,
fica. Nesse sentido, aprender
aprendidos pelos alunos apenas a desde o início da década
ciências é visto como um pro-
partir de observação e experimentos, de 90, a realização de
cesso de “enculturação” (Driver,
sem o apoio do professor. Ao contrário, investigações que também
Asoko, Leach, Mortimer,
os alunos precisam ser introduzidos a incorporam a dimensão
Scott,1994), ou seja, a entrada
idéias validadas por uma comunidade sócio-interacionista à
numa cultura diferente da cultura
científica, o que leva à consideração análise do processo de
do senso comum. Nesse pro-
de que o professor é um mediador que ensino-aprendizagem
cesso, as concepções prévias
possibilita o acesso dos alunos às
do estudante e sua cultura coti-
mesmas. Todavia, como as concep- Mesmo com relação ao conheci-
diana não têm que, necessaria-
ções dos alunos podem ser antagôni- mento ou domínio do conteúdo a ser
mente, ser substituídas pelas
cas às idéias cientificamente aceitas, ensinado, a literatura revela que tal
concepções da cultura científi-
porque construídas conforme carac- necessidade docente vai além do que
ca. A ampliação de seu universo
terísticas do pensamento de senso habitualmente é contemplado nos cur-
cultural deve levá-lo a refletir
comum (que se pauta por idéias prag- sos de licenciatura, implicando conhe-
sobre as interações entre as
máticas, presas ao sensível, ao visual, cimentos profissionais relacionados à
duas culturas, mas a construção
tácitas, utilitárias), há visões distintas história e filosofia das ciências, a orien-
de conhecimentos científicos
entre professor e aluno que precisam tações metodológicas empregadas na
não pressupõe a diminuição do
ser expressas e negociadas. Por isso, construção de conhecimento científico,
status dos conceitos cotidianos,
a interação educativa, em qualquer a relações CTS e perspectivas do de-
e sim a análise consciente das
nível de escolaridade, implica a senvolvimento científico. No propósito
suas relações. (Mortimer e Ma-
negociação de significados (Driver et de contribuir para a melhoria da for-
chado, 1997)
al., 1999). mação docente, vários trabalhos vêm
Nesses termos, pesquisadores na Explícita nessas idéias tem-se, tam- incorporando a idéia de professor-

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pesquisador, para a qual convergem sores, os referidos autores estão contri- Santos e Mortimer (1999), na
as perspectivas atuais. buindo para a construção de uma nova QNEsc 10, exploram problemas em
epistemologia da formação docente processos construtivistas, ao investi-
A pesquisa, como princípio
em Química. No intuito de também garem estratégias e táticas de resis-
formador e como prática, deve-
melhorá-la, Paixão e Cachapuz (2003) tências de alunos em aulas de Quími-
ria tornar-se constitutiva da pró-
propõem e investigam, no número 18, ca. Nos demais artigos da seção de
pria atividade do professor, por
um programa baseado na história e pesquisa no ensino, encontram-se,
ser a forma mais coerente de
filosofia da ciência com vistas ao de- também, investigações sobre livro di-
construção/reconstrução do
senvolvimento de práticas de ensino de dático (Campos e Cachapuz, 1997),
conhecimento e da cultura. Des-
Química mais inova- relações CTS e
sa forma, poderíamos superar a
doras. Na mesma Além da temática sobre cidadania no ensino
metáfora do professor como
QNEsc, Canela et al. formação docente, outras de química (Santos e
transmissor de conhecimento e
(2003) investigam prá- contribuições importantes Schnetzler, 1996),
de cultura. Essa metáfora pode
ticas de ensino e a foram publicadas nas seções experimentação em
estar isolando o professor da
concepção de profes- Pesquisa no Ensino de química (Giordan,
produção do conhecimento pro-
sores de Química e Química e Aluno em Foco, 1999) e modelos de
fissional, tornando-o sempre
Biologia sobre temá- relativas à identificação e ensino (Milagres e
mais dependente e desprofis-
ticas relativas ao meio abordagem de concepções Justi, 2001), eviden-
sionalizado. Preferimos desen-
ambiente. Gauche e de alunos sobre vários ciando temáticas e
volver uma nova metáfora, a do
Tunes (2002), por sua conceitos químicos enfoques de pes-
professor-pesquisador em uma
vez, investigam, na quisa não somente
prática reflexiva na ação e sobre
QNEsc 15, a relação entre ética e auto- afinados com as tendências inter-
a ação, superando a dicotomia,
nomia, através da narrativa de um pro- nacionais atuais mas, principalmente,
própria da racionalidade técnica,
fessor de Química sobre a sua trajetória contribuindo para as mesmas com a
que concebe alguns profissio-
profissional. produção de novos conhecimentos.
nais como produtores de conhe-
Além da temática sobre formação Nesses termos, é relevante cons-
cimentos e outros que o apli- 53
docente, outras contribuições impor- tatar que já possuímos um contingente
cam. Pensada dessa forma, a
tantes foram publicadas nas seções de profissionais especializados nessa
sala de aula passa a ser uma si-
Pesquisa no Ensino de Química e nova área de conhecimento da Quí-
tuação que é única, complexa,
Aluno em Foco, relativas à iden- mica, com capacidade de produção
com incertezas, com conflitos de
tificação e abordagem de concep- de pesquisas inclusive reconhecidas
valores, com a qual o professor
ções de alunos sobre vários conceitos internacionalmente, apesar das inú-
vai conversar, pensar e interagir.
químicos: equilíbrio químico (Macha- meras dificuldades que se impõem no
Ao fazer isso ele estará pes-
do e Aragão,1996), transformações desenvolvimento de um novo campo
quisando. Ë necessário que o
químicas (Mortimer e Miranda, 1995), de saber.
faça em um coletivo organizado
Rosa e Schnetzler, 1998), soluções Portanto, professor(a), você tam-
no qual vai discutir suas desco-
(Echeverria, 1996) e sobre temas bém precisa se integrar a nós, au-
bertas, comunicar seus avanços
como Cinética (Justi e Ruas, 1997), mentando substancialmente o nosso
e reconstruir as suas ações. (Mal-
Termoquímica (Mortimer e Ama- contingente pois, com isso, rea-
daner e Schnetzler, 1998:210)
ral,1998) e estrutura da matéria firmará o propósito desta seção e da
Nessa perspectiva, vários artigos (Mortimer, 1995), Romanelli (1996) e QNEsc como um todo. Este tem sido
foram publicados na QNEsc, particu- Beltran (1997). Ao desenvolverem pautado na nossa convicção de que
larmente nos seguintes números: 1, 4, reflexões epistemológicas e constru- a melhoria efetiva do processo de
9, 14, 16. Rosa et al. (2001) utilizam o tivistas, de cunho sócio-interacionista, ensino-aprendizagem em Química só
referencial da investigação-ação na tais investigações discutem aspectos acontece através da ação e do co-
formação continuada de professores. relevantes sobre os conceitos e te- nhecimento do professor(a), o que
Esta é também tratada por Maldaner e mas tratados, além de enfatizarem a demanda, de sua parte, um contínuo
Piedade (1995), Lima (1996), Castilho mediação do professor e a importân- processo de aprimoramento profis-
et al. (1999) e Schnetzler (2002), que, cia das interações discursivas e da sional através da reflexão e da pes-
em seus artigos, descrevem ações que linguagem em sala de aula. Esse te- quisa sobre a sua própria prática
vão na contramão da racionalidade ma, em particular, é também explora- pedagógica.
técnica, evidenciando possibilidades do por Machado (1995 e 2000) em
de combater esse paradigma de for- dois outros artigos na QNEsc (n. 2 e Roseli P. Schnetzler (rpschnet@unimep. br), bacharel
mação docente pela realização da pes- 12), nos quais a referida autora trata e licenciada em Química pela USP, mestre em Edu-
quisa que produz um melhor ensino. a importância da linguagem química cação na área de Metodologia de Ensino pela
Unicamp e doutora em Educação Química pela
Ao desenvolverem trabalhos que em processos de conceitualização e Universidade de East Anglia (Inglaterra), é docente
propõem a formação do professor- de formação de pensamento químico do Programa de Pós-Graduação em Educação da
pesquisador e a parceria entre profes- nos alunos. Universidade Metodista de Piracicaba.

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Abstract: The Research on the Teaching of Chemistry and the Importance of Química Nova na Escola - This article deals with the importance of the contributions from the investigations on the
teaching of chemistry for teachers’ formation and action. They are articulated with research tendencies in the new area of science didactics, emphasizing the relevance of their dissemination to
teachers through the articles published in this section in the 10 years of existence of Química Nova na Escola.
Keywords: research, chemistry teaching, QNEsc

QUÍMICA NOVA NA ESCOLA Pesquisa no ensino de Química e QNEsc N° 20, NOVEMBRO 2004

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