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V Encontro Nacional da Anppas


4 a 7 de outubro de 2010
Florianópolis - SC – Brasil
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Interdisciplinaridade e Reflexões sobre a Objetividade


Científica

Carolina Joly (UNICAMP)


Geógrafa, doutoranda do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (NEPAM)
carolina_joly@hotmail.com

Resumo

Este artigo faz uma reflexão através de uma breve retomada da evolução
epistemológica da ciência, desde o positivismo até a possibilidade interdisciplinar,
passando por algumas propostas atuais de diálogo entre o campo das ciências sociais
e naturais, como a Ecologia Econômica, a Ecologia de Paisagem, a Ecologia Humana
e a Sociologia Ambiental, sobretudo com relação às questões tão complexas que hoje
se apresentam ao campo científico em geral, questionando até os limites disciplinares,
se é que ainda existem muitos. As idéias trabalhadas pelo presente artigo constituem
parte do arcabouço teórico de uma pesquisa que pretende investigar as inter-relações
entre pesquisa científica e gestão de áreas protegidas, como estratégia de
conservação, no Litoral Norte paulista.

A escala é, por definição, um conceito muito caro à Ciência de modo geral,


desde o nascimento de muitas disciplinas, no final do século XIX. Neste sentido, é
válido tanto o conceito ferramental de análise empírica da realidade (escala numérica),
como o conceito de escalas de poder (nacional, supra-nacional, global) por exemplo,
utilizado pelas Ciência Política. O conceito escalar também ajudou as ciências
humanas a desenvolverem as ferramentas de análise de seus objetos de estudo,
estabelecendo níveis hierárquicos, assim como nas ciências naturais. Note, porém,
que não há qualquer relação epistêmica entre as escalas de ambas, mas apenas uma
forma semelhante de estabelecer níveis graduais de abrangência e complexidade,
comuns às ciências nascidas do positivismo.

Outra semelhança pode ser apontada, constituindo, na realidade, um desafio


metodológico a ambas as ciências, posto justamente pela herança positivista, tão
arraigada em alguns campos do saber: a definição dos limites entre os níveis
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escalares. No caso da Geografia, por exemplo, onde terminam as propriedades da


região e começam as do território? Ou, como se delimita o exato domínio de um
ecossistema, no caso de um ecólogo? Os limites, muitas vezes, são então buscados
através de padrões e processos, ou seja, da repetição de alguma organização não
aleatória e recorrente, dada uma distribuição espacial e temporal (aqui é acrescentada
a dimensão temporal de escala). Segundo princípios dedutivos ou indutivos de
observação, uma vez que não se pode reproduzir ou transportar uma região ou um
ecossistema para um laboratório, o geógrafo ou o ecólogo por exemplo, finalmente,
estabelecem o limite. É o método, portanto, de análise das possibilidades, que irá
estabelecer o “verdadeiro“ limite, a fim de promover o progresso das ciências.

“Novas teorias gerais ou paradigmas são as fontes elementares da maioria dos


avanços científicos, e a maioria deles foi obtida através de métodos indutivos. A teoria
da evolução pela seleção natural, a estrutura dupla-helicoidal do DNA e a teoria do
equilíbrio da biogeografia insular foram todas derivadas da reunião de dados reais,
identificando um padrão, e então propondo uma explicação geral dos mecanismos.”
(Lomolino e Brown, 2006, p.8)

As abordagens, entretanto, frutos de diferentes escolas e visões de mundo,


muitas vezes, desenham esses limites, tanto nas ciências humanas quanto nas
ciências naturais, evidenciando o alto grau de intencionalidade presente nas pesquisas
acadêmicas, de modo geral. Contudo, são essas pesquisas, justamente, que irão
embasar as decisões políticas e, inclusive, o arcabouço jurídico, relativo à mediação
cotidiana dos conflitos de interesse colocados pelas sociedades. As políticas voltadas
para a conservação e o uso dos recursos naturais, por exemplo, são pautadas em
informações de pesquisas acadêmicas baseadas em determinados parâmetros, que
não são necessariamente os melhores e nem os únicos. A determinação dos limites
de uma área de proteção ambiental fortemente calcada no levantamento do número
de espécies, por exemplo, pode ser utilizada como um indicador de biodiversidade
desse local, quando, ao mesmo tempo, nada é revelado sobre as interações que
animam esses táxons.

Para os biólogos Ludwig, Hilborn & Walters (1993), a ciência, tão objetiva e
quantificadora, não deu conta, por exemplo, de mudar o resultado do uso e exploração
de recursos naturais, levados ao colapso, tanto na era pré-moderna quanto hoje, na
mais tecno-científica das sociedades humanas. E a falha, segundo os autores, foi
justamente a ciência ter prometido a redenção humana dos seus erros e abusos
através do desenvolvimento tecnológico e científico, afinal esse era o instrumento
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neutro que nos levaria à verdade e ao progresso.

Há, porém, um terceiro princípio comum aos dois campos científicos e também
parte do legado cartesiano das ciências modernas, que gostaríamos aqui de destacar:
o princípio do distanciamento com relação ao objeto de estudo, em nome da
neutralidade da análise. Segundo Gomes (2000, p.68),

“Para que a ciência pudesse ser fundada sobre a excelência do método, uma outra
condição deveria ser realizada. O estabelecimento de uma distância entre o sujeito
conhecedor e o objeto desse conhecimento. A razão, graças ao método, era
considerada como o único instrumento capaz de isolar estes dois termos. Entre o
mundo sensível e o mundo inteligível, o único ponto capaz de separar a percepção
personalizada e imediata do conhecimento geral, universal e objetivo é o método
científico.”

Na aurora da modernidade, junto ao nascimento da ciência que se entende


neutra, o homem se liberta, enfim, de sua condição natural, comungada por todas as
outras espécies, podendo até mesmo analisar a natureza à distância, graças ao
método científico. No caso da Geografia e da Ecologia, por exemplo, a natureza se
torna um objeto de estudo, seja pelas suas diferentes manifestações na paisagem do
planeta, tornando-se cenário para as construções humanas, ou pelas relações entre
os seres vivos de um mesmo habitat. Na verdade, “qualquer que seja o julgamento a
propósito do modelo mais importante dessa época, de Bacon, de Galileu, de
Descartes ou de Newton, o fato é que uma nova concepção de natureza, inteligível
pelo esforço de uma observação atenta e racional, começa a se desenhar.” (Gomes
2000, p.74)

A irrevogável crença no progresso, através da ciência, parecia fazer cumprir


um verdadeiro destino manifesto da humanidade em subjugar a natureza, que desde o
surgimento da espécie humana o aprisionou. Segundo Ferry (2009, p.106), “diante do
sujeito instituído como único e absoluto pólo de sentido e valor, a natureza não poderia
mais ser concebida de outra forma que não fosse um gigantesco reservatório de
objetos neutros, de matérias-primas destinadas ao consumo dos homens.”

Enfim, separados pela razão, homem e natureza, ou cultura e natureza, podem


ser analisados com as ferramentas específicas de cada campo do saber, com o rigor
do método. No entanto, a falsa neutralidade dessa ciência positivista acaba se
manifestando, de maneira improvável, exatamente por causa da identidade entre o
pensamento científico e o raciocínio hipotético-dedutivo (Popper, 1968 in Lomolino e
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Brown, 2006) postulado pelo método, resultando no determinismo, tanto biológico


como geográfico.

O determinismo, em si, não deve ser considerado um equívoco metodológico,


pois a noção de causa e efeito, que acompanha a humanidade durante todo o seu
desenvolvimento técnico, tem sim um fundamento. Para ciências como a Física, por
exemplo, o determinismo é um princípio teórico-metodológico essencial para as
pesquisas, assim como para algumas áreas da Ecologia. Ecólogos sabem que climas
tropicais oferecem melhores condições para o desenvolvimento de ecossistemas mais
biodiversos que os de clima temperado, por exemplo. No Brasil, como afirmam
Lewinsohn & Prado (2005, p.36),

“A fração média da biota mundial representada pela brasileira foi estimada em 13,1%
(I.C. 10,0 a 17,6%), a partir de um conjunto de 17 táxons bem conhecidos. Assim,
estimamos que o país abrigue 1,8 milhões de espécies (I.C. 1,4 a 2,4 milhões). Das
grandes regiões do mundo, a Neotropical é a menos estudada e, provavelmente,
esses números são sub-estimativas”.

O risco do determinismo é utilizar a ciência para vestir determinadas crenças


com uma capa de verdade científica. Para Gomes (2000, p.178), “Ao antecipar os
resultados, o determinismo permite uma ação [política] no mundo. Assim, sob esta
forma, a ciência deixa de ser expectadora da realidade para se tornar o meio
fundamental de intervenção. A legitimidade desse instrumento repousa no fato de que
a ciência é justa, objetiva, neutra, racional e irrefutável.” A crença de que os povos das
regiões de clima tropical são indolentes porque o clima proporciona abundância em
alimento é um claro exemplo desse raciocínio, muito útil aos colonizadores europeus.
Homem, produto do meio. Essa é a máxima de muitas teorias deterministas
desenvolvidas nas ciências humanas durante o século XIX, sobretudo depois da
publicação da teoria evolucionista de Charles Darwin. Não são raras as pesquisas
desse período que comparam comunidades e regiões a organismos, ou que tentam
encontrar leis que expliquem a relação entre solo e cultura. Mas, se o grande avanço
da ciência moderna foi justamente separar homem e natureza, como explicar essa
inversão de papéis, onde a natureza determina a cultura?

A realidade é que o método objetivo da ciência moderna nos permite perceber


que, a exemplo das propriedades emergentes de um sistema, que surgem a cada
nível hierárquico de organização, há determinadas propriedades do todo que não
podem ser reduzidas a soma das propriedades das partes. Em outras palavras,
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quando aumentamos a escala de abrangência dos processos, vemos, em detalhes,


que a simples equação da soma natureza + sociedade não dá conta da complexidade
dos desafios que a ciência enfrenta hoje. Talvez, então, nós cientistas, não
devêssemos nos preocupar tanto com a definição de limites.

As ciências envolvidas com a área da conservação, por exemplo, cada vez


mais dependem da colaboração mutua entre diferentes campos científicos, antes
restritos às fronteiras de determinadas disciplinas, ditas naturais. Como propor manejo
e conservação de recursos sem considerar possíveis usuários, acordos políticos
locais, tratados internacionais, e todo um arcabouço de regras eminentemente
sociais? Aliás, já faz quase vinte anos que os biólogos Ludwig, Hilborn & Walters
(1993, p.36) sugeriram que, para se elaborar um manejo de recursos naturais de fato
efetivo, o primeiro fator a ser considerado são justamente a ganância e o imediatismo
humanos:

“Inclua motivação e responsabilidades humanas como parte do sistema a ser


estudado e manejado. A ganância e o imediatismo humanos provocam dificuldades no
manejo dos recursos, apesar destas poderem se manifestar como problemas
biológicos de estoque frente à exploração.”

A escala, de novo, dos desafios globais hoje enfrentados pela humanidade,


demanda o uso de ferramentas metodológicas não tradicionais, agregadoras de
informação e conhecimento, acumulado pelas sociedades ocidentais durante estes
longos séculos de pesquisa científica. A abordagem interdisciplinar se torna condição
cine qua non, mas, mais do que isso, a reunião entre as ciências naturais e as ciências
humanas, antes cindidas pelo método e pela objetividade científica, mostra que, às
vezes, a diferença entre seus objetos pode estar muito mais no vocabulário de cada
disciplina do que na concretude dos estudos.

Durante um simpósio realizado em Outubro de 2004, no Center for Tropical


Ecology & Conservation (CTEC), da Antioch University New England, entitulado
Conservation without Borders: the Impact of Conservation on Human Communities, os
pesquisadores Margles et al (2010, p.2), apontaram:

“Se os participantes e acadêmicos integram efetivamente diferentes disciplinas, será


necessária uma linguagem comum, para abordagens multidisciplinares e melhores
caminhos para comunicação entre disciplinas.”

E, mais importante, identificaram também que, para haver interdisciplinaridade


efetiva, antes, é necessário haver disciplinas, afirmando que:
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“Existe claramente uma falta de informação sobre barreiras claras à colaboração


efetiva entre cientistas sociais e biólogos da conservação (Fox e outros 2006). Analisar
o quanto diferem, em termos de abordagem das questões da conservação, pode
fornecer um importante background e ideias para um melhor entendimento entre as
disciplinas. Cientistas sociais e naturais sempre abordam a conservação de diferentes
perspectivas, ambos em termos de definição de problemas e determinação da melhor
abordagem para entendê-los; se não consideradas, essas diferenças podem impedir
uma pesquisa de fato interdisciplinar.” (Margles et al, 2010, p.3)

Em outras palavras, todo o esforço de especialização da ciência ao longo de


mais de um século, mesmo com a vã tentativa de separar homem e natureza, criou de
fato campos do conhecimento e ferramentas metodológicas operacionais, com
histórias de desenvolvimento próprias e muito independentes.

“O estabelecimento das estruturas disciplinares gerou estruturas de investigação, de


análise e de formação que não apenas se revelaram produtivas e viáveis, como
também deram origem à considerável bibliografia que hoje consideramos ser legado
das ciências (...).” (Comissão Gulbenkian, 1996, p.52).

O desafio atual é saber conjugá-los de maneira coerente, e tentar responder


às questões colocadas pelo período histórico em que vivemos, onde o pretenso
distanciamento tem seu sentido, por completo, esvaziado.

Um exemplo de campo interdisciplinar, criado para justamente alimentar o


diálogo entre ciências naturais e ciências humanas no âmbito da conservação, é a
chamada Economia Ecológica, criada na década de 1980, nos EUA. Segundo um dos
principais teóricos dessa subdisciplina, Costanza (1996, p.980), a Economia Ecológica
trata:

“De relacionar ecossistemas e sistemas econômicos, de maneira mais ampla, a fim de


desenvolver uma compreensão do todo do sistema homem e natureza, base para
efetivas políticas de sustentabilidade. Ela utiliza uma abordagem holística de sistema
que ultrapassa as barreiras disciplinares acadêmicas. Isso não implica em rejeição de
abordagens disciplinares, ou que o seu propósito seja o de criar uma nova disciplina. A
Economia Ecológica é interdisciplinar no sentido de que vários pesquisadores de
várias disciplinas colaboram lado a lado usando suas próprias ferramentas e técnicas,
e transdisciplinarmente no sentido de uma nova teoria, ferramentas e técnicas são
desenvolvidas através do diálogo para efetivamente se trabalhar a sustentabilidade.”

Outro caminho da interdisciplinaridade em busca de respostas mais


abrangentes, temporal e espacialmente, para os desafios colocados pelas questões
globais de mudanças climáticas, por exemplo, é a chamada Ecologia de Paisagem.
Surgida na Europa dos anos 30, sobretudo na Alemanha e na Holanda, através de
geógrafos que elegeram a paisagem como principal escala de análise do espaço
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geográfico, era utilizada para análise do uso e ordenamento do espaço feito pelo
homem (crescimento de áreas urbanizadas, áreas destinadas ao plantio, interligação
entre os principais centros urbanos, etc.). Hoje, essa abordagem é utilizada também
por ecólogos, biólogos, arquitetos, agrônomos, oceanólogos, todos preocupados em
captar, através das imagens remotas, respostas dos sistemas sociais e naturais por
uma perspectiva espacial inédita até cerca de cinqüenta anos atrás, antes do
desenvolvimento dos satélites de sensoriamento remoto. Como explicam Pivelo &
Metzger (2007),

“Tendo sido concebida principalmente por geógrafos, a Ecologia de Paisagens surgiu


com forte influência da Geografia Humana e da Biogeografia, preocupada em
desvendar padrões em macro-escala, sob a perspectiva do homem (Turner 2005). Nos
anos de 1980, pesquisadores norte-americanos imprimiram um enfoque mais biológico
à Ecologia de Paisagens, com a preocupação de relacionar padrões espaciais aos
processos ecológicos em ambientes naturais ou modificados, percebidos por qualquer
espécie biológica e não apenas pelo homem (Metzger 2001, Turner et al. 2001, Turner
2005, Wiens & Moss 2005). Dentro desse contexto, a Ecologia de Paisagens é
definida como uma ecologia espacialmente explícita, que estuda a estrutura e a
dinâmica de mosaicos heterogêneos e suas causas e conseqüências ecológicas
(Wiens 2005)”.

Nas ciências envolvidas com o manejo e a gestão de recursos naturais,


sobretudo a Ecologia Humana, também se observam novas abordagens
metodológicas, que agora consideram em suas análises incertezas e surpresas (antes
imponderáveis para qualquer campo científico), como possíveis adaptações dos
sistemas às mudanças inevitáveis dos ecossistemas e dos sistemas sociais. Segundo
Holling, Berkes & Folke (1998, p.346), essa nova escola é:

“(...) fundamentalmente interdisciplinar e combina abordagens históricas, comparativas


e experimentais em escalas apropriadas para os temas. É uma abordagem de
pesquisa fundamentalmente preocupada com integração de múltiplas fontes de dados.
(...) É caracterizada como uma ciência de integração das partes. Ela usa os resultados
e tecnologias da [Ecologia tradicional, disciplinar], mas identifica lacunas, desenvolve
hipóteses alternativas e modelos multivariados, e avalia a conseqüência integrada de
cada alternativa usando informação de intervenções planejadas e não planejadas em
todo o sistema em questão, ou desenvolvidos para serem implementados, na
natureza.”

E o avanço mais significativo dessa nova concepção de ciência dos recursos


naturais é justamente a relação homem e natureza colocada como centro das
preocupações da pesquisa, antes deixada à margem nas análises especialistas. Ainda
segundo Holling, Berkes & Folke (1998, p.346),

“É essa nova escola que possui a conexão mais natural com as ciências sociais que
são históricas, analíticas e integradoras. É também a abordagem mais relevante às
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necessidades das políticas públicas.”

Nesse sentido, a Sociologia Ambiental, fruto da internalização da questão


ambiental pelas ciências humanas, também traz importantes contribuições para a
prática interdisciplinar. Surgida ainda na década de 1970, influenciada pela Cúpula de
Estocolmo (1972) e pela publicação do relatório do Clube de Roma (1972) apontando
os limites do crescimento para o planeta, a Sociologia passa também a analisar os
movimentos ambientalistas e a incorporação das preocupações ambientais pelas
estruturas políticas de governo. Como afirma Hannigan (1995, p.24),

“(...) há muito a ganhar na aplicação da imaginação sociológica ao estudo


extradisciplinar das questões ambientais contemporâneas; por exemplo, através dos
modelos políticos econômicos, ou através da ciência e conhecimento da sociologia.”

Para este autor, trazer as questões ambientais para o âmbito da análise


sociológica não as enfraquece, pelo contrário, pois mostra como esses problemas
foram política e socialmente negociados, dando-lhes um o devido peso normativo.

“(...), muita da produção dos problemas ambientais é levada a cabo em áreas que são
povoadas por comunidades de especialistas: cientistas e engenheiros, advogados,
médicos, funcionários governamentais, gestores associados, operadores políticos,
etc., em vez de, à vista global do público em geral (Hilgartner 1992:51-2). Em
conseqüência disso, as perspectivas da investigação que se centravam
exclusivamente sobre o discurso público fracassaram na captação total dos
pormenores do estabelecimento da agenda e na criação de políticas. Uma abordagem
da formulação social, pelo contrário, reconhece até que ponto os problemas e
soluções ambientais são produtos finais de um processo de definição social,
legitimação e negociação dinâmicos, nas esferas públicas e privadas”. Hannigan
(1995, p.45)

Na década de 1990, com o fim da Guerra Fria, a Sociologia Ambiental ganha


fôlego com a emergência da discussão dos problemas ambientais de escala global, e
surgem teorias sociológicas que colocam a questão ambiental como principal dilema
vivenciado pela sociedade contemporânea, como aquelas tratadas por autores como
Anthony Guiddens e Ulrich Beck. Nas palavras de Mol, A.P.J. (1997, p.147 in Redclif
and Woodgate, 1997):

“Claro que não é somente a teoria da modernização ecológica que provém desta
crescente atenção que a teoria sociológica tem dado à questão ambiental. A teoria da
Sociedade de Risco e várias outras versões de uma ideia pós-moderna de reforma
ambiental, para citar poucas, também se beneficiaram desse desenvolvimento teórico.
Apesar disso não nos levar, definitivamente, a uma teoria social uniforme e dominante
para analisar e entender a corrente (e com reflexos no futuro) reforma ambiental, ela já
elevou a qualidade dos debates teóricos e sociológicos desses temas, comparado
àqueles da década de 1970. Talvez seja este um dos maiores passos em direção a
uma moderna sociologia ambiental.”
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Disciplinar ou não, ainda é papel da ciência legitimar os processos de tomada


de decisão política, mesmo que, por vezes, a decisão final não seja legítima, em
termos de benefícios à ampla maioria dos agentes envolvidos. O fato é que esta nova
ciência interdisciplinar pode contribuir para o preenchimento de lacunas que os
métodos disciplinares impediram de ser preenchidos, quando tomados para
legitimação de políticas públicas, por exemplo, que vão regulamentar o acesso legal
aos recursos que utilizamos há, pelo menos, um milhão de anos. Se estiver embasada
em ciências que discutem e internalizam a equação natureza = sociedade, ela pode
oferecer muitos ganhos à qualidade ambiental de muitas sociedades.

“(...) as grandes questões contemporâneas que afligem as sociedades complexas,


dentre elas a questão ambiental, para serem resolvidas, não podem ser decompostas
em pequenas partes aparentemente fáceis de serem enfrentadas analiticamente. Isso
não significa abdicar da objetividade, nem do conhecimento disciplinar. Ao contrário, a
reestruturação das ciências em curso é capaz de aumentar suas possibilidades, desde
que se leve em consideração as críticas feitas às práticas do passado e que se erijam
estruturas mais autenticamente pluralistas e universais”. (Ferreira, Ferreira, Joly, 2010)

No âmbito internacional, a recente criação do IpBES (Painel


Intergovernamental de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos) pela ONU, sinaliza
a relevância do tema para a comunidade científica mundial, já que agora ela será
ouvida para elaboração de diagnósticos e propostas para regulamentação de acesso
aos recursos ambientais. Basta saber se prevalecerão ainda perspectivas apenas
disciplinares.

No plano das políticas públicas nacionais voltadas à conservação, esta


publicação busca auxiliar na reflexão sobre em que medida a produção científica, seja
ela disciplinar ou não, é incorporada pelas agências governamentais responsáveis por
áreas protegidas. Supomos que a incorporação de conteúdos interdisciplinares seja
mais facilmente aplicável por gestores e equipes técnicas responsáveis por unidades
de conservação, por exemplo.

A região analisada será o Litoral Norte do Estado de São Paulo, por ter, até
recentemente, uma vocação claramente conservacionista, tendo em vista a
sobreposição de muitas unidades de conservação, federais, estaduais e municipais,
além de documentos oficiais de planejamento estadual, como o Zoneamento
Econômico-Ecológico e o Plano Estadual de Recursos Hídricos, que ressaltam essa
finalidade. Outro fator importante para a escolha dessa região em especial é o fato
desta vir sendo estudada desde a consolidação das primeiras universidades paulistas
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e seus respectivos programas de pesquisa, na primeira metade do século XX. Desde


então, o conhecimento acumulado sobre a região vem sendo registrado em
dissertações, teses, capítulos de livros e artigos científicos, no Brasil e no exterior.

Esta investigação poderá elucidar, por exemplo, os motivos do aparente


distanciamento entre pesquisa científica e gestão de unidades de conservação, onde,
talvez, a interdisciplinaridade desempenhe papel chave.

Também gostaríamos de destacar que esta pesquisa está inserida no contexto


do projeto temático Urban Growth, Vulnerability and adaptation: social and ecological
dimensions of climate change on the coast of São Paulo (Processo FAPESP
08/581597), dentro do Programa sobre Mudanças Climáticas da Fundação de Amparo
à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), no componente Mudanças Ambientais
Globais e Políticas Públicas Locais: Riscos e Alternativas, sob orientação da Profª Drª
Leila da Costa Ferreira, Doutora em Ciências Sociais, Professora Titular do
IFCH/UNICAMP.
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