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A OPEP+ e a luta do capitalismo contra a inflação https://www.resistir.info/patnaik/patnaik_16abr23.

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A OPEP+ e a luta do capitalismo contra


a inflação
Prabhat Patnaik [*]

Exceto em tempo de guerra, o


capitalismo procura
invariavelmente controlar a
inflação criando uma recessão;
e isto acontece mesmo quando
a inflação foi causada por um aumento autónomo das
margens de lucro dos capitalistas, as quais são
inflexíveis em baixa e portanto não seriam reduzidas
por uma recessão. Esta estratégia é prosseguida
porque uma recessão reduz invariavelmente a procura
de produtos primários e, consequentemente, os seus
preços; isto serve para reduzir a inflação. Do mesmo
modo, uma recessão aumenta a taxa de desemprego
e reduz assim a força negocial dos trabalhadores
empregados, o que significa que os trabalhadores não
obtêm aumentos salariais que os compensem pelo
aumento do seu custo de vida; também isto serve para
baixar a taxa de inflação.

Se pensarmos nos três pretendentes daquilo que é


produzido numa economia capitalista –
nomeadamente os capitalistas, os trabalhadores e os
fornecedores de produtos primários sob a forma de
alimentos e materiais correntes – então pode dizer-se
que a inflação emerge porque as pretensões sobre o
produto destes três em conjunto excedem a própria
produção. A política anti-inflacionária sob o capitalismo
consiste portanto, invariavelmente, em baixar as
quotas dos dois últimos grupos e não as dos
capitalistas, reduzindo a sua força negocial através de

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uma recessão.

É significativo que mesmo economistas liberais


americanos, que reconhecem serem os trabalhadores
as vítimas da atual inflação, ainda assim recomendam
controlar os aumentos de salários monetários, ou seja,
aumentar ainda mais o fardo sobre os trabalhadores,
como meio de controlar a inflação. Uma vez que esta é
a lógica do capitalismo e que a perspectiva dos
economistas liberais está confinada exclusivamente ao
capitalismo, eles encaram o modo do capitalismo de
controlar a inflação como o único possível. E é
também evidente que a motivação do capitalismo para
controlar a inflação não reside em qualquer simpatia
pelos trabalhadores por ela esmagados (pois então
não estaria a procurar controlar a inflação à sua custa),
mas sim no facto de a inflação prejudicar interesses
financeiros; o valor real dos ativos detidos pela
oligarquia financeira é reduzido pela inflação.

Mencionei acima dois grupos à custa dos quais a


inflação é perseguida a fim de ser controlada sob o
capitalismo. Mas se um destes grupos conseguir
resistir a um esmagamento, então o sistema precisa
de esmagar o outro grupo ainda mais drasticamente a
fim de controlar a inflação. E para fazer isso precisaria
de impor uma recessão ainda mais drástica. Isto é
exatamente o que parece estar a acontecer no
momento presente.

No dia 2 de Abril, os países da OPEP+, constituídos


pelos 13 membros da OPEP e 11 outros países não
OPEP produtores de petróleo que incluem a Rússia,
decidiram reduzir a sua produção petrolífera em 1
milhão de barris por dia a partir de Maio e até pelo
menos o fim deste ano. Este corte ultrapassa o
anunciado pela OPEP+ em Outubro do ano passado,

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da ordem dos 2 milhões de barris por dia. Aquele corte


ocorrera apesar da pressão maciça em contrário
exercida pelos Estados Unidos. Joe Biden, o
presidente dos EUA, havia enviado vários dos seus
ministros à Arábia Saudita, um líder da OPEP e um
aliado próximo dos EUA, e havia mesmo visitado
pessoalmente aquele país, a fim de o persuadir a
evitar tal ação – mas em vão. Mesmo contra o
presente corte os EUA exerceram uma pressão
imensa, mas mais uma vez em vão. Estes cortes na
produção são o testemunho do declínio da hegemonia
dos EUA que se tem verificado ultimamente.

O argumento apresentado pela OPEP+ para o


anunciado corte na produção é que a procura de
petróleo está a ser reduzida devido à recessão. Por
outras palavras, argumentam que quando há uma
redução na procura de petróleo, os produtores estão
em melhor situação se a produção ao invés do preço
for reduzida, que é de facto o que estão a fazer
cumprir. O seu argumento pode ser entendido como se
segue: suponhamos que há uma redução de 10% na
procura ao preço atual; se a produção for reduzida em
10%, então o preço permanece inalterado e as suas
receitas totais também caem em 10%. Mas se
deixarem a produção permanecer inalterada e
deixarem o preço cair até que a procura e a oferta
sejam igualadas, então a queda do preço será superior
a 10 por cento e portanto a receita cairá mais de 10
por cento. Isto acontece porque a procura de petróleo
é inelástica ao preço (na verdade, é exatamente este o
significado de inelasticidade-preço da procura). Aliás, é
esta elasticidade-preço da procura de petróleo que faz
com que as multinacionais petrolíferas aumentem as
suas margens de lucro e consequentemente os preços
sempre que precisam se safar.

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Os produtores portanto ficam melhor se reduzirem a


produção quando há uma redução da procura induzida
pela recessão do que se mantiverem a produção
inalterada e deixarem o preço ajustar-se para igualar a
procura com a oferta. Este é o argumento da OPEP+
para cortar a produção; e já antes de o corte na
produção ter entrado em vigor, há um aumento de 6%
no prazo de uma semana no preço do petróleo bruto,
em antecipação do mesmo. Mesmo os preços das
ações de algumas multinacionais petrolíferas também
começaram a subir.

Se os preços do petróleo forem mantidos em alta


através de cortes na produção de petróleo bruto, então
o efeito de uma recessão engendrada pela redução da
taxa de inflação é reduzido de forma correspondente.
Isto significa que a extensão da recessão terá de ser
ainda maior, a fim de impor uma restrição ainda maior
aos salários reais dos trabalhadores e à quota de
outros produtores de matérias-primas não petrolíferas
e de alimentos. Mas sendo já bastante baixa a parte
dos produtores de matérias-primas não petrolíferas e
de alimentos na produção, o fardo terá de ser
suportado pelos assalariados. A questão é: será que a
classe trabalhadora no mundo capitalista,
especialmente nos países capitalistas avançados,
permitirá que isto aconteça? Na medida em que não o
permitir, a recessão que é a panaceia capitalista para a
inflação terá de ser ainda maior.

Contudo, a resistência da classe trabalhadora não se


limita ao esmagamento dos salários reais; é também
ao maior desemprego. E se a recessão se tornar
demasiado profunda, isso provocará uma ação
significativa da classe trabalhadora. A Europa já está
atormentada por uma onda de greves; de facto,
nenhum grande país europeu está atualmente livre de

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lutas grevistas significativas. Se a recessão se


aprofundar, então a classe trabalhadora, sob o ataque
em pinça da inflação e do desemprego, tornar-se-á
ainda mais militante.

Mas isso não é tudo. Se a recessão se aprofundar,


então os bancos ficarão ainda mais sob tensão. Já há
um stress considerável experimentado pelo sistema
bancário no mundo capitalista avançado, com dois
bancos norte-americanos a afundarem. Com o
agravamento da recessão e o resultante
incumprimento de empréstimos bancários, a situação
tornar-se-á ainda mais grave.

Tudo isto aponta para um facto importante. Todo um


conjunto de condições está subjacente ao
funcionamento aparentemente suave do capitalismo e
se o cumprimento de qualquer destas condições for
prejudicado, então desencadeia-se uma reação em
cadeia que ameaça seriamente a estabilidade de todo
o sistema. A hegemonia do imperialismo metropolitano
liderado pelos EUA sobre a economia mundial é uma
destas condições. Porque esta hegemonia tem sido
tão generalizada, tomada como garantida, a maior
parte dos analistas nem sequer se apercebe da sua
relevância – mas uma fenda na mesma, como a
relativa assertividade da Arábia Saudita que
testemunhámos ultimamente, o facto de não mais
seguir a linha americana, está a ameaçar seriamente a
estabilidade do sistema.

O capitalismo mundial tem estado em crise há muito


tempo, desde o colapso da bolha imobiliária em 2008.
É uma característica da crise que a tentativa de
resolvê-la de uma forma simplesmente dá origem a
uma crise de alguma outra forma. A manifestação
original da crise foi sob a forma de estagnação;

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mesmo economistas de establishment como Lawrence


Summers, o antigo secretário do Tesouro dos EUA,
começaram agora a falar de uma "estagnação
secular". Mas a tentativa de ultrapassar esta
estagnação através do bombeamento de crédito
extraordinariamente barato para o sistema durante um
longo período de tempo, e a seguir incidindo em
enormes défices orçamentais na sequência da
pandemia, provocou a inflação atual. A guerra da
Ucrânia, uma consequência do esforço para manter a
hegemonia ocidental sobre o mundo, acentuou esta
inflação. E agora o esforço para travar esta inflação
está a ameaçar a hegemonia ocidental sobre o mundo,
bem como o controlo exercido pelo capital
metropolitano sobre a sua classe trabalhadora interna.
O que estamos a testemunhar, em suma, é um
desmoronamento da conjuntura que estava subjacente
à estabilidade do capitalismo neoliberal.
16/Abril/2023

[*] Economista, indiano, ver Wikipedia

O original encontra-se em
peoplesdemocracy.in/2023/0416_pd/opec-and-
capitalism’s-fight-against-inflation. Tradução de
JF.

Este artigo encontra-se em resistir.info

18/Abr/23

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