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103 Macroeconomia

Não esquecer! 2.2. Desafios da macroeconomia

a. Quanto maiores os encaixes bancários (compulsó- No capítulo anterior, apresentamos os principais con-
rios), menor o valor do multiplicador monetário. ceitos da macroeconomia. Neste, o objetivo é tratar dos desa-
b. Quanto maior a proporção do papel-moeda em po- fios centrais enfrentados pelos países nessa matéria. Embora
der do público (PMPP) em relação a M1, menor o na teoria as próprias forças de mercado garantam um equi-
multiplicador monetário (m). líbrio harmonioso, decorrente da livre negociação entre os
c. Quanto maior a proporção dos depósitos à vista nos agentes econômicos, os países deparam-se, de tempos em
bancos comerciais (DV) em relação a M1, maior o temos, com importantes desequilíbrios macroeconômicos –
multiplicador monetário (m). recessão, desemprego e inflação –, que têm efeitos negativos
sobre seu nível de desenvolvimento socioeconômico.

2.2.1. Recessão

Em geral, espera-se que o avanço tecnológico pro-


voque um aumento contínuo do PIB total e do PIB per capi-
ta58 e mantenha o nível de desemprego reduzido. De fato,
à exceção de um ou outro ano, existe, ao longo do tempo,
uma tendência de crescimento positivo do PIB e do PIB per
capita na grande maioria das economias mundiais59. Não

58 O valor do PIB per capita é obtido pela divisão do PIB pelo tamanho da
população.
59 A caracterização do que determina essa tendência é tema de teorias
econômicas de crescimento e desenvolvimento econômico. Àqueles que
desejam conhecer mais detalhadamente essas teorias, ver o livro Introdução
à Teoria do Crescimento Econômico, de Charles Jones.
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obstante, simultaneamente a essa tendência, são comuns As recessões ocasionadas pela queda da oferta agre-
as oscilações no nível de atividade econômica, chamadas gada ocorrem por choques na quantidade dos fatores de
em macroeconomia de ciclos reais. produção ou no preço dos produtos. Quanto à primeira cau-
Uma definição de recessão60, amplamente aceita sa, fatores climáticos podem, por exemplo, gerar redução de
pelos economistas, diz respeito àquela que se inicia após safras agrícolas – sem que tenha ocorrido diminuição nos
dois declínios trimestrais consecutivos do PIB61. Um dos fatores de produção –, levando também à queda da oferta
principais desafios da macroeconomia é identificar os mo- de emprego no setor. Quanto à segunda causa, elevações
tivos das recessões econômicas, de forma a poder evitá- súbitas e acentuadas de preços impactam negativamente a
-las. Dado que uma recessão se caracteriza pela redução demanda agregada. Exemplos mais marcantes de choques
da produção, suas causas podem provir de três fontes: i) dessa natureza foram choques de petróleo (1973 e 1979). O
redução do nível de demanda; ii) redução do nível de ofer- segundo choque, em particular, foi um dos grandes moti-
ta; iii) redução de ambos os níveis. vadores da recessão brasileira do início da década de 1980.
As recessões geradas pela redução da demanda de-
correm de uma queda do nível de consumo e investimen- 2.2.2. Desemprego
to dos agentes econômicos. Por exemplo, uma grande in-
certeza sobre o futuro causada pela perspectiva de guerra A perda do emprego tem normalmente uma série
ou de mudança política pode levar os agentes a reduzir de consequências negativas para os agentes econômicos,
seus investimentos. De maneira similar, as incertezas costu- pois reduz seu poder de compra e cria incerteza sobre sua
mam diminuir o nível de consumo, pois os consumidores, renda futura, gerando impacto negativo sobre a dinâmica
receosos de perderem o emprego, consomem menos para macroeconômica. Por sua relevância, vale comentar as ra-
acumular reservas. zões para a existência do desemprego.
Existem, basicamente, três tipos de desemprego62: o
cíclico, que decorre dos movimentos oscilatórios da eco-
60 Não confundir recessão com crescimento do PIB abaixo do crescimento do
PIB potencial.
61 O ciclo econômico é, normalmente, constituído de quarto partes: recessão, 62 Alguns autores apontam uma quarta categoria de desemprego: o sazonal,
depressão, recuperação e pico. Há casos, no entanto, em que a economia causado pela redução da atividade econômica períodos específicos do ano,
consegue sair da fase da recessão diretamente para a da recuperação. como entressafra agrícola, férias escolares etc.
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nomia e, geralmente, ocorrem em períodos de recessão relação ao seu salário futuro e aumento na probabilidade
econômica. Há também o desemprego friccional, decor- de ele encontrar um emprego que melhor encaixe ao seu
rente da transição de um profissional de um emprego para perfil. (MANKIW, 2006).
outro. E, por fim, o desemprego estrutural, que decorre de Já o desemprego estrutural, sob a óptica da teoria
situações em que o preço (salário) não é aquele que balan- econômica, acontece no mercado de trabalho em razão da
ceia a demanda e a oferta no mercado de trabalho – como falha na sinalização do preço para os agentes nesse merca-
o desemprego gerado pela existência de regiões em declí- do, ou seja, do preço estabelecido. Há mais trabalhadores
nio ou pela demissão de empregados em determinadores buscando emprego do que empresas dispostas a contra-
setores de atividade em razão de obsolescência do traba- tar, o que gera excesso de oferta de mão de obra. Como o
lho. Enquanto o desemprego cíclico ocorre no curto pra- salário é o preço que se ajusta aos desejos das firmas em
zo, refletindo alguma conjuntura econômica ruim por que demandar mão de obra e aos anseios dos trabalhadores
passam os países, os dois últimos ocorrem por problemas em ofertá-la, se o mercado de trabalho fosse perfeitamen-
referentes ao longo prazo. te competitivo, não haveria desemprego estrutural. Isso
O desemprego friccional ocorre quando as pessoas não acontece porque o salário estabelecido (salário mí-
mudam de trabalho e, em razão da assimetria de infor- nimo) está normalmente acima do patamar que reflete o
mação entre as partes – os patrões querem o candida- equilíbrio no mercado de trabalho.
to ideal para o cargo e o trabalhador a atividade que se A taxa de desemprego decorrente das causas friccio-
encaixa às suas habilidades –, há uma exaustiva procura nal e estrutural é chamada de taxa natural de desemprego
de emprego para que esse encontro seja exitoso. Como (NAIRU – Non Accelerating Inflation Rate of Unemployment).
a economia é dinâmica, é inevitável ocorrer esse tipo de Sendo um conceito referente ao longo prazo, uma socie-
desemprego. Embora haja opiniões contrárias com relação dade estará em sua NAIRU se estiver crescendo à taxa do
à intervenção do Estado nesse setor, os governos têm, em PIB potencial. Caracteriza-se, portanto, como sendo a taxa
geral, agências governamentais de procura de emprego e de desemprego que não gera inflação. Assim como o PIB
implementam políticas de seguro desemprego. Se os crí- potencial, a NAIRU é um conceito teórico não observável e
ticos afirmam que o seguro desemprego reduz o esforço precisa ser estimada.
na busca de um novo trabalho, os que são favoráveis con- Em linhas gerais, o desemprego estrutural no mer-
sideram que há redução na incerteza do empregado com cado de trabalho pode ser explicado de três formas: i) pela
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existência do salário mínimo; ii) pela negociação sindical; re-se, em geral, às regras que oneram o empregador tanto
iii) pela teoria do salário eficiente. durante o período em que o empregado está trabalhando
A lei do salário mínimo estabelece uma remune- quanto no período de sua demissão. Quanto maior a rigi-
ração acima daquela que ajustaria a demanda e a oferta dez, maior será o desemprego – comparativamente a uma
por trabalho. Em geral, ela afeta os trabalhadores menos economia flexível –, sobretudo em períodos de crise, quan-
qualificados ou os jovens que estão entrando no merca- do a demanda agregada sofre quedas mais acentuadas.
do de trabalho. Como qualquer outro tipo de intervenção O grau de formalização numa economia também é in-
estatal, há controvérsias quanto à lei. De um lado, os crí- fluenciado pelas regras rígidas do mercado de trabalho, que
ticos sublinham que essa lei gera uma situação de dese- oneram o empregador. É importante sublinhar que, em prin-
quilíbrio e de injustiça para aqueles que ficam de fora do cípio, a informalidade64 não é necessariamente um problema
mercado63; de outro, os que advogam pelo salário mínimo para a economia, já que os trabalhadores informais trabalham
assinalam que ele assegura poder de compra a populações e são remunerados, sendo, portanto, contabilizados como
de renda muita baixa, garantindo a sobrevivência humana. partícipes da população ocupada. No Brasil, se a pessoa optou
Argumentam, ademais, que, em razão do elevado poder por ter seu próprio negócio e contribui para o Regime Geral
de barganha das empresas e da alta concentração de mer- de Previdência Social (RGPS)65, ela não representa nem um
cado de alguns setores, a lei tem um efeito líquido positivo. problema fiscal nem social. No entanto, se a pessoa está na
A rigidez das regras no mercado de trabalho de uma informalidade por falta de opção, esse fato pode vir a com-
economia é um conceito que contempla aspectos mais prometer o resultado fiscal do governo (porque ele não deve
amplos do que a regra do salário mínimo. A expressão refe-

64 A informalidade refere-se aos indivíduos sem carteira assinada, excluídos


63 Segundo Heckman (2000), Prêmio Nobel de Economia em 2000, benefícios os servidores públicos, que, apesar de não terem carteira assinada, não são
trabalhistas como restrições à demissão e segurança no emprego podem informais. Para maiores informações, ver definições no site do IBGE.
proteger alguns trabalhadores à custa de outros. Enquanto os benefícios 65 No Brasil, existem três regimes de previdência: o RGPS, operado pelo Instituto
são bem documentados, os custos advêm de efeitos colaterais e são menos Nacional do Seguro Social (INSS) e que diz respeito aos trabalhadores
compreendidos. Segundo o Nobel, o impacto adverso da regulação do regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT); o Regime Próprio
trabalho atinge mais fortemente os jovens e os trabalhadores que estão de Previdência dos Servidores Públicos, relativo a funcionários públicos; e
à margem da força de trabalho (menos qualificados). Resumindo: os o Regime de Previdência Complementar, operado por entidades abertas
trabalhadores com grande capacidade de defender seus direitos ganham, ou fechadas de previdência complementar, com filiação facultativa e sob
mas os excluídos não. regime privado.
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contribuir para o RGPS), além de ser uma preocupação do Duas questões devem ser diferenciadas nesse deba-
ponto de vista social, pois ele deve ser remunerado por um te: o fato de o cidadão ter carteira assinada e o fato de ele
valor abaixo do piso mínimo permitido (GIAMBIAGI, 2001). contribuir para o RGPS. O problema fiscal aparece se o indi-
víduo não contribui para o RGPS, pois, em algum momen-
Conceitos de desemprego to da vida (acima dos 65 anos), ele poderá usufruir de be-
nefícios e serviços públicos sem ter contribuído para tanto.
A população brasileira é dividida entre a população Já o problema social surge quando a informalidade se dá
em idade ativa (PIA ou população em idade de trabalhar) e na camada social que o governo tem como foco proteger,
a não PIA. A PIA corresponde à soma da população econo- por meio do Estado do bem-estar social, e não consegue
micamente ativa (PEA ou força de trabalho) e não PEA. A alcançá-los por algum motivo.
PEA é formada, por sua vez, pela população ocupada (PO) No início de 2014, existiam, no Brasil, cerca de 42
e pela desocupada (PD), que se refere àqueles que estão milhões de trabalhadores informais, correspondentes a
buscando trabalho. A população ocupada (PO) diz respei- 47% da população ocupada. Destes, 17 milhões ganhavam
to a três grupos de trabalhadores: i) aqueles com carteira menos de um salário mínimo e, portanto, supõe-se que
assinada (os trabalhadores “formais”); ii) os servidores pú- não contribuíam para o RGPS. Segundo o Ministério da
blicos sob regime estatutário, que não têm carteira assina- Previdência Social, 30% da população ocupada não con-
da, mas são formais; e iii) os trabalhadores não formaliza- tribuía para o RGPS no início de 2013. Se for considerado
dos, que não têm carteira assinada. A taxa de desemprego o mesmo percentual para 2015, o número de pessoas so-
é calculada no Brasil dividindo-se a PD pela PEA65. Fazem cialmente desprotegidas seria da ordem de 30 milhões de
parte da não PEA, entre outros, os estudantes acima de indivíduos (IBGE, 2015).
quinze anos, as donas de casa e os incapacitados. A negociação sindical é outra forma de gerar desem-
prego estrutural. Na ausência de um acordo, os sindicatos
podem entrar em greve, causando prejuízos às firmas. Por
isso, normalmente os acordos acontecem, e os emprega-
66 Em geral, basicamente três requisitos categorizam o trabalhador como dos sindicalizados têm salários superiores aos não sindica-
desempregado: i) é capaz de trabalhar; ii) não está trabalhando; e iii) está
procurando emprego. Já o conceito de empregado é aquele que trabalha e
lizados, situação essa que causa desemprego e acaba redu-
não está procurando emprego. zindo o salário em setores não sindicalizados da economia.
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Se esse cartel67 gera, na perspectiva dos críticos, resultado parativamente à sua taxa natural) reduzia o PIB em 2,5%
ineficiente e injusto, aqueles que o defendem amparam-se em comparação ao seu PIB potencial. Especificamente,
no argumento de que os sindicatos contrabalançam o po- para cada ponto percentual de crescimento do produto
der de mercado das empresas. real acima da taxa tendencial que for mantida por um ano,
A teoria eficiente dos salários é outra forma de de- a taxa de desemprego cai 0,4 ponto percentual. Matema-
semprego estrutural. Ao contrário dos dois tipos de dese- ticamente,
quilíbrios anteriores, em busca de empregados mais pro-
dutivos, as empresas fixam o salário acima do nível ótimo ∆u = -0,4 (y – 2,5)
de equilíbrio. Segundo essa teoria, os trabalhadores que
ganham mais são, em geral, mais educados, dedicados e em que: ∆u = variação na taxa de desemprego; y =
produtivos. Além disso, salários mais elevados reduzem taxa de crescimento do produto crescimento do produto
substancialmente a rotatividade, que pode gerar altos cus- potencial = 2,5. Por exemplo, se o crescimento do produto
tos de busca e treinamento. for de 4%, isso resulta numa redução da taxa de desempre-
go de 0,668.
2.2.2.1. Relação entre produto e desemprego: a Lei Com base nessa teoria, existe, portanto, uma rela-
de Okun ção inversamente proporcional entre o hiato do produto
– produto efetivo menos o potencial – e o hiato da taxa de
Segundo a teoria do economista Arthur Okun (FRO- desemprego – taxa de desemprego efetiva menos a taxa
YEN, 2002), existe uma correlação inversa entre PIB e de- de desemprego natural. Em outras palavras, no curto pra-
semprego. Suas pesquisas resultaram na evidência de que, zo, quando a economia está aquecida (hiato do produto é
nos EUA, o aumento de 1% na taxa de desemprego (com- positivo), as firmas contratam mais e a taxa de desemprego
efetiva diminui (hiato da taxa de desemprego é negativo).
Quando está desaquecida, ocorre o inverso.
67 Sindicato é um tipo de cartel que reúne um grupo de vendedores (mão de
obra) para exercer maior poder de barganha nas negociações coletivas. O
cartel é legalmente previsto e não faz parte do arcabouço legal das leis de
concorrência no Brasil, pois existe o entendimento de que os trabalhadores
precisam desse poder de mercado. Em 2014, a sindicalização representou
18% da população ocupada no Brasil, contra 13% nos EUA. 68 ∆u = -0,4 (4 - 2,5) = 0,6.
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2.2.2.2. O mercado de trabalho na perspectiva Como em qualquer outro mercado, a livre interação
clássica entre as forças de demanda e a oferta de mão de obra de-
termina: i) o nível de pleno emprego, isto é, quantas pes-
Para os economistas clássicos, a força motriz da soas as empresas efetivamente contratam; ii) o salário real
economia é o mercado de trabalho. É nele que se dá a de pleno emprego.
interação entre a oferta de trabalho (feita pelas famílias)
e a demanda de trabalho (feita pelas firmas). A livre in- 2.2.3. Inflação
teração entre oferta e demanda por mão de obra é que
determina o nível de emprego de equilíbrio e o salário A inflação caracteriza-se pela situação em que há
real. uma variação de preços positiva, persistente e generali-
A oferta de trabalho é feita pelas famílias. As pes- zada. Quando essa variação é negativa, persistente e ge-
soas são proprietárias de sua força de trabalho e, portanto, neralizada, há deflação69. Já a hiperinflação ocorre quan-
vendem (ofertam) essa força de trabalho para as empre- do a inflação é excessivamente elevada e assume uma
sas que precisam dela para poder produzir (máquinas não trajetória de aceleração vertiginosa – não há um número
funcionam sozinhas). A oferta de trabalho é uma função específico a partir do qual se diz haver hiperinflação, mas
crescente do salário real. De fato, quanto maior o salário um nível geral de preços acima de 50% ao mês pode ser
real, mais trabalhadores estarão dispostos a vender sua for- denominado como tal. Nos três casos, não se trata de um
ça de trabalho. fenômeno sazonal ou ocasional, mas de uma situação de
A demanda por trabalho é feita pelas firmas, as quais continuidade.
necessitam de trabalhadores e, portanto, compram (de- Existem diferentes causas que culminam em infla-
mandam) a força de trabalho para poder produzir. A de- ção. Um tipo muito recorrente é a “inflação de demanda”,
manda por trabalho é uma função decrescente do salário
real. De fato, quanto maior o salário real (quanto mais cara
a mão de obra), menos empresas estarão dispostas a con-
69 Há uma assimetria de intensidade entre esses dois conceitos. Enquanto a
tratar mão de obra, e vice-versa: quanto menor o salário inflação pode ser de 2%, de 10% e até de 100% ao ano, os casos de deflação,
além de raros, geram taxas modestas, da ordem de até -3% ao ano. Existe
real (mais barata é a mão de obra), mais empresas deseja- ainda o conceito de desinflação: redução da taxa de inflação. Os preços,
rão comprar essa mão de obra. porém, continuam aumentando.

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