Você está na página 1de 6

LARS VON TRIER – QUEM É MAIS POLÊMICO DO QUE EU?

Um dos diretores mais aclamados no cenário cinematográfico mundial, o dinamarquês Lars


von Trier, alcançou essa posição de destaque em meio a calorosas reações da crítica e do
público. Sua carreira oferece diversas fases e seus status de cineasta renomado só foi
reconhecido depois de longos anos de trabalho e de alguns fracassos. Porém, há duas
características que acompanham suas obras desde seu primeiro curta-metragem: a
criatividade e a provocação.

O cinema de Lars Von Trier não para de investigar suas fronteiras, de se desterritorializar, e
fazendo jus à essencial hibridez do cinema, seus filmes sempre vão além de convenções
clássicas.

Lars Von Trier sempre manteve a ideia de não adotar os paradigmas que restringiam a sua
imaginação, e sua produção cinematográfica absorve essas características. Em alguns de seus
filmes, o diretor utilizou artifícios que mostram claramente a sua presença como articulador de
imagens, ou seja, são várias as formas que as instâncias narrativas são evidenciadas. Nos é
apresentado um cinema altamente reflexivo, que dialoga consigo mesmo e se mostra como
enunciação e construção. Mas, além de todas as importantes estruturas narrativas, é possível
notar um caráter lírico em seus filmes. São momentos em que a linearidade da narrativa é
interrompida por uma visão mais poética, onde as imagens já não se fazem presente no filme
apenas para compor um enredo, porém, ainda assim esses momentos se ligam perfeitamente
ao filme e às histórias contadas.

As transgressões do diretor fazem com que quase todos seus filmes apresentem alternativas
próprias que abalam tradicionais alternativas de filmagens.

Em 1995, juntamente com Thomas Vinterberg, Lars lança o Movimento Dogma 95. Um
manifesto contrário ao cinema digestivo e ilusionista. Esse Movimento, inicialmente limitado à
Dinamarca, hoje alcança produções de nacionalidades diversas. O Dogma teve referência de
outros movimentos como o Novo cinema Alemão e a Nouvelle Vague.

Também conhecidas como “voto de castidade”, as regras do Dogma são:

01 – As filmagens devem ser feitas em locações. Não podem ser usados acessórios ou
cenografia (se a trama requer um acessório particular, deve-se escolher um ambiente externo
onde ele se encontre).

02 – O som não deve jamais ser produzido separadamente da imagem ou vice-versa. (A música
não poderá ser utilizada a menos que ressoe no local onde se filma a cena).

03 – A câmera deve ser usada na mão. São consentidos todos os movimentos – ou a


imobilidade – devidos aos movimentos do corpo. (O filme não deve ser feito onde a câmera
está colocada; são as tomadas que devem desenvolver-se onde o filme tem lugar).

04 – O filme deve ser em cores. Não se aceita nenhuma iluminação especial. (Se há muito
pouca luz, a cena deve ser cortada, ou então, pode-se colocar uma única lâmpada sobre a
câmera).
05 – São proibidos os truques fotográficos e filtros.

06 – O filme não deve conter nenhuma ação “superficial”. (Homicídios, Armas, etc. não podem
ocorrer).

07 – São vetados os deslocamentos temporais ou geográficos. (O filme se desenvolve em


tempo real).

08 – São inaceitáveis os filmes de gênero.

09 – O filme final deve ser transferido para cópia em 35 mm, padrão, com formato de tela 4:3.
Originalmente, o regulamento exigia que o filme deveria ser filmado em 35 mm, mas a regra
foi abrandada para permitir a realização de produções de baixo orçamento.

10 – O nome do diretor não deve figurar nos créditos.

Temos a transgressão cinematográfica de Lars Von Trier promovendo a quebra com a estética
hollywoodiana e com todos os recursos indutores e sedutores da condução do espectador ao
aprofundamento do ilusionismo, oferecendo-nos um cinema anticonvencional, estimulante e
estranho aos olhos acomodados da plateia.

Não há conforto e nem entretenimento fácil com as obras de Lars Von Trier. A linguagem
cinematográfica é testada, posta em confronto com as expectativas e como sempre, essa
estética é construída através de uma ironia que corrói qualquer possibilidade de construir uma
solução definitiva.

Mas a sua rebeldia e seu espírito transgressor foram sendo canalizados para a composição de
uma obra que atinge intensamente o público, sem fazer concessões a um cinema óbvio
demais, ou seja, a provocação foi também sendo aprimorada e já não era apenas direcionada a
membros dos júris ou a diretores e produtores que atravessavam seu caminho. A sua
representação cinematográfica passou a ser um desafio também aos espectadores.

Lars Von Trier é exemplo de um artista que constrói suas obras tendo em vista um diálogo com
tradições cinematográficas, no entanto, nunca em posição de simples reverência, mas sim, e
quase sempre, de subversão.
Von Trier é considerado um diretor polêmico e bastante controverso, sendo tanto sua
conturbada vida pessoal quanto a sua vida profissional. Entre os fatos da vida do diretor
constantemente revisitados, inclui o fato de ele ter sido criado por pais judeus comunistas e
praticantes do nudismo, além de ter descoberto, pouco antes da morte de sua mãe, que o
homem que lhe criou não era seu pai biológico e ter se convertido ao catolicismo na vida
adulta.

O cinema de Von Trier é impactante e nos desestabiliza; é muito vezes, indigesto, incômodo, e
a sensação de estranhamento é algo essencial à sua obra, consequentemente afastando o
espectador daquele enlace sedutor e passivo da narrativa clássica.

Ele foi um dos criadores do Manifesto Dogma 95, que foi escrito para a criação de um cinema
mais realista e menos comercial. O manifesto tem cunho técnico e ético e suas ideias são tão
controversas quanto seus filmes.

Diretor de muitos filmes, traz em todas as suas obras características de originalidade,


provocação e muita reflexão.

Com o advento de novas técnicas de reprodutibilidade, a obra de arte poderia ser


reproduzida em qualquer lugar e visto por qualquer um, sem nenhuma perda de suas
características originais.

Na época da reprodutibilidade técnica, tanto as grandes obras históricas como as que já


nascem com o intuito de serem reprodutíveis, transformam-se em objetos de consumo
corriqueiro, sendo assim, cada vez menos relevantes.

O dinamarquês Lars Von Trier surge nesse momento histórico justamente na tentativa de
subverter essa ideia de cinema apenas para diversão das massas e aparece com um "cinema
de arte". Esse tipo de cinema com características muito pessoais da visão de cada diretor
marcada em suas obras é o que podemos chamar de "cinema de autor". Para Covaleski, “O
cinema de autor é, afinal, uma expressão artística que contém elementos inequívocos de seu
criador.”

Dogville

Dogville, uma das obras mais transgressoras de sua carreira, embora não esteja totalmente
alinhado as regras do Dogma 95, esse filme com certeza traz as marcas do idealizador do
movimento.

Dogville e o Manifesto Dogma 95 pretendiam estimular, inquietar, arrancar o espectador do


comodismo e fazê-lo refletir, se possível, agir; mas, acima de tudo, sentir-se incomodado pela
necessidade de mudança.

Se o cinema já é uma arte essencialmente híbrida, uma vez que para acontecer necessita de
uma síntese de outras artes, a exemplo da fotografia, da música, da literatura, do teatro etc.,
em Dogville este hibridismo alcança um efeito ainda maior. O filme se refere aos primórdios
do teatro e à narrativa romântica, pois, além de ter prólogo, também está dividido em
capítulos. Por outro lado, desenvolve-se do princípio ao fim em um espaço muito pouco
convencional para os padrões da estética cinematográfica.

Alguns recursos que o diretor utilizou para fazer o filme são exigidos no Manifesto Dogma 95,
por exemplo, da câmera na mão.

Ele causa desconforto e rompe com a impressão de “estar dentro” da trama, que o cinema
narrativo clássico tanto sugere.

A câmera de Von Trier, em Dogville, imita os movimentos do corpo, indica nosso olhar, nossa
atenção, tentando acompanhar a cena, rompendo com o convencional sempre.

Outro ponto merecedor de reflexão é o uso dos recursos sonoros. Na verdade, o filme não
conta com trilha sonora, sendo também mais uma coisa exigida no Dogma 95. Em Dogville
há um narrador a conduzir a história.

A voz em off contribui para tornar tudo ainda mais irreal, pois narra uma cidade que não se vê,
com casas que não existem visualmente, com um cachorro do qual só se escuta o latido...

Essa é outra característica do cinema híbrido de Von Trier, o filme se dá nessa mistura de
elementos de cinema documental, ficcional, teatro e literatura.

Anticristo

Anticristo é um filme bem difícil de rotular, de definir. As cenas violentas não foram
colocadas com o sentido de causar medo. Não é o terror pelo terror. São importantes
elementos narrativos utilizados pelo diretor para passar uma mensagem. Se encontramos
dificuldades em rotular o filme, elas se tornam ainda maiores quando se tenta interpretá-lo

No Bodil Awards, premiação concedida pela associação de críticos de cinema da Dinamarca, o


filme ganhou em todas as categorias para as quais foi indicado: melhor filme dinamarquês,
melhor atriz, melhor ator, melhor diretor de fotografia e “Special Bodil”.

O roteiro, carregado de simbolismos, foi todo construído com metáforas religiosas. Isso pode
ser observado, por exemplo, no nome da cabana (Éden), no fato dos dois protagonistas não
terem nomes, e no capítulo intitulado como “Três mendigos” (em clara referência aos três
reis magos que visitaram Jesus após seu nascimento), além, é claro, do nome do filme. O
próprio prólogo traz um forte sentido metafórico.

Por sinal, o diretor afirma ter um exemplar de Anticristo, de Nietzsche, desde os 12 anos de
idade em sua cabeceira, apesar de nunca tê-lo lido. Talvez por conta disso, seu filme parte
numa direção diferente da clássica crítica ao cristianismo escrita pelo filósofo alemão. Não é
incorreto sustentar que Anticristo, o filme, é uma investigação da origem do mal e – por que
não? – da natureza da própria humanidade.

Melancholia

Melancolia é um drama cujo roteiro se aproxima, em certa medida, ao de Anticristo. Nos


dois casos, a peça-chave da narrativa reflete um problema enfrentado na vida pessoal de lars
Von Trier: a depressão.
Se em Anticristo o grande ponto é a investigação sobre a natureza do mal, em Melancolia Von
Trier questiona – outra vez de forma pessimista – a importância da espécie humana. Aqui, o
diretor não explora propriamente os sintomas do estado depressivo, mas seu estágio mais
aprofundado.

Outra inovação apresentada pelo diretor em Melancolia que merece destaque se refere à
forma como é abordado seu tema central, a destruição do planeta Terra. Ao contrário do
que ocorre nos chamados “disaster movies”, em que um super herói ou alguém do tipo luta
de todas as formas possíveis para garantir a segurança do planeta e das pessoas, em
Melancolia não existe um consenso entre os personagens para batalhar pela preservação da
vida.

Assim como Anticristo, o filme é dividido em capítulos. O prólogo também lembra bastante a
produção anterior de Lars Von Trier. Há abuso de câmera lenta e trilha com música erudita.
Em certa medida, a montagem lembra o início da segunda sequência de 2001 – Uma Odisseia
no Espaço, com imagens do espaço entrecortadas pela trilha sonora clássica de Strauss.

Ele afirma que Melancolia diz muito de sua pessoa. As duas irmãs são como duas facetas de
suas emoções.

Segundo o próprio diretor, seu intuito era mergulhar de cabeça nas profundezas do
romantismo germânico, mesmo considerando o romance o mais baixo dos denominadores
comuns do cinema, devido a sua extensiva e maçante abordagem pelas produções
convencionais.

Ninfomaníaca

Ninfomaníaca (2013) fecha a última trilogia de Von Trier, intitulada Trilogia da Depressão. O
título teria surgindo após o diretor ter respondido sem muita precisão o porquê de ter
produzido um filme tão depressivo, durante o lançamento de Melancolia (2011), dando a
entender que ele sofria mesmo da doença.

O cartaz de divulgação de Ninfomaníaca nos cinemas teve grande repercussão na mídia e,


sobretudo, nas redes sociais, por compor-se de imagens em que os personagens do filme
representam gestual e corporalmente a sensação do orgasmo.

Segundo o diretor, o filme trata da “evolução erótica” de uma mulher que se declara
ninfomaníaca e busca compreender a própria situação à luz de discussões filosóficas.

O filme narra a trajetória da personagem Joe, que ao ser resgatada em condições sofríveis
por um senhor desconhecido na rua, diz-se indigna de qualquer demonstração de
compaixão, pois é uma pessoa de natureza má. O enredo se desenvolve, então, a partir de
um interrogatório em que o desconhecido busca justificativas para que Joe se considere má.
Para provar, ela narra os principais episódios de sua vida e explica como se tornou
ninfomaníaca.

O imaginário do público é aguçado quando nada é mostrado na tela, e nos minutos seguintes a
aparição das primeiras imagens, o mistério continua.
O cenário ainda não é mostrado por completo. Por partes, a imagem do beco sombrio em
que Joe se encontra vai se formando, e quando esta aparece em 3min29seg, mistério em
torno da personagem fica ainda maior. Ao escolher dar início a história dessa forma, o
diretor dá o tom do que está por vir, se utilizando de uma fotografia com tons frios e cenário
vazio, combinando com a ausência de sentimentos de Joe.

Ninfomaníaca: Volume I se reveste de uma antes impensável aura de ironia e deboche,


arrancando risos sinceros, mas, bastante nervosos do público. Esse filme vai totalmente a
contramão de trabalhos anteriores de Lars Von Trier, ele entrega um filme com capítulos
contendo recorte sarcástico, até mesmo satírico. Assim surgem cultos de ordem sexual onde o
diretor aproveita para relaciona-los de algum forma a religiosidade, cristã ou judaica,
rendendo mais alguns escárnios a essas instituições que Lars tem especial apreço em criticar.

Você também pode gostar