Você está na página 1de 14

 

Bachelard e a Epistemologia Histórica: uma vivência sobre a formação do espírito


científico
Autoria: Lilian Alfaia Monteiro, Daniella Munhoz, Frederico Bertholini

Resumo: O objetivo deste artigo é apresentar a epistemologia de Gaston Bachelard por meio
de suas principais ideias e descrever a proposta de nosso encontro pedagógico com
doutorandos do curso de Administração, em 2011, no intuito de proporcionar uma verdadeira
vivência dos principais postulados da epistemologia. O encontro suscitou grande participação
e a produção dos participantes foi vivenciada de maneira criativa e reflexiva, provocando
questionamentos sobre o processo de construção do conhecimento científico a partir de outro
ponto de vista que não o da racionalidade positivista, fazendo, assim, com que o pesquisador
possa aventar outras possibilidades.


 

1. INTRODUÇÃO
Como e contra o quê se forma o espírito científico? A esta inquietação procurou
responder Gaston Bachelard durante toda a sua vida. E, nesta trajetória, de físico acabou por
tornar-se poeta, de poeta, tornou-se filósofo, o filósofo da desilusão. Da desilusão com o
posto, com o definido pela sensação superficial, com o imóvel e imutável, com o imposto.
Uma desilusão mobilizadora, impulsionadora do questionamento e da reflexão, da mudança.
Tomou o mundo como sua provocação e, em sua Epistemologia Histórica, produziu tanto
uma resposta a esta provocação quanto ao seu inquietamento inicial.
O objetivo deste artigo é apresentar a epistemologia de Bachelard por meio de suas
principais ideias e descrever a proposta de nosso encontro pedagógico com doutorandos do
curso de Administração, em 2011, concebido com pretensões de ser criativo e original, no
intuito de cativar a atenção da turma e proporcionar uma verdadeira vivência dos principais
postulados da epistemologia. Para tratar de uma epistemologia tão rica como a histórica,
entendemos que a proposta do encontro deveria refletir uma postura crítica e estimular a
sensibilidade, a beleza e a emoção no processo de aprendizagem, aspectos característicos da
obra de Bachelard.
Este artigo se inicia com uma exposição sobre a obra do autor. Na seção seguinte, são
abordadas algumas das suas principais ideias no campo da epistemologia e é traçado um
diálogo entre estas ideias e a Administração. Na quarta seção, apresentamos uma proposta
para o encontro em si, com planejamento, agenda, recursos utilizados, questões orientadoras
para debate e a relação da epistemologia histórica com outras epistemologias. Finalmente, na
última seção, expomos reflexões sobre a experiência em sala, com relatos dos participantes e
nossa vivência como mediadores deste encontro.

2. A OBRA DE BACHELARD
Gaston Bachelard nasceu em 1884, na França, filho de uma modesta família, e morreu
em 1962. Foi epistemólogo, filósofo da ciência, crítico, cientista e poeta. Bachelard viveu a
transformação de seu tempo, tendo nascido numa França campesina e morrido numa Paris
industrializada. Vivenciou intensamente, assim, a ruptura entre o século XIX e o século XX
(LOPES, 1996).
Seu primeiro livro foi Ensaio Sobre o Conhecimento Aproximado (1928) e seu livro
mais famoso foi O Novo Espírito Científico (1934). Outros livros importantes em sua carreira
foram: A Psicanálise do Fogo (1938); A Formação do Espírito Científico (1938); A Filosofia
do Não (1940); A Água e os Sonhos (1942); A Terra e os Devaneios da Vontade (1948);
Atividade Racionalista da Física Contemporânea (1951); A Poética do Espaço (1957); A
Poética do Devaneio (1960) e A Chama de uma Vela (1961). Em 1961 foi laureado com o
Grande Prêmio Nacional de Letras.
Bachelard é considerado um dos mais importantes filósofos contemporâneos e sua obra
teve influência nas ideias de Foucault, Althusser e Lacan, entre outros. A obra de Gaston
Bachelard pode ser dividida em diurna e noturna. Quando tratava de aspectos relativos à
filosofia da descoberta científica, Bachelard estava dando vazão ao homem diurno da ciência.
E, quando abordava aspectos da filosofia da criação artística, tratava-se do homem noturno da
poesia. Apesar do reconhecimento destes dois importantes aspectos da obra de Bachelard,
entende-se que esta separação presta-se apenas para fins classificatórios, pois não é possível
separar o Bachelard diurno do noturno, “o homem é, ao mesmo tempo, Razão e Imaginação”
(JAPIASSU, 1986, p. 68). Suas reflexões sobre a ciência estão repletas de poesia e
subjetividade e, por sua vez, seu olhar sobre a arte e poesia conserva a curiosidade científica
do pesquisador.


 

A seguir, apresentamos suas principais proposições acerca da construção do


conhecimento científico, no contexto da historicidade da epistemologia, ou como se tornou
mais conhecido, sua epistemologia histórica.

3. BACHELARD E A EPISTEMOLOGIA HISTÓRICA


A Epistemologia histórica surgiu das ideias de Gaston Bachelard e seu discípulo
Georges Canguilhem deu continuidade às mesmas. Para Bachelard, somente era possível fazer
uma reflexão crítica sobre a produção de conceitos se nos debruçássemos sobre a história das
ciências. Além disto, o autor acreditava num exame profundo das ciências pela filosofia. A
filosofia, então, deveria fazer esta reflexão crítica e só assim poderia despertar do seu sono
dogmático (LOPES, 1996).
Nesse sentido, podemos entender as ideias de Bachelard como um contraponto à
epistemologia positivista. O positivismo foi a epistemologia que serviu de base para o
desenvolvimento da ciência moderna, que, tendo surgido da promessa iluminista de progresso
e felicidade individual, carregou um pouco a “arrogância” desta promessa de não precisar
justificar ou questionar seus métodos, na medida em que seria “O Caminho para A Verdade”.
Na verdade, o positivismo considerava as ciências, tanto em sua forma quanto em seu
conteúdo, como constituindo a própria verdade, o que levava à conclusão de que as ciências
não poderiam ser julgadas (JAPIASSU, 1986). Assim sendo, não faria sentido para a
epistemologia positivista uma filosofia crítica da ciência.
Já do ponto de vista da epistemologia histórica de Bachelard, “a ciência é um objeto
construído socialmente, cujos critérios de cientificidade são coletivos e setoriais às diferentes
ciências” (LOPES, 1996, p.251). Desse modo, se as ciências nascem e evoluem em
circunstâncias históricas bem determinadas, o importante seria descobrir a gênese, a estrutura
e o funcionamento dos conhecimentos científicos. O projeto de Bachelard de “dar às ciências
a filosofia que elas merecem” envolve, então, a construção de uma epistemologia como
produto da ciência criticando-se a si mesma. A epistemologia deve interrogar-se sobre as
relações entre ciência e sociedade, entre as ciências e as diversas instituições científicas e
entre as diversas ciências. Para Bachelard, “a epistemologia consistia, no fundo, na história da
ciência como ela deveria ser feita” (JAPIASSU, 1986, p. 65). E o principal objetivo desta
epistemologia seria, então, a “reformulação” do saber científico e a “reforma” das noções
filosóficas.
A base do trabalho de Bachelard e de seu método de reflexão é a análise da produção
do conhecimento sob uma perspectiva histórica. O autor identifica três diferentes períodos de
construção do conhecimento: a) Pré-científico, que vai da Antiguidade Clássica até o século
XVIII; b) Estado científico, que se estende do final do século XVIII ao início do XIX; c)
Novo Espírito Científico, que engloba meados do século XIX até os dias de hoje
(BACHELARD, 2005). As mudanças de enfoque, objetivos e métodos referentes a estes
momentos são resultados de um movimento de estudo crítico do passado, isto é, da não
repetição de caminhos errados. Assim, o autor propõe uma epistemologia histórica que
reconhece seu funcionamento primordial no não continuísmo, no qual a história da ciência é a
história da provisoriedade de seus conceitos e da primazia de seus erros, sendo por meio da
retificação destes erros que o pensamento científico tem a possibilidade de evoluir. Então,
para Bachelard,
O espírito científico é essencialmente uma retificação do saber, uma ampliação dos quadros
do conhecimento. Ele julga seu passado histórico condenando-o. Sua estrutura é a
consciência de suas falhas históricas. Cientificamente, pensamos o verdadeiro como
retificação histórica de um longo erro; pensamos a experiência como retificação da ilusão
vulgar e primeira. (BACHELARD, 1977, p. 112)


 

Bachelard destaca, porém, que o simples fato de se estar cronologicamente no terceiro


estágio, o do novo espírito científico, não garante ao pesquisador estar imbuído do mesmo. Na
medida em que
É imensa a distância entre o livro impresso e o livro lido, entre o livro lido e o livro
compreendido, assimilado, sabido! Mesmo na mente lúcida, há zonas obscuras, cavernas
onde ainda vivem sombras. Mesmo no novo homem, permanecem vestígios do homem
velho. Em nós, o século XVIII prossegue sua vida latente; infelizmente, pode até voltar.
(BACHELARD, 2005, p.10)
Essa permanência do velho é uma prova da “sonolência do saber” dado que “o homem
se apega àquilo que foi conquistado com esforço” (BACHELARD, 2005, p.11). Bachelard
pretendeu demonstrar, assim, a necessidade da ciência contemporânea de renunciar à
pretensão de um saber universal, pois se “conhecer é sempre uma luta contra algo
estabelecido; (...) todas as verdades são provisórias, e não há, portanto, universalidade”
(ANDRADE; SMOLKA, 2009, p.248).
A partir da própria concepção do significado de epistemologia para Bachelard, podem-
se depreender algumas de suas mais importantes ideias como: a ruptura epistemológica, a
vigilância, a noção de obstáculo epistemológico e a importância da retificação do erro para o
avanço da ciência.

3.1 As noções de ruptura epistemológica e vigilância 
A noção de ruptura epistemológica é um importante conceito tratado por Bachelard e
está diretamente ligada à noção de retificação dos erros, na medida em que o conhecimento
ocorre sempre contra um conhecimento anterior, retificando o que se considerava sabido e
sedimentado. ”Por isso, não existem verdades primeiras, apenas os primeiros erros: a verdade
está em devir (...) o que sabemos é fruto da desilusão com aquilo que julgávamos saber; o que
somos é fruto da desilusão com o que julgávamos ser” (LOPES, 1996, p.254).
Andrade e Smolka (2009) asseveram que o conceito de ruptura na obra bachelardiana
representa a preocupação com o avanço do conhecimento científico por um caminho correto
e, representa também, a não banalização do conhecimento produzido. Para garantir a não
cristalização do conhecimento e manter crítico o espírito científico, torna-se necessária, assim,
a noção de vigilância. Uma postura de vigilância epistemológica seria responsável, então, por
garantir um eterno recomeçar demandado pelo verdadeiro espírito científico.

3.2 Os obstáculos epistemológicos  
O conceito de obstáculo epistemológico surge do reconhecimento da existência de
forças de resistência ao processo de ruptura entre o conhecimento comum e o conhecimento
científico. Os obstáculos epistemológicos são espécies de forças anti-rupturas, pontos de
resistência do pensamento ao próprio pensamento, um instinto de conservação do
pensamento. Assim, com o objetivo de manter a continuidade do conhecimento, a razão,
acomodada ao que já conhece, resiste à retificação dos erros, possibilitando o surgimento dos
obstáculos epistemológicos (LOPES, 1996). A opinião é um dos primeiros obstáculos a serem
considerados e, se possível, eliminados. Diz Bachelard:
A ciência, tanto em sua necessidade de acabamento como em seu princípio, opõe-se
absolutamente à opinião. Se ocorre, sobre um ponto particular, legitimá-la, será por razões
diversas daquelas que a fundamentam; na verdade, a opinião despoja-se sempre da razão. A
opinião pensa mal; ela não pensa; ela apenas traduz necessidades sob a forma de
conhecimento. Designando os objetos por sua utilidade, ela se interdita de conhecê-los. Nada
se importa fundar sobre opiniões: importa destruí-las. Ela é o primeiro obstáculo a superar.
(BACHELARD, 2005, p.18).


 

Dentre os principais obstáculos epistemológicos enumerados por Bachelard (1996),


alguns chamam especialmente a atenção. Nesta seção serão apontados três tipos de
obstáculos: a experiência primeira; a generalização prematura e; o obstáculo verbal.
A experiência primeira é o obstáculo genuinamente empirista. Bachelard (1996, p. 29)
define que “o espírito científico deve formar-se contra a Natureza, contra o encantamento, o
colorido e o corriqueiro [...] a natureza só pode ser verdadeiramente compreendida quando lhe
fazemos resistência”. O obstáculo aqui surge com o apagamento da ruptura, quando ela se
torna unidade, continuidade, desenvolvimento.
Por sua vez, a generalização prematura é o obstáculo genuinamente racionalista.
Acontece no instante seguinte às primeiras observações, quando já não há mais nada a
observar. Essa generalização apressada e fácil proporciona um perigoso prazer intelectual que
leva o pensamento à imobilidade. O pensamento científico se engana quando segue duas
tendências contrárias: a atração pelo particular e a atração pelo universal, que se caracterizam
um, pelo conhecimento em compreensão e outro, pelo conhecimento em extensão.
O obstáculo verbal remete a uma falsa explicação, obtida a partir de palavras ou
conceitos, que acaba por gerar uma “extensão abusiva das imagens usuais”. Abusiva porque
são metáforas sem lastro algum no real e insustentáveis do ponto de vista teórico. Assim, no
lugar de inserir um conceito particular numa síntese racional, ocorre uma estranha inversão
que pretende desenvolver o pensamento ao analisar um conceito, mas que apenas distancia do
conceito em si para aproximar ao conceito da metáfora e da imagem corriqueira. Produz-se,
desta forma, uma metáfora desligada do conceito original, incapaz de gerar conhecimento
sobre este.
O exemplo de Bachelard (1996) para o obstáculo verbal é a esponja, palavra-imagem
utilizada de forma indiscriminada para descrever uma série de fenômenos ligados à física e,
principalmente, ao estudo da eletricidade ao longo dos séculos XVII e XVIII. Justamente
contra a metáfora simplificadora dos fenômenos e limitadora do conhecimento verdadeiro que
se mobiliza o espírito científico.
É especialmente este tipo de obstáculo, ladeado aos demais, que traz ao campo da
administração contemporânea desafios maiores. A administração é repleta de metáforas e
jogos de linguagem, frequentemente pouco embasados do ponto de vista teórico. Esta
característica favorece a compreensão de seus conceitos de maneira generalizada na forma de
orientações estritas aos membros de uma organização. Normalmente, são teorias
fundamentadas única e exclusivamente na prática, ou seja, podemos dizer que são práticas
institucionalizadas. Mas qual a relação entre o que se faz ao administrar e o que se faz ao
pensar a administração?

3.3 Diálogo entre Bachelard e a ciência administrativa 
Gaston Bachelard é considerado o filósofo da desilusão e sua marca central é o
permanente recomeçar. Para Bachelard, não existem verdades primeiras, apenas erros
primeiros. O autor confere primazia ao erro e a sua retificação, ao invés da “verdade” na
construção do conhecimento científico. Assim, é preciso errar em ciência, pois o
conhecimento científico somente pode ser construído pela retificação destes erros.
No entanto, desiludir-se, admitir o erro, retificá-lo, mais que difícil, pode ser não
recomendável a quem produz conhecimento em administração nos dias de hoje. A palavra
desilusão não guarda nexo com a aplicabilidade irrestritamente generalizável e imediata que
se tem costumado demandar da produção no campo. Adventos como o crescimento do
mercado educacional corporativo, a proliferação dos cursos de MBA (MINTZBERG, 2006) e
de graduação em Administração, bem como a explosão do pop-management (CARVALHO,
CARVALHO, BEZERRA, 2010) acabam por tornar cada vez mais difícil distinguir o que


 

seja produção científica em administração. Por isso, trazer ao diálogo Gaston Bachelard e o
desenvolvimento da ciência administrativa é oportuno.
A Administração surge, como campo do conhecimento, a partir das necessidades de
organização da produção advindas do capitalismo industrial. Sua base está fundada em Fayol
e Taylor, autores que, de forma bastante pragmática, tinham como objetivo concreto resolver
a questão da produção de bens de consumo em massa. Ao longo do século XX, as questões
relevantes para o campo foram se alterando e a Administração acompanhou este processo.
Porém, desde a abordagem clássica, passando pela teoria da burocracia, teoria dos sistemas e
teoria da contingência, todas as teorias vieram responder, de alguma forma, a problemas
concretos e contextuais no campo.
Bachelard, no entanto, defende que todo pragmatismo é um pensamento mutilado em
função da indução utilitária e que, neste uso pragmático, apenas a utilidade possui capacidade
explicativa (LOPES, 2003). Sua obra foi, assim, uma tentativa de despertar a filosofia de seu
sono dogmático. O conhecimento jamais poderia professar a verdade, no máximo, se
aproximar dela. E, nessa trajetória, o cientista perfaz um caminho repleto de erros. O processo
de evolução, para Bachelard, parte da tese de que o progresso das ciências tem como condição
a colocação dos problemas científicos sob a forma de obstáculos que incidem sobre o próprio
ato de conhecer. Estas dificuldades impelem o espírito científico ao questionamento sobre as
causas que levam à estagnação, à regressão e à inércia. Ao propor uma psicanálise do espírito
científico, supõe que o antigo deve ser pensado em função do novo, afinal, “[...] na obra da
ciência só se pode amar o que se destrói, pode-se continuar o passado negando-o, pode-se
venerar o mestre contradizendo-o" (BACHELARD, 1996, p.309). Pode-se afirmar, portanto,
que a démarche do conhecimento científico é uma trilha feita de rupturas e descontinuidades.
Assim sendo, observar a produção do conhecimento científico em administração com
os olhos da epistemologia histórica de Bachelard demanda dos pesquisadores uma visão mais
crítica sobre o conhecimento produzido. A epistemologia histórica coloca um desafio aos
pesquisadores da área de administração: optar por uma postura crítica de vigilância
epistemológica que possibilite a ciência da administração seguir o processo de ruptura e
retificação dos erros, combatendo os obstáculos epistemológicos da área, especialmente
aqueles representados pelo apego da academia aos conceitos aceitos como verdade e tão
celebrados pelo pop-management.

4. O ENCONTRO PEDAGÓGICO

Nossa ideia para estruturar o encontro pedagógico era abordar os temas da


epistemologia em questão, no que tange ao conhecimento científico, a partir de um olhar mais
poético e sensível, na expectativa de reunir o homem diurno e o homem noturno de
Bachelard, ou seja, a racionalidade e a poesia, respectivamente. Por isso, optamos por planejar
um encontro que pudesse explorar recursos que estimulassem a sensibilidade, a beleza e a
emoção neste processo de aprendizagem.

4.1 Planejamento do encontro 
Uma vez que o tema proposto se referia à epistemologia histórica, o principal objetivo
que delineamos para o encontro pedagógico foi apresentá-la, partindo de seus principais
conceitos e autores. Para isso, realizamos sua contextualização histórica, ressaltando aspectos
relevantes da abordagem e comparando-a com as demais epistemologias, bem como
verificamos de que maneira vem se dando sua aplicação nos estudos organizacionais e na
Administração, de forma geral. Assim, o plano do encontro foi desenvolvido conforme o
exposto a seguir:


 

Quadro 1 – Plano do encontro


Conteúdos Estratégias Recursos
(itens trabalhados durante a aula) (procedimentos de ensino) (materiais de apoio)

Apresentação da proposta de trabalho, Exposição dialogada Data show


introdução ao tema e aos principais
autores.
Retomada da importância da história: Vídeo Trechos selecionados do
sensibilização a partir dos grandes e filme Nós que aqui estamos
pequenos personagens. por vós esperamos
Apresentação sobre a epistemologia Exposição dialogada Data show
histórica: antecedentes, contextualização e
aspectos relevantes.
Discussão sobre as principais ideias da Leitura e análise crítica a Frases e trechos da obra do
epistemologia histórica: 1ª Atividade em partir do material entregue autor;
grupo – Pensando com Bachelard. aos grupos e da bibliografia Textos indicados para a aula
sugerida para a aula;
Debate e problematização
Exposição acerca das diferentes visões na Vídeo Edição de dois curtas-
história: versões e estórias. metragens do filme
11´09´´01 - September 11
Discussão sobre conceitos-chave da obra Elaboração de curtas- Data show e câmeras
de Bachelard: 2ª Atividade em grupo – metragens de dois minutos digitais
Produzindo seu próprio documentário sobre o conceito de obstáculo
epistemológico, com
apresentação dos trabalhos
desenvolvidos pelos grupos
Comparação entre epistemologia histórica Exposição dialogada Data show
e outras epistemologias: semelhanças e
diferenças
Aplicação da epistemologia histórica em Exposição dialogada Data show e artigos
estudos organizacionais: exemplos de pesquisados
artigos e pesquisas
Discussão sobre como o ponto de vista cria Vídeo; Trechos escolhidos do filme
o objeto e sobre como os dados são Debate e problematização Narradores de Javé
construídos historicamente

4.2 Proposta de uso do tempo 
A fim de melhor nos programarmos para realizar todas as atividades sugeridas,
elaboramos uma proposta de uso do tempo, no qual relacionamos os pontos a serem
trabalhados e o tempo de duração de cada um deles. Trata-se de uma orientação para dar
sequência às atividades do encontro e não um protocolo fechado e rígido, posto que em uma
apresentação interativa a duração da participação dos presentes não pode ser planejada
previamente, podendo alterar em algum grau a ordem das atividades. A seguir, apresentamos
a proposta ideal de uso do tempo que desenvolvemos inicialmente.

Quadro 2 – Proposta de uso do tempo


Horário Atividade Tempo previsto
08h15 – 08h30 Abertura; apresentação do grupo e da proposta de trabalho 15min
08h30 – 08h50 Sensibilização: Trecho do filme “Nós que aqui estamos por vós 20min
esperamos”

08h50 – 09h10 Exposição sobre a epistemologia histórica; 20min


 

09h10 – 09h30 1ª Atividade em grupo – “Pensando com Bachelard” 20min


09h30 – 09h50 Debate sobre a 1ª atividade 20min
09h50 – 10h05 Vídeo “11´09´´01 - September 11” e Instrução para 2ª atividade 15min
10h05 – 10h20 Intervalo 15min
10h20 – 10h40 2ª Atividade em grupo – “Produzindo seu próprio documentário” 20min
10h40 – 11h00 Apresentação dos trabalhos 20min
11h00 – 11h15 Comparação entre epistemologia histórica e outras 15min
epistemologias e seu uso em estudos organizacionais
11h15 – 11h35 Preparação para debate (Filme “Narradores de Javé”) 20min
11h35 – 11h55 Debate 20min
11h55 – 12h00 Fechamento 5min
Total 3h45

Esta proposta se mostrou adequada aos objetivos traçados inicialmente e foi bem recebida
pelos participantes. Vale ressaltar que, no encontro aqui relatado, não foi possível a realização
do debate final que estava programado para depois do filme Narradores de Javé. A produção e
a apresentação dos documentários pelos grupos tomaram mais tempo que o previsto e o
debate sobre a atividade “Pensando com Bachelard” se estendeu para além de 10h05, sem
comprometimento do cumprimento dos objetivos.

4.3 Uso de recursos audiovisuais no encontro pedagógico 
Após termos visto o planejamento e a proposta de uso do tempo para o encontro
pedagógico sobre Epistemologia Histórica, veremos nesta seção como ocorreu o uso de
recursos audiovisuais na condução efetiva deste encontro. Procuramos fomentar todas as
discussões, desde a ambientação até o fechamento, a partir do recurso de vídeo/cinema, uma
escolha com intencionalidades bastante específicas. O tipo de reflexão suscitado pela
linguagem cinematográfica garantiria a predisposição dos participantes à ambiência poética
trazida pela obra de Bachelard e permitiria aprofundamentos que a mera racionalidade não é
capaz de alcançar.
Essa escolha, no entanto, impunha três questões fundamentais. Em primeiro lugar, a
preocupação de que cada vídeo estivesse relacionado a algum dos objetivos gerais propostos
quando do planejamento do encontro pedagógico. Em segundo lugar, que houvesse algum
encadeamento entre os vídeos, uma vez que eles seriam o fio condutor de um objetivo mais
amplo. Em terceiro lugar, que se equacionasse a questão do tempo de aula e dos conteúdos
que se desejava expor aos participantes, pois, se o tempo era escasso, havia necessidade de
tornar as intervenções eficientes.
Estas três questões apontavam dois cuidados necessários, primeiro, na escolha dos
filmes e, ainda mais, na escolha dos trechos e edição. O Quadro 3 especifica os materiais
utilizados, os tratamentos realizados para uso em aula e os objetivos centrais aos quais
estavam relacionados.

Quadro 3 – descrição dos recursos audiovisuais utilizados


Material vídeo Tratamento Objetivo central
1 Nós que aqui estamos por Edição de aprox.. 14 minutos Posicionar a turma no contexto
vós esperamos. Brasil: - Disponibilizado em: histórico da produção de
Imovision, 1999. (72 http://youtu.be/Hv_OGIcTpos Bachelard e do surgimento da
min) Epistemologia histórica
2 Foucault: Gaston Vídeo disponível na internet Questionar o critério de
Bachelard. Un certain - Disponibilizado em: relevância na ciência
regard – França: 1972. http://youtu.be/21Fbkei242A
(1min58seg).
3 11´09´´01. Inglaterra/ Edição de aprox.. 13 minutos com Retomar a discussão sobre
França: 2002. 1 DVD os episódios "God, Construction relevância e introduzir o debate


 

(134 min) and Destruction" (Samira sobre obstáculo e ruptura


Makhmalbaf – Irã) e "USA" (Sean
Penn – EUA)
- Disponibilizado em:
http://youtu.be/gQdvYEPuDQ8
4 Produção livre dos Edição com total de 10 minutos Propiciar aprofundamento
participantes sobre os para apresentação a todos os reflexivo sobre obstáculo e
temas “Obstáculo” e participantes ruptura entre os participantes
“Ruptura”
5 Narradores de Javé. Edição de aprox.. 15 minutos Discutir a imposição do poder
Brasil: Riofilme, 2003. - Disponibilizado em: da ciência sobre o homem
(100 min). http://youtu.be/7Va6n10Zl5k comum

Na próxima seção apresentaremos uma atividade em grupo realizada a partir de frases


baseadas na obra de Gaston Bachelard com o intuito de provocar o debate de seus conceitos
pela turma.

4.4 Questões orientadoras para o debate em sala 
Bachelard foi um homem de grandes frases (JAPIASSÚ, 1976). Quase sempre
profundas e eventualmente impactantes, levam inevitavelmente ao questionamento, um
estranhamento inicial sobre o estabelecido que precede o pensar não natural. Aproveitamos
esta peculiaridade como estratégia para fomentar o debate e decidimos, em lugar dos
tradicionais questionamentos, trazer à turma algumas frases relacionadas à obra de
Bachelard como elementos desencadeadores da discussão sobre a literatura recomendada.
Assim, procuramos relacionar os principais conceitos da Epistemologia histórica a
uma frase relacionada à obra de Bachelard. Em sala, dividimos a turma em seis grupos,
aleatoriamente, para que cada grupo pudesse discutir um dos seis conceitos centrais. O ideal
é que o fizessem também com base nas sensibilizações propostas pelo grupo e na leitura
prévia realizada. Por isso, em lugar de esclarecer diretamente o conceito em questão, apenas
distribuímos as frases e pedimos que produzissem uma síntese das discussões em grupo e
tentassem identificar a relação com os conceitos.
Tínhamos, desta forma, uma frase que se ligava a um conceito e que possuía uma
orientação sintética. Com apenas o primeiro sendo revelado aos participantes, ficava mais
simples direcionar o debate para a busca do conceito e de uma orientação sintética, que é o
que, de fato, precisava ficar como produto da discussão em sala, para os participantes. O
Quadro 4 aponta o conceito fundante, a frase e a orientação sintética dos debates
Quadro 4

Formação do espírito científico


Conceito 1

O espírito científico deve formar-se contra a Natureza, contra o fato colorido e


Frase
corriqueiro. (BACHELARD, 2005, p.29)
A experiência primeira, em geral mediada pelo sentido, se cristaliza como um
Orientação conhecimento naturalizado. O espírito científico deve procurar a abstração e a negação
dos fatos que se apresentam dessa forma.
Racionalismo aplicado ou filosofia de duplo polo
Conceito 2

A ciência não é o pleonasmo da experiência (BACHELARD, apud JAPIASSU, 1986, p.


Frase
79)
O conhecimento científico vai justamente rever, negar e retificar a experiência por meio
Orientação
da abstração e não se originar nela para construir suas teorias.
Erro
ce
it
n


 

Um verdadeiro sobre um fundo de erros, eis a forma do pensamento científico


Frase
(BACHELARD, 1986, p.48)
O conhecimento científico se constrói pela retificação dos erros. O erro assume a
Orientação função positiva de gênese do saber e a própria questão da verdade se modifica. Não há
verdade primeira, apenas erros primeiros.
Dialética do não
Conceito 4

A verdade não é uma qualidade que pertenceria a esta ou aquela opinião particular, mas
Frase o resultado da negação mútua das opiniões entre os produtores de ideias. (JAPIASSU,
1986, p. 70)
Essa negatividade tem a função positiva de reorganizar e reconfigurar o saber,
Orientação
superando as contradições e as ilusões. É um resultado que só se constitui no devir.
Retificação e Polêmica
Conceito 5

A experiência é precisamente a lembrança dos erros retificados. O ser puro é um ser


Frase
desiludido. (JAPIASSU, 1986, p. 80)
O conhecimento se retifica sobre o que julgávamos saber, sobre o que julgávamos ser e
Orientação
sempre haverá essa retificação, então sempre estaremos aguardando novas desilusões
Obstáculo
Conceito 6

Nosso espírito tem a tendência irresistível de considerar como mais clara a ideia que
Frase
costuma utilizar com frequência. (BERGSON apud BACHELARD, 2005, P.19)
Uma ideia muito utilizada ganha uma força indevida, porque a pergunta se desgasta e a
Orientação resposta concreta fica, formando um obstáculo. Com o tempo, as ideias que foram
sadias podem entravar a pesquisa, justamente quando se valorizam indevidamente.

4.5 Relacionando epistemologia histórica com outras epistemologias 

Um dos aspectos mais intrigantes da obra de Canguilhem e Bachelard está nas


possibilidades de diálogo que se abrem entre a Epistemologia Histórica e outras
epistemologias. À exceção da Epistemologia Positivista, do Apriorismo, do Racionalismo e
do Empirismo, a forma de compreender origem e essência da relação entre sujeito e objeto
na produção do conhecimento científico acaba guardando várias interseções com outras
epistemologias. O Quadro 5 aponta as compatibilidades entre a Epistemologia Histórica e as
demais epistemologias.
Quadro 5 – Relação da Epistemologia Histórica com demais
epistemologias
Epistemologia Aproximações com a Epistemologia Histórica
Positivismo -
- Verdades são sempre provisórias: refutabilidade e retificação;
- Espírito científico como busca interminável pelo conhecimento;
Racionalismo
- Problema como ponto de partida.
crítico de Popper
- Filosofia do Não e o princípio da falseabilidade: poder negar aquilo
que se constituiu como um conhecimento válido e científico
- Nada é evidente. Nada é gratuito. Tudo é construído
(BACHELARD, 2005, p.18);
- Necessidade dos professores conhecerem as concepções prévias dos
alunos, que já tem suas concepções e preconceitos que vão afetar /
Construtivismo
filtrar/ moldar seu entendimento;
- Escola é feita para a sociedade, mas é a sociedade que deveria ser
feita para a Escola;
- A cabeça feita é uma cabeça fechada, que precisa ser refeita.
- A consciência da presença das ideologias, a tentativa de “depurar” o
Fenomenologia conhecimento à luz de suas condições de formação (ideologia,
estrutura etc) parece a necessidade fenomenológica de tentar chegar a

10 
 

essência do fenômeno.
- Verdade como essência
- Bachelard era um fenomenólogo (JAPIASSÚ, 1986)
- Teoria é como as coisas são e prática é como as coisas deveriam ser:
Teoria crítica
toda a prática deve ser transformadora, por excelência.
- Tese, antítese e síntese: a síntese não deve ser cristalizada, mas
Dialética transformada em uma nova tese, senão temos uma dialética positiva
que encerra o caráter dinâmico da própria dialética.
- Multiplicidade de discursos: grandes narrativas não respondem mais
como teorias explicativas, pequenas narrativas ganham força;
- Descontinuidade;
Pós-modernismo - Não generalização: Bachelard afirma que toda verdade é regional,
”a filosofia de Bachelard considera a verdade como nosso produto”
(JAPIASSÚ, 1986, p.69)

4.6 Aplicação da Epistemologia histórica para estudos em Administração – é 
possível?  
Em relação à aplicação da epistemologia histórica no campo da administração, como
esta epistemologia está diretamente relacionada a uma filosofia da ciência, a uma reflexão
crítica sobre a mesma, pode-se argumentar que a adoção da epistemologia histórica na
pesquisa em administração está mais relacionada a uma postura do pesquisador diante da
produção do conhecimento. Não dá para fazer uma correspondência entre a adoção da
epistemologia histórica e a utilização de determinadas metodologias, nem tampouco
confundir todo estudo que se propõe historiográfico como um desdobramento da
epistemologia histórica. Na verdade, tudo depende de uma postura crítica diante da
produção do conhecimento.
Como desafio aos pesquisadores, a epistemologia histórica coloca a necessidade de
desenvolver uma postura de vigilância epistemológica que possibilite à pesquisa em
administração seguir o processo de ruptura proposto por Bachelard, combatendo os obstáculos
epistemológicos da área, especialmente os obstáculos representados pelo apego da academia
aos conceitos aceitos como verdade pela área. Uma postura crítica e não conformista do
pesquisador é a mais preciosa contribuição de Bachelard.
Nesse sentido, trouxemos como exemplo o artigo “O que Lembrar e o que Esquecer?
Memória e a formalização social do Passado nas Organizações” (SARAIVA; COSTA,
2010). O que aproxima este artigo da epistemologia histórica não é o fato de falar da
história das organizações, mas sim, questionar o papel da memória, do que é lembrado e do
que é esquecido, o que é aceito como documento, além de mostrar como a questão da
ideologia, dos valores está arraigada na pesquisa sobre organizações. Trata-se de uma
reflexão sobre como os aspectos históricos são utilizados nos estudos organizacionais.
Nesse sentido, é um trabalho compatível com a postura do pesquisador requerida pela
epistemologia histórica.

5. REFLEXÕES SOBRE A EXPERIÊNCIA EM SALA


Entendemos que, além de planejar o encontro, também é importante refletir sobre
como esta experiência se deu, não apenas para aperfeiçoar nossa prática, mas também para
ouvir os diversos registros sobre ela e a partir daí poder reconstituir nossa própria percepção.
Aqui, estas reflexões se dividem entre o olhar dos alunos e o nosso próprio olhar sobre este
processo.

11 
 

5.1 A experiência vivenciada: 
A discussão sobre epistemologia histórica suscitou grande participação, que se traduziu
em diversos questionamentos e comentários não só durante o debate, mas também ao longo de
toda a apresentação. Além disto, a turma se engajou nas atividades propostas, tanto na
discussão a partir de frases selecionadas quanto na elaboração de documentários. O estímulo à
expressividade, suscitado pela utilização do material audiovisual como fio condutor do
encontro, surtiu o efeito esperado, e a produção dos participantes foi vivenciada de maneira
criativa e reflexiva, dois atributos bastante bem-vindos ao pensamento cujo intento é produzir
conhecimento. O encadeamento dos momentos de reflexão propostos, justamente em torno
deste fio condutor, favoreceu a compreensão da epistemologia.
Além de estimular a participação, as atividades tinham como objetivo, de modo geral,
provocar os alunos para uma concepção mais reflexiva e crítica do conhecimento científico,
segundo as proposições da epistemologia histórica. Esta provocação se traduziu,
principalmente, nas discussões dos alunos sobre a postura do pesquisador na construção do
saber científico, que se centraram no cuidado e atenção que este deve ter para evitar que a
experiência primeira, calcada no sentido, lhe ocasione toda uma construção científica
equivocada. Aliás, a definição de erro na obra de Bachelard foi objeto de intensa discussão
por parte dos presentes com grupos defendendo opiniões opostas, uns aproximando o autor do
positivismo lógico e outros definindo seu afastamento e suas distinções do pensamento de
Popper.
Também foi discutido sobre o peso de teorias e autores consagrados, que contribuem
para que o questionamento e a negação prezados pela epistemologia histórica não aconteçam.
Mas a provocação não se deu somente no sentido de afirmar os preceitos desta epistemologia.
Os alunos também questionaram a postura vigilante, que consideraram por vezes excessiva,
da epistemologia histórica, por julgarem que sob suas condições e restrições, a construção do
conhecimento científico seria rara e para poucos pesquisadores. Especialmente a discussão
sobre o conceito de obstáculo epistemológico, trabalhado durante mais de um momento do
encontro, permitiu a todos os participantes uma melhor compreensão do papel do pesquisador
nesta vigilância.
Alguns dos filmes utilizados no encontro sensibilizaram não só a turma como também
a professora que conduzia a disciplina, tais como os trechos de “Nós que aqui estamos por vós
esperamos” e “September 11”, além de um dos documentários produzidos pelos próprios
alunos, suscitando comentários e expressões de surpresa, sensibilidade e emoção. Os vários
feedbacks positivos, e os relatos dos participantes sobre as atividades e os filmes escolhidos,
apontam acerto na decisão em estimular esses aspectos no encontro.
Ao final do encontro, uma convidada que havia assistido a apresentação nos
parabenizou recitando em agradecimento o poema “Soberania” de Manoel de Barros (2008),
que, em seu entendimento, se relacionava com o que havia sido discutido naquele dia,
finalizando assim a exposição de uma forma bem condizente com a proposta da epistemologia
histórica. Uma interação não planejada, mas completamente coerente com a ambiência que
procuramos proporcionar em sala, de sensibilidade e expressão.

5.2 O nosso olhar: 
O encontro se desenvolveu relativamente dentro do que havíamos programado.
Naturalmente, alguns pequenos ajustes de tempo e de atividades tiveram de ser feitos para que
pudéssemos cumprir os objetivos do encontro pedagógico. Isso significou, por exemplo, ter
flexibilidade para estimular debates, quando a turma estava menos participativa, mas também
permitir que as discussões se prolongassem mais do que o tempo previsto, mesmo cientes de
nosso estreito cronograma, já que as problematizações eram relevantes e representavam um

12 
 

importante papel no processo de aprendizagem. Nesse contexto, algumas atividades tiveram


que ser suprimidas, como foi o caso do debate final, porém, consideramos que a ausência
desta tarefa foi minimizada pelo engajamento da turma em diversas outras, não configurando,
a nosso ver, um grande prejuízo em termos de aprendizagem, face aos ganhos obtidos no
processo como um todo.
Durante as reuniões de preparação nos deparamos com a complexidade e com a
riqueza da obra de Bachelard, o que nos provocou, em diferentes níveis, um certo
encantamento pelo tema escolhido para o trabalho. Desse modo, nossas expectativas estavam
direcionadas no sentido de suscitar debates participativos e aprofundados sobre a
epistemologia histórica, sensibilizando a turma para os elementos mais subjetivos desta
perspectiva. Todavia, imaginávamos que esta sensibilização não seria algo fácil de se realizar,
considerando o perfil objetivista que encontramos, em geral, nas turmas de administração.
Dessa forma, ponderamos bastante sobre o desenvolvimento de tarefas menos diretivas
e mais abstratas como a elaboração de um vídeo sobre o conceito de obstáculo
epistemológico. Contudo, consideramos pertinente explorar essa experiência no intuito de
instigar os alunos a outro tipo de reflexão, isto é, a construção de um conhecimento a partir de
diferentes possibilidades e não uma concepção deste já fechada ou dada. E nesse sentido,
podemos dizer que ficamos surpresos com a aderência que a atividade teve entre os alunos,
revelando trabalhos e olhares sobre a epistemologia histórica e sobre o conhecimento
científico que integravam outras ideias desta abordagem e também de outros saberes.
Não tínhamos a pretensão de num único encontro esgotar a discussão de uma
abordagem tão rica quanto a epistemologia histórica. Esperamos, porém, ter aproveitado esta
oportunidade para provocar na turma reflexões e questionamentos sobre o processo de
construção do conhecimento científico a partir de outro ponto de vista que não o da
racionalidade positivista e, assim, fazer com que o pesquisador possa aventar outras
possibilidades e com isso despertar novos mundos.

Referências 
ANDRADE, J. J.; SMOLKA, A. L. B. A construção do conhecimento em diferentes
perspectivas: contribuições de um diálogo entre Bachelard e Vigotski. Ciência & Educação,
Colômbia, v.15, n.2, p.245-268, 2009.

BACHELARD, Gaston. A Formação do Espírito Científico: contribuição para uma


psicanálise do conhecimento. Rio de Janeiro: Contraponto, 2005.

______. Uma epistemologia histórica. In: Epistemologia. Rio de Janeiro: Zahar, 1977

______. Conhecimento comum e conhecimento científico. In: Tempo Brasileiro São Paulo,
n. 28, p. 47-56, jan-mar 1972.

______. O novo espírito científico. Lisboa: Edições 70, 1996.

BARROS, Manoel de. Memórias Inventadas: a terceira infância. Ed. Planeta: São Paulo,
2008.

CARVALHO, José Luis Felicio; CARVALHO, Frederico Antonio A; BEZERRA, Carol. O


monge, o executivo e o estudante ludibriado: uma análise empírica sobre leitura eficaz
entre alunos de administração. Cad. EBAPE.BR, Rio de Janeiro, v. 8, n. 3, Sept. 2010 .

13 
 

HENDERSON, Bruce. Henderson on Corporate Strategy. Lanham: Abt Books, 1979.

JAPIASSÚ, Hilton. Para ler Bachelard. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976. (Série Para
ler).

JAPIASSU, H. Introdução ao pensamento epistemológico. Rio de Janeiro: Francisco Alves,


1986.

LOPES, A.R. C. Bachelard: o filósofo da desilusão. Caderno Brasileiro de Ensino de


Física, v.13, n.3, p248-273, 1996.

LOPES, Rosa Guedes. O espírito científico segundo Gaston Bachelard. Rio de


Janeiro: Contraponto editora. 314p, 2003

MINTZBERG, H. MBA? Não, obrigado! Uma visão crítica sobre a gestão e o


desenvolvimento de gerentes. Porto Alegre: Bookman, 2006

PENNA, A. G. Acerca dos Obstáculos epistemológicos: as contribuições de Bacon e


Bachelard. In: Introdução à Epistemologia. Rio de Janeiro: Imago, 2000.

SARAIVA, L. A. S.; COSTA, A. M. O que Lembrar e o que Esquecer? Memória e a


Formalização Social do Passado nas Organizações. In: XXXIV Encontro Nacional da
ANPAD, 2010, Rio de Janeiro. Anais do XXXIV Encontro Nacional da ANPAD, 2010.

Vídeos utilizados:

11´09´´01 - SEPTEMBER 11. Co-direção: Alejandro González Iñárritu, Amos Gitaï, Claude
Lelouch, Danis Tanovic, Idrissa Ouedraogo, Ken Loach, Mira Nair, Samira Makhmalbaf,
Sean Penn, Shohei Imamura e Youssef Chahine. Produção: Alain Brigand. Inglaterra/ França:
2002. 1 DVD (134 min).

FOUCAULT: GASTON BACHELARD. Un certain regard - 02/10/1972 - 01min58s.


disponível em: http://www.ina.fr/art-et-culture/litterature/video/I00002886/foucault-gaston-
bachelard.fr.html Acesso em: 28 de julho de 2011.

NÓS QUE AQUI ESTAMOS POR VÓS ESPERAMOS. Direção: Marcelo Masagão.
Produção: Marcelo Masagão. Brasil: Imovision, 1999. 1 DVD (72 min).

NARRADORES DE JAVÉ. Direção: Eliane Caffé. Produção: Vânia Catani. Brasil: Riofilme,
2003. 1 DVD (100 min).

14 

Você também pode gostar