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2012 Epq2141 PDF
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Resumo: O objetivo deste artigo é apresentar a epistemologia de Gaston Bachelard por meio
de suas principais ideias e descrever a proposta de nosso encontro pedagógico com
doutorandos do curso de Administração, em 2011, no intuito de proporcionar uma verdadeira
vivência dos principais postulados da epistemologia. O encontro suscitou grande participação
e a produção dos participantes foi vivenciada de maneira criativa e reflexiva, provocando
questionamentos sobre o processo de construção do conhecimento científico a partir de outro
ponto de vista que não o da racionalidade positivista, fazendo, assim, com que o pesquisador
possa aventar outras possibilidades.
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1. INTRODUÇÃO
Como e contra o quê se forma o espírito científico? A esta inquietação procurou
responder Gaston Bachelard durante toda a sua vida. E, nesta trajetória, de físico acabou por
tornar-se poeta, de poeta, tornou-se filósofo, o filósofo da desilusão. Da desilusão com o
posto, com o definido pela sensação superficial, com o imóvel e imutável, com o imposto.
Uma desilusão mobilizadora, impulsionadora do questionamento e da reflexão, da mudança.
Tomou o mundo como sua provocação e, em sua Epistemologia Histórica, produziu tanto
uma resposta a esta provocação quanto ao seu inquietamento inicial.
O objetivo deste artigo é apresentar a epistemologia de Bachelard por meio de suas
principais ideias e descrever a proposta de nosso encontro pedagógico com doutorandos do
curso de Administração, em 2011, concebido com pretensões de ser criativo e original, no
intuito de cativar a atenção da turma e proporcionar uma verdadeira vivência dos principais
postulados da epistemologia. Para tratar de uma epistemologia tão rica como a histórica,
entendemos que a proposta do encontro deveria refletir uma postura crítica e estimular a
sensibilidade, a beleza e a emoção no processo de aprendizagem, aspectos característicos da
obra de Bachelard.
Este artigo se inicia com uma exposição sobre a obra do autor. Na seção seguinte, são
abordadas algumas das suas principais ideias no campo da epistemologia e é traçado um
diálogo entre estas ideias e a Administração. Na quarta seção, apresentamos uma proposta
para o encontro em si, com planejamento, agenda, recursos utilizados, questões orientadoras
para debate e a relação da epistemologia histórica com outras epistemologias. Finalmente, na
última seção, expomos reflexões sobre a experiência em sala, com relatos dos participantes e
nossa vivência como mediadores deste encontro.
2. A OBRA DE BACHELARD
Gaston Bachelard nasceu em 1884, na França, filho de uma modesta família, e morreu
em 1962. Foi epistemólogo, filósofo da ciência, crítico, cientista e poeta. Bachelard viveu a
transformação de seu tempo, tendo nascido numa França campesina e morrido numa Paris
industrializada. Vivenciou intensamente, assim, a ruptura entre o século XIX e o século XX
(LOPES, 1996).
Seu primeiro livro foi Ensaio Sobre o Conhecimento Aproximado (1928) e seu livro
mais famoso foi O Novo Espírito Científico (1934). Outros livros importantes em sua carreira
foram: A Psicanálise do Fogo (1938); A Formação do Espírito Científico (1938); A Filosofia
do Não (1940); A Água e os Sonhos (1942); A Terra e os Devaneios da Vontade (1948);
Atividade Racionalista da Física Contemporânea (1951); A Poética do Espaço (1957); A
Poética do Devaneio (1960) e A Chama de uma Vela (1961). Em 1961 foi laureado com o
Grande Prêmio Nacional de Letras.
Bachelard é considerado um dos mais importantes filósofos contemporâneos e sua obra
teve influência nas ideias de Foucault, Althusser e Lacan, entre outros. A obra de Gaston
Bachelard pode ser dividida em diurna e noturna. Quando tratava de aspectos relativos à
filosofia da descoberta científica, Bachelard estava dando vazão ao homem diurno da ciência.
E, quando abordava aspectos da filosofia da criação artística, tratava-se do homem noturno da
poesia. Apesar do reconhecimento destes dois importantes aspectos da obra de Bachelard,
entende-se que esta separação presta-se apenas para fins classificatórios, pois não é possível
separar o Bachelard diurno do noturno, “o homem é, ao mesmo tempo, Razão e Imaginação”
(JAPIASSU, 1986, p. 68). Suas reflexões sobre a ciência estão repletas de poesia e
subjetividade e, por sua vez, seu olhar sobre a arte e poesia conserva a curiosidade científica
do pesquisador.
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3.1 As noções de ruptura epistemológica e vigilância
A noção de ruptura epistemológica é um importante conceito tratado por Bachelard e
está diretamente ligada à noção de retificação dos erros, na medida em que o conhecimento
ocorre sempre contra um conhecimento anterior, retificando o que se considerava sabido e
sedimentado. ”Por isso, não existem verdades primeiras, apenas os primeiros erros: a verdade
está em devir (...) o que sabemos é fruto da desilusão com aquilo que julgávamos saber; o que
somos é fruto da desilusão com o que julgávamos ser” (LOPES, 1996, p.254).
Andrade e Smolka (2009) asseveram que o conceito de ruptura na obra bachelardiana
representa a preocupação com o avanço do conhecimento científico por um caminho correto
e, representa também, a não banalização do conhecimento produzido. Para garantir a não
cristalização do conhecimento e manter crítico o espírito científico, torna-se necessária, assim,
a noção de vigilância. Uma postura de vigilância epistemológica seria responsável, então, por
garantir um eterno recomeçar demandado pelo verdadeiro espírito científico.
3.2 Os obstáculos epistemológicos
O conceito de obstáculo epistemológico surge do reconhecimento da existência de
forças de resistência ao processo de ruptura entre o conhecimento comum e o conhecimento
científico. Os obstáculos epistemológicos são espécies de forças anti-rupturas, pontos de
resistência do pensamento ao próprio pensamento, um instinto de conservação do
pensamento. Assim, com o objetivo de manter a continuidade do conhecimento, a razão,
acomodada ao que já conhece, resiste à retificação dos erros, possibilitando o surgimento dos
obstáculos epistemológicos (LOPES, 1996). A opinião é um dos primeiros obstáculos a serem
considerados e, se possível, eliminados. Diz Bachelard:
A ciência, tanto em sua necessidade de acabamento como em seu princípio, opõe-se
absolutamente à opinião. Se ocorre, sobre um ponto particular, legitimá-la, será por razões
diversas daquelas que a fundamentam; na verdade, a opinião despoja-se sempre da razão. A
opinião pensa mal; ela não pensa; ela apenas traduz necessidades sob a forma de
conhecimento. Designando os objetos por sua utilidade, ela se interdita de conhecê-los. Nada
se importa fundar sobre opiniões: importa destruí-las. Ela é o primeiro obstáculo a superar.
(BACHELARD, 2005, p.18).
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3.3 Diálogo entre Bachelard e a ciência administrativa
Gaston Bachelard é considerado o filósofo da desilusão e sua marca central é o
permanente recomeçar. Para Bachelard, não existem verdades primeiras, apenas erros
primeiros. O autor confere primazia ao erro e a sua retificação, ao invés da “verdade” na
construção do conhecimento científico. Assim, é preciso errar em ciência, pois o
conhecimento científico somente pode ser construído pela retificação destes erros.
No entanto, desiludir-se, admitir o erro, retificá-lo, mais que difícil, pode ser não
recomendável a quem produz conhecimento em administração nos dias de hoje. A palavra
desilusão não guarda nexo com a aplicabilidade irrestritamente generalizável e imediata que
se tem costumado demandar da produção no campo. Adventos como o crescimento do
mercado educacional corporativo, a proliferação dos cursos de MBA (MINTZBERG, 2006) e
de graduação em Administração, bem como a explosão do pop-management (CARVALHO,
CARVALHO, BEZERRA, 2010) acabam por tornar cada vez mais difícil distinguir o que
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seja produção científica em administração. Por isso, trazer ao diálogo Gaston Bachelard e o
desenvolvimento da ciência administrativa é oportuno.
A Administração surge, como campo do conhecimento, a partir das necessidades de
organização da produção advindas do capitalismo industrial. Sua base está fundada em Fayol
e Taylor, autores que, de forma bastante pragmática, tinham como objetivo concreto resolver
a questão da produção de bens de consumo em massa. Ao longo do século XX, as questões
relevantes para o campo foram se alterando e a Administração acompanhou este processo.
Porém, desde a abordagem clássica, passando pela teoria da burocracia, teoria dos sistemas e
teoria da contingência, todas as teorias vieram responder, de alguma forma, a problemas
concretos e contextuais no campo.
Bachelard, no entanto, defende que todo pragmatismo é um pensamento mutilado em
função da indução utilitária e que, neste uso pragmático, apenas a utilidade possui capacidade
explicativa (LOPES, 2003). Sua obra foi, assim, uma tentativa de despertar a filosofia de seu
sono dogmático. O conhecimento jamais poderia professar a verdade, no máximo, se
aproximar dela. E, nessa trajetória, o cientista perfaz um caminho repleto de erros. O processo
de evolução, para Bachelard, parte da tese de que o progresso das ciências tem como condição
a colocação dos problemas científicos sob a forma de obstáculos que incidem sobre o próprio
ato de conhecer. Estas dificuldades impelem o espírito científico ao questionamento sobre as
causas que levam à estagnação, à regressão e à inércia. Ao propor uma psicanálise do espírito
científico, supõe que o antigo deve ser pensado em função do novo, afinal, “[...] na obra da
ciência só se pode amar o que se destrói, pode-se continuar o passado negando-o, pode-se
venerar o mestre contradizendo-o" (BACHELARD, 1996, p.309). Pode-se afirmar, portanto,
que a démarche do conhecimento científico é uma trilha feita de rupturas e descontinuidades.
Assim sendo, observar a produção do conhecimento científico em administração com
os olhos da epistemologia histórica de Bachelard demanda dos pesquisadores uma visão mais
crítica sobre o conhecimento produzido. A epistemologia histórica coloca um desafio aos
pesquisadores da área de administração: optar por uma postura crítica de vigilância
epistemológica que possibilite a ciência da administração seguir o processo de ruptura e
retificação dos erros, combatendo os obstáculos epistemológicos da área, especialmente
aqueles representados pelo apego da academia aos conceitos aceitos como verdade e tão
celebrados pelo pop-management.
4. O ENCONTRO PEDAGÓGICO
4.1 Planejamento do encontro
Uma vez que o tema proposto se referia à epistemologia histórica, o principal objetivo
que delineamos para o encontro pedagógico foi apresentá-la, partindo de seus principais
conceitos e autores. Para isso, realizamos sua contextualização histórica, ressaltando aspectos
relevantes da abordagem e comparando-a com as demais epistemologias, bem como
verificamos de que maneira vem se dando sua aplicação nos estudos organizacionais e na
Administração, de forma geral. Assim, o plano do encontro foi desenvolvido conforme o
exposto a seguir:
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4.2 Proposta de uso do tempo
A fim de melhor nos programarmos para realizar todas as atividades sugeridas,
elaboramos uma proposta de uso do tempo, no qual relacionamos os pontos a serem
trabalhados e o tempo de duração de cada um deles. Trata-se de uma orientação para dar
sequência às atividades do encontro e não um protocolo fechado e rígido, posto que em uma
apresentação interativa a duração da participação dos presentes não pode ser planejada
previamente, podendo alterar em algum grau a ordem das atividades. A seguir, apresentamos
a proposta ideal de uso do tempo que desenvolvemos inicialmente.
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Esta proposta se mostrou adequada aos objetivos traçados inicialmente e foi bem recebida
pelos participantes. Vale ressaltar que, no encontro aqui relatado, não foi possível a realização
do debate final que estava programado para depois do filme Narradores de Javé. A produção e
a apresentação dos documentários pelos grupos tomaram mais tempo que o previsto e o
debate sobre a atividade “Pensando com Bachelard” se estendeu para além de 10h05, sem
comprometimento do cumprimento dos objetivos.
4.3 Uso de recursos audiovisuais no encontro pedagógico
Após termos visto o planejamento e a proposta de uso do tempo para o encontro
pedagógico sobre Epistemologia Histórica, veremos nesta seção como ocorreu o uso de
recursos audiovisuais na condução efetiva deste encontro. Procuramos fomentar todas as
discussões, desde a ambientação até o fechamento, a partir do recurso de vídeo/cinema, uma
escolha com intencionalidades bastante específicas. O tipo de reflexão suscitado pela
linguagem cinematográfica garantiria a predisposição dos participantes à ambiência poética
trazida pela obra de Bachelard e permitiria aprofundamentos que a mera racionalidade não é
capaz de alcançar.
Essa escolha, no entanto, impunha três questões fundamentais. Em primeiro lugar, a
preocupação de que cada vídeo estivesse relacionado a algum dos objetivos gerais propostos
quando do planejamento do encontro pedagógico. Em segundo lugar, que houvesse algum
encadeamento entre os vídeos, uma vez que eles seriam o fio condutor de um objetivo mais
amplo. Em terceiro lugar, que se equacionasse a questão do tempo de aula e dos conteúdos
que se desejava expor aos participantes, pois, se o tempo era escasso, havia necessidade de
tornar as intervenções eficientes.
Estas três questões apontavam dois cuidados necessários, primeiro, na escolha dos
filmes e, ainda mais, na escolha dos trechos e edição. O Quadro 3 especifica os materiais
utilizados, os tratamentos realizados para uso em aula e os objetivos centrais aos quais
estavam relacionados.
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4.4 Questões orientadoras para o debate em sala
Bachelard foi um homem de grandes frases (JAPIASSÚ, 1976). Quase sempre
profundas e eventualmente impactantes, levam inevitavelmente ao questionamento, um
estranhamento inicial sobre o estabelecido que precede o pensar não natural. Aproveitamos
esta peculiaridade como estratégia para fomentar o debate e decidimos, em lugar dos
tradicionais questionamentos, trazer à turma algumas frases relacionadas à obra de
Bachelard como elementos desencadeadores da discussão sobre a literatura recomendada.
Assim, procuramos relacionar os principais conceitos da Epistemologia histórica a
uma frase relacionada à obra de Bachelard. Em sala, dividimos a turma em seis grupos,
aleatoriamente, para que cada grupo pudesse discutir um dos seis conceitos centrais. O ideal
é que o fizessem também com base nas sensibilizações propostas pelo grupo e na leitura
prévia realizada. Por isso, em lugar de esclarecer diretamente o conceito em questão, apenas
distribuímos as frases e pedimos que produzissem uma síntese das discussões em grupo e
tentassem identificar a relação com os conceitos.
Tínhamos, desta forma, uma frase que se ligava a um conceito e que possuía uma
orientação sintética. Com apenas o primeiro sendo revelado aos participantes, ficava mais
simples direcionar o debate para a busca do conceito e de uma orientação sintética, que é o
que, de fato, precisava ficar como produto da discussão em sala, para os participantes. O
Quadro 4 aponta o conceito fundante, a frase e a orientação sintética dos debates
Quadro 4
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A verdade não é uma qualidade que pertenceria a esta ou aquela opinião particular, mas
Frase o resultado da negação mútua das opiniões entre os produtores de ideias. (JAPIASSU,
1986, p. 70)
Essa negatividade tem a função positiva de reorganizar e reconfigurar o saber,
Orientação
superando as contradições e as ilusões. É um resultado que só se constitui no devir.
Retificação e Polêmica
Conceito 5
Nosso espírito tem a tendência irresistível de considerar como mais clara a ideia que
Frase
costuma utilizar com frequência. (BERGSON apud BACHELARD, 2005, P.19)
Uma ideia muito utilizada ganha uma força indevida, porque a pergunta se desgasta e a
Orientação resposta concreta fica, formando um obstáculo. Com o tempo, as ideias que foram
sadias podem entravar a pesquisa, justamente quando se valorizam indevidamente.
4.5 Relacionando epistemologia histórica com outras epistemologias
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essência do fenômeno.
- Verdade como essência
- Bachelard era um fenomenólogo (JAPIASSÚ, 1986)
- Teoria é como as coisas são e prática é como as coisas deveriam ser:
Teoria crítica
toda a prática deve ser transformadora, por excelência.
- Tese, antítese e síntese: a síntese não deve ser cristalizada, mas
Dialética transformada em uma nova tese, senão temos uma dialética positiva
que encerra o caráter dinâmico da própria dialética.
- Multiplicidade de discursos: grandes narrativas não respondem mais
como teorias explicativas, pequenas narrativas ganham força;
- Descontinuidade;
Pós-modernismo - Não generalização: Bachelard afirma que toda verdade é regional,
”a filosofia de Bachelard considera a verdade como nosso produto”
(JAPIASSÚ, 1986, p.69)
4.6 Aplicação da Epistemologia histórica para estudos em Administração – é
possível?
Em relação à aplicação da epistemologia histórica no campo da administração, como
esta epistemologia está diretamente relacionada a uma filosofia da ciência, a uma reflexão
crítica sobre a mesma, pode-se argumentar que a adoção da epistemologia histórica na
pesquisa em administração está mais relacionada a uma postura do pesquisador diante da
produção do conhecimento. Não dá para fazer uma correspondência entre a adoção da
epistemologia histórica e a utilização de determinadas metodologias, nem tampouco
confundir todo estudo que se propõe historiográfico como um desdobramento da
epistemologia histórica. Na verdade, tudo depende de uma postura crítica diante da
produção do conhecimento.
Como desafio aos pesquisadores, a epistemologia histórica coloca a necessidade de
desenvolver uma postura de vigilância epistemológica que possibilite à pesquisa em
administração seguir o processo de ruptura proposto por Bachelard, combatendo os obstáculos
epistemológicos da área, especialmente os obstáculos representados pelo apego da academia
aos conceitos aceitos como verdade pela área. Uma postura crítica e não conformista do
pesquisador é a mais preciosa contribuição de Bachelard.
Nesse sentido, trouxemos como exemplo o artigo “O que Lembrar e o que Esquecer?
Memória e a formalização social do Passado nas Organizações” (SARAIVA; COSTA,
2010). O que aproxima este artigo da epistemologia histórica não é o fato de falar da
história das organizações, mas sim, questionar o papel da memória, do que é lembrado e do
que é esquecido, o que é aceito como documento, além de mostrar como a questão da
ideologia, dos valores está arraigada na pesquisa sobre organizações. Trata-se de uma
reflexão sobre como os aspectos históricos são utilizados nos estudos organizacionais.
Nesse sentido, é um trabalho compatível com a postura do pesquisador requerida pela
epistemologia histórica.
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5.1 A experiência vivenciada:
A discussão sobre epistemologia histórica suscitou grande participação, que se traduziu
em diversos questionamentos e comentários não só durante o debate, mas também ao longo de
toda a apresentação. Além disto, a turma se engajou nas atividades propostas, tanto na
discussão a partir de frases selecionadas quanto na elaboração de documentários. O estímulo à
expressividade, suscitado pela utilização do material audiovisual como fio condutor do
encontro, surtiu o efeito esperado, e a produção dos participantes foi vivenciada de maneira
criativa e reflexiva, dois atributos bastante bem-vindos ao pensamento cujo intento é produzir
conhecimento. O encadeamento dos momentos de reflexão propostos, justamente em torno
deste fio condutor, favoreceu a compreensão da epistemologia.
Além de estimular a participação, as atividades tinham como objetivo, de modo geral,
provocar os alunos para uma concepção mais reflexiva e crítica do conhecimento científico,
segundo as proposições da epistemologia histórica. Esta provocação se traduziu,
principalmente, nas discussões dos alunos sobre a postura do pesquisador na construção do
saber científico, que se centraram no cuidado e atenção que este deve ter para evitar que a
experiência primeira, calcada no sentido, lhe ocasione toda uma construção científica
equivocada. Aliás, a definição de erro na obra de Bachelard foi objeto de intensa discussão
por parte dos presentes com grupos defendendo opiniões opostas, uns aproximando o autor do
positivismo lógico e outros definindo seu afastamento e suas distinções do pensamento de
Popper.
Também foi discutido sobre o peso de teorias e autores consagrados, que contribuem
para que o questionamento e a negação prezados pela epistemologia histórica não aconteçam.
Mas a provocação não se deu somente no sentido de afirmar os preceitos desta epistemologia.
Os alunos também questionaram a postura vigilante, que consideraram por vezes excessiva,
da epistemologia histórica, por julgarem que sob suas condições e restrições, a construção do
conhecimento científico seria rara e para poucos pesquisadores. Especialmente a discussão
sobre o conceito de obstáculo epistemológico, trabalhado durante mais de um momento do
encontro, permitiu a todos os participantes uma melhor compreensão do papel do pesquisador
nesta vigilância.
Alguns dos filmes utilizados no encontro sensibilizaram não só a turma como também
a professora que conduzia a disciplina, tais como os trechos de “Nós que aqui estamos por vós
esperamos” e “September 11”, além de um dos documentários produzidos pelos próprios
alunos, suscitando comentários e expressões de surpresa, sensibilidade e emoção. Os vários
feedbacks positivos, e os relatos dos participantes sobre as atividades e os filmes escolhidos,
apontam acerto na decisão em estimular esses aspectos no encontro.
Ao final do encontro, uma convidada que havia assistido a apresentação nos
parabenizou recitando em agradecimento o poema “Soberania” de Manoel de Barros (2008),
que, em seu entendimento, se relacionava com o que havia sido discutido naquele dia,
finalizando assim a exposição de uma forma bem condizente com a proposta da epistemologia
histórica. Uma interação não planejada, mas completamente coerente com a ambiência que
procuramos proporcionar em sala, de sensibilidade e expressão.
5.2 O nosso olhar:
O encontro se desenvolveu relativamente dentro do que havíamos programado.
Naturalmente, alguns pequenos ajustes de tempo e de atividades tiveram de ser feitos para que
pudéssemos cumprir os objetivos do encontro pedagógico. Isso significou, por exemplo, ter
flexibilidade para estimular debates, quando a turma estava menos participativa, mas também
permitir que as discussões se prolongassem mais do que o tempo previsto, mesmo cientes de
nosso estreito cronograma, já que as problematizações eram relevantes e representavam um
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Referências
ANDRADE, J. J.; SMOLKA, A. L. B. A construção do conhecimento em diferentes
perspectivas: contribuições de um diálogo entre Bachelard e Vigotski. Ciência & Educação,
Colômbia, v.15, n.2, p.245-268, 2009.
______. Uma epistemologia histórica. In: Epistemologia. Rio de Janeiro: Zahar, 1977
______. Conhecimento comum e conhecimento científico. In: Tempo Brasileiro São Paulo,
n. 28, p. 47-56, jan-mar 1972.
BARROS, Manoel de. Memórias Inventadas: a terceira infância. Ed. Planeta: São Paulo,
2008.
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JAPIASSÚ, Hilton. Para ler Bachelard. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976. (Série Para
ler).
Vídeos utilizados:
11´09´´01 - SEPTEMBER 11. Co-direção: Alejandro González Iñárritu, Amos Gitaï, Claude
Lelouch, Danis Tanovic, Idrissa Ouedraogo, Ken Loach, Mira Nair, Samira Makhmalbaf,
Sean Penn, Shohei Imamura e Youssef Chahine. Produção: Alain Brigand. Inglaterra/ França:
2002. 1 DVD (134 min).
NÓS QUE AQUI ESTAMOS POR VÓS ESPERAMOS. Direção: Marcelo Masagão.
Produção: Marcelo Masagão. Brasil: Imovision, 1999. 1 DVD (72 min).
NARRADORES DE JAVÉ. Direção: Eliane Caffé. Produção: Vânia Catani. Brasil: Riofilme,
2003. 1 DVD (100 min).
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