Você está na página 1de 2

Adolescência democrática

A decisão do Supremo Tribunal Federal nesta semana de vetar o voto impresso


para as eleições de 2018 despertou a fúria dos críticos da urna eletrônica.
Reemergiram várias acusações de fraude nestes equipamentos.
O comportamento de muitos dos críticos me gerou uma reflexão sobre a
maturação democrática no Brasil. Vivemos alguns anos com uma situação econômica
melhor e, logo, com baixo conflito político. A partir das jornadas de junho de 2013 e
com o ambiente proporcionado pela Lava Jato houve um acirramento das disputas, que
permitiu a entrada de toda uma geração na esfera pública.
A última vez que houve um grande ciclo de mobilização foi com o impeachment
de Fernando Collor em 1992. Quem tinha 14 anos ou menos naquele período hoje
orbita os 40 e responde por cerca de metade do eleitorado. Estão participando de
embates políticos mais intensos pela primeira vez.
Deste modo saíram de uma “infância” para uma “adolescência democrática”.
Caracterizo aqui a infância como um período de proximidade e referenciamento nos
pais. Para o filho pequeno os pais são um modelo ou ídolo a ser seguido. Além disto, as
crianças compreendem pouco como a vida funciona e são objeto de forte
manipulação. Já quando entram na adolescência, a postura muda para um forte
questionamento dos pais. Eles deixam de ser o modelo a ser buscado e tornam-se o
anti-exemplo. Quantos de nós não olhamos para nossos pais e pensamos que
queríamos ser diferentes daquilo em que eles se tornaram?
Adolescentes e jovens são marcados em grande quantidade por sua postura
iconoclasta em relação ao mundo e até a uma rebeldia sem causa, como ficou
celebrizado no filme com James Dean na década de 1950, quando surgiu este
fenômeno social da adolescência. Entende-se este comportamento pelo fato deles
terem pouco a perder. Nem família, nem emprego, nem patrimônio, nem valores
consolidados e outras coisas. Ao longo da vida vão acumulando tudo isto e passam a
querer conservar aquilo que já conquistaram. Este papel desempenhado por eles é
importante na sociedade, para se contrapor aos demais grupos e equilibrar. Mas
quando alongado fica complicado.
Percebo esta postura crítica como uma necessidade de auto-afirmação e
destruição daquilo que veio de antes, mas sem colocar algo no lugar. Os cidadãos hoje
no Brasil experimentam um volume de informação nunca antes visto, o que dá a eles
um perfil mais informado e questionador. E presenciam também uma reideologização
derivada da volta do conflito político mais agudizado.
Mas tem faltado a eles a capacidade de formulação e proposição de soluções. O
questionamento é sempre muito bem vindo. Mas para criticar é preciso entender. É
salutar a expressão de sentimentos, mas é bom apontar soluções. Estamos numa era
em que quase tudo é questionado, mas pouco é proposto. Este “crepúsculo dos ídolos”
é importante. Mas quem ficará no lugar deles? Sub-celebridades que sobem e descem
ao sabor das frases feitas e ocas que proferem? Vejo com preocupação a formação de
novas lideranças num ambiente como este marcado muito mais pela atitude
consumista e da esfera privada do que de um espaço público digno do nome. Este
denuncismo exagerado com a inversão do ônus da prova pode nos levar a caminhos
muito periogosos.
Portanto, esta postura adolescente de quem conhece pouco do mundo e sente-
se politizado por adotar uma posição crítica é perigosa. Temo muito pelo vazio que isto
já vem deixando e que pode se agravar, já que não há vácuo em política. É necessário
entender tanto de política e gestão pública quanto de games, carros, esportes,
tecnologia, beleza, entretenimento e outros assuntos que ocupam a atenção das
pessoas. Caso contrário não entenderemos como o sistema funciona e, sobretudo,
como poderemos muda-lo.

Você também pode gostar