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ENSAIO

Pesquisa e produção de conhecimento no campo do


Serviço Social

Aldaíza Sposati
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP)

Pesquisa e produção de conhecimento no campo do Serviço Social


Resumo: Este artigo trata dos caminhos da pesquisa na área do Serviço Social. Parte da polêmica quanto à possibilidade/capacidade do
Serviço Social como prática social produzir conhecimentos. Resgata nesse debate a ‘guerra das ciências’ travada entre físicos e matemáticos
com analistas do social, desconsiderando a dimensão científica da pesquisa no âmbito social. Analisa o crescimento da produção
científica no Serviço Social através das dissertações e teses dos Programas de Pós-Graduação em Serviço Social, para tanto comenta
análises de Iamamoto, Silva e Silva e Carvalho, indica a necessidade da constituição de política de pesquisa a orientar a comunidade
epistêmica em Serviço Social, que deve se articular em rede de núcleos de pesquisa
Palavras-chave: pesquisa em Serviço Social, rede de pesquisadores em Serviço Social, produção de conhecimento.

Research and Production of Knowledge in Social Work


Abstract: This article concerns research paths in the field of Social Work. It begins with the polemic concerning the potential and ability
of Social Work as a social practice to produce knowledge. It revives the debate concerning the “war of the sciences” between physicists
and mathematicians with social analysts, in which the later do not recognize the scientific dimension of research in the social realm. It
analyzes the growth of scientific production in Social Work through dissertations and theses in the Graduate Social Work Program. To
do so it comments on the analyses of Iamamoto, Silva and Silva and Carvalho and indicates the need to establish a research policy, orient
the epistemic community in Social Work and organize a network of researchers centers.
Key words: research in Social Work, network of researchers in Social Work, production of knowledge.

Recebido em 02.03.2007. Aprovado em 07.03.2007.

Rev. Katál. Florianópolis v. 10 n. esp. p. 15-25 2007


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Introdução nhado’ entre os nascentes conhecimentos da Psico-


logia e da Sociologia.
O desafio posto pela Revista Katálysis em de- Tratou-se à partida, como é sabido, da constru-
sencadear na comunidade científica do Serviço So- ção do reconhecimento social da identidade dessa
cial uma reflexão sobre a produção de conhecimen- prática, que aparecia mais como militância de um
tos na pesquisa em Serviço Social é sem dúvida grupo da sociedade civil fora da academia do que um
instigante, e sob diferentes planos. campo de produção de conhecimentos. O ‘diagnósti-
Em primeiro plano por que esse desafio coloca a co social’ como método de análise da relação indiví-
pesquisa como objeto do debate deslocando-a, portan- duo e meio preservava seu assentamento em princí-
to, da condição de meio, método, ferramenta fazendo- pios científicos relativos à personalidade humana e à
a alcançar um locus central para estudo. A concep- ‘física social’.
ção da pesquisa como mediação constitutiva da Esse corpo de conhecimentos ‘sincréticos e
identidade e exercício profissional embora correta, ecléticos’ dominou por quase três décadas o Serviço
tem levado profissionais do Serviço Social a algumas Social no Brasil, quando na segunda metade da dé-
situações-armadilha, das quais destaco: cada de 60 inicia a transmutação da influência euro-
– a preponderância do debate sobre o método péia e americana e desencadeia o processo de reco-
da pesquisa atribuindo caráter secundário ao nhecimento de nova identidade social assentada em
objeto e aos resultados e à direção social do movimento latino-americano fundado na Teoria So-
conhecimento; cial Crítica, na Economia Política e no confronto po-
– a banalização dos atributos necessários lítico aos autoritarismos dos Estados ditatoriais. Com
para o desempenho qualitativo na pesqui- isto, o Serviço Social constrói novas linhas de força
sa, pelo pesquisador, o que termina por cons- que o identificam com as tensões da dinâmica da
truir a falsa relação mecânica entre trabalho sociedade brasileira no período.
do profissional assistente social com a função O exame crítico das bases ideológicas da consti-
de pesquisador. tuição sócio-histórica da profissão, e de seus compo-
Considero que o debate sobre a pesquisa em Ser- nentes, foi central para a efetiva compreensão de
viço Social é notoriamente significativo para o des- sua inserção nas dimensões ético-valorativas do tra-
monte dessas ‘situações-armadilha’ e amplitude do to da questão social e de sua função social no pro-
alcance do saber/conhecimento produzido pelo Ser- cesso de reprodução das relações sociais. Esse pro-
viço Social no mundo e na comunidade de pesquisa, cesso, cuja superação foi de difícil trânsito, confron-
e dos pesquisadores. tou-se com a singularidade dos metodologismos onde
Um segundo plano, desafiante desse debate so- predominava a microescala de análise para a ação
bre a pesquisa em Serviço Social, advém do fato de no real e que levava, em sua logicidade, a
que, sua enunciação, já parece significar a supera- superposição do método da pesquisa com o método
ção do velho dilema sobre a pertinência em se afir- do diagnóstico social para ação profissional. Se na
mar que o Serviço Social produz conhecimentos primeira é a produção do conhecimento que está posta
para além de respostas práticas a diversas questões. como objetivo/resultado, na segunda é a mudança da
Refiro-me tanto ao estatuto secundário dado ao situação encontrada a finalidade buscada, embora, é
Serviço Social na comunidade científica, que che- bom que se demarque, em ambas exista uma direção
ga, por vezes, a desdenhar da pesquisa em Servi- social que orienta o sentido ético da ação profissio-
ço Social, bem como, ao tradicional embate sobre nal. Os procedimentos de analisar para conhecer e
se o Serviço Social é ciência, técnica, arte, disci- analisar para agir exigem diversidade de processos
plina, etc. e tal. metodológicos, já que supõem resultados diversos.
Como prática social transformada em profissão, A sustentação da análise do real na Teoria Social
pela então ‘nova’ divisão sociotécnica do trabalho – foi se apresentando como caminho essencial para a
o que ocorreu na Europa e EUA no final do século construção do conhecimento crítico referido à totali-
19 e no Brasil, pouco antes da metade do século 20 – dade da sociedade.
o debate sobre a relação entre conhecimento e Ser- Para além destas questões próprias à particulari-
viço Social foi catapultado pelo debate sobre o ‘diag- dade do Serviço Social, o desafio proposto contém
nóstico social’, enquanto um novo campo de aplica- um terceiro plano, mais geral, para debate. Trata-se
ção do conhecimento psicossocial de corte relacional do confronto entre a produção da pesquisa social com
entre sujeito-sociedade ou, mais ao sabor da lingua- a pesquisa na área das ciências físicas e matemáti-
gem a que este conhecimento se filiava, sobre a rela- cas, demarcado por uma falsa hierarquia entre as
ção de mútua influência entre indivíduo e meio. Não nominadas ciências puras e as ciências aplicadas.
se tratava de discutir a ciência clássica, enquanto Nesse contexto, a valoração da física protagonizada
domínio da natureza e suas leis físicas, mas de abrir por Alan Sokal, físico da Universidade de Nova York,
um novo campo de conhecimento ‘abrigado’ ou ‘ali- na ‘guerra das ciências’, categorizou as ciências so-

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ciais como embustes metodológicos, jogos de pala- do Serviço Social que, ao questionar sua ‘base cientí-
vras que através de raciocínios dedutivos forjariam fica’ europeu-americana, a preocupação com o co-
pseudoconhecimentos ou pseudociência. nhecimento no1 e para o Serviço Social se fortalece.
Seguramente, a natureza social, distinta da natu- Esse processo tem na implantação de cursos de pós-
reza física e de seus elementos decodificadores, é graduação na década de 1970 uma força ímpar. Pri-
sujeitada a múltiplas variáveis demarcadas pelo cam- meiro é preciso lembrar que implantar pós-graduação
po difuso das relações societárias e multiculturais. em Serviço Social significou, por si só, a convalidação
Todavia, a diversidade das características do objeto nos órgãos oficiais do campo do Serviço Social como
(nesse caso de construção sócio-histórica) não lhe área de estudo e pesquisa. Aliás, valeria a pena o exa-
retira, em absoluto, sua capacidade de construção da me desses documentos inaugurais a fim de resgatar o
explicação do real. Afinal, o social é sempre uma enunciado desse reconhecimento.
construção, portanto é grafado pela relação espaço- É no âmbito de um curso privado de Serviço Soci-
tempo. Todo conhecimento é perene até que um novo al, na PUC-SP, que tem início a pós-graduação em
conhecimento demonstre sua falência. Serviço Social que vai titular como mestres e doutores
Harry Collins, sociólogo das ciências, da Univer- um número considerável de docentes das Universida-
sidade de Cardiff (País de Gales, Reino Unido) con- des Públicas brasileiras no campo do Serviço Social.
seguiu demonstrar o vácuo dessa ‘guerra das ciênci- A produção de teses e dissertações exigia o com-
as’ que considera os estudiosos das humanidades in- ponente da pesquisa inovadora e, por conseqüência,
capazes de realizar experimentos, dada sua ausência exigia dos pós-graduados o aprofundamento teórico
do conhecimento matemático e, portanto, incapazes na metodologia científica, na estatística que passaram
de entender e produzir ciência. Collins que vinha ana- a ser disciplinas dos primeiros cursos de mestrado, ain-
lisando a “comunidade de físicos de ondas da na década de 70 já que o nível de doutorado só é
gravitacionais” através do domínio de conceitos utili- alcançado na metade da seguinte década.
zados por essa comunidade, conseguiu interagir com O reconhecimento institucional pela Coordenação
nove físicos dando sugestões e comentários a seus de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
estudos e pesquisas. Mostrou com isto que a especi- (CAPES) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvi-
alização interativa permite o diálogo de conceitos o mento Científico e Tecnológico (CNPq) da área do
que mostra que pesquisadores de áreas diferentes Serviço Social como campo específico de pesquisa
podem ser tão competentes na análise de um estudo é, certamente, conquista que abriu possibilidade de
quanto especialistas no ramo (COLLINS, 2006). financiamento da pesquisa em Serviço Social e in-
É preciso ter claro que a investigação no campo clusão de pesquisadores do Serviço Social no quadro
das humanidades é sujeitada a esses confrontos ainda geral de pesquisadores do CNPq.
neste terceiro milênio e, principalmente, nas agências Sem dúvida, esta jovem experiência de três déca-
de fomento e nos órgãos financiadores da pesquisa. das apenas sofre, como as demais áreas das huma-
É com os limites desses três planos e a prática de nidades, certa arrogância das ciências puras face às
pesquisadora, que há mais de 25 anos vem se mol- ciências aplicadas, mas coloca, ao mesmo tempo,
dando na comunidade de pesquisadores em Serviço questões para os próprios pesquisadores do Serviço
Social, bem como, em outras comunidades científi- Social: teria o Serviço Social efetiva base científica
cas principalmente as que se dedicam ao exame para a produção de conhecimentos com estatuto re-
socioambiental, que as reflexões deste artigo são conhecido pela academia?
construídas, destacando algumas polêmicas entre a Por certo, ocorreu grande esforço nas décadas
pesquisa e o Serviço Social e uma contribuição ao de 80 e 90 em fortalecer a base científico-profissio-
debate sobre a ‘expertise’ do conhecimento do as- nal difundida, principalmente, através do processo de
sistente social. desconstrução e reconstrução crítica da profissão e
de seu exercício, fundando-se no aporte sócio-histó-
rico da análise do real, que foi disseminado pelo en-
Serviço Social e pesquisa tão ‘novo’ currículo de formação da década de 80.
Esse processo permeou a categoria pela academia,
A pesquisa torna-se disciplina obrigatória na for- centros de formação, coletivos profissionais, encon-
mação profissional dos assistentes sociais somente tros, debates, publicações, congressos. Foi efetiva-
em 1982. Embora este fato algumas escolas, depar- mente a construção da nova cultura crítica no âmbito
tamentos ou faculdades já inseriam em seus currícu- da profissão e da formação profissional que tem o
los a metodologia da pesquisa. Pelo menos esta foi mérito desse fortalecimento da pesquisa para os as-
minha experiência ainda na Escola de Serviço Social sistentes sociais.
da PUC-SP na década de 60 do século 20. O vínculo entre a produção de conhecimento em
É após o processo de reconceituação e, com ele, Serviço Social e o processo sócio-histórico gerou, por
da construção da identidade social latino-americana sua vez, a capacidade de interlocução entre pesqui-

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sadores provindos do Serviço Social com aqueles li- em Políticas Sociais e Serviço Social (CEDEPSS) –
gados a outros saberes. Ampliou-se a inserção e a com reconhecimento pleno, tendo já em seu currícu-
interlocução interdisciplinar, e com elas, a constru- lo a realização de doze Encontros Anuais de Pesqui-
ção do reconhecimento científico dessa ‘nova’ pers- sa e Pesquisadores em Serviço Social ocorrendo o
pectiva de análise do real. último em dezembro de 2006, em Recife.
Um outro tom de qualidade na produção do conhe- A Pós-Graduação já conta com duas dezenas de
cimento em Serviço Social procedeu da direção social cursos instalados em universidades públicas, filantró-
da prática profissional orientada por um projeto ético- picas e privadas. Esses cursos possuem ativos nú-
coletivo. Falo da relação de compromisso entre a prá- cleos de pesquisa com relações internacionais,
tica profissional e os interesses das classes populares, interdisciplinares, mas que ainda têm frágil inter-re-
subalternas, exploradas. Nessa perspectiva, Carmelita lação nacional na medida em que a comunidade ci-
Yazbek (2004) soma com as teses de Boaventura de entífica do Serviço Social não está constituída em
Sousa Santos (2003) ao afirmar a relação entre co- rede, o que seria desejável. Vejo aqui um bom novo
nhecimento e hegemonia e situar o campo da produ- desafio para a pesquisa no Serviço Social.
ção do conhecimento em Serviço Social sob a orienta- É de se relembrar as experiências de intercâm-
ção de conhecimento contra-hegemônico, porque vol- bio internacional que geram pesquisas e estudos com-
tado para as classes subalternas. parados entre o Brasil e outras realidades, ressalta-
No caso, ele não se guia pelas normalidades ou se o exemplo da PUC-SP com programas de
homogeneidades, e sim pelas heterogeneidades, dis- mestrado e doutorado em Portugal (KARSCH, 2005).
crepâncias, desigualdades. Adquire o caráter de co- Não se trabalha em rede entre os núcleos de pes-
nhecimento-movimento já que não é um conhecimento quisa das diversas universidades constituindo comu-
conforme, e sim dirigido a um novo lugar/formato de nidades de interesse, intercâmbio, acumulação de co-
relações e poderes. Nesse sentido é um conhecimento nhecimentos no âmbito da pesquisa em Serviço So-
ao mesmo tempo movimento – utopia. Dedica-se a cial. Sofremos ainda do isolamento das investigações,
desvendar os invisíveis, os sem-voz, sem-teto, sem- quer pela predominância de sua produção vinculada
cidadania. Constitui-se, por tudo isso, em um conhe- às monografias, dissertações e teses – enquanto
cimento contra-hegemônico. trabalhos de caráter individu-
O enraizamento científi- Um outro tom de qualidade al – quer pela ausência de
co da produção do conheci- partilha de objeto e objetivos
mento em Serviço Social, ori- na produção do conhecimento entre grupos de pesquisado-
entado pela direção social res. É urgente uma Política de
contra-hegemônica, confere em Serviço Social procedeu Pesquisa em Serviço Social
um locus de legitimidade à aprovada em coletivos que
pesquisa em Serviço Social, da direção social da prática provoque o elo aglutinador
embora o processo de legiti-
midade-legitimação seja con- profissional orientada por um dessa comunidade científica.
É de se assinalar a importân-
tínuo em suas relações ex- projeto ético-coletivo. cia de produções interinsti-
ternas, interdisciplinares e tucionais, como algumas ini-
institucionais. ciativas em desenvolvimento
O reconhecimento da pesquisa no Serviço Soci- através do Programa de Integração Acadêmica da
al na institucionalidade científica no CNPq como área CAPES (PROCAD), com exemplo inaugural da
de conhecimento e na CAPES como área de pro- Universidade Federal do Maranhão (UFMA), PUC-
dução de conhecimentos foi e ainda, de certa for- SP e Universidade Estadual de Campinas
ma, o é (quanto a estatuto e a recursos para pesqui- (UNICAMP).
sa) resultante de inúmeras lutas. Agências de fo- Outra frente é o processo de iniciação científica
mento como a paulista Fundação de Amparo à Pes- com alunos da graduação em programas institucionais,
quisa do Estado de São Paulo (FAPESP), a interna- como o Programa Institucional de Bolsas de Inicia-
cional Fundação Ford, entre outras, já incorporam o ção Científica (PIBIC) do CNPq, que fortalecem o
financiamento de pesquisa no campo do Serviço preparo para a pesquisa no processo de formação do
Social. profissional. Pesquisadores em Serviço Social são lí-
Dispõe-se de um coletivo de pesquisa em Serviço deres de grupos de pesquisa com certificação
Social dentro da ABEPSS (Associação Brasileira de institucional junto ao CNPq.
Pesquisa e Ensino em Serviço Social) – cuja sigla A área do Serviço Social apresenta em seu
ABESS (Associação Brasileira de Escolas de Servi- conjunto na CAPES 55 linhas de pesquisa ativas,
ço Social) foi alterada para incluir nesse coletivo a numa relação média aproximada de 10 projetos
pesquisa, pois antes a ABESS o abrigava sob a em andamento para cada uma delas ( RELATÓRIO
nominação de Centro de Documentação e Pesquisa CAPES, 2004).

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Desafios para a pesquisa em Serviço Social pesquisas individuais dos alunos que freqüentam o nú-
cleo, provocando várias distorções nos resultados.
Marilda Iamamoto (2004) apresentou no XI En- Subjaz a esta discussão uma outra ‘zona de con-
contro de Pesquisadores em Serviço Social um flito’ quanto à demanda da pesquisa na graduação e
conjunto de desafios postos para a pesquisa a par- na pós-graduação. Quer o docente, quer o aluno da
tir da análise que procedeu da produção científica pós-graduação stricto sensu têm que necessariamen-
dos Programas de Mestrado e Doutorado em Ser- te apresentar contínua produção científica sob pena
viço Social no ano de 2004, a partir do supracitado de prejudicar a avaliação do curso de pós-graduação
Relatório CAPES. perante a CAPES. Nem sempre docentes da gradu-
Conforme já aludido neste artigo, Iamamoto re- ação e da pós-graduação exercem suas atividades
gistra em sua reflexão a ausência – e portanto, a nos dois níveis. Nem sempre a pesquisa é desenvol-
necessidade – de uma “política de pesquisa para a vida com a mesma intensidade entre os dois níveis.
área”. Uma política de fomento à investigação sobre Desta feita, a aplicabilidade dos resultados da pes-
os eixos do projeto acadêmico profissional brasileiro. quisa no processo de formação profissional do assis-
Propõe que os representantes da CAPES, CNPq, tente social permanece ainda com considerável gap.
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacio- Dificilmente se faz uma discussão fundamentada pela
nais (INEP) e membros do Conselho Federal de Ser- descoberta da pesquisa ou de uma pesquisa. Ainda
viço Social (CFESS) e da ABEPSS identifiquem te- sofremos mais o impacto da quantidade das pesqui-
mas prioritários a serem impulsionados no processo sas do que o impacto do conteúdo, e da qualidade de
de investigação. seus resultados.
Esse quadro referencial de eixos temáticos, ado- Tendo por base o Relatório de Memória da CAPES
tado pelos centros produtores de estudos e pesquisa, que identifica 55 linhas de pesquisa dentre os Progra-
permitiria a agregação de pesquisadores e de resul- mas de Pós-graduação em Serviço Social, Iamamoto
tados de estudos. Do ponto de vista que defendo, as agrega em cinco eixos temáticos e discorre sobre as
permitiria criar comunidades científicas operando em vicissitudes de cada um deles (tabela 1).
rede, o que facilitaria projetos de intercâmbio nacio- Para além dessa análise de Iamamoto (2004), Silva
nal, além dos internacionais como já assinalado. A e Carvalho (2005) agregam 719 projetos de pesqui-
constituição em rede de centros, núcleos, grupos de sa do período de 2001-2003, agregados no mesmo
pesquisa é fundamental para o mútuo conhecimento Relatório CAPES, em 17 eixos temáticos, portanto
e intercâmbio de idéias, resultados, questões. com maior desagregação temática do que Iamamoto,
Iamamoto levanta ainda, a ausência de padrões e concluem que projetos dedicados à infância e à
unitários a serem adotados para coleta de dados de adolescência (88 projetos e 12,23% do total) são os
núcleos de pesquisa. Alguns registram a pesquisa co- que concentram maior incidência dentre os 17 eixos
letiva dos membros do núcleo de pesquisa e outros, as temáticos elencados.

Tabela 1 – Agregação das linhas de pesquisa da Pós-Graduação em Serviço Social por eixos temáticos
2001/2003

Eixos temáticos (1) Linhas de pesquisa Projetos (2)


N.º % N.º %
Políticas sociais (Estado e Sociedade Civil) 19 34,5 238 41
Trabalho (processos, relações com as políticas públicas,
Serviço Social) 8 14,5 103 17,7
Cultura e identidade (processos e práticas sociais) 8 14,5 83 14,3
Família (relações de gênero geração, sociabilidade, violên-
cia e cidadania) 6 10,9 76 12
Formação profissional fundamentos e exercícios 7 12,7 47 8
Movimentos sociais ( processos organizativos e
mobilização popular) 7 12,7 34 5,5
Total 55 100 580 100

Fonte: Iamamoto (2004, p. 12-13).


Nota 1: os critérios de agregação das linhas de pesquisas em cinco eixos temáticos são da autora e, segundo ela, sujeitos a debate.
Nota 2: inclui projetos concluídos e em andamento.

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Correlacionando as matrizes de eixos temáticos A primeira característica apontada para o conhe-


da produção de conhecimentos em Serviço Social cimento produzido pelo Serviço Social é a
elaboradas por Iamamoto e Silva e Carvalho (con- “interlocução com o movimento da sociedade”. To-
forme tabelas 1 e 2), fica claro perceber a priorização davia, a pesquisa em Serviço Social elege alguns dos
de determinadas categorias aglutinadoras, por uma e sujeitos e dos movimentos aos quais se dedica com
outra análise, ainda que com algumas coincidências. maior intensidade.
Todavia, diria que ambas foram organizadas por cam- A partir da análise de Iamamoto, considero que
pos de análise genéricos o que não permite, para além se possa entender que o primeiro eixo temático en-
da incidência quantitativa, decodificar qual é efetiva- volve o campo da Política Social, enquanto forças
mente o objeto de análise na temática ou no grande políticas e sociais de seu processo constitutivo. A di-
campo de observação. nâmica da política social em sua construção, modelo

Tabela 2 – Agregação dos projetos de pesquisa da Pós-Graduação em Serviço Social por eixos
temáticos 2001-2003

Eixos temáticos (1) Projetos


N. %
Políticas sociais
Estado e sociedade civil 56 7,78
Saúde 47 6,53
Assistência social 43 5,98
Previdência social 3 0,41
Avaliação de políticas, projetos e progresso 46 6,39
195 27,09
Identidade, cultura e eqüidade
Ética, cultura, direitos humanos 7 0,97
Etnia, gênero, orientação sexual 55 7,64
Cultura, identidade e práticas sociais 54 7,81
116 16,42
Segmentos sociais (ciclo de vida)
Infância, adolescência, juventude, família 88 12,23
Terceira idade, envelhecimento 21 2,92
109 15,15
Serviço Social
Trabalho e prática 79 10,98
Formação profissional 27 3,75
106 14,73
Trabalho
Reestruturação produtiva 82 11,40

Questão urbana e rural


Urbana, movimento social, meio ambiente 42 6,67
Agrária, meio ambiente e movimento social 29 4,03
71 10,7

Outros 30 4,17
Terceiro Setor 10 1,39

Fonte: Silva e Carvalho (2005, p. 97).


Nota 1: Os 17 eixos temáticos, apresentados pelos autores, foram reagregados em 8 preservando a nominação da tabela
original nos subtítulos.

Iamamoto reforça a vocação sócio-histórica do Ser- de gestão, implementação de perfil autoritário ou de-
viço Social em acompanhar o movimento social e, nele, mocrático, arena de conflitos, de interesses onde
as transformações (às quais eu acresceria as perma- medem forças sujeitos sociais e políticos, centra a
nências) nas relações entre o Estado e a sociedade. preocupação analítica do Serviço Social. Essa dinâ-

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mica de forças e interesses permite tensionar a rela- 1998 o artigo A quoi sert le travail social, onde tra-
ção entre a agenda da política e a agenda da justiça ça um paralelo no exercício profissional no ano de
social. A política social, campo da prática profissio- 1972 e, no então, 1998 (DONZELOT; ROMAN, 1998).
nal por excelência, é o locus onde ocorre a constitui- Em 1972, a questão de fundo colocada para a profis-
ção de direitos e o reconhecimento da cidadania. são dizia respeito aos motivos da expansão acelera-
Seguramente, este campo não é exclusivo do as- da da categoria. À época, os profissionais franceses
sistente social, mas a constituição de direitos, o espa- tinham forte desempenho denunciativo sobre as for-
ço do sujeito usuário/demandatário é, sem dúvida, um mas de dominação, discriminação, exclusão das clas-
campo em que o conhecimento profissional tem se ses populares. No caso, exerciam os profissionais
dedicado. Ressalte-se que se trata do exame prepon- forte controle social que possibilitou forte grau de
derante da política social como processo ou movimen- emancipação profissional.
to do que propriamente os exames de resultados da Considera o autor que após vinte e seis anos (1972-
política, embora já ocorram avanços consideráveis na 1998) ocorreu a perda de credibilidade na posição ‘he-
aplicação de métodos avaliativos de programas, proje- róica’ do profissional. Essa mutação é justificada tan-
tos e políticas pela produção do Serviço Social. O to pelo desempenho profissional na aplicação dos tes-
aprofundamento da pesquisa sobre os processos pro- tes de meios das políticas de enfrentamento da exclu-
fissionais de trabalho do assistente social é ainda tíbio, são, como na operação das políticas e programas de
o que, seguramente, não está facilitando a melhor de- transferência de renda; quanto pela escalada de no-
marcação do espaço profissional do assistente social vas profissões sociais em dois novos regimes o de ‘in-
no desenvolvimento de cada política social. Este fato serção’ e o ‘da cidade’. Essas novas profissões soci-
tem levado a um amálgama de profissões sociais que ais exercem processos de mediação e de mobilização
se interpenetram identificando-os de modo homogê- entre pauperizados e instituições, como novas formas
neo como agentes sociais institucionais das políticas de ação social. São ‘novas’ profissões que produzem
sociais. Pode ser que estejamos realmente sob uma a sociedade e não, propriamente, que a vigiam no sen-
‘nova’ divisão sociotécnica de trabalho no campo so- tido de denunciá-la o que demonstra um deslocamento
cial como já ocorreu em alguns países europeus. da direção social da prática dos assistentes sociais dos
Iamamoto ressalta que há uma tendência em seg- anos 1970 para o final do século 20.
mentar os sujeitos sociais a partir de necessidades (cri- Donzelot, para efeito de comparação, nomina a
anças, adolescentes, idosos, etc.) o que restringe a vi- primeira proposta de Serviço Social como clássica e
sibilidade das demandas/necessidades coletivas de clas- tenta entender quais fatores (históricos, práticos e
se, favorecendo focalizações e desconectando-as com políticos) levaram a essa mutação. Considera que o
as relações sociais que as constituem. novo processo produtivo e o desemprego seqüente
A autora reforça, enfaticamente, a existência de geraram um interdito no campo profissional, rebai-
uma relação mimética entre Serviço Social e política xando a condição de trabalho/trabalhador à catego-
social que provoca prejuízo à identidade profissional. ria frágil da inserção. Digamos que preponderam res-
O CFESS tem feito críticas reiteradas ao mimetismo postas paliativas às vítimas da crise, gerando uma
entre Serviço Social e Assistência Social. Ainda que nova crise que é a da integração social.
correta a perspectiva da distinção entre um e outro, Esse novo processo gerou e gera uma crise das
o processo de distinção é por vezes confundido com instituições cujos procedimentos e políticas não res-
um processo de distanciamento, e não de diferencia- pondem à nova situação. Por conseqüente, não há
ção, o que tem levado alguns mais desavisados a pro- mais a anterior demanda do profissional exercer a
ceder à rejeição da política por si mesma, como se a mediação entre as classes populares e as instituições,
política de assistência social fosse campo inimigo do mas para realizar a mudança institucional. No lugar
Serviço Social ou do assistente social. da coesão, a vida social passa a ser marcada pela
Survey desenvolvido pelo IBGE (IBGE, 2006) nas perda/ruptura das regras comuns gerando uma vida
5.565 cidades brasileiras, identificou que trabalham social fragmentada.
12.544 assistentes sociais nas prefeituras, nessa po- Donzelot considera que esta mudança gerou um
lítica social, dos cerca de 61 mil assistentes sociais vazio profissional já que os assistentes sociais sabi-
brasileiros. Pouco mais do que um quinto da catego- am trabalhar à margem das instituições, mas não com
ria, está desempenhando sua atividade em âmbito mu- as instituições. Não se tratava mais de negociar a
nicipal na política de assistência social. Seguramente regra institucional para algumas situações, mas da
uma política que envolve um quinto de uma categoria reinvenção das instituições e das fórmulas de rela-
profissional deve ser campo de análise privilegiado ção entre elas e a população.
para pesquisa, o que não significa identificar o cam- Outro fator para o autor é a crise da proteção soci-
po do Serviço Social com a Assistência Social. al que se pode atribuir também às mudanças societárias
A respeito das mutações do exercício profissional da família, da mulher, das gerações, além da orienta-
do assistente social, Jacques Donzelot apresentou em ção neoliberal em fragilizar o alcance da proteção.

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O autor põe em questão o conceito dessa ação namentais e fundações empresariais. Considera que
social. Considera que ao final do século 20 emerge um a renda mínima universal como condição de demo-
conceito de ação social que contrapõe profissionais cracia é um modo de ratificar uma situação onde o
sociais “antigos e modernos”. Considera que novos assalariado não produz mais suporte à redistribuição
campos da prática social se abrem exigindo do assis- de riquezas, o que pode terminar por distinguir uma
tente social, por exemplo, o domínio da pedagogia do sociedade de assistidos de uma sociedade de produ-
habitat, só que essa pedagogia não se funda mais na tores levando ao miserabilismo.
psicologia, mas sim no direito como teoria de vida em Na sociedade de mercado é preciso manter a re-
sociedade. Outra fonte é a mediação no sentido da lação emprego com redistribuição social, democra-
recomposição do vínculo social, da restauração de re- cia e justiça social. A proteção social é parte dessa
lações entre famílias, habitantes, serviços, face à nova equação e dela não pode ser afastada. Portanto, a
política da cidade e das relações urbanas. direção da ação social como uma questão de justiça
Defende a tese que o conceito de trabalho social social é imprescindível.
está sendo substituído pelo conceito de produção da Considero extremamente importante esta refle-
sociedade. O conceito de trabalho social era funda- xão de Donzelot ainda que ela já tenha quase dez
do na sociedade salarial, na sociedade de produção. anos e entendo que contém férteis questões para
A emergência de uma nova concepção surge do fato serem abordadas como eixos temáticos da pesquisa
pelo qual a produção econômica não ser mais sufici- em Serviço Social.
ente para estruturar a sociedade. A produção da so- Em 1992 produzi o artigo Serviço Social em tem-
ciedade passa a ser uma nova necessidade objetiva pos de democracia que se ocupa da relação hierárqui-
e exige a mobilização de afetos, desejos, aspirações ca entre Serviço Social e Política Social. A construção
para que a sociedade tenha novos referenciais de histórica do Serviço Social registra sua emergência na
identidade e reconhecimento mútuo que espelhem o sociedade civil, e não no Estado. Foi concebido como
novo desejo de viver em sociedade e de reconstru- prática social desenvolvida por agentes de organizações
ção do tecido social. sociais e religiosas já que a perspectiva da estatização
Algumas ‘novas’ questões afloram como a rela- do social era entendida como manifestação de adesão à
ção entre vínculo social e justiça social; a disjuntiva ideologia totalitária e comunista. Andrew Vicent, pro-
entre socioeconômico e sociopolítico; a proteção so- fessor inglês, desenvolve preciosa análise histórica so-
cial advinda da legislação social do trabalho e advinda bre como as idéias de Beveridge quanto à provisão pú-
dos direitos de cidadania com políticas sociais mais blica do social, incidem de forma conflituosa na Charity
centradas na cidadania e na democracia. Organisation Society (COS), berço do Serviço Social,
O grande risco que sendo criticadas (VICENT, 1999).
Donzelot salienta é o de que A exceção da legislação so-
esse novo social seja só uma ...considero que os eixos cial do trabalho e, principal-
forma de gestão do “não tra- mente, do seguro social, é a
balho” com forte preocupação temáticos para pesquisa que partir da institucionalização do
em legitimar uma gestão so- nominado welfare state que as
cial voltada para a construção vêm sendo utilizados encapam políticas sociais são estabele-
da “ficção de uma vida demo- cidas como de responsabilida-
crática” ou a “ilusão de um a visibilidade de questões que de estatal e direito de cidada-
vínculo” com a sociedade pro- nia de todos. Este fato signifi-
dutiva. No caso, trata-se de nos devem ser caras, para a cou que a provisão social des-
forte preocupação como a locou-se da sociedade civil,
solução nominada de “terceira
construção do conhecimento berço do Serviço Social, para
via” por Giddens cujo objetivo no Serviço Social, a partir de o Estado, ocasionando nessa
da ação é fortalecer a transmutação uma subordina-
integração social pelo seu ponto de vista, ou melhor, ção do Serviço Social enquan-
mercado cuja aplicação está to campo de uma dada prática
nas já conhecidas e debatidas do topos da produção desse fosse concretizado pelo exer-
políticas do workfare aplica- cício da profissão e do profis-
das pelo governo inglês de conhecimento. sional assistente social como
Tony Blair. agente institucional do Estado.
Outra vertente desse novo momento que inicia o Essa passagem do campo privado para o estatal,
século 21 é a do social, entendido como solidarieda- no âmbito do Serviço Social brasileiro, veio mesclada
de, desconectado da economia e traduzido fortemente com a luta contra o Estado autoritário e ditatorial,
no que vem sendo nominado de ‘religiosidade civil’ gerando contínua desconfiança das políticas públicas
praticada por voluntários, organizações não gover- e, desta feita, subordinando o alcance dos direitos

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Pesquisa e produção de conhecimento no campo do Serviço Social 23

sociais a essa desconfiança e, mesmo, a uma des- elementos do real?”. Essa busca não significa que a
confiança com a ação profissional do assistente so- formação básica em outras áreas profissionais não
cial, exercida no interior do Estado como um feitor possa ter similitude com a busca do Serviço Social,
da dominação burguesa. bem como não significa que pesquisadores com for-
No atual currículo ou no processo de formação mação básica em Serviço Social não possam alcan-
profissional, a política social é apresentada como dis- çar outras comunidades científicas.
ciplina à parte sem uma clara decodificação de seus Para desenvolver esta reflexão vou me pautar no
processos internos como campo da ação profissional. artigo de Kati Narhi: Transferable and Negotiated
Ressalto esses aspectos, ainda que de passagem, Knowledge: Constructing Social Work Expertise
já que são explorados a detalhes no artigo citado, por for the Future (Conhecimento transmissível e nego-
entender ser necessário mergulhar mais a fundo nas ciável: construindo uma expertise para o Serviço So-
implicações e dinâmicas das políticas sociais como cial no futuro (NARHI, 2002).
campo primordial da produção de conhecimentos pelo Kati Narhi desenvolve seu trabalho de pesquisa na
Serviço Social. Universidade de Jyaskyla da Finlândia. Por três anos
Em defesa de constituirmos temáticas de comuni- trabalhou nessa pesquisa que procura explorar, a partir
dades científicas operando em rede no Serviço Social das descrições dos próprios profissionais, o conhecimento
é que procedi a toda esta digressão, pois considero e expertise profissional sobre a marginalização espaci-
que os eixos temáticos para pesquisa que vêm sendo al. A pesquisadora estudou os esforços de vinte assis-
utilizados encapam a visibilidade de questões que nos tentes sociais no combate da exclusão social em áreas
devem ser caras, para a construção do conhecimento residenciais finlandesas a partir de conteúdos
no Serviço Social, a partir de seu ponto de vista, ou transmitidos, por eles mesmos, em encontros regulares,
melhor, do topos da produção desse conhecimento. onde falavam sobre seu conhecimento sobre a relação
Nesse sentido, incluo aqui a reflexão da pesquisadora entre: o meio ambiente local, o bem-estar humano e a
finlandesa Kati Narhi (2002) sobre a expertise da pro- relação exclusão/inclusão social que a autora define, em
dução do conhecimento no Serviço Social. síntese, como expressão da marginalização espacial ou
da segregação urbana. Discutiram, no desenvolvimento
do estudo, textos sobre pesquisa a fim de que a pesqui-
A expertise do conhecimento em Serviço Social sadora pudesse captar, com maior fidedignidade, o to-
pos ou o modo de ver e pensar dos assistentes sociais.
Embora este artigo se ocupe em desenvolver uma Kati Narhi partiu da hipótese de que o exercício da
discussão sobre a particularidade do conhecimento profissão é político e está plenamente definido como
em Serviço Social, é notório que o campo de estudo tal. Assim, o tipo de conhecimento de assistentes soci-
do Serviço Social situa-se dentre as manifestações ais sobre suas observações busca alcançar novos e
da questão social e nelas, das relações entre os sujei- consistentes elementos para futura comunicação com
tos Estado-Sociedade-Mercado, em toda sua com- outros atores com o objetivo de influenciar e resolver
plexidade constitutiva, e, como assinalado, na pers- questões concernentes ao fenômeno estudado (conhe-
pectiva da construção de um conhecimento contra- cimento como movimento ou mediação).
hegemônico, isto é, cuja direção social busque des- Desse ponto de vista a linguagem no conheci-
crever, sistematizar, explicar o modo de vida, de vi- mento em Serviço Social tem lugar central como
ver, de luta, de organizar, de representar, de manifes- expressão da realidade construída por, e entre, as-
tar das classes populares e das situações que sistentes sociais.
vivenciam perante a justiça social, a democracia e o Outra grande característica levantada pela au-
trabalho neste terceiro milênio. tora diz respeito ao papel da experiência para o co-
Todo o conhecimento é produzido a partir de um nhecimento em Serviço Social, o que traz forte cor-
topos, de um dado modo de ver e de olhar. Entende- relação com o conhecimento prático em suas vári-
se aqui que o conhecimento em Serviço Social reve- as formas. O profissional parte de experiências de
la a leitura do objeto a partir de um determinado modo usuários e exemplos de casos em sua lógica de cons-
de ver. Todo o ponto de vista não deixa de ser a vista trução do conhecimento.
a partir de um ponto. Isto não significa propugnar Narhi considera que é preciso distinguir vários
pela uniformidade das análises, saberes ou conheci- tipos de conhecimento para poder captar caracte-
mentos produzidos no campo do Serviço Social, mas rísticas de uma expertise. Distingue o conhecimen-
reconhecer que esse modo de ver específico indica to derivado da pesquisa empírica, o conhecimento
uma tendência que pode se constituir na expertise teórico, o conhecimento pessoal, o processual e o
do conhecimento em Serviço Social. Em outras pala- prático. O conhecimento sobre o fenômeno é o co-
vras, a autora tenta construir elementos para respon- nhecimento substancial, e o conhecimento sobre a
der a questão: “o que a formação em Serviço Social forma de usar esse conhecimento seria, por decor-
habilita para captar e interpretar como determinados rência, a expertise.

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O conhecimento teórico é aquele dedicado às tões, Narhi relembra que o conhecimento e o sujeito
definições e o prático é o conhecimento do fazer, o do conhecimento não estão dissociados, portanto, a
conhecimento técnico do ‘saber como’, ou sobre o realidade alcançada é um contexto-relação onde o
usuário. O conhecimento empírico é aquele baseado conhecimento é um fenômeno socialmente construído.
em fatos, e a base empírica do conhecimento para os Considera a autora, um reforço ao que aqui já foi
assistentes sociais reside na coleta das experiências registrado, que o conhecimento produzido por assis-
de seus usuários. Portanto, inter-relacionar experi- tentes sociais tende a ser um conhecimento prático –
ências e exemplos de situações da prática de usuári- sob várias formas – de caráter processual e que se
os de serviços é um meio para produzir conhecimen- desencadeia a partir da experiência, portanto na re-
to sobre a vida pessoal, as dificuldades e situações lação do profissional com a situação concreta de vida
de vida desses mesmos usuários. Assim, o conheci- observada e relatada pelos usuários. Trata-se de ex-
mento produzido termina sendo fortemente marcado periências interativas com centralidade na linguagem,
pelo conhecimento prático, o que não significa des- sendo sempre um conhecimento partilhado.
conhecer ou isolar-se de teorias gerais, mas cons- Narhi entende que a “singularidade” do Serviço
truir um campo de conhecimento fortemente demar- Social é derivada do modo como são enfrentadas
cado pela experiência real de vida, de dadas situa- questões relacionadas ao bem-estar, como respostas
ções, por segmentos e classes sociais. à questão social. Busca entender necessidades e pro-
O conhecimento prático embora de orientação cessos informais através do qual são realizadas ne-
situacional, experimental, pessoal ou social, tem den- gociações. Acentua que o conhecimento que serve à
tro de si uma orientação teórica. A questão é a de prática requer compromisso com a situação concre-
fazer saltar esse conhecimento para o plano dos con- ta de vida dos usuários de serviços.
ceitos, a fim de obter novo grau de generalização ou
explicação que não seja tão só afeto a uma prática
isolada ou a de um grupo. O acúmulo de informação Notas conclusivas
precisa ser processado por pesquisadores capazes
de captar nuances e sistematizá-las. O percurso desta reflexão pelo seu caráter de
Não se trata aqui de valorizar o chamado conhe- ensaio não permite propriamente conclusões e sim
cimento instrumental para a solução de problemas indicações quanto à produção de conhecimentos no
numa perspectiva da racionalidade técnica de profis- campo do Serviço Social.
sões práticas, mas sim de alcançar um conhecimen- Para além das análises gerais da sociedade o Ser-
to que preserve as dimensões socioculturais e histó- viço Social, pela sua inserção concreta no real, cons-
ricas e permita ter sua consolidação não como pa- trói uma rica contribuição para a Teoria Social.
drão ou homogeneidade, mas, exatamente ao con- Entendo que já temos maturidade para melhor
trário, sobre suas diversidades nas quais residem as explicitar ‘eixos temáticos’ com mais precisão, de
potências de mutação. modo a orientar e dar rumos mais concretos para a
A perspectiva de uma direção social a permear o pesquisa em Serviço Social. Diversamente das ‘no-
Serviço Social confere a precedência de valores na vas’ modalidades de agentes sociais, ou mesmo de
construção do conhecimento, como já dito, ele tem maior inserção social de psicólogos e pedagogos, den-
uma perspectiva intencional. Já olha um fenômeno tre outras profissões de recente compromisso com
em uma dada direção que é a de como superar algo os desafios postos para as classes subalternas, os
que está posto como negatividade, vitimização, opres- assistentes sociais têm forte e longa trajetória nesse
são, exclusão, etc. saber-compromisso sobre as relações sociais.
A perspectiva do acúmulo do conhecimento traz Considero que o esforço a ser empreendido é o
tanto a perspectiva do partilhamento como a de de interconectar pesquisadores do Serviço Social,
transmissibilidade desse conhecimento. Isto é, ele construindo redes que levem a consolidar o estatuto
implica a capacidade de construir novos sentidos profissional de uma comunidade científica própria.
contextuais. Este processo abre o campo de registro Nesse sentido esta reflexão é, ao mesmo tempo,
de singularidades contextuais que podem advir de um pensamento e uma provocação à contínua luta
aspectos culturais e nele de tradições, mitos, supers- de consolidação de uma profissão nos diferentes cam-
tições, etc. talvez até mesmo de uma aproximação pos de exercício, neles inclusa a sua dedicação a pro-
com o campo antropológico. dução científica.
Kati Narhi busca com sua pesquisa responder a
questões: Qual o tipo de conhecimento? Qual a base
do conhecimento? Quais as formas de saber? O que, Referências
enfim, uma possível expertise do Serviço Social po-
deria incorporar como conhecimento de, e sobre a so- ABESS. A produção do conhecimento e o Serviço Social.
ciedade contemporânea. Para responder a essas ques- Cadernos ABESS n. 5, São Paulo: Cortez, maio 1992.

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Fortaleza. Anais... Fortaleza: ABEPSS, 2004. ABESS n. 6 (ABESS, 1993)e Baptista (2006).

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Perfil


dos Municípios Brasileiros. Assistência Social. Rio de Aldaíza Sposati
Janeiro: IBGE/MDS/MPOG, 2006. Doutora em Serviço Social pela PUCSP
Pós-Doutorada pela Faculdade de Economia de
KARSCH, U. (Org.). Estudos do Serviço Social Brasil e Coimbra – Portugal
Portugal II. São Paulo: EDUC, PUCSP, 2005. Professora titular da PUCSP do Programa de Pós-
Graduação em Serviço Social
NARHI, K. Transferable and Negotiated Knowledge: Coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em
Constructing Social Work Expertise for the Future. Journal Seguridade e Assistência Social (NEPSAS)
of Social Work, Londres: SAGE Editora, v. 2, n. 3, dez. Coordenadora do Centro de Estudos das Desigual-
2002. dades Socioterritoriais (CEDEST)
Rua João Ramalho, 182, sala 605, 6. andar
RELATÓRIO CAPES. Linha de Pesquisa Memória da Pós- Perdizes
Graduação, Sistema de Avaliação, Relações Nominais. São Paulo – São Paulo
Brasília, 30 abr. 2004. CEP: 05015-901

RODRIGUES, M. L.; LIMENA, M. M. (Org.) Metodologias


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