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O PROCESSO HISTÓRICO CONQUISTENSE - TRAÇOS GERAIS

Ruy Medeiros

ORIGEM

O Município de Vitória da Conquista, em suas origens, pertence ao


ciclo de colonização portuguesa de fins do século XVIII e inícios do século
XIX.

Pode-se localizar no processo de colonização do chamado "Sertão de


ressaca", onde se situa o Município, causas de ordem eminentemente
econômico-financeiras. De fato, Portugal, àquela época, vivia difícil situação.
Tendo perdido colônias no Oriente, além do monopólio de produção do
açúcar, jazia sob dependência econômica da Inglaterra.

A fim de encontrar uma saída para seus problemas econômico-


financeiros, entre os quais pode-se citar o pagamento de compromissos à
Inglaterra, só restava a Portugal intensificar a exploração econômica de sua
colônia na América.

Realmente, à medida que Portugal dependia mais da Inglaterra, não


conseguia industrializar-se e perdia áreas de tradicionais fontes de riqueza,
necessitava de colonizar área maior do Brasil em busca de recursos
econômicos.

A busca do ouro, atestada por documentos da época, na faixa de terra


situada entre os Rios Pardo e de Contas, assim como o interesse de Portugal
em abrir os campos da região para criatório de gado, no esforço feito pela
metrópole para recuperar-se economicamente, são as causas explicativas do
porque a "bandeira"de João Gonçalves da Costa terminou por criar um núcleo
populacional de onde se originou o Município de Vitória da Conquista. A
criação do povoado explica-se, ainda, pelo interesse português em assentar um
aglomerado humano, de origem portuguesa, entre o litoral e o sertão distante.
CONQUISTA DA TERRA

A conquista da terra e conseguente criação do povoado enfrentou


grande dificuldade. Levantaram-se contra os sertanistas desbravadores os
indígenas da região.

Os portugueses, após período de contato em relativa paz, vão


necessitando apreender privativamente a terra, entrando em choque com os
indígenas, que não conheciam a propriedade privada e para os quais a
ocupação da terra apresentava ameaça à subsistência, pois implicava em
despojá-los de áreas tradicionais de caça e pesca e de agricultura de
subsistência. O resultado foi um conjunto de guerrilhas cruéis.

Reduzidos à paz os mongoiós, numa luta em que a deslealdade


portuguesa foi a característica mais saliente, passaram a ser utilizados pelos
portugueses na luta contra os Imborés e Pataxós, também varridos da região.

O que a história nos conta é que as tribos do "Sertão de


ressaca"foram dizimadas pelas forças das armas, pela exploração e pela
disseminação de doenças contagiosas. Os mongoiós, os Imborés e os Pataxós
foram eliminados, em maior ou menor intensidade, a depender do período, de
toda a região.

SOCIEDADE E ECONOMIA PRIMITIVAS

Embora se saiba que João Gonçalves da Costa tenha mandado ofício


comunicando o achado de ouro e que "aviso" oficial lhe tenha determinado
continuar em suas pesquisas do metal precioso, em inícios do Século XIX, o
certo é que a atividade criatória do gado bovino e atividades subsidiárias à
mesma é que garantiram o sucesso da manutenção e continuidade do
aglomerado humano fundado por aquele sertanista.
Documento datado de 1780 (ofício de Manuel da Cunha Menezes,
ex-governador da Bahia, para Martinho de Melo e Cabral) nos fala de um
"rancho de mais de 60 pessoas" que "vivem sossegados das primeiras
perturbações e rodeados das fazendas de gado". O mesmo documento nos
fornece indicação dos tipos humanos de primitiva povoação: fazendeiros, "
índios domésticos" e escravos. Se o analisarmos em conjunto com outras
fontes históricas da época, chegaremos à conclusão que os "índios
domésticos" estavam reduzidos à situação de escravos, como diria mais tarde
Maximiliano, "tiranizados, tratados como escravos". Assim, basicamente, o
grupo primitivo compunha-se já de explorados e exploradores, ou senhores e
escravos.

Intermediando aquelas duas camadas sociais, encontram-se alguns


indivíduos nominalmente livres, gravitando em torno dos interesses do grupo
que realizou a apreensão privada da terra, ou seja, em torno da família do
"coronel"João Gonçalves da Costa.

A atividade econômica e a estrutura social não sofre altera alteração


durante muito tempo. Sua fisionomia persiste quase a mesma. Os cronistas,
até 1820, nos falam dos índios escravizados, dos escravos de origem africada,
dos fazendeiros e daqueles intermediários chamados nominalmente livres.
Estes últimos são os que Maximiliano encontrou no povoado de "umas
quarenta casas baixas" e em relação aos quais dispensou conceitos morais
bastante depreciativos. Não é demais supor que servissem, embora não nos
digam os cronistas, de reserva humana necessária ao combate contra os índios,
encontrando-se, entretanto, entre os mesmos, artesãos.

A atividade da criação, como se disse, admitia atividades


subsidiárias. Estas eram a agricultura de subsistência, a fabricação de artefato
simples e de vestes de couro, pequeno plantio de algodão e o "aluguel" de
pastagens para boiadas que desciam dos sertões em demanda ao litoral.

Em termos físico-numéricos, entretanto, o núcleo primitivo teve


crescimento relativamente grande, pois em 1816, conforme depoimento de um
viajante-naturalista, o povoado já contava com umas quarenta casas e uma
igreja em construção.

A VILA
É o crescimento assinalado que faz com que o povoado, que antes
estivera ligado a Jocobina, Rio de Contas e, depois, a Caitité, fosse elevado à
Categoria de Vila por lei Provincial de 1840. Mas não é só o crescimento
físico e o aumento de sua população que justificam aquele evento. Explicam-
se melhor a fixação de interesses locais específicos relacionados a famílias
então existentes e já dotadas de poder de reivindicação. Realmente, desde
antes os familiares já reivindicavam, como pode ser comprovado por
requerimento dirigido à Assembléia Provincial, datado de 1836, pedindo a
edificação de uma escola.

A composição social da vila admite, aos poucos, alteração para, em


seu seio não abrigar apenas dispersos personagens, mas grupos familiarmente
estruturados, vivendo da economia pecuária ou gravitando em torno da
mesma. Vai diminuindo gradativamente a incidência de "indios domésticos",
que depois desaparecerão, havendo, entretanto, aldeiamentos oficiais de índios
mongoiós no Distrito de Verruga, sob o comando de um diretor descendente
de português. O aldeiamento também desaparecerá.

Se, com o decorrer dos tempos, desaparece a figura do índio


doméstico, é verdade que surge o comerciante tropeiro. Seu surgimento é
explicado pela articulação que a vila faz com outras regiões, por fatores de
ordem econômica e pelo incremento da população sertaneja como
consequentes novas necessidades de acanhada economia de mercado que se
vai definindo.

No âmbito da Vila, a configuração social antes descrita se fixa. As


famílias, antes menores, descendentes dos fundadores de Conquista se
ampliam. As fazendas, consideradas propriedades familiares, organizam-se
com grau relativamente grande de autosuficiência. Elas são as unidades
produtoras correspondentes à organização social da vila.

É o fato de as fazendas terem a necessidade de possuir de tudo ou


quase tudo que explica porque o município, predominantemente pecuarista,
produza cana, café, arroz, culturas de subsistência, etc. Este aspecto de quase
auto-suficiência da fazenda e, por consequência da família proprietária,
perdura durante longo tempo. Já no Século XX, foi costume dizer-se que a
Fazenda só precisava comprar sal e querosene.
ESCRAVOS

É também aquele tipo de organização econômica, em que a fazenda


produz de quase tudo, que explica o número relativamente grande de escravos
numa zona de pecuária, onde teoricamente existe necessidade de bem poucos
trabalhadores. É que os escravos eram empregados em atividades de
agricultura. Em 1875, o número de escravos ascendia à cifra de 1817, como se
disse, número elevado para uma região de pecuária.

Pode-se razoavelmente supor - e é uma hipótese - que o grosso da


escravia de Conquista, ao tempo de Vila, fosse oriunda imediatamente da
região de Rio de Contas. É que o declínio da produção aurífera nesta
localidade deixou disponível boa quantidade de escravos que teriam se
distribuido para uma faixa territorial maior.

A sociedade de então - formada basicamente por senhores e escravos


- não vai encarar com bons olhos a abolição da escravatura. Quando esta foi
decretada, apenas um vereador da Câmara da Imperial Vila da Victoria
defende a legalidade e justeza da lei Áurea.

A abolição da escravatura salienta e termina por fixar em definitivo


um grupo de homens do campo que, em condições de meeiros, "plantadores
por percentagem", vaqueiros pagos mediante "sorteio", antes existentes, mas
que, só após a abolição assumem maior importância e se tornam
indispensáveis para aquelas fazendas distantes umas das outras e dos centros
urbanos. Da necessidade de encontrar agentes que se dedicassem à agricultura
necessária ao sucesso das fazendas de gado, é que sob a denominação
genérica de "agregados"os proprietários aceitam em sua fazenda, dando-lhes
áreas para plantio, pessoas desprovidas de terra. Estes, inclusive, à medida que
precisam de plantar, desmatam área da fazenda onde mais tarde será edificada
u'a manga. O agregado, assim, desmatando área após área, amplia os pastos
em benefício do dono da fazenda.

A CIDADE DO CORONEL
Com aquela estrutura social, em que a política local era controlada
pelas "famílias importantes"que indicavam vereadores à Câmara, a Vila
adquiriu, em 1891, o status de Cidade.

Neste período de cidade, as famílias chefiadas pelo coronel, indicam


o intendente, responsável pelo governo municipal. O domínio político é,
portanto, puramente familiar e voltado para a defesa dos interesses agrários. A
esse tempo, o núcleo urbano já está bem maior e os chefes de famílias
importantes aí edificam suas moradas.

O domínio político familiar, marginalizando outro setor da


população, voltado para a defesa de interesses agrários, incontestavelmente
confere ao coronel singular importância e nem a Revolução de 1930 tem o
dom de lhe tirar o poder das mãos.

O processo político se traduz apenas como alternância entre núcleos


familiares no poder local, todos aparentados entre si.

Só mais tarde, após o decorrer da década de 1940, começa-se a


pensar em levar em consideração outro setor na formulação da política. Levar
em consideração sem, entretanto, lhe conferir poder.

VITÓRIA DA CONQUISTA - Mudança de Nome e Mudança Social

Na década de 1940, a cidade até então denominada de Conquista,


trocou seu nome para Vitória da Conquista. A mudança ocorrida na década,
entretanto, não foi apenas de nome. É que ela prepara o surgimento de uma
nova realidade social.

A estrada Rio-Bahia abre-se integrando a cidade a outras regiões e ao


Sul do país; a estrada Ilhéus-Lapa corta-a a seu meio caminho entre o litoral e
o Sertão do São Francisco. Elas permitem maior escoamento da produção e
um fenômeno, sempre presente na história do município, evidencia-se com
toda força: à medida que o sertão se desenvolve ou passa por uma fase boa, o
município também se desenvolve.
A Segunda Guerra Mundial, que colocara na ordem do dia
necessidade de suprimentos, influencia para o desenvolvimento da região e do
município.

O comércio se desenvolve. Agora não é mais o comércio dos velhos


tropeiros que guiavam muares para o litoral e para o sertão e nem apenas o
comércio dos ambulantes. Surgem modernas casas comerciais "dignas desse
nome".

O comércio, o desenvolvimento econômico, sua diversificação,


fazem surgie em cena as personagens correspondentes às novas atividades
econômicas, inclusive migrantes atraídos pela expansão econômica do
município.

Estes novos personagens possuem interesses políticos próprios


decorrentes de sua atividade econômica. Inicialmente, os coronéis buscam seu
apoio. Mais tarde, aos poucos, o comerciante vai se integrando na vida
política.

Assim, ao lado do proprietário territorial, do agregado, do posseiro,


do meeiro, surgem os comerciantes, amplia-se o número de artesãos (artistas),
surgem os trabalhadores urbanos. A política adapta-se ou tenta adaptar-se à
nova realidade e ocorre, inclusive, a prática do populismo.

A mudança social não se traduzia apenas no desenvolvimento


econômico e introdução de novos agentes sociais. Acompanhou-o a pobreza
de muitos para aqui atraídos ou expulsos de sua terra pela seca ou por
proprietários rurais. Os jornais do tempo retratam em suas páginas as cenas de
mendicância.

UM NOVO RELACIONAMENTO POLÍTICO

A cidade não parou de crescer. O relacionamento político dominado


por interesses apenas familiares começa a entrar em crise. Em 1962, uma
coalizão de partidos com a presença de personalidades situadas tanto à
esquerda do processo, em sentido sociológico, quando ao centro e à direita,
despoja do mando administrativo local um núcleo familiar exclusivista. Em
1972, é eleito um médico sem liames de parentesco com as famílias
tradicionais do município. Esses fatos são apenas reflexos políticos de
diferenciação social ocorrida e antes descrita.

Agora que a sociedade local não é formada apenas de ricos donos de


fazendas e trabalhadores do campo, quase clientes, fazer política tornou-se
cada vez mais difícil. Mesmo nos campos, com a implantação da cafeicultura,
surge um proletariado rural com potencialidades políticas. Novos interesses
cristalizam-se e, refletindo, os partidos políticos se subdividem.

E a grande massa do povo que, apesar de dominada no decorrer da


história do município é quem o construiu, pondo pedra sobre pedra, reserva-se
o direito de ter esperança em dias melhores, no dia em que a cidade comemora
seu aniversário.

Vitória da Conquista, 9 de novembro de 1977 - FIFÓ - 9

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