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o COLABORAÇÃO INTERNACIONAL

ALiEM DO SUCEDANEO DA MOTIVAÇAO*


# A -

WheTe is ttu: life we have lost in living?


Where is the wisdom we have lost in knowledge?
Wherc is the knotoledge we haue lost in information?

T.S. Elliot
(Coro do "The Rock")

científicas. A hipótese levantada e trabalhada no artigo


• BURKARD SIEVERS coloca a motivação como um substituto para o próprio
Professor do Department of Business Administration sentido do trabalho. É esse sentido que, analogamente
and Economics, Bergische Universitãt, Wuppertal, ao sentido da própria vida, vem sendo crescentemente
República Federal da Alemanha. perdido em virtude da alta fragmentação e divisão do
Tradução de Cecília W. Bergamini e Roberto Coda, trabalho em nossas organizações contemporâneas.
professores do Departamento de Administração Qualquer tentativa para descobrir as dimensões exis-
Geral e Recursos Humanos da EAESP/FGV. tenciais do sentido do trabalho enquanto real significa-
do s6 poderá ter sucesso se cientistas sociais, admi-
nistradores e trabalhadores, tanto no plano individual
RESUMO: A imagem do homem tal qual é apresenta- como no coletivo, voltarem a reconhecer a morte como
da pelas teorias organizacionais predominantes na área um fato da vida. Assim, será somente pelo reconheci-
da motivação não é compatioel com as experiências do mento da finitude da vida que a humanização do tra-
autor ao trabalhar com pessoas em diferentes empresas. balho poderá ocorrer.
Essa dissonância é responsável pela polêmica gerada
em torno do conceito de motivação e auxilia a apontar PALAVRAS-CHAVE: motivação, fragmentação, vida,
as deficiências teóricas de cada abordagem, principal- mortalidade, humanização, teorias motivacionais, frag-
mente no que diz respeito à própria realidade das pes- mentação do trabalho.
soas nas organizações. Entretanto, o principal argu-
mento deste ensaio vem de uma perspectiva metacrüi- * Artigo publicado originalmente sob o título "Be-
ca, segundo a qual a /loção de motivação e as teorias yond the Surrogate of Motivation" na revista Organization
que a ela se referem podem ser vistas como invenções Studies, U.s.A, 7/4, 1986, pp. 335-351.

Revista de Administração de Empresas São Paulo. 30(1) 5-16 Jan.lMar.1990 5


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o s chamados dados científicos e conhecimen-


tos acumulados nos últimos 25 anos sobre os
temas motivação e liderança nas organizações tor-
com a busca de explicações científicas do que
levar adiante imagens, analogias ou metáforas
que permitiriam uma melhor conceituação e en-
nam-se cada vez mais preocupantes para mim. tendimento das pessoas e de suas ações'. As teo-
Tais teorias, acredito, não confirmam minha ex- rias sobre motivação parecem apoiar uma certa
periência de trabalho com pessoas em organiza- "esquizofrenia" por se basearem exclusivamente
ções. Não consigo esconder meu desapontamen- na metáfora de uma vida sem metáforas".
to, depressão e insatisfação diante dos enfoques
teóricos dados particularmente à motivação e es- - A motivação como tópico deixou de ser um
tou também convencido de que não posso supe- conceito científico para ajudar a entender o ho-
rar minhas próprias frustrações ao tentar melho- mem e sua constituição individual e transfor-
rar tais enfoques, por mais sofisticados que sejam. mou-se em um instrumento pragmático para in-
O que me choca repetidamente são as imagens fluenciar o comportamento humano.
e conceituações essencialmente limitadas e unila- No caso particular de Freud, muitas vezes visto
terais a partir das quais a maioria das teorias de como o primeiro psicólogo a referir-se à moti-
motivação! reduz o homem e as organizações, vação, parece evidente que suas tentativas cientí-
bem como o respectivo inter-relacionamento, a ficas de explicar o ser humano foram dire-
simples decorrências já determinadas. A maioria cionadas especificamente para um entendimento
dos teóricos parece classificar a motivação dos mais consciente das pessoas, principalmente
empregados como o problema predominante e daquelas que se submetiam à psicanálise. Con-
usar esse conceito para abordar a administração siderando-se essa crescente auto-explicação, po-
das organizações. demos afirmar que, dentro do contexto adminis-
Embora essa tendência predominante se trativo e teórico-organizacional, a motivação foi
mostre ocasionalmente suavizada pelas colo- convertida em um instrumento de invasão, ma-
cações de Maslow ou Alderfer', parece-me que a nipulação e controle, através do qual dirigentes
noção de auto-realização de Maslow, em particu- ou aqueles que foram por eles legitimados podem
lar, e seu uso do conceito de motivação nunca provocar determinado tipo de comportamento
foram totalmente incorporados pela teoria ad- em seus subordinados. Uma melhor compreensão
ministrativa e organizacional. Suas idéias são pri- da motivação dos empregados tomaria então pos-
mordialmente usadas como álibi' para diminuir sível aos dirigentes conseguirem de seus subordi-
os sentimentos de culpa daqueles que dedicaram nados determinado tipo de comportamento. Co-
seu trabalho (e vida) às aplicações e explicações
científicas dos enfoques predominantes.
As principais ressalvas que faço quanto às teo- 1. CAMPBELL, [ohn P.; DUNNETIE, Marvin D.;
rias motivacionais no contexto atual de trabalho LAWLER III, Edward E. & WEICK JR., Karl E. Manage-
rial behatnor, performance, and Eftectiveness. New York,
em empresas podem ser resumidas em cinco McGraw-Hill, 1970; LOCKE, Edwim A. "Personnel atti-
pontos básicos, a saber: tudes and motivation". In: Annual Review of Psychology,
voI.26, 1975, pp. 457-480; SCHNEIDER, Benjamim. "Or-
- O contexto da motivação é limitado a uma ganizational behavior". In: Annual Review of Psychology,
microperspectiva e favorece explicações causais. voI. 36, 1985, pp. 573-611; VROOM, Victor H. & DECI,
Tanto em conceituações genéricas como em uso Edward L. (orgs.) Management and motivation. Har-
científico, os conceitos de motivo e motivação mondsworth, Penguin, 1970.
parecem apoiar-se em aspectos psíquicos ou bio- 2. MASLOW, Abraham H. Motivation and personality.
lógicos. Dessa forma, os motivos não são apenas New York, Harper & Row, 1970; e ALDERFER, Clayton
parte do mundo interior de um ser humano, mas, P. Exisience, relatedness, and growth: Human needs in orga-
em seu mundo exterior, estão somente relaciona- nizational settings, New York, Free Press, 1972.
dos com parte da totalidade do indivíduo, ou seja, 3. MINER, [ohn B. Theory of organizational motivation
seu comportamento. Assim sendo, a motivação in The functioning of complex organizations. G.W. England
pode ser colocada como a tentativa científica de & R. Negandhi (eds.) Cambridge, Mass., Oelgeschleger,
estabelecer-se uma relação causal entre motivos e Gunn & Hain, 1981, pp. 75-110; MINER, [ohn B. &
DACHLER, H. Peter. "Personnel attitudes and motiva-
comportamento, na medida em que este último é tion". In: Annual Review of Psychology, voI. 24, 1973, pp.
determinado pelos primeiros. Embora durante as 379-402.
últimas décadas o conceito de motivo tenha mu-
dado de "instinto" e "impulsos" para "necessi- 4. MINER, [ohn B. & DACHLER, H. Peter. Op. cit.
dades" ou "realizações", os teóricos da motivação 5. JOHNS, Roger S. Physics as metaphor. Londres,
ainda parecem estar muito mais preocupados Wildwood House, 1982.

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mo tal, a motivação, encarada como uma apa- - As teorias motivacionais reduzem a com-
rente atividade científica, tem sido usada em larga plexidade da realidade social à preocupação úni-
escala como substituto do poder e da coação, ca de satisfação e eficácia.
que eram, anteriormente, os meios predominantes O supra citado reducionismo psíquico e orga-
de influcnciação. Da mesma forma, uma vez que nizacional é reforçado pela suposição básica de
a motivação é vista como um dos (se não o único) que o alvo principal e predominante de nossas or-
elementos essenciais da abordagem administrati- ganizações de trabalho contemporâneas consiste
va, os teóricos em motivação estão reforçando a no aumento crescente de eficácia no trabalho. Tal
convicção de que é a administração de pessoas o tipo de objetivo pode ser mais facilmente al-
próprio objetivo da administração e das teorias cançado quando os indivíduos com alto nível de
administrativas. O enfoque, diametralmente desempenho estiverem recebendo um máximo de
oposto, de que as pessoas podem apenas motivar satisfação por suas contribuições.
a si mesmas e que as outras, somente de forma A pressuposição da eficácia organizacional re-
muito indireta e limitada, são capazes de permitir duz o papel do indivíduo na empresa a um fator
tal auto-motivação via administração de tarefas, concreto do processo econômico e trabalhista que
fatores periféricos e ou tros recursos usados pela pode ser facilmente classificado como "recurso
empresa, parece ser totalmente insustentável. humano" e, como tal, pode até ser tratado em
manual administrativo", O conceito de satisfação
- As teorias motivacionais perderam o individual parece negligenciar os interesses
caráter mais abrangente de preocupação com as
pessoas e as organizações em virtude das ten-
dências comportamentalistas dominantes. 6. MITCHELL, T.R. "Organizational behavior". In:
A busca de objetividade e racionalidade, sobre Annua/ Reoieio of Psyclz%gy, voI. 30, 1979, pp. 243-281;
a qual as tentativas dos teóricos da motivação es- CUMMINGS, Larry L. "Organizational behavior". In:
Annual Reoieui of Psychology, voI.33, 1982, pp. 541-579;
tão primordialmente baseadas, não só caminha de STAW, B.M. "Organizational behavior: A review and
mãos dadas com uma redutibilidade psíquica e reforrnulation of the field's out-come variables". In: An-
organizacional, mas também acentua ainda mais nua/ Review of PsycJw/ogy, voI. 35, 1984, pp. 627-666;
a redução do relacionamento entre as pessoas e SCHNEIDER, Benjamim. Op. cit.
trabalho nas organizações à preocupação exclusi-
7. SCHNE[DER, Benjamim. Op. cit.
va de como o balanceamento entre indivíduos-e
organizações pode ser otimizado. As teorias moti- 8. BERGER, Peter L. & PULLBERG, Stanley. "Reifica-
vacionais, que atualmente encontram seu ponto tion and the sociological critique of consciousness". In:
alto no chamado "Comportamento Organiza- Neto Left Revicw, vol. 35, 1966, pp. 56-71.
cional'", perderam o conceito abrangente de 9. SCHHN, Edgar H. Organizational psych%gy. En-
homem no plano de sua constituição individual e, glewood Cliffs, New [ersey, Prentice-Hall, 1965.
assim, passaram a conceituar as organizações ba-
10. MASLOW, Abraham H. Motivation und Per-
sicamente a partir de sua anatomia". Essa busca
sõnlichkeit, Oltan. Walter, 1977. (Tradução alemã de
de objetividade é conseguida pela transformação MASLOW, A.H. Motivation and persona/ity. Op. cit.)
do concreto, ou seja, pessoas e empresas em "abs-
tratos" que deverão posteriormente ser de novo 11. HOLBROOK, David. Human hope and the death in-
"concretizadas". Os indivíduos atuam dentro de siinct, Ali expioratum of psychoana/ytical theories and of
huinan nature and their imp/ications of cu/ture and educa-
organizações e estas têm que motivá-los de forma
tion. Oxford, I'ergamon, 1971.
a obter os resultados esperados". Apesar das oca-
sionais referências a um "homem complexo:", os 12. ARGYRIS, Chris. "The organization: What makes
conceitos de interação homem-empresa e o de in- it healthy?". In: Haroard Business Review,voI. 36, nº 6,
divíduos entre si limitam-se a um enfoque que ]958, pp.J07-lJ6; LAWRENCE, W. Gordon. Some psy-
chie and political dimensione of work experienees. Occasio-
Maslow'", em contraste com a psicologia mais nal Paper nº 2. Londres, The Tavistock Institute of Hu-
universal, definiu, certa vez, como uma "psicolo- man Relations,] 982; PEDERSON-KRAG, Geraldine.
gia de muletas", (~u que Holbrok" chamou de "A psychoanalytic approach to mass production". In:
"homunculismo". A medida em que noções mais Psuchoanalutic QUllrtcrly, voI. 20, 1951, pp. 434-451;
amplas sobre a vida, sabedoria, maturidade e sen- SIEVERS, Burkard. "Leadership as a perpetuation of
tido da morte são excluídas da noção predomi- immaturity. A new perspective on corporate culture",
In: Marzuscript, Wuppertal,1985.
nante do indivíduo dentro da teoria motivacional,
cria-se uma idéia bastante ingênua que inevi- 13. ODIORNE, George S. Strategic management of hu-
tavelmente classifica os empregados como man resources: A portfo/io approach. Londres, Jossey-Bass,
imaturos". 1984.

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daquilo que, por exemplo, Maslow" certa vez mente", as imagens do homem, da vida, do traba-
classificou de "metapatologia" ; uma patologia ge- lho e a plenitude, que essas teorias fingem confir-
rada por um tipo de satisfação desprovida de mar, acabaram por gerar uma depressão dentro
quaisquer valores, significado e plenitude de vida. de mim mesmo. Em comparação com o que
parece estar sendo apontado como orientação
- Apesar de sua preocupação com a verdade principal, a convicção de que a motivação não se-
universal, as linhas adotadas pelos teóricos da ja uma invenção científica e, nem mesmo uma
motivação assentam-se em preconceitos apolíti- descoberta, é, obviamente, não muito ampla-
cos, não históricos e associais. mente compartilhada".
Pela comparação de culturas nacionais dife- Estou convencido de que o problema subja-
rentes, Hofstede" entre outros" ressaltou que os cente, porém real, que as teorias motivacionais
enfoques dados à motivação no contexto das teo- constantemente tentam abordar e resolver, não só
rias administrativas e desenvolvidas quase que ex- pode, mas também deve ser periodicamente re-
clusivamente nos Estados Unidos são a expressão descoberto, a fim de que sejam encontrados novos
do individualismo ultra elevado, do interesse métodos de abordagem. O que me encoraja a ten-
próprio e do alto machismo que são características tar é o fato de que não vejo minhas idéias como
peculiares da cultura americana. Além disso, a sendo aprioristicamente as únicas, mas, sim, co-
cultura americana parece caracterizar a relação mo pensamentos que me uniram a outros pen-
entre os indivíduos e a organização como sendo sadores (dentre os quais W. C. Lawrence que,
exclusivamente uma questão de adaptação e or- através dos anos, me causou o maior impacto).
dem. Aspectos de desordem" ou de conflito não
são levados em conta, uma vez que, por exemplo, - A hipótese que gostaria de colocar e ex-
podem ser tidos como inerentes entre os represen- plicar é a seguinte: motivação só passou a ser
lia

tantes do capital e do trabalho. Principalmente em um tópico - tanto para as teorias organiza-


virtude da redutibilidade associada à qualidade cionais, quanto para a organização do trabalho
fictícia de seus conceitos centrais, as teorias moti- em si - quando o sentido do próprio trabalho
vacionais são totalmente omissas quanto a qual- desapareceu ou então foi perdido; a perda do
quer perspectiva de como o indivíduo, bem como
as estruturas sociais da realidade possam ser 14. MASLOW, Abraham H. Motivation und Persõn-
percebidos. As teorias de motivação estão re- lichkeit. Op. cit.
forçando ainda mais o divórcio entre adminis-
tradores e empregados, no sentido de que estes 15. HOFSTEDE, Geert. "Motivation, leadership and
organization: Do American Theories apply abroad?".
são vistos, quase que exclusivamente como os que In: Organizational Dynamics 9, Summer, 1980, pp. 42-63.
devem ser dirigidos e motivados pelos primeiros.
Embora possamos supor que os protagonistas das 16. Por exemplo, COX, Charles J. & COOPER, Cary
teorias motivacionais estejam procurando algum L. The irreIevance of American organizational sciences to
the UK and Europe. Trabalho apresentado à Academy of
tipo de validade ou de verdade científica, a im- Management Conference. San Diego,1l-14 August,
pressão que se tem, a partir de suas teorias, é que 1985.
a moeda mais válida no mercado não é apenas a
reputação, mas também o dinheiro". 17. COOPER, Robert. "Organization/disorganiza-
tion", In: Manuscript. Lancaster, Department of Be-
Como em outros mercados, seria surpreen- haviour in Organizations, University of Lancaster, 1985.
dente se no mercado das teorias motivacionais
não se incluísse a criação das respectivas necessi- 18. MINER, [ohn B. "The validity and usefulness of
dades e solicitações por parte dos cientistas e diri- theories in an emerging organizational science". In:
Academy of Management Review 9,1984, pp.296-306.
gentes. Para concluir, a explicação do grande ape-
lo, que ainda envolve as teorias de motivação no 19. CAMPBELL, John P. & PRITCHARD, Robert D.
contexto da gerência de organizações, talvez este- "Motivation theory in industrial and organizational
ja no fato de que a redução, a supersimplificação e psychology". In: DUNNETTE, M. D. (org.) Handbook of
industrial and organizational psychology. Chicago, Rand
a fragmentação obviamente implícitas nessas teo- McNally, 1976,pp. 63-130.
rias espelham, com grande precisão, em espécie e
qualidade, as experiências vividas ou susposta- 20. KELLY,G.A. "Man's constructions of his alterna-
mente partilhadas pela maioria das pessoas em tives". In: LINDZEY, G. (org.) Assessment of human mo-
tives. New York, Rinehart, 1958, pp. 48-60; LENK,
culturas industriais ocidentais contemporâneas. Hans. "Motive als interpretationskonstrukte Zur An-
Apesar de Campbell e Pritchard" terem assi- wendung einer Interpretationstheoretischen Hand-
nalado anteriormente que "a teoria da motivação lungsphilosophie in der Sozialwissenschaft". In: Soziale
organizacional pode ser qualquer coisa menos depri- WeIt, 29,1978, pp. 201-216.

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sentido do trabalho está diretamente ligada à teorias organizacionais contemporâneas e nas


crescente divisão e fragmentação do trabalho, suas aplicações em empresas. Não pretendo apre-
princípios que vêm sendo observados na estru- sentar um tratado filosófico sobre o sentido, mas
turação da forma de trabalhar na maioria de parece, no entanto, inevitável que se enxergue
nossas organizações ocidentais. Como conse- além das falhas e atalhos mais evidentes da expli-
qüência, as teorias motivacionais têm se trans- cação científica predominante de nossa realidade
formado em sucedâneos na busca do sentido do social contemporânea a fim de que seja alcançada
trabalho". maior compreensão sobre o trabalho e seu respec-
Os fundamentos da motivação e suas expli- tivo sentido para os indivíduos.
cações teóricas parecem concentrar-se no fato de A meu ver, a imagem do homem motivado é
que os indivíduos são incapazes de perceber, somente urna versão concretizada do consumi-
compreender e relacionar-se com os sistemas so- dor corno um dos papéis do homem em nossa so-
ciais em que vivem. lsso pode ser visto corno con- ciedade e, dentro de urna colocação simplista e
cretização da aparente ignorância voluntária e não científica, reforça o processo de fragmentação
inabilidade dos cientistas sociais (e psicólogos, em de nossa sociedade contemporânea. Essa frag-
particular) em entender as instituições e com elas mentação baseia-se na dicotomia dos indivíduos e
se relacionarem. Essa perspectiva tão sombria so- instituições, processo pelo qual tanto um quanto
bre os indivíduos inclui também o pressuposto de outro são destruídos e dispersos em pequenos
que suas relações com as empresas devam ser fragmentos sem mais qualquer relação entre si.
controladas e dirigidas por eles. As abordagens Segundo o conceito sociológico mais clássico
científicas, portanto, não mais podem levar em de diferenciação" e que se refere a urna discrimi-
conta a própria subjetividade das pessoas. Elas nação fragmentada ou funcional de urna so-
explicam o ser humano em termos mecânicos, co- ciedade ou dos subsistemas das estruturas sociais,
rno entidades desconectadas de sentido e da so- essa diferenciação pode ser vista corno urna ten-
ciedade, e com preocupações que não vão além tativa do ser humano de relacionar-se com graus
da satisfação das necessidades individuais mais elevados de complexidade e autonomia.
primárias. Em lugar de permitir ao indivíduo Além disso, a noção de fragmentação, em sua
seus próprios enfoques e tentativas de definir a si tradição psicanalítica da teoria das relações obje-
mesmo e ao seu mundo, modelos científicos têm tais, acha-se diretamente relacionada com a di-
que ser inventados, desenvolvidos e colocados de visão e a segregação". Corno tal, a fragmentação
forma a adequar o indivíduo aos requisitos da refere-se a um processo esquizóide, através do
massa social e dos sistemas de produção e con- qual as pessoas organizam o seu próprio mundo
sumo. Com a teoria motivacional, o homem em si pela separação das partes positivas e negativas da
mesmo foi reduzido a um homúnculo em relação realidade. Essa realidade, a partir desse processo,
,1 posição histórica inicial de ter sido criado à ima- pode ser então negada ou idealizada. Ao experi-
gem e semelhança de Deus. mentar e lidar com o mundo exterior, essa divisão
Em lugar de relacionar a imagem do homem às esquizóide cria e perpetua a fragmentação do
suas próprias fontes, os enfoques científicos mundo exterior. Divisão e fragmentação não de-
aparentemente dominantes relacionam o homem vem ser entendidas apenas corno processos que se
à máquina. Ele chega a se ver corno urna de suas reforçam mutuamente - o desmembramento
mais sofisticadas produções, explicando-se a si
próprio como uma máquina e um produto. Corno
Ziegler" afirma: "as pessoas produzem bens e, dessa 21. ZIEGLER, Jean. Die Lebenden und der Tod. Frank-
fôrma, se transiormam em produtos. As pessoas vêm furt, Ullstein, 1982.
existindo de forma di reiameute relacionada ao sistema 22. HALES, Mike. "Management Science and ' The
de produção, ti troca de bens de consumo". Ou, então, second industrial revolution' ". In: Radical Science [our-
como Hales- coloca: "A sociedade é classicamente nal, 1, 1974, pp.3-28.
representada COIIIO um agregado de indivíduos que
23. DURKHEIM, Emile. De la division du travail social.
encontram a S1la realidade social somente no mer- Paris, Presses Universitaires de France, 1960 (7a.
cado". edição); SIM\IIEL, Georg. Uber soziale Differenzierung.
Estou convencido de que a noção de motivação Soziologische und psycJlOlogische Untersuchungen. Leipzig,
é urna invenção e que a realidade social e a ima- Dunker & Humblot. ]890; LUHMANN, Níklas. Soziale
gem do homem, que sublinham as teorias motiva- Systeme. Gruiidri ciner allgemeinen Theorie. Frankfurt,
cionais predominantes, se acham baseadas na Suhrkarnp, 1984.
ficção. Elas não são só aparentemente latentes, 24. KLEIN, Melanie. Contríbutions to psycho-analysís.
mas também continuadarnente perpetuadas nas Londres, Hogarth, 1948.

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projetado é novamente introjetado e vice-versa -; mentos, sendo, portanto, tidos como ativamente
podem ser vistas como uma tentativa imatura e comprometidos com os objetivos da organização.
inadequada de reduzir a complexidade por meio Na realidade, essa dissociação pode ir muito mais
da evasão. Isso traz implicações e conseqüências longe e no sentido de que os membros de uma or-
psíquicas e sociais. Enquanto a diferenciação pres- ganização parecem comportar-se de acordo com
supõe processos paralelos e mecanismos de inte- a crença implícita de que somente alguns têm tu-
gração, a fragmentação e a divisão baseiam-se na do e que a maioria não tem nada. Do ponto de
(falsa) suposição de que a realidade como um to- vista psicanalítico, acredita-se que aqueles que
do não pode sequer existir. Embora pareça estão no topo sejam tidos como onicientes e
plausível que uma grande parte da fragmentação onipotentes e, por conseguinte, todos os demais
em nossas sociedades industriais contemporâneas sejam ignorantes e impotentes.
e empresas esteja inter-relacionada com o alto Essa divisão fundamental de nossas organiza-
grau de diferenciação social atual", os pensamen- ções não é uma característica exclusiva do sistema
tos que se seguem não excluem o fato de que, por social. Ao mesmo tempo, está inter-relacionada a
exemplo, camponeses ou trabalhadores de épocas um processo psíquico e bastante complexo de in-
pré-industriais também não sofressem dessa frag- trojeções e projeções do mundo interior de todos os
mentação. membros da organização, e legitimada e perpetua-
A fragmentação do mundo é multiforme. No da por esse processo. Os do topo olham para os da
que se refere ao indivíduo, a realidade não vem base e pensam que estes não são suficientemente
sendo apenas fragmentada em áreas sociais, potentes, ou ainda que são muito passivos para se
políticas ou privadas. Estamos acostumados a autogerirem. Isso leva a uma realidade de ordem
participar de uma ficção em que nossos pensa- psíquica na qual os que estão no topo lidam com
mentos, ações, experiências e emoções não po- suas próprias inadequações, fraquezas, interde-
dem mais ser inter-relacionados e conectados, não pendência, passividade e impotência, projetando-
sendo mais inerentes ao indivíduo. Nossas insti- as nos outros. Ao mesmo tempo, essa projeção por
tuições estão fragmentadas e, de várias maneiras, parte daqueles que estão no topo está relacionada
estão também fragmentando nossas experiências. às suas próprias introjeções de força, potência, sin-
Em nossas sociedades ocidentais, somos tentados gularidade e atividade que são por eles e a eles
a confirmar a ficção de que nossa vida privada atribuídas. A confusão disso decorrente também
nada tem a ver com nossa vida social ou política. afeta os chamados empregados ou trabalhadores.
A fragmentação de nossas instituições e de nossas Através da projeção parecem perder a própria
organizações de trabalho em particular são plane- força da qual se utilizam em larga escala em seus
jadas e administradas de tal forma que o planeja- outros relacionamentos fora da organização e, ao
mento, a administração e a supervisão do traba- mesmo tempo, introjetam todos os aspectos nega-
lho se acham separados da execução. Como tivos da organização. Por fim, perdem a auto-esti-
WeiP aponta, essa é a nossa versão da divisão do ma e o respeito próprio.
trabalho; um grupo de pessoas simplesmente Diante da contínua fragmentação do trabalho
manuseia as máquinas e outro grupo está auto- em nossas organizações contemporâneas, as ativi-
rizado a pensar na organização dessas pessoas e dades humanas dos trabalhadores são cada vez
respectivas máquinas. As organizações de traba- mais e mais reduzidas ao mínimo componente,
lho perenemente confirmam a ficção de que al- parecendo que a própria noção do trabalho em si
guns são gerentes e outros trabalhadores, como se foi também convertida em cargos e desempenho
os gerentes não tivessem que trabalhar e os tra- em cargos. O conteúdo do trabalho diluiu-se, em
balhadores gerir para conseguirem desempenhar grande parte, pelas formas nas quais este tem si-
suas atividades, ainda que simples. do, e ainda é, organizado na maioria das empre-
A maioria de nossas organizações não se carac- sas. A noção de cargos muito freqüentemente
teriza apenas pela constante separação entre ad- parece ser o rótulo para o que restou do trabalho,
ministradores, gerentes e trabalhadores, mas exis-
te também, ao mesmo tempo, uma divisão funda- 25. DICKSON, David. AIternative teehnalagy and the
mental de autoridade, responsabilidade, habili- palites af teehnieal ehange. Glasgow, Fontana, 1974;
dade, conhecimento e até de atividades. Apesar WILLIAMS, Trevor A. Learning to manage aur futures the
do mito político de que todos os homens são particípative redesign af sacíeues in turbulent transitian.
iguais, alguns parecem mais iguais que os outros. New York, Wiley, 1982.
De todos os membros de uma organização, ape- 26. WEIL, Simone. Fabriktagebueh und andere
nas alguns devem ter autoridade, ser respon- Sehriften zum Industriesystem. Frankfurt, Surhkamp,
sáveis e ter as necessárias habilidades e conheci- 1978.

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após a retirada de todos os aspectos administra- vida no trabalho, não é somente aquela parte do
tivos e de satisfação pessoal, perdendo-se até trabalho aprisionada pelo emprego em si, mas
mesmo o sabor das migalhas da mesa de um rico. também parece enfatizar uma noção de trabalho
Assim sendo, espera-se que, via motivação, o tra- que, segundo Marcuse", negligencia qualquer
balho possa ser novamente enriquecido e aroma- ligação entre o trabalho e a existência humana.
tizado artificialmente, Motivar trabalhadores, por A relativa facilidade com a qual essa ficção de
exemplo, através de incentivos, é também uma uma vida após o trabalho é mantida deve-se, por
forma de esconder seus próprios sentimentos de outro lado, ao aumento dos programas internos
desprezo e de culpa ligados ao fato", de saúde e segurança nas organizações e também
Não há dúvida de que a maioria dos cargos são pelo fato de que, nos casos em que a vida termina
simplesmente ocupados porque geram empregos antes da aposentadoria, normalmente isso não
que têm como principal benefício as fontes finan- acontece no local de trabalho. Se as pessoas e, em
ceiras que permitem viver, assumindo-se, assim, o particular, os trabalhadores, sofrem danos pes-
papel de consumidor. Freqüentemente, parece que soais a ponto de ter que se aposentarem precoce-
a principal vantagem que o emprego traz é evitar o mente, isso parece ser apenas outro meio de as or-
desaparecimento total dos papéis desempenhados ganizações se livrarem do problema crucial de
por meio de cada um, garantindo o inter-relaciona- que o potencial de cada indivíduo é limitado e
mento de papel pela confrontação com o vazio que, finalmente, acaba por terminar. "O acidente
que domina a experiência do desemprego". de trabalho pertence à ordem econômica e não tem va-
Estou convencido de que aquilo que tentei des- lor simbâ/ico"J1. A morte e a experiência de morte
crever e questionar até aqui - a divisão dicotômi- são, de alguma forma, neutralizadas através do
ca em nossas organizações e a fragmentação do que é chamado de "flutuação natural".
trabalho - é apenas a ponta do iceberg e que, sub- A fragmentação da vida em vida no trabalho e
jacente a essas segregações e de certa forma con- todo o resto, parece também perpetuar o mito
gelada sob a superfície, existe uma outra sepa- criado em torno da imortalidade da empresa. As
ração fundamental em nossa sociedade ocidental empresas contemporâneas parecem, de certa for-
contemporânea que é a divisão entre a vida e a ma, ter assumido o simbolismo da imortalidade
morte". que, como tão convincentemente colocaram
Não há dúvida de que em oposição às teorias Brown, Campbell ou Dunne", era o papel das ve-
motivacionais, encorajadas por suas limitações e lhas cidades e antigos impérios. A duração da or-
simplificações, existem crescentes tentativas e pre- dem social é um mito tão antigo quanto a hu-
ocupações em superar a desvalorização do traba- manidade e que tanto permite ao homem encon-
lho nas organizações industriais. Cada vez mais a trar paz na inevitabilidade da sua própria morte,
questão da qualidade do trabalho está sendo am- quanto negá-Ia", Esse mito, particularmente
pliada e dirigida para a busca da qualidade de vi-
da no trabalho, com dupla intenção por parte das
organizações: 27.. \1ILLER, A. The drama of ihe gifted child. New
York, Basic, 1981.
1) a de oferecer um trabalho qualificado, ao in-
28. NOVAK, Michael. The experience of nothingness.
vés de um cargo; e New York. Harper & Row, 1970.
2) a de relacionar, uma vez mais, o trabalho ao
indivíduo e sua vida e não somente às 38 ou mais 29. BAUDRILLARD, Jean. Der symbolische Tausch
und der Tod. München, Hatthes und Seitz, 1982.
horas semanais durante as quais se acha empre-
gado. 30. MARCUSE, Herbert, "Uber die philosophischen
GrundJagen des wirtschaftswissenschaftlichen Arbeits-
o que não parece ainda fazer sentido, apesar de begriffs". In: Archiu für Sozialwissenschaft und Sozialpoli-
iik, 69/3, apud MARCUSE, H. Ku/tur und Gesellschaft 2,
todas essas buscas tão ambiciosas, é o fato de que Frankfurt, Suhrkamp, 1933, pp.7-48.
o trabalho e a vida no trabalho não são fins em si
mesmos, mas aspectos de uma entidade muito 31. BAUDRILLARD, Jean. Op. cit.
mais ampla, ou seja, a própria vida de um indiví- 32. BROWN, Norman o. Life against death. The psy-
duo. A tentação, que presumo estar incluída no clwanalytical meaning of history. Londres, Sphere, 1968;
movimento pela qualidade de vida no trabalho, é CAMPBELL, Joseph. Myths to live by. New York, Ben-
a de apenas substituir uma fragmentação por ou- tharn, 1973; DUNNE, [ohn S. Time and myth. A medita-
tra, ou seja, a fragmentação do trabalho em cargos, tion on story-relling as an exploration of life and death.
Notre Dante. University of Notre Dame Press, 1975.
pela fragmentação da vida em vida no trabalho e
no que resta dela. Aquilo que é considerado como 33. Ci\MPBELL, [oseph. Op. cit.

11
o COLABORAÇÃO INTERNACIONAL

nas empresas familiares americanas, é algumas também, parece assumir o caráter de uma con-
vezes simbolicamente reforçado com o enterro de clusão definitiva. O que a torna uma verdade con-
seu fundador nos jardins da própria empresa. Es- clusiva e irrefutáveL
pecialmente durante as épocas de recessão, isso é Embora a realidade da morte seja basicamente
também permanentemente enfatizado pela de- negada pela nossa sociedade e pelas organizações
missão de empregados para que a empresa possa de trabalho, parece que apenas os trabalhadores
sobreviver. A herança de qualquer propriedade, devam conscientemente carregar o peso de tal ne-
em geral, e a herança de uma firma familiar, em gação. Enquanto participantes da imortalidade da
particular, carregam em si a noção de imortali- empresa, através da negação da própria morte, os
dade. O fato de que a ameaça de falência, por administradores vêem o resto e os trabalhadores
exemplo, da Krup, AEG ou British Leyland, seja como os objetivos de seu próprio destino divino.
vista quase que como um desastre nacional é uma Como a morte e o cadáver em nossa sociedade
evidência suficiente de que a imortalidade é muito freqüentemente não têm outro significado
atribuída à maioria das nossas empresas que além da configuração do nada e, portanto, têm
oferecem empregos. Como nas organizações fa- que ser eliminados de uma forma bastante
miliares, onde o filho assume a empresa de seu higiênica e estéril", a perda do trabalho e o de-
pai e passa-a depois para seu filho e, assim, su- semprego têm um significado semelhante e, por-
cessivamente, a imortalidade parece ser compar- tanto, devem ser negados de forma semelhante,
tilhada por aqueles que comumente se identifi- ou seja, através da esmola da empresa ou através
cam com a firma e são vistos pelos outros como de planos assistenciais. Como o seguro de vida
identificados com a empresa, ou seja, a adminis- em caso de morte, esses planos de ajuda aos de-
tração. De acordo com o mito predominante nas sempregados representam uma tentativa da so-
sociedades industriais ocidentais, os adminis- ciedade de não só livrar-se de quaisquer conse-
tradores são os únicos que podem e devem de- qüências mais sérias decorrentes de tal perda, co-
sempenhar as funções necessárias à sobrevivência mo também negar tais conseqüências posteriores,
e sucesso da empresa", A real fragmentação do sejam elas quais forem.
sistema tem então que ser projetada em indiví- Os três aspectos que tentei descrever até aqui -
duos e nos trabalhadores em particular. Aqueles a segregação e o desconhecimento dos trabalha-
que estão no poder introjetam a noção de estarem dores pelos administradores das empresas; a frag-
acima da fragmentação", mentação do trabalho em cargos e atividades que
Embora não haja dúvidas de que os adminis- exigem uma parcela mínima das habilidades do in-
tradores também morrem, eles parecem estar aci- divíduo maduro; e a fragmentação da vida em vi-
ma dessas banalidades da vida. Se, em certas da no trabalho, ignorando-se não só o restante
ocasiões, chegam a acreditar que entregaram suas dela, mas também negando-se o fato inevitável de
almas ao diabo, são geralmente, os únicos que que ela termina com a morte - parecem facetas do
parecem ter comprometido suas vidas inteiras às mesmo problema e que se avoluma cada vez mais
organizações. De acordo com esse mito, esses ad- em nossas sociedades contemporâneas, ou seja, a
ministradores, como os antigos deuses, carregam eterna e fundamental preocupação humana com o
suas fontes de autoridade e poder dentro de si, sentido, com o real significado da vida. Em outras
não necessitando absolutamente de motivação ou palavras menos acadêmicas, trata-se da busca de
reforço por parte dos outros. uma resposta para a questão "como levar-se uma
Para irmos mais além, o que normalmente é vida efetivamente útil?".
tratado pela teoria organizacional, pela ciência A invenção do tema "motivação" ocorreu nu-
administrativa e pela administração de empresas, ma situação na qual se perdeu a possibilidade de
parece ser esse paraíso divino, constantemente le-
gitimado e glorificado pelos papas da ciência que,
ao mesmo tempo, parecem incapazes de reco-
34. MARTIN, Shan. Managing without managers. Al-
nhecer a centelha divina dentro de todo o terna tive work arrangements in public organizations. Berve-
homem. Em lugar de contribuir para a compreen- ly Hills, Sage, 1982.
são da sociedade industrial e seu desenvolvimen-
to, a ciência da administração degenera-se em 35. BURKARD, Sievers. "Participation as a collusive
quarrel over immortality", In: Manuscript, Wuppertal,
"uma mera projeção não crítica de idéias e práticas das 1984.
elites adminístratioas">. Através do mito da imor-
talidade da empresa e sua administração, a di- 36. HALES, Mike. Op. cito
visão acima descrita, entre aqueles do topo e 37. ELIAS, Norbert. The loneliness of the dying. Ox-
aqueles da base, não somente é reforçada, como, ford, BasilBlackwell,1985.

12
RAE

concretizar para um crescente percentual de tra- Quando as pessoas são administradas é porque
balhadores qualquer sentido para o trabalho que elas não têm mais, ou então, não assumem mais
executavam e isso em função do processo de di- responsabilidades por si mesmas. "Os mitos evi-
visão e fragmentação do trabalho em cargos e dentes das organizações baseiam-se sobretudo no pres-
atividades isoladas. suposto de que administrar é administrar gente?". A
Como o sentido foi perdido e com ele a capaci- "alienação diante da ausência de sentido do trabalho,
dade ou qualidade do significado como fonte co- que é permanentemente criada e mantida por este pres-
ordenadora e integradora das ações de cada indi- suposto, tem sido aceita por tanto tempo como parte
víduo e de suas respectivas interações com os ou- integrante dos cargos dos indivíduos que é vista como
tros, o tema "motivação" teve que ser inventado. absoluiamen te normaí':".
Através da motivação, a falta de sentido do traba- Com a perda do sentido do trabalho, o mundo
lho é substituída ou traduzida pela seguinte interior do trabalhador também se fragmenta, ou,
questão: "conto é poss(vel conseguir-se que as pessoas então, acaba sendo visto como fragmentado por
atuem e produzam sob condições nas quais elas nor- ele mesmo, por seus colegas e superiores. Como
malmente IllIO estariam motioadas a trabalhar?". O os indivíduos não são mais capazes de reunir os
problema não diz respeito à degradação do pequenos fragmentos de seus próprios mundos e
homem ou da mulher, mas sim às dificuldades nem tampouco aqueles do mundo exterior, do seu
geradas pelas reações conscientes ou incons- posto de trabalho e da organização, torna-se
cientes diante da degradação", necessário desenvolver e utilizar modelos
Em contraste com o sentido do trabalho que se mecanicistas para suplantar essa fragmentação e
refere, conforme Elias" convincentemente des- o caos ameaçador que vem a ser a conseqüência
creve, a uma categoria social envolvendo uma final. A motivação transforma-se na estrutura do
pluralidade de pessoas inter-relacionadas com caos da organização e do mundo interior dos ad-
seu conteúdo e que, enquanto categoria: não pode ministradores, sendo que esse caos, a partir dessa
ser entendida como relacionada a um indivíduo situação, projeta-se automaticamente nos traba-
isolado, a motivação diz respeito a uma dimensão lhadores.
mais ou menos relacionada à doutrina do solipsis- Acredito que tenha ficado claro até aqui que a
mo, uma vez que considera a entidade humana intenção de desenvolver e explicar minha
como autocontida e isolada. A motivação é vista hipótese sobre motivação como um sucedâneo do
primordialmente como relacionada aos mecanis- sentido não pode resultar em uma tentativa para
mos intrapsíquicos do mundo interior sem suplantar a falta de sentido já instaurada na situa-
maiores ligações com o mundo social exterior, ex- ção de trabalho, em particular e, na vida, de for-
ceto pelo fato de poder ser manipulada pelos ma geral, através da criação de um novo significa-
outros. De certa forma, a teoria motivacional rati- do de sentido positivo. Minha principal preocu-
fica uma das conseqüências predominantes da pação neste artigo não é com a criação de um
contínua fragmentação do trabalho, ou seja, a sentido, mas sim, principalmente, com sua des-
solidão do trabalhador, expressa tanto pela cres- truição; uma destruição com a qual estamos cada
cente inabilidade pessoal, como pela impossibili- vez mais harmonizados e que se torna uma reali-
dade pré-estruturada de estreitar o relacionamen- dade em si mesma à medida que o sentido origi-
to com outros trabalhadores e de perceber a inter- nal do trabalho cai mais e mais no esqueci-
relação entre as próprias atividades e a missão da
empresa da qual se é membro; uma solidão gela- 38. BRAVERMAN, Harry. Labor and monopoly capital.
da que, de acordo com WeiI40, pode ser vista co- The degradaiian ofwork in the twentieth century. New
mo um traço característico da maioria de nossas York, Monthlv Review. 1974.
empresas. Em grande parte, estes são o mesmo
isolamento e solidão nos quais se supõe que as 39. EUAS, Norbert. Op. cit.
pessoas das sociedades ocidentais acabam por ter- 40. WEIL, Simone. Op. cit,
minar suas vidas e morrer, situação esta que está
sendo antecipada em suas experiências de traba- 41. EL1AS, Norbert. Op. cit,
Ih041•
Se o sentido do trabalho enquanto inter-relação 42. LAWRENCE, W. Gordon. "A concept for today:
the mangement of oneself in role". In: LAWRENCE,
com () próprio trabalho e com o trabalho dos cole-
W.G. (org.) Explorins; individual and organizational
gas não pode mais ser percebido e administrado boundarics. A Taoietock open system approach. Chichester,
pelo indivíduo, então as pessoas precisam ser ad- Wiley, 1979, pp.135-249.
ministradas de forma a serem capazes de operar
sem se relacionarem ou serem relacionadas. 43. l-I ALES, Mike. Op, cit.

13
o COLABORAÇÃO INTERNACIONAL

mento. Em lugar de reconstruir qualquer conteú- ciedades contemporâneas parece ser a crescente
do relativo ao significado do trabalho e que origi- dificuldade, insegurança e confusão com as quais
nalmente é subjacente ao sucedâneo, minha pre- estamos sempre nos defrontando na tentativa de
ocupação está em descobrir o sentido original do organizar e compreender nossas experiências di-
significado do trabalho e que está por trás do ante dos referenciais tradicionais que, apesar de
sucedâneo da motivação. terem tido seu valor e sua evidência para gerações
Semelhante à teoria de construção social da anteriores, estão se tornando mais frágeis e ques-
realidade de Berger e Luckmann" existe em mar- tionáveis a cada dia.
cha urna destruição social da realidade que parece A única lógica que consigo ver naquilo ofereci-
ser também verdadeira". Corno existem atores em do corno teoria motivacional parece estar reduzi-
ambas as cenas, existe também a usurpação do da a urna realidade dentro do quadro da vida
sentido do significado e dos seus agentes, agentes que, por sua vez, parece estar circundado pelo na-
estes que tiram vantagem pessoal prejudicando os da. A teoria motivacional é urna tentativa de li-
outros por meio da projeção de suas possibili- dar com o fato de que nossas percepções estão
dades de referência e relação com o sentido do "rompendo os limites de nossas arraigadas conceitua-
trabalho. Essa destruição, parece ao mesmo tem- lizações?", sendo necessário inventarem-se novos
po, ser reforçada, legitimizada e institucionaliza- conceitos que ampliem e ultrapassem nossos en-
da pelo fato de existirem pessoas suficientes, seja quadramentos e detenham a experiência indivi-
pela introjeção ou pelo desespero, para privarem- dual e social da incerteza, do caos, da destruição e
se da habilidade de se relacionarem com o senti- da falta de significado de nossa existência hu-
do do trabalho. Se o sentido não pode ser encon- mana contemporânea.
trado, existem sempre mercadores que tentam A busca de novos conceitos que ofereçam es-
oferecê-lo, tais corno aquelas imensas multina- paços suficientes para nossas percepções, pensa-
cionais que "controlam os destinos das pessoas, crian- mentos e experiências inclui a noção de que o sig-
do para estas o sentido?". nificado tem que ser necessariamente descoberto.
Referir-se ao significado do trabalho corno um Urna compreensão do sentido corno urna graça
princípio subjacente à tremenda fragmentação co- de Deus ou corno a essência da existência tem que
letiva e individual e ao processo de divisão sig- ser aceita e, obviamente, ainda compartilhada
nifica também mudar o quadro de referências pela maioria de nossa sociedade contemporânea.
através do qual a realidade é predominantemente Não há dúvidas de que entre os significados ofe-
percebida. Da mesma forma que a realidade, além recidos por inúmeros produtores e mercadores,
da moldura de um quadro, é a pré-condição lógi- há bons e maus frutos ou, na terminologia deste
ca para se perceber a realidade específica do artigo, existem significados de várias qualidades,
próprio quadro e sua mensagem ou significado, assim corno existem diferentes sucedâneos.
para compreender-se o significado do quadro é
necessário que este esteja relacionado a alguma
coisa a mais e possa ser transcendido. Significado 44. BERGER, Peter & LUCKMANN, Thomas. The so-
no geral e, especialmente o significado da vida de cial construction of reality. A treatise in the sociology of
alguém, só pode ser concebido além da moldura. knowledge. Garden City, New York, Doubleday, 1966.
Isso quer dizer que o significado da vida só pode
45. GRAY,Barbara; BOUGON, Michel G. & DONEL-
ser discutido a partir da morte corno final da vida LON, Anne."Organizations as constructions and de-
- não importa se o terna da vida após a morte é structions of meaning". In: [ournal of Management, 11,
ou não compartilhado e sob qual ponto de vista é 1985, pp. 83-89.
interpretado. Sem a compreensão de sua própria
46. PETERS, Thomas J. & WATERMAN, Robert H. In
morte e da morte coletiva de todos os homens e search of excellence. Lessons from America's best-run compa-
mulheres, a dimensão lógica da vida assemelhar- nies. New York, Harper & Row, 1982.
se-ia ao estado de um paciente esquizofrênico, na
medida em que este não aceita o "corno se" corno 47. BATESON, Gregory. "A theory of play and phan-
tasy", In: Steps to an ecology of mind. G. Bateson. New
parte de sua realidade fantasiosa, sempre que se York, Chandler, 1972, pp.177-193; GOFFMAN, Erving.
refere a si mesmo ou aos outros", Se a nossa reali- Frame analysis. An essay on the organization of experience.
dade social é construída sobre o princípio de que Harmondsworth, Middlesex, Penguin, 1975;
não existe urna vida após a morte, então não é de LAWRENCE, W. Gordon. Beyond the frames in Bion and
surpreender que essa ficção seja continuamente Group Psychotherapy. M.Pines (ed.), Londres, Routledge
reforçada pela prática e também pelas teorias & Kegan Paul, 1985, pp. 306-329.
científicas. 48. LAWRENCE, W. Gordon. "A concept for today:
Um dos principais problemas de nossas so- the mangement of oneself in role". Op. cit.

14
RAE

Voltando-se novamente ao tema principal e entre o trabalho e a vida e nem contribuíram para
que diz respeito ao significado, torna-se claro que a melhor compreensão da relação entre os dois.
para o entendimento do papel do trabalho é pre- Entretanto, o que se entende pelo estabeleci-
ciso levantar a questão fundamental da natureza mento de uma relação entre o sentido do trabalho
de uma vida útil. Essa questão vai muito além do e da vida é que o trabalho só pode ter significado,
tema com que se preocupam os teóricos da moti- em seu sentido fundamental, quando for visto
vação e administradores que a isso especialmente não unicamente como uma dimensão da institui-
se dedicam. Quando respondem à pergunta de ção empregadora, mas também como uma parte
como o trabalho pode ser considerado útil, estão da vida individual e coletiva. Como o significado
se preocupando sobretudo com o supérfluo e com só pode ser compreendido além do referencial da
a aparência do trabalho, em lugar da utilidade vida, o significado do trabalho precisa ser qualifi-
psicológica do trabalho em si mesmo. As expli- cado a partir da realidade da finitude humana. Se
cações e modelos que as teorias de motivação aquilo que o escritor Durrenmatt diz faz real-
apresentaram até agora não mudaram a relação mente sentido, isto é, "através da mortalidade vem a

15
o COLABORAÇÃO INTERNACIONAL

humanidade ... a mortalidade faz o humano"", então, começar com o indioiduo e esse indioiduo poderá ser
toma-se óbvio que o reconhecimento da morte qualquer um de nós".
como um fato da vida é pré-requisito para qual- Não é uma aventura fácil. Isso implica conheci-
quer tentativa no sentido da humanização do tra- mento da relação do mundo interior de uma pes-
balho e da vida no trabalho. soa, seus sonhos, esperanças e ansiedades em ter-
Além da relação entre trabalho e vida, a partir mos da realidade exterior e da sua estrutura so-
de uma perspectiva individual e subjetiva, existe cial. Isso também significa reconhecer mais e
ainda uma inter-relação mais abrangente do sen- mais a nossa própria dependência com relação ao
tido, que é freqüentemente desconsiderada. Mar- que está sendo proposto como verdadeiro e signi-
cuse" coloca que ninguém começa um trabalho ficativo e que é sempre confirmado pela nossa
do zero, uma vez que todo o trabalho se baseia aquiescência. Parte dessa dependência também
em trabalhos feitos anteriormente por outros e, será descoberta em nossa própria impotência e no
de certa forma, o mesmo ocorre com relação à vi- vazio que nos impede de enxergar como mentira
da. Qualquer trabalho que se faça depende do aquilo que é comumente assumido como ver-
trabalho já cristalizado e que outt:0s executaram dade. Não pode, pois, haver dúvida de que lia

antes. verdade não se descobre através de provas, mas pela


O fato de a relação holística do Significado do explicação, sendo esta última sempre experimental"> .•
trabalho e da vida poder ser conscientizada ou
não depende não somente do indivíduo, de sua
maturidade e capacidade, mas, de modo mais ABSTRACT: The image of how people function in or-
amplo, de saber se a organização do trabalho na ganizations underlying current theories about motiva-
empresa ou em outras instituições de emprego já tion inside organizations is contradicted by the au-
assimilou essa visão. Apesar do crescente entusi- thor's experience of how people actually behave. This
asmo científico sobre a polêmica do significado na led him to criticise both concept of motivation and its
organização e sua administração", parece-me que theoretically unsatisfactory basis as being contrary to
a maioria de nossas empresas industriais e de ou- reality.The argument in this article uses a metacritical
tras organizações empregatícias ainda não approach, viewing the concept of motivation and rela-
atribuiu a devida seriedade à questão do sentido ted theories as scientific inventions. The author's hy-
do trabalho, seja em suas responsabilidades e es- pothesis is that motivation is a surrogate for meaning
trutura, seja nas atividades do dia a dia", in work and life, something which has desappeared
Como já afirmei antes, minha principal preocu- more and more in modern business concerns as a re-
pação neste ensaio é compreender e elucidar as sult of fragmentation and splitting of work. The search
contínuas tentativas de construir e destruir o sig- for a new interpretation of meaning can only be sue-
nificado em nossas organizações de trabalho con- cessful if social scientists, managers and workers rea-
temporâneas. Identificar aqueles cientistas sociais lize that death is a reality of life: humanization is only
e administradores que inventaram e preservaram possible if human mortality is taken into consideration.
o conceito da motivação e as teorias motivacionais
como sendo os principais agentes destruidores se- KEY TERMS: motivation, splitting, life, mortality,
ria como acusar os fabricantes de armas do imenso humanization, motivational theory, job specialization.
horror da guerra. Uma vez que não admitamos
que aquilo que é descrito como o processo de
fragmentação e divisão fundamental em nosso
mundo exterior, em nossas empresas e sociedade 49. KREUZER, Franz. "Gesprãch mit Friedrich
esteja também sendo continuadamente apoiado e Oürenmatt". In: KREUZER, Franz (org.) Die Welt ais
perpetuado pelos mecanismos do nosso mundo Labyrinth. Die Unsicherhett unserer Wirklichkeit, Wien,
Franz Deuticke, 1982, pp.7-49.
interior, pelas nossas tendências individuais de
discriminar aqueles do topo e aqueles da base, 50. MARCUSE, Herbert. Op. cit.
pela departamentalização de nossas próprias ativi- 51. PETERS, Thomas J. & WATERMAN, Robert H.
dades em pequenos pedaços não relacionados en- Op. cito
tre si e pela negação da finitude de nossas existên-
52. SIEVERS, Burkard. "Participation as a collusive
cias, não podemos esperar realmente algum quarrel over immortality". Op. cit.
avanço no sentido da reconstrução do significado.
Quanto às chances de se superarem essas frag- 53. JUNG, Carl Gustav. The symbolic life. The collec-
.mentações e a necessidade de mudança, CG. ted works of C. G. Jung, voI. 18, Princeton, N. J., Prince-
ton University, 1977.
[ung" deixa bastante claro que "é o indiotduo de per
si que a experimentará e a promoverá; a mudança deve 54. WEIL, Simone. Op. cit.

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