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Prática Perfeita SAMURAI GUITAR

INTRODUÇÃO

A
palavra “prática” desperta em cada um de nós uma grande
variedade de pensamentos e sentimentos. Para alguns, ela lembra

o sofrimento de uma tortura causada pelo confinamento, por horas

a fio, em uma salinha com um livro ou método e um metrônomo. Esse tipo de prática é
mais um castigo que uma experiência musical. Para outros, a palavra lembra uma fuga

da realidade, a única “válvula de escape” dos problemas do dia a dia e a única

possibilidade de se expressar livremente. Para um terceiro grupo — o grupo dos


surtudos —, prática é a oportunidade de entrar em um estado de flow repleto de
satisfação e interesse. A maioria de nós, na verdade, reconhece um pouco de si em
cada uma dessas três descrições.

A prática verdadeiramente produtiva é aquela que engloba tudo o que somos


— corpo, mente e espírito. Ou seja, nossa prática, para ser de fato frutífera, deve atuar

nos níveis físico, intelectual/psicológico e emocional. Em geral, o que vemos por aí é a


preocupação apenas com o primeiro aspecto, o físico. E é por isso que, com tanta
frequência, conforme o tempo passa, a prática de um grande número de guitarristas se

torna mais uma tortura que uma experiência recompensadora.

A ideia desse e-book, assim como de todo o conteúdo disponibilizado pelo


Samurai Guitar, é justamente ajudar você a preencher essa lacuna importante no
cenário didático brasileiro. Ao longo destas poucas páginas, vamos ver que a sessão
de prática não é (ou não precisa ser) um campo de trabalhos forçados. Mais do que
isso, vamos examinar brevemente algumas maneiras pelas quais podemos refinar

essa arte que nos permite desenvolver fluidez, inspiração, paciência, eficiência,

clareza, equilíbrio e, acima de tudo, a crescente satisfação e realização através do


movimento e da autoexpressão. É isso que significa praticar.

Ninguém vai discordar que a razão pela qual praticamos é conseguir fazer
música melhor, seja lá o que você entenda por isso. Mas junto com a alegria de

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SAMURAI GUITAR Prática Perfeita

expandir nossa capacidade de fazer música, com frequência experimentamos tensão

e frustração. E isso ocorre em diferentes níveis. Cada música, assim como cada estilo
musical, apresenta suas dificuldades próprias. Mais do que isso, cada sessão de

prática exibe diferentes desafios: um dia, estamos totalmente confortáveis com nosso

instrumento — nos sentimos confiantes e temos a certeza de que nascemos para


tocá-lo; no outro, estamos rígidos e mais descoordenados do que o Gustavo Lima
tentando tocar Sweet Child o’Mine. Em um minuto, as frases e os solos mais legais

fluem por nossos dedos; no outro, não fazemos ideia de para onde poderia ter ido toda
aquela inspiração.

Prática Perfeita tem como objetivo entregar aos estudantes de guitarra

informação que os ajude tanto a se livrar dessas tensões físicas e psicológicas ao


praticar como a liberar seu talento natural. Vamos fornecer uma espécie de panorama
que integra os princípios básicos do movimento anatômico com o foco nos sons,

sensações, emoções e pensamentos que ocorrem a cada momento. Por que tudo
isso? Porque isso nos permite cultivar o que os samurais chamavam de mushin, ou
mente vazia: uma mente relaxada e clara, aberta para todas as possibilidades a cada

instante e livre de percepções distorcidas por emoções como raiva, ansiedade e medo,
por exemplo. Isso, por sua vez, torna nossos movimentos livres e naturais, o que nos
permite responder da melhor maneira possível às necessidades de cada instante,
além de nos fornecer o cartão de acesso para um mundo de criatividade,

espontaneidade e autenticidade.

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SUMÁRIO

ERROS COMUNS ............................................................................................................ 5


Técnica Ineficiente ..................................................................................................... 5
Uso Ineficiente do Tempo .......................................................................................... 6
Não Ouvir ................................................................................................................... 7
ALONGAMENTO ............................................................................................................. 9
CONCENTRAÇÃO .......................................................................................................... 12
PERSPECTIVA MENTAL ................................................................................................. 15
TÉCNICA EFICIENTE ...................................................................................................... 17
EQUILIBRANDO PLANEJAMENTO E ESPONTANEIDADE ............................................... 23
RECONECTANDO MÃOS E OUVIDOS............................................................................ 25
LIDANDO COM DOR E LESÕES ..................................................................................... 29
LIDANDO COM FRUSTRAÇÕES E CONFLITOS ............................................................... 32
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 34

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ERROS COMUNS

A
cho que é uma boa ideia começar listando os erros de prática mais
comuns que percebo no meio guitarrístico. Ao longo deste e-book,
olharemos em detalhe para cada um deles e, claro, para algumas

alternativas que nos permitem contorná-los.

Técnica Ineficiente

Não adianta, independentemente do estilo musical que tocamos, mais cedo ou


mais tarde todos nós acabamos experimentando frustração. Simplesmente não
conseguimos obter os resultados que quermos, e nem sequer sabemos por quê. Uma
parte imensa dessa frustração toda é causada pelo uso ineficiente do próprio corpo.

A técnica que vai contra os princípios anatômicos do movimento causa tensão


desnecessária, que restringe a expressão musical e consome uma quantidade de
energia maior do que a necessária, indo contra a famosa lei do mínimo esforço.

Conforme a tensão aumenta, quanto mais praticamos, piores ficamos.

Como músicos, nós criamos tensão, basicamente, de três modos:

1- Tocando rápido antes que estejamos prontos


a. Todos nós já ouvimos o “comece devagar e vá aumentando a
velocidade aos poucos”. Mas poucos levam isso realmente a sério.

Pense em sua prática como o treino de um atleta. Ele não chega na

pista e sai correndo o mais rápido que pode. Em vez disso, ele alonga
bastante, depois começa a caminhar e a correr bem devagar, para
realmente ir aquecendo a musculatura aos poucos. Na verdade, ele

provavelmente vai dar seu máximo umas poucas vezes em sua sessão
de treino.

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2- Colocando dinâmicas antes que estejamos prontos

a. Dinâmicas são cada vez mais raras no mundo da guitarra e da música


popular. Em geral, especialmente no cenário do rock, metal, etc., a

única dinâmica presente é o fortíssimo, que por vezes é confundida

com a ideia de “pegada” e “agressividade”. O problema é que esse


efeito soa mal se for obtido através da força muscular, ou seja, se
fazemos mais força para tentar transmitir mais impacto às cordas.

Pergunte a qualquer bom instrutor de artes marciais e ele lhe dirá que o
segredo para um maior impacto não é tanto a força, mas a velocidade

do movimento — e essa energia flui melhor quando o corpo está

relaxado e solto.
3- Forjando energia emocional
a. Esse problema é parecido com o anterior, só que, dessa vez, a questão

se dá no terreno emocional, e não no físico. Novamente, a questão aqui


é “forçar” algo em vez de simplesmente praticar a autenticidade. É
aquela coisa do tipo: “Esse trecho aqui é super-agressivo, então vou
adotar uma postura bem agressiva” ou “Esse solo é bem emotivo, então
vou fazer todas as caras, bocas e gestos para mostrar a todos como eu
tenho feeling”. Fala sério!

Uso Ineficiente do Tempo

Em geral, os professores de guitarra passam exercícios, mas não nos ensinam

como utilizar nosso tempo e nossa prática da melhor maneira. Lembro que, quando
comecei a tocar guitarra, ficava repetindo passagens e exercícios desesperadamente,
aflito para ganhar algum senso de segurança técnica. Eu criava um plano super-rígido

de prática e me matava para cumpri-lo — e, claro, ficava me culpando quando não


conseguia. Toda essa severidade, essa dureza consigo mesmo, destrói a inspiração e

nos atrapalha muito para desenvolver a vivacidade e a espontaneidade necessárias


para que realizemos boas performances (em tudo, não só na guitarra!).

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Uma boa prática musical se refere a arte, não a esporte. Quando mantemos

isso em mente, diminuímos a distância entre prática e performance. A vivacidade e a


espontaneidade de que precisamos para realizar uma apresentação excelente pode e

deve ser cultivada durante as nossas sessões de prática. É claro que fazer exercícios

e aprender novas músicas e técnicas envolve repetição e execução lenta, mas


devemos deixar que as qualidades que experimentaremos na performance permeiem
nossos treinos — afinal de contas, praticamos para tocar ao vivo (seja no palco, seja

no estúdio).

Não Ouvir

Todos nós começamos na música como ouvintes. Lembro da paixão e devoção


com que ouvia música na adolescência. Escutar música era uma atividade em si. Eu

simplesmente parava para ouvir meus álbuns preferidos, e durante as audições eu não
fazia nada além de ouvir. E é assim que deve ser. Contudo, conforme comecei a me
aprofundar na prática da guitarra, a intensidade da minha audição começou a diminuir.

Passei a ficar tão envolvido no ato de produzir som através da minha guitarra que

comecei a esquecer de apreciá-lo. Em vez de relaxar e desfrutar, como faria se


estivesse assistindo a um show, minha única preocupação era tentar conseguir que a

p@r#a da guitarra fizesse o que eu queria!

Quando direcionamos nossa atenção dessa maneira para os resultados que


queremos, abrimos mão do prazer que poderíamos obter no momento. A pior parte
dessa história é que esse é um círculo vicioso: quanto menos satisfação obtemos,

mais tentamos forçar o instrumento a nos dar o que queremos. Então, enrijecemos

nossos músculos, em vez de movimentá-los de maneira simples e confortável. Esse


excesso de tensão impede que a música flua, reduzindo ainda mais nossa capacidade

de resposta ao som e aumentando nossa frustração.

Sem perceber, ficamos tão ansiosos para obter os resultados que queremos
que forçamos nosso corpo e nossa mente a fazer coisas que eles ainda não estão

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prontos para fazer. Superficialmente, esse esforço pode nos fazer sentir bem, pois o

tomamos como prova de nossa dedicação. No longo prazo, porém, seus resultados
são prejudiciais: tendinite, desconforto, técnica viciada, ineficiência.

Você já assistiu a uma performance de um bom pianista concertista? Se não,

eu realmente recomendo que faça isso quando tiver a oportunidade, pois é uma
verdadeira aula para todos os músicos. Em geral, a conduta desses caras é bem
diferente daquela que vemos no pessoal da música “não erudita”, como rock, MPB,

etc. Um grande pianista entra no palco calmamente, senta-se ao piano e reserva um

instante para si mesmo, como se ignorasse a plateia por um momento. É como se ele
desse boas-vindas à oportunidade de fazer música, e tudo isso é feito de modo muito

relaxado. Essa qualidade se espalha para a plateia, que se acomoda em silêncio e se


prepara para receber a música junto com o artista. Então, ele começa a tocar, e,
independentemente do nível de dificuldade da peça, ela parece fácil e viva. Nós, na

plateia, relaxamos, sentimos essa facilidade e nos sentimos mais vivos do que de
costume.

Relaxamento, facilidade e conforto podem ser cultivados através da prática.


Para fazer isso, devemos abrir mão da nossa luta desesperada por resultados e focar

na tarefa à mão, em vez de focar no objetivo final que desejamos atingir. Ou seja, se
estamos estudando, por exemplo, palhetada alternada, apenas focamos nos
movimentos que fazemos, na pressão que os dedos fazem sobre a palheta, no contato

da palheta com as cordas, etc., e em vez de focar obsessivamente em nosso objetivo


final (p.ex., ser mais rápido que o Paul Gilbert [aliás, boa sorte com isso!]). Esse “abrir
mão” cria espaço para que a música ganhe vida, e o nosso trabalho como músicos é
exatamente este: trazer a música à vida, deixar que ela nos envolva física e

mentalmente, e tornar-se um canal aberto que a transmita para as outras pessoas.

Para que possamos dar a música aos outros, primeiro precisamos recebê-la.
Praticar é, de certa forma, treinar esse processo de recebimento, e receber pode ser

muito difícil.

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ALONGAMENTO

P
ara que tenhamos uma performance excelente, é importante que a
gente se sinta bem, confiantes e tranquilos. Se estamos tensos,
rígidos e cansados, ou preocupados ou doentes, a qualidade da

nossa autoexpressão cai drasticamente. É por isso que os profissionais fazem todas
aquelas exigências quanto a camarim, horário da passagem de som, etc. — para
garantir que, na hora do show, estejam relaxados e descansados, em boas condições

para fazer o seu melhor.

Mas nós raramente tomamos esse tipo de cuidado antes de praticar. Em

geral, simplesmente chegamos e pegamos nosso instrumento; saímos tocando direto,


incorporando em nossa forma de tocar todas as tensões que trazemos do dia a dia.

Independentemente do motivo pelo qual fazemos isso (pode ser tanto falta de vontade
quanto excesso de vontade!), a gente não separa um tempo para se acalmar, se
concentrar e só então começar o trabalho.

Nosso corpo, nossa mente e nossas percepções sensoriais são nossos bens
mais preciosos. Se os usamos da maneira apropriada, eles nos servem de modo

adequado. Assim, a prática perfeita começa com três passos que nos preparam para o
trabalho dos pontos de vista físico, mental e emocional.

Uma das melhores maneiras de introduzir esse processo em nossa prática é

iniciarmos cada sessão com alguns alongamentos. O alongamento estimula o

bombeamento de sangue para os músculos, dissolve os nódulos de tensão e dá ao


nosso corpo uma oportunidade para respirar fundo.

Alongar os músculos das costas, do pescoço e dos ombros é particularmente

importante. A parte posterior do corpo (da nuca às panturrilhas, passando pelas costas
e pela bunda) tem uma maior tendência a se enrijecer com as atividades do dia a dia.
É essa musculatura que nos mantém de pé, contra a gravidade, e alongá-la a prepara

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para a tarefa. Além disso, esse alongamento ajuda a relaxar a espinha, o centro

nervoso que distribui os comandos do cérebro para os músculos dos membros e reúne
os nervos sensoriais e motores. Nossa percepção sensorial depende das condições

dos nossos nervos sensoriais, enquanto nossa atividade motora depende do estado

de nossos nervos motores. Ou seja, quanto melhores as condições desses nervos,


melhor a nossa performance na guitarra.

Em vez de descrever aqui os tipos de alongamentos, o que além de chato

seria pouco prático, vou indicar um vídeo para que você possa ver alguns exemplos e

escolher aqueles que parecem melhores para você (sim, algumas posições que a
instrutora faz são meio... estranhas, digamos assim). Claro que esse vídeo é só uma

sugestão, e você pode acrescentar na sua prática os alongamentos de que mais


gosta.

Para ser o mais efetivo possível, o alongamento deve ser feito devagar e ter
uma duração considerável. Alongar muito rápido pode lesionar algum músculo ou

junta. Outra coisa: durante o alongamento, não faça movimentos pulsados (para frente
e para trás, ou esticando e soltando a musculatura alternadamente). Em vez disso,
lentamente estique o músculo, relaxe e respire fundo de 3 a 5 vezes, para permitir que

a musculatura se solte cada vez mais. A cada expiração, solte o músculo cada vez
mais, e observe como isso afeta o seu corpo. Alguns instrutores recomendam contar
até 10 ou até 30 para cada alongamento, mas eu descobri que é mais eficiente contar

as respirações.

Inicie o alongamento quando começar a soltar o ar. Continue respirando e


não force a musculatura além do seu limite natural, que é individual para cada um. Ao
chegar nesse ponto, se sentir algum desconforto, veja se você consegue relaxar ainda

mais, respirando ainda mais fundo e soltando o músculo jjunto com o ar. Se o

desconforto desaparecer conforme você expira, você está no caminho.

Aqui encontramos uma chave para a boa prática, um “segredo” que os


artistas marciais conhecem há milênios: sincronize sua respiração com seus
movimentos. Essa é a chave para o uso eficiente do próprio corpo, para a técnica
perfeita — e isso vale para todas as atividades, não apenas para o ato de tocar

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guitarra. Esse é um princípio muito antigo das artes marciais, e é por isso que sempre

vemos nos filmes de kung fu etc. os caras treinando a respiração e praticando


meditação. Sincronizando nossa respiração com nossas ações, unificamos corpo,

mente e espírito e podemos alinhar e direcionar toda a nossa energia para um ponto.

Ou seja, aumentamos exponencialmente nossa capacidade de foco e concentração, a


chave para a performance de excelência em qualquer atividade.

Por isso, sempre se lembre de observar se está trancando a respiração

durante a prática do instrumento (ou qualquer outra atividade, na verdade). Isso é

fundamental. Para experimentar os efeitos dessa prática, escolha um exercício ou uma


ideia musical bem pequena (p.ex., um compasso) e experimente executá-lo prestando

atenção primeiramente em sua respiração. Nas primeiras tentativas, isso talvez pareça
um pouco estranho, mas, depois de adquirir alguma confiança na prática desse
exercício, note se percebe a diferença no timbre da guitarra.

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CONCENTRAÇÃO

E
u sei que você se inscreveu num canal de guitarra, mas tudo bem se contar
uma história de um grande pianista? Eu realmente acredito que nós

podemos aprender muito com eles. Assista aos primeiros minutos desse

vídeo do Vladimir Horowitz, considerado um dos maiores do século XX e de toda a


história da música. O detalhe dessa performance encontra-se no contexto em que

ocorreu: após décadas de exílio devido ao regime comunista e à Guerra Fria, aos 200

anos de idade, Horowitz voltava à Rússia, sua terra natal, para uns poucos concertos.
Na plateia, estavam parentes que o pianista não via há 61 anos. É possível vê-lo
abanando para os familiares antes de começar o recital (ali pelos 2 minutos de vídeo).
Imagine a carga emocional sobre os ombros do velho, que está evidentemente quase
chorando. Então, prestes a dar início à performance, ele se volta para o piano e
respira, se concentra. Dá pra ver que alguma transformação ocorre em seu interior,

algo muda. Imperturbável como uma fortaleza e deixando toda a comoção de lado,
Horowitz começa uma apresentação excelente, verdadeiramente histórica, na qual não
errou uma nota sequer.

Esse silêncio interior, essa habilidade de permanecer inabalável e de ser e


estar exclusivamente no aqui e agora é o que chamamos de presença. Se você
acompanha as entrevistas do mestre Steve Vai, por exemplo, deve ter notado que
ultimamente ele tem falado cada vez mais sobre isso. Essa estabilidade interior

permite que o artista domine a complexa mistura de emoções (tanto as suas próprias
como as da música) na hora de tocar, em vez de ser atirado de um lado para o outro

por cada uma delas, sem conseguir lidar com a situação. O Steve Vai sabe das coisas.
Se ele está falando sobre isso é porque deve ser importante.

Essa habilidade, como qualquer outra, é treinável. O que nós precisamos é de


um modo confiável, testado e aprovado, que permita que a gente “esvazie a mente” de
todas as perturbações, de maneira que consigamos nos dedicar apenas à tarefa que
temos de realizar. Uma forma bem simples de fazer isso, utilizada pelos guerreiros

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samurais e que pode ser realizada por qualquer um, é a atenção plena à respiração. O

ato de soltar o ar através da expiração é muito relaxante. Em geral, nós não deixamos
nosso corpo expirar até o fim ao longo do dia. Nós interferimos e encurtamos o

processo respiratório, isso quando não trancamos a respiração. Prestar atenção em

cada detalhe da nossa respiração é um excelente modo de aumentarmos nossa


consciência desses hábitos.

Então, antes de começarmos a tocar, nós 1) alongamos e relaxamos, 2)

separamos um instante para nos concentrar e ficar presentes e 3) respiramos fundo,

com atenção, por algum tempo (2 minutos em geral bastam). No Guitar Craft, Robert
Fripp resumia esse momento de concentração da seguinte forma: “Antes de fazer

algo, fazemos nada”. Sim, ele é tipo um Yoda da guitarra.

Em geral, quando “fazemos nada”, nossa mente continua cheia de

pensamentos aleatórios. Quando percebemos que nossos pensamentos sequestraram


nossa atenção, tiramos nosso foco da corrente de ideias e o direcionamos de volta

para os detalhes da respiração (movimentos do abdome, sensações, etc.). Assim, por


algum tempo, a única coisa que ocupa nossa mente é o processo de respirar.

Normalmente, nós ignoramos essa experiência básica, mas ela é, na


verdade, a fundação de tudo. Essa prática nos prepara para o momento da
performance, em que a consciência do ambiente se torna intensa. Quando estamos

prestes a fazer uma apresentação ao vivo, de repente sentimos nosso coração


batendo, os músculos do tórax e das mãos se contraindo, a pele transpirando, etc.

Notamos que nosso sapato está meio desconfortável, que a luz nos incomoda e que
não foi a melhor das ideias colocar uma cueca nova para o show sem testá-la antes
(nada como uma cueca estrangulando nossas bolas para acabar com as chances de

um bom show).

De repente, face a face com a plateia, nos deparamos com uma abertura
impossível de ignorar. A gente se transforma num reator nuclear, que contém uma
energia que está além do nosso controle. Ficamos assustados com tudo isso e
atribuímos tudo ao nervosismo, à insegurança de que as coisas talvez não saiam
como gostaríamos que saíssem, etc. Mas a verdade é que o que realmente nos

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assusta nessa hora é o fato de que estamos mais vivos do que nunca, de que a vida

está pulsando dentro de nós com uma intensidade fora do comum, com a qual não
estamos acostumados. Se praticamos a atenção a essas coisas no dia a dia, a

experiência da performance se torna menos assustadora, porque em vez de estranha,

se torna nossa velha conhecida.

Assim, por mais hippie que essa ideia possa parecer, é uma boa separar um
tempo para apenas respirar e começar nossa prática com a mente limpa. Após fazer

os alongamentos e antes de iniciar o aquecimento, separe um minuto ou dois para

curtir o que está se passando dentro de você e ao seu redor. Veja o tipo de música
que você faz quando se sente confortável em seu próprio corpo e em seu ambiente.

Essa prática, com o tempo, se torna uma parte da sua experiência do dia a
dia. Você se acostuma a ter uma percepção aumentada do ambiente ao seu redor; ao

mesmo tempo, seu corpo fica cada vez mais relaxado, e seu foco cada vez maior. Já
falei mil vezes, mas nunca é demais repetir: a chave é a respiração.

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PERSPECTIVA MENTAL

C
omo descrito antes, a coisa que mais nos perturba quando estamos prestes
a realizar uma performance é a sensação de vulnerabilidade que
experimentamos automaticamente nessa hora. E isso pode acontecer em

diversos tipos de situação, não apenas quando vamos tocar para uma plateia. Por

exemplo, você já teve a experiência de ter uma música na ponta dos dedos quando a
está praticando, mas, na hora de gravá-la em áudio ou vídeo, sua performance ir pelo
ralo? Às vezes, nesses casos, nada mudou, a não ser o fato de que, agora, estamos

sendo gravados. A única coisa que mudou foi a nossa perspectiva mental: antes não
era nada; agora, de repente, é muito importante.

Em geral, a gente leva tudo muito a sério, como se fossemos sair vivos deste
mundo. Mas nada importa tanto assim. Você já ouviu falar em Miyamoto Musashi? Ele
foi o maior samurai de todos os tempos e, em seu livro, Livro dos Cinco Anéis, no qual
reuniu toda a sabedoria que havia acumulado ao longo de sua vida, ele ensina que o

verdadeiro guerreiro tem sempre diante de si a sua morte. Isto é, seja lá o que for
fazer, lembre-se sempre que seu tempo é limitado e que sua vida vai acabar. Sabendo
que um dia vai morrer, o que você faria? Manter esse pensamento em nossa mente
pode nos ajudar a fazer as coisas da perspectiva mental correta. Se você é fã de

filosofia, a ideia do eterno retorno, de Nietzsche, também pode ser útil: se cada
instante da sua vida fosse se repetir eternamente, como você preferiria agir?

Outro problema bem comum é o fato de que, em geral, abordamos nossa

prática de maneira casual (ao contrário da performance, que tomamos de modo


formal). A gente pensa: que diferença faz se pratico no meu sofá, na frente da TV ou
do computador, com os pés cruzados sobre a mesa, etc.? A resposta a essa pergunta
é: toda a diferença! Última citação do Musashi por hoje (não prometo nada...): “Você

só pode lutar da maneira como pratica”. Em cada sessão de treino, estamos


estabelecendo e reforçando sinapses com relação ao ato de tocar guitarra; por isso,
associar a TV, o computador, o sofá ou os pés sobre a mesa ao nosso modo de tocar

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é um tiro no pé (a menos que você consiga dar um jeito de tê-los no palco, à sua

disposição, na hora da performance!).

Isso me lembra a primeira (e uma das mais importantes) lições que aprendi
com Robert Fripp. Ele disse: “A maneira como um homem faz uma coisa é a maneira

como ele faz todas as coisas”. Isso é muito profundo. Significa que a excelência é um
hábito, como ensinava Aristóteles. Se nossa sala de prática é uma bagunça, por
exemplo, é provável que nossa mente, nossa técnica e nossa performance também

sejam meio bagunçadas.

Claro que isso não significa que a gente precisa desenvolver uma disciplina

militar, nem que nossa sala de prática deve estar sempre pronta para receber a rainha
da Inglaterra. Basta manter o espaço limpo o suficiente para que seja confortável
permanecer nele pelo tempo necessário. O que importa não é o que a gente tem, mas

o que a gente faz com aquilo que tem. É aquilo que você faz com o que tem que faz a
diferença na sua vida.

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TÉCNICA EFICIENTE

E
m primeiro lugar, o mais importante aqui é lembrar que os detalhes para
atingir a liberdade na mecânica da sua técnica exigem a atenção pessoal de

um instrutor qualificado. Dito isso, existem algumas coisas que você pode

observar sozinho.

Se não usamos nosso corpo de modo eficiente, a música que produzimos


será, no máximo, uma fração daquela que poderíamos produzir. E o maior obstáculo

para que a gente consiga fazer uso eficiente do corpo são os nossos hábitos.

Quando nossos hábitos estão muito enraizados, nós perdemos a consciência

daquilo que estamos fazendo, ou seja, fazemos as coisas sem pensar. Nossa
percepção cinética, isto é, nossa percepção do posicionamento e dos movimentos do
nosso próprio corpo, se adapta aos nossos hábitos e os define como nosso parâmetro
de “certo”. Essa consciência corporal é especialmente difícil para os músicos, por
causa da grande quantidade de processamento cerebral que o ato de tocar exige.
Toda a nossa energia é focada para esse ato, sobrando pouca atenção para que a

gente dedique à mecânica da execução. A maneira como reagimos a toda essa


percepção é crucial para que a gente atinja o máximo de eficiência.

É bem comum que a gente confunda ser emocionalmente intenso com ser
fisicamente tenso. Poder e expressividade intensos não são fruto da sobrecarga do
mecanismo fisiológico que produz o som, mas da liberação desse mecanismo para
que ele trabalhe com seu melhor rendimento e máximo de eficiência.

Para fazer música, nosso corpo não pode estar nem muito tenso nem muito

solto. Nossos músculos, assim como nossas cordas, não podem estar nem muito
esticados nem muito soltos, mas estabilizados em um ponto ideal. A maioria de nós,

contudo, é muito tenso. Isso significa que, para a maioria de nós, a maior parte do
trabalho que precisa ser realizado envolve mais “deixar de fazer” coisas do que “fazer”
coisas. Nós precisamos remover aqueles hábitos que estão no nosso caminho, nos

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impedindo de obter nosso máximo rendimento. A capacidade de resistir à força do

hábito exige uma prática constante. Porém, ela é a essência do treino de técnica.

Quando nos movemos de maneira relaxada e confortável, damos aos


músculos tempo o suficiente para que eles descansem entre as contrações. Nós

também variamos o padrão de movimentos, de maneira que evitamos fatigar um


determinado grupo muscular. Como disse o grande Chaplin: “Homem é o que sois!”.
Nós não nos comportamos como máquinas. A repetição excessiva e o excesso de

contração fazem as fibras musculares perderem sua elasticidade, e é mais fácil que

esse processo de lesão ocorra com músculos pequenos, como os que usamos para
tocar guitarra. Por isso, é muito melhor para a gente, no longo prazo, aprender a ouvir

nosso próprio corpo e atender suas exigências. Observamos nossos músculos e


juntas e, na medida de nossa capacidade, permitimos que relaxem.

Eu sei que, para muitos, falar isso será como falar com as paredes, mas eu
vou dizer de qualquer jeito: não toque mais rápido do que você realmente pode. Dito

de outro modo: não force seu corpo a fazer algo. Se não consegue executar sem
esforço, muito, mas muito provavelmente mesmo, sua técnica está errada, e insistir
por esse caminho vai causar vícios cada vez mais difíceis de serem superados no

futuro.

Basicamente, o treino de técnica eficiente funciona assim:

1- Observamos com muita atenção nosso corpo enquanto tocamos.

2- Localizamos pontos de tensão muscular.


3- Paramos e permitimos que esses músculos relaxem.

4- Tocamos novamente, observando com muita atenção para garantir que aquela

tensão não retorne.


5- Repetimos diversas vezes, sempre praticando desse modo solto e livre, até

que isso se torne nosso hábito predominante.

Os músicos, como todos os indivíduos, apresentam diferenças únicas em


seus corpos que exigem adaptações na técnica. Dito isso, também é preciso frisar que

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existem princípios básicos que se aplicam a todos. Ossos são ossos, músculos são

músculos. Eles funcionam de uma forma determinada e já conhecida.

Eu sempre digo que técnica é postura e movimento. Técnica é postura: é a


posição dos músculos na hora que soamos uma única nota, equilibrando o mínimo de

tensão necessária com o máximo de relaxamento possível. Técnica é também o


movimento que ocorre entre as posturas.

E no quesito postura, nós, guitarristas, somos péssimos (não se preocupe,


vou resistir ao impulso e não falarei nada sobre pianistas...). Não é raro ver guitarristas

adotando posturas extremas na hora de tocar, se curvando sobre o instrumento,

levantando ombros até as orelhas e fazendo mais caretas que um cão basset correndo
em câmera lenta. Vemos isso tanto que já achamos absolutamente normal, mas, para
ter uma ideia da bizarrice que é isso, a próxima vez que você ver um guitarrista

tocando assim, imagine-o exatamente igual, fazendo as mesmas coisas que está
fazendo, só que sem a guitarra. Eu sempre faço isso. Sim, eu me divirto à custa dos

outros.

Em geral, nós não gostamos de questionar ou mudar nossos hábitos por

medo de perder nossos incríveis poderes artísticos. Mas a verdade é que essas
posturas caóticas não servem aos nossos melhores interesses, nem pessoais nem
musicais. Já uma boa postura permite que os músculos dos membros e da respiração

permaneçam livres e flexíveis. Quando a espinha está estável, ela funciona como o
tronco de uma árvore: os braços, as mãos e a cabeça se movem livremente, sem

interferir no equilíbrio do restante do corpo.

A maior parte dos músicos tem esse hábito de se esticar em direção ao seu

instrumento de algum jeito, em vez de encontrar uma postura confortável e deixar seus
braços e mãos fazerem o trabalho. Sempre traga a guitarra até você, e nunca

comprometa a eficiência do equilíbrio do corpo para ir até o instrumento.

Quando tocamos guitarra, nossos braços (incluindo as mãos) funcionam ao


mesmo tempo como um sistema de alavancas e como condutores de energia. Eles
carregam a carga emocional e física do nosso centro até o instrumento. Por isso, se

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quisermos obter eficiência expressiva e técnica, o caminho que vai das nossas costas

até as pontas dos dedos precisa estar livre de tensão desnecessária. Pescoço,
ombros, cotovelos e punhos devem estar posicionados de maneira eficiente e soltos o

bastante para que a energia flua livremente através deles. Observar a maneira como

você habitualmente contrai essas regiões ao longo do dia vai ajudá-lo muito a soltar a
tensão nelas, e isso terá reflexo direto na sua técnica.

Outro problema muito comum é a nossa tendência a abaixar o pescoço para

conseguir olhar para as mãos. Uma vez que a nossa espinha continua até a base do

crânio, esse abaixar do pescoço altera o alinhamento de toda a coluna, o que cria
tensão no pescoço e nos ombros que, por sua vez, viaja até os braços. Faça o

seguinte exercício de tempos em tempos: toque bem devagar um pedaço de uma


música, mantendo esse senso de conexão ligando os músculos das costas até as
pontas dos dedos, e observe como essa conexão altera sua execução.

Os guitarristas também tendem a deixar de tirar o máximo de proveito da

mobilidade das escápulas, em geral porque estão com os ombros (sobretudo o direito,
se você tocar como destro) levantados. A tensão na mandíbula também é muito
comum, com lábios e dentes pressionados uns contra os outros, e a língua,

desesperada, tentando separar essa briga à força. Por isso, durante sua prática,
sempre escaneie o seu corpo, da cabeça aos pés, e solte qualquer tensão que você
perceba nos músculos. Lembre-se que você é tridimensional, e lembre-se também de

respirar fundo.

Outra coisa que vale a pena destacar é que a postura é dinâmica, não
estática. Ou seja, esforçar-se para ficar imóvel não vai ajudar em nada; muito pelo
contrário, provavelmente resultará em mais tensão muscular. Movimentos sutis, como

os da respiração, ocorrem constantemente, mesmo quando estamos parados. Isso

acontece porque estamos vivos! Portanto, é contraproducente tentar se manter numa


postura rígida. Em vez disso, precisamos permanecer flexíveis e soltos, de modo a

conseguir responder com facilidade ao que a música e a guitarra venham a exigir de


nós a cada momento.

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A tensão mínima ao tocar, a famosa “lei do mínimo esforço” ou o célebre

“tocar do modo mais relaxado possível”, na prática, significa:

1) eliminar todas as contrações musculares desnecessárias,

2) parar de fazer as contrações necessárias assim que possível e

3) soltar o peso sobre todos os apoios, o que inclui o chão, a cadeira e a


própria guitarra.

Já para encontrar a tensão mínima das mãos, você pode fazer o seguinte:

estique seu antebraço, sem dobrar a articulação do punho em nenhuma direção em


particular e, com os dedos soltos, vire a palma para cima. A curvatura natural que sua
mão assume nessa posição é a postura básica que você deve adotar na hora de tocar.

Lembre-se sempre que seus dedos não têm em si uma musculatura própria.

Na verdade, todos os músculos que controlam os dedos estão no resto da mão e,

sobretudo, nos antebraços. Assim, ao contrário do que a maioria acredita, na verdade,


idealmente, tocamos guitarra mais com os punhos do que com os dedos, apesar de
serem os dedos que fazem contato direto com o instrumento. O punho funciona como
uma espécie de ponte dinâmica, que permite que a energia flua entre os dedos e o
antebraço.

Outro erro muito comum na técnica guitarrística é a pressão excessiva sobre

as cordas. Se os dedos da mão do braço estão muito contraídos, eles perdem a

sensibilidade. Observe com bastante cuidado qual é o mínimo de pressão necessária


para que as notas soem, e não deixe que uma mão influencie a outra (eu sei, eu sei...
falar é fácil). Existem exercícios muito simples que podem nos ajudar muito nisso.

A chave, como quase sempre, está na atenção: aprender a soltar a tensão é


uma atividade mental, não física. Uma vez que um músculo esteja tensionado, o único

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modo de soltá-lo é permitir que ele se solte. Nós não conseguimos soltar um músculo

contraído fazendo força!

Para reprogramar seus hábitos no que se refere à técnica, cada movimento,


por menor que seja, precisa ser feito com o máximo de atenção possível. O segredo é

tocar devagar, prestando atenção em um único movimento por vez, sem antecipar o
próximo. Com o tempo de prática, o novo jeito de se mover exige cada vez menos
esforço consciente para ser mantido, até que, por fim, se torna automático: um novo

hábito, mais eficiente que o antigo, substitui o anterior.

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EQUILIBRANDO PLANEJAMENTO E ESPONTANEIDADE

U
ma informação bastante difundida, que eu tenho certeza que todos vocês já
ouviram, é a importância da disciplina e do planejamento em nossas

sessões de prática. Isso é verdade, mas também é uma ótima maneira de

tornar nossos treinos um verdadeiro porre (só que sem a parte divertida). Já uma coisa
sobre a qual quase ninguém fala, mas igualmente importante, é espontaneidade.

Espontaneidade é um conceito complicado. É diferente de impulsividade.

Impulsividade vem dos nossos hábitos, os quais, em geral, não são muito bons. Já a
espontaneidade seria a liberdade de não seguir cada impulso que temos. Temos muito
impulsos que, se seguíssemos, nos causariam problemas em praticamente qualquer

lugar que fossemos. Assim como fizemos com relação à técnica, ao observar impulsos
prejudiciais e não ceder a eles nós criamos espaço para que um novo impulso,
criativo, surja no lugar do habitual. Como quase sempre é o caso, o segredo está mais

em deixar de fazer algo que já fazemos do que em fazer algo novo.

Uma maneira de cultivar a espontaneidade é prestar atenção no que

queremos praticar e trabalhar de um modo que seja interessante para nós. A prática
também pode progredir sem um plano rígido. Mais do que isso, se um de seus

objetivos é se tornar um performer espontâneo, é pouco provável que você chegue lá


caso se restrinja várias horas por dia, praticamente todos os dias, durante anos.

Mas isso também não significa que você pode sair fazendo tudo de qualquer
jeito, nem que organização não é necessária. Significa apenas que sua disciplina deve

ser divertida para você, do contrário não funcionará. Uma disciplina maçante é como
uma dieta muito radical: apenas uma questão de tempo até você desistir.

Você também não precisa fazer as coisas sempre na mesma ordem, nem é

obrigado a continuar de onde parou no dia anterior. O importante aqui é seguir a sua
curiosidade. Ao seguir seu interesse, você honra a sua inteligência. Sempre siga a sua
curiosidade e a sua intuição, pois elas te levarão a uma jornada criativa. Você não vai

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realmente aprender a praticar se não arriscar de vez em quando para ver o que

acontece.

Pra finalizar esta seção, gostaria de fazer dois comentários breves sobre
escalas, exercícios, etc. e sobre o uso do metrônomo.

Se você pratica escalas e arpejos direto, ou se, assim como eu, gosta de

fazer exercícios, pratique-os de forma musical. Mude as dinâmicas, e varie também os

fraseados e os ritmos. Mais importante que qualquer outra coisa: escute cada nota
daquilo que está tocando.

Quanto ao metrônomo: contanto que ele incremente sua curiosidade e o

ajude a compreender como manter-se consistente, ótimo: você está cultivando sua
conexão com a música. Mas quando perde contato com a satisfação de tocar e se
aprisiona na tentativa de imitar uma máquina, aí você está trabalhando contra você
mesmo. A aflição se alimenta de si mesma, e o prazer desaparece antes que a gente

perceba. Por isso, preste muita atenção nessa distinção. Experimente e encontre por
si próprio onde está a linha divisória entre uma coisa e a outra. A palavra-chave aqui é

sinceridade — não para com os outros, mas para consigo mesmo.

O ritmo humano é flexível, não mecânico. Ele respira. O pulso humano não é
rígido: ele flutua. Nós encontramos nosso ritmo natural quando estamos confortáveis
fisicamente, relaxados mentalmente e abertos emocionalmente. Daí a importância,

mais uma vez, de se acomodar por um instante e apenas respirar por um tempo antes

de começarmos a prática.

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RECONECTANDO MÃOS E OUVIDOS

É
muito fácil para nós perder a conexão vital entre nossas mãos e nossos
ouvidos. Meus alunos com frequência me escutam dizer a frase: “Música é

uma arte feita com apenas dois sentidos, a audição e o tato”. Mas infelizmente

não é raro que esses dois sejam substituídos pela visão. Duas maneiras de recuperar
essa conexão perdida são: 1) cantar em voz alta tudo o que você toca e 2) tocar de

olhos vendados. Se você canta como eu, é provável que também prefira a segunda

estratégia.

Ao praticar dessa forma, nós abrimos nossos ouvidos e introjetamos todos os


sons em nosso sistema. Por causa disso, todos eles assumem uma ordem natural em

nossa mente, e aquela frase com qual estávamos lutando, de repente, se torna mais
simples e clara. Além disso, liberamos toda a “memória RAM” que o córtex visual
estava consumindo, o que libera mais “processamento cerebral” para outros sentidos,

como o tato, que se tornam mais presentes em nossa atenção, aumentando nossas
outras modalidades de percepção.

Conforme nossa percepção se torna mais precisa, nosso cérebro transmite


um sinal mais claro para os músculos responsáveis pelo ato de tocar, de modo que

nossas mãos se tornam mais coordenadas. A execução se torna mais confortável e


fácil, tanto do ponto de vista físico quanto mental. A primeira vez que experimentamos
essa ausência de esforço pode ser verdadeiramente chocante.

Como se tudo isso já não fosse o bastante, essa estratégia nos reconecta

com o que temos de mais fundamental em nossa relação com a música. Nossa
primeiríssima e mais importante tarefa como músicos é ouvir. Quando praticamos ou

ouvimos música de olhos vendados, somos mais “todo ouvidos”, por assim dizer. A
questão aqui não é pensar, raciocinar, refletir ou analisar o que estamos ouvindo, mas
apenas ouvir, apenas perceber os sons como eles são. A questão é fruir os sons,
prestando atenção nas vibrações, nos sentimentos e nas formas que acarretam.

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Isso também nos permite descobrir com mais facilidade a unidade orgânica

por trás de cada composição, porque desenvolvemos uma maior percepção da


energia e da direção do ritmo de cada grupo de notas, reconhecendo com clareza

quais estão em primeiro plano e quais estão no segundo. Se nosso objetivo é fazer

uma música mais enérgica, do tipo para dançar ou bater cabeça, essa maior vitalidade
rítmica é essencial, e, para obtê-la, precisamos cultivar os atos de render-se à
experiência da qualidade viva das formas musicais e permitir que ela nos tome por

inteiro.

Além disso, escutar música em grupos de notas, frases e texturas coerentes


torna muito mais fácil a missão de cantar ou tocar. Você provavelmente vai

experimentar, como a maioria de nós, que, organizando as notas de maneira mais


inteligente, grande parte das dificuldades técnicas desaparece. A música flui com
maior facilidade através do corpo quando flui de modo mais coerente na mente.

Essa organização das notas também desenvolve a direção do ritmo, ou seja,

a sensação de continuidade ao longo da música, em que cada parte dela — cada


pulso, cada compasso e cada seção — “chama a seguinte” e “resolve a anterior”. Com
isso, descobrimos uma maior unidade nas peças, que deixam de ser apenas um

aglomerado de partes. Para cultivar essa habilidade, assim como fizemos no quesito
técnica, não precisamos trabalhar com estruturas grandes, como uma música inteira,
por exemplo. Cada vez que articulamos um elemento pequeno, derramamos um

pouco de luz sobre o trabalho inteiro, que revela um pouquinho mais de seu brilho. A
qualidade se espalha. Por isso no Samurai Guitar focamos tanto na qualidade, e
também por isso você não precisa ter receio de começar com algo pequeno. Por
menor que seja nossa ação, que seja uma ação de qualidade.

Um grande senso rítmico surge naturalmente de um corpo que se sente livre

para se mover. Isso talvez explique o swing do Michael Jackson. Ainda que,
provavelmente, nunca venhamos a aprender como fazer o moonwalk, podemos

desenvolver nosso senso rítmico nos movimentando em sintonia com os ritmos da


música. Isso pode ser feito de diversas formas, como, por exemplo, 1) batendo o pé ou
movendo a cabeça na batida do som ou 2) coordenando os movimentos pélvicos com

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o ritmo da música que faz a trilha sonora quando você está transando. Se você é

como eu, novamente, é provável que também escolha a segunda prática. Caso
pertença ao grupo dos forever alone, você pode sempre... usar a primeira opção. (O

que você achou que eu iria dizer?)

Piadinhas à parte, o que importa é envolver nosso corpo inteiro no impulso de


fazer música, tornando a experiência de tocar uma experiência física, sensorial, e não
apenas intelectual. É muito comum que, na luta por executar nossos arpejos, escalas,

exercícios, etc., a gente perca contato com a pele que toca nas cordas e na palheta e,

portanto, com a energia que flui através do corpo enquanto tocamos.

A maioria das pessoas hoje em dia vive presa dentro de suas cabeças, sem
nenhum contato com a experiência do próprio corpo, e isso é grave, em especial se
essas pessoas querem atingir a excelência na performance de uma atividade como

tocar guitarra. Também nesse caso, tirar temporariamente a visão do nosso caminho
enquanto tocamos pode ser uma boa maneira de facilitar o processo de reconexão.

Com o mundo da visão indisponível, o universo sensorial dentro do nosso corpo passa
a se tornar mais familiar, e isso tem grande impacto em nossa prática e em nossas
vidas (vou ser o mais eufemista possível: nossas namoradas agradecem!).

O guitarrista que depende dos olhos para tocar é como o dançarino que
depende de marcações no chão para saber onde pôr o pé. Ele se move com hesitação

e imprecisão, em vez de com fluidez e facilidade. O movimento confiante e eficiente só


pode ocorrer se o corpo todo sabe quais passos deve dar, de modo que está livre para

dançar sem ter que ficar cuidando cada local que os pés devem tocar. Se os olhos
fazem alguma coisa pelo músico, é roubar-lhe a audição, porque mais energia é
desperdiçada em rastrear a posição dos seus dedos.

Nos guitarristas que experimentam essa dependência dos olhos, é muito

comum que sua percepção cinética se perca. Para reequilibrar esses hábitos na
prática, foque mais nas sensações envolvidas no toque, e use a visão apenas para
checar se essas sensações estão de acordo com o que você deseja. Você não pode
depender dos seus olhos para tocar. Em vez disso, sua visão deve ser como um
amigo que, com um tapinha no seu ombro, apenas confirma: “Você está certo!”.

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Focar sua atenção nas sensações dentro de suas mãos aumenta a

percepção de seus movimentos e, portanto, sua capacidade de controlá-los. Permite


que você os realize com mais sensibilidade e precisão. À medida que seus dedos

aprendem a localização exata de cada corda e cada casa, seus braços passam a

seguir suas mãos e trazem o corpo inteiro para dentro desse movimento, que se torna
natural e fluido. Além das maiores facilidade e segurança técnica, ganhamos com isso
um maior prazer físico que vem junto com a consciência aumentada das sensações, e

permitimos que a música flua de modo mais direto e espontâneo. Acredito que pouca
coisa estimule mais a prática do que experimentar um prazer sensorial no ato de tocar

guitarra. Será que é isso que significa “fazer amor com o instrumento”?

Uma última vantagem que gostaria de destacar para a prática de olhos


vendados é o aumento na precisão que resulta desse processo. No começo, sem ver
nada, é claro que provavelmente você cometerá bastantes erros, especialmente se

toda a sua precisão era dependente da visão. Porém, com o tempo, você vai perceber
o salto brutal na sua acurácia. Isso acontece porque a sua memória muscular, e não
sua visão, vai associar os intervalos entre as notas aos respectivos movimentos

necessários para produzi-los. E isso é tudo o que você precisa para transferir suas
ideias musicais da sua cabeça para a guitarra!

Lembre-se sempre disso: enquanto você não desenvolver essa sensação tátil
de onde estão as cordas e as casas do braço, você não conseguirá tocar sem olhar; e

enquanto não conseguir tocar sem olhar, sua técnica não será confiável, mas vacilante
e insegura. Eu garanto que vale a pena dedicar-se a essa prática. Experimente e
depois me conte.

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LIDANDO COM DOR E LESÕES

A
dor é uma indicação do organismo de que estamos 1) usando em
demasia um determinado grupo muscular, 2) usando os músculos

errados ou 3) fazendo força em excesso. Ou seja, é um sinal de que

devemos relaxar e desacelerar.

Tocar um instrumento musical exige precisão extrema. Um dedo que se move


3 mm a mais na direção errada é o suficiente para que um erro seja cometido. Esse

medo de não ser perfeito pode nos levar a praticar em excesso e a praticar sob
pressão, sem nenhuma satisfação. Além disso, especialmente no caso da guitarra, a
arte está se tornando um esporte competitivo, no qual ganha o instrumentista que fizer

mais em menos tempo, a despeito de qualquer significado artístico. Esse


perfeccionismo intenso e essa competitividade babaca com frequência levam os
músicos a desenvolver tensões musculares (e também psicológicas) verdadeiramente

incapacitantes.

Praticar desse modo indica falta de confiança em nossas próprias habilidades

e na nossa própria mensagem. Temos medo que, se nos permitirmos relaxar e


trabalhar com naturalidade e conforto, não seremos bons o bastante e não

conseguiremos tanto resultado quanto nossos “concorrentes”. Então, nós nos


pressionamos, nos forçamos e nos machucamos. Ao fazer isso, perdemos contato
com nosso ativo artístico mais valioso: a disposição para se expor, de modo genuíno e
espontâneo, e se comunicar com sinceridade.

Baixar a guarda e mostrar-se vulnerável desse jeito é sempre arriscado.


Nunca sabemos o que vai acontecer, e, sim, tudo pode dar errado. Não temos como

controlar o que vai acontecer. Ao mesmo tempo, é absolutamente revigorante, pois


essa experiência, mesmo que meio desconfortável no começo, nos desperta para o
momento presente. Nós não conseguimos nos expressar de modo autêntico quando
estamos preocupados demais em não cometer nenhum erro. Precisamos estar

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dispostos a eventualmente tropeçar nas nossas palavras se quisermos nos comunicar

de modo espontâneo, e na música é exatamente a mesma coisa. Para que a gente


consiga se expressar com liberdade, é preciso abandonar nossos idealismos.

O valor da nossa prática depende de nosso estado mental. Se vamos tocar

algo que não achamos interessante, como, por exemplo, um exercício de técnica,
então essa prática dificilmente nos será útil. Forçar os músculos não é apenas
desnecessário, é prejudicial. Tenha sempre isto em mente: força muscular não é tão

importante quanto boa coordenação. Miyamoto Musashi, mais uma vez, resumiu esse

princípio em seu Livro dos Cinco Anéis: “entre a força e a técnica, vence a técnica”.

Além disso, velocidade é diferente de pressa. Procure no YouTube algum


vídeo do grande pianista Arthur Rubinstein tocando, como, por exemplo, este aqui. Por
mais difícil que seja a peça, ele está sempre totalmente confortável; as notas fluem de

seus dedos com facilidade, uma após a outra, e, por mais veloz que a frase seja,
existe sempre uma sensação de tremenda liberdade e relaxamento. Isso é um mestre

em ação.

A chave para essa fluidez é praticar devagar e com leveza, observando

sempre a qualidade do movimento, e não o recorde mundial de notas por segundo.


Isso não significa limitar-se, muito pelo contrário: além de permitir avançar de maneira
consistente e saudável, nos ajuda muito na recuperação de eventuais lesões por

esforço repetitivo. Se você sente os músculos de suas mãos cansados após a sessão
de prática, é provável que esteja cometendo algum desses excessos. Respire, relaxe

e diminua a marcha (e também a pressão sobre as cordas e a palheta!)

O segredo aqui é equilíbrio, ou “esforço relaxado”: nem muito rígido, nem

muito solto; nem tenso nem preguiçoso, mas algo entre esses extremos. Como diria o
mestre Bruce Lee: “Nem tenso nem solto, mas em prontidão”. Algum esforço é

necessário para mover nossos músculos (e nossa mente), mas ele pode ser feito de
modo natural e confortável. Você pode soltar o peso, em vez de se esforçar para
carregá-lo.

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Esforçar-se em excesso não é de todo ruim, é apenas desnecessário. Digo

isso porque, se estamos nos esforçando tanto para tocar bem e melhor, é porque a
música é importante para nós, assim como nossa vontade de nos expressarmos como

artistas e como pessoas. Esse sentimento e esse desejo são saudáveis, apenas

podem estar sendo canalizados de uma maneira que não é a mais efetiva.

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LIDANDO COM FRUSTRAÇÕES E CONFLITOS

O
s músicos exibem basicamente três tipos de conflitos psicológicos, e todos
eles se manifestam na nossa prática porque são parte do nosso

comportamento no dia a dia. São três modos pelos quais erramos o alvo

com relação a nossas ações, palavras e pensamentos. Mais uma vez, estamos
lidando aqui com hábitos, que são como doses de anestésicos que vão nublando e

sufocando nosso sentimento e inteligência musical. Os três tipos são os seguintes:

(1) Paixão exacerbada. Esse é aquele tipo que em geral se manifesta por meio de
caretas exageradas e toda sorte de afetação para mostrar coisas como “Olha
como eu sinto a música”, “Olha como eu tenho feeling”, “Agora é aquela nota!

Todos vocês, vejam! Aí vem ela!”. O motivo por trás desse tipo é a tentativa de
possuir a música, em vez de genuinamente se abrir para ela e servir de canal
para que ela se expresse. Além disso, a tensão excessiva no rosto, boca,

pescoço e ombros, como já vimos, causa uma série de dificuldades técnicas. É


importante treinar-se para perceber todas as alterações que ocasionamos em
nós mesmos quando estamos empolgados e tomados de paixão (sim, isso vale

para outras coisas também!).


(2) Evitativo. Esse tipo se caracteriza pela fuga. A procrastinação talvez seja a
manifestação mais comum desse tipo de conflito. A procrastinação é uma das
limitações mais traiçoeiras que existem, porque, a princípio, tudo parece ok.

Nós deixamos de fazer algo que deveríamos ter feito, mas nenhuma tragédia
ocorre. Então — qual o problema? — nós repetimos essa falha. Sabe a que

isso nos leva no longo prazo? Desastre total.


(3) Agressivo. Esse tipo se manifesta como raiva e atitudes de agressividade em

relação à música. Com frequência, nossa agressividade vem à tona em trechos


nos quais nos sentimos tecnicamente inseguros. Consciente ou
inconscientemente, nós pensamos “lá vem aquela parte difícil”. Em reação a
essa ideia, contraímos a mandíbula (e os ombros, e as costas...) e assumimos

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SAMURAI GUITAR Prática Perfeita

uma postura na qual nenhuma música pode ser executada com perfeição

(muito menos o tal trecho difícil!).

Quando você se flagrar operando a partir de um desses tipos


comportamentais, encare-o apenas como um sinal de que não somos perfeitos.

Grande coisa. Nossos hábitos são antigos, e não vão desaparecer da noite pro dia.
Por isso, martirizar-se toda vez que notamos que estamos exagerando, fugindo ou
espancando nosso instrumento apenas causaria mais frustração. Muito melhor que

isso é aprender a olhar para nossa crueza com senso de humor.

Inevitavelmente, esses hábitos vão ficar retornando. Como já dissemos, eles

são antigos e estão profundamente enraizados no nosso modo de fazer as coisas.


Porém, ao reconhecê-los e vê-los com humor, afrouxamos suas amarras sobre nós e
cultivamos a inteligência e a liberdade necessárias para que façamos música de modo

autêntico. E rir disso tudo torna o fardo muito mais leve.

Às vezes, por exemplo, percebemos que estamos sentindo ansiedade por


não saber como atingir nossos objetivos, por não termos todas as respostas. Uma boa

estratégia, nesses casos, é observar a ansiedade, senti-la mesmo, com toda atenção,

sem correr para tentar outra abordagem, sem lutar com o que está acontecendo.

Quando praticamos o “fazer nada” e apenas deixamos a energia da raiva (ou


qualquer outro sentimento) fluir através de nós, independentemente de quão

desconfortável seja, aumentamos nossa capacidade de sentir (sim, nosso feeling!), e

isso nos aprimora como músicos e artistas, para não dizer como seres humanos. Não
fuja nem dos seus sentimentos nem da oportunidade de observá-los e experimentá-

los, pois isso só irá ajudá-lo a se comunicar com os outros através da sua música.

Seja um alquimista e transforme qualquer coisa em ouro: use tudo como material de
base para sua criação e expressão artística.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

P
raticar, trocando em miúdos, significa focar-se em uma coisa a cada
momento e, gradualmente, expandir nossa atenção para a nossa

experiência como um todo. Não limite seu treino a apenas pensar em notas.

Em vez disso, observe a sensação de tocá-las, a sensação de cada frase e de cada


movimento, e absorva seu conteúdo emocional — tudo num único ato.

Não existe, ou não deveria existir, separação entre o guitarrista, o músico e o

ser humano. Essa é uma ideia central no Samurai Guitar. Somos um só. O fato é que,
quanto mais a gente cultivar, em atividades não musicais, os hábitos de respirar fundo,
de prestar atenção e de se mover de maneira eficiente, etc., mais esses hábitos vão

“contaminar” nossa prática do instrumento. Quando nos livramos das tensões físicas e
psicológicas, todo nosso potencial expressivo se manifesta sozinho. Às vezes a gente
pensa que precisa se esforçar para desenvolvê-lo, mas a verdade é que não

precisamos conquistá-lo, só precisamos redescobri-lo. Ele já está em nós. Por isso,


em vez de forçar nossos corpos e mentes numa tentativa de controlar a guitarra,
focamos nossa atenção naquilo que estamos experimentando a cada instante;

confiamos na nossa musicalidade e em nós mesmos; e nos permitimos ser


espontâneos. Quando baixamos a guarda e nos permitimos ser nós mesmos,
revelamos o que há de mais humano em nós e estabelecemos uma conexão muito
mais profunda e sólida com os outros, seja no palco, seja fora dele. Em um mundo

artificial como este em que vivemos, tamanha autenticidade é revigorante — e


absolutamente necessária. Por favor, não nos prive daquilo que só você pode nos

oferecer.

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