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A Pedagogia das colheres

A vida coletiva em uma escola para crianças pequenas permeia três


dimensões essenciais: a dimensão cotidiana, a dimensão cognitiva
e a dimensão afetiva.
Em todas elas, a professora deve exercer uma condição
fundamental: a de observadora ativa e consciente do seu papel.
O planejamento dos contextos é uma declaração explícita da
intencionalidade pedagógica e da concepção de infância que a
constitui educadora.
Entretanto, a relação entre intenção, coerência, prática e teoria,
passa pela complexidade dos processos e das subjetividades de
quem habita a escola.
Um exemplo disso foi o que aconteceu em um contexto em que a
intenção da professora era propor às crianças, uma experiência
sensorial com fubá, maizena e farinha.
“Coloquei no quintal, bacias de diversos tamanhos, com água e
farinha, água e maizena, água e fubá e algumas colheres, porque
eu queria que as crianças sentissem a textura. Mas, sabe o que
aconteceu? Deu tudo errado.” – disse ela.
As crianças pegaram as colheres para fazer comidinhas, elas
mexiam
“a comida” com a colher e davam almoço para as filhas.
Ao interpretar que as ações das crianças estavam na contramão
dos seus objetivos, ela decidiu tirar as colheres.
Tirar as colheres pode ser considerada, neste caso, a
representação social e simbólica de uma educação fragmentada em
objetivos compulsórios.
Na Pedagogia das colheres, costuma-se tirá-las, quando as coisas
não saem com o planejado.
Na Pedagogia das colheres, costuma-se culpabilizá-las pela falta de
interesse das crianças.

Na Pedagogia das colheres, costuma-se impor às professoras uma


cultura do erro, da rigidez e da inflexibilidade.
Na Pedagogia das colheres falta sentido, cabimento e coerência.
Falta tudo.
Menos colheres.
Mas, o que fazer, então?

Repensar a prática, calibrar o olhar e aprender a observar as


crianças sem prejulgá-las ou subestimá-las.
No livro: Ética no pensamento e obra de Loris Malaguzzi, Hoyuelos
disse que observar não é descrever, é revelar.
Ao observar, a professora tem possibilidades de desvelar o
pensamento e as ações das crianças.
Em um contexto no tanque de areia, a menina de 4 anos, usava a
peneira para separar as pedrinhas.
Ela dizia que eram tesouros da areia.
O menino de 2 anos, enchia e esvaziava os copos e os potes,
usando colheres de tamanhos e formas diversas.
Cada um brincava de jeitos diferentes, atentos às suas pesquisas.
A professora enquanto observava fazia perguntas:
Por que será que a menina de 4 anos não brinca mais de encher e
esvaziar copos?
Será porque ela já tem experiência em tanques de areia e por isso,
o seu repertório é mais ampliado?
Por que será que o menino de 2 anos, que pela primeira vez
habitava aquele espaço, passou quase uma hora com foco nos
copos?

Depois de 50 minutos, por um instante, quando ele reparou na


menina, quis explorar o funil (era a primeira vez que ele brincava
com funis).
Ela disse para ele que aquilo era um funil e ele repetia – “funil”?
Ela também falou:
“A areia cai daqui” e mostrou a areia caindo.
Ele encantado, parou de encher os copos e ria cada vez e que areia
saia do funil.
Sabe aquela história, que a escola é para as crianças, o lugar das
primeiras vezes?
Em uma hora, no tanque de areia, o menino aprendeu uma palavra
nova: funil, descobriu que a areia saia daquele buraquinho e brincou
pela primeira vez com um objeto que não conhecia.
A menina de 4 anos emprestou ao menino, os saberes sobre funis e
areias.
Ainda no livro Ética no pensamento de Loris Malaguzzi, Hoyuelos
também escreveu:
“O que a criança não quer é uma observação por parte de um
adulto que, na verdade, não está ali, que está distraído. A criança
quer saber que é observada, cuidadosamente com toda atenção.”
A observação revela o que o olhar enrijecido não vê.
Revela os processos de pesquisa das crianças e das professoras
também.
Porque no final das contas, não é sobre tirar as colheres e sim
saber o que fazer com elas.
Tais Romero
@pedagogia_subjetividade

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