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Título original: 10 lições que aprendi com a vida
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida sob
Esta é uma obra de ficção, qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou
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PREFÁCIO
Creio que ninguém é tão frio ao ponto não sentir nada quando se vive
algo novo, a famosa “primeira vez”! A primeira vez que andei (eu não
Foi mal, “eu nem te levei para jantar!” – Essa é uma brincadeira que
fundamental que você saiba que escrevi “isto” com a intenção de realizar
sabe que tento ser uma mulher apaixonada por tudo que faço e amo a
liberdade de pensamento. Quem sabe não consigo mudar o mundo? Para não
“me complicar”, afirmo que tudo que foi escrito nesta obra é mera ficção,
Déia
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DEDICATÓRIA
Dedico esta obra para todas as pessoas que conheci no meu caminho, pois
cada uma delas é responsável por me ajudar a ser quem sou hoje. Obrigada.
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CAPÍTULO 1
Quando vejo um aluno infeliz, sempre chego e pergunto se posso fazer algo,
se ele quer conversar. Ah, um aviso: Só estou usando ELE, no masculino, porque
a gramática ordena que, ao falar dos dois gêneros, mesmo tendo mais que dois
para mim devo usar o ELE. Não concordo, mas temos que dançar conforme o
ritmo da música.
Sei que tenho uma carga horária burocrática a cumprir, mas o que custa
parar um pouco a aula e perguntar o que está acontecendo com o humano que
pessoa? Aliás, foram esses 3 minutos que salvaram minha vida há muitos anos
atrás...
Estava no primeiro ano do ensino médio, tinha quase quinze anos na época
novo, o pai perdendo a empresa, problemas em casa e na rua, confusa sobre minha
lembro o dia certo, mas era uma ensolarada manhã de março, depois do intervalo
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das aulas. Tinha ficado sabendo na noite anterior que a empresa do meu pai ia
fechar. Falando assim até parece que eu era uma garota riquinha e mimada, mas
só que não, para a cultura japonesa a honra vinha primeiro que o dinheiro, sempre.
A minha metade japonesa foi herdada do meu pai, o Sr. Shimizu. Corajoso
e aventureiro, saiu de seu país aos vinte e um anos de idade para tentar ganhar a
vida em um lugar estranho que ficava do outro lado do mundo. Tudo que ele
possuía, além de seus sonhos, era um baú com roupas. Quando chegou ao Brasil
de emprego. Ele comentava que única comida que não gostava era abobrinha. E
vamos ser sinceros, japonês come de tudo, passaram por muitas privações,
Guerra Mundial. Nem consigo imaginar as dificuldades que seu povo viveu. Um
dia ele contou o motivo de não gostar de abobrinha: Durante os dois primeiros
por isso, complementavam o cardápio com qualquer coisa que fosse comestível.
Até hoje minha família cultiva a amizade com os melhores amigos do meu
pai, o “Tio T.” e sua esposa, a “Tia Y.” (com muito carinho e respeito – essa é
uma homenagem para vocês, meus tios japoneses) e este meu tio comentou que
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meu pai conseguiu um emprego muito bom, mas era um solteirão convicto,
farrista e boêmio, por isso gastava tudo com “diversão”. Meu pai viveu assim até
Em seis anos eles estavam casados e com três filhos para criar. Sou a mais
nova. Minha mãe comentava que meu pai viajava muito, nunca tinha tempo para
ficar conosco, pois ele “construía indústrias que construíam indústrias” e, nesta
e desde que me lembro sempre íamos para São Paulo por volta do dia 23 ou 24 de
dezembro e por isso nunca fizemos uma ceia de Natal em nossa casa até eu chegar
que eram abertos na noite anterior à viagem, mas eu realmente não sabia o que
era o “Natal Tradicional” dos brasileiros. Não tinha festa em casa, não tinha amigo
oculto, não tinha confraternização, não tinha peru e essas coisas típicas.
Eu não sabia porque a nossa família era tão diferente das outras, mas tudo
mudou quando entendi que meu pai adorava viajar porque, para ele, a forma mais
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rápida de adquirir conhecimento era experimentar, apreciar novos sabores,
cheiros, conhecer pessoas. Por isso, a gente sempre viajava e em uma das viagens,
lembro que ficamos em um hotel lindo, o quarto era enorme, tinha um “Ofurô”,
um outro hotel, que era mais novo e muito bem localizado no coração do bairro
separados por portas internas e isso nos permitia ter privacidade e ao mesmo
tempo proximidade. Claro que este hotel oferecia as mesmas comodidades que o
outro, como a banheira. Lembro que o frigobar estava sempre lotado de coisas
permissão para fazer qualquer coisa e para consumir os itens da geladeira a regra
era a mesma. A gente sabia meu pai tentava realizar todos os nossos gostos nestas
viagens – eram os únicos momentos do ano que ele ficava descontraído, sorria e
pai sempre ia conosco nos brinquedos mais radicais: O nosso preferido era o
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sempre fazia questão de nos apresentar algo diferente, fosse um livro, uma música
Na parte da tarde ele nos levava para o melhor shopping center de São Paulo
e nossa diversão era patinar no gelo, jogar fliperama e depois comer na lanchonete
“do palhaço”, que todos conhecem. Mas nesta época quase nenhuma criança que
frequentava a mesma escola que nós havia experimentado o tal lanche: eles só
Ele sempre nos levava em algum lugar que oferecia uma atração diferente,
eles faziam questão que a mesa fosse farta, abarrotada com inúmeros tipos de
servidas à vontade. Os homens gostavam whisky, mas não tinha só uma ou duas
garrafas da bebida, a fartura era tanta que eles compravam caixas fechadas de
Chivas, Johnnie, Jack, Mac, pelo menos era o que lembro de ter visto. Quem
entende do assunto sabe, só pelo primeiro nome, que eles escolhiam os melhores
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produtos disponíveis no mercado e tudo isso para comemorar o encontro da turma
marca de sorvete da época e hoje sei que seu cargo devia ser muito elevado, pois
ele sempre levava para a sobremesa os melhores produtos que eram exibidos nas
propagandas de televisão. Ele enchia o freezer com caixas e mais caixas fechadas
uma chapa em cada mesa e uma enorme variedade de produtos para que o cliente
cozinhar, fazia questão de nos mostrar suas habilidades culinárias. Um dia vi este
redonda com uma pedra giratória no centro, estilo chinês. Meu pai gostou tanto
que tempos depois comprou uma mesa igual, que a gente usa até hoje. E tinha os
vinham “toalhas úmidas e quentes” para higienizar as mãos e depois meu pai fazia
o pedido. Para as crianças eram os “camarões gigantes”, o prato da minha mãe era
uma carne na chapa com legumes e para ele, sempre vinha umas coisas esquisitas.
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Me arrependo de não ter experimentado, mas tudo era muito estranho e até hoje
nossa “família brasileira”. A festa era linda, tinha amigo oculto, muitas frutas,
comidas, bebidas, risadas. Uma vez, meu avô japonês que tinha vindo nos visitar
comemorou conosco a data. Toda família tem uma tradição para este momento e
Foi nesta noite que tomei meu primeiro porre. O espumante era gostoso,
docinho e todos estavam ocupados demais para perceber que eu tinha tomado
mais que um golinho. Lembro que acordei passando muito mal, com os sintomas
clássicos de uma bela ressaca, dor de cabeça, vômito e corpo ruim. Minha mãe
conversou comigo e falei do espumante, ela explicou que eu não devia beber, pois
era criança e aquilo fazia muito mal. Eu tinha sete anos. Prometi que não iria mais
a nossa “família japonesa”, que eram os sócios da empresa do meu pai e eles
sempre alugavam casas magníficas. Recordo pouco desta época, mas uma das
casas ficou gravada na minha memória para sempre. Lembro que a sala era
gigantesca, pelo menos para mim que tinha uns cinco ou seis anos e lá havia uma
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grande parede de pedra com lareira, mas eu nunca entendi porque ter uma lareira
na casa de praia, pois eles nunca a usavam e sempre fazia calor quando estávamos
lá, mas meu pai me disse, tempos depois, que às vezes fazia frio e era bom ficar
Lembro que na sala também tinha uma mesa de sinuca, um bar e uma
grande mesa, que era usada por meu pai e seus amigos para conversar e beber. O
mesmo ambiente ainda comportava alguns sofás de couro, uma mesa de centro e
uma televisão para distrair as crianças. Analisando o lugar hoje, percebo que
preparando diferentes tipos de comida para os maridos e filhos, mas minha mãe
ficava conosco, éramos brasileiros e todos falavam o idioma japonês, exceto ela,
meus irmãos e eu. Era constrangedor, mas tínhamos tudo do bom e do melhor,
experimentávamos com meu pai as particularidades de sua cultura, que nos era
tão estranha.
Não falo, até hoje, nada do idioma. Conheci as comidas, uma pequena parte
de sua cultura, mas ele não nos apresentou ou não queria que soubéssemos mais
coisas sobre seu povo. Anos depois descobri qual poderia ser o motivo que o levou
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A vida em família era muito boa e mesmo com as brigas entre os irmãos,
algo que acredito que aconteça em todos os lugares, éramos felizes. Na rua as
coisas começaram a ficar diferentes para mim depois que eu completei seis anos
de idade. Até então eu era uma criança linda, meiga, carismática, doce, mas em
dois anos sofri uma transformação gigantesca, brutal e me tornei “um monstro”,
pois era assim que me via no espelho. Cresci e engordei muito, o que era anormal
para uma criança e com oito anos, meu corpo já era de uma mulher adulta. Mas
era uma mulher gorda e feia. O meu pescoço, virilhas e axilas começaram a ficar
tomava banho. Se não bastasse, meu corpo exalava um cheiro muito ruim, mesmo
usando desodorantes e perfumes e tomando de dois a três banhos por dia. Quando
quase chegar à carne viva para tentar tirar aquilo, mas não saía, só piorava mais e
deles chegou a comentar que ela não me dava banho direito e que aquilo era
sujeira. Doutor esta é para o senhor: Não era sujeira e sim um dos sintomas da
treze anos. Um dos médicos pediu um exame de mapeamento genético, ele queria
saber a fundo o que eu tinha e parece que no meu caso a doença foi causada por
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mutação genética. Efeito das Bombas atômicas? Vai saber, o Japão é um país
pequeno.
situação se tornava um prato cheio para que meus algozes se deliciassem com as
provocações. A música que a turma cantava até hoje ecoa em meus ouvidos:
da Independência.
machucava mesmo era que todos ou quase todos os alunos do Colégio achavam
vinham de todos os lados. Acredito que fui a criança mais odiada da escola, só
que também fui aquela que ninguém jamais conseguiu esquecer. Eu tinha dez anos
nesta época, era muito medrosa e qualquer um que tivesse o mínimo de coragem
conseguia me humilhar. O pior é que eu permitia, pois fui ensinada a não revidar
disseram, um dia elas irão cansar e te deixarão em paz! Só que essa foi uma grande
mentira que ouvi. As pessoas não param, elas não se cansam, esse tipo de gente
não respeita quem quer que seja e só conseguem se sobressair ao pisar no outro,
diminuindo-o. Sua grandeza é a desgraça alheia. Isso não muda pelo simples fato
de termos crescido, pois crescer é aprender a ser cínico, a ofender com um sorriso,
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fazer um comentário maldoso e destrutivo como estivesse dando um conselho,
como se estivesse tentando “te ajudar”. E existem pessoas cruéis de verdade, que
encontramos este tipo de gente o tempo todo, mas temos que aprender a ser forte,
colega de turma e ela comentou que estava muito triste porque sempre ouvia
coisas absurdas das pessoas e isso detonava a sua autoestima. E ela falou:
- Esses dias para trás encontrei uma menina dos tempos da escola e
fazia um bom tempo que a gente não se via. Em um momento da conversa a garota
A outra interrompeu:
- Ah, sim, isso também, comentou a menina com desdém. Mas sua
roupa, credo, ela não caiu bem, você ficou horrorosa e enorme de gorda. Além do
mais, a cor do seu cabelo te deixou parecida com um rato morto. E, pelo que te
conheço, você escolheu o curso mais fácil que tinha para conseguir passar na
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O comentário sarcástico desabou como uma bomba na cabeça da minha
- Não falei nem fiz nada. Só despedi e fui embora para chorar em casa.
Não conseguia acreditar que ela tinha ficado triste, chorado e engolido
que sentia dia após dia tendo que viver em um pesadelo interminável e o quanto
desejava morrer para nunca mais ter que acordar. Eu tinha dez anos de idade.
Depois da aula fui seguida por três moleques, dois estudavam na minha sala
e o outro era uns quatro anos mais velho que a gente. Só que desta vez reagi aos
satisfeitos, ainda tentaram me estuprar. Como não tinha nenhuma chance contra
eles, consegui escapar e corri muito até ver uma casa que estava com o portão
aberto. Entrei e bati na porta desesperada, gritei, chamei por minha mãe e uma
senhora muito idosa atendeu. Ela percebeu minha agonia e não falou nada, só
pegou a minha mão e me puxou para dentro e fechou a porta na cara dos
agressores.
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A senhora me levou até a cozinha e fez com que eu tomasse um copo de
água com açúcar, comentando que era uma antiga receita para acalmar. Assim que
terminei de beber, ela quis saber o que tinha acontecido e contei tudo. E ela falou:
- Minha filha, tudo passa. Um dia sempre vem depois do outro e como
não sabemos o que nos aguarda, só podemos ter fé que amanhã será melhor que
hoje.
Ela falou com tamanha intensidade que não pude deixar de sentir que aquela
senhora devia ter sofrido muito. Conversamos mais um pouco, mas precisava ir
caminho. Nunca mais a vi e até tentei fazer uma visita umas três semanas depois
do ocorrido, mas um vizinho comentou que a senhora que morava naquela casa
havia falecido na semana anterior. Não lembro seu nome, mas de suas palavras
jamais esquecerei.
Cheguei em casa e minha mãe perguntou o que tinha acontecido, dei uma
desculpa qualquer e ela fez a cara de “não acredito, mas aceito”, dizendo que se
eu quisesse falar ela iria me ajudar, mas ela sabia algumas coisas eu nunca
revelava e não adiantava insistir. Desta vez queria enfrentar a situação sozinha,
pois naquele momento aprendi que as pessoas só te deixam em paz quando você
seu território e o defende até a morte. Pouco importa se eu for grosseira, turrona
ou o que irão pensar de mim e se a pessoa não quiser mais falar comigo, melhor
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ainda, pois não faço questão alguma de ter este tipo de gente em minha vida. Nas
ser maus e usar essa maldade quando for necessário”. Além do mais, responder
às provocações me fez sentir mais forte e pela primeira vez tive orgulho de mim
mesma. Ainda não tinha coragem para enfrentar todos os xingamentos e ainda
Em toda escola tem um: É o cara mais forte, mais revoltado, maior que os
outros, geralmente repetente e que adora uma briga. Desde o primeiro dia
perceber que as ofensas não seriam suficientes para que eu revidasse. Irritado,
falou que iriamos “resolver problema” depois da aula, o que significava briga. O
“João Fortão” morava em um bairro distante e mesmo tendo que trilhar caminhos
tão diferentes dos meus, ele me seguiu. E não estava sozinho: Vários colegas do
Procurei ficar quieta perante as provocações, ressaltei que não queria brigar
e falei que jamais dava o primeiro golpe. Essa é uma regra que sigo até hoje e
aprendi com um grande amigo do meu pai, o “Sensei”, professor de judô. Ao ouvir
isso o garoto não pensou duas vezes e partiu para a agressão com socos e pontapés,
mas o ódio que eu sentia era tão profundo que fiquei cega. Ser gorda não
significava ser forte e eu só tinha uma forma de me defender: Com unhas e dentes.
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Lembro que cai e ele continuou chutando, mas consegui agarrar sua perna
e cravei meus dentes até sentir o gosto de sangue nos meus lábios. O moleque
urrou de dor e neste momento aproveitei sua distração, puxei suas pernas e quando
ele caiu, consegui travar seus braços com minhas pernas. Com as mãos livres,
esmurrei sua cara e exigi que ele pedisse perdão e prometesse que nunca mais iria
Então, olhei para cada um e perguntei quem seria o próximo. Ninguém quis
arriscar. Depois da briga, tiveram que levar o “João Fortão” para o hospital.
machucados no meu rosto me entregaram, contei a história e implorei para ela não
tomar nenhuma atitude, afinal, eu tinha vencido a briga e queria sentir o gosto da
aconteceram fora da escola e fui conduzida para uma sala onde estava a Diretora,
tom altivo, com aquela voz irritante que parecia sair de seu nariz, a Diretora disse:
- O aluno João está alegando que não pode fazer educação física hoje
porque está machucado e trouxe um atestado médico comprovando isto. Ele disse
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- Verdade? Ele disse que eu o machuquei? Falei cinicamente. Como a
- É, realmente, ele é bem maior que você, mas isso não vem ao caso,
pois o que eu quero descobrir é a verdade: Você bateu ou não bateu nele?
de gás, elefante, bola, japonês da cara chata. Já reclamei várias vezes, só que
ninguém nunca fez nada a respeito. Se eu bati nele? Bati sim e vou bater de novo
novamente.
Sinceramente, não sei de onde tirei tanta força e coragem para falar tudo
aquilo, pois eu nunca fui assim, sempre tinha sido como “as mulheres japonesas
submissas”. E falei com tanta calma e educação, que até hoje não sei como
machucar todos que estavam ali para que eles sentissem a minha dor.
sua bela cadeira de couro (Colégio particular: Se você tem, SE TEM. Quem
numa briga se for perder, ainda mais de uma mulher! Vira macho! Agora vai lá
Sei que foi machismo, mas todos sabiam que esse homem adorava usar a
esposa e filhos como saco de pancadas nas horas vagas. O garoto, constrangido,
saiu da sala com o professor e eu fui liberada. Foi assim que eu defendi, com
unhas e dentes, meu território pela primeira vez. Mesmo depois deste ocorrido,
continuei estudando lá e uma menina da minha sala, que devia ser muito corajosa,
dias:
- Sua gorda, baleia, japonesa da cara chata que tem o nariz de batata e
Olhei bem para a cara dela e respondi, com toda calma do mundo:
seu pai é funcionário da empresa do meu pai! Que mundo pequeno! Você tem
duas opções: Pede desculpas agora e me deixa em paz ou vou pedir para o meu
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A garota pediu perdão e nunca mais abriu aquela boca grande para me
ofender. É óbvio que meu pai jamais iria demitir um funcionário por questões
de me humilhar e fiquei em paz. Mas esta foi apenas uma minúscula vitória
perante os desafios que ainda tive que enfrentar, pois a maior parte das
humilhações que eu sofria partiam dos adultos que deveriam me preparar para a
- Corre mais rápido sua gorda! Vamos acabar com essas banhas
horrorosas que estão balançando na sua barriga. Você é incapaz de ser melhor e
nunca vai conseguir fazer nada direito na vida! Você é só uma baleia inútil!
Essa era a forma carinhosa que ela me tratava em todas as aulas. Eu até
gostava de fazer educação física e esforçava ao máximo para fazer tudo certo, mas
nunca era o bastante para ela. Professora, a senhora se tornou minha musa
inspiradora e sempre que entro em contato com outras pessoas lembro de você e
procuro jamais fazer com outro ser humano o que a senhora fez comigo. E quando
penso em desistir de algo em minha vida lembro de suas palavras e dobro meus
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esforços para conquistar meu espaço no mundo, pois percebi que sou capaz de
fazer o que quiser da minha vida e posso realizar todos os meus sonhos. Obrigada
por me ensinar esta valiosa lição de vida: O que não te mata, fortalece.
Eu gostava muito de jogar bola e hoje sei que não era tão ruim assim como
intervalo, ia para a quadra e tentava entrar nos times para jogar, mas ninguém
nunca me aceitava. Mas existia uma regra: “Quem chegasse primeiro na quadra
tinha o direito de jogar”. Naquele dia eu consegui chegar primeiro e mesmo assim
ninguém queria me aceitar em nenhum time, só que fiz valer a regra da quadra e
Mesmo esforçando para jogar bem, ninguém me queria ali e percebi que
uma garota do meu time estava tentando me agredir e perguntei o porquê, mas ela
alegou que estava apenas dividindo a bola e que jogo era jogo. Se era assim, eu
iria seguir suas regras. A menina continuou fazendo seu “jogo”, mas creio que ela
não conhecia a terceira Lei de Newton, que afirma: “Se um corpo A (no caso a
menina) aplicar uma força sobre um corpo B (eu) receberá deste uma força de
mesma intensidade, mesma direção e de sentido contrário”. Ela veio para cima de
mim, jogou seu corpo contra o meu, mas desta vez joguei o meu corpo contra o
dela e mandei de volta sua própria força combinada com a minha. Só que eu era
maior, mais pesada e foi como se ela tivesse se jogado contra uma estrutura
maciça de concreto que avançava em sua direção. Neste momento ela fez valer
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para mim a maior Lei do Universo: Tudo que vai, volta. Ela caiu de mau jeito e
fraturou o braço em vários lugares. Conforme fiquei sabendo depois, ela nunca
mais jogou bola novamente. Juro de coração que foi sem querer, pois mesmo
sentindo tanto ódio, jamais faria, conscientemente, algo tão perverso assim. Fiquei
realmente sensibilizada com sua situação, mas como ela mesma falou, jogo é jogo,
não é?
educação física fez questão de deixar isso bem claro perante a turma na aula
seguinte. Para minha grande sorte, a menina ainda era uma de suas escolhidas, seu
destinadas para todas as outras alunas, ordenando que eu ficasse correndo sozinha
seus xingamentos como a trilha sonora de fundo, que ela devia ter preparado
especialmente para mim. Prefiro não reproduzir suas palavras, mas uma coisa eu
não posso negar: ela era muito, mas muito criativa mesmo para conseguir escolher
que me liberava da obrigação de estar presente. Eu era gorda, mas tinha honra e
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Colégio, afinal, todos os dias eu vivia um momento novo e desafiador e tive que
todas as turmas da escola, mas aqueles que eram seus alunos foram obrigados a
participar e eu era uma de suas alunas. Os textos seriam analisados pela equipe
pedagógica e eles iriam escolher as dez melhores redações, que seriam publicadas
texto, mas não consigo lembrar do conteúdo, é algo que ainda está bloqueado em
meu texto havia sido escolhido entre os dez melhores. Esta vitória me deu forças
para acreditar que poderia ser uma boa aluna e fiquei muito feliz, além do mais,
uma semana antes do meu aniversário de onze anos iria acontecer um passeio fora
da escola, que tinha sido organizado por este mesmo professor. No dia combinado
professor avisou que só iriam participar da “excursão” os alunos que haviam feito
o dever de casa. O meu dever estava quase completo, creio que faltavam umas
atividade, preenchendo o caderno de qualquer jeito. Eu, que fui criada sob as
fazer mal feito, assim, não completei as questões. O professor conferiu caderno
por caderno e, concluída a tarefa, citou o nome de três alunos, dizendo que o dever
estava incompleto e por isso não haveria excursão naquele dia para essas pessoas.
Fui obrigada a ficar de castigo com dois garotos por horas e sem vigilância
alguma, pois naquele tempo não tinha biblioteca e nem auxiliares, então ficamos
na sala de aula. De tempos em tempos aparecia alguém para checar, creio que era
para ver se ainda estávamos vivos e que não tínhamos colocado fogo na escola.
percebi que eles também eram excluídos e passamos a bolar formas e mais formas
para nos vingar do que fizeram conosco. Ao final da manhã, quando os outros
amizade que foi originada pelo ódio que sentíamos por ter sido desprezados.
fazer uma festinha na minha casa no final de semana e convidei todos os colegas
de sala para comemorarem comigo. Convidei trinta e seis colegas de sala, mas
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Uns dois meses depois da excursão frustrada ganhei o tal livro que havia
como combustível para uma bela fogueira, que usei para queimar as cabeças das
para elas, elas olhavam para mim e percebia como éramos diferentes, mas não
conseguia entender porque elas eram consideradas belas e eu não. Como eu não
instrumentos para cortar suas cabeças. Cheguei a construir uma guilhotina uma
vez, que obviamente não funcionou, mas pelo menos eu tentava me divertir de
alguma forma.
Nunca falei sobre o livro com ninguém, até que minha mãe, uns dez anos
comentou que nunca se esqueceu de mim porque eu escrevia muito bem e tinha
com minha primeira obra publicada. Minha mãe perguntou sobre o tal livro e falei
o que tinha feito com ele. Ela não me condenou ou julgou, pois entendeu meus
motivos.
era suficiente, queríamos fazer algo grande, inesquecível e marcante. Claro que
essas brincadeiras levantaram suspeitas sobre nós, mas ninguém tinha provas para
festa. Depois de muito discutir o que fazer, decidimos colocar alguma coisa nas
optamos pela farinha. Iria acontecer depois do recreio, pois a gente sabia que os
colegas estariam bem suados por causa do intervalo. Ah, detalhe: Naquela época
gente se divertiu mesmo assim e estava difícil segurar o acesso de riso quando um
olhava para a cara do outro. Mas não podíamos rir e os olhares traduziam o que
mas como ninguém tinha visto nada, mais uma vez só existiam suspeitas. Uns
vinte minutos depois do ocorrido meus dois colegas foram chamados para
expulsos. A culpa recaiu sobre eles, mesmo não havendo provas de que eles eram
licença para conversar com a diretora, que deixou claro que não acreditava na
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minha versão, mas como insisti que era responsável pelo incidente, ela foi
advertência.
ter “uma conversa” com a diretora. Depois de ouvir tudo que a diretora disse,
minha mãe falou para ela que iria me colocar de castigo. Ao sairmos dali, minha
prato especial eu gostaria que ela fizesse para o almoço de domingo. Esse era o
jeito dela demonstrar seu incondicional apoio e amor por mim, pois ela sabia o
que acontecia comigo no colégio. Mãe, desculpa por demorar tanto tempo para
perceber e demonstrar como te amo e como você é minha inspiração para ser uma
pessoa melhor.
privilégio meu, pois muitas pessoas vivenciam o mesmo problema. No meu caso
maior emissora de televisão deste tempo: Um vampiro que tinha uns dentinhos
saltados para fora, o cabelo grisalho e mal cuidado, com aquela carinha de
minha infância não seria a mesma sem você, figura muito conhecida e que não
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A equipe pedagógica daquele ano parecia ter sido escolhida especialmente
para mim, pois esta professora também fazia parte do exemplar quadro de
profissionais do colégio.
Tinha total consciência que era uma aluna mediana, fazia minhas bagunças,
sabendo que até a menina mais bagunceira da sala havia recebido pelo menos um
Fiquei quieta, como eu poderia dar alguma resposta para este comentário?
Eu devia ser muito burra aos olhos desta mulher. Meus pais receberam meu
“vampira brasileira” havia sido sua aluna e talvez guardasse alguma mágoa do
passado. Mas a situação seria resolvida e no dia seguinte passei a ter aulas
particulares com a melhor professora da cidade: Minha mãe. Nos outros bimestres
continuei tirando zero de conceito, mas como estudava todos os dias, passei a
obter ótimas notas nas avaliações e não havia jeito da professora me deixar de
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recuperação. Passei de ano com um ponto acima da média. Professora, nota não
mas tinha perdido meus companheiros e estava sozinha novamente. Muitos anos
depois reencontrei o BC, a gente tinha ido se despedir do nosso amigo JP: Era seu
velório. Overdose. Ele morreu com vinte e sete anos de idade e entrou para o
clube.
Mesmo perante tudo isso eu ainda era covarde, tinha medo de mudar e
continuei estudando neste colégio e seria meu terceiro ano frequentando aquele
lugar.
Naquela época, o auge do entretenimento era alugar uma fita cassete e foi
assim que comecei a frequentar uma locadora de vídeo e conheci uma moça que
Locadora”. Ela devia ter uns dezessete anos e, para mim, ela era (e continua
sociável, enfim, uma inspiração. Comecei indo uma ou duas vezes por semana e
como ela “me dava atenção”, passei a ir todos os dias à tarde. Eu era muito “chata”
atenção ou carinho que pudesse receber de alguém que não era da minha família
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e a Roberta parecia gostar de mim, o que me proporcionava o prazer de ter alguém
com quem conversar. Ela sempre dava vários conselhos e dicas sobre autoestima,
ela foi meu anjo da guarda, mas nossa amizade durou uns três meses, pois ela teve
que sair do emprego e perdemos o contato. Não existia celular e ter telefone fixo
“apresentou” para uma moça e quando a vi, sabia que era a Roberta. Quando
começamos a conversar a primeira coisa que ela perguntou foi se eu era aquela
e enormes mudanças físicas, nunca esquecemos uma da outra. Depois deste dia,
procuramos retomar nossa amizade. Peço desculpas por não poder te dar a atenção
devida, mas sei que você me entende, minha amiga! Esta é uma prova de que o
Quando perdi o contato com a minha amiga Roberta, me senti mais sozinha
a me ignorar e isso doía mais do que ser provocada, pois era excluída de todas as
atividades feitas em grupo. Mesmo assim, sempre dava um jeito de fazer sozinha,
seis pessoas, seriam seis grupos com seis alunos e aquele que tinha cinco membros
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não me aceitou. Fui falar com o professor e ele, que era uma pessoa extremamente
vaidosa e arrogante, respondeu que o problema era meu e exigiu que o trabalho
vergonha na cara e criei coragem, falei o que houve para minha mãe e no dia
que iria acontecer neste novo ambiente, só que fui recebida com tanto carinho pela
equipe pedagógica e colegas de sala que jamais esquecerei desta primeira vez.
Lilica, Diná, Tio Emiliano, Juninho, Dona Glória e todos os membros desta
linda “Família”: Foi por causa do amor e carinho com que vocês me trataram que
passei a acreditar que podia ser uma boa aluna e um ser humano digno. Obrigada!
Muitos anos passaram desde o dia que mudei de escola por causa do tal
trabalho de ciências e eu tinha enterrado este fato há muito tempo. Já era adulta
quando abri um restaurante na minha cidade de origem e era o lugar que a “Elite
da sociedade” queria frequentar. Coisas do interior. Naquele dia, creio que devia
ser sábado porque o restaurante estava lotado, um senhor veio conversar comigo
Olhei bem para seu rosto, mas não vi nenhum traço que pudesse me fazer
Ele ficou magoado com meu comentário e falou quando e onde tinha sido
conseguir lembrar: Aquele senhor era o professor de ciências! O belo homem que
tinha sido generoso com ele, pois havia perdido sua beleza, a arrogância e a
vaidade. Se a professora de educação física foi minha musa inspiradora, ele foi
meu herói inspirador, pois quando peço que os trabalhos sejam feitos em grupo,
observo com a maior atenção se alguém foi excluído e pergunto o que posso fazer
para resolvermos a situação. Se for o caso abro exceções, como permitir que a
pessoa não apresente a tarefa em público e faça somente a parte técnica ou que
apresente somente para mim. Sempre consigo achar uma solução, pois sei como
social.
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Voltando ao início da história, quando fiquei sabendo que a empresa do
meu pai tinha falido, estava me sentindo totalmente perdida. Eu iria fazer quinze
anos em breve. Meu pai não tinha uma poupança generosa, ele foi honesto até
demais em um país chamado Brasil e com três filhos adolescentes em casa para
terminar de criar, tínhamos que cortar custos e fazer alguma coisa. Meu irmão
trabalhava, não era problema. Eu e minha irmã que éramos. Cortamos o plano de
negócio. Ninguém tinha medo de trabalhar e era assim que estava minha vida em
casa naquela ensolarada manhã de março, quando comecei o ensino médio. E foi
fiquei muito tensa quando ele se aproximou de mim e falou que queria conversar
comigo. Em particular. Tremendo, pensei: o que eu tinha feito de tão errado? Ele
- Tudo passa. Vai lavar o rosto, acalma e a hora que você sentir melhor
Ele falou um pouco sobre a própria história, das dificuldades que passou
para se tornar um homem de bem, honesto e trabalhador. Fiquei sem reação, pois
ele era o professor mais “carrasco” da Escola! Ele mostrou que nos amava, queria
nosso bem, mas era “preciso endurecer, sem perder a ternura”. Fui ao banheiro,
35
acalmei e voltei, mas não tive coragem de conversar com ele, só consegui
agradecer ao final da aula. E foram esses três minutos que salvaram minha vida.
e minha tia, que cedeu sua parte do aluguel para nos ajudar. Montamos uma
pastelaria. Pelo menos daria para pagar as contas mais importantes. Quinze dias
depois saí desta escola e optei por um curso técnico que também era válido como
ensino médio. A ironia da história é que o curso usava o mesmo prédio que o
meu pai servir seus ex-funcionários, mas sua atitude era sempre educada e cordial,
não importava quem fosse o cliente. Esta foi a primeira lição que aprendi na vida.
36
LIÇÃO NÚMERO UM
37
Agradeço a este professor e procuro seguir seu exemplo. Mesmo sendo uma
Às vezes não há o que fazer com os problemas a não ser dar o melhor de si,
apoiar quem amamos e esperar o tempo agir. Foi isso que fizemos: ficamos ao
lado do meu pai, sempre com minha mãe nos incentivando. Ela é o muro de arrime
da família, quem sempre nos manteve unidos. Como dizemos aqui em casa, “A
matriarca sabe o que é melhor para nós”. Sei que meu pai teria se matado se a
A gente trabalhava muito e tinha que chegar bem cedo, em torno das seis
horas da manhã para que desse tempo de preparar tudo e servir quem estava indo
trabalhar. Tínhamos uma escala de horários, mas muitas vezes era necessário que
meu pai, minha irmã e eu trabalhássemos juntos por causa do grande movimento
que tinha. Meu irmão também ajudava muito, sempre que tinha um tempo
disponível estava lá, equilibrando o outro emprego com a pastelaria e sem falsa
modéstia, ele já cozinhava muito bem naquela época. Desculpa Deza, sei que é
muito 07/05.
Fazíamos nosso trabalho bem feito e o nosso pastel era um dos melhores da
cidade. Muitas vezes nem dava tempo de ir para casa tomar banho e eu ia direto
- O cheiro que você está sentindo se chama trabalho duro. Antes ter
este cheiro do que feder a vagabundagem. Aliás, você não trabalha, não é?
Eu sabia que ele não trabalhava e que era sustentado pelos pais. O garoto
ficou calado e nunca mais ousou tentar me humilhar. Até hoje não admito que
alguém me diminua para se sentir melhor, não deixo e sou forte o suficiente para
acabar com essa pessoa se ela tentar. Emocionalmente, é claro. Se me ofender vai
levar de volta. Bateu, levou. Eu revido, sempre. A gente perde a razão quando usa
a força física, por isso aprendi a usar a argumentação. Você pode machucar
os da alma perduram por um longo tempo. E aprendi muito bem a fazer isso, tive
Tive uma colega durante a faculdade que era linda, maravilhosa, bonita de
verdade, corpão, bundão, peitão, cinturinha fina, rosto de boneca, enfim, por onde
ela passava, todos olhavam. Krika, seu apelido, porque era CriCri mesmo, chata,
sempre pedia para uma das amigas ajudá-la a escolher a roupa que ia usar. Ao
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- Ai, amiga, essa roupa... E apertava as banhas que julgava existir,
implorando por um elogio. Eu era bem gorda, então, imagina o que eu sentia ao
vê-la.
E cai na conversa dela umas vezes, até que o dia que eu a vi fazendo o
mesmo com outra colega em comum e que também era gorda. A Krika só andava
Dias depois a Krika veio com esse papo e eu falei, usando uma voz de
espanto e horror:
desesperada.
- Querida! Sua bunda está cheia de celulite, está enrugada, como uma
casca de laranja, sua cintura está enorme, na verdade, nem parece que você tem
uma cintura! Seus seios estão caídos, como se você fosse uma vaca parideira!
Além do mais, sua barriga está lotada de pelancas e banhas! Vai para a academia
URGENTE, toma vergonha na cara e começa uma dieta, porque você só come
porcaria. Aliás, acho que uma lipoaspiração vai te cair muito bem, mas pode ser
depois ela voltou para o mundo real e falou que tinha um compromisso, se
despediu rapidamente e foi embora. A Krika, que sempre havia sido tratada como
uma rainha ficou tão assustada com o que eu disse que começou a academia no
outro dia, parou de comer tanta porcaria e o melhor de tudo: Durante todo o tempo
que estivemos em contato, ela nunca, nunca mais mesmo abriu aquela boca grande
para reclamar de sua aparência para mim. Cada um no seu lugar e sou eu quem
põe limites nas pessoas para que elas não invadam meu “espaço sagrado”.
41
CAPÍTULO 2
Sem Sexo, mas com muitas drogas e muito Rock and Roll
Uns oito meses depois de abrirmos a pastelaria meu pai recebeu uma
para dezesseis anos. Arrumei outro emprego, era fácil, não tinha muita
fiscalização nesta época. Sempre fui uma pessoa difícil de conviver e digo que
minhas melhores qualidades e ao mesmo tempo meus piores defeitos é ser cabeça
demonstro. Minha mãe bem que tentou colocar limites, mas eu nunca aceitei, a
gente brigava muito e com a ausência do meu pai ficou ainda mais difícil para ela
me controlar. Demorei muito tempo para entender o tamanho do amor que ela
sentia por mim. Se a gente não aprende pelo amor, aprende pela dor. E eu iria
limites e, no meu tempo vago, fazia o que eu queria da vida, saía depois da aula e
chegava a hora que tinha vontade. Ganhei a chave de casa quando abrimos a
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também era adulta para usar minha liberdade conforme queria. Pelo menos era
assim que eu pensava. Minha mãe não conseguia encontrar qualquer argumento
que pudesse me fazer ver a vida de outra forma, pois ganhava meu dinheiro, que
não era muito, mas era meu e tinha a bolsa de estudos, ou seja, eu praticamente
viver o “estilo” para ser aceita pela turma: camiseta preta, coturnos e calças
rasgadas. Quando estava com eles, ninguém ousava nos enfrentar. Juntos,
quem queria ser o defunto? Ninguém arriscava. O mais interessante é que éramos
Até então eu sempre tinha sido uma aluna mediana, não era a melhor, mas
também não era a pior e precisava manter a bolsa de estudos, que estava vinculada
ao rendimento escolar. Aprendi a gostar de ler e lia muito, pois este era o recurso
que eu usava por sentir uma solidão extrema. Autodidata e possuindo uma
outras pessoas. Mas o que é considerado para muitos como uma benção, pode ser
para outros uma maldição. Para mim era uma maldição, pois como conseguir
com quem conversar. Quando começava a falar das coisas que via, as pessoas
achavam que eu estava ficando louca. E pensava se era muita loucura querer viver
43
em um mundo melhor. Tudo que eu queria mudar o mundo! Não entendia porque
ser belo ou feio dependia do corpo físico, sendo que existia a beleza da alma. Não
compreendia a miséria e como era possível que poucos tivessem muito e muitos
tivessem nada. Não aceitava ver pessoas morando nas ruas quando existia tanto
O maior problema que eu tinha era comigo mesma e foi um peso que
carreguei por muito tempo. Tudo que queria era ser amada e aceita, mas os gordos
era a melhor amiga dos meninos, mas nunca a namorada. E estava na fase que
toda garota arruma namorado, quer ser considerada bonita, é paquerada, mas eu...
Eu era só inteligente. Mas tinha uma certeza dentro de mim: Em cinco minutos de
papo podia, pelo menos, conquistar a simpatia do outro e isto já era alguma coisa.
porque eu andava com aquela “galera do mal”. Gostava deles porque eu era
reconhecida e eles tentavam me entender. Mas esta história teve um lado muito
saber qualquer coisa que estivesse relacionado com o lado oculto da vida, assim
aprofundei os estudos sobre magia negra e satanismo. Parecia ser a resposta que
eu procurava, por isso comecei a viver novas experiências, pois tudo que eu queria
44
era “abrir as portas da percepção”. Mas só estudar não bastava, queria ir além, ir
cada vez mais fundo e experimentei várias formas de “sair da realidade”, umas
boas, outras amedrontadoras. As drogas prometiam uma vida livre, mas me sentia
cada vez mais presa e perdida dentro de mim mesma. O cemitério era nosso ponto
de encontro e eu adorava ficar entre os mortos, pois sentia que em breve estaria
Fui resgatada por minha família desta vida antes de esborrachar no fundo
45
LIÇÃO NÚMERO DOIS
46
Eu tenho um primo que sempre gostei muito. Roqueiro como eu, mas ele
andava com uma galera “bem aceita” da cidade e para mim todo mundo era
playboy ou patricinha, tirando minha galera. E os caras que ele andava eram
playboys mesmo, do tipo que tem carro aos dezesseis anos, dinheiro para esbanjar
e pais milionários para comprar a justiça. Tinha me afastado desse primo, mas um
dia encontramos na rua e estávamos perto de sua casa e ele me chamou para tomar
um café. Fui e começamos a conversar. Durante o papo ele colocou para tocar uns
sons bem legais, que eu ainda não conhecia. E de repente ele disse:
- Mesmo que você não faça nada, que não use drogas, que seja careta,
as pessoas vão achar que você é drogada porque demonstra isso. Mantenha um
pouco as aparências, ainda mais em uma cidade como a nossa. Se não for assim,
Fui embora muito injuriada com o que ele disse, mas analisei a situação
depois. Tudo estava tenso ao meu redor, a polícia estava mesmo de olho na nossa
galera, eu já tinha levado uma geral, um colega havia sido preso, outro morrido
de AIDS, uma amiga estava grávida ao quatorze anos. Mas na hora eu nem pensei
emprego razoável, tentava me tirar da turma e me levava para viajar, bancava tudo
para mim e a namorada dele na época, hoje esposa, que também tentava me ajudar
47
de todas as formas. Paty, você é minha amiga e minha outra irmã. A gente brigou
muito, mas entendemos que nos amamos e fomos unidas por causa do nosso Tak.
Eu fui a sogra que você não teve, porque minha mãe sempre foi a mãezona da
Um belo dia minha melhor amiga, que era a garota mais descolada da
turma, começou a namorar um cara e ele dizia que era “detetive particular”, mas
na hora eu percebi que tinha algo de errado: Ele perguntava demais, queria saber
de tudo e de todos, onde cada um da turma morava, o que faziam da vida e como
minha amiga, que vou chamar de “Babsi”, dizia que ele era gente boa e que era
confiável.
Eu sabia que alguns caras da turma “sabiam arrumar as coisas” e para mim
isso não era ser traficante. No meu caso eu sempre gostei mais de beber e fumar
cigarro, que eram drogas legalizadas. Outras substancias que eu usava também
substâncias que eu queria. Mas não foi o fato da garota começar a namorar o
carinha que me fez desistir da turma: Foi ela ter me roubado. Não vou entrar nos
discutimos feio, chegamos a nos agredir fisicamente e sua mãe foi à minha casa
48
para tirar satisfações. Falou com minha mãe e disse eu tinha acusado a filha dela
de ser ladra, que eu tinha batido nela, enfim, aprontou o maior barraco. Minha
mãe, que sempre odiou confusão, não gostou nada da situação, mas ouviu calada
e disse que iria resolver o problema comigo. Elas foram embora e fui colocada de
verdade é que eu “queria” ficar de castigo, pois agora tinha uma bela desculpa
nosso relacionamento sempre foi muito complicado e mesmo perante tudo isto,
ela foi uma das pessoas que mais pude contar em minha vida. Sempre, sempre
mesmo quando eu preciso a Deza larga tudo e me socorre. Eu nunca tive coragem
de admitir isso antes, mas eu queria ser como você, é meu modelo de mulher. É
linda, forte, poderosa, decidida. Eu sentia muita inveja de você naquela época,
Também procurei meu primo, agradeci por tudo e voltamos a ser amigos.
Foi o amor da minha família que me salvou de ter um destino muito ruim.
49
8CAPÍTULO 3
Quando as pessoas que você julga serem suas amigas fazem algo que te
prejudica, elas não te consideram, não se importam com você. Por isso se afaste
o mais rápido possível deste tipo de gente e de situações que posam te lesar. Saiba
ouvir o que o universo está falando, ele sempre dá dicas de como as pessoas são
Um dia, a Babsi me chamou para ir num show em outra cidade, mas minha
mãe não deixou e ela sempre me deixava ir para todos os lugares, pois sabia que
eu iria mesmo sem sua permissão. Mas neste dia ela não queria que eu fosse e
falou de uma forma tão profunda e com tanto pesar que fiquei assustada. Resolvi
escutar suas palavras e não fui. Minha amiga foi e horas depois ela apareceu na
minha casa toda machucada. Disse que eles tinham sofrido um acidente na estrada
morrido, pois o lugar que eu deveria sentar no carro foi completamente destruído.
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Lição número dois de novo: escute quem te ama, na maioria das vezes não
fomos para sua casa e chapamos a tarde toda. Já estava na hora de irmos embora,
sol em um lugar que chamávamos de “Céu”. Eu estava de férias, achei que poderia
ficar até mais tarde e fui com eles. Mas dentro de mim eu sentia algo muito ruim,
sufocante, foi horrível e decidi ir embora. Devia ser oito horas da noite. Quem me
recebeu em casa foi meu irmão, que estava muito sério e nervoso, mas eu nem
- A mãe saiu para te procurar, falou até em chamar a polícia. Você está
ferrada.
que eu fui embora, a polícia apareceu no local e a galera tomou geral, mas não
acharam o flagrante. Isso aconteceu uns dois dias antes da briga com a Babsi,
minha “amiga do rock”. Um mês depois que eu afastei, metade da turma foi presa
por tráfico de drogas. O mais irônico é que grande parte daqueles que “rodaram”
eram pessoas honestas, não traficavam e uns nem usavam nada, mas estavam no
51
local e na hora errada. Só que até você provar que não tem nada a ver com a
situação é outra história. O namorado da Babsi era informante da polícia, foi ele
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LIÇÃO NÚMERO TRÊS
53
CAPÍTULO 4
melhor desculpa que eu podia ter arrumado para afastar de vez da galera. Conheci
este garoto e a conversa fluiu, dois dias depois demos o primeiro beijo. Ele era o
meu “Lennon” e eu a sua “Yoko”, aconteceu tudo tão rápido que em uma semana
vez mais próximos. Nesta época os hormônios de uma adolescente estão no auge
e tudo que eu queria era finalmente experimentar o tal amor carnal. Com quase
dezessete anos eu era virgem e queria ultrapassar mais este limite. Tem coisas que
não dá para voltar atrás e acabei ficando mais apaixonada, até que aconteceu e,
como diz o ditado, o homem faz qualquer coisa antes de “ter” a mulher e a mulher
faz qualquer coisa depois de “ter” o homem. Não foi do jeito que eu tinha lido nas
revistas para adolescentes, mas também não foi ruim. Tive experiências bem
a me tratar mal, sumia, deixou de ser carinhoso e acredito que tenha ficado com
54
outras garotas. O pior era saber que antes dele começar a namorar comigo as
bons perfumes e ainda ensinei a usar o computador, que era uma novidade, poucos
tinham porque era muito caro. Eu fazia programação de dados em um tempo que
Ficamos juntos por uns meses e foi muito intenso para mim e um belo dia,
ele chegou e terminou tudo. Não queria falar o motivo, insisti muito e ele disse
que estava terminando porque estava sendo chantageado pela mãe. Sem entender,
lixo. Aconteceu próximo das férias de julho e para esquecê-lo fui visitar meu pai
em São Paulo. Que homem sábio! Percebeu que eu estava triste, mas jamais tinha
comentado nada da minha vida pessoal com ele, a gente não conversava esses
papos tipo pai e filha. Coisas de japonês. Só que uma noite ele me perguntou por
que eu estava tão triste e contei a história do ex-namorado. Foi neste momento
que percebi o paizão que tinha e suas palavras me fizeram aprender a quarta lição
de vida.
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LIÇÃO NÚMERO QUATRO
amo sua mãe e ela é uma Deusa para mim. Sou fiel até a
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Este foi o conselho que segui desde então. De tempos em tempos eu sou
fiel, mas não costuma durar muito, pois meus relacionamentos são passageiros,
como as cerejeiras em flor. No meu caso acho que posso ser comparada com
serei fiel até a morte. Se o parceiro começar a questionar minha fidelidade, com
57
CAPÍTULO 5
Sem namorado, galera ou amigos, fui procurar fazer algo útil da vida. Já
estava começando o terceiro ano noturno e eu tinha que pensar no futuro. Comecei
reencontrando uma garota que andava comigo na época da “Galera do Mal”, fazia
muito tempo que a gente não se via, pois ela tinha saído da turma alguns meses
antes que eu e tivemos a mesma sorte de não sermos presas. Sempre admirei a
“Dê”, para mim ela é uma mulher linda, maravilhosa, corajosa, poderosa,
isso a gente só encontrava durante o intervalo e ela comentou que antes de nos
reencontrarmos, costumava passar este tempo com um rapaz de sua sala. Eles
eram amigos desde o ano anterior e ela insistiu para que eu o conhecesse. Aceitei
a proposta com a ressalva de que ela me mostrasse quem era a pessoa antes de
meu melhor amigo na primeira escola que estudei. A gente tinha uns sete anos e
58
eu iria fazer aniversário, mas discutimos uns dias antes e convidei todos os colegas
da sala para irem à minha festa, menos ele. É óbvio que ele nunca mais conversou
muita vontade de pedir desculpas, mas meu orgulho não permitia. Mas o destino
colega de sala fez uma festa, convidou todas as pessoas do Colégio, menos eu.
Eu não quis conhecê-lo, pois minha visão de mundo ainda era tão fechada
nesta época e tudo que vi foi um cara ‘riquinho’ e mimado, pois ele era lindo,
andava muito bem vestido e perfumado. A minha amiga insistiu e aceitei conhecê-
lo, também eu não tinha mais nada para perder. Fomos “reapresentados”, o Rique
conversava. Não desgrudamos mais. Falo hoje, seguramente, que o Rique e não
‘riquinho’ é o meu presente de Deus, pois quando estou com ele tudo é real e
infantil: ele me enxergou com os olhos da alma, viu em mim a pessoa que eu
mesma não conseguia enxergar: O lindo reflexo da moça que se olha no espelho.
galera do Colégio e era a menina estudiosa, “nerd”, que sonhava em fazer uma
revoltada, mesmo tendo deixado de andar com a galera do mal, ainda botava medo
em todo mundo, começando pelo meu visual. Por causa do que aconteceu com a
turma, deixei de usar camisetas de banda, mas mantive a calça jeans rasgada, o
coturno cano longo, o cabelo preso num rabo de cavalo, sem brincos, anéis,
adornos ou maquiagem. Além disso, eu sonhava em ser hacker e era uma das
melhores alunas do curso e uma das poucas pessoas na cidade que possuía acesso
à Internet. Este meu lado masculino era e ainda é muito forte e naquele tempo foi
No curso técnico, fiz amizade com uns meninos, a “Hilda” e a “Tila” e sim,
os apelidos são femininos, eles eram gays assumidos e sofriam muito preconceito
por isso. Uma noite, estávamos na aula de estatística e um garoto, o Kiko (ele
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parecia mesmo com este personagem) fez um comentário muito infeliz e, olhando
câmara de gás, precisam tomar vergonha na cara, com certeza não apanharam o
suficiente na infância para serem assim. Se fosse meu filho ou filha, eu matava.
- Para mim não foi brincadeira. Se você quer matar gays e lésbicas
E chamei o moleque para resolver a situação fora da escola, mas ele não
homem que o cara. Depois deste dia nunca ouvi nenhum comentário sobre nossa
funcionou muito bem. A situação fez com que ficássemos muito mais íntimos e
eles me convidaram para conhecer os amigos que tinham fora da escola: A turma
61
Em meados de junho, eu desisti do cursinho pré-vestibular, mas o Rique
continuou sendo meu grande amigo, nós nunca mais separamos depois do
reencontro e fazíamos tudo juntos. Inclusive fomos visitar meu pai nas férias de
julho e foi um dos melhores momentos da minha vida, pois os dois ficaram muito
amigos e meu pai comentou em um momento que o Ri era uma daquelas pessoas
que eu deveria ser fiel até a morte. Fui, sou e serei por toda a eternidade.
fazendo com que eu acreditasse que era um homem gay preso dentro do corpo de
uma mulher e assim tentei viver minha sexualidade em todos os sentidos. Cheguei
a sair com algumas meninas para ver se era o que eu gostava, mas compreendi
que não era o que eu queria, sentia atração pelos homens e isso me deixava
confusa, gostava tanto dos garotos que queria ser como eles. Eu já estava com
dezessete anos. Acredito que faço parte da geração que “saiu do armário”, pois
crescemos sob a sombra do preconceito e ódio aos gays, mas lutamos contra o
(para quem não sabe são uns caras lindos que fazem strip tease) e disponibilizaram
encontrar algumas pessoas que eu jamais suspeitaria que pudessem estar ali. E
adivinha quem encontrei na festa? O Kikovarde! Aquele cara da escola que odiava
e queria matar gays. Ele olhou para mim, eu olhei para ele, o garoto ainda tentou
se esconder, mas não teve como. Não aguentei e fui cumprimentá-lo e no maior
cinismo disse:
programa)
- Claro que você não sabia, mas aproveita, festa é festa! Fica tranquilo,
aqui ninguém vai fazer nada com você contra sua vontade, respondi.
E ele completou:
63
- Por favor, não comenta com ninguém que me viu aqui! Você sabe,
fosse muito feliz. Até acreditei mesmo que ele estava lá por engano, pois acho que
ele não seria tão burro ao ponto de ir num lugar onde poderia encontrar os colegas
de sala. Procurei meus amigos e por uma questão de honra contei para a Hilda e
para a Tila quem eu havia encontrado na festa. Eles ficaram em êxtase com a
notícia, mas eu não precisei guardar este segredo por muito tempo: No fim da
festa, o Kiko estava (e não parecia querer esconder isso de ninguém) aos beijos e
abraços com outro cara e anos depois fiquei sabendo que ele saiu do armário e
assumiu que era gay. Às vezes odiamos aquilo que mais queremos ser ou ter. Foi
64
LIÇÃO NÚMERO CINCO
mudar.
65
Eu finalizei o ensino médio e comecei a fazer faculdade a noite. Tinha
completado dezoito anos. Foi um ano muito intenso, passei a trabalhar em período
teatro. O ano passou muito rápido e já estávamos em novembro. Fazia uns meses
que eu tentava convencer minha mãe sobre a possibilidade de ir morar com meu
pai em São Paulo no ano seguinte. Claro que ela não queria me deixar ir, creio
que temia que eu me perdesse de vez na cidade grande, pois eu ainda era “porra
louca” na época, mesmo tendo endireitado bastante durante o último ano. Acabei
convencendo minha mãe e prometi que ela não iria se arrepender. Agora só faltava
convencer meu pai e no primeiro final de semana que ele veio para casa, minha
mãe e eu o chamamos para ter uma conversa muito séria sobre meu futuro e pedi
uma chance para mudar de vida. Qualquer cursinho em São Paulo ainda era
Meu pai disse que iria pensar e falou que quando viesse para casa
novamente teria uma resposta. Esperei ansiosamente por duas semanas e quando
ele voltou, chamou minha mãe e eu para conversarmos e disse que iria realizar
meu desejo de ir estudar fora, por isso, fez umas pesquisas e entrou em contato
com uns amigos para descobrir onde eu deveria estudar. Ele escolheu um dos
fevereiro, mas para morar com ele eu tinha que aceitar duas condições: Seguir
suas regras em casa e ser aprovada numa Universidade Pública. Senão eu voltaria
66
a morar com minha mãe. Claro que aceitei as condições, mesmo sabendo que teria
menos de um ano para passar no vestibular. Eu queria fazer Medicina e sabia que
67
CAPÍTULO 6
Ir morar com meu pai em São Paulo para fazer o cursinho foi o começo da
realização de um sonho. Para mim, que tinha terminado o curso técnico no ano
anterior e estava fazendo faculdade particular, era uma oportunidade única e tudo
que eu podia fazer era agarrar a chance com unhas e dentes. Foi exatamente o que
fiz: Mudei para São Paulo e me tornei uma “boa menina”. Estudava, no mínimo,
dez horas por dia, não tinha vida social e parei de usar drogas. Quer dizer, tinha
parado com tudo exceto o cigarro, que na época era o Free. Concentrei todas as
minhas forças nos estudos e tentava ser uma das melhores alunas do curso, mesmo
aprenderam em anos, pois meu incentivo era lembrar que teria que voltar para
minha vida antiga se não passasse na faculdade. Agradeço à equipe deste cursinho
lembranças desta época. Obrigada mesmo! A forma como ministro minhas aulas
hoje são, em grande parte, inspiradas nos professores que tive quando estudei
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maravilhosas, dignas, amigas e que me apoiaram em um momento decisivo de
Morar com meu pai em São Paulo foi uma experiência magnífica, pois ele
muito e ele falava sobre seu passado, pelo menos a parte que podia revelar. De
Liberdade. Uma vez até fomos ao cinema e foi a primeira vez que meu pai fez
esse tipo de programa comigo. Mas estes momentos não eram frequentes, pois eu
quando não podia sair com ele, ao voltar para casa depois das aulas, eu era
recebida com um “mimo”, geralmente algo delicioso. Sempre adorei comer e meu
paladar foi bem treinado, por isso jamais irei esquecer a comida mais magnífica
que ele me fez experimentar: Enguia! Com certeza este prato está entre as cinco
coisas mais gostosas que já experimentei até hoje. Meu pai ainda explicou onde
eu poderia encontrar essa iguaria. Perguntei quanto tinha custado. Ele riu e
respondeu que quatro unidades eram o equivalente à mesada que eu recebia por
mês. Fiquei espantada com o preço e falei que era muito caro para mim, que não
tinha coragem de pagar tão caro por tão pouco. E ele disse:
você paga pelas coisas. Valor é o que você estaria disposto a dar por elas. E tudo
tem um preço, mas poucas coisas realmente têm valor. Vou te fazer uma pergunta:
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- Quanto custa uma garrafa com água? Provavelmente esse produto
terá o mesmo preço em diferentes lugares, pois existe uma grande oferta. Isso se
chama preço. Mas se um dia a água se tornar um item escasso e raro, o que você
daria para conseguir esta mesma garrafa com água? Imagino que você daria
preço. Mas algumas pessoas não têm preço e dinheiro nenhum no mundo as
compra: Isso significa Valor. Para mim não tem dinheiro nenhum no mundo que
pague a felicidade que senti quando te vi em êxtase ao saborear esta comida. Por
isso esta experiência única não tem preço e sim valor: Você jamais irá esquecer!
Durante anos fiquei pensando nisso e só consegui entender o que ele queria
dizer quando descobri e aceitei meu próprio valor. Adoro ser professora porque
foram os alunos que me ajudaram enxergar e aceitar que eu tenho “valor” e não
preço. Obrigada!
70
LIÇÃO NÚMERO SEIS
71
CAPÍTULO 7
É com esta pergunta que começo minha aula inaugural e os alunos sempre
caindo. Em primeiro lugar, o que é ser racional? Por definição seria a capacidade
de resolver problemas. Só que o ser humano não é o único utiliza o que chamamos
1 Fonte: http://www.bbc.com/portuguese/ciencia/2011/06/110610_chimpanzes_dg.shtml
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Se a capacidade de resolver um problema for considerado como um
serem “racionais”?
“comunicação”? Por definição, comunicar é o meio que utilizamos para que outra
pessoa consiga compreender uma mensagem, uma ideia. Desta forma, comunicar
não é apenas falar, ler ou escrever, pois existe também a linguagem de sinais e a
linguagem corporal. Gosto de fazer uma brincadeira com minhas alunas nesta
aula:
garoto que você tinha comentado antes. Aí, a amiga que não entende nada de
linguagem corporal, aponta para o garoto e ainda solta em alto e bom tom:
pessoa não entendia o que era a linguagem corporal. Pelo mesmo motivo, hoje
consigo perceber se alguém está triste ou se a aula está chata. Quando “sinto” que
os alunos estão perdendo o interesse, mudo o foco e uso alguma estratégia para
73
É possível afirmar que somente os seres humanos possuem a capacidade de
crocodilo, por exemplo, é capaz de destroçar um osso com uma mordida. Nós
cachorro me dão um “olé” quando tento pegá-los, pois são bem mais rápidos que
eu. E posso citar inúmeros exemplos. Mas, mesmo assim, o ser humano conseguiu
74
que me leva a perguntar qual capacidade possuímos para realizar tal façanha. Não
temos asas, mas voamos, pois construímos aviões. Não temos guelras, mas
ao frio extremo, mas desenvolvemos roupas capazes de nos proteger. Então, o que
e com ele, usufruir de seus benefícios. Mas, ao que parece, também não somos os
Kanzi também acende seu próprio fogo. Ele dá uma procurada ao seu
redor por gravetos secos e recolhe a madeira antes de riscar um fósforo
e começar a cozinhar. Isso mesmo, ele usa fósforos. Os cientistas da
reserva contam que ensinaram Kanzi após ele mesmo pedir, depois de
assistir a um filme sobre homens das cavernas descobrindo o fogo.
3 Fonte: http://hypescience.com/10-comportamentos-surpreendentemente-humanos-em-macacos/
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O calor evita a hipotermia. A luz fornece a capacidade de vermos as
ameaças que até então estariam escondidas pela escuridão. E cozinhar nossa
espaço para que nossas caixas cranianas se tornassem maiores e assim pudesse
confortar um cérebro mais desenvolvido. Assim, ganhamos mais tempo para que
fator decisivo que realmente nos diferencia dos outros animais: O ser humano é o
único animal capaz de realizar seus sonhos. Os outros animais podem até sonhar,
mas desconheço um que realize seus sonhos. Ainda brinco com meus alunos sobre
isso ao dizer que meu cachorro pode até sonhar que está comendo um churrasco,
4 Fonte: http://www.cdcc.sc.usp.br/ciencia/artigos/art_48/EraUmaVez.html
76
Quanto aos meus sonhos eles são tão reais... E este livro é um exemplo do
que vejo quando durmo. Faz anos que tento escrever algo que preste e um dia
acordei e comecei a anotar o sonho que havia tido: Foi o esboço das 10 lições que
aprendi com a vida. Em outra ocasião ganhei um prêmio por ficar em primeiro
sonhos para ler depois e ali estava: Havia sonhado que eu era idosa e tinha vivido
o tal “Bug” do milênio, que foi uma piada, não aconteceu nada, assim como em
2012.
não foi em Medicina, percebi que minha paixão era a área de humanas e descobri
minha vocação: Ciências Sociais. Quando contei o resultado para a família, meu
pai me abraçou forte e senti lágrimas molhando meu rosto. Esta foi a primeira e
única vez que eu o vi derramar uma lágrima. Ele não chorou na nossa frente nem
mesmo quando contou que havia perdido a empresa que tanto amava. Agradeci
por tudo e chorei de felicidade junto com ele. Foi assim que aprendi a lição
número sete:
77
LIÇÃO NÚMERO SETE
O único que pode dizer não para seus sonhos é você mesmo. Se nos
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CAPÍTULO 8
uma cidade linda, localizada no interior de São Paulo. Fui aprovada em outras,
mas decidi estudar no interior porque meu pai havia sido demitido do emprego e
teria que refazer, mais uma vez, sua vida. Eu iria morar sozinha e tinha certeza de
que não resistiria às tentações oferecidas em uma grande cidade. Sabia também
que essa era a oportunidade que tinha para mudar meu futuro e precisava me
tivemos tempo para de conhecer o quarto, tomar um banho e ainda pensar em sair
para comer alguma coisa. Mas, em vez de jantar, meu pai sugeriu algo diferente,
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muito confortável e perto da faculdade. Era um luxo para mim! Finalmente
neste meio tempo, meu pai, meu irmão, minha cunhada e minha sobrinha
mudaram para a Bahia, pois iriam montar um comércio. Mais uma vez meu pai
Quando fiquei sabendo que a greve poderia durar um bom tempo, arrumei
minhas malas, liguei para minha mãe e disse que estava indo visitar meu pai em
Porto Seguro. Peguei um ônibus e fui. Fiquei um pouco mais de um mês com ele,
tempo suficiente para que eu comemorasse meu aniversário de vinte anos. Dois
dias depois percebi que meu pai estava estranho, calado, recluso e dormindo
muito. Ele era um homem muito forte e jamais comentava se estava doente ou
sentindo algum tipo de dor. Só descobri que ele não estava bem porque encontrei
manchas de sangue no banheiro. Ele tentou negar, mas o pressionei até saber o
lugar com mais recurso, porque ali não tinha como fazer nada.
e ele foi internado imediatamente. Fiquei com ele até parte da noite e minha irmã
80
ficou o restante. Quando estávamos lá, criei coragem e perguntei a verdade sobre
nossa família, mas ele se recusou a falar. Eu já imaginava qual seria a verdade,
pois me lembrava das tatuagens que vi nas costas do meu avô quando ele veio ao
Brasil e sabia o significado delas: Yakusa. Meu pai negou que houvesse alguma
conexão entre os fatos e anos depois todos seus amigos também negaram quando
questionei. Japonês sabe guardar um segredo até a morte. Admiro muito meu pai
e o admiro mais ainda se a história for verdade, pois se ele saiu da máfia é porque
queria ser honesto. E foi um homem honesto no país mais desonesto do mundo, o
No hospital tudo parecia estar bem, ele estava lúcido e conversando. Dois
dias depois meu pai sofreu uma série de derrames e entrou em coma.
Meu irmão foi informado e voltou da Bahia imediatamente com sua família.
Três dias depois do AVC, na data de comemoração dos vinte e cinco anos de
casamento dos meus pais, minha mãe, meu irmão, minha irmã, minha cunhada e
eu estávamos rezando de mãos dadas, pedindo para que Deus fizesse o que fosse
melhor para ele. De repente mamãe se encurvou e falou que estava sentindo uma
dor muito forte na região umbilical, ficando algum tempo assim, até levantar a
cabeça e dizer:
81
Meu pai tinha comentado que fazia questão de comemorar os 25 anos de
casamento com minha mãe. Uma hora depois ligaram do hospital solicitando que
fôssemos lá. A gente já sabia o que eles iriam dizer. Ele havia morrido. A falta
que senti dele foi indescritível e até pensei em desistir da faculdade, mas, seguindo
Claro que eu estava com medo de repetir as mesmas experiências que tive
durante minha vida escolar, mas minha vida de universitária foi completamente
ele foi a primeira pessoa com quem conversei. Era um colega de sala que acabou
que dure para sempre. Vou te amar por toda a eternidade, meu grande amigo! Essa
é uma homenagem para você! Desde o primeiro dia que conversamos, ele
comentou que eu tinha que conhecer seu companheiro de quarto, mas não dei
muita atenção para o comentário, pois um dos meus focos de interesse social era
apartamento. Isto tinha acontecido antes da greve, antes de perder meu pai.
ele parecia ser um cara legal e aceitei quando ele me convidou para sair no dia
seguinte. Depois do encontro até rolou uns beijos e saímos outras vezes, mais foi
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só isso que aconteceu entre nós. Eu não desejava ter maiores compromissos com
- Oi, sou seu vizinho que mora no andar de baixo e vim aqui te
companheiros. Aquele seria seu último ano na faculdade e seus amigos eram os
veteranos mais respeitados do nosso curso. Ao andar com ele e sua turma ganhei
um “status social” que nunca sonhei possuir um dia. Por causa dele, fui convidada
palestras e cheguei a comparecer como aluna visitante nas aulas que eles
frequentavam.
esvaziava e só ficava por lá quem não podia viajar. Eu tinha que ficar no final de
semana por causa da distância, mas sempre tentava voltar para minha família nos
feriados. Meu amigo também não costumava ir muito para casa e este fator nos
uniu ainda mais. Ele gostava de praticar esportes, surfava, andava de skate, corria,
83
jogava futebol, treinamento que lhe proporcionou um belíssimo corpo,
e encaracolado. Ele parecia um anjo. Mas eu respeitava nossa amizade, até quando
ele pedia para fazer uma massagem e em várias ocasiões, dormia no meu
apartamento, mesmo morando no andar de baixo. Sabia que ele pegava geral e
não importava cor, peso, altura, só bastava ser mulher, no entanto, não me
aproveitei da situação pois sabia que amante ele tinha aos montes, mas amiga era
meu pai, voltei para lá e continuei a jornada. Uma semana depois do meu regresso,
Tiris comentou que ia acontecer uma super festa e que a gente tinha que ir. Aceitei
uma vez na vida, pois foi tão forte, intenso e único, que o mundo parou e tudo que
estava ao nosso redor perdeu a importância. Tive certeza que era recíproco quando
- Você tem mesmo que ir para esta festa? Não tem como cancelar e
aparecer no meu apartamento uma hora. Fui para a festa, era uma quinta feira e
conseguíamos parar de falar, só que eu tinha que ajudar meu amigo na cozinha e
lá continuamos o debate. Na hora que servi o almoço senti que meus amigos
refeição, o Chê comentou que estava incomodado de ficar com a turma e pediu
para ficar à sós comigo, então, despedimos de todos e fomos para meu
apartamento. A troca de ideias foi tão intensa que quando abri as cortinas e olhei
pela janela, já tinha escurecido, mas parecia que estávamos ali somente há poucos
minutos. Ele comentou tinha perdido a noção do tempo, não imaginava que já
piadas como fez ontem quando estava com você. Por isso que todo mundo
estranhou e olha que eu já o tinha chamado outras vezes para vir aqui e ontem foi
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Fiquei sem entender nada. Será mesmo que tinha sido assim tão forte? As
cara esquivo e misterioso, mas parecia existir uma força maior que nos unia e a
pessoas e quase nunca ficava sozinha e ele não gostava de se aproximar, então,
encontrar diariamente.
Gostei dele desde o primeiro olhar que trocamos, mas o que eu sentia tomou
qualquer coisa, qualquer coisa mesmo. E em uma maravilhosa noite de lua cheia,
conseguido arrastá-lo comigo para uma balada com a galera e decidimos dormir
conseguido até então: me desafiar mentalmente. Parecia que víamos a vida pelo
mesmo prisma, pois ele também queria mudar o mundo!!!! E fazíamos tantos
86
Nesta noite, nesta fatídica noite, por incrível que pareça, disse não quando
ele tentou transar comigo. Se existiu uma única noite em minha vida que me
arrependi profundamente foi essa. Durante anos eu trocaria todos os dias do futuro
por esta única noite. Ah, se eu pudesse mudá-la! Hoje não tenho mais
se tivesse dito sim. Continuamos amigos, mas pairou uma tensão no ar depois
deste episódio, porque ele sabia que eu não recusava sexo quando estava afim do
cara. Uns dois meses depois revelei que estava apaixonada por ele e sua resposta
foi:
Meu mundo desabou. Chorei muito e chegou a doer fisicamente, sofri como
achei que nunca sofreria um dia. Felizmente ou infelizmente sou o tipo de pessoa
que larga tudo sem olhar para trás e sempre renovo minha vida. Sumi por uma
semana, tirei ‘férias’, fui encontrar minha família e o Rique. Em um mês eu tinha
mudado o visual e emagrecido um tanto bom, ainda era gorda, mas tinha ficado
uma gorda gostosa. Para completar, intensifiquei minha vida social e fiquei
mesmo com vários caras, mas estava machucada demais para aprofundar em
qualquer tipo de relação. Claro que o Chê voltou correndo. E foi na noite que
feira, o dia preferido da semana para começarmos a curtir a vida. Era nosso
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“feriado”, como dizia Rauzito, meu grande mestre. Um dos rapazes que eu estava
ficando era de outra cidade e tinha ido passar o fim de semana comigo para
comemoramos meu aniversário. Não convidei o Chê, mas ele foi com o Rubão e
na festa tentou chamar minha atenção o tempo todo, mas meu rolo não deixava
Chê para ir embora e ele disse que iria ficar, mas o meu amigo que o tinha levado
não deixou e ainda tirou um sarro da cara dele, comentando que eu estaria muito
era muito cega e idiota na época, alimentei a ideia de que ele queria ficar comigo,
de que existia algo a mais que amizade entre nós. O rolo se perdeu em algum
Foram anos loucos, o Chê e eu passava a maior parte do tempo juntos, pelo
menos as horas que nenhum dos dois estava envolvido com outras pessoas. E
travávamos uma competição imbecil para saber quem ia machucar mais o outro,
pois ele ficava injuriado quando me via com outros caras e eu quando o via com
outras garotas. Mas quando ficávamos muito bêbados, a máscara caía e um atiçava
o desejo do outro, no entanto, rolava só uns beijos e nada mais. Eu estava com
vinte e três anos e decidi experimentar como seria morar em uma “república”, mas
essa história foi muito bizarra e eu conto depois. Saí da república e mudei para
88
uma casa, ela era linda, pequena, de fundo, com um bom quintal, quarto, sala,
cozinha e banheiro. Era perfeita para mim e eu precisava de paz de espírito, pois
fazer depois que eu terminasse a faculdade. Meu orientador havia comentado que
O Chê estava morando com uma garota, mas como ele passava a maior
terminou o relacionamento. Sem lugar para morar, ele pediu abrigo e o aceitei de
braços abertos. Pode parecer ironia do destino, mas ele se mudou no dia 1º de
Abril e lembro perfeitamente da data porque eu tinha combinado com minha mãe
de ir para casa no dia sete e ficaria uns quinze dias com minha família, pois tinha
dia uma amiga nos convidou para uma festa, que durou 48 horas. No quarto dia
decidimos “experimentar” uma carne exótica e fomos comer rã. O quinto dia
amanheceu frio, chuvoso e ficamos em casa. À noite descobrimos que existia uma
infiltração na sala, que encharcou o colchão que ele usava e por isso teríamos que
dormir juntos. Lembro de ter pensado: Era a oportunidade perfeita para que,
finalmente, tivéssemos nossa “noite de amor”. Mas se ele não chegasse eu não
iria dar o primeiro passo. E ele não chegou. Na outra noite aconteceu o mesmo:
Nada.
89
No dia seguinte, conforme tinha combinado com minha mãe, fui para casa
e fiquei 15 dias curtindo minha família. Quando voltei da viagem, recebi a notícia
bombástica: O Chê veio me contar que tinha conhecido uma garota, ficou com ela
forte que um ser humano pode ter. Ele me perguntou se eu toparia conhecer a
menina e aceitei, mas nos odiamos à primeira vista. Como sou civilizada, procurei
fisicamente. Como diz o ditado, quem não tem razão parte para a agressão e
Hoje sei que devia tê-lo mandado embora da minha casa, da minha vida,
mas estava tão cega e não tinha amor próprio, por isso aceitei escutar daquele que
tomado e ele respondeu que não. Eu já imaginava o que estaria por vir. Novamente
a lição número três: Ouça e fique atento para o que acontece ao seu redor e perceba
que o universo manda recados para você. Quando a gente não escuta, se ferra. Me
90
permiti viver isso até lembrar da lição número quatro. Arrumei uns três ou quatro
principalmente com meu irmão, que me ligava dia sim dia não. Em uma das
conversas ele propôs que montássemos um negócio, mas na hora eu disse que
precisava pensar, pois dias antes havia entregado o esboço do meu trabalho de fim
de curso para meu orientador e ele afirmou, veementemente, que minhas chances
mais uma notícia bombástica: A namorada do Chê estava grávida. Fiquei tão
desesperada que nem pensei, liguei para meu irmão e aceitei a proposta. Em
menos de quinze dias larguei tudo: O Chê, o mestrado, minha casa, minhas coisas,
minha vida e voltei para minha cidade. Se a vadia queria tanto assim o meu
homem, que ficasse com tudo, inclusive com meu cheiro. Fui embora sem olhar
para trás.
Abrimos o negócio e isso passou a ser minha vida. Foram seis anos de luta,
obrigações, tipo, até umas duas horas da manhã, seis dias por semana. Mas depois
que eu saía... Chapava com o álcool, pegava a moto e saía para qualquer lugar que
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tivesse gente, mas eu sempre estava sozinha. No caminho gostava de ir pela
verdade eu não me importava com nada. Fiquei tão abalada emocionalmente que,
por três anos, não consegui beijar ninguém. Me via novamente como um monstro.
realmente queria morrer, pois não suportava mais o peso de viver. O negócio ia
bem e estávamos começando a estabilizar, mas minha vida pessoal não existia,
era insuportável acordar dia após dia. Queria entrar para o clube dos 27. Minha
lembro de nada, devo ter ficado hospitalizada por uns dois dias. Eu quase consegui
ser bem sucedida em minha tentativa de morrer. Quando saí, mais uma vez minha
família estava ao meu lado e foi minha irmã quem me resgatou e posso dizer que
devo minha nova vida a ela. Obrigada de novo. A Deza me levou em uma
meu discurso sobre a vida era chato, cansativo, repetitivo e finalmente acordei.
92
LIÇÃO NÚMERO OITO
pessoas.
93
CAPÍTULO 9
Ainda estava infeliz, mas tentava melhorar. A gente estava fazendo sucesso,
anteriormente, a “sociedade” queria ser vista por lá. Aprendi que quando somos
para o dia. O telhado estava podre, mas a sorte é que aconteceu durante a
madrugada e não feriu ninguém. Só que nossa vida desabou junto. Lição número
casa da nossa mãe, onde tínhamos começado. A gente não tinha o mesmo status,
finalmente tive que usar meu diploma de Cientista Social e acabei virando
professora. Entrei por dinheiro, confesso, mas não foi por este motivo que
continuei.
achando que ela iria durar os cinquenta minutos, mas não passou de dez e fiquei
94
sem perdida, pois não sabia o que fazer. Até que um aluno perguntou o que eu
os pensadores, ouvi a voz dos meus mestres ecoando em minha mente e comecei
a falar o que sabia. Eles ficaram encantados. O dia terminou e senti que existia
faculdade e comecei a estudar. A cada aula e a cada dúvida eu estudava mais, pois
tinha encontrado minha verdadeira vocação. Planejei minha saída do negócio para
alunos, muitos viam conversar comigo e foi assim que conheci o Filipe. Menino
debate que travamos, tanto que ele tentou me “converter”. Falou com tanta paixão
sobre “Seu Deus” que fiquei maravilhada com tamanha pureza de coração e não
passei a desejar que se um dia eu tivesse um filho, que fosse como ele.
acreditava em Deus, mas acabei indo por ele. Só que depois da primeira reunião,
perguntar se realmente existia algo maior que nós, uma força que conduzia minha
vida. O nome desse “algo maior” não importava, Filipe o denominava de Jeová,
eu chamava de Deus, outros de Alá e vi que era a mesma força criadora que nos
unia. Passei a agradecer por minha vida e parei de reclamar. Eu finalmente estava
E naquela cinza manhã de segunda feira, meu celular tocou e era minha
mãe. Como eu não trabalhava naquele dia, achei muito, muito estranho ela me
ligar, pois ninguém em casa ousava me acordar no meu dia de folga. Atendi e
Eu sabia que eles não teriam ligado se não fosse alguém muito próximo.
Comecei a chorar. Todos sabiam como éramos amigos. Ele foi uma das pessoas
com a maior pureza de alma e espírito que conheci na vida. Fui imediatamente
para o local do velório e só acreditei que era verdade, que era ele, quando o vi no
caixão. Chorei e chorei muito, mas não foi por ele, porque eu sabia que estava em
96
um plano melhor. Chorei por mim mesma, pois havia perdido a pessoa que tinha
Sempre que penso em brigar com Deus me lembro do Filipe, que estará
para sempre em meu coração. E agradeço a este ser criador por minha vida, pois
percebi que ter fé me torna mais forte e foi assim que aprendi a lição número nove.
97
LIÇÃO NÚMERO NOVE
98
Hoje sou muito mais feliz por acreditar que existe essa energia poderosa e
magnânima que conduz minha vida e tudo que posso dizer é que no momento
certo obtemos a resposta para perguntas que foram feitas no passado. Foi o que
aconteceu quando reencontrei, anos depois, meu primeiro namorado. Aquele que
podia ligar um dia para conversarmos. Respondi que sim. Recebi seu telefonema
Lennon comentou que tinha se arrependido por ter terminado comigo e que nunca
encontrou novamente alguém como eu. Até pediu uma outra chance.
e não nos vimos durante um bom tempo. Só que o universo, mais uma vez, nos
impõe situações estranhas que temos que viver para aprender que tudo que
fazemos nesta vida volta um dia. Não foi intencional, mas aconteceu.
Anos depois desta noite eu lecionava para adultos em um curso para pessoas
que estavam defasadas nos estudos e tinham que recuperar o tempo perdido. De
repente, não mais que de repente, quem eu vejo? Lennon, o ex-namorado. Depois
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cruzaram novamente. Ele me cumprimentou e começamos a conversar. E
perguntei:
- Não sou aluna. Eu leciono para as turmas do período que você quer
E falou que estava feliz por mim. Eu desejei boa sorte, nos despedimos e
não o vi mais. Na hora a gente não entende, mas quando a força maior corta algo
de sua vida, aceite e agradeça: você não sabe o que te espera no futuro.
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CAPÍTULO 10
A terapia estava fazendo efeito e posso dizer que foi um período feliz, pois
mês ele me pediu em casamento e aceitei. A gente conversava o dia todo, ele
ligava para dar bom dia, boa tarde, boa noite, para dizer que me amava, para dizer
oi, para saber como eu estava. Fazíamos planos para o “Grande Dia” e ele falava
vez, não olhei para trás e resolvi mudar definitivamente minha vida. Voltei a
101
E realizei meu sonho: Fiz a cirurgia e emagreci muito, em torno de 50
mais, tinha conhecido antes da operação uma pessoa muito especial e estávamos
namorando firme. Éramos felizes, só que as coisas mudam e terminamos, mas vou
sentir um carinho enorme por essa pessoa, mas que não ouso revelar o nome
porque sei que ele não iria gostar que eu fizesse isso. Obrigada por me amar tanto.
eu não entendia o motivo. Falo que são pessoas mal amadas, não pelos outros,
mas por si mesmas, como eu tinha sido no passado. Quando lembrei do meu
passado e tudo que tinha vivido até aquele momento, percebi que tinha aprendido
a décima lição.
102
LIÇÃO NÚMERO DEZ
consigo ser assim, mas nem sempre, por isso sou uma
103
Foi assim que resolvi, mais uma vez, reinventar minha vida. Comecei a
fazer novos planos, mudei de emprego, namorado, enfim, mudei tudo que estava
ao meu alcance naquele momento. Continuo acreditando que posso mudar alguma
coisa, mas percebi que o mundo eu não posso mudar. Como a história do menino.
Não lembro a fonte (espero que não seja acusada de plágio), sei que li na internet:
auge dos seus oito anos de idade, era brincar com seu pai, mas ele nunca tinha
tempo para fazer isso. O dia inspirou e encorajou o garoto, que pensou:
- O dia está tão bonito! Quem sabe o papai aceita brincar comigo!
trabalho, que ele receberia apoio da empresa para realizar este objetivo. No
entanto, os anos passaram e a promessa nunca foi cumprida, mas ele tinha que
sustentar a família e acabou se sujeitando, dia após dia, a ser mais um escravo do
Ouviu suaves batidas na porta do quarto que usava em casa como escritório
nos finais de semana. Irritado por ter sido interrompido, viu seu filho e,
Pensando que seu filho demoraria horas para resolver o problema, o homem
começou a folhear uma revista até encontrar o que procurava: Um mapa com
- Conserta o mundo para mim e quando você terminar paro tudo e vou
O garotinho pegou os pedaços picados e foi para seu quarto. O pai, achando
que teria horas de tranquilidade para trabalhar, foi surpreendido pelo filho pouco
não vai?
O pai não estava acreditando que o garoto tinha resolvido o enigma, pois a
figura que tinha escolhido era muito difícil de montar e nem ele sabia como fazer
isso. Mas viu que a tarefa tinha sido concluída com perfeição, pois todos os países
105
- Filho, você não sabia como era o mundo, então, como conseguiu
consertá-lo?
E o garoto respondeu:
difícil e não consegui. Mas lembrei que quando o senhor arrancou a página da
revista para fazer o quebra cabeça, do outro lado dela eu tinha visto a figura de
porque eu sabia como ele era. Quando terminei de consertar o homem, virei a
Depois dessa, o pai largou tudo e foi brincar com seu filho.
Percebi que não posso mudar o mundo, muito menos outras pessoas. Tudo
que posso fazer é mudar a minhas atitudes perante a vida e assim, talvez eu
consiga causar um impacto nas pessoas que as ajude a mudar também. Só que na
maioria das vezes vamos encontrar pelo caminho pessoas invejosas, pequenas,
egoístas e que irão tentar fazer de tudo para nos derrubar e nos prejudicar. É nestas
situações que recorro à lição número dez: O que estou sentindo sou incapaz de
Antes de dividir a casa com o Chê, fiz amizade com duas meninas, elas
pareciam ser boas pessoas e decidimos montar uma “república”. Aceitei o convite
106
porque não podia passar pela faculdade sem saber como era viver essa
outras três moças que eram amigas das minhas colegas. Encontramos um linda
casa, muito bem localizada e assinamos o contrato, mas com a condição de ter que
Nos primeiros dias morando com elas, percebi que havia cometido um
grande erro, pois as meninas cursavam a mesma faculdade particular, que era
milionários e quem me sustentava era minha mãe, que também arcava com o custo
de vida dos meus irmãos. Eu sabia que a situação financeira da família estava
Mas uma coisa eu não posso negar: Elas sabiam planejar uma festa
para a história da cidade. Organizaram a casa para limitar o acesso aos quartos,
um bar para vender bebidas e sei que o lucro foi grande, pois tinha tanta gente que
a rua teve que ser usada para comportar tantas pessoas. Aliás, nunca vi um centavo
deste dinheiro porque, de acordo com elas, como eu não ajudei com os
preparativos, também não teria direito à partilha. Por mim, estava tudo bem.
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Muita bebida, substâncias ilícitas, música alta, bagunça... A chegada da
polícia acabou com a diversão e duas pessoas foram presas. Foram os vizinhos
que chamaram. Isso deveria ter servido como alerta, mas elas ignoraram e
resolveram fazer mais uma grande festa na semana seguinte. Como eu já tinha
aprendido a lição número três, ouvi o recado que o universo mandou e fiquei
atenta para o que estava acontecendo ao meu redor e no dia do grande evento, fui
que a festa havia sido um fracasso e que “nós” teríamos que arcar com o prejuízo.
- Cada uma tem que pagar X (e citou o valor). Queremos a sua parte
amanhã.
exatamente isso que vocês alegaram para não dividir comigo o lucro da primeira
festa! Além do mais, minhas atitudes são baseadas em algo que aprendi com meu
pai!
Elas ficaram curiosas e perguntaram o que meu pai falava. E citei “A Lição
Bônus Track”!
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LIÇÃO BÔNUS TRACK
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Depois dessa, as “Princesas” falaram que iriam se responsabilizar e dividir
o prejuízo entre elas. Ainda tive que suportá-las por mais um mês, tempo
mudar. Mas como diz o ditado, “ou encaramos as coisas como uma bênção ou
como uma maldição” e, no meu caso, as situações que vivo são tão únicas que
tornam minha jornada neste mundo uma constante surpresa, por isso, tento ver
tudo que vivo como se fosse uma “bênção”. É o caso do “Dono do Pote de Mel”.
amigas e passei a gostar muito dela. Com seus setenta anos de idade, ela era uma
eu aproveitava cada minuto que tinha disponível para ouvir suas histórias, seus
conselhos e dicas sobre a vida, pois ela tinha uma vasta experiência com as
pessoas.
república”: Um lindo pote de mel! Era puro, com uma tonalidade de âmbar-claro,
da roça, produzido por um amigo dela. Parecia ser delicioso e como eu adoro Mel,
fiquei com água na boca só de olhar através do vidro. Fui eu quem recebi a
embalagem e ela comentou que o presente era para todas as moradoras da casa e
é claro que eu iria dividir com as garotas. Mas as pessoas são mesquinhas, querem
tudo para si e são tão cretinas que mascaram as atitudes perversas através de
todos os lugares, menos nos armários “particulares” e como fui criada para
respeitar o que é dos outros, fiquei muito constrangida quando pensei em verificar
estes lugares. Só que era desaforo demais, quebrei minhas regras de conduta e
comecei a procurar nestes lugares e não fiquei surpresa quando encontrei o “Pote
perguntando porque ela tinha feito aquilo e, em sua defesa, passou a me atacar
dizer que a vizinha tinha dado o Pote de Mel para ela e que não iria dividir com
ninguém. É claro que minha primeira reação foi querer brigar, argumentar e dar
uns tapas na cara da folgada, mas respirei fundo, usei a lição número dez e
- Se você quer tanto o Pote de mel, pode ficar, ele é seu. Mas saiba que
sinto muita pena da sua situação financeira: deve estar tão ruim que nem um Pote
111
A cretina não falou mais nenhuma palavra, só pegou o SEU Pote de Mel e
foi guardar no SEU armário, que ficava em cima da pia. Ela subiu em um
equilíbrio. Para não cair, teve que soltar o vasilhame e eu observei a cena como
mãos até atingir o chão e espatifar em mil pedaços, misturando vidro com
alimento.
Eu não precisava dizer nada. Mas não aguentei segurar minha língua grande
e soltei:
disseram:
Quando fui morar com estas garotas eu já tinha aproveitado muito, mas
sempre balanceei o estudo com a diversão. Tentei ser uma boa aluna, fazia todos
os trabalhos, sempre estava presente nas aulas, tirava boas notas e tudo que eu
queria naquele momento era estudar, pois minha vida tinha mudado muito e eu
havia sido obrigada a mudar do apartamento que meu pai tinha arrumado para
mim por um grande motivo: Ladrões limparam a minha casa, roubaram tudo que
112
tinha algum valor material. Levaram até o punhal que estava em meu altar. Lição
Ainda não sabia, mas já estava usando a Lição número três e fiquei atenta
para tudo que estava acontecendo ao meu redor. Percebi que a casa sempre estava
cheia de pessoas estranhas e as garotas faziam, no mínimo, duas festas por semana
que era minha amiga, veio falar comigo. Ela disse que a situação estava
acontecendo na república e que em breve eles tomariam uma atitude. Como ela
disse, foi só um aviso. Tentei conversar com as meninas, mas elas ignoraram o
fazer o que quisessem. Isso ocorreu uns quinze dias antes do meu aniversário. Uns
três dias depois do aviso elas fizeram outra festa e pelo que fiquei sabendo foi
uma festa enorme. Eu imaginava o que poderia acontecer e não compareci, fui
eles prenderam algumas pessoas. Quando voltei, elas contaram o que havia
acontecido. As festas iriam parar por um tempo. Mas meu aniversário seria dali
uns dias, queria comemorar e elas sabiam que eu queria fazer uma reunião com
meus amigos.
113
Para meu aniversário eu não queria mais nada grandioso e cheio de gente,
então convidei umas sete pessoas, só meus amigos mais próximos, que
reclamar que o som estava alto, que iria incomodar os vizinhos. Abaixei o som,
pedi para falarmos mais baixo e elas tiveram a cara de pau de pegar as minhas
bebidas e petiscos, levar para o quarto e fazer uma festinha particular. Foi
inaceitável para mim. Falei com meus amigos para sairmos dali e comemorar em
outro lugar, então fomos para a casa de uma garota que comemorava seu
No outro dia perguntei para minha vizinha se a gente tinha feito muito
barulho e ela respondeu que não ouviu nada e só sabia que estava tendo uma festa
porque eu tinha comentado que era meu aniversário. Comecei a procurar outro
minha mudança, estava deitada e ouvi barulhos vindos da sala. Levantei e fui
parecer mentira, mas tudo que isso me ajudou a ser uma pessoa melhor e por isso
agradeço imensamente tudo que aconteceu nesta casa. Obrigada meninas por me
ensinarem a ser um ser humano melhor e aprender a ter paciência com o outro.
114
Outra experiência que mudou, mais uma vez e radicalmente minha visão de
para a grande maioria das pessoas, querer ir para o meio do mato, de livre e
apenas três dias, mas foi o suficiente para mostrar que “saber é poder”. Essa é para
lugar era lindo e quando cheguei lá percebi que era a única mulher do grupo. Foi
um desafio para todos, porque sei que os homens, quando sós, possuem hábitos
educados comigo e procurei retribuir mostrando que eu não era um peso morto.
aprendi que a sobrevivência está dentro de cada um de nós, pois eu tive que
continuar viva dia após dia durante minha vida toda. O que não te mata fortalece
o próprio alimento. Passei a dar mais valor à vida depois disso. Senti falta de
muitas coisas, como um banho quente com sabonete, da minha confortável cama,
industrializado, é obvio que não vou falar o nome da marca, quem já comeu sabe
115
que não dá para reproduzir em casa. Fico pensando que se a civilização perecer
enquanto eu estiver viva, vai ser uma das coisas que sentirei falta.
Algumas vezes acredito que sou uma pessoa muito inteligente, mas na
maior parte do tempo sinto que sou só um monte de lixo. É a genialidade que beira
para mim. Vivo uma loucura solitária, que por vezes, é descontrolada.
vida. Convém anotar suas respostas para depois analisar. Depois de responder
A BRINCADEIRA DA ESTRADA
Imagine que você está caminhando em uma estrada. Como é esta estrada?
este anel é? O que você faz com ele? Leva ou deixa ali?
116
Mais para frente, encontra uma cachoeira. Como ela é? O que representa
não ter fim, pois corta os dois lados da paisagem. Você é obrigado a pular. O que
vê do outro lado?
encontro.
aventureira, do tipo que cai no mundo com uma mochila nas costas. Se o caminho
boa uma barraca no meio do mato. Prefere uma pousadinha com um chuveiro
117
O meu caminho é de asfalto, mas as arvores cobrem os dois lados da
estrada, que também é cheia de curvas, então, não consigo ver muito a frente. As
significa que se tem coragem de ir embora quando for preciso, trilhar o seu próprio
com eles.
O meu jarro era de barro, trabalhado, antigo e bonito. Cheio de água pura e
cristalina, que matou minha sede. Tive que deixa-lo ali, mesmo não querendo.
Mas o fiz.
ele é deixado para trás, deve-se tomar cuidado para não fazer isso na vida, pode
ser que está deixando escapar algo precioso. Quando está com outra pessoa, o
amor pode estar comprometido ou acredita que não tem chances de conquista.
A cachoeira é o sexo. Quando entra nela, significa que a pessoa não tem
muitas inibições, nem medos, vai fundo. Se a pessoa fica olhando ou com medo
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A cachoeira era linda, uma grande queda de água que caia e formava um
você enfrenta?
mas depois percebi que dragões, tecnicamente, não existem, era fruto da minha
imaginação.
O muro é a morte. A pessoa que não pula, é porque tem medo dela. Mas
como é o único caminho a seguir, tem que pular. Depois, você vê algo? O caminho
Quando cheguei no muro, vi que era de pedra e antigo e como não tinha
jeito de atravessar sem pular, pulei porque tinha que fazer isso. Depois que eu cai,
Não vou colocar um ponto final porque ainda estou viva... Mas... as
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