Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
1
Manifestantes relatam agressões de policiais durante protestos
http://www2.camarapoa.rs.gov.br/default.php?reg=19733&p_secao=56&di=2013-07-03
durante o ciclo de protestos em 20132. A soma de 8 milhões de reais foi determinada pelo
magistrado paulista em caráter de danos morais e sociais.
Os danos patrimoniais por ventura causados pelos manifestantes em nenhuma
hipótese justificam a violência policial causada. A relação da polícia com os
manifestantes não está condizendo com o papel que um Estado Democrático de Direito
reserva para o seu aparato policial. Não há como fechar os olhos para esta questão. A
lógica de confronto exposta pelo aparato policial perante as manifestações e protestos
desde então se tornou algo recorrente e problemático.
Daí surge o tema proposto: estudar a polícia que está sendo posta para mediar estas
ações políticas para então repensar a categoria de polícia repressiva/ostensiva dentro de
um projeto democrático contemporâneo. Uma questão será perene durante o trabalho a
policia que temos é a polícia que queremos? Obviamente, que dentro desta que questão
estão imbricadas outras questões suplementares, qual a polícia que temos? E qual é a
polícia que queremos? Para trilhar esse caminho recuperaremos os caminhos de
transformação da policia ostensiva no brasil (mais especificamente trabalharemos com a
Polícia Militar do RS), questionando quais são os discursos que informam suas práticas?
Qual é o esquema axiológico de validação destes discursos? Para reconstruirmos um
padrão de instituição polícia iremos espelhar os resultados destes questionamentos com
os demais. Qual é a relação entre a realidade social brasileira e os padrões normativos de
um Estado Democrático de Direito ocidental? E quais são os rumos para uma polícia
nova dentro dos padrões brasileiros e possíveis?
Para responder tais perguntas é necessário então recuperar historicamente os
eventos de transformação das práticas policiais e focar nos pontos de contato entre a
polícia, protestos e manifestações públicas histórica e contemporaneamente.
O presente estudo originou-se de uma primeira reflexão sobre os limites e
possibilidades do estado democrático de direito, sobre os entraves nos processos de
construção de política social e de apreensão das demandas sociais pelo poder público.
Em um primeiro momento, o interesse foi sobre as produções legislativas e nesse estágio
atual será na atuação no limite da democracia, entre protestos, movimentos sociais e
atuação policial.
2
Disponível em: http://www.cartacapital.com.br/politica/justica-condena-sp-por-violencia-policial-em-
protestos-de-2013
O descolamento da esfera estatal da sociedade civil tem se mostrado tema premente
e atual nos estudos de sociologia política brasileira. s mani esta es incu adas
inicia mente uest o do a or da tari a de transporte pu ico caracteri aram-se pelo
protagonismo de co eti os organi ados so a ógica da “hori onta idade” e se
propagaram encontrando terreno fértil no seio do tecido social. O sintoma disso fica
exposto pela adição de outros atores sociais diversos e a inserção de reivindicações não
necessariamente ligadas ao transporte publico (e, por vezes, ideologicamente
contraditórias entre si). A efervescência de atores sociais já podia ser sentida durante o
mês de junho e continua reverberando até hoje (ROLNIK, 2013).
Aparentemente a escolha do estudo pelo viés da polícia pode parecer pouco
ortodoxa ou inadvertida, porém é necessário frisar que as instituições policiais no Brasil
estão em uma posição privilegiada para o estudo sociológico. Isto se deve a sua
constituição institucional histórica e ao papel que cumpre na socialização da população,
muitas vezes sendo a única instancia de Estado reconhecida por parte da população.
Por outro lado, as questões policiais também tem se tornado pauta do legislativo. A
Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 51/2013, do senador Lindbergh Farias (PT-
RJ), reorganiza as forças policiais extinguindo o seu caráter militar e determinando que
atuem tanto no policiamento ostensivo quanto nas investigações dos crimes. A PEC
estabelece que cada estado poderá organizar suas forças policiais da forma que
considerar mais adequada, usando critérios territoriais, de tipos de crimes a seres
combatidos ou combinando as duas formas, desde que tenham sempre caráter civil e
atuem no ciclo completo da atividade policial, isto é, na prevenção e na investigação de
crimes. A questão abordada pela PEC circunda os problemas que serão abordados de
forma mais profunda neste trabalho.
3
Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/images/imprensa/pessoas_presas_no_brasil_final.pdf>. Acesso em
31/01/16.
2000) e se mantém estável nestes altos níveis desde então (29 por 100 mil habitantes em
2012).4 Tampouco se mostrou efetivo para diminuir o abismo social provocado pela
seletividade penal e o sentimento de insegurança difundido e impregnado no tecido social
(CAMPOS, 2010).
Há alguns anos nas grandes cidades brasileiras, nota-se que o sentimento de medo e
insegurança diante do crime é cada vez mais alimentado pelo sentimento de que os
cidadãos se encontram desprotegidos. A organização material e institucional cujo escopo
é proteger as vidas e os bens, sejam eles materiais ou simbólicos da população, não tem
demonstrado eficiência no cumprimento destas tarefas. Nas últimas duas décadas, os
cidadãos, influenciados pelas intermináveis demonstrações de falibilidade das
instituições estatais, tem se manifestado constantemente com descrença perante os
governantes, as autoridades constituídas e até mesmo no poder do estado, pelo menos
quando a matéria é de segurança pública (ADORNO, 1996)
Esse sentimento de insegurança diante das percepções coletivas de aumento do
crime e da violência urbanas é potencializado pelo gerenciamento administrativo da
Justiça penal. Uma série de fatores são paradigmáticos na construção desta imagem do
poder público; morosidade nos trâmites processuais, excesso de formalidades
burocráticas e de ritos judiciais, estéril, inadequada e insuficiente instrução dos inquéritos
policiais contribuindo para o fracasso das ações penais, acúmulo de processos cujas
sentenças decisórias acabam não possuíram efetividade, e do outro lado do espectro
temos, também, a preservação de um modelo patrimonial de gestão da justiça penal, no
qual o magistrado assimetricamente se sobrepõe ao jurisdicionado, impondo seu
entendimento sobre os fatos (ADORNO, 1996). No âmbito das polícias os fatos que
denotam a crise da administração da justiça penal parecem não desmentir ninguém. As
imagens oriundas das violências na atuação principalmente da polícia militar são
deploráveis.
O esquema institucional da polícia brasileira é sui generis perante todas as polícias
dos demais países. A divisão entre polícia ostensiva e investigativa, a primeira de
categoria militar e a segunda dita civil, e a entrada diferenciada na carreira (praças x
oficiais e agentes x delegados) é ímpar na constituição dos estados democráticos de
4
Fonte: <http://www.mapadaviolencia.org.br/>. Acesso em 31/01/16.
direito. Essa separação entre as polícias faz com que a cultura institucional destas, seja
muito diferente, o que provoca uma desconfiança mútua (NASCIMENTO, 2008)
As informações obtidas acabam se fragmentando o que facilita a apropriação
particularizada, uma vez que não há, necessariamente, uma linha de integração entre as
instituições, dificultando o planejamento da segurança pública numa perspectiva global e
o controle das atividades institucionais. Até poderia se interpretar a divisão da polícia
como algo benéfico ao se considerar a possibilidade de evitar a concentração de poder.
Porém, de uma maneira geral, as divisões externas e internas das polícias geram uma
insatisfação com a distribuição das atividades e também com os salários, minando a
coesão das instituições. (MIRANDA, 2008: NASCIMENTO; 2008)
A produção e reprodução destes conflitos se refletem na atuação policial e na sua
relação com a sociedade, comprometendo a circulação de informações, o controle das
ações e a qualidade do atendimento oferecido a população. O resultado desta combinação
de instituição policial pré-constitucional com um sistema democrático representativo
liberal e elitista com certeza contribuem para o distanciamento entre cidadão e estado e
mais do que isso contribui para a fricção entre policia e manifestantes que eclodiu mais
significativamente em junho de 2013.
A trajetória das questões levantadas até agora já desvelam alguns dos desafios que
estarão no caminho da construção deste estudo. Um destes desafios é navegar sobre as
nuanças do debate da teoria critica que permanece, conscientemente, se alterando e
reformulando novas abordagens para uma critica imanente, reconstrutiva, uma
reconstrução racional ou normativa. Tais abordagens não necessariamente se superam,
mas procuram se colocar em espaços de constante reflexão e por vezes diferenciam-se
entre si (REPA, 2016). Para além dos problemas conceituais, o maior desafio da Teoria
Crítica, aqui englobando as diversas abordagens mencionadas, é a articulação produtiva
entre teoria e pesquisa. Os desenvolvimentos teóricos recentes da Teoria Crítica têm
tratado com desídia a preocupação com a pesquisa social. Isto por que
contemporaneamente o "teste" empírico das ideias teóricas perdeu importância
acadêmica, oriunda de uma ausência de estímulo a novos projetos de pesquisa empírica
no campo da Teoria Crítica (VOIROL, 2012).
Outro desafio é o processo de recuperação de documentos para a produção de um
estudo eminentemente genealógico. Sim, a genealogia é cinza, porém as instituições
brasileiras, principalmente aquelas de controle social, nem sempre cooperam com a
academia. A produção e publicidade de dados referente a atuação de instituições como as
polícias ainda é sobrestada diversas vezes por freios institucionais tradicionais. A
frustração do pesquisador fica clara quando sua pesquisa perde uma esfera de analise por
decisões institucionais arbitrárias, Nascimento (2014) refere e demonstra o quão difícil é
a produção de conhecimento dentro das polícias:
Conseguir acesso à Ouvidoria de Polícia foi trabalhoso, pois não havia tido
nenhum contato anterior com essa instituição. O jeito foi enviar um ofício,
guardar a cópia e de e em uando “passar” por á para er se ha ia a guma
resposta, até que um dia a resposta veio, com uma ligação agendando a
entrevista com o ouvidor. Os dados anteriores a 2005 não puderam ser
utilizados porque não estavam disponibilizados no site. Eles existiam apenas
na forma impressa e apesar da insistência da pesquisadora em ter acesso a eles
isso não foi possível porque na época eles não foram encontrados. A
Ouvidoria, segundo o que foi relatado pelo próprio ouvidor, tem um
funcionamento bem simples, uma vez que não realiza investigações e,
portanto, não lida com inquéritos ou processos. Segundo ele, o papel da
instituição é o de fiscalizar o trabalho das corregedorias e ver se as denúncias
recebidas estão de fato tendo o encaminhamento adequado. A instituição fica
localizada no mesmo prédio da CGU.
REFERÊNCIAS
ALVAREZ, Marcos César. SALLA, Fernando. DIAS, Camila Nunes. Das Comissões de
Solidariedade ao Primeiro Comando da Capital em São Paulo. In: Tempo Social. Revista
de Sociologia da USP, v. 25, n. 1, 2013.
movimentos antes dos protestos de 2013. Revista Novos Estudos, ed. 97, nov. 2013.
. Org. e trad. R. Machado. 15. ed. Rio de
Janeiro: Graal, 2000
MIRANDA, Ana Paula Mendes de. Controle interno e externo em órgãos públicos: é
possível falar em responsabilização no Brasil? 2008, no prelo.
NIETSCHE, Friedrich. Genealogia da Moral. São Paulo: Companhia das Letras, 1998
REPA, Luis Sergio. Reconstrução e crítica imanente: Rahel Jaeggi e a recusa do método
reconstrutivo na Teoria Crítica. Cadernos de Filosofia Alemã: Crítica e Modernidade.
USP. São Paulo. v. 21; n. 1. pp.13-27
TAVARES DOS SANTOS, J. V.; TEIXEIRA, A. N. Atores sociais jovens nos protestos
de 2013. In: CATTANI, Anto .
Porto Alegre: Tomo Editorial, 2014.
u u u : Boitempo:
Carta Maior, 2013.