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Teoria do Caos

Introdução
Você certamente já planejou algo do tipo: “amanhã à tarde irei à casa de meu colega para juntos irmos à
praia”. Então você acorda com um belo dia ensolarado mas aos poucos o céu fica completamente nublado, mesmo
com a previsão meteorológica: “Fim de semana com sol durante o fim de semana em todo o Estado”.
Se eu lhe disser que o que aconteceu de inesperado em seu dia é culpa do “caos”, você deverá concordar
comigo e até mesmo dizer que o clima mundial é realmente um caos. Pois bem, vamos nos deter um pouco nesta
palavra: caos. Ela era usada pelos gregos significando vasto abismo ou fenda. A palavra também alude ao estado de
matéria sem forma e espaço infinito que existia antes do universo ordenado, suposto por visões cosmológico-
religiosas. E, finalmente, o sentido mais usual de caos: desordem, confusão.
Você poderá ficar triste e dizer: devido a esta desordem do caos, nunca saberei quando o clima estará
propício a ir à praia. Mas e se eu lhe disser que por trás desta desordem climática há uma ordem escondida?
Assim, a teoria do caos não é uma teoria de desordem, mas busca no aparente acaso uma ordem intrínseca
determinada por leis precisas. Além do clima, outros processos aparentemente casuais apresentam certa ordem,
como por exemplo o quebrar das ondas do mar, crescimento populacional, arritmias cardíacas, flutuação do mercado
financeiro, etc.
Talvez isto seja animador, mas você ainda deve saber que em situações onde aparentemente há ordem, como
por exemplo o movimento de um pêndulo de relógio cuco, um pouco de caos ainda subsiste. Esta é a teoria do caos:
há ordem na desordem e desordem na ordem.

Histórico
Cenário: Departamento de Meteorologia do Boston Tech, atualmente conhecido como MIT (Instituto de
Tecnologia de Massachusetts), ano: 1955. Um cientista de cerca de 38 anos, chamado Eduard Norton Lorenz,
preenche a vaga deixada por Thomas Malone no corpo docente deste departamento. Lorenz herda, desta forma, a
direção de um projeto de pesquisa cujo estudo se concentrava na previsão estatística do tempo. Herda também a
possibilidade de participar daquilo que seria o início de “uma nova ciência”
A previsão estatística do tempo é muito parecida com a previsão sinóptica, que se caracteriza por se basear
mais em observações do passado do que em princípios físicos. Tal forma de previsão era do tipo linear, ou seja, a
temperatura de um local poderia ser prevista e calculada como sendo uma constante a, somada com uma constante b
mais uma outra constante c multiplicada pela temperatura de hoje em um outro local... O trabalho do meteorologista
se limitava a determinar os valores destas constantes a, b, c ... e os preditores – elementos climáticos que
multiplicam as constantes.
Lorenz não estava muito satisfeito com os resultados de previsões sinópticas e numéricas obtidos com
equações de caráter linear. Então, num encontro em Wisconsin, 1956, propõe previsões a partir de sistemas de
equações não lineares. Isto era bem razoável pelo fato de que a linearidade perfeita fazia com que cada variável
sempre assumisse os mesmos valores apresentados no ciclo anterior. Resumindo: Lorenz foi levado a concluir que as
equações deveriam apresentar soluções não periódicas. Poder-se-ia fazer uso de um computador para resolver tais
equações e chegar a uma previsão mais correta.
Aconselhado por um colega de departamento, Robert White, Lorenz começou a efetivamente usar um
computador. Utilizando um Royal McBee LGP-30, Lorenz criou um modelo de previsão que apresentava um
conjunto de apenas 14 variáveis, que foram mais tarde reduzidas até 12 variáveis. Tal modelo tinha como objetivo
reproduzir o movimento das correntes de ar na atmosfera. O baixo poder computacional que seu primitivo
computador apresentava forçava o cientista a poupar recursos, arredondando casas decimais, suprimindo as vírgulas
dos números... etc. Ainda assim era possível traçar gráficos que representavam as condições meteorológicas desta
atmosfera artificial. Dias ou meses de condições climáticas podiam ser simulados em poucos instantes.
Aproximava-se o final da década de 1950. Certo dia, Lorenz decidiu repetir alguns cálculos em seu modelo.
Para isto parou sua simulação computacional, anotou uma linha de números que havia sido apresentada tempos antes
e digitou-a, fazendo com que o programa rodasse novamente. Como cientista típico, foi tomar um café. Voltando
instantes depois, para sua surpresa, notou que os novos números da simulação nada pareciam com os impressos
anteriormente. Inicialmente eram iguais, depois de algum tempo começavam a diferir na última casa decimal, então
na penúltima, na antepenúltima... Fisicamente este resultado poderia ser interpretado como sendo as condições
climáticas que, primeiramente, comportavam-se de forma semelhante à simulação anterior, dias após surgiam
pequenas diferenças, depois diferenças cada vez maiores até que, semanas depois, as características climáticas eram
totalmente diferentes das características da simulação anterior.
Por que isto ocorreu? A conclusão do cientista foi de que os números digitados não eram exatamente os
mesmos; estavam arredondados! Esta pequena diferença, embora irrisória no início, foi de maneira tão incisiva se
avolumando até que mudasse totalmente o resultado final. A isto denominamos caos.
Em 1971, o físico matemático francês David Ruelle apresentou na Califórnia uma palestra intitulada “Os
atratores estranhos como uma explicação matemática da turbulência”. O termo “atrator estranho” foi citado pela
primeira vez no artigo conjunto de Ruelle e Floris Takens: “Sobre a natureza da turbulência”, que originou a palestra
supra citada. Este artigo influenciou enormemente a recém criada teoria do caos.
Atrator é apenas uma representação gráfica de estados de um sistema. Mesmo sem jamais ter ouvido falar
sobre atratores, Lorenz já havia visto um; seu atrator assemelhava-se a uma borboleta.
Embora a palestra de Ruelle tenha chamado a atenção dos estudiosos do caos para uma forma de
representação gráfica bastante interessante, nenhuma influência seria de tal monta como a que causou um instigante
artigo elaborado por Lorenz. Intitulado “Previsibilidade: o bater de asas de uma borboleta no Brasil desencadeia um
tornado no Texas?”, o artigo foi apresentado em 1972 em um encontro em Washington. Lorenz não responde à
pergunta mas argumenta que:
a) se um simples bater de asas de uma borboleta pode ocasionar um tornado, então todos os bateres
anteriores e posteriores de suas asas, e ainda mais, as atividades de outras inúmeras criaturas também o poderão;
b) se um simples bater de asas de uma borboleta pode ocasionar um tornado que, de outra forma, não teria
acontecido, igualmente pode evitar um tornado que poderia ser formado sem sua influência.
O que Lorenz queria dizer é que insignificantes fatores podem amplificar-se temporalmente de forma a
mudar radicalmente um estado. Assim, a previsão do tempo a longo prazo continua a ser algo inalcançável, pelo fato
de que nossas observações são deficientes e os arredondamentos que utilizamos, inevitáveis.
O best seller de James Gleick “Caos: a criação de uma nova ciência” (1987) apresenta como um dos
principais capítulos o intitulado “O efeito borboleta”. De uma forma tão coincidentemente incrível, como talvez
somente o destino consegue fazer, a forma do atrator de Lorenz e o ponto principal deste seu artigo são os mesmos:
a borboleta. Por isto costuma-se associar à teoria do caos o chamado “efeito borboleta”. Mas quando alguém lhe
disser com veemência que o efeito borboleta é chamado assim devido ao atrator; ou afirmar que é por causa do
artigo, duvide, pois o próprio Lorenz desconhece o motivo.

Fractais
Quando você pensa em uma certa mercadoria, qualquer que seja ela, você sabe que seu preço ora sobe, ora
desce, ou seja, dado um intervalo considerável de tempo, este preço se comporta de forma imprevisível. Várias
podem ser as causas para este comportamento: a mudança de certas regras comerciais, uma expectativa de falta
iminente da mercadoria, ou ainda, uma retração geral da economia... etc. De uma forma geral, os preços devem
variar aleatoriamente e ordenadamente. Paradoxo? Não. Em uma escala micro, em curto prazo, os preços se
comportam desordenados; mas em numa escala macro, em longo prazo, há certas tendências ordenadas como
quando, por exemplo, há um longo período de recessão.
Quando um estatístico estuda certos dados, tais como o preço de certa mercadoria, ele utiliza uma
ferramenta indispensável: um gráfico em forma de sino que representa a distribuição gaussiana ou normal dos dados.
Esta curva mostra, neste caso, os preços de certo produto em um certo período de tempo. Desta forma a maioria dos
valores discretos de preços se situa na parte central desta curva, ou seja, a média, enquanto que dos lados desta parte
central a curva cai rapidamente.
Existiria um padrão nestes preços? O economista Hendrik Houtahkker aplicou esta forma de sino para
estudo de oito anos de preço de algodão, constatando que a curva não se ajustava à distribuição normal
perfeitamente. De forma estranha, a curva se alongava ao invés de cair rapidamente.
Algum tempo depois, Benoit Mandelbrot, um jovem matemático, foi convidado para fazer uma palestra no
departamento de economia de Havard, do qual Houtahkker era professor. Coincidentemente, Mandelbrot tinha em
mente uma figura bastante parecida com o diagrama de preços de algodão que Houtahkker tinha em sua sala.
Mandelbrot concluiu que os preços de algodão seriam um bom conjunto de dados que ele poderia utilizar para
prosseguir seus estudos. Eles eram numerosos – havia dados de mais de um século – e não continham interrupções.
Mandelbrot fazia parte da International Business Machines Corporation (IBM) e usou os computadores da
empresa para processar os dados dos preços do algodão. Como Houtahkker já havia notado, os números mostravam
aberração quanto à distribuição normal. O que era impressionante é que havia certa ordem oculta, havia simetria em
pequenas e grandes escalas. Isto significava que as seqüências de variações independia da escala. Olhando as
variações diárias e comparando-as com as variações mensais, notava-se que elas correspondiam-se perfeitamente.
Era isto o que Mandelbrot procurava! um padrão onde, pensava-se, só existiria aleatoriedade.
A IBM começou a enfrentar problemas em suas linhas telefônicas que eram usadas para a transmissão de
dados. Vez ou outra havia certos ruídos que causavam erro nos dados transmitidos. Quando Mandelbrot começou a
analisar o problema, soube que os ruídos, apesar de aleatórios, apresentavam características peculiares: em certos
períodos praticamente não havia ruídos, enquanto que em outros, havia vários erros de transmissão e mais: dentro de
períodos de erro havia períodos de transmissão perfeita. A previsão dos ruídos era impossível.
Haveria alguma relação deste fenômeno com o comportamento dos preços de algodão? Mandelbrot
acreditava que sim. A intuição geométrica era uma de suas qualidades e logo associou a distribuição de erros a uma
construção matemática chamada conjunto de Cantor, nome dado em homenagem ao matemático russo George
Cantor (1845-1918). Tal construção é simples. Comece com uma linha de certo tamanho; tire o terço médio; tire o
terço médio das duas linhas restantes; repita o processo várias vezes. O que sobra são finas linhas, chamadas poeira
de Cantor.
Mandelbrot concluiu que esta abstração matemática representava exatamente o ruído nas transmissões.
Assim, a solução que a IBM poderia tomar era nula, ou seja, a empresa deveria aceitar o fato de que os erros são
inevitáveis e usar estratégia de redundância para descobrir e corrigir os erros.
O conceito da poeira de Cantor era totalmente incomum na matemática sob o ângulo de dimensão. Numa
visão euclidiana, como sabemos, um cubo tem dimensão 3 porque apresenta largura, comprimento e altura; uma
folha de papel possui dimensão 2 porque tem largura e comprimento; um fio tem dimensão 1 por apenas ter
comprimento e, finalmente, um ponto tem dimensão 0 pois não apresenta nenhuma das qualidades.
Mas quando se pensa nas formas da natureza, como contorno de uma folha, do litoral, de uma montanha, de
um fragmento de rocha, esta geometria se mostra deficiente. Nas palavras de Mandelbrot: “nuvens não são esferas,
montanhas não são cones”. Sobre estas idéias, Mandelbrot escreveu um artigo denominado “Que extensão tem o
litoral da Grã-Bretanha?”, onde analisa o processo de mensurar uma forma irregular como o litoral. Para descrever
as formas da natureza, Mandelbrot foi além destas dimensões inteiras 0, 1, 2, 3, chegando a dimensões fracionárias.
Faltava um nome para as formas que Mandelbrot pesquisava. Certo dia, ao folhear um dicionário de latim
que seu filho terminara de trazer da escola, a palavra foi encontrada: o adjetivo fractus, do verbo frangere, quebrar,
fraturar. Daí surgiu a palavra que viria, a partir dali, revolucionar a maneira como são estudadas várias propriedades
de diversos campos científicos: fractal.
Difícil conceber objetos de dimensão 2,73, não é mesmo? Realmente. Mas aqui você pode pensar em
dimensões não inteiras como grau de aspereza ou grau de fragmentação. Voltando ao estudo do litoral, Mandelbrot
viu que o grau de irregularidade permanecia constante, qualquer que fosse a escala utilizada. Isto significa que, seja
de perto ou de longe os padrões de forma são os mesmos (da mesma forma que os preços do algodão). A
irregularidade é, paradoxalmente, regular.
Esta é uma das principais características dos fractais: a auto-semelhança. Você vê isto sempre que corta um
pedaço de couve-flor e vê que este pedaço é semelhante à verdura inteira. Um “pedaço” da poeira de Cantor é
semelhante ao conjunto inteiro.

Meteorologia
Os fenômenos meteorológicos têm oferecido magníficos exemplos do comportamento caótico de sistemas
dinâmicos. Em se tratando de eventos climáticos, pequenas causas produzem grandes efeitos. O conhecimento desse
conceito obriga os cientistas a jamais menosprezarem fatos aparentemente inócuos. Tudo é importante, sempre.
Além disso, há que se considerar sempre as condições iniciais, capazes de determinar sensíveis mudanças nos
processos.
O capricho de um único elétron, por exemplo, pode transformar um dia ensolarado em um dia de chuva. Ao
acaso, durante um instante, um elétron deixa de exercer a atração gravitacional padrão nas moléculas do ar. Resulta
disso uma pequeníssima alteração na trajetória dessas moléculas e elas passam a colidir umas com as outras de
maneira ligeiramente distinta. A mudança provoca um desvio e evita a colisão plausível de duas moléculas. Essa
movimentação anômala, combinada a um pouco de vento, gera uma turbulência e se propaga pela atmosfera.
Esse pequeno e fundamental evento, encadeado a outros, é capaz de modificar radicalmente o regime de ventos e a
temperatura em uma vasta região. Passam-se as horas, e o encontro de massas de ar pode provocar uma forte chuva
sobre áreas às quais, antes, se destinava a luz do sol. Um novo capricho de um eletronzinho pode, no entanto,
interromper uma série de dias chuvosos e trazer de novo a alegria do bom tempo

O caos por escrito


A literatura e as narrativas orais estão repletas de exemplos da presença do caos nas vidas humanas. Em
realidade ou ficção, os escritores e jornalistas mostram como é complexa a teia dos acontecimentos, e como é
também complexo o tecido da teia. "Pela falta de um prego, perdeu-se a ferradura; pela falta da ferradura, perdeu-se
o cavalo; pela falta do cavalo, perdeu-se o cavaleiro; pela falta do cavaleiro, perdeu-se a batalha; por falta da
batalha, perdeu-se o reino."
Os exemplos multiplicam-se no dia-a-dia, em fatos reais. O italiano chegou adiantado alguns minutos ao
aeroporto e embarcou noutro avião. Aquele que lhe era inicialmente destinado, o Jumbo da TWA, explodiu no ar
minutos depois da decolagem. O tenista brasileiro Fernando Meligeni vai sacar, em um jogo na Olimpíada de
Atlanta. Um torcedor anônimo, na platéia grita: "ele vai errar!". A "praga" é destinada ao adversário, mas mesmo
assim Meligeni perde a concentração, perde o ponto, depois o jogo e a chance de obter medalha.
Caos em tempos de racionalismo - Em 1809, Wolfgang Goethe compõe uma obra clássica que mostra
quão imprevisível pode ser o futuro de um homem. Em "Afinidades Eletivas", Goethe faz referência ao fenômeno
químico em que dois elementos associados, sob atração de dois outros elementos, se desagregam para formar dois
novos pares. A vida tranqüila de um casal é subitamente transformada pela chegada de dois hóspedes. O autor
mostra as forças da natureza, aparentemente ocultas, em ação sobre as relações pessoais e sociais. Goethe fala sobre
um mundo de "incertezas inextricáveis". A obra detecta os paradoxos da consciência racional que se consolidou com
o Século das Luzes.
Na teia das estradas - O escritor italiano Italo Calvino produz uma alegoria do caos e da multiplicidade
em seu conto "A Aventura de um automobilista", do livro "Os Amores Difíceis". Um homem briga, por telefone,
com a namorada que mora em outra cidade. Ele diz que pretende terminar a relação e ela responde que ligará para
um outro pretendente. Em seguida, ele se arrepende do que disse e resolve viajar de carro para desculpar-se.
Na estrada, à noite, inúmeras possibilidades atormentam o apaixonado. Imagina que qualquer carro que
vem na direção contrária pode ser o de sua amada, o que criaria um desencontro. Depois de muito pensar resolve
retornar, mas qualquer carro na direção contrária pode ser o do rival, que estaria rumando para um encontro com
moça.
O protagonista imagina que os três podem continuar indefinidamente a correr para frente e para trás
naquela estrada. "Verdade que o preço a ser pago é alto, mas temos que aceitá-lo: não podermos nos distinguir dos
muitos sinais que passam por este caminho, cada um com um significado seu que permanece escondido e
indecifrável, pois fora daqui não há mais ninguém capaz de nos receber e nos entender."

O demônio da Laplace
Nos séculos 18 e 19, os modelos científicos mecanicistas colocam de lado os episódios de irregularidade ou
o atribuem a desacertos nos métodos de análise. Euler é uma das poucas vozes discordantes, ao teorizar sobre
acontecimentos que fogem ao determinismo das leis. Nessa época, as teorias baseadas na necessidade e na razão
tendem a influenciar também o entendimento das ciências políticas e sociais. Surge a chamada "matemática social",
de Maupertius e Condorcet. Esses conceitos, elementos essenciais ao desenvolvimento da estatística, regem os
trabalhos de boa parte dos iluministas.
Em 1814, Laplace refere-se, em um ensaio sobre as probabilidades, a uma idéia que se tornaria base de
partida para todos os debates futuros sobre o caos, o acaso e o determinismo. Trata-se do "demônio de Laplace",
entidade que poderia ter pleno conhecimento sobre todo os fatos. "Devemos, portanto, ver o estado presente do
universo como o efeito de seu estado anterior, e como a causa daquele que virá. Uma inteligência que, em qualquer
instante dado, soubesse todas as forças pelas quais o mundo natural se move e a posição de cada uma de suas partes
componentes, e que tivesse também a capacidade de submeter todos estes dados à análise matemática, poderia
encompassar na mesma fórmula os movimento dos maiores objetos do universo e aqueles dos menores átomos; nada
seria incerto para ele, e o futuro, assim como o passado estaria presente diante de seus olhos", afirma.
Mas Laplace acrescenta: "Todos os esforços...O tendem a levar a mente humana cada vez mais próxima
daquela inteligência, mas que ainda permanecerá sempre infinitamente inatingível". A afirmação de Laplace revela
que seu conceito de probalidade tem ligação com as limitações do conhecimento humano.
Na segunda metade do século passado, a evolução da teoria cinética dos gases resulta na produção de um
modelo estatístico que apresenta sistemas com altos graus de liberdade. Maxwel atribui um aspecto de incerteza
intrínseca ao conhecimento baseado em estatísticas. Mostra também a influência dos "pontos de singulares" na
alteração do funcionamento dos sistemas. No final do século, Poincaré realiza um trabalho sobre o "problema dos n-
corpos". Trata-se de uma série de estudos gravitacionais relativos à mecânica celeste. O trabalho serve para acender
novamente a chama da dúvida e abrir os olhos de cientistas e filósofos para a complexidade e a sofisticação dos
fenômenos que regem a natureza

A nova ordem controla a internet


A fantástica malha de informações da Internet é hoje um modelo vivo das relações caóticas do universo. Na
rede, conjugam-se as ofertas da multiplicidade e as dúvidas da escolha. Um pesquisador que prepara um estudo pode
servir-se, via computador, de milhões de diferentes informações. Em poucos minutos, em condições técnicas ideais,
pode colher dados oferecidos por um colega chinês e compará-los com o de outro na Groenlândia.

O pesquisador da Universidade de São Paulo (USP), Ronaldo Entler, tem se dedicado a estudar os
processos caóticos na produção artística e no uso dos novos sistemas informatizados de comunicação. Em suas
observações, percebeu claras similaridades entre sistemas dinâmicos das ciências físicas e as teias de informação da
Internet. "A rede oferece acesso a diferentes assuntos, todos interligados, em ordens que não obedecem
necessariamente aos catálogos das bibliotecas e aos processos de pesquisa convencional", analisa. "A maneira como
se trilha o caminho da informação acaba por alterar as indagações do pesquisador e o resultado final de seu
trabalho".
Em seu trabalho "O Caos na Rede e a Ruptura das Hierarquias", Entler destaca a interdisciplinaridade como
virtude de um novo padrão de construção do conhecimento. Na Internet, as informações não estão necessariamente
arquivadas como nas estantes de uma livraria. Na busca por um dado, esbarra-se ao acaso em uma série de
informações correlatas, muitas vezes capazes de enriquecer o estudo em curso. "A situação sugere que o pesquisador
se coloque sensível aos eventuais novos caminhos, apontados no próprio trajeto", teoriza Entler.
De acordo com o pesquisador, a Internet tem articulado uma nova ordem no aparente universo dos dados
desconexos e da informação desencontrada. O histórico divórcio entre a rede e os sistemas convencionais de
pesquisa teria três aspectos fundamentais: multiplicidade dos gêneros de informação, novos métodos de
classificação de dados e interatividade. Entler acredita que o novo perfil dos meios de comunicação e interação
determinará uma nova concepção de pesquisa de estruturação do conhecimento adquirido. "O caos não é um
obstáculo a ser transposto, já que é uma característica genética da Rede", afirma. "É, ao contrário, um estímulo à
livre experimentação".

Sociedade caótica
Em 1987, Mitchell Waldrop (pesquisador em nuclear de Los Alamos, EUA) apresentou um programa
de computador no qual se simulava um bando de pássaros. Estes eram distribuídos randomicamente pela tela, e, a
partir desses pontos se uniam para formar bandos, como na realidade. Juntando-se; afastando-se; fundindo-se em
formações que mutantes.
Para seu comportamento, cada pássaro seguia (fora programado) com apenas três regras: 1ª, manter um
mínimo de distância um dos outros; 2ª, tentar voar a mesma velocidade e; 3ª, tomar a dianteira quando estiver em
grandes concentrações. O padrão complexo e variante dos bandos de aves, sua coletividade, estava sendo imitado
usando apenas três regras simples, e todas aplicadas cada pássaro do programa individualmente.
Com apenas três regras simples se conseguiu criar uma entidade complexa e capaz de resolver
problemas organicamente.
Isso pode ser aplicado a pessoas também. Isto já foi feito por Mike McMaster, diretor-gerente do
Knowledge Based Development Ltd., uma firma de consultoria localizada em Berkshire, Reino Unido. Para
aumentar a produtividade de um campo de petróleo, resumiu o trabalho em apenas quatro princípios básicos, não
para simplificá-lo, mas para criar uma unidade complexa, capaz de lidar com as condições mutantes tão rápida e
organicamente quanto um bando de pássaros. Segundo McMaster, “o problema é que nós matamos a complexidade
com regras e estruturas rígidas que bloqueiam o fluxo natural da informação. Assim o que fazemos é simplesmente
olhar para os quatro princípios e deixar o resto cuidar de si mesmo, de modo a deixar emergir a criativa
complexidade”.
Com poucas variáveis busca-se criar identidades bandos de pássaros, grupo de trabalho, etc. caóticas,
ou seja, que se adaptem facilmente às mudanças do nosso mundo caótico. Mas não se consegue hoje, e muito
provavelmente nem em um futuro próximo, prever o comportamento de algo caótico. Vejamos isto no que segue.
Hoje, o dinheiro impresso é mera formalidade. Ele é virtual, com transações bilionárias transatlânticas
e transpacíficas se concretizando em décimos de segundo. E também em décimos de segundo, pequenos oscilações
localizadas podem fazer do mercado mundial inteiro seu epicentro. Nessa constante metamorfose, turbulência é a
palavra-chave e a Teoria do Caos a ferramenta adequada para não prever tentar analisar a complexidade do mundo
atual e se tornar preparado para tomar uma mudança radical de rumo a qualquer instante; e a noção de equilíbrio
econômico não tem valor algum.
Tornar-se preparado para tomar uma mudança radical de rumo a qualquer instante. O mercado nada
mais é que a união dos consumidores, pessoas com dinheiro para gastar ou a falta dele, seus anseios, a tentativa de
agradar aos outros, as opiniões condicionadas pelo resto da sociedade, etc. Então, por análise, pode se dizer que ele é
um sistema caótico, com diversas variáveis imensuráveis pela inteligência humana e seus inventos, e com resultado
extremamente sensível a elas ( xy sendo x a variável e y uma constante ). Vejamos algumas opiniões sobre o assunto.
Cesar Boschetti, em O Império do Caos:
“Este sistema altamente complexo e dinâmico, não necessariamente, produzirá equilíbrio.
Pode parecer irônico, mas o plano mais bem intencionado e elaborado objetivando o equilíbrio, pode
perfeitamente conduzir ao cenário oposto, isto é, ao caos. A sensibilidade às condições iniciais pode
também significar a vida ou morte de um produto. Um bom exemplo neste sentido é o dos videocassetes. A
SONY, com o seu sistema Betamax, saiu na frente da pequena JVC com seu formato alternativo VHS.
Entretanto em pouco tempo o formato VHS simplesmente tomou conta do mercado. As teorias econômicas
tradicionais não conseguiram explicar satisfatoriamente o que aconteceu. O sistema VHS não foi uma
expansão do mercado como era de se esperar, foi uma tomada completa do mesmo. Segundo os teóricos do
caos, foi a sensibilidade inicial do mercado que comandou o processo. Os dois sistemas entraram em cena
quase ao mesmo tempo e com preços semelhantes. Os atributos de qualidade de imagem do Betamax eram
até superiores aos do VHS. Ocorre que o sistema VHS possibilitava gravações mais longas, e o mercado
estava mais sensível a este aspecto. Isto mostra ainda que o empresário e administrador do futuro terão
que conviver com o caos e conscientizar-se de sua dinâmica. Acima de tudo, deve-se ter em mente que Caos
é um poder ao mesmo tempo criador e destruidor e seu estudo precisa ser visto com otimismo equilibrado.
A Teoria do Caos é uma ferramenta poderosa, mas não é a única. Apesar de alguns progressos já feitos na
identificação do problema, há ainda um longo e caótico caminho a percorrer. Contudo, os fatores de risco,
antes debitados exclusivamente na conta do acaso, agora possuem uma identidade e uma Teoria. Mesmo
que jovem, esta teoria é sem dúvida um bom começo.”
Simon Caulkin Across the Board, em Caos e Complexidade: É isto que virá depois da Reengenharia?:
Muitos estrategistas acreditam que o sucesso é o resultado da manutenção de um equilíbrio
adaptativo com o ambiente. Se isso fosse verdade, a liberdade de administrar seria reduzida à escolha da
adaptação certa ou errada. No mundo da complexidade, os riscos são muito maiores. Primeiro porque
equilíbrio significa morte. Segundo porque em condições não-estáveis e evolutivas, o ambiente também se
adapta à companhia tanto quanto esta a ele. As implicações disto significam que a companhia não pode
culpar o ambiente por suas falhas ▬a empresa bem sucedida é vertiginosamente livre para criar seu
próprio futuro.
Ralph Stacey, professor de Administração da Hertford Business School e autor de dois estudos sobre
administração e teoria do caos:
“Os sistemas puramente físicos ou químicos são determinísticos as regras são as mesmas,
mesmo se os resultados reais não puderem ser previstos. Mas sistemas orgânicos complexos como o das
espécies, ecológicos ou sociedades são adaptativos em vez de determinísticos, de modo que as regras
mudam à luz das conseqüências do comportamento que elas mesmas produzem.”
Mas a sociedade caótica não é um privilégio dos nossos tempos. Claro, antes da ultima revolução das
comunicações, com a Internet, as informações eram lentas e, por conseguinte, as transformações mais lentas ainda.
Mas mesmo com uma velocidade nem comparada com a que estamos nos acostumando, estas mudanças pegaram os
antigos governantes devido à grande arrogância destes. Nada poderia acabar com seus Impérios; o mundo nunca
mudaria. Porém, um pequeno grupo de camponeses percebeu que não era propriedade dos senhores feudais, o povo
russo percebeu que o socialismo não existia realmente, etc.
Em suma, a sociedade é caótica, como todo o resto do universo pois é extremamente sensível e contém
infinitas variáveis, muitas das quais acima da compreensão humana. E qualquer mudança nessas variáveis, uma
pessoa apenas entra todas no mundo pode mudar este. Hitler, Marx, Einstein e muitos outros, sozinhos já que as
idéias partiram deles mudaram o mundo para sempre... e do nada. Não podemos prever quando isso vai acontecer de
novo, mas sim ficarmos preparados para mudanças.

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